X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
SECOND LIFE: PRECISA-DE DE PROFESSOR DE MATEMÁTICA!
Renato Marcone
Universidade Estadual Paulista - UNESP
[email protected]
Resumo: Neste relato conto a experiência por mim vivenciada no Second Life (SL) – um
mundo virtual digital, em três dimensões, online, cujo formato provem de construções
imaginadas e realizadas por seus utilizadores, chamados de residentes, o SL também é
definido como um metaverso, devido a suas características sociais (Rymaszewski et al,
2007) – de novembro de 2009 a março de 2010, onde tive a oportunidade de trabalhar
como professor de matemática em uma escola virtual naquele ambiente, cujo projeto
pedagógico, segundo relatos dos diretores de tal escola simulada no SL, estava vinculado a
uma escola estadunidense que não foi identificada, de nível que eu diria ser o
correspondente ao ensino fundamental brasileiro, baseado no currículo que me foi entregue
para basear minhas aulas. Estas eram ministradas em inglês, utilizando-se o chat, ou seja,
conversas síncronas de texto, ou voz, através de microfones conectados ao computador,
que transmitiam a fala através dos avatares – desenhos animados que representam cada
residente do SL – cujo foco era uma espécie de reforço escolar opcional oferecido aos
alunos da escola física em questão.
Palavras-chave: TIC; Educação a Distância; Second Life; Web 2.0; Tecnologia.
CONHECENDO O SECOND LIFE
Conheci o SL em uma de minhas viagens pela internet, e ainda não havia me
cadastrado, quando conversando com minha orientadora de mestrado fiquei então
interessado, devido às várias informações que ela me passou, como por exemplo, sobre
como foi um congresso que ela havia participado através do SL na ilha1 de uma grande
universidade particular brasileira. Fiz então meu cadastro, e comecei a explorar este
simulador virtual, que muitos chamam de forma equivocada de jogo, visto não sê-lo, já que
não há um objetivo específico a ser alcançado. Ele pode ser o que você quiser, desde um
clube de amigos com interesses em comum, que desejam bater papo, até uma sofisticada
instituição de ensino e pesquisa. E também pode ser um local para jogos se for assim
desejado, mas não somente.
Durante uma disciplina de Informática, familiarizei-me com muitas ações que
vinham ocorrendo dentro do SL, em especial me interessavam aquelas concernentes à
educação. Em Valente & Mattar (2008) são relatadas algumas dessas ações educacionais,
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São chamadas de ilhas os sítios onde se hospedam os ambientes 3D, analogamente aos sites que
estamos habituados, que hospedam informações na www (world wide web), nossa já conhecida internet.
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tanto no Brasil quanto no exterior, as quais tomei conhecimento e visitei suas ilhas, com o
intuito de entender melhor como ocorriam os cursos e congressos oferecidos por tais
instituições em seus ambientes virtuais, suas ilhas.
O SL não é um ambiente simples de se navegar, é preciso um tempo razoável de
ambientação antes de se aventurar em empreitadas mais sofisticadas. Eu passei cerca de
dois meses apenas explorando e aprendendo como funciona o simulador, lançando mão de
fóruns, livros, como o Rymaszewki et al (2007), que fornece boas noções a iniciantes. Uma
boa conversa com pessoas mais experientes também é extremamente útil, e isso podemos
fazê-lo dentro do SL, para isso, basta andar pelas ilhas, e perguntar aos residentes, pois no
geral, estão sempre prontos a ajudar, e tal auxílio ocorre de forma parecida com os fóruns
espalhados pela internet e tão populares, mas, no simulador, as perguntas são feitas em
tempo real, e logo aparecem outras pessoas que estão ouvindo a conversa – as conversas
são ouvidas por todos que estão suficientemente próximos para ouvir, assim como no
mundo físico – com o intuito de dar sua contribuição, e quando se percebe, se está dentro
de uma roda de amigos virtualmente simulada.
Precisei aprender não apenas aspectos técnicos, mas sociais e econômicos inclusive,
visto ter o SL até mesmo uma moeda própria, com valor no mundo físico, que chamarei
aqui de valor real. Conceitos marxistas como a mais valia e o valor agregado Marx (1996),
podem ser observados na comercialização dos produtos próprios do SL, dentre os quais, os
mais populares parecem ser os de caracterização dos avatares, como roupas, olhos, peles,
etc., mas não discutirei o aspecto econômico com detalhes neste relato. Há também
relacionamentos sérios, do tipo patrão/empregado, e até casamentos virtuais. Conheci uma
pesquisadora egípcia em um congresso no SL, doutoranda na Manchester Business School,
Inglaterra, cujo trabalho versa sobre a influência das expressões emotivas dos avatares nos
atendimentos online de vendedores, e em como isso pode ser um diferencial positivo em
relação às empresas que fazem atendimentos via chat, por exemplo, sem uma interação
emotiva, que pode ser simulada no SL (Gadalla, 2008). Em nossas conversas, atentei-me
ao fato de que tais interações emotivas poderiam ser um diferencial a ser levado em conta
também por educadores, o que culminaria, talvez, em um maior envolvimento por parte de
alunos em cursos à distância. O caráter emotivo visual passou então a fazer parte do rol de
variáveis às quais me atento durante uma análise de um ambiente de educação à distância.
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Neste relato, entretanto, o que pretendo narrar, é minha experiência enquanto professor de
matemática em uma escola virtual, dentro do SL.
ENCONTRANDO A ESCOLA
Cadastrei-me em uma agência de empregos dentro do simulador assim que entendi
o funcionamento básico do mesmo, e tão logo comecei a receber anúncios de emprego via
e-mail, interessei-me pelos que estavam ligados de alguma forma à educação, e não muito
tempo depois recebi um anúncio perfeito para mim: Math Teacher Needed!2.
Imediatamente me teletransportei – sim, é possível se teletransportar de um lugar para
outro no SL – até a Escola Virtual que estava oferecendo o emprego, e me candidatei à
posição. O vice-diretor daquela escola virtual foi quem me recebeu, e de imediato se
interessou pelo meu currículo, e marcou uma entrevista, e também me adiantou que se
tratava de aulas de reforço para alunos de uma escola física nos EUA, para o que imagino
ser o equivalente ao ensino básico/fundamental brasileiro, baseado no currículo que ele me
entregou para preparar minhas aulas. Algo importante a ser lembrado, é o fato de que um
dos principais requisitos para a investidura no cargo era ser um residente do SL há mais de
três meses, devido ao fato já mencionado neste texto da dificuldade inicial sentida pela
maioria em navegar pelo simulador.
Figura 1: Anfiteatro onde ocorriam as reuniões
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Precisa-se de Professor de Matemática!
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Após a entrevista, fui contratado, e foi agendada a primeira reunião pedagógica,
com todos os professores contratados e os diretores da escola. Talvez a minha disciplina
fosse a mais comum ali, visto haver professores de técnicas do SL, que ensinariam às
crianças – supostamente crianças, pois não havia exigência de comprovação documental do
mundo físico para estar ali, e as informações que aqui relato provêm unicamente de
conversas que tive com os funcionários da escola virtual, e observações particulares – a
navegarem no simulador antes de mais nada. Aulas de fotografia para o SL, pois é possível
fotografar o ambiente em que se encontra, inclusive nossos próprios avatares, e há técnicas
interessantes de captura de luz, visto que o ambiente procura simular muitas leis da física
presentes em nosso mundo físico, que neste texto estou chamando também de mundo real.
Bom, talvez o fato de ser possível voar e se teletransportar no SL, faça com que eu pareça
estar exagerando.
Nessas reuniões – houve ainda outras quatro além dessa que relato – explicavam-se
as regras da escola, seus objetivos, como deveriam ocorrer as aulas, etc. E o que me
chamou a atenção, é que não se diferenciavam muito do que ocorre em nossas escolas
físicas, mesmo sendo um ambiente totalmente inóspito para a maioria que ali estava, as
preocupações eram muito parecidas, havendo até mesmo estratégias para evitar possíveis
indisciplinas por parte dos alunos, que atrapalhariam as aulas. Para tanto, eram bloqueadas,
dentro das salas de aula, funções de script, ou seja, roteiros de programação que executam
ações dentro do simulador das mais variadas, por exemplo, um aluno poderia encher a sala
com bolhas de sabão virtuais, ou incendiar a sala durante uma aula, além de executar
arquivos de som, que impediriam a comunicação. Podemos ver em Borba e Penteado
(2003), que inovações educacionais, dentre elas mudanças tecnológicas, pressupõem
mudanças na prática docente, mas penso que algumas são tão cristalizadas, que
sobrevivem, pois o professor prefere se manter em uma zona de conforto (Idem, 2003), ou
seja, evitando movimentos e mudanças. As questões em pauta em tais reuniões eram
discutidas, e as propostas então executadas em seguida. Não há um mecanismo de controle
assim tão eficiente nas escolas físicas. Para esclarecer o fato de em todas as imagens
contidas neste relato, os ambientes estarem vazios, ou então, apenas meu avatar estando
presente, isto se deve a uma regra da escola, que dizia ser proibido divulgar fotografias de
avatares de funcionários e alunos, mas não explica o motivo para tal regra.
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AS AULAS
As aulas tiveram início aos quatro dias de janeiro de 2010, e minhas aulas eram
todas as segundas-feiras, das 21h às 22h, horário de Brasília. Eu permaneci na escola até o
dia um de março de 2010, quando pedi demissão, pois não teria mais tempo para continuar
com o emprego virtual, devido aos meus compromissos da RL, sigla para Real Life, que é
como os residentes do SL chamam o mundo físico, Vida Real, traduzindo, ou ainda, First
Life, Primeira Vida. Dentro do SL há um horário oficial, que é o horário seguido por todos,
buscando assim uma organização temporal, visto haver pessoas de vários fusos horários
distintos no mundo físico. O interessante é que, mesmo interagindo com pessoas de lugares
físicos tão diferentes, o diálogo era na maioria das vezes fluido e eficiente,
“(...) a identidade do ser humano passará a se dar menos, às vezes, pelo
bairro ou cidade onde mora ou profissão que pratica, porém, mais pelos
grupos de interesse que possui.” (Borba e Penteado, 2003, p.72)
e assim, os interesses em comum garantiam um grande sucesso nas interações sociais desse
grupo.
A maneira como as aulas ocorriam não era muito diferente de uma escola física
convencional. Eu preparava as aulas e explicava os conteúdos aos alunos, por voz, em
inglês, e as estratégias didáticas mais comuns eram enviar cartões virtuais, como blocos de
notas, contendo questões a serem respondidas por eles, que eram devolvidos a mim logo
em seguida, com seus nomes – de seus avatares – e suas respostas; enviava links para que
eles visitassem conteúdos da web relativos ao tema da aula, lessem e respondessem algo; e
levava apresentações de slides com o conteúdo da aula sempre. A ideia de se copiar algo
do quadro era impensável naquele contexto, mas ao mesmo tempo, todos os alunos podiam
fazer cópias dos arquivos utilizados na aula, e salvar em seus inventários do SL, ou seja, a
pasta onde ficam os objetos que possuímos dentro do simulador. Apesar de eu não ter
ainda um inglês falado satisfatoriamente fluente, isso não foi um empecilho grave, pois o
chat supria tal deficiência, quando ela se mostrava. Havia na sala um quadro negro, no qual
eu tinha a possibilidade de inserir textos, slides, vídeos, etc., e seu valor simbólico era
muito forte, pois parecia dar a legitimidade necessária para se chamar aquele espaço de
uma sala de aula por todos, alunos e professores.
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O recurso realmente próprio do SL, mas que contraditoriamente não era explorado
naquela escola, pois não era permitido que construíssemos dentro da sala de aula, é a
possibilidade de se construir objetos e destes ser o dono, podendo inclusive vendê-los. As
regras de construção do SL são muito ricas para serem exploradas pela Educação
Matemática a meu ver, especialmente no ensino de Geometria. Resumidamente, as
construções dentro do SL são realizadas a partir de treze sólidos, que podem ser
rotacionados, transladados, torcidos, esticados e conectados uns aos outros, e suas cores
são definidas por texturas, que podem ser criadas fora do SL, em softwares para o
tratamento de imagens, e enviadas para o simulador, e então, anexadas aos objetos criados
a partir dos sólidos citados. Há também a possibilidade de animar tais objetos, e nesta parte
também se pode explorar muito o ensino de matemática, pois, por exemplo, o que eu
preciso ordenar, através de um script, a um objeto com formato de porta, para que, quando
eu clique em sua maçaneta, ele se abra? Bom, preciso ordenar que tal objeto faça uma
rotação, de determinado ângulo, no sentido horário ou anti-horário. Este é apenas um
simples exemplo, são infinitas as possibilidades.
Figura 2: Os treze sólidos do SL
Portanto, visto que o ambiente social e as metodologias não eram tão diferentes do
convencional, baseado em minha experiência, qual o ganho que se tem ao utilizar o SL
como ferramenta para o ensino de matemática? Alguns diriam que não faz sentido lançar
mão de uma ferramenta tão poderosa para se repetir a prática convencional. Todavia,
atento ao fato de que o compromisso por parte dos alunos com a aula aumentou
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consideravelmente de acordo com conversas que tive com professores americanos da RL,
devido ao uso do SL, que é um ambiente onde as crianças gostam de estar, interessam-se
realmente, faz com que se sintam a vontade em um local não físico, ainda que com
carteiras dispostas em fila e um quadro negro, isto devido à dinamicidade da Web 2.0, que
transforma a internet em uma plataforma de arquivos e softwares, dispensando assim a
necessidade de um computador pessoal, possibilitando que o indivíduo possa acessar sua
segunda vida digital de qualquer computador que tenha um ponto de internet (Valente e
Mattar, 2007). Penso que o SL é uma opção interessante, que precisa ser explorada e
pesquisada.
REFLETINDO
De fato ainda estamos longe de poder massificar o uso do SL no Brasil, devido à
necessidade de um computador com configurações acima da média, e uma conexão de
banda larga. Entretanto, como cidadãos tecnológicos, ou seja, pessoas que nasceram e
vivem em meio a um mar de possibilidades tecnológicas à disposição e de baixo custo,
sabemos que mudanças hoje não significam esperas prolongadas, ao menos não no que se
refere ás tecnologias informáticas, e por isso penso ser importante estarmos preparados
para uma suposta revolução, antes mesmo que ela seja cogitada pela massa,
O movimento, a velocidade, o ritmo acelerado com que a Informática
imprime novos arranjos na vida fora da escola caminham para a escola,
ajustando e transformando esse cenário e exigindo uma revisão dos
sistemas de hierarquias e prioridades tradicionalmente estabelecidos na
profissão docente. (Penteado, 2004, p. 284)
dito isto, seria interessante que este avanço da Informática para a escola não tivesse uma
entonação como a dos rufares de tambores de tropas que avançam ao ataque para destruir
um inimigo, mas sim, um som de cornetas anunciando reforços, com o objetivo de ir junto,
de contribuir.
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Figura 4: Entrada da minha sala.
Figura 5: Sala de aula vista da frente.
Esta experiência foi muito rica, pois fez com que eu pensasse, do ponto de vista da
Educação Matemática, além dos meus muros, sobre os caminhos que a educação pode vir a
seguir, especificamente, da educação a distância, que já é uma realidade. Que já é possível
dar uma aula, com um corpo virtual e a fala natural sendo transmitida por este corpo, para
alunos também nestas condições, fisicamente residentes em diferentes partes do planeta,
sincronamente, com todos os recursos de mídias digitais disponíveis a um toque de mouse,
sem o desconforto de enormes quantidades de fios e eletricidade, exceto claro, os dos
computadores pessoais. Este futuro já chegou.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORBA, M. C., & PENTEADO, M. G. Informática e Educação Matemática. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003.
GADALLA, E. T. Exploring Customer perceptions of e-service quality in
Collaborative Virtual Environments (CVEs): the case of emotionally expressive
avatars.
In:
Research
conference
in
the
Second
Life®
world
Life, imagination, and work using metaverse platforms, 2009, Second Life. Resumo,
Second Life: SLactions, 2009.
MARX, K. O Capital: Crítica Da Economia Política. São Paulo, Editora Nova Cultural,
1996.
PENTEADO, M. G. Redes de Trabalho: Expansão das Possibilidades da Informática
na Educação Matemática da Escola Básica. In: BICUDO, M. A. V., & BORBA, M. C.
Educação Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2005, p. 293-295.
RYMASZEWSKI, M. et al. Second Life: o guia oficial. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
VALENTE, C., & MATTAR, J. Second Life e Web 2.0 na Educação: o potencial
revolucionário das novas tecnologias. São Paulo: Novatec, 2007.
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