Constituição e funcionamento discursivo
de Claudia, Nova e Playboy
Maria da Conceição Fonseca Silva1
1
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
[email protected]
Abstract. In the work, taking as start point the theorical framework of the
Michel Foucault work and the theoretical framework of the Discourse
Analysis of the French School, founded by Micheul Pêcheux, we analyse
linguistic and pictorial forms of the language of Claudia, Nova and Playboy.
In one hand, we attempt to show the process of constituition and the speech
operation of each magazine.
Keywords. discourse; periodical; subjectivity
Resumo. Neste trabalho, a partir de postulados do quadro teórico construído
por Michel Foucault e de postulados teóricos da Análise de Discurso de linha
francesa fundada por Michel Pêcheux, analisamos materialidades lingüísticas
e pictóricas das revistas Claudia, Nova e Playboy para mostrar o processo de
constituição e o funcionamento discursivo das três revistas.
Palavras-chave. discurso; periódico, subjetividade
1 Considerações Iniciais
Considerando que a análise das revistas femininas e masculinas pode nos ajudar
a compreender como mulheres e homens se constituem como sujeito moral na nossa
sociedade, os modos de ocupar de si mesmo e de revelar a verdade dos indivíduos,
tentamos responder algumas questões em Silva (2003), entre as quais, destacamos duas
neste trabalho: Como se constituem as revistas femininas Claudia e Nova e a revista
masculina Playboy? Ao se constituírem as revistas femininas e a revista masculina em
questão funcionam como diferentes ou semelhantes lugares de dizer?
Para tentar responder as questões, mobilizamos e deslocamos alguns dos
princípios e postulados de dois quadros teóricos que consideramos fundamentais na
prática de análise de discursos e que discutimos em Silva (2003): o quadro teórico
construído por Michel Foucault, no tocante à constituição do sujeito em sua relação com
o saber-poder-ética, e o quadro teórico da Análise de Discurso de linha francesa,
fundada por Michel Pêcheuxi.
A seguir, apresentamos algumas conclusões.
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2 Constituição e discursivização de Claudia, Nova e Playboy
A análise das edições das revistas femininas Claudia e Nova e da revista
masculina Playboy, da editora abril, levou-nos a considerar que tais periódicos se
constituem como práticas discursivas institucionais, reguladas por um complexo de
formações discursivas que determinam não só o que pode e o que deve ser dito, mas
também por que se diz desse modo e não de outro sobre as diversas práticas de si
através das quais a mulher na qual Claudia investe, a mulher na qual Nova investe e o
homem no qual Playboy investe se constituem como sujeitos morais. Entendemos a
institucionalização na dimensão de normatização e disciplinarização constitutivas da
ordem de possibilidades do discurso, tal como postulado por Foucault.
Observamos que, ao se constituírem, as revistas colocam-se como lugares de
dizer num jogo intersemiótico em que há uma interdependência entre materialidades
verbais e materialidades não-verbais, cujos sentidos estão submetidos às mesmas
determinações histórico-ideológicas.
A revista feminina Claudia surge em outubro de 1961 e consolida a imprensa
feminina no Brasil, num momento de forte discursividade de identidade nacional.
Seguindo uma fórmula de revista feminina que era aplicada nos Estados Unidos e na
Europa, essa revista se desenvolve ao mesmo tempo em que se constitui, no país, a
chamada sociedade de consumo.
(fig.1)ii
(fig. 2)iii
(fig.3)iv
(fig 4)v
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No jogo intersemiótico das capas, a exemplo das figuras 1, 2 3 e 4 apresentadas,
podemos assinalar posições de sujeito que indicam que, na década de 60 do século XX
até o início da primeira década do século XXI, ocorrem várias reconfigurações nos
domínios de saber ou formas-sujeito que organizam os saberes das formações
discursivas que determinam o que a revista, na construção discursiva de sua identidade,
pode e deve dizer e o que não pode e o que não deve dizer sobre as formas e as práticas
de si através das quais a mulher-Claudia se constitui como sujeito moral.
A partir da análise das formulações verbais e não-verbais das edições da revista,
observamos que na discursivização da revista na década de 60, a mulher esposa-mãe
moderna é investida de uma missão produtiva como gerir a casa, economizar, cuidar da
saúde e da educação dos filhos, ficar bela para o marido a quem cabe a responsabilidade
da manutenção da casa. Nessa década, o cuidado moral está ligado ao domínio do
homem, compreendendo desigualdade no casamento, nos relacionamentos homem e
mulher.
Na discursivização da década de 70, essas práticas de si permanecem nas
formulações da revista. Mas, a partir de 75, a mulher esposa-mãe moderna, além de ser
investida de uma missão produtiva como gerir a casa, economizar, cuidar da saúde e da
educação dos filhos, ficar bela para o marido, começa a participar da manutenção da
casa. Mesmo dentro e fora do lar, participando da manutenção da casa, o cuidado moral
ainda está ligado ao domínio do homem, permanecendo a desigualdade nos
relacionamentos, no casamento e no trabalho.
Na década de 80, por sua vez, os discursos materializados, nas edições da
revista, indicam que a mulher esposa-mãe moderna continua gerindo a casa,
economizando, cuidando da saúde e da educação dos filhos. Trabalha fora de casa e
participa da manutenção da casa. Cultua o corpo para o marido e para ela. Mas o
planejamento familiar passa a ser responsabilidade também do homem. Na
discursivização do final dessa década, a mulher esposa-mãe começa a administrar o
corpo e a buscar prazer sexual. A ética de si ou o cuidado moral que estava ligado ao
domínio homem começa a se ligar também ao domínio da mulher.
No início da década de 90, identificamos em Claudia posições de sujeito que
indicam as mesmas práticas de si do final da década de 80. Mas, no período que
compreende a metade da última década do século XX a fevereiro de 2003, os discursos
materializados nas diversas formulações verbais e não-verbais indicam um domínio de
saber em que a mulher mãe é casada, mas também não casada ou divorciada e
independente financeiramente; divide as despesas da casa com o marido ou assume
sozinha a manutenção da casa; divide as tarefas domésticas com o marido; preocupa-se
com o corpo e com o prazer; é liberada, sensual e erotizada; busca novos
relacionamentos com homens mais velhos ou mais novos; e tem pouco interesse pela
vida pública e política. Nessa reconfiguração do domínio de saber, a mulher se constitui
como sujeito do desejo, sujeito que governa seu corpo e seu prazer, porque se constitui
como sujeito livre e independente financeiramente. Nesse sentido, podemos observar
que os discursos da sexualidade de Claudia, nesse período, assemelham-se aos
discursos da revista Nova.
A partir de março de 2003, ocorre uma reconfiguração nos domínios de saber
das formações discursivas que determinam o que a revista, na construção de sua
identidade, pode e deve dizer. Nos discursos apreendidos na pontualidade das
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formulações das edições desse período, a mulher mãe está fora do lar, mas voltada para
a família (marido, filhos); cuida do corpo e busca prazer vinculado ao amor no
relacionamento estável. Na discursivização dessas edições, família, amor, fidelidade no
casamento, relacionamento estável e reciprocidade e igualdade no casamento são alvos
de preocupação ética. Nesse período, a revista reativa os códigos morais que a
sustentam, reafirmando sua identidade, cujo eixo é a família.
É dessa forma, pois, que a revista constitui o ethos que a individualiza como um
segmento de mercado diferente, por exemplo, da revista feminina Nova e da revista
masculina Playboy. Enfim, dirigida a mulheres brancas, entre 30 e 40 anos, mães,
consumidoras da classe média, a revista feminina Claudia é a publicação mensal de
maior abrangência de assuntos (“atualidades”, moda, corpo, sexo, economia doméstica,
trabalho, casa, cozinha e filhos), é a maior revista feminina da América Latina, é a
revista feminina mais vendida no Brasil e a segunda mais vendida entre outras revistas.
A revista Nova, por seu turno, é a versão brasileira da revista feminina mais
vendida no mundo (Cosmopolitan). Ao se constituir como um lugar de dizer
institucional, como uma prática discursiva, desloca, desde o seu surgimento no Brasil
em 1973, práticas e sentidos da moral sexual presentificada em Claudia, e muda pouco
durante as três últimas décadas do século XX e início da primeira década do século
XXI, como pode ser observado nas capas a seguir:
(fig5)vi
(fig.6)vii
(fig.7)viii
A revista sofre poucas reformulações no projeto gráfico e editorial. Os temas
abordados nesse período não mudam: sexo, relacionamentos homem e mulher, trabalho,
moda, beleza e saúde, culinária e decoração. Esses temas aparecem também em
Claudia, mas, em Nova, são discursivizados no eixo da sexualidade e da independência
financeira.
Na historicidade do processo de constituição dessa revista como segmento de
mercado, identificamos posições de sujeito em que os discursos estão ligados à moral
em que a mulher branca, de classe média, entre 20 e 35 anos, liberada, que busca prazer
sexual e todo o universo ligado ao corpo e a sua sexualidade; é independente
financeiramente; e recusa a constituição tradicional de feminilidade (como casamento,
maternidade e família) e assemelha-se à mulher que o homem-Playboy deseja.
Assim, diferenciando-se por um ethos em que a mulher investida é independente
financeiramente, livre, liberada, sensual, erotizada, dona de seu corpo e de sua
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sexualidade, sedutora, conquistadora, amante, Nova se consolida como a revista
feminina de circulação no território brasileiro que é mais lida, que fica mais tempo na
mão da leitora, que é mais colecionada.
A revista masculina Playboy, lançada com o título Homem em 1975, consolidase num contexto de uma sociedade de consumo.
(fig.8)ix
(fig.9)x
Playboy, versão brasileira da revista masculina de maior circulação no mundo,
entra em cena no processo de segmentação da mídia impressa que começa a se delinear
no Brasil na década de 70, com o mesmo ethos de sua versão internacional, que
inaugura o gênero conhecido como pornô soft, numa época em que a sociedade norteamericana, nascida do ascetismo puritano, começa a viver a transformação, pós-guerra,
da moral e dos costumes, ou seja, os discursos, legados do século XIX, sobre as práticas
e valores tradicionais em relação ao sexo, ao casamento e à família começavam a
mudar. No momento em que a revista foi lançada, o título internacional estava proibido
de circular no Brasil. O processo de globalização ainda era incipiente.
A partir da análise das formulações verbais e pictóricas, identificamos posições
de sujeito que sustentam a revista como uma prática discursiva, cujo ethos visa a sua
individualização e diferenciação das revistas femininas e, principalmente, das revistas
masculinas do gênero popular e do gênero pornô hard. Observamos que na
discursivização da revista, desde o seu surgimento em 1975, há um investimento no
homem maior de 18 anos com bom poder aquisitivo para poder “consumir” mulheres
bonitas (como as que aparecem nuas e seminuas nas páginas das edições), viagens,
esportes, aventuras, carros, “beleza plástica”, gastronomia, bebida, sexo, cultura e
entretenimento.
3 Considerações finais
Enfim, observamos que as três revistas constituem-se seguindo diferentes
critérios de existência ligada a um ethos que as individualiza como diferentes lugares de
dizer e como segmentos de mercado que organizam filiações de sentido sobre as
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diferentes formas e práticas de si mediante as quais mulher e homem se constituem
como sujeitos.
Notas:
i
O quadro de teórico construído por Foucault está diluído em sua obra. E o quadro teórico da Análise de
Discurso de linha francesa inaugurada por Pêcheux está diluído em seus escritos e em escritos de seus
companheiros.
ii
Claudia, 1963
iii
Claudia, 1974.
iv
Claudia, 2000.
v
Claudia, 2003.
vi
Nova, 1977.
vii
Nova, 1982.
viii
Nova, 2002
ix
Playboy, 1975.
x
Playboy, 1978.
Referência Bibliográfica
SILVA, Mª. da C. F. Os discursos do cuidado de si e da sexualidade em Claudia, Nova
e Playboy. 2003. 354 págs. Tese (Doutorado em Lingüística. Área de concentração:
Análise do Discurso). Instituto dos Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.
Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 551-556, 2005. [ 556 / 556 ]
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