A MÚSICA COMO LINGUAGEM E MANIFESTAÇÃO DA PEQUENA
INFÂNCIA. Maria Cristina de
Campos Pires.1 São Paulo/SP.Esta comunicação visa apresentar o estudo de experiências sonoras das crianças
pequenininhas, entre 0 e 3 anos de idade, que freqüentam creche pública. Reflete
sobre a música como linguagem e manifestação da criança pequenininha.
.Apresenta uma bibliografia italiana em que os estudiosos da infância destacam a
temática da música e a criança pequenininha, durante as atividades do dia-a-dia
no CEI, trazendo a importância do contato das crianças com diferentes formas
musicais, para uma boa escuta e produção de culturas infantis e o reconhecimento
do ambiente onde vivem.
(Palavras-chave: Criança pequenininha; Creche; Música; Paisagem
sonora)
Após estudo sobre as crianças pequenas que freqüentam uma creche
pública da cidade de São Paulo e minha pesquisa revelou que estes
pequenininhos e pequenininhas, realizam experiências sonoras para se expressar,
explorar e ampliar a paisagem sonora que os circundam desde o útero materno.
Estas manifestações realizadas pelos freqüentadores das creches, na maior
parte das vezes não são compreendidas pelos profissionais que educam as
crianças como uma pesquisa sonora, ou expressão, mas como desordem,
confusão, um verdadeiro tumulto no grupo.
Para discutir esta concepção, este texto tem o objetivo de compartilhar
algumas reflexões com as educadoras e educadores de educação infantil a
respeito da linguagem sonora da pequena infância, a partir de estudos realizados
por pesquisadores da área de música que têm trabalhado com a educação infantil,
os quais consideram que os sons são produzidos através de objetos do cotidiano.
Para o músico americano John Cage(2001), música é som dentro e fora
das salas de concertos. Já Murray Schafer(1991), preocupado com a poluição
sonora do planeta, criou o termo Paisagem Sonora (do inglês Soundscape) e
definiu que este é a coleção de sons que cada indivíduo guarda no decorrer de
sua vida em seu tempo e espaço. O autor acredita que devemos ouvir com maior
cuidado os sons contemporâneos para poder interferir esteticamente e melhorálos, e assim, também o mundo.
Trazendo estes conceitos para a educação infantil podemos dizer que a
música, num conceito mais amplo é composta não só por peças do repertório
universal, como concertos, música popular e infantil, sua base encontra-se nos
sons que pertencem à natureza, ao espaço urbano, aos maquinários e tantos
outros espaços.
Arianna Sedioli(2003), educadora e atelierista musical italiana, declara que
as crianças muito pequenas são atraídas e cativadas pela sonoridade da natureza,
mas não misturam os timbres, como acontece com os fenômenos visuais. As
crianças cuidam de ouvir e fazer um som de cada vez, quando têm um objeto
sonoro em suas mãos.
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Mestre pela FE – Unicamp, pesquisadora do CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e ação Cultural,
formadora do projeto Rede em Rede de SME/PMSP
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Retomando então a essência desta reflexão, a linguagem musical da
pequena infância é constituída por ouvir os sons da paisagem sonora,
experimentar sons com diferentes instrumentos sonoros, ouvir músicas de
diferentes formas, cantar as canções que compõem o acervo da cultura infantil,
produzir pequenas peças sonoras, entre outras possibilidades revelando também
as culturas infantis .
Às professoras então, o papel é de provocar e facilitar, a construção desta
linguagem, como diz Sedioli(2003), uma delicada missão sonora, inventando jogos
explorativos que, como lentes de aumento, ajudam as crianças a colocarem no
primeiro plano as riquezas auditivas do ambiente.
Neste sentido, ao depararmos com bebês experimentando a sonoridade de
um objeto por repetidas vezes, é fundamental provoca-los nestas e em outras
descobertas com outros objetos para perceberem as diferenças e fazer suas
escolhas.
Ressalto que as crianças são excelentes ouvintes, desde os primeiros dias
de vida, são atraídos pelos sons musicais e manifestam-se de diversas maneiras,
como sorrisos e pequenos movimentos de braços e pernas.
Segundo Delalande (1995), os bebês interagem com os sons, por
intermédio de movimentos corporais diversos, como palmas, toque em brinquedos
sonoros que enfeitam o berço, toque com os pés no local onde estão deitados ou
sentados, para ele, esta interação é sonora e motora e repleta de significados,
portanto, é um instrumento fundamental e auxiliar da prática pedagógica, na
medida em que favorece a observação e a captação dos significados destas
relações realizados pelas crianças pequenas. São movimentos que se repetem e
se transformam, porque as experiências acontecem de diferentes maneiras com
os objetos do cotidiano, demonstrando sensações de prazer ou não com os sons
presentes no ambiente da criança neste processo exercitam seu imaginário e se
expressam.
As reações dos bebês mostram o quanto estão atentos a tudo que ocorre
ao seu redor e como manifestam também seus interesses, por uma ou outra
situação, com maior ou menor prazer.
Este pensamento contraria a idéia de que a criança é apenas um ser em
formação que futuramente mostrará seus conhecimentos, desejos e gostos,
porque a relação das crianças com os sons tem suas raízes, segundo Disoteo
(2003), desde o útero materno, na medida em que o ouvido, sendo um dos
primeiros órgãos a se formar, “capta” o ritmo do coração da mãe e outros sons
corporais. A existência desta experiência pré-natal nos mostra que o
conhecimento do mundo para a criança se inicia de forma sonora, ou seja, a vida
do feto é animada com a sonoridade interna do corpo materno, inclusive o timbre
da voz da mãe faz parte do universo sonoro infantil desde que existe a vida. E, a
natureza oferece para os bem pequenos as folhas caindo, a chuva, o trovão entre
outros sons que privilegiam os parâmetros sonoros; uns mais que outros.
Constatei em minha pesquisa que as crianças pequenininhas brincam com
os sons com os quais entram em contato e transformam num grande jogo de
repetição, escolhas e trocas com outras crianças, formando pequenos “grupos
musicais”. Com o passar do tempo, a conseqüente ampliação de sua vivência
sonora, as crianças identificam a fonte e produzem seus sons, experimentando a
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voz, as pernas e braços, os objetos; ouvindo as canções e músicas do ambiente
onde vivem e assim, construindo sua paisagem sonora.
Outro dado interessante nesta construção é quando, objetos que
aparentemente parecem banais, podem conter uma magia sonora para as
crianças, como tampas de panelas, molho de chaves, entre outros.
Estes indicadores vêm demonstrar que os profissionais da área da
educação, mesmo sem serem especialistas na área de música, podem e devem
realizar experiências musicais com as crianças, onde os sons, os ruídos e as
percussões produzidas e escutadas trazem contribuição para a formação de sua
paisagem sonora, além de favorecer a construção do sentimento de pertencimento
por ela.
Às professoras cabe outro papel que é o da escuta. Escutar significa uma
ação efetiva que não combina com outros afazeres. Esta atividade identifica os
saberes das crianças e os desafios ainda a serem resolvidos por ela com a ajuda
da professora. Ouvir significa dedicar-se aos sons que estão ocorrendo no
momento e que podem ser musicais (vindos de diferentes culturas) como um
diálogo.
Infelizmente, temos observado que a formação em Arte, para os alunos dos
cursos de Pedagogia, é na maioria das Universidades, restrita a oficinas de
algumas horas, que acontecem em semanas de estudo, ou ainda, quando esta
linguagem está presente no currículo, muitas vezes, é trabalhada com uma visão
de ensino.
Neste quadro de formação, e também com um repertório restrito, a atuação
das professoras acaba presa ao repertório divulgado pela mídia sem que a
pequena infância entre em contato com as sonoridades diversas do mundo. Esta
postura midiática é repetida com as crianças, acarretando um desconhecimento
da cultura musical infantil e conseqüentemente universal.
Através da minha pesquisa de campo, verifiquei o quanto a prática
pedagógica é influenciada pelos produtos culturais veiculados no mercado,
criando uma redução no repertório infantil e um distanciamento enorme das
crianças em relação a riqueza das músicas e brincadeiras da cultura brasileira.
Assim, conhecer esta cultura é um desafio para a nossa formação e
atuação. Favorecer a construção da paisagem sonora por parte da criança, é
permitir que ela brinque com diferentes sons, explore e transforme diversos
objetos e possa sentir a natureza, ouvindo as folhas caírem, a chuva, o
trovão...Enfim, todos os sons que ela oferece.
Nesse sentido, lembrando das palavras de Cage, já citadas, de que música
é som dentro e fora da sala de concerto, considero as explorações sonoras das
crianças pequenininhas como pequenas composições, não com a mesma
intencionalidade de um compositor tradicional, mas composições do tipo que
Schafer propõe a seus alunos: pegue o seu som e componha.(Pires, 2006)
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Bibliografia
BERTOLINI, Ines. Come suona l´arte – Itália: Editore ART´e´S.pa. – 2001
DELALANDE, François – Le condotte musicali – Bologna: Clueb. 1993
DISOTEO, Maurizio. I suono della vita - Itália: Metelmi. 2003
MAZZOLI, Franca., SEDIOLI, Arianna, ZOCCATELLI B. - I giochi Musicali Dei
Piccoli – Quaderni Operativi – Cooperativi Sociale LA COCCINELLA – Itália:
Edizioni Junior. 2003
PIRES, Maria Cristina de Campos – O som como linguagem e manifestação da
primeira infância: Música? Percussão? Barulho? Ruído? – Dissertação de
Mestrado FE/Unicamp.Campinas, 2006
SCHAFER , Murray R.– Ouvido Pensante – São Paulo: Ed. Unesp. 1991
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