MARCELO FERREIRA
UNS DIAS PASSADOS EM JERUSALÉM
2014 © Marcelo Ferreira da Silva
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
SILVA, Marcelo F. Uns dias passados em Jerusalém. Rio de Janeiro:
Contextualizar, 2014. 146 p.
Gerência editorial e de produção | Editora Contextualizar
Capa | Deivinson Bignon
Diagramação | Arte Lume
1ª edição: Junho/2014
É proibida a reprodução total ou parcial do texto deste livro por quaisquer
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UNS DIAS PASSADOS EM JERUSALÉM | 5
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO | 7
A EXPERIÊNCIA | 9
O BOM SAMARITANO | 11
POR DENTRO DA HISTÓRIA | 19
TAMBORES E CÍMBALOS | 23
AH, O TEMPLO DE JERUSALÉM | 27
DIA DE DESCANSO | 41
SOBRENATURAL | 53
OS MAGOS DA CALDEIA | 55
PASSEIO EM JERUSALÉM | 65
PESCADORES DO TIBERÍADES | 69
DIA DE FEIRA | 77
O BOM GOSTO DE HERODES | 85
O TEIMOSO | 93
PERIGO | 95
“O NAZARENO ENLOUQUECEU” | 99
DISCÍPULO DE HIPÓCRATES | 103
O MURO DAS LAMENTAÇÕES | 107
VIA-CRÚCIS | 117
A CRUCIFICAÇÃO | 119
A TEMPESTADE | 127
ATO DE MISERICÓRDIA | 131
“NO NOVO TEMPO, APESAR DOS PERIGOS” | 139
SOBRE O AUTOR | 141
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UNS DIAS PASSADOS EM JERUSALÉM | 7
APRESENTAÇÃO
N
a apresentação do seu livro Com a graça de Deus,
Fernando Sabino fala de sua intenção ao escrevê-lo.
A obra falaria do mesmo Jesus dos evangelhos, no
qual o mineiro acreditava, mas numa abordagem
diferente, nem por isso herética. O Cristo de Com a graça de
Deus seria bem-humorado, humor aqui tomado em seu significado mais extenso. Fernando Sabino parece se desculpar ao
escrever: “Corro o risco de algum leitor pensar em humorismo
— uma acepção restrita da palavra humor, que ignora o sentido
genérico de índole, estado de espírito, disposição de ânimo,
temperamento. Eu quase diria, brasileiramente: inspirada no
jeito de Jesus. Ele tinha muito espírito, como se costuma dizer”.
Penso correr risco semelhante — o de ser mal interpretado. A figura do Nazareno sempre me fascinou e ainda fascina.
Sei que nem todos compartilham da mesma admiração e isso é
compreensível. Mas não tenho aqui, em princípio, intuito de
convencer ninguém a mudar de opinião. Mais do que Uns dias
passados em Jerusalém, os quatro evangelhos bíblicos, certamente, dão mais esclarecimentos sobre a vida de Jesus.
Se o livro de Fernando Sabino foi inspirado no humor de
Cristo, no meu tento fazer menção ao Jesus que de fato esteve
aqui, no planeta Terra, que fez parte da História humana. Claro,
o livro é uma ficção, mas fruto de pesquisas em obras que fazem
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referência ao personagem central e à vida e alguns costumes de
sua época, além das consultas aos evangelhos.
Por fim, a história é uma aventura tupiniquim — pelo menos, foi essa a tentativa. Seu Olavo e Lino, avô e neto, é que
fazem a viagem à Jerusalém dos tempos de Cristo. São dois conterrâneos nossos que ficam admirados com tudo o que presenciam. Em tom de desculpas, peço a compreensão para as licenças poéticas próprias de toda ficção. Nelas se baseiam toda e
qualquer criação (verbais e não verbais). Uma delas, desde já,
adianto: a de meus viajantes falarem espontaneamente com os
personagens daquele tempo e lugar. Encarem como um milagre
de minha criação.
O autor.
UNS DIAS PASSADOS EM JERUSALÉM | 9
A EXPERIÊNCIA
E
ra num sótão. Um ancião, em gestos frenéticos, manuseava um notebook. Ao seu lado, um pouco apreensivo,
um menino. Chamava a atenção o modo como estavam
vestidos. Parecia até que iam a um baile à fantasia.
Quem, num primeiro instante, quisesse encontrar lógica naquela cena se contentaria com o insólito. Realmente havia algo de
estranho acontecendo ali, ou por acontecer.
— Preparado, Lino? — o silêncio foi quebrado.
— Acho que sim, vô — o menino respondeu num fio de
voz.
Lino sabia das muitas experiências que o avô realizava
naquele lugar. Que ali era uma espécie de laboratório dele. Mas
aquela nova experiência estava amedrontando o pequeno. Embora pensasse assim, não queria admitir isso, com receio de
decepcionar o avô. Fez, então, um sinal de OK para seu Olavo.
Apesar da apreensão, o menino teve vontade de rir das engraçadas roupas que estavam usando.
— Então, lá vamos nós — seu Olavo correspondeu ao sinal, satisfeito.
Digitou umas teclas.
Transcorreram alguns segundos, para os nossos amigos,
uma eternidade. Avô e neto começaram a sentir um formigamento pelo corpo. Surgiram umas faíscas elétricas errando em
10 | MARCELO FERREIRA
volta deles. Num último instante, as faíscas deram lugar a pequenas bolas luminosas. Seu Olavo abraçou o neto. Ficaram
semelhantes a um núcleo atômico. Depois, um astro de luz própria. Não demorou muito, e um estrondo pôde ser ouvido.
Os dois desapareceram.
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O BOM SAMARITANO
E
nvolvidos nas brumas de um sonho, era essa a sensação
que os dois tinham. Incrivelmente não estavam mais no
sótão-laboratório de casa. Lino se ouviu perguntar:
— Onde estamos?
Seu Olavo, olhos vidrados, procurava processar tudo o
que via naquele momento. Era inacreditável. Finalmente respondeu:
— Pelos dados que digitei, e mais ainda pelo que estamos
vendo, a experiência foi um sucesso.
Agora, avô e neto, extasiados, contemplavam um novo
cenário, do alto de um monte: um vale tomado por tendas. Entre elas, uma multidão se espremia. Um pouco mais além, podia-se ver um grande muro que envolvia uma cidade.
— Conseguimos, Lino! — o ancião era só alegria. — Estamos às portas de Jerusalém. E, certamente, as pessoas naquelas
tendas são os inúmeros peregrinos que vêm visitá-la por ocasião
de alguma festa.
Sem pensar muito, trazendo o neto a reboque, seu Olavo
começou a descer o monte, indo de encontro à multidão. Lino,
mesmo à distância, havia reparado como todos estavam vestidos. Foi então que entendeu por que ele e o avô usavam aquelas vestimentas que mais pareciam roupa de mulher. Todos,
homens e mulheres, usavam algo semelhante.
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— Eles se vestem como a gente!
— Na realidade, Lino, nós é que estamos vestidos como
eles. Esse é o traje da época, as túnicas. Uns usam túnicas verdes; outros, vermelhas. Existem até umas listradas como a daquele homem conversando à entrada de sua tenda, rodeado
pelos amigos.
O referido homem parecia estar envolvido numa dramatização, narrando uma história aos seus hipnotizados ouvintes.
Levantava as mãos aos céus, colocava-as nas barbas como que
aflito. Depois, tomado de alegria, passou a pular e cantar, sendo
acompanhado pelos amigos. Era um nato contador de histórias
do oriente.
Seu Olavo notou que, tanto no relato como na música,
aqueles homens mencionaram pelos menos uma palavra conhecida: páscoa.
— Sobre o que estão falando? — Lino estava curioso.
— Creio que da Páscoa, a festa em que os judeus comemoram a saída dos seus antepassados do Egito, onde foram
escravos — disse seu Olavo. — Então é por isso que estão aqui,
para festejá-la. Não conseguiram se alojar dentro, na cidade. Na
certa ela já está com suas hospedarias lotadas.
Seu Olavo tinha razão no que dizia, e queria captar mais
da conversa daqueles homens. Fazendo ar de desinteressado,
foi se aproximando dos alegres judeus, andando entre as tendas
com o cuidado de não tropeçar nas cordas que as prendiam ao
chão. Só que Lino não teve o mesmo cuidado. Ouviu-se um baque surdo e, logo após, um sonoro gemido.
— Ai, vô!
UNS DIAS PASSADOS EM JERUSALÉM | 13
O incidente chamou a atenção dos mais próximos, tudo
que seu Olavo não queria naquele momento. Mas aquilo não
era mais importante do que socorrer o neto. E foi o que tentou
fazer. Mas alguém o antecipara. Semelhante ao bom samaritano
da parábola bíblica, um rapaz já se encontrava junto a Lino,
prestando-lhe os primeiros socorros.
— Ele está bem? Se machucou muito? — o avô se aproximou.
— Nada que preocupe, só teve alguns arranhões — disse
o rapaz, procurando alguma coisa numa espécie de bolsa de
couro que trazia consigo. — Tenho sempre à mão unguentos
ótimos pra essas horas... Ah, aqui! Achei! É só passar um pouquinho sobre arranhões ou feridas, e pronto — finalizou com ar
de entendido.
— Muito obrigado, amigo — seu Olavo agradeceu.
Na queda, Lino arranhara os joelhos. E era neles que o
bom homem aplicava, com habilidade, o líquido viscoso.
— Azeite, meu garoto — explicou ele a Lino, que fazia cara feia, nem tanto pela dor, mas porque estava intrigado com o
estranho remédio. — Vai evitar que a pele afetada fique rija,
aliviando um pouco a dor.
Pelos menos, pensou Lino, não arde como merthiolate.
Observando toda a cena com muita humildade, seu Olavo
não interferiu. Sabia das propriedades curativas do óleo de oliva, o azeite. Essa era uma das utilidades, dentre muitas outras,
desse produto entre os judeus. Ele e Lino aprenderiam muito
ainda com esse povo. Não era este o objetivo daquela extraordinária viagem? E acho que até muito mais.
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O ancião queria participar de cenas históricas passadas
naquela santa cidade. Sabia do sucesso de algumas, podendo se
encontrar na hora e lugar de muitos acontecimentos. E o incidente com o neto e a aparição daquele homem solícito já não
seriam fruto da divina providência? O judeu poderia ajudá-lo, e
muito, em algumas investidas. Preciso conhecê-lo primeiramente, pensou seu Olavo.
— Meu nome é Jonas — disse o homem, adivinhando involuntariamente a intenção daquele senhor que precisava de
mais ajuda. — Se não se sentirem incomodados, serão bemvindos à minha humilde morada. Lá dispensarei mais cuidados
ao pequeno.
Estava aí a oportunidade. Seu Olavo não titubeou.
— O meu nome é Olavo e este é meu neto, o Lino. Estamos um pouco cansados — disse, amparando o menino, que já
fazia cara de choro. — Aceito o convite.
Nisto, os circunstantes, que até então observavam tudo
com alguma indiferença, como se tivessem ouvido um diretor
de cinema numa gravação, voltaram-se para suas obrigações.
Uma matrona1, quase toda coberta numa túnica azul-escura,
tratou de recolher os filhos seminus. Outras a imitaram. Os homens, que antes conversavam abertamente diante das tendas,
agora afetavam discrição. Talvez com receio do estrangeiro e de
seu desastrado neto.
Seu Olavo notou a animosidade deles, tão diferentes de
Jonas. A barba, talvez seja isso, ele pensou, passando uma das
mãos no queixo — estou sem barbas. Alguns judeus da época, já
1
Matrona é uma mulher idosa e respeitável.
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tão desconfiados com os estrangeiros, evitavam um primeiro
contato com os imberbes2, assim identificavam de longe um
não-judeu.
Ignorando essa situação, o ancião tratou de seguir seu anfitrião, que já ia longe, conversando com Lino. Um pouco adiante, Jonas parou indicando sua morada. Era também uma tenda.
Tinha logo à entrada um tapete com figuras que retratavam
qualquer coisa, menos animais. Seu Olavo atentou para esse
detalhe. Tratava-se de uma obediência, por parte dos judeus, a
uma ordem divina, a de não desenharem animal algum por ornamento, nem sequer figuras humanas. O interior da residência
recendia a azeite e a uma essência qualquer. Mas, mesmo assim, um desagradável cheiro, em algum canto, denunciava a
presença recente de animais.
— Sintam-se à vontade — Jonas já estava a um canto,
procurando alguma coisa. — Vocês devem estar com fome. Verei o que posso fazer.
Tanta solicitude ele demonstrava, que Lino imaginou Jonas dizendo: “Mi casa es su casa!”.3 Seria engraçado. E o menino não deixou de rir, esquecendo um pouco a dor das escoriações.
Sentaram-se sobre esteiras dispostas bem no meio da
tenda. Uma pequena mesa de madeira diante deles. Nela, Jonas
colocou um pão fresco e alguns peixes assados.
— Qualquer judeu, em sua modesta piedade, reparte o
seu pão — disse. — Tem como norma a hospitalidade. Abraão, o
2
Homens sem barba.
Popular expressão da língua espanhola, que traduzida significa: “Minha casa
é a sua casa”.
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