A Governança Corporativa no cenário atual
Estado de Minas, 25 maio 2008. Direito
e Justiça
Nos últimos anos, dezenas de companhias
fecharam contratos de risco apostando em
operações com derivativos que
projetavam ganhos financeiros se a
cotação do dólar continuasse baixa. Ao
contrário da expectativa, a alta do dólar
fez com que várias empresas
reconhecessem perdas com tais
operações. Ultrapassado o impacto inicial,
diversos observadores passaram a
questionar se houve falha na governança
de algumas empresas.
Partindo de tais constatações, o presente
artigo tem o objetivo de analisar quais
contribuições podem ser oferecidas pela Governança Corporativa nas organizações 1
no cenário atual de quebra de confiança do investidor, pedidos de recuperação de
empresas e até falências. Para tanto, ele explora brevemente a definição e algumas
práticas de Governança Corporativa, sem qualquer pretensão de exaurir o tema.
A expressão "Governança Corporativa" é a tradução livre de "Corporate
Governance" que, em primeira impressão, representa um sistema de regras e
condutas pelas quais as sociedades são dirigidas e monitoradas, que visa, entre
outros, reduzir as situações de conflito de interesses.
Pode-se dizer que a Governança Corporativa - "GC" guarda origens na década de
80. Desde o início de 2000, ela passou a ser inspirada nos princípios da
transparência, prestação de contas, equidade e da conformidade legal, quando
tornaram centro das discussões:
(i) a separação entre propriedade e gestão nas organizações;
(ii) os direitos e obrigações de acionistas controladores e minoritários;
(iii) o tratamento justo daqueles que se relacionam com a empresa (partes
interessadas);
(iv) os modelos de estruturação do corpo diretivo das organizações, considerando
os diferentes objetivos dos Conselhos de Administração, Fiscal, Executivos e dos
Auditores Independentes;
(v) a gestão e divulgação responsável de riscos.
Difuso em todas estas questões, evidenciaram-se como foco de atuação da
Governança Corporativa os chamados conflitos de agência, ocasionados entre o
grupo controlador e os minoritários, ou entre o Conselho de Administração e os
executivos profissionais. Observou-se que a percepção e os interesses de tais
agentes, nem sempre são convergentes quanto ao rumo dos negócios, níveis de
riscos a serem assumidos, distribuição de resultados e políticas de investimento.
Identificados alguns dos principais problemas enfrentados pela Governança
Corporativa, tem-se que seus princípios e práticas devem integrar a cultura da
organização e ser refletidos em decisões e ações, não podendo ficar limitados a
algumas áreas isoladas nas empresas.
Quando o assunto é transparência e prestação de contas, tem-se como foco a
disponibilização de informações que sejam relevantes para os negócios, não sendo
admitidas omissões dos riscos conhecidos pela organização. Aliás, é necessário
manter uma política clara de gerenciamento de riscos.
Falando-se de conformidade legal, as organizações devem buscar não
simplesmente o cumprimento da legislação, mas também o atendimento de
princípios éticos. Não são aceitáveis as condutas que importem em abuso de forma,
abuso de direito, fraudes, simulações, entre outros. Os instrumentos legais devem
ser elaborados para refletir a real operação, prevalecendo o princípio da essência
sobre a forma.
Também é conferida especial atenção aos aspectos societários. Os atos
constitutivos das sociedades devem também resguardar os interesses dos
minoritários. As funções dos executivos, bem como o sistema de tomada de
decisões administrativas, devem ser claros, inclusive estabelecendo os limites de
competência para cada órgão diretivo. Os relatórios de administração e as atas
devem informar os pontos relevantes, destacando-se não apenas os positivos, não
se admitindo os chamados itens fora de balanço.
As Assembleias devem ter um sistema de convocação e funcionamento que
disponibilize previamente informações adequadas sobre os pontos constantes na
pauta em razoável prazo para análise. A participação dos acionistas deve ser
incentivada. Do lado dos acionistas, deve-se ter em mente a necessidade de
exercício dos direitos, inclusive para evitar surpresas futuras ocasionadas pelo não
exercício.
Superado o susto inicial ocorrido no mercado em 2008 e início de 2009, conhecidos
os problemas gerados, é necessário identificar algumas linhas de resposta a serem
exploradas para o desenvolvimento da Governança Corporativa nas organizações. É
certo que a adoção da Governança Corporativa é instrumento-meio e não de
resultado. Ocorrerão situações - como sempre ocorreram - em que a organização
assume riscos compatíveis com a sua política, que as decisões foram tomadas
dentro dos limites permitidos pelos órgãos competentes, que as informações foram
prestadas adequadamente, que os interessados tinham acesso a informações
complementares e ainda assim ocorrerão perdas, sem significar, no entanto, máadministração e sim fato atribuído ao risco do negócio.
De toda sorte, para afastar quaisquer dúvidas, oportunismos e até mesmo
injustiças, é indispensável o ativismo de acionistas, conselheiros, executivos,
advogados e auditores, para ampliar a efetividade da Governança Corporativa nas
organizações. A Governança Corporativa inaugura um movimento explícito pela
adoção de condutas éticas nas organizações e nos negócios, no sentido que os fins
não justificam os meios (v.g., quaisquer meios). Na verdade, os resultados são
almejados, mas existem limites quanto aos meios que podem ser adotados.
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1 Foi utilizada a expressão organizações, pois sustentamos que a Governança
Corporativa não é limitada às Companhias, podendo ser aplicada nos demais tipos
de sociedade, cooperativas, associações, fundações, empresas públicas e até
mesmo no Estado.
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Luis Gustavo Miranda de Oliveira é Advogado do escritório Rolim, Viotti &
Leite Campos Advogados
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