PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA
2ª VARA FEDERAL
Processo nº 0013699-95.2007.4.03.6110
AÇÃO PENAL PÚBLICA
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Réus: IRANILDES LOPES DA SILVA E OUTROS
SENTENÇA TIPO D
SENTENÇA
Trata-se de AÇÃO PENAL PÚBLICA ajuizada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de IRANILDES LOPES DA
SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA,
ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS,
FERNANDO ROSA DOS SANTOS (cujo nome está equivocado na denúncia),
ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA
SILVA, imputando a todos a prática dos delitos tipificados nos artigos 171, § 3º, e,
288, caput, combinados com os artigos 29, caput, e 69, e aos três primeiros também o
crime tipificado no artigo 158, caput, todos do Código Penal.
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A denúncia refere-se à operação CAPELINHA, iniciada
a partir de representação perante o Ministério Público Federal, oriunda da Delegada
Federal do Desenvolvimento Agrário do Estado de São Paulo, noticiando a venda do
imóvel situado no Bairro Lagoa Grande, município de Itapeva, denominado Fazenda
Capelinha, adquirido com recursos federais advindos do extinto Fundo de Terras e da
Reforma Agrária – Banco da Terra, instituído pela Lei Complementar nº 93/1998,
bem como irregularidades na aplicação de recursos do Programa de Fortalecimento
da Agricultura Familiar – PRONAF destinados ao mesmo projeto, que tem como
beneficiada a Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí.
Narra a denúncia que a Associação adquiriu a Fazenda
Capelinha com recursos recebidos do extinto Banco da Terra, e obteve também
recursos do PRONAF, sendo beneficiada com mais de R$ 1.300.000,00 de verbas
públicas, para promover o desenvolvimento da agricultura familiar, como recomenda
o Estatuto Social da entidade.
Assevera a acusação, entretanto, que os verdadeiros
associados, iludidos pelos denunciados, foram convencidos por JOAQUIM DIAS
DA SILVA de que IRANILDES LOPES DA SILVA tinha interesse nos lotes e
pagaria pela transferência da posse o valor de R$ 3.000,00 por família, além do que,
assumiria os débitos pendentes junto ao Banco do Brasil, e os nomes dos associados
deixariam de constar do cadastro de inadimplentes do SERASA. Agindo assim, com
a intermediação do corretor de imóveis ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e do
Presidente da Associação, JOAQUIM DIAS DA SILVA, a venda irregular foi
efetivada, contando com a assessoria profissional dos advogados ABÍLIO CÉSAR
COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS que cuidaram de
promover a aparente regularidade do negócio.
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Consta da peça acusatória que, no escritório dos
advogados, os associados assinaram os contratos de compra e venda dos lotes pelo
valor de R$ 3.000,00, recebendo, contudo, tão-somente a metade do valor, em duas
parcelas de R$ 750,00, uma logo após a realização do negócio, na casa do corretor
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, e outra, trinta dias depois. Assim,
concretizada a negociação espúria, na mesma data (23/03/2008), foi realizada uma
assembléia da Associação, registrando-se em ata a exclusão de oito associados e a
admissão de outros nove, todos do relacionamento de acusado IRANILDES LOPES
DA SILVA, entre estes, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA,
respectivamente, genro e filhas de IRANILDES LOPES DA SILVA, que junto a
outros quatro novos associados, passaram a compor a diretoria da Associação,
incumbindo a ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS a Presidência, a
FERNANDO ROSA DOS SANTOS a Vice-Presidência e a LIDIANE LOPES DA
SILVA a Tesouraria da entidade. Acrescenta que IRANILDES LOPES DA SILVA
foi escolhido na assembléia para acompanhar e conduzir os trabalhos da Associação
na condição de profissional contratado, detendo procuração pública com os mesmos
poderes conferidos ao presidente.
Esclarece que os demais admitidos na Associação, quais
sejam, Ambrosina Gonçalves dos Santos, Cleonice Gonçalves dos Santos, Dulce
Gonçalves dos Santos, Claudemir Gonçalves dos Santos, Valdeci dos Santos e Edna
Braz da Silva, a teor dos depoimentos prestados no decorrer da investigação,
desconheciam a existência da Fazenda Capelinha e tiveram seus nomes
indevidamente inseridos por IRANILDES LOPES DA SILVA como membros da
Associação. Ademais, em reunião promovida na Fazenda com representante do
INCRA, teriam sido orientados por IRANILDES LOPES DA SILVA a mentir
afirmando que pretendiam “produzir terra”.
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Assim, registrada a nova composição da Associação, a
ata da Assembléia foi apresentada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e os
novos associados passaram a ter a posse de lotes da Fazenda Capelinha, induzindo a
União em erro, já que toda a negociação não passou de mera encenação, “pois, nunca
houve, tão-somente, a substituição dos antigos e verdadeiros associados pelos novos
e, sim, um engodo, seguido de grave ameaça, a fim de que a posse da terra passasse
a IRANILDES, que, para tanto, contou com a participação dos demais
denunciados”.
Segundo ainda a narrativa da denúncia, os associados que
não consentiram na venda dos lotes foram constrangidos por IRANILDES LOPES
DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA SILVA
com grave ameaça, além de terem seus lotes, onde residiam, invadidos por capangas
de IRANILDES LOPES DA SILVA.
Por fim, a denúncia descreve outra conduta penal dos
acusados prevista no artigo 288, caput, do Código Penal, aduzindo o Ministério
Público Federal que “(...) associaram-se, em quadrilha ou bando, de maneira estável
e permanente, para o fim de cometer os crimes(...)”.
Em fls. 229/254 e 274/276 a autoridade policial
presidente da investigação requerida pelo Ministério Público pugnou pela prisão
temporária dos denunciados e dos recém-admitidos na Associação, bem como pela
busca domiciliar em todos os endereços, para a colheita de provas da materialidade e
outros elementos de convicção.
Em fls. 208/219 e 277/343, encontram-se relatórios de
diligências policiais realizadas in loco e, por decisão de fls. 345/350, após
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manifestação favorável do Ministério Público Federal, foram decretadas as prisões
temporárias e busca e apreensão, nos termos requeridos pela autoridade policial.
Em fls. 377/465, constam os Mandados de Prisão e de
Busca e Apreensão devidamente cumpridos, bem como relatórios circunstanciados
emitidos pelos agentes policiais que atuaram nas equipes em operação de busca
domiciliar.
Em fls. 486/569, 572/648, 698/793 e 809/812, foram
colhidas em sede policial as declarações de todos envolvidos e em fls. 813/884,
consta o relatório conclusivo da investigação policial.
A denúncia oferecida foi recebida em 15 de Julho de
2008 (fls. 955).
As
informações
de
antecedentes
criminais
dos
denunciados foram encartadas em fls. 975/981, 983/992, 994/1001 e 1.003/1.010.
Em fls. 1.051-verso e 1.173-verso foram os acusados
regularmente citados da presente demanda.
Os denunciados IRANILDES LOPES DA SILVA,
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, FERNANDO
ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e
LIDIANE LOPES DA SILVA ofereceram defesa preliminar em fls. 1.028/1.030,
arrolando oito testemunhas. Em fls. 1.041/1.047 foram apresentadas as defesas
preliminares da defesa do denunciado ABÍLIO CÉSAR COMERON, arrolando sete
testemunhas e, em fls. 1.053/1.056, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS
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ofereceu sua defesa, indicando genericamente testemunhas, posteriormente
devidamente identificadas em fls. 1.096.
Não foram vislumbradas quaisquer das hipóteses de
absolvição sumária e, por decisão de fls. 1.086, foi determinado o prosseguimento do
feito.
Em fls. 1.127/1.128, 1.167/1.168 e 1.202/1.210 foram
colhidos em juízo os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, ou seja,
Valdeci dos Santos, Dulce Gonçalves dos Santos, Claudemir Gonçalves dos Santos,
Ageu Aparecido Proença Ribeiro, Marcos Antonio Sarti, Benedito Manoel das
Neves, Dercílio de Melo e Artur Pinto Vieira. As testemunhas Ageu Aparecido
Proença Ribeiro, Marcos Antonio Sarti e Artur Pinto Vieira também haviam sido
arroladas pelas defesas como testemunhas (comuns).
Em fls. 1.302/1305 e 1.327/1.330 constam depoimentos
de testemunhas arroladas pela defesa, isto é, Antonio Celso Polifemi, Aldo Flávio
Comeron, Maura Aparecida Abrami Monteiro Spalutto, Paulo Sérgio de Morais, José
Nilson da Cruz, Adir de Lima e Nadir Maria da Cruz.
As testemunhas Edo Osvaldo Mallmann (arrolada por
ABÍLIO CÉSAR COMERON) e Antonio Francisco de Lima Neto (arroladas por
JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS) não foram encontradas, consoante
consta em fls. 1.225 e em fls. 1.282. Tal fato gerou a decisão de fls. 1.334,
determinando a manifestação expressa dos acusados sobre a não localização das
testemunhas de defesa, transcorrendo o prazo sem qualquer manifestação (certidão de
fls. 1.336).
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Consoante termo em fls. 1.301, foi requerida pela defesa
e homologada a desistência de oitiva da testemunha Vitório Donizetti Spaluto; e em
fls. 1.326 consta termo com a desistência de oitiva das testemunhas Davi Alcides
Gomes, Valter de Almeida Lima e Luis Antonio Lages Magalhães.
Com relação às testemunhas Jorge de Faria Maluly e
Guilherme Cassel, instadas, manifestaram-se em fls. 1.275 e 1.279, alegando que
desconhecem os fatos narrados na denúncia, razão pela qual não foram inquiridas
judicialmente.
Em fls. 1.355 encontra-se a mídia eletrônica relativa às
declarações dos denunciados, colhidas em sede de interrogatório judicial,
oportunidade em que, instadas, as partes se manifestaram nos termos do artigo 402,
do Código de Processo Penal, não havendo requerimento de diligências
complementares, a teor do termo acostado em fls. 1.353.
O Ministério Público Federal, nas alegações finais de fls.
1.356/1.370, entendeu não comprovadas a autoria e a materialidade em relação ao
crime previsto no artigo 288, caput, do Código Penal, e pugnou pela condenação de
todos os acusados pela prática do delito tipificado no artigo 171, § 3º, combinado
com os artigos 29, caput, e 69; acrescentando em relação aos acusados IRANILDES
LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA
SILVA o requerimento de condenação pela prática do delito previsto no artigo 158,
caput, do Código Penal.
No mérito o Parquet tece considerações gerais sobre a
operação Capelinha e destaca a participação de cada um dos acusados consoante
conjunto probatório formado nos autos. Sustenta que os denunciados, previamente
ajustados e em unidade de desígnios, agiram para o fim de obter vantagem ilícita para
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si e para outrem, na medida em que, de forma fraudulenta, auferiram vantagens
econômicas, apossando-se ou concorrendo para que outros se apossassem de bem
adquirido pela União e de todas as benfeitorias realizadas com recursos públicos
federais, que tinham, inicialmente, a finalidade de fomentar a agricultura familiar a
ser promovida por famílias de agricultores, desde que preenchidos requisitos básicos
como possuir baixa renda e residir no local, conforme Lei Complementar nº 93/98
(Banco da Terra).
Alega que JOAQUIM DIAS DA SILVA foi o idealizador
da venda ilícita da Fazenda Capelinha, levando sua intenção de venda de bens
adquiridos com recursos da União ao conhecimento do corretor de imóveis ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS, e este, por sua vez, levou ao conhecimento de
IRANILDES LOPES DA SILVA, que manifestou interesse na concretização do
negócio e passou a articular os meios fraudulentos para iludir os humildes associados
da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, que detinham a posse da
Fazenda Capelinha, e induzir o Ministério do Desenvolvimento Agrário em erro,
forjando documento que desse respaldo à transação, a fim de tomar posse do imóvel
e das benfeitorias já existentes.
Assevera que, para assessorar na elaboração de
documento que acobertaria a transação ilícita, IRANILDES LOPES DA SILVA
contratou os advogados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO
FOGAÇA DOS SANTOS, os quais, embora conhecedores da ilicitude ao ato,
compuseram a manobra e “(...) ao invés de zelar pelo cumprimento do ordenamento
jurídico, trataram de burlá-lo, utilizando-se de seus conhecimentos jurídicos para
tanto, só levando em consideração os benefícios econômicos que aufeririam com a
transação fraudulenta (...)”. Da mesma forma, para favorecer a posse irregular
pretendida por IRANILDES LOPES DA SILVA, bem como usufruir o bem da União
e suas benfeitorias, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA
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LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA, respectivamente,
genro e filhas de IRANILDES LOPES DA SILVA, consentiram na ilicitude e “(...)
emprestaram seus nomes para a consumação do delito, já que nunca foram
agricultores de fato (...)”.
Destaca o órgão ministerial finalmente a reprovação
social dos crimes cometidos pelos denunciados, proporcionando à União um prejuízo
de mais de R$ 1.300.000,00 de recursos aplicados, e, sobretudo, as conseqüências
desastrosas para as famílias de agricultores “(...) todas compostas de pessoas simples
e sem recursos, que foram obrigadas a se retirar de seus lotes mediante graves
ameaças (...)”.
O defensor constituído nos autos pelos acusados
IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS,
JOAQUIM DIAS DA SILVA, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA
apresentou as alegações finais em fls. 1.374/1.393, pugnando pela improcedência da
ação penal. Alega a ausência de caracterização do crime de quadrilha ou bando e dos
demais crimes imputados aos corréus defendidos, argumentando que o Ministério
Público Federal pleiteia a condenação dos acusados com base nos depoimentos
colhidos em sede policial, contrariando os princípios do contraditório e da ampla
defesa e em afronta à disposição do artigo 155, do Código de Processo Penal,
trazendo aos memoriais trechos dos depoimentos de testemunhas colhidos em sede
judicial que destoam daqueles colhidos em inquérito. No que tange ao crime de
estelionato, assevera a defesa que as práticas necessárias para caracterização do crime
não restaram demonstradas nos autos, sustentando que a União não experimentou
prejuízo uma vez que “(...) o imóvel ficou consignado em hipoteca como garantia
real da dívida assumida pela Associação.(...)”. Aduz que os denunciados não podem
ser responsabilizados pelo mau uso dos recursos recebidos do PRONAF e aplicados
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de forma errônea pelos associados que integravam a Associação na época da
liberação do dinheiro, acrescentando que os acusados “(...)não fizeram uso de um só
centavo.(...)”. Ademais, alega que “(...)os Associados não estavam mais interessados
em fazer parte do quadro da Associação, razão pela qual resolveram alienar suas
quotas.(...) e (...)o dinheiro entregue a alguns associados foi uma forma de
indenização pelo tempo em que estiveram na fazenda.(...)”. Por fim a defesa requer,
em caso de condenação, a consideração da primariedade e a aplicação da atenuante
da confissão aos acusados, por ocasião da dosimetria da pena.
Os denunciados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE
MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, defensores em causa própria, apresentaram
as alegações finais em fls. 1.406/1.413. Reiteram o pedido de absolvição do crime
tipificado no artigo 288, caput, do Código Penal, consoante requerido pelo Ministério
Público Federal em sede de alegações finais. Asseveram que a investigação dos fatos
teve origem na denúncia ofertada pelo então associado Marcos Antonio Sarti perante
o Ministério do Desenvolvimento Agrário, de que a Fazenda Capelinha estaria sendo
vendida sem a autorização dos órgãos controladores, porém, “(...) todo o
procedimento adotado pelos acusados era de total conhecimento do ITESP, órgão
controlador do sistema de desenvolvimento agrário.(...)”, enfatizando que o analista
do órgão esteve no local e constatou que a propriedade não fora vendida, mas sim,
foram substituídos associados que não residem na propriedade. Além do mais,
aduzem que concluiu o analista do ITESP que “(...) há irregularidades na
implantação do Projeto, mas que talvez possam ser solucionadas com a
regularização e revitalização do mesmo e o retorno da assistência técnica.(...)”. De
outro turno, registram que o denunciante Marcos Antonio Sarti, alegando
precipitação e desespero, retratou-se, porém, “(...) se houve alguém que recebeu
vantagem ilícita em todo esse imbróglio, foram Marcos Antonio Sarti e Humberto
Carlos Camargo Nogues. Afinal, Marco Antonio assinou contrato de arrendamento
para que Humberto Carlos plantasse floresta de eucalipto na área adquirida da
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União.(...) e este, “(...)cortou TODA a floresta de eucalipto plantada no local e nada
repassou à associação.(...)”. Aduzem que o trabalho dos advogados foram restritos
aos registros de manifestações de vontade das partes contratantes, sem qualquer
interesse em propiciar vantagem a outrem, de tal sorte que “(...)se houve a intenção
dos envolvidos em beneficiar-se ilicitamente da situação, era de total
desconhecimento dos advogados(...)” e acrescem que, se procedente a denuncia de
prática do crime de estelionato, tal imputação deve ser feita em face dos vendedores e
não dos compradores. Por último, requerem a absolvição dos acusados, renovando a
assertiva de que inexiste prejuízo experimentado pela União ou por terceiros,
tampouco a comprovação do dolo, além de que, os contratos e documentos foram
elaborados segundo a vontade das partes.
Após, os autos vieram-me conclusos.
É o relatório. DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO
Esta sentença está sendo proferida por este magistrado,
em razão da licença por tempo indeterminado conferida ao douto Juiz Titular da 2ª
Vara, Dr. Sidmar Dias Martins, para atuar como Juiz Auxiliar do CNJ a partir de
26/04/2010; bem como em razão do afastamento da Juíza Federal Substituta Dra.
Margarete Morales Simão Martinez Sacristan durante o período de 17/11/2010 até
08/02/2010.
Saliente-se, em primeiro plano, que não existem
nulidades absolutas a serem proclamadas, sendo certo que não há qualquer nulidade
que enseje prejuízo à defesa dos acusados, transcorrendo o processo de acordo com o
devido processo legal.
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Nesse sentido, destaque-se que a denúncia formulada
descreveu a forma de participação de cada um dos envolvidos. Os fatos foram
expostos na peça acusatória, bem assim as circunstâncias em que se deram, eis que
robustos elementos objetivos de prova colhidos durante o inquérito policial
demonstraram a materialidade do crime e autorizaram o órgão ministerial a deduzir a
pretensão punitiva através do oferecimento da denúncia.
Outrossim, em relação às testemunhas que não foram
ouvidas durante a instrução processual, notadamente, as arroladas pelos acusados
ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, há
que se considerar que ocorreu o fenômeno da preclusão, uma vez que eventual
nulidade deveria ter sido arguida em sede de alegações finais, nos termos do inciso II
do artigo 571 do Código de Processo Penal.
Feitos os registros iniciais necessários, aduza-se que a
inicial imputou aos acusados IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO CÉSAR
COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, FERNANDO
ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e
LIDIANE LOPES DA SILVA, a prática dos delitos tipificados nos artigos 171, §
3º, e, 288, caput, combinados com os artigos 29, caput, e 69, e aos três primeiros,
também o crime tipificado no artigo 158, caput, todos do Código Penal, por haverem
se associado em quadrilha ou bando com a finalidade de fazendo uso de documento
ideologicamente falso induzir a União em erro e obter vantagens para si e para
outrem, consistente na posse da Fazenda Capelinha, adquirida com recursos públicos
do extinto Banco da Terra, bem como das benfeitorias realizadas no imóvel também
com dinheiro público oriundo do mesmo fundo e do PRONAF.
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Não havendo preliminares arguidas nos memoriais da
defesa, passa-se ao exame do mérito.
Em primeiro lugar, há que se consignar que, na apreciação
desta ação penal, este juízo irá tecer considerações genéricas sobre cada um dos três
crimes imputados na denúncia, ou seja, estelionato (artigo 171 § 3º), extorsão (artigo
158) e quadrilha (artigo 288), para depois analisar a prova constante nos autos em
relação a cada um desses delitos e, ao final, individualizar a conduta de cada um dos
imputados.
Inicia-se a apreciação pelo crime de estelionato qualificado
ou majorado, previsto no artigo 171, § 3º do Código Penal.
Em primeiro lugar, há que se considerar que estamos
diante de imputações relacionadas com um imóvel rural que faz parte de um contrato
específico que está inserido dentro de uma política pública, cujos objetivos estão
plasmados na Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 187 e
188.
Com efeito, neste caso específico, a denominada “Fazenda
Capelinha” foi adquirida pela Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí,
em 10/01/2002, sendo que referida Associação não disponibilizou nenhum recurso na
aquisição do imóvel, já que o valor do imóvel e da infraestrutura básica necessária
para que a Fazenda pudesse se tornar produtiva (construção de 29 casas de moradia,
saneamento básico, abastecimento de água, instalação de rede elétrica , etc..) foi
integralmente objeto de um financiamento do governo federal com auxílio do Banco
do Brasil S/A na qualidade de mandatário do Fundo de Terras e da Reforma Agrária –
Banco da Terra.
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Ou seja, neste caso houve a disponibilização integral da
quantia de R$ 869.185,80 (oitocentos e sessenta e nove mil, cento e oitenta e cinco
reais e oitenta centavos) para aquisição da Fazenda e realização da infraestrutura em
benefício da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, no âmbito de um
programa de governo – política pública – cujo objetivo é beneficiar trabalhadores
rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias
de baixa renda.
O instrumento normativo que rege as relações jurídicas
relacionadas com a aquisição, financiamento e utilização da “Fazenda Capelinha” é a
Lei Complementar nº 93 de 4 de Fevereiro de 1998, através da qual foi criado o
Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra, cuja finalidade é financiar
programas de reordenação fundiária e de assentamento rural (artigo 1º da Lei
Complementar nº 93/98).
A receita do aludido Fundo é composta essencialmente de
recursos públicos (artigo 2º), sendo que ela deverá ser usada na compra de terras e na
implantação de infraestrutura em assentamento rural promovido pelo Governo Federal,
nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 93/98, exatamente como foi feito no
caso em apreciação em relação ao imóvel denominado “Fazenda Capelinha”.
Note-se que referidos recursos podem ser disponibilizados
para aquisição de terras e implantação de infraestrutura para entidades representativas
de produtores e trabalhadores rurais, dentre elas associações ou cooperativas, com
personalidade jurídica própria, nos exatos termos do que determina o artigo 10º da Lei
Complementar nº 93/98. No caso dos autos houve a constituição da Associação dos
Agricultores Familiares de Taquarivaí (fls. 115/121) em 08 de Dezembro de 2000.
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Nos termos do referido artigo 10º, tais associações podem
preitear financiamento do Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra
para implantar projetos destinados aos beneficiários previstos no parágrafo único do
artigo 1º, ou seja, trabalhadores rurais não-proprietários com cinco anos de experiência
na atividade agropecuária e pequenos agricultores proprietários cuja área não alcance a
dimensão de propriedade familiar e seja insuficiente para gerar renda capaz de
propiciar o próprio sustento do agricultor e de sua família.
Portanto, fica evidenciado que os recursos públicos
investidos pelo Governo Federal na compra e introdução de infraestrutura em relação à
“Fazenda Capelinha” fazem parte de uma política pública de assentamento de
pequenos produtores rurais nominalmente identificados, que, em hipótese alguma,
poderiam alienar ou ceder a posse das terras (artigo 11 da Lei Complementar nº
93/98).
A escritura pública acostada em fls. 131/138 nomeia as
vinte e nove famílias que foram contempladas com o programa federal, sendo que na
cláusula décima terceira, alínea “c”, da referida escritura pública consta expressamente
que os associados diretamente beneficiados pelo crédito concedido não poderiam
gravar, vender, alienar, ceder ou transferir a terceiros o bem imóvel gravado sem
autorização escrita da unidade técnica regional, com anuência prévia do Banco
da Terra.
Em sendo assim, a primeira e óbvia conclusão a que se
chega é a de que o imóvel objeto desta ação penal está sujeito a uma exploração
restrita e específica, sendo que qualquer modalidade de exploração que contrarie a
Lei Complementar nº 93/98 é ilícita, mormente porque contraria política pública cujos
valores estão expressos na Constituição Federal, dentre eles a questão da função social
da propriedade.
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Em termos penais, a denúncia imputou às pessoas
identificadas o crime de estelionato, ou seja, (1) a obtenção de vantagem ilícita (para si
ou para outrem), (2) em prejuízo alheio, (3) induzindo ou mantendo em erro alguém,
(4) mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento.
A obtenção de vantagem ilícita imputada na denúncia diz
respeito ao fato de que o réu IRANILDES LOPES DA SILVA obteve a posse de uma
fazenda, no lugar de beneficiários do programa do governo federal, sem autorização
escrita da unidade técnica regional e tampouco com anuência prévia do Banco da
Terra, nos termos do constante na cláusula décima terceira, alínea “c”, da escritura de
compra e venda da “Fazenda Capelinha”; e, pior, sem sequer possuir os requisitos
mínimos necessários para ser beneficiário do programa governamental. Consoante
asseverado alhures, qualquer vantagem obtida em detrimento das normas contidas na
Lei Complementar nº 93/98 é considerada ilícita, posto que obtida ao arrepio do
referido diploma normativo.
A questão do prejuízo alheio, diz respeito, obviamente, ao
prejuízo suportado pela União, mais especificamente, em relação ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário, que deve prestar contas à sociedade no que se refere à
correta implementação da política de reforma agrária e do ordenamento fundiário
nacional, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável.
Nesse ponto, há que se destacar que o prejuízo patrimonial
objeto do delito de estelionato não diz respeito tão-somente ao prejuízo pecuniário, ou
seja, desvio e malversação de recursos, mas também na perda de algo
economicamente apreciável.
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No caso em questão, o fato do bem imóvel denominado
“Fazenda Capelinha” ter sido usado por alguém que não atendia as diretrizes do
programa de assentamento rural objeto da Lei Complementar nº 93/98 caracteriza uma
perda de algo economicamente apreciável, até porque os recursos públicos investidos
na Fazenda objeto do programa social poderiam estar sendo utilizados por outras
famílias necessitadas da região. Quando se afirma que a “Fazenda Capelinha” poderia
estar sendo usada por outras famílias de agricultores, está a se asseverar que essas
famílias (obviamente, as cadastradas pelo governo federal) estariam usufruindo
uma política pública, através de recursos federais investidos na área, e também
poderiam estar produzindo visando aplacar a dívida referente ao financiamento dos
primitivos agricultores, haja vista que com o desvio da posse da área, a dívida
remanesce sem qualquer pagamento.
O prejuízo ou dano economicamente apreciável “pode
concretizar-se com a falta de aquisição de uma utilidade, ou com a falta do aumento
do patrimônio da vítima, não obstante vários autores falarem sempre em diminuição
patrimonial. E isso pensamos, por via de simples exemplo. Suponhamos o caso de
pessoas que, usando de artifícios, ardis ou meios fraudulentos, entrem em cinemas,
teatros, ou praças de jogos desportivos não pagando entrada. Há vantagem ilícita
para os agentes, há fraude e há dano patrimonial para as empresas. Esse dano não se
constituiu na diminuição patrimonial (o produto de entradas vendidas continua intato
no caixa), mas houve impedimento de aquisição de utilidade, de aumento de
patrimônio, pela contraprestação a que espectadores eram obrigados. Há lesão
patrimonial, que se funda num direito certo e existente das vítimas”, consoante
ensinamento de E. Magalhães Noronha, em sua obra “Direito Penal”, atualizada por
Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, 2º Volume, editora saraiva, 28ª edição (ano
1996), página 382, que se aplica ao caso em apreciação.
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Em sendo assim, não procede a alegação da defesa de
IRANILDES LOPES DA SILVA e outros no sentido de que em nenhum momento a
União foi prejudicada, pois a dívida está garantida pela existência da hipoteca. Neste
caso houve prejuízo patrimonial pela ausência de aquisição de utilidade patrimonial
em relação à fazenda, haja vista que a União ficou privada de assentar pessoas
beneficiárias de programa de assentamento rural (obviamente gastou recursos públicos
para assentar terceiros em outros locais), enquanto terceiros exploraram a terra sem
nada pagar e sem serem os beneficiários do programa.
A obtenção de vantagem indevida mediante artifício, ardil
ou qualquer meio fraudulento imputada pela denúncia diz respeito à questão de
alteração dos associados e, principalmente, da composição dos cargos diretivos da
Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, que passou a ser ocupada por
pessoas de confiança de IRANILDES LOPES DA SILVA, de modo que este passou a
ocupar a fazenda e utilizá-la em proveito próprio, como sendo, na realidade, uma
espécie de comprador do imóvel, se apossando do imóvel pago com recursos da União
e se apropriando das benfeitorias realizadas com o dinheiro público.
A manutenção da União em erro é evidente, uma vez que o
Ministério do Desenvolvimento Agrário e tampouco o ITESP foram comunicados
oficialmente sobre a alteração dos associados primitivos e sobre a posse de terras pela
família de IRANILDES LOPES DA SILVA, questão esta que só restou equacionada
em razão da investigação da polícia federal. A carta subscrita pelo técnico do ITESP
Antonio Carlos de Seta acostada em fls. 53 dos autos indica que os associados
comunicaram ao subscritor a efetivação de substituição dos associados que não
residiam na propriedade e não que um terceiro – IRANILDES LOPES DA SILVA –
passasse a ter quase que exclusivamente o domínio da Fazenda sem ter as condições
para ser um assentado.
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Em sendo assim, passa-se a analisar as provas constantes
dos autos relacionadas com o cometimento do delito de estelionato de forma geral,
para, em seguida, individualizar a participação de cada um dos denunciados no delito
previsto no artigo 171, § 3º do Código Penal.
Das provas colhidas nos autos denota-se, de forma clara e
evidente, que os denunciados agiram com ardil a fim de concretizar o objetivo final,
qual seja, a posse da Fazenda Capelinha pelo réu IRANILDES LOPES DA SILVA.
Com efeito, em primeiro lugar, há que se ressaltar que
existem nos autos inúmeras provas documentais que já demonstram a existência do
delito de estelionato.
Em fls. 11 dos autos consta um “fax” passado por Marcos
Antonio Sarti no dia 11 de Janeiro de 2007 ao Ministério do Desenvolvimento
Agrário, através do qual ele denuncia, na qualidade de um dos assentados, a possível
venda da Fazenda Capelinha. Em fls. 13 constou um novo “fax” enviando por Marcos
Antonio Sarti e outros (Vicente Vidal de Souza, Dercílio de Melo, Adir de Lima e
João Franco de Arruda), desta feita remetido no dia 27 de Março de 2007, melhor
esclarecendo a situação, ou seja, aduzindo que a referida “venda” seria de fachada,
uma vez que existiria um comprador único que teria arquitetado um plano. Foi a partir
de tais denúncias feitas por escrito que se descortinou todo o conjunto probatório que
acarretou a prisão de várias pessoas com a colheita de provas que comprovam a prática
do estelionato.
Nesse ponto, impende destacar que em fls. 54/56 foi
acostada uma possível retratação assinada por Marcos Antonio Sarti, datada de 10 de
Julho de 2007, em que ele e Adir de Lima – cujo depoimento mendaz em sede policial
levou a instauração de inquérito policial por falso testemunho, conforme consta no
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relatório de fls. 871 e 883 – pedem “desculpas” pelo erro cometido, já que haveria
apenas uma substituição de sócios que não tinham condições de morar no local por
outros.
Referida “retratação” chama a atenção pelo linguajar
utilizado, muito diferente dos dois outros documentos em que existem erros de
português (como, por exemplo, a palavra “faixada”) e a linguajem utilizada é
coloquial, consentânea com a veracidade de informações repassadas por um agricultor.
Conforme será explanado alhures, o conjunto probatório demonstrou que as denúncias
feitas por Marcos Antonio Sarti em fls. 11 e 13 eram verdadeiras, sendo que a
“retratação” de fls. 54/56 foi redigida com a colaboração de advogados, com o intuito
de despistar manobras ardilosas que fizeram com que a posse da Fazenda Capelinha
ficasse com IRANILDES LOPES DA SILVA. Outrossim, conforme será abaixo
pormenorizado, Marcos Antonio Sarti passou a ocupar um novo cargo na Associação,
laborando em favor de IRANILDES LOPES DA SILVA, fato este que explica a
referida “retratação”.
Aliás, neste ponto, impende destacar a personalidade
criminosa de Marcos Antonio Sarti e de outros assentados que foram ouvidos em
juízo, uma vez que, como não foram denunciados nesta demanda, tiveram a ousadia e
o desplante de, em Janeiro de 2010, firmar um contrato de parceria com terceiro em
relação às terras objeto da Fazenda Capelinha, continuando a obterem ganhos de terras
financiadas com recursos públicos, conforme documento acostado em fls. 1.289/1.292
destes autos. Referido fato será objeto de inquérito policial a ser instaurado por
requisição deste juízo, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código de Processo Penal.
Prosseguindo
na
análise
dos
documentos
que
desencadearam a descoberta da fraude, destaque-se o ofício de fls. 62/68, através do
qual o Ministério do Desenvolvimento Agrário noticiou, em 17 de Setembro de 2007,
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a existência dos fatos delituosos. Com efeito, referido ofício restou acompanhado de
documentos que comprovam que a posse da Fazenda Capelinha passara para as mãos
do acusado IRANILDES LOPES DA SILVA.
Com efeito, em fls. 71/74 dos autos foi juntada uma Ata de
Assembléia Geral da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí realizada
em 23 de Março de 2007 através da qual restaram noticiadas a exclusão e a
substituição de sócios. A presidência da entidade passou a ser ocupada por ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, isto é, a filha de IRANILDES LOPES
DA SILVA; o vice-presidente eleito foi FERNANDO ROSA DOS SANTOS, casado
com a presidente e, portanto, genro de IRANILDES LOPES DA SILVA. A Secretária
nomeada foi Cleonice Gonçalves dos Santos que, em fls. 486/488, alegou assinou uns
papéis e foi orientada por IRANILDES LOPES DA SILVA a dizer que produziria na
terra, muito embora não tivesse a intenção de fazê-lo. A tesoureira nomeada foi
LIDIANE LOPES DA SILVA, também filha de IRANILDES LOPES DA SILVA,
que, na época, tinha pouco mais de dezoito anos. Como conselheiros fiscais foram
nomeados Valdeci Lopes da Silva, Claudemir Gonçalves dos Santos e Dulce
Gonçalves dos Santos que, conforme será explanado com mais acuidade abaixo são, na
realidade, “laranjas” que não iriam ter quaisquer atividades na Fazenda.
No referido ofício de fls. 62/68 já constava a menção à
existência de uma mudança no estatuto social da Associação dos Agricultores
Familiares de Taquarivaí, justamente para incluir a alínea “h” no artigo 18 para
possibilitar a contratação e outorga pública para terceiros a fim de auxiliar a diretoria
na gestão e administração da associação (fls. 73). Não por coincidência, em fls. 75 e
verso dos autos constava uma procuração pública (lavrada em 12 de Abril de 2007)
através da qual ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS outorgava
amplos poderes de gerência para seu pai IRANILDES LOPES DA SILVA em relação
à Fazenda Capelinha.
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Em fls. 85/88 consta um importante documento, ou seja,
uma Ata de reunião entre alguns integrantes da Associação dos Agricultores
Familiares de Taquarivaí e um representante do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, Sr. Deivisson Silva do Nascimento. Referida ata foi lavrada em 20 de Agosto
de 2007, sendo que nela já constava que o antigo presidente da Associação JOAQUIM
DIAS DA SILVA conversou com vários associados que assinaram documentos em
Buri, na presença de advogados, com o fim saírem da associação e “limparem” seus
nomes. Na aludida ata o representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário
informa aos presentes que IRANILDES LOPES DA SILVA e seus familiares não
poderiam substituir aos antigos assentados, pois não são agricultores familiares, sendo
que os documentos assinados não teriam validade jurídica.
É interessante notar que na aludida reunião não estavam
presentes os réus nesta demanda. Isto é, fica evidenciado que os réus não procuraram
em nenhum momento representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário para
resolver a questão da substituição dos agricultores. Ou seja, ao ver deste juízo, a
elaboração do documento de fls. 85/88 é prova cabal que a versão uniforme de todos
os réus ouvidos em juízo não condiz com a verdade, usando todos os réus o seu direito
constitucional de não dizer a verdade perante o juízo.
Com efeito, os réus sustentam a versão de que nada de
ilegal estaria sendo feito, posto que haveria uma mera substituição de antigos
assentados por novos, visando levantar o empreendimento que estava abandonado.
Aduzem que tal substituição estaria sendo comunicada as autoridades competentes,
não estando eles de má-fé. Ocorre que referido documento comprova que os réus em
nenhum momento entraram em contato com representantes do Ministério do
Desenvolvimento Agrário. Aliás, diga-se de passagem, a boa intenção dos réus em
comunicar as autoridades competentes acerca das “substituições” não é crível, uma vez
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que a Ata da Assembléia que modificou a composição da Associação foi assinada em
23 de Março de 2007 e, até a prisão dos envolvidos, ou seja, 10 de Junho de 2008, tal
comunicação não havia chegado, mediando longo espaço de tempo (mais de um ano)
sem que qualquer comunicação oficial fosse realizada, e permanecendo a Fazenda
Capelinha até tal data (prisão dos envolvidos) na posse de IRANILDES LOPES DA
SILVA e seus familiares e empregados.
Nesse ponto a fragilidade dos depoimentos de todos os
acusados é de evidência solar, uma vez que a instrução probatória demonstrou que
IRANILDES LOPES DA SILVA não poderia ser assentado e fazer parte da
associação, uma vez que era empresário do ramo de madeiras e não satisfazia os
requisitos constantes no parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98.
Tampouco seus familiares satisfaziam tais requisitos, já que não tinham cinco anos de
experiência em atividade agropecuária (exigência feita pelo inciso I do artigo 1º da Lei
Complementar nº 93/98). FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS afirmaram em seus interrogatórios que
não tinham experiência na área. LIDIANE LOPES DA SILVA tinha 18 anos quando
entrou na associação e, portanto, não tinha experiência nessa área.
Em sendo assim, por óbvio, nunca fariam qualquer
comunicação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Ou seja, já existia encartada nos autos uma farta
documentação demonstrando a fraude que, por si só, são elementos probatórios
seguros. Fraude esta que restou comprovada e ratificada por outros elementos colhidos
no transcorrer das investigações, destacando-se os testemunhos colhidos em sede
judicial e policial e também relacionados à busca e apreensão (prova documental),
conforme será pormenorizado a seguir.
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Em primeiro lugar, ressalte-se o relatório elaborado por
agentes da polícia federal e acostado em fls. 208/220. Os agentes foram ao local em
março de 2008 e, obviamente, de forma velada, colheram elementos que comprovaram
que IRANILDES LOPES DA SILVA assumiu a posse da Fazenda Capelinha, tendo
comprado cotas de várias pessoas que tinham interesse em sair da área ou que já
haviam saído da Fazenda.
Em razão de o aludido relatório ser mais um elemento de
prova do estelionato, desencadeou-se o pedido de prisão temporária de envolvidos e os
mandados de busca e apreensão, que foram deferidos pela decisão de fls. 345/350.
Os depoimentos prestados em sede policial, em sede
judicial e os documentos encontrados na casa do réu IRANILDES LOPES DA
SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e na Fazenda Capelinha, acabaram por
confirmar a prática do delito de estelionato em face da União, uma vez que
IRANILDES LOPES DA SILVA se apoderou da Fazenda e de todas as benfeitorias
realizadas com recursos públicos, sem razão jurídica. Até porque, conforme já
asseverado alhures, o escopo da compra da Fazenda Capelinha com recursos públicos
era assentar várias famílias que trabalhariam coletivamente, e não propiciar que um
indivíduo que não é pequeno agricultor compre quotas de assentados e passe a usufruir
a Fazenda juntamente com seus familiares e/ou amigos/empregados.
Neste ponto, há que se fazer uma digressão sobre alguns
dos depoimentos prestados em juízo e em sede policial que reforçam o conjunto
probatório documental acima narrado.
Com efeito, Valdeci dos Santos, testemunha arrolada pelo
Ministério Público Federal, confirmou em juízo (depoimento em fls. 1.127/1.128) as
declarações prestadas em sede policial de que IRANILDES LOPES DA SILVA é
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pessoa amiga de sua família e procurou pela testemunha alegando precisar da
assinatura de 15 ou 20 pessoas, a fim de cumprir exigência do governo, para entrar
como sócio em uma fazenda do INCRA “(...) pois o proprietário estava perdendo a
terra(...)”. Assim, IRANILDES LOPES DA SILVA providenciou cópia dos
documentos da testemunha e de sua esposa e as suas assinaturas em documentos que
seriam encaminhados ao “governo”. Afirmou que esteve na Fazenda Capelinha,
acompanhado de sua esposa, uma única vez, conduzido por Iranildes, com o
objetivo de participar de uma reunião que não aconteceu, sendo que IRANILDES
LOPES DA SILVA levou outras quatro pessoas, parentes próximos da testemunha, e,
no local estavam presentes também as filhas e dois genros de Iranildes. Por fim,
ressalta que nenhum valor lhe foi oferecido em troca da assinatura dos documentos, o
que fez somente para ajudar Iranildes. Reafirmou em juízo que “(...) Nunca soube que
participava de alguma associação ou que era membro de alguma assembléia.(...)”.
Até porque Valdeci dos Santos é aposentado por invalidez e não poderia trabalhar na
terra (vide fls. 507), tendo questionado IRANILDES LOPES DA SILVA sobre esse
fato e o acusado afirmou que não haveria qualquer problema.
Ou seja, restou provado que seu cargo de 1º Conselheiro
Fiscal da Associação (fls. 72) é uma farsa.
No depoimento judicial em fls. 1.167/1.168, Dulce
Gonçalves dos Santos, testemunha arrolada pela acusação, declarou que assinou todos
os documentos que foram levados à sua casa pelo Iranildes e “(...)Nunca fui no
escritório para assinar nenhum documento referente à esta fazenda.(...)”,
corroborando com as declarações prestadas em sede policial de que “(...)não sabia que
faz parte da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivai/SP; QUE não
sabia que constava como 3º Conselheira Fiscal da Associação dos Agricultores
Familiares de Taquarivai;(...)”. Esclareceu, na ocasião, que foi levada à Fazenda em
duas oportunidades para participar de uma reunião que não aconteceu e “(...)QUE
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IRANILDES orientou a DECLARANTE, juntamente com seus familiares a dizerem,
caso fossem perguntados, que pretendiam “trabalhar na terra”(...)”. Finalizou
acrescentando “(...)QUE não se recorda de ter participado de qualquer Assembléia
em toda a sua vida(...)”.
Portanto, a sua colocação como 3ª Conselheira Fiscal da
Associação também é um expediente fraudulento que ajudou IRANILDES LOPES DA
SILVA a manter o poder sobre a Fazenda.
Outrossim, Claudemir Gonçalves dos Santos ouvido em
juízo em fls. 1.168, afirmou que “cheguei a assinar uma documentação que me foi
entregue pelo Sr. Iranildes, quando estava em minha casa. Assinei porque eu desejei e
não fui forçado a assinar nada. Não conheço a Fazenda, não cheguei a participar em
nenhuma das reuniões que aconteceu lá”. Portanto, fica evidente que sua nomeação
como 2º Conselheiro também representa uma fraude, já que não conhece a Fazenda e
nunca esteve no local, apenas assinando papéis solicitados pelo réu IRANILDES
LOPES DA SILVA.
Portanto, não há dúvidas de que a nova composição
diretiva da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí reflete o poder de
mando de IRANILDES LOPES DA SILVA, gerando um engodo em relação ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário, eis que formada integralmente por seus
familiares e “laranjas”.
Por outro lado, foram colhidos diversos depoimentos
relacionados com assentados primitivos da Associação dos Agricultores Familiares de
Taquarivaí, através dos quais restou positivada a participação de ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA e dos advogados ABÍLIO
CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS em relação à
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assinatura dos documentos através dos quais os antigos assentados saíam da
Associação e transferiam suas quotas a IRANILDES LOPES DA SILVA.
A testemunha da acusação Benedito Manoel das Neves,
ouvida em juízo em fls. 1.207/1.208, afirmou que integra a associação desde o início,
tendo residido no local em 2002, por cerca de um ano e depois, por mais três meses em
2009, e, em determinada ocasião fora a um escritório, acompanhado de outros
assentados e lá, “(...) o presidente da associação, Sr. Joaquim, disse que a área onde
estávamos assentados não poderia ser vendida. Todavia, sugeriu que nós a
transferíssemos para a família do Sr. Iranildes Lopes. Pela transferência, iríamos
receber a quantia de R$ 1.500,00.(...), isto porque “(...)a associação estava em
dificuldades financeiras e os associados não tinham como pagar a dívida.(...)”, então,
“(...)o certo era passar a associação para o Sr. Iranildo porque ele tinha condições de
continuar os trabalhos(...)”, restando à testemunha e demais associados fazer uma
nova associação. Tais asserções da testemunha complementaram aquelas produzidas
em sede de inquérito, ocasião em que afirmou que Joaquim, então presidente da
associação, o havia informado de que “(...)pessoa conhecida por LOPES estava
interessada em assumir a dívida da Associação junto ao Banco do Brasil, bem como
em pagar a quantia de R$ 3.000,00 a cada família dos associados para desistirem da
posse da Fazenda Capelinha(...)QUE alguns dias após essa conversa, JOAQUIM
BRITO providenciou um ônibus para transportar o depoente, sua esposa MARIA
APARECIDA MONTEIRO DAS NEVES, e as demais famílias dos associados que
aceitaram a proposta(...)”. Acrescentou em depoimento policial que estiveram
também presentes no escritório dos advogados JOAQUIM DIAS DA SILVA, Lopes,
Ademir e Toninho “Pit Bull”, salientando que estranhou a presença de Ademir, seu
amigo, já que não tinha qualquer ligação com a associação. Sustentou também que
chegando ao escritório, disse à Joaquim que a associação não poderia ser vendida
por pertencer ao governo e que não assinaria qualquer documento, momento em
que Joaquim alertara à testemunha de que assinava a venda naquele dia ou
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nunca mais poderia fazê-lo. Assim sendo,
tendo em vista que a maioria dos
integrantes da associação havia aceitado a proposta, “(...) o depoente acabou
concordando com a venda da Associação(...)”.
Ageu
Aparecido
Proença
Ribeiro,
técnico
em
agropecuária, funcionário da Prefeitura Municipal de Taquarivaí e testemunha
comum das partes, no depoimento judicial em fls. 1.202/1.204 esclareceu que
trabalhou na empresa APSA, a qual elaborava projetos de produção para os
assentados da Fazenda Capelinha, e lá esteve pela última vez em setembro de 2005,
pois a empresa APSA rompera o contrato com a associação na época, razão pela qual
tem conhecimento dos fatos tão-somente por meio de terceiros, pelos noticiários de
TV e também pelos próprios assentados que, não raro, comparecem à Secretaria da
Agricultura. Declarou ter conhecido Iranildes em 2004 e sabe que era empresário
do ramo de plantação de eucaliptos. Com relação a Ademir de Barros, disse tratarse de agropecuarista, e Joaquim Dias da Silva, produtor rural, que trabalhava como
meeiro na plantação de tomates, sendo ele beneficiado com o assentamento e o
primeiro presidente da associação, tendo formalizado a sua desistência do
assentamento. Ressaltou que participou da constituição da associação e não havia
previsão de exclusão ou substituição de associado na ata elaborada, mas sim no
próprio estatuto. Por outro lado, acrescentou que não participou da ata que culminou
com a substituição de associados e, finalmente, asseverou que “(...)Para que haja
substituição de assentado, faz-se necessária ata específica nesse sentido,
comprovação de que o assentado trabalha na lavoura há cinco anos e aprovação do
ITESP, sem prejuízo dos documentos pessoais(...).”
Em fls. 1.209/1.210, Dercílio de Melo depôs em juízo
como testemunha arrolada pelo Ministério Público, unissonante às declarações
prestadas na polícia, esclarecendo que nunca esteve num escritório de advocacia em
Buri/SP. Embora tenha sido convidado a comparecer, não quis, assim como não
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aceitou a proposta do Sr. Joaquim para que fosse a Buri para vender a sua área,
e acresceu: “(...) Eu não quis ir. O próprio Iranildes me disse que queria comprar a
minha área. Ofereceu a quantia de R$ 3.000,00 para tanto. Era o mesmo valor que
oferecia para os outros assentados. Certa feita, eu e o Vicente fomos conversar com
o Sr. Iranildes, porque algumas pessoas haviam vendido a roça para ele. O Iranildes
achava que tinha direito sobre a roça, a terra. Chegamos a conversar com Iranildes.
Logo, ele pegou uma foice e começou a passar perto do meu pé. O Sr. Iranildes,
então, disse: “você vai me deixar bravo se cobrar pela roça”. Ele não me obrigou a
vender a terra onde eu estava assentado. Porém, fez proposta de comprá-la. Ele
queria pagar R$ 3.000,00...)”. Em sede policial sustentou que “(...) a idéia de vender
a associação partiu da sua diretoria representada pelo JOAQUIM, MARCOS SARTI
os quais tentaram convencer todos os assentados da fazenda Capelinha a se
retirarem; (...) chegaram a convencer algumas famílias do assentamento a
empreenderem viagem, em ônibus fretado pela própria diretora da associação, a
irem a um determinado escritório de advocacia na cidade de Buri/SP aonde os
documentos seriam assinados a fim de que fossem viabilizados os desligamentos de
tais pessoas daquele assentamento mediante uma determinada remuneração que
todos haveriam de receber, caso concordassem com a idéia de se retirarem
pacificamente; QUE o depoente, a sua esposa e outros assentados recusaram-se a
assinar qualquer documento bem como a se retirarem de seus respectivos lotes,
razão pela qual passaram a ser alvos de afrontamento por parte de tais pessoas e
seus correligionários; (...)sobretudo após a reunião havida na cidade de Buri/SP,
(...) o assentamento em que moram passou a ser alvo de constantes visitas das
pessoas que ficou sabendo tratar-se de: SR. LOPES e seus capangas TONINHO
PITBULL e ADEMIR, (...) QUE tais pessoas de forma reiterada passaram a
assombrar, ameaçando os demais assentados que se recusavam a abandonar suas
terras, cortavam as cercas que separavam os respectivos lotes e se apropriavam da
produção agrícola e leiteira que associação produzia, sendo certo que também se
intitulavam como proprietários de toda a área (...)”. Em relação aos recursos
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oriundos do Banco da Terra e do PRONAF, asseverou que “(...) não chegaram a ser
redistribuídos diretamente para os assentados sendo certo que a gestão e aplicação
de tais recursos permaneceram com a diretoria da Associação dos Agricultores e
Familiares de Taquarivai/SP, recursos esses que não chegaram a ter sua prestação
de contas exibidos aos demais assentados(...)”.
Artur Pinto Vieira foi arrolado como testemunha do
Ministério Público Federal e da defesa, e, em juízo, depôs em fls. 1.211, afirmando
que saiu da fazenda há três anos e não foi obrigado a deixar o assentamento nem
recebeu alguma coisa para sair de lá ou foi ameaçado para deixar a área.
Evidentemente, referido depoimento destoa de todo o conjunto probatório, colidindo
com dezenas de depoimentos prestados no inquérito policial e também com seu
próprio depoimento prestado em sede policial, pelo que será determinada a extração
de cópias para apuração de crime de falso testemunho, nos termos do artigo 211 do
Código de Processo Penal. De qualquer forma, em sede policial e em conformidade
com dezenas de outros depoimentos, Artur afirmou em fls. 619/622 que “(...) após
assinar os documentos apresentados pelo advogado de IRANILDES LOPES DA
SILVA, o depoente recebeu a quantia de R$ 1.500,00 em dinheiro, entregue pelo
próprio advogado; QUE o advogado o informou que iria efetuar outro pagamento de
R$ 1.500,00 ao depoente, quando este assinasse outra documentação no município
de Itapeva/SP, relativa às terras da Fazenda Capelinha(...)”. Declarou ainda a
testemunha em sede policial que Joaquim, no ano passado, informou que havia
vendido a conta bancária da associação e os assentados seriam levados para um
escritório de advocacia na cidade de Buri/SP, onde assinariam a documentação,
providenciando um ônibus para conduzir a todos àquela localidade. Iranildes chegou
a ser apresentado por Joaquim à testemunha, como pessoa interessada em adquirir
a conta bancária da associação. Sustentou que Joaquim não informou que as terras
seriam vendidas, levando-o a crer que apenas a conta bancária da associação seria
vendida, considerando assim que Joaquim foi o responsável pela venda da
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associação. Artur revela que nos dias seguintes avistou Iranildes e Ademir, uma
espécie de intermediário de negócios, inspecionando a propriedade. Alega que no
escritório, em Buri, para onde foram conduzidos os assentados, encontravam-se dois
advogados, Joaquim, Iranildes e Ademir, e naquele local, mesmo não entendendo o
teor, assinou alguns documentos. Declarou que “(...) não tinha ciência de que
estavam sendo vendidas as terras da Fazenda Capelinha, imaginando que se tratava
apenas do negócio envolvendo a venda da conta bancária da associação(...)”. Por
derradeiro a testemunha afirmou que “(...) deixou as terras da Fazenda Capelinha no
ano passado, pelo fato de IRANILDES LOPES ter adquirido referida propriedade e
ter informado ao depoente que iria levar “gente nova” para trabalhar na
fazenda(...)”.
Marcos Antonio Sarti, que desencadeou a investigação a
partir da notícia encaminhada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário de que a
Fazenda Capelinha estaria sendo vendida, depôs em juízo como testemunha comum
arrolada pelas partes em fls. 1.205/1.206. Sustentou que nunca soube que foram
intermediadas as transferências de assentamento, tampouco ouviu dizer de
constrangimentos às pessoas para que desistissem do assentamento. Afirmou que
participa da associação desde o início e há oito meses deixou o assentamento porque
não havia pessoas interessadas em trabalhar ali. Na realidade, percebe-se que seu
depoimento foi direcionado pela autoridade judicial em relação à outra questão
relevante, ou seja, a assinatura ilegal de contrato para plantação de Eucaliptos com
Humberto, mas que não está relacionada com os fatos imputados na denúncia. De
qualquer forma, as declarações prestadas pela testemunha em sede policial (fls.
572/575) foram direcionadas no sentido de esclarecer os motivos que deram origem
às
duas
primeiras
correspondências
que
encaminhou
ao
Ministério
do
Desenvolvimento Agrário noticiando a venda da Fazenda Capelinha, bem como à
terceira carta, encaminhada ao ITESP, com retratação da testemunha sob o
argumento de que tudo havia sido um engano. Nesse sentido, afirmou Marcos Sarti
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que as denúncias de pretensa venda da Fazenda Capelinha, oferecidas nas duas
primeiras cartas enviadas ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, expressavam a
verdade. Com relação à terceira correspondência de retratação, afirmou ter sido
redigida após o conhecimento do conteúdo da ata de substituição, constatando, assim,
ter havido um engano e precipitação de sua parte. A testemunha afirmou também que
deu início à redação da terceira carta nos termos seguintes termos: “venho por
intermédio desta informar a Vossa Senhoria que foi um engano a primeira carta que
eu mandei, a ata mostrada para mim em substituição, que engano a minha
denúncia”; após, a carta foi redigida por Flávio, que trabalha no escritório de
advocacia dos denunciados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO
FOGAÇA DOS SANTOS, com a participação destes, que conversavam com Flávio
enquanto ele redigia. Salientou que foi levado ao escritório dos advogados, onde a
retratação foi redigida, pelo Sr. Antonio, funcionário do Sr. Lopes, e, após, foi
conduzido pelo mesmo funcionário à cidade de São Paulo, para que a retratação
fosse entregue em mãos do Sr. Seta, no ITESP. Relatou a testemunha que Eliane e
seu pai, Sr. Lopes, coordenavam a Fazenda Capelinha e que “(...) agindo sob o
comando do Sr. LOPES cuidava do gado da fazenda (...)”, cerca de 100 cabeças,
adquiridas antes da chegada do Sr. Lopes. Contudo, esclarece, plantava em seu lote,
de aproximadamente 10 metros quadrados, de forma independente, recebendo ajuda
do Sr. Lopes que lhe fornecia adubo para a plantação. Com relação ao denunciado
Ademir Rodrigues de Barros a testemunha declarou tratar-se de pessoa que ajudou o
Sr. Lopes a fazer a substituição dos associados.
Ou seja, a leitura de seu depoimento prestado em sede
policial (fls. 572/575) confirma que Marcos Antonio Sarti permaneceu na fazenda
trabalhando para o réu IRANILDES LOPES DA SILVA como seu empregado fosse,
recebendo auxílio econômico de IRANILDES LOPES DA SILVA na plantação de
seu lote. Tal fato, ao ver deste juízo, explica o porquê da existência da carta de
“retratação” constante em fls. 54/56, uma vez que foi aquinhoado por IRANILDES
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LOPES DA SILVA com ajuda financeira passando a trabalhar em seu favor.
Outrossim, seu depoimento comprova o envolvimento dos advogados no delito,
conforme será pormenorizado abaixo, uma vez que se estes prestassem mera
assessoria jurídica não se ajudariam um agricultor a redigir uma correspondência de
tal jaez.
Ademais, tal depoimento confirma que IRANILDES
LOPES DA SILVA usufruiu economicamente da Fazenda Capelinha, que estava
sob o comando de IRANILDES LOPES DA SILVA e ELIANE APARECIDA
LOPES DA SILVA SANTOS, pelo que restou configurado o delito de estelionato de
forma consumada e não tentada.
Por outro lado, no depoimento prestado em fls. 1.328,
José Nilson da Cruz disse não conhecer dos fatos, revelando que faz parte da
associação, mas nunca morou na Fazenda Capelinha. Evidentemente, existem fortes
indícios que referida testemunha calou a verdade, também sendo necessária a
instauração de inquérito policial por falso testemunho (artigo 211 do Código de
Processo Penal). Em sede policial, a testemunha afirmou que JOAQUIM DIAS DA
SILVA, então presidente da associação, lhe informou que havia uma pessoa
interessada em assumir a dívida da associação e pagar R$ 3.000,00 para cada
um dos integrantes a fim de que desocupassem a fazenda onde outras pessoas
trabalhariam após a venda. Relatou a testemunha, que Joaquim providenciou um
ônibus que transportou a sua família e outras da associação até um escritório de
advocacia na cidade de Buri e lá chegando, estavam presentes no local Lopes,
Ademir, Joaquim e dois advogados, ocasião em que teve o primeiro contato com
Lopes e os advogados, os quais lhe forneceram alguns papéis para assinar, cujo teor
desconhece. Declarou também na polícia que após assinar os papéis, recebeu de
Lopes a quantia de R$ 750,00 em dinheiro e, um mês depois, recebeu de Ademir, na
casa deste, mais R$ 750,00. Que procurou Joaquim para saber do restante do dinheiro
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prometido, ou seja, R$ 1.500,00, e foi informado de que aguardava o retorno de uma
documentação de Brasília para pagar o restante.
Adir de Lima e Nadir Maria da Cruz, depuseram em juízo
em fls. 1329/1330, alegando que nada sabem acerca dos fatos, que são associados e
nunca foram ameaçados ou coagidos por nenhum dos réus, sequer lhes pediram para
que saíssem da associação. Adir disse que mora na Fazenda Capelinha, enquanto
Nadir não, mas ambos afirmaram que no local, hoje, moram também pessoas
estranhas à associação. Em declarações prestadas na Polícia Federal, Adir de Lima
alegou que “(...) soube de ouvir dizer que diversos outros assentados da fazenda
capelinha teriam vendido suas respectivas cotas na Associação para uma pessoa de
nome IRANILDES, mas conhecido na região como “SEU LOPES”, nessa mesma
oportunidade tomou conhecimento que alguns familiares da referida pessoa (SEU
LOPES) já integrava a diretoria da Associação; QUE o depoente passou então a
conhecer a pessoa de IRANILDES haja vista que o mesmo passou a freqüentar a
Fazenda Capelinha, talvez para visitar suas filhas e genros, que agora moravam na
Fazenda Capelinha, na condição de assentados(...)”. Declarou também que
Iranildes pode ser visto na companhia de Toninho Pitbull, funcionário dele, ou
de Ademir nas dependências da fazenda.
Ou seja, tal depoimento confirma a existência de Toninho
Pitbull a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA dentro da Fazenda Capelinha e
a presença constante de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS no local.
Por fim, há que se ressaltar que durante o inquérito
policial foram ouvidas trinta e seis pessoas que formaram inicialmente a Associação
dos Agricultores Familiares de Taquarivaí (fls. 577/648 e fls. 698/793). Seus
depoimentos foram uniformes no sentido de que vários estiveram em um escritório
de advocacia na cidade de Buri, quando assinaram documentos, visando se retirarem
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da aludida associação. A leitura de tais depoimentos demonstra que foram
arregimentadas ora por JOAQUIM DIAS DA SILVA ou por ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS, e que os documentos foram assinados no escritório de
ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS,
sendo que várias delas reconheceram os advogados através de fotos mostradas no
computador. Outrossim, a grande maioria relatou que haveria um acordo para o
recebimento da quantia de R$ 3.000,00, sendo que R$ 750,00 foram pagos por
IRANILDES LOPES DA SILVA na data da assinatura dos documentos e a outra
metade na casa de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS.
Destarte, as provas orais produzidas e resumidamente
acima relatadas vêm corroborar com aquelas angariadas no feito por ocasião da
busca domiciliar efetivada pelo Departamento de Polícia Federal, devidamente
autorizada por este juízo, bem assim, com as afirmações de Marcos Antonio Sarti e
outros três associados que firmaram, em duas oportunidades, carta denúncia
encaminhada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, dando conta de que a
Fazenda Capelinha, adquirida com recursos públicos estaria sendo vendida para
uma pessoa.
De fato, consoante documentos carreados em fls. 26/220
do apenso I – volume 1 aos autos de inquérito, ou seja, cópias de contratos
denominados “Contrato Particular de Venda e Compra de Quota Patrimonial de
Associação e Outras Avenças”, IRANILDES LOPES DA SILVA é adquirente de
quotas patrimoniais da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí
pertencentes a vinte e duas famílias que compunham o quadro associativo da
entidade, as quais receberam pela venda, individualmente, R$ 3.000,00 (três mil
reais), transferindo ao adquirente o direito de propriedade, “(...) bem como todos os
bens móveis, construções, implementos e insumos agrícolas, áreas de conservação
permanente, florestas, plantações e benfeitorias nela existentes, além dos subsídios
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governamentais que vierem a ser concedidos à associação e a seus associados e dos
direitos previstos no Estatuto Social da entidade(...)”.
Ora, o Contrato de Compra e Venda firmado, por si só, é
revelador dos reais objetivos do acusado IRANILDES LOPES DA SILVA de se
apoderar do imóvel e das benfeitorias adquiridas com recursos financeiros da União,
em benefício próprio e de seus familiares, fazendo cair por terra todas as assertivas
constantes do interrogatório do corréu de que agiu com bons propósitos de ajudar aos
assentados descontentes, suas filhas e genro.
Evidentemente, caso fosse um simples mandatário de
seus familiares, não obteria contratos assinados por assentados transferindo a posse
da Fazenda e de todas as benfeitorias em seu próprio nome. Note-se que
IRANILDES LOPES DA SILVA recebeu a transferência da posse de vários lotes –
prova documental –, caindo por terra suas alegações e as dos demais corréus de que
havia mera substituição de assentados antigos por novos. Evidentemente se houvesse
a mera “substituição” de assentados antigos por novos os contratos de cessão não
seriam todos entabulados em favor de uma só pessoa, ou seja, de IRANILDES
LOPES DA SILVA.
Ou seja, IRANILDES LOPES DA SILVA, ao tomar
conhecimento da disposição do corréu JOAQUIM DIAS DA SILVA de deixar a
associação em face da insatisfação com o empreendimento e das dívidas acumuladas,
vislumbrou uma oportunidade de obter vantagens, para si e para outrem, sobre os
humildes associados, e assim, em conluio com JOAQUIM DIAS DA SILVA e
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, sabendo que as terras tinham sido adquiridas
com recursos federais com o propósito de fomentar a agricultura familiar, arquitetou
um plano para ludibriar a União e induzi-la a erro, a fim de se apossar da Fazenda
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Capelinha, juntamente com seus familiares, e usufruir as terras e benfeitorias já
existentes em proveito próprio e de suas filhas e genro.
Para tanto, apegou-se à previsão de substituição de
associados constante do Estatuto da Associação para organizar suas ações
fraudulentas tendo como meta a ilusão de todos, inclusive do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, de que agiria nos parâmetros da legalidade. Buscou,
assim, em pessoas simples e de boa fé, a ajuda de que necessitava, que consistia na
obtenção de famílias substitutas, nominalmente, daquelas que deixariam o
assentamento.
Conforme já asseverado alhures, as testemunhas Valdeci
dos Santos e Dulce Gonçalves dos Santos foram enfáticas ao afirmar que não sabiam
que participavam da associação e tão-somente assinaram os documentos que foram
levados à sua casa por IRANILDES LOPES DA SILVA, amigo da família, a fim de
ajudá-lo, já que ele precisava colher assinaturas como exigência do governo para que
se tornasse sócio numa fazenda do INCRA. Ademais, acrescentou a testemunha
Dulce que não só desconhecia que fizesse parte da associação como o fato de que
seria a 3ª Conselheira Fiscal da entidade, portanto, membro da sua diretoria. Portanto,
IRANILDES LOPES DA SILVA se aproveitou da boa fé de terceiros, seus
conhecidos, em busca dos seus objetivos.
Não fosse a iniciativa de Marcos Antonio Sarti –
inicialmente descontente com a necessidade de cessão de seu lote – de encaminhar a
carta denúncia ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, provavelmente até os dias
atuais a família Lopes da Silva estaria na posse do bem e das benfeitorias, usufruindo
e auferindo lucro na exploração da Fazenda Capelinha, desvirtuando a sua função
social do investimento público. Aliás, este processo demonstra a total falta de
estrutura do governo federal para fiscalizar os recursos por si investidos em
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empreendimentos agrícolas de assentados, ausência de fiscalização que dá azo a uma
verdadeira dilapidação dos recursos públicos, inclusive pelos próprios assentados que
sequer tomam posse das áreas e acabam, de uma forma ou outra, de alienar os
direitos obtidos para terceiros.
Embora haja a “retratação” escrita de dois dos
denunciantes, saliente-se que outros três que firmaram a segunda correspondência
enviada ao MDA não se retrataram do que haviam noticiado.
Importante novamente destacar que Marcos Antonio
Sarti e Adir de Lima não só se retrataram do que haviam noticiado, como também se
aliaram ao comprador das terras e à nova diretoria da associação, composta pelas
filhas e genro de IRANILDES LOPES DA SILVA, e outras quatro pessoas dele
conhecidas, que compuseram a diretoria apenas nominalmente. Marcos Antonio
Sarti, antes mesmo do registro da ata da reunião em que fora eleita a nova diretoria,
substituiu a “secretária eleita” Cleonice Gonçalves dos Santos, que, nominalmente,
ocupava esse cargo. Adir de Lima, por sua vez, em sede administrativa e judicial,
afirmou que nada sabia sobre a venda da fazenda e que não teria recebido proposta
para vender seus direitos, contrariando o teor da carta denúncia encaminhada ao
MDA, opondo-se à verdade consignada na primeira narrativa, como apurado nos
presentes autos.
Apesar de Marcos Antonio Sarti, posteriormente à carta
denúncia ter se rendido aos interesses de IRANILDES LOPES DA SILVA e se
tornado seu aliado, entre as evasivas respostas por ocasião de suas declarações na
polícia, afirmou textualmente que a coordenação da fazenda estava a cargo de
ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e IRANILDES LOPES DA
SILVA.
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Ressalte-se que das famílias associadas e assentadas na
fase inicial da Fazenda Capelinha, a grande maioria não residia mais no assentamento
ou nunca residiram ali. Destarte, nem todas foram localizadas por IRANILDES
LOPES DA SILVA e seus aliados, a fim de receberem a proposta de venda da sua
participação na associação pelo preço de R$ 3.000,00, não restando alternativa aos
articuladores senão a exclusão compulsória das famílias associadas e não localizadas,
já que, a pseudo substituição de associados era a forma de travestir a negociação de
aparente legalidade. Assim sendo, foram excluídas as famílias dos associados
Anivaldo Antonio de Maciel de Pontes, Rosa Maria Gomes e João Franco de Arruda
Neto, consignando na ata deliberativa, a título de motivação para a exclusão, que as
referidas famílias “não vinham contribuindo para o bom andamento das atividades
da associação, sendo que a maioria deles já não reside na associação...”.
Por relevante, relembre-se que aproximadamente 20
famílias não residiam ou nunca residiram no assentamento, embora fizessem parte do
quadro da associação, portanto, não contribuíam para suas atividades, e nem por isso
foram excluídas, ao contrário, assinaram termo de desistência e “venderam” para
IRANILDES LOPES DA SILVA suas partes. Vê-se que o objetivo da exclusão era,
na verdade, resguardar o novo “proprietário”, IRANILDES LOPES DA SILVA de
aborrecimentos futuros advindos da reivindicação dos direitos dos associados que
não foram localizados, já que com relação aos demais, pensava estar salvaguardado
pelos termos de desistência firmados bem como pelo Contrato de Venda e Compra.
Acrescente-se em relação a IRANILDES LOPES DA
SILVA, o depoimento de Maria Cristina Faria de Camargo Couto constante em fls.
791, pessoa contratada por Humberto Carlos de Camargo Nogues para tomar conta
da plantação de eucaliptos ilegalmente plantada na Fazenda Capelinha. Chama a
atenção em seu depoimento a forma como se expressou em relação à questão da
ocupação da Fazenda ao asseverar que “em data que não se recorda, a depoente foi
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procurada por Marcos “de Tal”, associado e ex-presidente da Associação, o qual
solicitou a depoente que desocupasse a casa, por determinação do futuro proprietário
da fazenda, Iranildes Lopes; que Iranildes Lopes era constantemente visto em terras
da Fazenda Capelinha foto nº 03, o qual a depoente o reconhece”.
Ou seja, demonstra o posterior conluio entre o
denunciante inicial Marcos Antonio Sarti que, após fazer a retratação, passou a servir
IRANILDES LOPES DA SILVA como empregado na Fazenda, incluindo a
transmissão de recados de IRANILDES LOPES DA SILVA; que efetivamente
IRANILDES LOPES DA SILVA se apossou do imóvel, já que era conhecido como o
novo “dono” do imóvel; e que IRANILDES LOPES DA SILVA era visto com
frequência no local, ao contrário do que procurou sustentar em seu interrogatório
judicial.
Em fls. 748 João Franco de Arruda Neto reforça a ligação
de Marcos Antonio Sarti com IRANILDES LOPES DA SILVA, ao asseverar que foi
ameaçado por Marcos para deixar a associação, com a soltura de gado em sua
plantação de milho visando destruir sua lavoura de milho que cultivava na Fazenda
Capelinha, tendo sido informado que o responsável pelo ato de vandalismo seria
IRANILDES LOPES DA SILVA.
Por fim, novamente, há que se destacar os documentos
apreendidos na residência de IRANILDES LOPES DA SILVA – apenso I, volumes 1
a 3 – que se traduzem em prova documental do cometimento de delito.
Destarte,
destaquem-se
os
principais
documentos:
requerimentos de demissão e saída datados de 23/03/2007 de vários associados (fls.
04/25); contratos assinados no escritório de ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE
MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS (fls. 26/220) que traduzem a compra das
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quotas unicamente por IRANILDES LOPES DA SILVA; contas de energia elétrica
relativas a lotes da Fazenda Capelinha, alguma pagas (fls. 221/243); notas
promissórias assinadas por IRANILDES LOPES DA SILVA relacionadas com a
compra das “cotas” da Fazenda (fls. 244/266); declarações em branco dos indivíduos
que seriam os “novos” assentados de IRANILDES LOPES DA SILVA atestando
falsamente que teriam laborado como agricultores em regime de economia familiar
(fls. 269/286); em fls. 320, 321, 337, 338, 351, 352, 358, 363 e 371 constam
declarações falsas emitidas por suposto presidente de Sindicato Rural de Buri
(Alexandre Kriechle) atestando que os réus ELIANE APARECIDA LOPES DA
SILVA SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, LIDIANE LOPES DA
SILVA, e que Cleonice Gonçalves dos Santos, Valdeci dos Santos, Claudemir
Gonçalves dos Santos, Edna Braz da Silva Santos, Dulce Gonçalves dos Santos e
Ambrozina Gonçalves dos Santos foram trabalhadores rurais durante vários períodos,
em confronto com os depoimentos prestados na investigação e com o fim de
justificar que tais pessoas fizessem jus a serem assentados na Fazenda Capelinha, nos
termos da Lei Complementar nº 93/98; em fls. 478/481 constam edital de convocação
da Associação, datado de 05/03/2007, para participação da Assembléia Geral a ser
realizada no dia 23 de Março de 2007, que não corresponde a verdade, já que não
houve a preocupação de alteração da sequência de assinaturas, conforme ressaltado
pela autoridade policial em fls. 880; chama a atenção em fls. 537 (volume 3 do
apenso I) uma carta assinada por Marcos Antonio Sarti, sem data, endereçada ao
Ministério de Desenvolvimento Agrário, contendo a mesma “retratação”, desta feita
redigida em outros termos. Outrossim, em fls. 631 foi apreendida na casa de
IRANILDES LOPES DA SILVA um talonário de cheques relativo ao Banco do
Brasil relacionado à Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí,
demonstrando que IRANILDES LOPES DA SILVA controlava as despesas da
Fazenda Capelinha.
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Portanto, a autoria e materialidade delitiva em relação a
IRANILDES LOPES DA SILVA são incontestáveis diante do farto conjunto
probatório acima narrado.
No que tange a JOAQUIM DIAS DA SILVA, na busca
domiciliar realizada na sua residência nada do interesse da apuração dos fatos foi
encontrado. Não obstante, sua participação para que o resultado favorável a
IRANILDES LOPES DA SILVA, ou seja, para que ele tomasse posse da Fazenda
Capelinha juntamente com seus familiares, é inquestionável.
JOAQUIM DIAS DA SILVA foi o primeiro presidente
da associação, tendo participado ativamente dos passos iniciais de obtenção dos
recursos do Banco da Terra e do PRONAF e a aquisição do imóvel em que os
associados se assentariam com duas famílias para produzir. Conhecia, portanto,
desde sempre, as premissas contratuais e assim, ao receber a proposta de
IRANILDES LOPES DA SILVA, vislumbrou vantagem pecuniária para si. Neste
ponto, aduza-se que em fls. 787 consta depoimento de Vicente Vidal de Souza no
sentido de que “o presidente JOAQUIM BRITO “pegou” o valor de R$ 5.000,00”
por conta das negociações.
Para não correr o risco de perder a “oportunidade”,
JOAQUIM DIAS DA SILVA passou a trabalhar incansavelmente no sentido de
convencer as famílias que compunham o quadro da associação a aderirem ao
“plano”, não encontrando obstáculos na maioria das abordagens. Existem vários
depoimentos comprovando que JOAQUIM DIAS DA SILVA tomou a iniciativa de
arregimentar várias famílias, destacando-se os seguintes: fls. 601 (José Nilson da
Cruz), fls. 615 (João Casemiro de Lima), fls. 619 (Artur Pinto Vieira), fls. 624
(Leonor de Oliveira Vieira) e fls. 632 (Maria Helena Gomes da Silva Machado).
Porém, em relação as famílias de Marcos Antonio Sarti, Adir de Lima, Vicente Vidal
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de Souza e Dercílio de Melo encontrou resistência, pois residiam no assentamento e
não pretendiam deixar as terras, sobretudo porque tinham conhecimento de que as
terras assentadas não poderiam ser objeto de venda.
Note-se que somente as famílias de Marcos, Adir,
Vicente e Dercílio não cederam suas partes e permaneceram assentados no imóvel,
apesar das insistentes investidas de IRANILDES LOPES DA SILVA, JOAQUIM
DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, não obstante a posse da
Fazenda em favor de Iranildes, suas filhas e genro, que passaram à coordenação de
tudo. Novamente frise-se que Marcos passou a atuar efetivamente como funcionário
de IRANILDES LOPES DA SILVA, participando, inclusive, como membro da nova
diretoria, logo, conivente com toda a ação ardilosa, já que sabia que os novos
associados que vieram substituir os anteriores constavam tão-somente das atas de
registros e nunca foram assentados na Fazenda Capelinha, alguns sequer estiveram lá
uma única vez.
Destarte, comprovadas a materialidade e a autoria delitiva
de JOAQUIM DIAS DA SILVA.
Com relação a ADEMIR RODRIGUES DE BARROS,
infere-se das declarações prestadas nos autos em sede de interrogatório judicial que
teria atuado apenas como intermediário entre JOAQUIM DIAS DA SILVA e
IRANILDES LOPES DA SILVA, levando a informação do primeiro ao segundo, de
que pretendia ser substituído na associação e, depois, prestando um favor a
IRANILDES LOPES DA SILVA, no sentido de conseguir famílias interessadas em
substituir aquelas que estavam deixando a Fazenda Capelinha.
IRANILDES LOPES DA SILVA afirmou em seu
depoimento judicial que ADEMIR RODRIGUES DE BARROS nada recebeu para
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atuar como intermediário. Da mesma forma o acusado ADEMIR RODRIGUES DE
BARROS em seu depoimento disse ter agido sem interesse. Todavia, na busca
domiciliar realizada nas dependências da residência de ADEMIR RODRIGUES DE
BARROS, foram encontradas cópias autenticas de documentos da Associação, como
ata de reunião da diretoria anterior, relação nominal das vinte e nove famílias que
inicialmente integraram o assentamento, membros da Associação dos Agricultores
Familiares de Taquarivaí, além de contas de energia elétrica de vários lotes da
fazenda Capelinha, nos termos do apenso nº II.
Ora, não é crível que, numa operação articulada com
tamanhos detalhes para o fim de iludir a União, alguém se esforçaria e com tanto
empenho, sem auferir vantagem. Por que razão Ademir teria consigo os documentos
localizados em sua residência? Certamente não seria a título de lembrança, para
recordar-se para sempre de um gesto solidário a amigos que desejavam promover o
bem.
De qualquer forma, impende destacar depoimento da
acusada LIDIANE LOPES DA SILVA prestado em fls. 563/565, nos seguintes
termos: “que reconhece ADEMIR como sendo ADEMIR RODRIGUES DE
BARROS, conforme foto de fls. 293; que conheceu ADEMIR em uma oportunidade
em que este lhe foi apresentado por seu pai (IRANILDES), que ato contínuo relatou a
interrogada que tinha sido ADEMIR que havia apresentado o negócio que envolvia a
Fazenda Capelinha (...); que a interroganda acredita que ADEMIR é culpado por sua
família estar na atual situação, pois se recorda que ADEMIR mostrou um mapa da
fazenda para o seu pai (IRANILDES) informando que lá já existiam 29 (vinte e nove)
casas construídas e gado, tratando-se de um “negócio bom demais”, que no futuro
certamente daria dinheiro”.
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Ou seja, fica claro que foi ADEMIR RODRIGUES DE
BARROS que apresentou o “negócio” a IRANILDES LOPES DA SILVA, pelo que
participou de toda a empreitada criminosa. LIDIANE LOPES DA SILVA confirmou
em juízo que a assinatura no depoimento em sede policial é sua, aduzindo que estava
nervosa por ocasião do depoimento prestado na DPF, mas confirmando o teor de
seu depoimento, com exceção da parte em que disse que não sabia que as pessoas
eram os antigos sócios.
Ademais, vários assentados ouvidos em sede policial
informaram que ADEMIR RODRIGUES DE BARROS participou ativamente da
operação que envolveu a assinatura dos contratos de cessão das quotas em benefício
de IRANILDES LOPES DA SILVA.
Em fls. 584, Benjamin de Souza Santos aduziu que
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS foi a pessoa que lhe informou sobre a venda
da Fazenda pelo Banco da Terra (sic) e que foi instruído por ADEMIR RODRIGUES
DE BARROS a comparecer a um escritório de advocacia em Buri. Em fls. 596
Lindacir Andrade Santos também confirmou que recebeu um telefonema de
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS para assinar papéis e receber dinheiro do
Banco da Terra, indo até Buri e assinando os papéis em um escritório de advocacia.
Em fls. 628 Obedes Rocha de Souza confirma que a pessoa que propôs o acordo da
venda das quotas foi ADEMIR RODRIGUES DE BARROS (foto 2). Ou seja,
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS não fez um mero favor para IRANILDES
LOPES DA SILVA, mas participou ativamente das negociações, entrando em
contato com vários antigos assentados.
Por oportuno, corroborando o dolo do acusado e que não
atuou sem qualquer interesse, destaque-se que em vários depoimentos de exassentados restou especificado que a segunda parcela de R$ 750,00 (setecentos e
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cinquenta reais) do acordo da “cessão” foi paga na casa de ADEMIR RODRIGUES
DE BARROS. Nesse sentido, em fls. 732 consta o depoimento de Alessandra
Aparecida de Oliveira Costa Vieira; em fls. 738 consta o depoimento de Davi Alcides
Gomes; em fls. 735 o depoimento de Elias Batista Pinto; e em fls. 773 o depoimento
de Maria Aparecida Monteiro das Neves.
Portanto, a autoria e materialidade subjetiva em relação a
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS também são induvidosas.
No que tange à atuação das filhas e genro de
IRANILDES LOPES DA SILVA, ou seja, dos corréus ELIANE APARECIDA
LOPES DA SILVA SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS e LIDIANE
LOPES DA SILVA, tem-se a participação ativa para a concretização do objetivo. Na
realidade, como pessoas da inteira confiança de IRANILDES LOPES DA SILVA,
embora não fossem voltadas às atividades do campo, vendo que a idéia lançada pelo
pai era viável e rentável, desde que agissem com as cautelas necessárias, passaram a
encabeçar, juntamente com IRANILDES LOPES DA SILVA, as decisões e
articulações que levariam a cabo o intento de se apossar da Fazenda Capelinha de
forma fraudulenta.
ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e
FERNANDO ROSA DOS SANTOS, respectivamente, filha e genro de IRANILDES
LOPES DA SILVA, após tomarem posse da fazenda, como integrantes da nova
diretoria, passaram a apoiar todas as operações sob o comando de Iranildes, passando
a frequentar regularmente o assentamento e a ocupar um imóvel durante alguns dias
da semana, já que não eram residentes nas terras. Do ensaiado discurso de Eliane,
assim como de Fernando, quando depuseram em juízo, resta tão-só a certeza de que
conscientemente almejavam as vantagens que proporcionaria o bem imóvel objeto da
posse ilícita.
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2ª VARA FEDERAL
Afirma ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA
SANTOS em seu interrogatório judicial, com a finalidade de demonstrar os bons
propósitos e licitude da ação da família, que uma semana antes da Operação
Capelinha deflagrada pela Polícia Federal, esteve no Banco do Brasil, buscando
informações de como proceder para a regularização da inadimplência dos associados.
Considerando que foi deflagrada a operação em 10/06/2008 e a posse dos novos
integrantes do assentamento se deu imediatamente após a assinatura dos contratos de
venda e compra, no escritório de advocacia, em 23/03/2007, observa-se que mais de
um ano após terem se apossado ilicitamente do imóvel, segundo a versão da ré, o
Banco do Brasil teria sido procurado pela presidente da associação, fato este que
sequer se encontra comprovado nos autos. Ora, quem está disposto a resolver uma
situação de pendência para regularização de um imóvel evidentemente não deixa
decorrer tanto tempo para começar a agir. Portanto, a versão fornecida em juízo não é
revestida de qualquer verossimilhança.
Portanto, não há qualquer dúvida no que se refere à
autoria delitiva em relação a FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS que passaram a frequentar a Fazenda
Capelinha com o beneplácito de IRANILDES LOPES DA SILVA, usufruindo a
estrutura da Fazenda, inclusive afirmando em seus interrogatórios que chegaram a
plantar na terra.
Com relação a LIDIANE LOPES DA SILVA, estudante,
residindo há mais de 300 km da Fazenda Capelinha, tudo indica que sequer morou no
local, tanto que foi presa em Itu. Não obstante, resta evidenciado que emprestou seu
nome para fazer parte da nova diretoria da associação, com plena consciência de que
seu pai explorava a Fazenda. Assim sendo tem participação no estelionato, até porque
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2ª VARA FEDERAL
aduziu em juízo que se dirigia nos finais de semana para a Fazenda, incluindo nas
suas férias, ajudando seus familiares a plantar mandioca, quiabo e melancia.
Por fim, há que se analisar a conduta imputada aos
advogados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS
SANTOS, uma vez que a denúncia imputa a participação no estelionato em razão do
assessoramento no processo de compra e venda irregular da Fazenda visando dar uma
aparente irregularidade no negócio espúrio.
Em primeiro lugar, há que se ressaltar que, em relação
aos profissionais de advocacia, há sempre uma linha tênue entre a atuação
profissional instruindo os clientes sobre questões jurídicas e uma atuação criminosa,
integrando os fatos delitivos praticados.
Os inúmeros depoimentos constantes nos autos e acima
relacionados, mormente em sede policial, não deixam qualquer dúvida sobre o fato
objetivo de que vários assentados da Associação dos Agricultores Familiares de
Taquarivaí estiveram no escrito dos réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE
MARCELO
FOGAÇA
DOS
SANTOS
assinado
vários
documentos
que
representariam a substituição dos antigos assentados.
A versão dos advogados acusados é a de que o estatuto
social permitia a exclusão dos antigos assentados, pelo que somente colaboraram de
forma profissional visando formalizar a exclusão.
Não obstante, a versão dos acusados não se sustenta.
Em primeiro lugar, aduza-se que ABÍLIO CÉSAR
COMERON aduziu em seu interrogatório judicial (mídia anexada) que tinha
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2ª VARA FEDERAL
conhecimento acerca da Fazenda Capelinha e das condições jurídicas do imóvel,
confirmando que chegou a ler o contrato de aquisição da Fazenda Capelinha e que
sabia que o bem havido sido comprado com recursos da União. Asseverou que foi
explicado que a idéia era simplesmente a troca dos associados, havendo a
necessidade de submeter as trocas ao Banco de Brasil.
Do mesmo modo, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS
SANTOS ouvido em juízo (mídia anexada) aduz que se tratava de uma transação
lícita em que haveria a substituição dos associados, sendo que a ata seria submetida
ao Ministério do Desenvolvimento Agrário/INCRA para aprovação, se tratando de
serviço estritamente profissional.
Não obstante, a mera leitura dos tais “contratos” relativos
à substituição dos assentados revela que referidos depoimentos não podem
prevalecer. Com efeito, em primeiro lugar chama a atenção que em todos os
contratos apreendidos na residência de IRANILDES LOPES DA SILVA, os antigos
assentados cedem as quotas patrimoniais para IRANILDES LOPES DA SILVA. Ora,
a toda evidência, juridicamente, seria plenamente possível a substituição dos
assentados antigos por outros novos, mas não a substituição da quase totalidade dos
assentados por uma só pessoa, isto é, IRANILDES LOPES DA SILVA. Este juízo
não acredita que os réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO
FOGAÇA DOS SANTOS não detenham conhecimentos jurídicos mínimos e
rudimentares para saber que a substituição dos assentados não poderiam ocorrer em
favor de uma só pessoa.
Outrossim, também chama a atenção o fato de que nos
aludidos contratos (vide fls. 26/28 – apenso I – a título de mero exemplo) em nenhum
momento consta que a troca dos antigos assentados por outros teria que ser aprovada
pelo
Ministério
do
Desenvolvimento
49
Agrário
ou
qualquer
outro
órgão.
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Evidentemente, caso os advogados estivessem de boa-fé, introduziriam uma cláusula
nesse sentido, uma vez que teriam instruído seus clientes sobre tal necessidade,
enfatizada nos interrogatórios prestados em juízo. Portanto, fica evidente a
contradição entre os depoimentos judiciais e os termos dos contratos assinados que
em nenhum momento aduzem sobre a questão da necessidade de que a substituição
fosse comunicada aos órgãos oficiais.
Portanto, ao ver deste juízo, somente a leitura dos
contratos outorgados todos em favor de IRANILDES LOPES DA SILVA já
demonstra conduta incompatível com a mera prestação de serviços de advocacia.
Não obstante, existem outras provas que geram a
necessidade da condenação. Em fls. 1.303 foi ouvida a testemunha Aldo Flávio
Comeron que, à época dos fatos, trabalhava no escritório de advocacia junto com os
acusados Abílio e Jorge. Relatou que IRANILDES LOPES DA SILVA, os familiares
dele e outros associados contrataram os serviços do escritório de advocacia em que
trabalhava para prestação de serviços de redação de atas e contratos, referentes a um
imóvel, não conhecendo o teor das minutas de contrato, nem mesmo se eram
minutas de contrato de compra e venda de imóveis, pois sua atuação limitava-se a
auxiliar operacionalmente os demais advogados. Alegou desconhecimento de que o
imóvel objeto do contrato fora adquirido com recursos financeiros da União e que
houvesse vedação à negociação do bem. Asseverou que Ageu se identificava como
representante do INCRA e IRANILDES LOPES DA SILVA dos associados, e
acompanhados da filha de Iranildes, compareciam ao escritório de advocacia a
cada quinze dias, durante aproximadamente três meses, período em que se
desenvolveram os trabalhos de assessoria dos advogados.
Tal depoimento tem relevância, visto que uma simples
substituição de assentados por novos, caso fosse feita nos termos da legislação, não
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deveria gerar reuniões quinzenais durante três meses, em razão da simplicidade da
questão.
Outrossim, ABÍLIO CÉSAR COMERON ouvido em
sede policial (fls. 513/514) asseverou “que tem 99% de certeza que a carta de fls.
54/56 foi redigida no escritório de advocacia do interrogado, atendendo a pedido do
Sr. Marcos Sarti, contudo, não se recorda se foi redigida por um de seus sócios ou
pelo próprio interrogado; que foi o escritório de advocacia do qual o interrogado é
sócio que elaborou a modificação do Estatuto Social da Associação dos Agricultores
Familiares de Taquarivaí”.
Antes de tudo, note-se que ABÍLIO CÉSAR COMERON
foi indagado em juízo sobre se a sua assinatura no depoimento prestado em sede
policial era verdadeira e se ratificava o seu depoimento prestado em sede policial,
tendo respondido afirmativamente. Portanto, tal depoimento é válido, já que
ratificado em juízo sob o crivo do contraditório.
Em sendo assim, fica evidenciado o dolo dos integrantes
do escritório – ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS
SANTOS – que também participaram da elaboração de uma carta que não condiz
com a realidade. Com efeito, novamente há que se ressaltar que se houvesse uma
simples substituição de assentados não seria possível a elaboração de vários contratos
cedendo a posse para uma só pessoa. Outrossim, a iniciativa dos réus ABÍLIO
CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS de redigirem
ou colaboraram para a redação de uma carta para despistar uma denúncia feita por
um assentado sobre possível cessão irregular de terras da União só pode ser
entendida logicamente como mais um indício do dolo e da adesão dos profissionais
às irregularidades envolvendo a Fazenda Capelinha.
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PODER JUDICIÁRIO
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2ª VARA FEDERAL
Até porque os contratos foram assinados em 23 de
Março de 2007, e a carta está datada de 10 de Julho de 2007 (fls. 54/56), restando
evidenciado, dada a devida vênia, que o intuito de sua elaboração foi tentar
escamotear uma situação ilegal dantes consolidada.
Outro ponto que deve ser ressaltado é o fato de ABÍLIO
CÉSAR COMERON confessar que foi o responsável pela elaboração da Ata que
modificou o Estatuto da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí.
Conforme já consignado, referida alteração possibilitou que fosse outorgada
procuração para terceiros gerirem a Associação, previsão que não existia no Estatuto
originário. Tal modificação foi feita para possibilitar que IRANILDES LOPES DA
SILVA passasse a administrar a Fazenda Capelinha, sendo que não poderia ter sido
inserida no estatuto da Associação justamente pelo fato de que estamos diante de um
programa de governo cujo objetivo é favorecer assentados (pequenos agricultores),
não podendo haver qualquer espécie de cessão das terras em favor de terceiros.
Portanto, como os réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO
FOGAÇA DOS SANTOS detém formação jurídica, evidentemente sabiam que a
alteração do estatuto social era uma forma de justificar juridicamente a posse de
terras em favor de IRANILDES LOPES DA SILVA; porém, detinham a plena
consciência que tal modificação era uma forma indireta – por vias transversas – que
tentar ilidir a previsão contida na alínea “c” da cláusula décima terceira da escritura
pública (fls. 134).
Há que se ressaltar que o próprio Marcos Antonio Sarti
confessou em sede policial (fls. 572/573) que a carta de retratação de fls. 54/56 foi
redigida por Flávio, que trabalha no escritório de advocacia dos denunciados ABÍLIO
CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, com a
participação destes, que conversavam com Flávio enquanto ele redigia, tendo
salientado que foi levado ao escritório dos advogados, onde a retratação foi redigida,
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2ª VARA FEDERAL
pelo Sr. Antonio, funcionário do Sr. Lopes (isto é, IRANILDES LOPES DA
SILVA).
Por fim, há que se destacar que nas residências dos
acusados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS
SANTOS, durante a busca domiciliar nada foi encontrado em relação aos fatos
apurados. Da mesma forma, no escritório de advocacia de propriedade dos acusados
nada foi encontrado, sendo de se estranhar que os advogados não mantivessem em
seus arquivos documentos recentes elaborados por eles, a não ser que tivessem a
plena ciência de que teriam sido elaborados de forma ilegal.
Dessa forma, diante de tudo que dos autos consta,
verifico a existência de provas cabais do desempenho criminoso dos acusados
ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS que
sustentam a condenação pelo crime de estelionato.
Por outro lado, após a apreciação das condutas de todos os
increpados relativa ao crime de estelionato, passa-se à análise do crime de extorsão,
previsto no artigo 158 do Código Penal. Neste ponto, destaque-se que a apreciação é
feita em razão da nítida conexão probatória entre os delitos, posto que a prova de
estelionato cometido em face da União interfere diretamente na prova da extorsão,
incidindo assim a súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça.
A denúncia imputou aos réus IRANILDES LOPES DA
SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA SILVA a
prática do crime de extorsão por terem constrangido dois associados da Fazenda
Capelinha a alienar lotes para IRANILDES LOPES DA SILVA, mediante grave
ameaça com o uso de capangas.
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PODER JUDICIÁRIO
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2ª VARA FEDERAL
Em primeiro lugar, ao contrário do que constou nos
interrogatórios ensaiados de todos os acusados, a presença de “capangas” na Fazenda
Capelinha efetivamente restou indubitável.
Com efeito, em fls. 208/220 foi elaborado um relatório por
parte de dois policiais federais que realizaram gravação ambiental na região, sendo
certo que travaram conversas com moradores da Fazenda Capelinha e também
mantiveram conversas na cidade de Buri com Humberto (arrendatário irregular de
terras dentro da Fazenda Capelinha), seu irmão Anselmo e também com o pai de
Humberto.
O CD contendo a gravação ambiental está acostado em fls.
220, sendo que, antes de qualquer coisa, há que se perquirir sobre a validade de prova
de tal jaez. Neste caso estamos diante de uma gravação ambiental, que consiste no
registro de conversa entre presentes realizadas por um de seus participantes com o
desconhecimento dos outros.
Tal espécie de prova é considerada constitucional e legal
pelo Supremo Tribunal Federal, haja vista que na análise do RE nº 583.937 – recurso
extraordinário relacionado à sistemática da repercussão geral – a Excelsa Corte
reafirmou a jurisprudência acerca da admissibilidade do uso como meio de prova, em
sede penal, da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores.
Nesse diapasão, trago à colação notícia publicada no
Informativo de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nº 568, “in verbis”:
O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral
no tema objeto de recurso extraordinário interposto contra acórdão de
Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de
Comarca do Estado do Rio de Janeiro, reafirmou a jurisprudência da
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2ª VARA FEDERAL
Corte acerca da admissibilidade do uso, como meio de prova, de
gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, e deu
provimento ao apelo extremo da Defensoria Pública, para anular o
processo desde o indeferimento da prova admissível e ora admitida.
Vencido o Min. Marco Aurélio que desprovia o recurso, ao
fundamento de que essa gravação, que seria camuflada, não se
coadunaria com os ares constitucionais, considerada a prova e também
a boa-fé que deveria haver nas relações humanas. Alguns precedentes
citados: RE 402717/PR (DJE de 13.2.2009); AI 578858 AgR/RS (DJE
de 28.8.2009); AP 447/RS (DJE de 28.5.2009); AI 503617 AgR/PR
(DJU de 4.3.2005); HC 75338/RJ (DJU de 25.9.98); Inq 657/DF (DJU
de
19.11.93);
RE
212081/RO
(DJU
de
27.3.98).
RE 583937 QO/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19.11.2009. (RE-583937)
Destarte, sendo tal prova válida, há que se destacar que
ouvindo a mídia acostada em fls. 220, além de existirem vários relatos do pai de
Humberto sobre o “cambalacho”/”cachorrada” que IRANILDES LOPES DA SILVA
fez para tomar posse da terra, contando com uma eleição “fajuta” para que
IRANILDES LOPES DA SILVA fosse efetivamente o dono da Fazenda, existe na
gravação elementos que demonstram a existência de capangas a mando de
IRANILDES LOPES DA SILVA que agiam com intuito intimidatório.
Ouvindo-se o CD, observa-se que nas conversas em Buri
houve expressa referência que IRANILDES LOPES DA SILVA entrou na fazenda
com jagunços (matadores) ao assumir a posse da terra. Conforme consignado no
relatório feito pelos Agentes da Polícia Federal com base na gravação ambiental,
restou consignado em fls. 210 que “mantivemos conversas na cidade de Buri/SP com
o sr. Humberto, seu irmão Anselmo Rodrigo Camargo Nogues e seu pai, tendo estes
informado que o contrato de arrendamento foi feito na gestão do Marco Sarti como
presidente da associação e tentou cancelar o contrato de arrendamento com o
argumento de que a fazenda estaria vendida ao Sr. Iranildes, sendo os mesmos
colocados para fora da fazenda pelos “capangas” do Iranildes (Toninho Pit Bul e
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outros), inclusive expulsando também outros moradores que faziam parte da
associação dos agricultores, ameaçando-os se caso retornassem”.
Ou seja, estamos diante de uma prova indiciária de que
havia “capangas” a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA na Fazenda
Capelinha, elemento relevante para a configuração da grave ameaça aos associados
que não quisessem deixar suas terras.
De qualquer forma, há que se analisar as demais provas
colhidas nos autos relacionadas à imputação existente na denúncia referente à
extorsão cujas vítimas foram Dercílio de Melo e Neide Maria de Souza.
Em fls. 89/90 dos autos consta um documento relevante,
isto é, um termo de declarações prestado por Luiza Rodrigues de Lima, Nair Pinto
Melo e Dercílio de Melo perante o Ministério Público Estadual. No aludido
documento está descrito que os associados que não assinaram os contratos
relacionados com a cessão de posse da Fazenda para IRANILDES LOPES DA
SILVA estavam sofrendo ameaças de IRANILDES LOPES DA SILVA juntamente
com homens de sua confiança, invadindo lotes onde os associados residem,
quebrando cercas, como forma de pressão para intimidar os associados a venderem a
participação na associação.
Portanto, mais uma prova que incrimina IRANILDES
LOPES DA SILVA.
Em sede policial, duas vítimas se referiram à existência
de ameaças relacionadas com a venda dos lotes, ou seja, Dercílio de Melo e Neide
Maria de Souza.
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Dercílio de Melo ouvido em fls. 606/607, expressamente
asseverou:
“que o depoente, a sua esposa e outros assentados recusaram-se
a assinar qualquer documento bem como a se retirarem de seus
respectivos lotes, razão pela qual passaram a ser alvos de
afrontamento por parte de tais pessoas e seus correligionários;
que sobretudo após a reunião havida na cidade de Buri/SP,
reunião esta em que o depoente recusou-se a participar, o
assentamento em que moram passou a ser alvo de constantes
visitas das pessoas que ficou sabendo tratar-se de: SR. LOPES
e seus capangas TONINHO PITBULL e ADEMIR, esta última
pessoa já conhecida do depoente pois sabe que o mesmo
sempre foi morador da cidade de Taquarivai/SP; que tais
pessoas de forma reiteradas passaram a assombrar, ameaçando
os demais assentados que se recusavam a abandonar suas
terras, cortavam as cercas que separavam os respectivos lotes e
se apropriavam da produção agrícola e leiteira que associação
produzia, sendo certo que também se intitulavam como
proprietários da área”.
Portanto, tal depoimento confirma que IRANILDES
LOPES DA SILVA fazia ameaças aos associados que não queriam assinar os
contratos de substituição dos associados e intitula ADEMIR RODRIGUES DE
BARROS como sendo um dos capangas, juntamente com Toninho Pit Bull.
Neide Maria de Souza ouvida em fls. 742 assim
asseverou: “que, JOAQUIM informou a depoente que havia conseguido um
comprador para a Fazenda Capelinha, no caso IRANILDES LOPES, motivo pelo
qual a depoente deveria vender seu lote; que, a depoente informou a JOAQUIM que
não estava interessada em vender seu lote, tendo JOAQUIM argumentado que
vendendo ou não o lote a depoente iria perder a posse do mesmo; que, IRANILDES
LOPES ofereceu a depoente e a seu marido VICENTE VIDAL DE SOUZA a quantia
de R$ 3.000,00 (três mil reais) para deixarem a Fazenda Capelinha; que, ante a
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2ª VARA FEDERAL
negativa da depoente, IRANILDES LOPES a procurou por mais duas vezes, não
logrando êxito em convencê-la a vender seu lote”.
Ou seja, delimita uma ameaça velada feita por JOAQUIM
DIAS DA SILVA a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA.
Em sede judicial, há que se destacar que Neide Maria de
Souza sequer foi arrolada como testemunha de acusação. Em sendo assim, a falta de
provas e a inércia em produzir provas que poderiam perfeitamente esclarecer a
verdade, gera a absolvição do acusado JOAQUIM DIAS DA SILVA em relação ao
crime de extorsão, já que a existência de um único depoimento em sede policial
imputando a ele a participação em ameaça feita a mando de IRANILDES LOPES DA
SILVA não é suficiente para dar guarida à condenação do acusado por gerar dúvidas
acerca da participação de JOAQUIM DIAS DA SILVA no delito de extorsão,
mormente se considerarmos que seu nome não foi mencionado no relatório da polícia
federal em fls. 208/220 e tampouco no termo de declarações firmado perante o
Ministério Público Estadual constante em fls. 89/90.
Por outro lado, adentrando a prova produzida em sede
judicial, conforme já asseverado alhures, em fls. 1.209/1.210, Dercílio de Melo depôs
em juízo como testemunha arrolada pelo Ministério Público Federal, esclarecendo
que nunca esteve num escritório de advocacia em Buri/SP. Embora tenha sido
convidado a comparecer, não quis, assim como não aceitou a proposta do Sr.
Joaquim para que fosse a Buri para vender a sua área, e acrescentou: “(...)Eu não
quis ir. O próprio Iranildes me disse que queria comprar a minha área. Ofereceu a
quantia de R$ 3.000,00 para tanto. Era o mesmo valor que oferecia para os outros
assentados. Certa feita, eu e o Vicente fomos conversar com o Sr. Iranildes, porque
algumas pessoas haviam vendido a roça para ele. O Iranildes achava que tinha
direito sobre a roça, a terra. Chegamos a conversar com Iranildes. Logo, ele pegou
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uma foice e começou a passar perto do meu pé. O Sr. Iranildes, então, disse: “você
vai me deixar bravo se cobrar pela roça”. Ele não me obrigou a vender a terra onde
eu estava assentado. Porém, fez proposta de comprá-la. Ele queria pagar R$
3.000,00...)”.
Ao ver deste juízo, muito embora exista uma certa
contradição, referido depoimento confirma o conjunto probatório sobre a existência
de graves ameaças que partiram de IRANILDES LOPES DA SILVA.
Com efeito, a toda evidência, o fato objetivo de
IRANILDES LOPES DA SILVA insistir na venda do lote pertencente a Dercílio, de
passar uma foice no pé do depoente e afirmar que ficaria bravo se o depoente cobrar
pela roça induz a indubitável conclusão de que houve grave ameaça feita por
IRANILDES LOPES DA SILVA na tentativa de intimidar Dercílio de Melo. A
continuação do seu depoimento ao afirmar que IRANILDES LOPES DA SILVA não
obrigou a vender a terra, ao ver deste juízo, só pode ser interpretada como uma
afirmação relativa à não concretização da venda, uma vez que haveria flagrante
contradição entre a existência de ameaças descritas no depoimento e o fato de tais
ameaças não terem se dirigido a um fim específico.
Não obstante, há que se destacar que no depoimento
prestado por Dercílio de Melo em juízo, ou seja, perante a Comarca de Itapeva, não
foram colhidos elementos pelo juízo relacionados à participação de ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS. Destarte, não foram feitas perguntas expressas
relacionadas com a participação de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS na ameaça
praticada por IRANILDES LOPES DA SILVA, de forma que tal fato inviabiliza a
condenação de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS pelo delito de extorsão. Ou
seja, ao ver deste juízo, não é cabível a condenação de ADEMIR RODRIGUES DE
BARROS, já que a existência de um único depoimento em sede policial imputando a
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2ª VARA FEDERAL
ele a qualidade de “capanga” de IRANILDES LOPES DA SILVA não é suficiente
para dar guarida à condenação do acusado por gerar dúvidas acerca de sua participação
no delito de extorsão, mormente se considerarmos que o nome de ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS não foi mencionado no relatório da polícia federal em fls.
208/220 e tampouco no termo de declarações ao Ministério Público Estadual constante
em fls. 89/90.
Portanto, analisando-se o conjunto probatório, este juízo
entende que restou comprovado que IRANILDES LOPES DA SILVA foi o
responsável, ao menos, pela existência de grave ameaça em face do depoente Dercílio.
A existência da grave ameaça partindo de IRANILDES LOPES DA SILVA atestada
objetivamente no depoimento de Dercílio em juízo vem corroborada pelo próprio
depoimento de Dercílio de Melo em sede policial, pelo relatório da polícia federal em
fls. 208/220 e pelo termo de declarações ao Ministério Público Estadual constante em
fls. 89/90.
Destarte, há que se consignar que a grave ameaça objeto
do tipo penal “extorsão” corresponde à conduta de promessa de fazer mal a vítima,
intimidando-a ou atemorizando-a.
Ao ver deste juízo, a conduta de IRANILDES LOPES
DA SILVA ao se apoderar de uma Fazenda intitulando-se como novo “dono” do
imóvel, contando com a presença de “capangas”, dentre eles um intitulado “Toninho
Pit Bull” – cuja alcunha já diz tudo –, associada ainda ao fato de passar uma foice no
pé de um dos associados que se recusava a ceder a posse de seu pedaço de terra,
afirmando que poderia ficar bravo com o associado por este não ceder a sua vontade,
traduz evidente promessa de morte ou algo similar (ferimentos graves).
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2ª VARA FEDERAL
Note-se que, segundo a doutrina, a ameaça depende das
circunstâncias do caso concreto, já que sua análise é subjetiva. Neste caso, estamos
diante de pessoas pobres (assentados), desassistidos economicamente, que residem
em local de difícil acesso (Fazendo no interior), sem estrutura do poder público, uma
vez que restou provado nos autos que o Ministério do Desenvolvimento Agrário tem
muitas dificuldades de fazer a fiscalização do empreendimento, abandoando-o a
qualquer sorte, tanto que ocorreram os fatos objeto da denúncia, ou seja, um terceiro
se apoderou da Fazenda objeto do empreendimento federal de distribuição de terras.
Portanto, resta claro ao julgador que as ameaças veladas
feitas a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA representavam grave ameaça,
tanto que inúmeros assentados acabaram por alienar as terras, restando poucos bravos
resistentes que, na realidade, correram grande risco de vida.
Prosseguindo na análise do tipo penal relativo à extorsão,
a conduta está relacionada com o fato de constranger alguém a fazer alguma coisa.
Neste caso, o constrangimento estaria associado ao desapossamento do lote em que
vivia Dercílio de Melo, contra a vontade deste.
Outro elemento normativo necessário para configuração
do tipo é “o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica”.
Neste ponto, aduza-se que o “conceito de vantagem
contido no artigo 158, é bem mais amplo que o do furto e o do roubo, haja vista que
abrange não só a coisa móvel corpórea de outrem, mas todo o interesse ou direito
patrimonial alheio, tratando-se, destarte, de crime contra o patrimônio em geral”,
conforme ensinamento de Luiz Regis Prado, em sua obra “Curso de Direito Penal”,
volume 2 (parte especial – arts. 121 a 249), 8ª edição (2010), Editora Revista dos
Tribunais, página 331.
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Neste caso, IRANILDES LOPES DA SILVA tinha o
intuito de obter para si e seus familiares a posse de terreno cujo direito era atribuído a
um dos assentados primitivos, conforme constou na escritura pública acostada em fls.
131/138, dentre eles Dercílio de Melo (vide fls. 136 – segundo nome grifado no topo
da folha), caracterizando uma vantagem econômica.
Impende ressaltar que estamos diante de delito formal, ou
seja, que se consuma mesmo que não haja a vantagem indevida. Destaque-se, nesse
sentido, a súmula nº 96 do Superior Tribunal de Justiça: “O crime de extorsão
consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida”.
Não obstante, há que se tecer considerações sobre a
questão de estarmos diante de um delito consumado ou tentado. Nesse ponto, há que
se considerar que se entender que estamos diante de um delito material, o crime se
consuma com a obtenção da vantagem econômica; se entendermos que estamos
diante de um delito formal – corrente majoritária, cuja jurisprudência está pacificada,
nos termos da súmula nº 96 do Superior Tribunal de Justiça – o crime se consuma
quando a vítima pratica ou deixa de praticar o que lhe era exigido pelo agente.
Nesse sentido, cite-se ensinamento do mestre Damásio E.
de Jesus, em sua obra “Direito Penal”, 2º Volume (Parte Especial), editora saraiva,
24ª edição (ano de 2001), páginas 371/372: “A extorsão atinge a consumação com a
conduta típica imediatamente anterior à produção do resultado visado pelo sujeito.
Lendo-se a definição do art. 158 do CP, vemos que a finalidade do sujeito é a
obtenção da indevida vantagem econômica. O comportamento descrito pelo tipo
imediatamente anterior à produção desse resultado é a conduta da vítima, que faz,
deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. Desse modo, consuma-se o delito
com o comportamento positivo ou negativo da vítima, no instante em que ela
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faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. Não há necessidade de que
o sujeito obtenha a vantagem indevida, nos termos da Súmula 96 do Superior
Tribunal de Justiça”.
Portanto, neste caso restou provado que Dercílio de Melo
sofreu graves ameaças para que alienasse ou cedesse a parcela de terra a que lhe
cabia por direito (constrangimento a ceder o direito de posse sobre seu lote
individual) a IRANILDES LOPES DA SILVA – que não podia se beneficiar da
Fazenda Capelinha haja vista que não se encaixa como beneficiário das políticas de
reforma agrária. Portanto, IRANILDES LOPES DA SILVA pretendia obter
vantagem econômica indevida, mas, neste caso, a vítima, isto é, Dercílio de Melo não
fez o que o agente pretendia, isto é, não cedeu seu espaço de terra, demonstrando
uma resistência.
Ou seja, a extorsão não se consumou, visto que
IRANILDES LOPES DA SILVA não conseguiu que Dercílio de Melo deixasse o
local, por bravura e resistência deste, fato este que configura a tentativa de extorsão,
que não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Nesse sentido, há que se trazer ensinamento do mestre
Nelson Hungria, constante em sua consagrada obra “Comentários ao Código Penal”,
volume VII (artigos 155 a 196), edição Revista Forense, 2ª edição (ano de 1958),
páginas 77/78, que se adequa perfeitamente ao caso, demonstrando ter havido
tentativa de extorsão no caso em exame, “in verbis”:
“O que decide, para o reconhecimento da tentativa, em qualquer
caso, é a idoneidade do meio coativo empregado, e diz-se
idôneo, a priori, o meio executivo da extorsão quando seja
capaz de intimidar o homo medius, o homem comum. Se o
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meio se apresenta, razoavelmente ou segundo id quod plerumque
accidit, adequado ao fim a que visa o agente, não deixa de ser
considerado como tal quando, no caso concreto, não logre
êxito, em razão de excepcional resistência ou bravura da
vítima ou outra circunstância alheia à vontade do agente. Assim,
no caso de ameaça que, de regra ou segundo saepius fit, se
reconheça eficiente, mas acontecendo que o ameaçado vence o
temor inspirado e deixa de atender à imposição quanto ao
facere, pati ou omittere, preferindo arrostar o perigo ou
solicitar, confiantemente, a intervenção policial, é inquestionável
a existência da tentativa da extorsão”.
Portanto, diante da idoneidade do meio coativo
empregado por IRANILDES LOPES DA SILVA, mas cujo desiderato – saída da
vítima do local – não se consumou em razão da resistência da vítima que preferiu
arrostar o perigo, há que se falar em crime tentado de extorsão.
Por oportuno, não há que se falar em desclassificação da
tentativa de extorsão para o delito de ameaça previsto no artigo 147 do Código Penal,
uma vez que neste o agente não busca qualquer conduta positiva ou negativa da
vítima, mas apenas atemorizar o sujeito passivo. Outrossim, não há que se falar em
crime de constrangimento ilegal previsto no artigo 146 do Código Penal, posto que
neste, apesar do objetivo ser de subjugar a vontade da vítima para alcançar um
determinado fim, não se exige como fim precípuo a obtenção de vantagem
econômica indevida, como no caso da extorsão.
Destarte, conclui-se que IRANILDES LOPES DA
SILVA infringiu o “caput” do artigo 158 do Código Penal na modalidade tentativa
(inciso II do artigo 14 do Código Penal).
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Por oportuno, considere-se inviável a incidência causa de
aumento prevista no §1º do artigo 158, uma vez que, com a absolvição de ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA SILVA, e a não identificação
precisa dos capangas, não há que se falar em cometimento direto do delito por parte
de duas ou mais pessoas, ressaltando-se que este juízo adere ao ensinamento de
Nelson Hungria no sentido de que para que a causa de aumento seja reconhecida é
necessário que as várias pessoas devem estar reunidas e presentes junto à vítima
(obra citada acima, página 58), em razão do maior poder intimidatório, hipótese não
cabalmente provada nestes autos.
Destarte, analisada a imputação relativa ao delito de
extorsão, passa-se à análise do delito de quadrilha imputado a todos os réus (artigo
288 “caput” do Código Penal).
No que tange ao delito de quadrilha previsto no artigo 288
do Código Penal, indispensável se faz tecer algumas considerações relevantes para o
deslinde da controvérsia.
Para configuração do tipo penal mister se faz a associação
de ao menos quatro pessoas – hipótese dos autos – e a estabilidade e permanência do
grupo, havendo ainda a necessidade de um mínimo de organização do grupo (ainda
que rudimentar). A cooperação ocasional entre delinquentes para a prática de
determinados “fatos criminosos” não caracteriza o tipo penal, ou seja, é necessária a
união estável para cometer crimes em caráter reiterado e permanente.
Neste caso específico, entendo que não restou comprovado
o cometimento do delito de quadrilha, já que não existem provas seguras de
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estabilidade e permanência das pessoas envolvidas na fraude em face do Ministério do
Desenvolvimento Agrário.
Com efeito, é certo que vários acusados se reuniram com
intuito de explorarem indevidamente a Fazenda Capelinha, conforme já consignado.
Não obstante, o fato de existir a prática de crime com
unidade de desígnios explorando ilegalmente a Fazenda Capelinha não implica,
necessariamente, na existência do crime de formação de quadrilha, devendo-se analisar
o caso concreto. Até porque é imprescindível que a associação dure tempo hábil para a
definição de um programa de crimes, ainda que qualquer deles venha a ser praticado.
A comprovação da estabilidade e permanência do grupo se
faz através de escutas telefônicas que evidenciam a existência de liame prévio e
permanente, ou através de outros indícios que comprovem que o grupo detém um
plano criminoso bem definido. Por exemplo, caso os acusados já tivessem sido
processados por outros delitos em conjunto – ainda que parcialmente entre si – se
estaria diante de um forte indício de que existia a formação de um grupo estável e
permanente para a prática de delitos.
Neste caso, não existem provas seguras para que se possa
inferir que os acusados formaram uma quadrilha. Ao reverso, os autos demonstram
que, em princípio, os indícios caminham no sentido de que se trata de uma cooperação
ocasional entre indivíduos para a prática de determinado “fato”, ou seja, se reuniram
para uma exploração específica – ocasional – de uma Fazenda financiada com recursos
federais.
Destarte, comungo do mesmo pensamento externado pelo
Ministério Público Federal em sede de alegações finais, pelo que, em relação ao
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crime de quadrilha, havendo dúvidas entre a existência de concurso de agentes ou a
estabilidade/permanência do grupo, deve-se optar pela absolvição de todos os
acusados.
Portanto, provado que os réus IRANILDES LOPES DA
SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA,
ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS,
ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, LIDIANE LOPES DA
SILVA e FERNANDO ROSA DOS SANTOS praticaram fatos típicos e
antijurídicos, inexistindo nos autos quaisquer elementos aptos a elidir a
antijuridicidade das condutas e ficando comprovadas as culpabilidades dos acusados,
é de rigor que a denúncia prospere, devendo todos responderem pelas penas previstas
no artigo 171, § 3º do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal;
sendo que IRANILDES LOPES DA SILVA também deve responder pelo delito
previsto no 158 do Código Penal c/c inciso II do artigo 14 do Código Penal, em
concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal).
Passo, assim, à fixação da pena em relação a cada qual.
Inicia-se pelo delito de estelionato cometido por
IRANILDES LOPES DA SILVA.
No que tange aos antecedentes, verifica-se que, não
obstante constem alguns apontamentos em face de IRANILDES LOPES DA SILVA
(fls. 983, 1.003 e 1.025/1.026), não foram acostadas certidões de objeto e pé para
delimitar a situação processual dos delitos que teriam sido cometidos. Outrossim,
efetuando-se uma pesquisa da internet em nome de IRANILDES LOPES DA
SILVA, constatou-se em andamento um inquérito policial que tramita perante a 1ª
Vara Judicial de Itapeva (processo nº 270.01.2007.008844-2) e uma ação penal em
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curso perante a 2ª Vara Criminal de Itu (processo nº 286.01.2010.009795-4) que está
em fase de instrução probatória (audiência designada para 31/01/2011). Tais
apontamentos não podem ser considerados como maus antecedentes em face da
edição da súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.
Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se
que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de
vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que
delimitem conduta social ou personalidade do réu em dissonância com a
normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes
autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de
R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como
foram gastos os recursos oriundos do PRONAF.
Não obstante, o grau de censurabilidade da conduta do
acusado (culpabilidade) indica uma conduta altamente reprovável, visto que o fato da
Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os requisitos
necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo objetivo é
beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura
familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece uma
apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor consagrado
constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de 1988, mais
especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da propriedade,
visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar especificamente assentados
que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 1º da Lei
Complementar nº 93/98. Outrossim, a conduta causou também reprovação social ao
crime perpetrado pelo agente, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito,
enganando assentados pobres que assinaram documentos achando que estavam se
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livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais. Portanto, a pena deve ser
acrescida em 1 (um) ano em razão da intensa culpabilidade do acusado.
Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial
desfavorável relativa à intensa culpabilidade o réu fixo a pena-base relativamente ao
delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase da dosimetria da pena, entendo presente a
agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal em sede de coautoria
delitiva – agente que organiza a cooperação do crime e dirige a atividade dos
demais agentes – posto que restou amplamente provado nos autos que IRANILDES
LOPES DA SILVA foi o mentor intelectual do crime de estelionato, utilizando os
demais acusados para lograr o seu intento delituoso, uma vez que, ao final, as condutas
dos demais agentes se dirigiram à sua vontade de se apossar da Fazenda Capelinha e
utilizar a sua estrutura física. Ao ver deste juízo, não teria sentido, em sede de
concurso de crimes, apenar com idêntico rigor todos os réus, quando restou
amplamente comprovada a ascendência de IRANILDES LOPES DA SILVA sobre os
demais. Assim, a pena deve ser acrescida de 6 (seis) meses por conta a incidência
dessa agravante.
Note-se que, em relação as agravantes, incide o artigo 385
do Código de Processo Penal, ou seja, o Juiz pode conhecer de agravantes mesmo que
não tenham sido alegadas pela acusação.
Por oportuno, não há que se falar na incidência de
atenuantes neste caso, uma vez que IRANILDES LOPES DA SILVA em nenhum
momento (seja em sede policial ou judicial) confessou a prática do crime, não
fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65,
inciso III, alínea “d” do Código Penal.
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Assim, na segunda fase da dosimetria da pena,
procedendo-se ao aumento de seis meses, a pena fica provisoriamente fixada em 2
(dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o
aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento a pena de 1/3 (um
terço), fixando-a em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
Tomando por base o mesmo critério, a pena de multa será
de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada, acrescida
de mais 10 dias-multa por conta da agravante reconhecida. Por fim, a somatória
desses valores, acrescida de 1/3 (conforme ensinamento de Damásio E. de Jesus, em
sua obra “Direito Penal”, 1º Volume, parte geral, editora saraiva, 23ª edição, ano
1.999, página 595, “... quanto às causas de aumento e diminuição da pena, previstas
na Parte Geral e Especial, a nosso ver, têm incidência sobre a multa, sem prejuízo da
aplicação do disposto no art. 60, § 1º ...”), torna a pena de multa do estelionato fixada
em 53 (cinquenta e três) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos
(o crime se perpetuou até junho de 2008), dada a inexistência de prova nos autos da
atual situação econômica do réu (vide fls. 533).
Por outro lado, em relação ao delito previsto no artigo 158
do Código Penal (extorsão), valem as mesmas considerações expendidas na fixação da
pena-base do estelionato no que tange aos antecedentes, conduta social, personalidade
e motivos para a prática do crime.
Não obstante, a pena-base deve ser aumentada em 9 (nove)
meses, também em razão do grau de censurabilidade da conduta do acusado
(culpabilidade) que incidiu em uma conduta altamente reprovável, visto que, ao tentar
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retirar um agricultor legitimamente assentado na Fazenda Capelinha, teve por escopo
frustrar um programa de governo, cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais nãoproprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa
renda.
Em sendo assim, a pena-base para o delito de extorsão em
relação a IRANILDES LOPES DA SILVA atinge o patamar de 4 (quatro) anos e 9
(nove) meses de reclusão.
Na segunda fase de dosimetria da pena não vislumbro a
presença de atenuantes ou agravantes, uma vez que IRANILDES LOPES DA SILVA
em nenhum momento (seja em sede policial ou judicial) confessou a prática do crime
de extorsão, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista
no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. Por relevante, considere-se que
não incide a agravante em sede de concurso de pessoas (artigo 62 do Código Penal), já
que IRANILDES LOPES DA SILVA foi condenado sozinho pelo delito de extorsão.
Por fim, na terceira fase de dosimetria da pena, deve-se
proceder à diminuição prevista no parágrafo único do artigo 14 relativa à tentativa
delitiva.
O art. 14 do Código Penal prevê, em seu parágrafo único,
que os redutores a serem considerados para a tentativa devem ser de 1/3 (um terço) ou
2/3 (dois terços), sem fixar os critérios para fixação, tendo a jurisprudência e a
doutrina consolidado o entendimento no sentido de que a aplicação do percentual deve
decorrer da apreciação da quantidade da fase de execução percorrida, ou seja, quanto
mais o agente se aproxima da consumação do delito, menor é a diminuição da pena e
vice-versa.
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Neste caso, observa-se que quase todo o “iter” criminoso
foi percorrido, ou seja, foram feitas ameaças por IRANILDES LOPES DA SILVA aos
assentados – neste caso só está a se tratar de Dercílio nos termos da denúncia e da
prova constante nos autos – sendo que a concretização final do ato visado – assinar
documentos – foi realizada em relação aos assentados primitivos, não se operando em
relação a Dercílio em razão da forte resistência deste. Destarte, a diminuição deve se
operar no grau mínimo, ou seja, em 1/3 (um terço).
Em sendo assim, procedendo-se à diminuição de 1/3 (um
terço) chega-se à pena definitiva do delito de extorsão fixada em 3 (três) anos e 2
(dois) meses de reclusão.
Tomando por base o mesmo critério, a pena de multa será
de 66 (sessenta e seis) dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima
citada (culpabilidade) e o patamar inicial da pena de extorsão (4 anos), valor este que,
diminuído de 1/3 (por conta da incidência da tentativa), torna a pena de multa da
extorsão fixada em 44 (quarenta e quatro) dias-multa, fixando para cada dia-multa,
também o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, dada a inexistência de
prova nos autos da atual situação econômica do réu (vide fls. 533).
Nos termos do artigo 69 do Código Penal, em se tratando
de concurso material entre os crimes de estelionato majorado e tentativa de extorsão,
procede-se a somatória das penas privativas de liberdade que, assim, totaliza uma pena
final em detrimento de IRANILDES LOPES DA SILVA de 6 (seis) anos e 6 (seis)
meses de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa, no valor de 1/30 (um
trigésimo) do salário mínimo.
Em relação ao regime de pena a ser fixado para
IRANILDES LOPES DA SILVA, deve-se ponderar que a somatória da pena cominada
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ao réu ultrapassa a quatro anos, pelo que o cotejo entre a pena aplicada e as
circunstâncias contidas no parágrafo terceiro do artigo 59, não autorizam que o réu
venha a iniciar a pena em regime diverso do fechado. Isto porque, este juízo
analisando a conduta de IRANILDES LOPES DA SILVA em relação a todos os
demais participantes da empreitada, entende que sua culpabilidade foi mais acentuada,
na medida em que foi o mentor intelectual do crime e o principal beneficiário dos
prejuízos causados à União.
Note-se que este juízo entende pertinente a imposição de
regime mais gravoso a determinado réu que atua com mais culpabilidade que os
outros, em face de sua específica atuação no caso em concreto, com base no § 3º do
artigo 33 do Código Penal.
Portanto, o regime inicial de cumprimento de pena em
relação a IRANILDES LOPES DA SILVA será o fechado (§ 3º do artigo 33 do
Código Penal).
Diante da pena em concurso material cominada ao réu
IRANILDES LOPES DA SILVA não se afigura cabível suspensão condicional da
pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Em relação aos demais réus condenados pelo delito de
estelionato majorado, inicia-se a apreciação da pena pelos acusados ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS
SANTOS, respectivamente, esposa e marido.
No que tange aos antecedentes, verifica-se em fls. 1.021 e
1.027 que ambos não possuem registros criminais.
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Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se
que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de
vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que
delimitem condutas sociais ou personalidades dos integrantes do casal em
dissonância com a normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem
ser valoradas nestes autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da
ordem de mais de R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá
delimitar como foram gastos os recursos oriundos do PRONAF.
Não obstante, o grau de censurabilidade das condutas de
ambos acusados (culpabilidade) indica condutas altamente reprováveis, visto que o
fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os
requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo
objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a
agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece
uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor
consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de
1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da
propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar
especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único
do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Outrossim, as condutas de FERNANDO
ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS
causaram também reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o
delito, participando de engodo de assentados pobres que assinaram documentos
achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais.
Portanto, as penas devem ser acrescidas em 1 (um) ano em razão da intensa
culpabilidade dos réus.
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Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial
desfavorável relativa à intensa culpabilidade dos réus fixo as penas-base
relativamente ao delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase de dosimetria das penas de FERNANDO
ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS não
vislumbro a presença de atenuantes ou agravantes, uma vez que ambos em nenhum
momento (seja em sede policial ou judicial) confessaram a prática do crime de
estelionato, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista
no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. Outrossim, pondere-se ainda que
já eram maiores de 21 anos na data em que se iniciaram os fatos (março de 2007).
Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o
aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento as penas em 1/3
(um terço), fixando-as em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
Tomando por base o mesmo critério, as penas de multa de
ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS
SANTOS partirão de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável
acima citada. Acrescidas de 1/3 (um terço) as penas de multa do estelionato ficam
fixadas em 40 (quarenta) dias-multa, fixando para cada dia-multa, o valor de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos
(o crime se perpetuou até junho de 2008), dada a existência de prova nos autos da
atual situação econômica do casal (vide fls. 554/555 e 561/562), considerando
também que não são proprietários de bens relevantes e auferem salários modestos.
No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento de
penas de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e de FERNANDO
ROSA DOS SANTOS será o aberto, tendo em vista que se deve levar em conta as
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circunstâncias judiciais do artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso em questão,
muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável em desfavor de cada
qual, entendo que ela não é suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em
cotejo com o artigo 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. Até porque, este juízo
entende que a conduta de ambos se reveste de inferior culpabilidade em relação a
IRANILDES LOPES DA SILVA.
Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial
desfavorável neste caso, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para ambos, haja
vista que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a
propiciar a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade.
Em sendo assim, estando presentes as condições previstas
no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis aos réus ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS SANTOS as
condições descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos artigos 44, § 2º, art. 46 e 45
§ 1º todos do Código Penal, substituo as penas privativas de liberdade pelas restritivas
de direito consubstanciadas: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser
escolhida quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e
período de duração de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses – facultada a utilização da norma
prevista no § 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de
serviços deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos
termos do artigo 55 do Código Penal; b) e ao pagamento a entidade pública com
destinação social, a ser designada por ocasião da audiência admonitória, de 4 (quatro)
salários mínimos a título de pena prestação pecuniária em relação a cada um dos
acusados, enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da
execução e que não se trata de pena mensal, mas sim global (4 salários mínimos a
serem pagos por cada um dos réus durante todo o transcorrer da execução penal).
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2ª VARA FEDERAL
Na sequência, analisam-se de forma conjunta as penas
dos acusados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA
DOS SANTOS.
No que tange aos antecedentes, verifica-se em fls. 1.020
que JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS não possui antecedentes. Em
relação a ABÍLIO CÉSAR COMERON existem alguns apontamentos constantes em
fls. 1.078/1.079, mas como não foram acostadas certidões de objeto e pé para
delimitar a situação processual dos delitos que teriam sido cometidos, não há que se
falar em maus antecedentes.
Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se
que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de
vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que
delimitem condutas sociais ou personalidades de ambos causídicos em dissonância
com a normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas
nestes autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de
mais de R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar
como foram gastos os recursos oriundos do PRONAF.
Não obstante, o grau de censurabilidade das condutas de
ambos acusados (culpabilidade) indica condutas altamente reprováveis, visto que o
fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os
requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo
objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a
agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece
uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor
consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de
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2ª VARA FEDERAL
1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da
propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar
especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único
do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Outrossim, as condutas de ABÍLIO
CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS causaram
também reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito,
participando ambos ativamente do engodo de assentados pobres que assinaram
documentos achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências
legais. Portanto, as penas devem ser acrescidas em 1 (um) ano em razão da intensa
culpabilidade dos réus.
Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial
desfavorável relativa à intensa culpabilidade dos réus fixo as penas-base
relativamente ao delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase de dosimetria da pena, entendo presente a
agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea “g” do Código Penal – violação a
dever inerente a profissão – posto que restou amplamente provado nos autos que
ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS
cometeram o delito prestando concurso a clientes visando fraudar a legislação (Lei
Complementar nº 93/98). Assim, a pena deve ser acrescida de 6 (seis) meses por conta
a incidência dessa agravante.
Note-se que, em relação as agravantes, incide o artigo 385
do Código de Processo Penal, ou seja, o Juiz pode conhecer de agravantes mesmo que
não tenham sido alegadas pela acusação. Neste caso, entretanto, mesmo adotando
outra interpretação, pondere-se que a agravante está devidamente delimitada na
denúncia, já que a peça inaugural descreve o fato de que os acusados agiram na
qualidade de advogados. Como os réus defendem-se dos fatos capitulados na denúncia
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2ª VARA FEDERAL
e esta lhes imputa um crime agindo na qualidade de profissionais da advocacia, não há
que se falar em ofensa ao princípio da correlação.
Por
oportuno,
citem-se
ainda
dois
precedentes
relacionados especificamente com o cometimento do delito de estelionato majorado
(artigo 171 § 3º do Código Penal) em que foi reconhecida a incidência da agravante
prevista no artigo 61, inciso II, alínea “g” do Código Penal em relação a coautoria
delitiva cometida por advogados: Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ACR nº
2001.51.01.534.311-1, 1ª Turma, Relator Desembargador Federal Alexandre Libonati
de Abreu, DJU de 26/01/2006; e Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ACR nº
96.03.017531-5, 1ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Vesna Kolmar, DJU de
25/05/2004.
Por oportuno, não há que se falar na incidência de
atenuantes neste caso, uma vez que ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE
MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS em nenhum momento (seja em sede policial
ou judicial) confessaram a prática do crime, não fazendo jus à incidência da
atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código
Penal.
Assim, na segunda fase da dosimetria da pena,
procedendo-se ao aumento de seis meses, as penas ficam fixadas provisoriamente em
2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão para cada qual.
Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o
aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento as penas em 1/3
(um terço), fixando-as em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.
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Tomando por base o mesmo critério, as penas de multa
serão de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada,
acrescidas de mais 10 dias-multa por conta da agravante reconhecida. Por fim, a
somatória desses valores, acrescida de 1/3, torna as penas de multa do estelionato
fixadas em 53 (cinquenta e três) dias-multa; fixando, para cada dia-multa, o valor
de 1/3 (um terço) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data do fato
(o crime se perpetuou até junho de 2008), tendo em vista que ambos réus são
advogados, com rendas médias mensais de R$ 5.000,00 por mês, possuindo veículos
e imóveis, consoante informado por eles em seus interrogatórios judiciais.
No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento de
penas de JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS e ABÍLIO CÉSAR
COMERON será o aberto, tendo em vista que se deve levar em conta as circunstâncias
judiciais do artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso em questão, muito embora
exista uma circunstância judicial desfavorável em desfavor de cada qual, entendo que
ela não é suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em cotejo com o artigo
33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. Até porque, este juízo entende que a conduta de
ambos se reveste de inferior culpabilidade em relação a IRANILDES LOPES DA
SILVA.
Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial
desfavorável, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para ambos, haja vista
que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a propiciar
a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade.
Em sendo assim, estando presentes as condições previstas
no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis aos réus ABÍLIO
CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS as condições
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2ª VARA FEDERAL
descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos artigos 44, § 2º, art. 46 e 45 § 1º todos
do Código Penal, substituo as penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito
consubstanciadas: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser escolhida
quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de
duração de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses – facultada a utilização da norma prevista
no § 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de serviços
deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos termos do
artigo 55 do Código Penal; b) e ao pagamento a entidade pública com destinação
social, a ser designada por ocasião da audiência admonitória, de 16 (dezesseis) salários
mínimos a título de pena prestação pecuniária em relação a cada um dos acusados,
enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e
que não se trata de pena mensal, mas sim global (16 salários mínimos a serem pagos
por cada um dos réus durante todo o transcorrer da execução penal).
Na sequência, analisam-se de forma conjunta as penas
dos acusados JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE
BARROS.
No que tange aos antecedentes, conforme consta em fls.
1.019 não existem registros de delitos em relação a JOAQUIM DIAS DA SILVA.
Em relação a ADEMIR RODRIGUES DE BARROS não obstante constem alguns
apontamentos em seu nome (fls. 988 e fls. 1.023/1.024), não foram acostadas
certidões de objeto e pé para delimitar a situação processual dos delitos que teriam
sido cometidos. Outrossim, efetuando-se uma pesquisa da internet em nome de
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, constatou-se em andamento um inquérito
policial que tramita perante a 1ª Vara Judicial de Itapeva (processo nº
270.01.2010.007331-7). Tal apontamento não podem ser considerado como maus
antecedentes em face da edição da súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.
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2ª VARA FEDERAL
Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se
que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de
vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que
delimitem condutas sociais ou personalidades de ambos em dissonância com a
normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes
autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de
R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como
foram gastos os recursos oriundos do PRONAF.
Não obstante, o grau de censurabilidade das condutas de
ambos acusados (culpabilidade) indica condutas altamente reprováveis, visto que o
fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os
requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo
objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a
agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece
uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor
consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de
1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da
propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar
especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único
do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Outrossim, as condutas de JOAQUIM
DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS causaram também
reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito, participando
ambos do engodo arregimentando assentados pobres que assinaram documentos
achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais.
Portanto, as penas devem ser acrescidas em 1 (um) ano em razão da intensa
culpabilidade dos réus.
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2ª VARA FEDERAL
Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial
desfavorável relativa à intensa culpabilidade dos réus JOAQUIM DIAS DA SILVA e
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS fixo as penas-base relativamente ao delito de
estelionato em 2 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase de dosimetria das penas de JOAQUIM
DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS não vislumbro a
presença de atenuantes ou agravantes, uma vez que ambos em nenhum momento
(seja em sede policial ou judicial) confessaram a prática do crime de estelionato, não
fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65,
inciso III, alínea “d” do Código Penal.
Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o
aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento as penas em 1/3
(um terço), fixando-as em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
Tomando por base o mesmo critério, as penas de multa de
JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS partirão de
30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada. Acrescidas
de 1/3 (um terço) as penas de multa do estelionato ficam fixadas em 40 (quarenta)
dias-multa, fixando para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário
mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos (o crime se perpetuou até
junho de 2008), dada a existência de prova nos autos de situação econômica
desfavorável de ambos (vide fls. 539/540 e 546/547), considerando também que não
são proprietários de bens relevantes e auferem salários modestos, conforme constou
nos interrogatórios de ambos.
No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento das
penas de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS será
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o aberto, tendo em vista que se deve levar em conta as circunstâncias judiciais do
artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso em questão, muito embora exista uma
circunstância judicial desfavorável em desfavor de cada qual, entendo que ela não é
suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em cotejo com o artigo 33, § 2º,
alínea “c” do Código Penal. Até porque, este juízo entende que a conduta de ambos se
reveste de inferior culpabilidade em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA, uma
vez que agiram sob as ordens deste.
Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial
desfavorável neste caso, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para ambos, haja
vista que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a
propiciar a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade.
Em sendo assim, estando presentes as condições previstas
no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis aos réus
JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS as condições
descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos artigos 44, § 2º, art. 46 e 45 § 1º todos
do Código Penal, substituo as penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito
consubstanciadas: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser escolhida
quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de
duração de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses – facultada a utilização da norma prevista no
§ 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de serviços deve
ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos termos do artigo
55 do Código Penal; b) e ao pagamento a entidade pública com destinação social, a ser
designada por ocasião da audiência admonitória, de 4 (quatro) salários mínimos a
título de pena prestação pecuniária em relação a cada um dos acusados, enfatizando
que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e que não se
84
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trata de pena mensal, mas sim global (4 salários mínimos a serem pagos por cada um
dos réus durante todo o transcorrer da execução penal).
Por fim, resta a analisar a pena referente ao delito de
estelionato imputado a LIDIANE LOPES DA SILVA.
No que tange aos antecedentes, verifica-se em fls. 992
que ela não possui registros criminais.
Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se
que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de
vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que
delimite a conduta social ou personalidade da acusada em dissonância com a
normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes
autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de
R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como
foram gastos os recursos oriundos do PRONAF.
Não obstante, o grau de censurabilidade da conduta da
acusada (culpabilidade) indica uma conduta altamente reprovável, visto que o fato da
Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os requisitos
necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo objetivo é
beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura
familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece uma
apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor consagrado
constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de 1988, mais
especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da propriedade,
visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar especificamente assentados
que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 1º da Lei
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Complementar nº 93/98. Outrossim, a conduta de LIDIANE LOPES DA SILVA
causou também reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o
delito, participando ela de engodo envolvendo assentados pobres que assinaram
documentos achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências
legais. Portanto, a pena deve ser acrescida em 1 (um) ano em razão da intensa
culpabilidade da ré.
Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial
desfavorável relativa à intensa culpabilidade da ré fixo a pena-base relativamente ao
delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase de dosimetria da pena de LIDIANE
LOPES DA SILVA não vislumbro a presença de agravantes. Em relação as
atenuantes, observa-se que LIDIANE LOPES DA SILVA em nenhum momento (seja
em sede policial ou judicial) confessou a prática do crime de estelionato, não fazendo
jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III,
alínea “d” do Código Penal.
Não obstante, consoante consta em fls. 567 destes autos,
LIDIANE LOPES DA SILVA nasceu em 24/07/1988. Ou seja, completou dezoito
anos em 24/07/2006 (antes do início do crime), mas completou 21 (vinte e um) anos
somente em 24/07/2009, quando a prática delitiva já havia cessado posto que todos
foram presos em 10/06/2008. Portanto, em relação a ela incide a atenuante prevista
no inciso I do artigo 65 do Código Penal, visto que ela era menor de 21 anos na data
dos fatos (ou seja, uma pessoa em formação). Destarte, em razão desse fato diminuo
a pena em 6 (seis) meses.
Portanto, na segunda fase de dosimetria da pena, ela fica
provisoriamente fixada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.
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Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o
aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento a pena em 1/3 (um
terço), fixando-a em 2 (dois) anos de reclusão.
Tomando por base o mesmo critério, a pena de multa de
LIDIANE LOPES DA SILVA partirá de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância
desfavorável acima citada, sendo diminuída em 10 dias-multa em razão da atenuante
menoridade. Destarte, o valor de 20 (vinte) dias-multa deve ser acrescido de 1/3 (um
terço), pelo que a pena de multa do estelionato fica fixada em 26 (vinte e seis) diasmulta, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário
mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos (o crime se perpetuou até
junho de 2008), tendo em vista que a ré não possui bens por ser jovem e não restou
apurado nos autos situação econômica favorável em seu favor.
No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento da
pena de LIDIANE LOPES DA SILVA será o aberto, tendo em vista que se deve levar
em conta as circunstâncias judiciais do artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso
em questão, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável em desfavor
dela, entendo que não é suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em
cotejo com o artigo 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. Até porque, o delito foi
praticado por uma pessoa ainda em formação intelectual.
Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial
desfavorável neste caso, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para a ré, haja
vista que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a
propiciar a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade.
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2ª VARA FEDERAL
Em sendo assim, estando presentes as condições previstas
no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis à ré LIDIANE
LOPES DA SILVA as condições descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos
artigos 44, § 2º, art. 46 e 45 § 1º todos do Código Penal, substituo a pena privativa de
liberdade pelas restritivas de direito consubstanciadas: a) na prestação de serviços à
entidade assistencial, a ser escolhida quando da audiência admonitória, com jornada
semanal de 7 (sete) horas e período de duração de 2 (dois) anos – facultada a
utilização da norma prevista no § 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena
restritiva de prestação de serviços deve ter a mesma duração da pena privativa de
liberdade substituída, nos termos do artigo 55 do Código Penal; b) e ao pagamento a
entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da audiência
admonitória, de 3 (três) salários mínimos a título de pena prestação pecuniária,
enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e
que não se trata de pena mensal, mas sim global (2 salários mínimos a serem pagos
pela ré LIDIANE LOPES DA SILVA durante todo o transcorrer da execução penal).
Por outro lado, considere-se que não estão presentes os
requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva dos réus, uma vez que não
existem notícias de que tenham cometido ilícitos penais após os fatos descritos na
denúncia. Neste momento processual este juízo não tem elementos concretos para
decretar prisões preventivas dos acusados, uma vez que não existem informações de
que tenham praticado algum delito ou crimes similares após os fatos objeto desta
ação penal. Note-se que o Supremo Tribunal Federal tem decidido que para a
decretação da prisão preventiva devem existir elementos concretos de perigo à ordem
pública, sendo certo que esses elementos devem ser contemporâneos com a data da
decretação da prisão preventiva, já que esta última tem índole cautelar e não visa à
imposição de pena de forma antecipada.
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PODER JUDICIÁRIO
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2ª VARA FEDERAL
De qualquer forma, note-se que todos os réus poderão
apelar independentemente de se recolherem ao cárcere. Nesse sentido, deve-se
ponderar que a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – no mesmo
sentido de vários julgados do Supremo Tribunal Federal – tem entendido que o réu
não pode ter seu recurso obstado pelo fato de não se recolher à prisão.
Nesse diapasão, foi editada a súmula nº 347, publicada no
DJ de 29/04/2008 no sentido de que “o conhecimento de recurso de apelação do
réu independe de sua prisão”. Ou seja, independentemente do encarceramento do
acusado este tem o direito de apelar, sendo que caso exista fundamento para se
decretar a prisão preventiva do condenado ela poderá ser decretada, mas tal fato não
gera a inviabilidade da subida e análise do seu recurso, em homenagem ao princípio
da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Nesse sentido, inclusive, está vazada a
nova redação do parágrafo único do artigo 387 do Código de Processo Penal.
Por outro lado, deve-se analisar a aplicação das
modificações perpetradas pela Lei nº 11.719/08, acrescentando o inciso IV ao artigo
387 do Código de Processo Penal, através da qual o juiz deve fixar valor mínimo para
reparação dos danos causados pela infração. No caso em questão, não existem
elementos concretos e seguros nos autos que possibilitem a fixação dos danos e o
prejuízo econômico experimentado pela União com a exploração ilegal da Fazenda
Capelinha, uma vez que não há como delimitar com a prova colhida nestes autos a
capacidade de produção da Fazenda, o exato número de lotes ocupados e utilizados por
IRANILDES LOPES DA SILVA e sua família, o valor que poderia ser obtido com a
venda de produtos, etc. Em sendo assim, diante da ausência de elementos, deixo de
fixar o valor mínimo relativo à reparação dos danos experimentados.
Com relação aos documentos apreendidos nas diligências
realizadas por ocasião da expedição dos mandados de busca e apreensão, eles devem
89
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2ª VARA FEDERAL
permanecer acautelados nestes autos até o trânsito em julgado da demanda, por
interessarem como prova a este processo e também a futuras ações penais que
deverão vir a serem instauradas em razão da notícia de outros crimes (inclusive
desvios de verbas do PRONAF).
Por oportuno, nos termos do artigo 40 do Código de
Processo Penal, determino que a Secretaria desta Vara extraia cópias dos contratos
de fls. 77/84, da escritura de fls. 131/139, da petição inicial e documentos de fls.
163/193, do relatório de missão policial de fls. 208/213, dos depoimentos de fls.
1.205/1.206, 1.207/1.208, 1.209/1.210 e desta sentença, remetendo-os ao Ministério
Público Federal, a fim de se apurar eventual crime cometido por Marcos Antonio
Sarti e Humberto Carlos de Camargo Nogues, consistente na exploração ilegal de
área da Fazenda Capelinha com arrendamento do imóvel para Humberto a fim de se
plantar eucaliptos na área, crime este se iniciou em 2005 e perdurou até, ao menos, a
prisão dos acusados.
Outrossim,
em
fls.
1.289/1.292
foram
acostados
documentos que comprovam que, em Janeiro de 2010, foi firmado um contrato de
parceria com Sidney Veloso de Oliveira em relação às terras objeto da Fazenda
Capelinha, continuando antigos assentados a obterem ganhos de terras financiadas
com recursos públicos. Destarte, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código de
Processo Penal, requisito a instauração de inquérito policial, determinando que a
Secretaria desta Vara extraia cópias dos documentos de fls. 1.289/1.292, da escritura
pública de fls. 131/138 e desta sentença, para instrução do inquérito, uma vez que tais
documentos comprovam, em princípio, que continua a haver a exploração ilegal da
Fazenda Capelinha, que não pode ser cedida ou arrendada para terceiros.
Na mesma senda, há que se destacar que em fls. 878, o
douto Delegado da Polícia Federal constatou que existem nos autos em apenso
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diversas declarações falsas assinadas por uma pessoa identificada como Alexandre
Kriechle, que seria presidente do sindicato rural de Buri. Não obstante, não há
notícias da instauração de inquérito policial em relação a esse fato, até porque, os
originais das declarações continuam constando nos autos em apenso. Destarte, nos
termos do artigo 5º, inciso II do Código de Processo Penal, requisito a
instauração de inquérito policial para apurar eventual crime de falsidade ideológica
praticado por Alexandre Kriechle, determinando que os originais dos documentos de
fls. 320, 321, 337, 338, 351, 352, 358, 364 e 371 contidos no apenso I (volume 2)
sejam retirados dos autos e substituídos por cópias devidamente certificadas. No
ofício de requisição para a instauração do inquérito deverão ainda seguir cópias dos
depoimentos e documentos das pessoas constantes nas declarações e que, conforme
restou comprovado, nunca exerceram atividades agrícolas, ou seja: ELIANE
APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS (fls. 556/560), FERNANDO ROSA
DOS SANTOS (fls. 548/553), Cleonice Gonçalves dos Santos (fls. 486/489), Valdeci
dos Santos (fls. 506/509), LIDIANE LOPES DA SILVA (fls. 563/567), Claudemir
Gonçalves dos Santos (fls. 493/499), Edna Braz da Silva (fls. 500/502), Dulce
Gonçalves dos Santos (fls. 490/492) e Ambrozina Gonçalves dos Santos (fls.
503/505), bem como cópia desta sentença.
Por fim, devem-se tecer considerações sobre a aplicação
do artigo 211 do Código de Processo Penal neste momento processual. Isto porque,
analisando-se o conjunto probatório, observa-se que existem sérios indícios de
cometimento de crimes de falso testemunho com causa de aumento de pena – artigo
342, § 1º do Código Penal, uma vez que em depoimentos prestados no bojo deste
processo penal surgiram testemunhos inverídicos, havendo indícios de cometimento
do crime dantes citado.
Com efeito, em fls. 1.211 consta o depoimento de Artur
Pinto Vieira prestado perante a Comarca de Itapeva. Em seu testemunho assevera que
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“não foi obrigado a deixar o assentamento. Não recebi coisa alguma para sair de lá”.
Tal depoimento colide frontalmente com seu próprio depoimento prestado em sede
policial em fls. 619/622, uma vez que afirma textualmente que recebeu a quantia de
R$ 1.500,00 para deixar o assentamento. Também colide frontalmente com o
contrato assinado por Artur Pinto Vieira em que declara receber quantia para ceder
suas cotas, conforme documentos constantes no apenso I. Ademais, o depoimento
prestado em juízo colide com vários outros depoimentos de assentados que
confirmaram que receberam dinheiro para repassar as quotas sociais para
IRANILDES LOPES DA SILVA. Destarte, devem ser extraídas cópias pertinentes
para instauração de inquérito policial, remetendo as cópias para a autoridade policial
(artigo 211 do Código de Processo Penal), para apurar delito de falso testemunho
com causa de aumento de pena em detrimento de Artur Pinto Vieira.
Outrossim, no depoimento prestado em fls. 1.328 José
Nilson da Cruz disse não conhecer dos fatos, revelando que faz parte da associação,
mas nunca morou na Fazenda Capelinha. Evidentemente, existem fortes indícios que
referida testemunha calou a verdade, também sendo necessária a instauração de
inquérito policial por falso testemunho. Isto porque, em sede policial em fls. 601/605,
a testemunha afirmou que JOAQUIM DIAS DA SILVA, então presidente da
associação, lhe informou que havia uma pessoa interessada em assumir a dívida da
associação e pagar R$ 3.000,00 para cada um dos integrantes a fim de que
desocupassem a fazenda onde outras pessoas trabalhariam após a venda. Também
colide frontalmente com contrato assinado por José Nilson da Cruz em que declara
receber quantia para ceder suas cotas, conforme documentos constantes no apenso I.
Destarte, devem ser extraídas cópias pertinentes para instauração de inquérito
policial, remetendo as cópias para a autoridade policial (artigo 211 do Código de
Processo Penal), para apurar delito de falso testemunho com causa de aumento de
pena em detrimento de José Nilson da Cruz.
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DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a
pretensão punitiva estatal em face de IRANILDES LOPES DA SILVA, JOAQUIM
DIAS DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, ABÍLIO CÉSAR
COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, LIDIANE LOPES DA
SILVA, FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA
SILVA SANTOS, absolvendo-os em relação ao crime de quadrilha (artigo 288
“caput” do Código Penal), com fulcro no artigo 386, inciso VII (nova redação dada
pela Lei nº 11.690/08) do Código de Processo Penal, por não existirem provas
suficientes para a condenação dos réus em relação a esse delito.
Ademais,
também
JULGO
IMPROCEDENTE
a
pretensão punitiva estatal em face de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR
RODRIGUES DE BARROS, absolvendo-os em relação ao crime de extorsão
(artigo 158 “caput” do Código Penal), com fulcro no artigo 386, inciso VII (nova
redação dada pela Lei nº 11.690/08) do Código de Processo Penal, por não existirem
provas suficientes para a condenação de ambos os réus em relação a esse delito.
Ao
reverso,
JULGO
PARCIALMENTE
PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face IRANILDES LOPES DA
SILVA, portador do RG nº XXXXXXX, inscrito no CPF sob o XXXXXXX, nascido
em XXXXXXX, residente e domiciliado na XXXXXXX, condenando-o a cumprir a
pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão e a pagar o valor correspondente a
97 (noventa e setenta) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo, como incurso nas penas artigo 171, § 3º do
Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal em concurso material –
artigo 69 do Código Penal – com o crime previsto no artigo 158 do Código Penal c/c
inciso II do artigo 14 do Código Penal.
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O
regime
inicial
de
cumprimento
da
pena
de
IRANILDES LOPES DA SILVA será o fechado (§3º do artigo 33 do Código Penal),
conforme consta na fundamentação desta sentença. Neste caso, não se afigura
cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos,
consoante consta na fundamentação acima delineada.
Por outro lado, JULGO PROCEDENTE a pretensão
punitiva estatal em face de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS,
portadora do RG XXXXXXX, inscrita no CPF sob o XXXXXXX, nascida em
XXXXXXX, residente e domiciliada na XXXXXXX; e FERNANDO ROSA DOS
SANTOS, portador do RG nº XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e
domiciliado na Rua XXXXXXX, condenando cada qual a cumprir a pena de 2 (dois)
anos e 8 (oito) meses de reclusão, e a pagarem cada qual o valor correspondente a 40
(quarenta) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo)
do salário mínimo, como incursos nas penas artigo 171, § 3º do Código Penal
cumulado com o artigo 29 do Código Penal.
Os regimes iniciais de cumprimento das penas de
ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS
SANTOS serão o aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código
Penal.
A substituição das penas privativas de liberdade de
ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS
SANTOS pelas penas restritivas de direitos será feita em consonância com a forma
constante na fundamentação desenvolvida alhures.
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Outrossim, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva
estatal em face de ABÍLIO CÉSAR COMERON, portador do RG XXXXXXX,
inscrito no CPF sob o XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e domiciliado
na XXXXXXX; e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, portador do RG
nº XXXXXXX, inscrito no CPF sob o nº XXXXXXX, nascido em XXXXXXX,
residente e domiciliado na XXXXXXX, condenando cada qual a cumprir a pena de 3
(três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e a pagarem cada qual o valor
correspondente a 53 (cinquenta e três) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o
valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, como incursos nas penas artigo 171, § 3º
do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal.
Os regimes iniciais de cumprimento das penas de
ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS
serão o aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal.
A substituição das penas privativas de liberdade de
ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS pelas
penas restritivas de direitos será feita em consonância com a forma constante na
fundamentação desenvolvida alhures.
Ademais, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva
estatal em face de JOAQUIM DIAS DA SILVA, portador do RG nº XXXXXXX,
inscrito no CPF sob o nº XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e
domiciliado no XXXXXXX; e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, portador do
RG nº XXXXXXX, inscrito no CPF sob o n XXXXXXX, nascido em XXXXXXX,
residente e domiciliado na Av XXXXXXX, condenando cada qual a cumprir a pena de
2 (dois) anos e 8
(oito) meses de reclusão, e a pagarem cada qual o valor
correspondente a 40 (quarenta) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de
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1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, como incursos nas penas artigo 171, § 3º do
Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal.
Os regimes iniciais de cumprimento das penas de
JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS serão o
aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal.
A substituição das penas privativas de liberdade de
JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS pelas penas
restritivas de direitos será feita em consonância com a forma constante na
fundamentação desenvolvida alhures.
Por fim, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva
estatal em face de LIDIANE LOPES DA SILVA, portadora do RG nº XXXXXXX,
nascida em XXXXXXX, residente e domiciliada na XXXXXXX, condenando-a a
cumprir a pena de 2 (dois) anos de reclusão, e a pagar o valor correspondente a 26
(vinte e seis) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um
trigésimo) do salário mínimo, como incursa nas penas artigo 171, § 3º do Código
Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal.
O regime inicial de cumprimento da pena de LIDIANE
LOPES DA SILVA será o aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do
Código Penal.
A substituição da pena privativa de liberdade de LIDIANE
LOPES DA SILVA pelas penas restritivas de direitos será feita em consonância com a
forma constante na fundamentação desenvolvida alhures.
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Todos os réus poderão apelar independentemente de terem
que se recolher à prisão, nos termos da Súmula nº 347 do Superior Tribunal de Justiça,
não estando presentes os requisitos que autorizam a decretação das prisões
preventivas.
Condeno ainda os réus IRANILDES LOPES DA SILVA,
ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO
CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, FERNANDO
ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e
LIDIANE LOPES DA SILVA ao pagamento das custas processuais nos termos do
artigo 804 do Código de Processo Penal e artigo 6º da Lei nº 9.289/96.
Comunique-se, após o trânsito em julgado da demanda, à
Justiça Eleitoral o teor desta sentença, para fins do artigo 15, inciso III, da
Constituição Federal.
Comunique-se ao Instituto de Identificação para que este
proceda aos ajustes das informações relativas a todos os réus, em relação à ação penal
objeto desta sentença.
Intime-se o Ministério do Desenvolvimento Agrário
(Delegacia no Estado de São Paulo) acerca da prolação desta sentença, nos termos do
§ 2º do artigo 201 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei nº
11.690/08.
Após o trânsito em julgado da demanda, lancem os nomes
dos réus IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS,
JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO
FOGAÇA DOS SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE
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APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA no rol
dos culpados.
Oficie-se, com urgência, ao Ministério Público Federal,
nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal, remetendo as cópias acima
relatadas, a fim de se apurar eventual crime cometido por Marcos Antonio Sarti e
Humberto Carlos de Camargo Nogues, consistente na exploração ilegal de área da
Fazenda Capelinha com arrendamento parcial do imóvel para Humberto.
Oficie-se, com urgência, ao Superintendente da Delegacia
de Polícia Federal em Sorocaba, requisitando a instauração de dois inquéritos policiais
distintos, conforme acima consignado, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código de
Processo Penal, uma vez que (1) os documentos de fls. 1.289/1.292 comprovam, em
princípio, que continua a haver a exploração ilegal da Fazenda Capelinha, que não
pode ser cedida ou arrendada para terceiros; e (2) para apurar eventual crime de
falsidade ideológica praticado por Alexandre Kriechle, possível presidente de sindicato
rural de Buri, instruindo os ofícios com as cópias constantes na fundamentação desta
sentença.
Nos termos do artigo 211 do Código de Processo Penal,
verificando este juízo que, em tese, as testemunhas Artur Pinto Vieira e José Nilson da
Cruz fizeram afirmações falsas em depoimentos judiciais prestados em fls. 1.211 e
1.328 destes autos, conforme consignado na fundamentação desta sentença, determino
a remessa de cópias desses depoimentos judiciais (fls. 1.211 e 1.328), dos depoimentos
em sede policial constantes em fls. 619/623 e fls. 601/605; dos documentos constantes
no apenso I (volume 1), ou seja, fls. 66/73 (referente a Artur) e fls. 35/48 (referente a
José), do relatório final da operação Capelinha (fls. 813/884) e desta sentença, à
DPF/Sorocaba, requisitando a instauração de inquérito policial para verificação da
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possível ocorrência de crimes de falsos testemunhos (artigo 342, parágrafo primeiro,
do Código Penal).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Sorocaba/SP, 10 de Janeiro de 2011.
MARCOS ALVES TAVARES
Juiz Federal Substituto
art.158-caput-art.171-§3-art.288-operacao-capelinha-13699.doc
99
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íntegra da decisão