XXVII Domingo do Tempo Comum (Ano B) O texto – Mc 10,2-16 2 3 1 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Aproximaram-se dele uns fariseus e perguntaram-lhe, para o experimentar, se era lícito ao homem repudiar a mulher. Respondendo, disse-lhes: «Que vos ordenou Moisés?» Disseram: «Moisés permitiu escrever uma carta de repúdio e repudiá-la». Então, Jesus disse-lhes: «Por causa da DUREZA DO VOSSO CORAÇÃO ele escreveu para vós esse preceito. Mas, desde o princípio da criação, Ele fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e mãe para se unir à sua mulher, e serão os dois um só. De modo que já não são dois, mas uma só carne. Portanto, O QUE DEUS UNIU NÃO O SEPARE O HOMEM». E, em casa, de novo os discípulos interrogaram-no acerca disto. E disse-lhes: «Quem repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. E se ela repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério». Traziam-lhe crianças para que as tocasse; mas os discípulos repreendiam-nos. Vendo isto, Jesus indignou-se e disse-lhes: «Deixai vir a mim as crianças e não as afasteis, Porque delas é o REINO DE DEUS. Em verdade vos digo: quem não receber o REINO DE DEUS como uma criança, não entrará nele». E, abraçando-as, abençoou-as, impondo as mãos sobre elas. Breve comentário Os mestres religiosos do tempo de Jesus e os fariseus em geral não punham questões acerca da liceidade do divórcio, até porque estava previsto na Lei de Moisés, mas acerca dos motivos do divórcio. Na prática, qualquer motivo servia para que um homem pudesse rejeitar a sua mulher. Um aspecto que está subjacente é a superioridade do homem sobre a mulher que funcionava quase como propriedade do marido. Por conseguinte, se uma mulher era rejeitada pelo marido (e no povo israelita só o marido podia repudiar a mulher) não podia voltar para a casa do seu pai, porque este já não tinha autoridade sobre a filha porque tinha recebido o mohar (espécie de dote) dado pelo marido e, portanto, não a podia receber. Também não se podia unir a outro homem porque «pertencia» ao primeiro. A carta de repúdio, ordenada por Moisés (Dt 24,1) vem, assim, procurar remediar uma situação, libertando a mulher do elo que a unia ao marido, no caso de ser expulsa de casa. Esta lei surge, assim, por causa da «dureza de coração» dos homens. Solicitado por alguns fariseus que procuram embaraçá-lo, Jesus não hesita em declarar-se até contra Moisés, considerado pelos hebreus como a fonte das suas normas de vida. Moisés admitiu que o marido pode repudiar a mulher; mas há uma autoridade muito acima de Moisés, e é essa que se deve respeitar. Jesus não vem dar leis sobre o assunto, mas tira consequências do plano original de Deus. Este projecto parte da dignidade profunda e da igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher. Deus criou o Homem, a humanidade, macho e fêmea. A união do homem e da mulher representa, assim, uma plenitude, uma «coisa só», em que não existe proprietário e propriedade mas um enriquecimento mútuo. Nesta perspectiva, Jesus chama a atenção para o facto de poder haver «adultério» quer por parte do homem quer por parte da mulher, no caso de qualquer deles deixar o outro. As palavras «E se ela repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério» são nitidamente uma adaptação do texto evangélico à realidade do mundo grecoromano em que também a mulher podia pedir o divórcio. Não devemos esquecer que Marcos está a escrever o seu evangelho em Roma, para os cristãos dessa cidade. A segunda parte do texto aparentemente nada tem a ver com a anterior. Uma vez mais se chama a atenção para o acolhimento a dar às crianças, àqueles que não têm direitos, aos desprotegidos, a todos os «pequenos». Mas a lição mais profunda é o apelo a receber o Reino como uma criança. Isto significa imitar a criança na sua confiança para com os pais, intuindo o seu amor e solicitude, porque quanto eles lhe permitem ou lhe proíbem é só para seu bem. O Reino é uma iniciativa, um projecto de Deus que deve ser recebido com toda a confiança e simplicidade, renunciando, deste modo, a analisar e a discutir o plano de Deus com as nossas convicções, com a «dureza do nosso coração». P. Franclim Pacheco Diocese de Aveiro