[gula]
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| novembro/2008 | primeira impressão|
Olho maior que a
barriga
Quando a comida deixa de
ser a solução e passa a ser
a razão dos problemas
[texto: Thayná
Candido de Almeida]
Machado]
[fotos: Daniela
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[gula]
O
início de tudo está
na boca. Começamos
a conhecer o mundo
através da fome que nos leva à
comida e conseqüentemente à
sensação de saciedade. Quando o bebê chora, a mãe associa
o choro à fome e, mesmo que
não seja esta a causa, oferece
o peito como forma de carinho
e aconchego. Então a criança
sente-se bem.
Quando se é adulto, a coisa
muda um pouco de figura. Ao
sentirmos fome, vamos à geladeira. Geladeira amada, idolatrada salve salve, que nos tira da
depressão, da solidão, do tédio,
da frustração e de qualquer outra coisa que nos incomode. A
comida é sempre a solução. Ou,
pelo menos, achamos que é.
Essa sensação acontece com
quase todo mundo, um chocolate pode salvar o dia ou uma
boa janta fazer os problemas
irem pelo ralo. Mas nem com
todo mundo é assim. Muitas
vezes a comida é uma válvula de escape constante para
insatisfações e frustrações, e
o problema é a bola de neve
que se transforma isso tudo.
Quanto mais se come, mais se
perde o controle, gerando um
sentimento maior ainda de
depressão, ansiedade e culpa.
A comida deixa de ser apenas
um objeto de prazer e passa a
tomar o lugar de uma droga indispensável na vida do viciado
por comida.
Assim como qualquer dependente que experimentou
a droga pela primeira vez por
algum motivo de frustração ou
na esperança de mascarar problemas, quem sofre com a gula
acaba virando refém do próprio
prazer. Juliana* é uma atriz de
23 anos que viu a sua carreira
definhar quando a vida lhe pregou uma peça inesperada. Com
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o falecimento de sua mãe, há
dois anos, ela descontou toda
a perda e tristeza na comida e
em medicamentos antidepressivos. Juliana, até então, pesava
59kg distribuídos em 1,70cm
de altura e atuava em diversas
peças de teatro em Porto Alegre e São Paulo. Após a perda
da mãe, a atriz não saiu mais
de casa e encontrou na comida
a melhor solução. Tapou o sol
com a peneira com antidepressivos e um vínculo perigoso
com seu maior prazer: a gula.
“É claro que a comida não fazia
meus problemas desaparecem
e nem faria a minha mãe voltar, mas não havia mais sentido
em cuidar da minha aparência
se toda a minha razão de viver
tinha ido embora, então eu via
na comida uma aliada. Se eu
não tinha o que fazer, precisava comer, se eu tinha algo para
fazer, eu também comia. Se eu
estava feliz, eu comia e, se estava triste, também”, admite
Juliana.
Hoje ela consegue discernir entre o comportamento
certo e errado e não vê mais a
comida como sua aliada e nem
sua inimiga, mas lamenta pelo
quanto perdeu devido ao seu
vício. “Cheguei a 118kg e me
vi no fundo do poço quando,
em menos de um ano, nenhuma das minhas roupas servia.
Minhas amigas estavam saindo para baladas e eu morria
de vergonha de reencontrar as
pessoas no peso que eu estava. Ninguém me reconhecia
e nem disfarçava. Quando me
chamavam para testes de comerciais e peças, ninguém me
ligava de volta. Não consegui
mais nenhum papel no teatro.
Não havia o que fazer. A dor da
perda de minha mãe eu nunca
superei, mas precisava levar a
minha vida adiante.”
Foi aí que Juliana, que mora
sozinha, resolveu procurar ajuda
do pai e começar um tratamento psicológico e nutricional. Há
seis meses, ela está tomando
medicamentos para ansiedade
e segue firme em uma dieta rigorosa para perda de peso. Está
com cirurgia de redução de estômago marcada para dezembro e
pretende voltar a atuar quando
a poeira baixar. “Hoje a comida
não é mais minha pior inimiga
e nem a minha melhor amiga,
é indiferente. Claro que sou de
carne e osso de vez em quando
dá vontade de comer um doce
ou um capricho qualquer, mas
é normal. Não desconto mais as
minhas dores na geladeira.”
Felizmente algumas pessoas conseguem ter a real noção
do problema e ver de fora a sua
situação, Juliana conseguiu dar
a volta por cima e a gula não
é mais um vício irremediável.
Mas muita gente ainda brinca
e não leva a gula a sério. Para
a maioria das pessoas, a gula é
efêmera e um mero capricho.
Há diversos grupos em sites de
relacionamentos referentes à
gula, mas nunca são retratados
como viciados, com uma patologia psicológica que necessita
de tratamento.
A psicóloga Rosemeire
Zago tem como base de seu
trabalho o resgate da auto-estima e amor-próprio. Na série
de artigos Sete Pecados Capitais,
ela diz que, no sentido literal,
gula é o excesso de comer e
beber, na sua simbologia maior
significa voracidade: que devora e destrói. “Entendendo
essa simbologia, podemos relacionar que, ao devorar o alimento compulsivamente, tenta-se, ainda que inconsciente,
destruir o que está dentro.
Agindo assim, sente culpa e se
pune por ter perdido o contro-
le, formando assim um círculo
vicioso: come em excesso para
fugir do que sente, culpa-se
por isso, se pune comendo
mais”, escreve.
“Ai minha barriga”
Quem já não comeu e ficou
com a sensação de ser uma jibóia após ter ingerido um jacaré? “Comi feito um boi”, “Por
que eu fiz isso?”, “Não deveria
ter comido tanto”, são frases
que a gente escuta quase sempre num almoço de domingo
ou numa saída de churrascaria.
A gula faz parte da vida de todo
mundo e é difícil de se desvencilhar dos prazeres seguidos da
culpa de ter comido mais do
que deveria. A comida é sempre
pano de fundo para qualquer
evento social, aniversário, casamento ou reunião de amigos.
Os petiscos são indispensáveis
em todas as ocasiões, como
não sucumbir a esses prazeres?
Para as mulheres, a cobrança é
ainda maior. A sociedade exige corpos esculturais, sarados
e impecáveis para uma beleza
perfeita e aceitável. A culpa
anda lado a lado com as calorias
ingeridas, e uma gordurinha
aqui, outra ali, geram desespero para as mais neuróticas.
Aline* é uma gulosa em
tempo integral, mas não considera seu capricho nocivo à
saúde. Há dois anos ela namora Júlio* e os dois freqüentam
bons restaurantes no mínimo
três vezes por semana. Se Aline
quer tomar um café, toma dois.
Se precisar de um hambúrguer,
come dois. Tudo é exagerado.
“Eu gosto de fartura e não gosto de passar fome. Acho até
que meu estômago já se acostumou com tudo em dobro”,
brinca Aline. Desde o início do
romance, os dois já ganharam
vários quilos, mas não se incomodam nem um pouco com
isto. “Posso emagrecer a hora
que eu quiser, mas no momen-
to estou a fim de aproveitar
os prazeres que a comida nos
proporciona. O nosso melhor
programa é procurar restaurantes novos e acatar indicações
de amigos. Quase sempre são
boas dicas, e saímos explodindo!”, admite Júlio.
O casal não acha que a gula
esteja interferindo na sua vida.
Casos como o de Juliana, que
encontrou na comida um tapaburaco para seus problemas,
merece atenção redobrada e
um tratamento psicológico. O
mais indicado para evitar os
excessos que a gula pode gerar
é descobrir que situações o levam a cometê-los. Identificando as situações e lidando com
cada uma delas, não há necessidade de suprir faltas com a
comida. Como diz a música,
“tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha
ereta e o coração tranqüilo.”
*Os nomes foram trocados.
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[018-021] – Gula – Olho maior que a barriga