PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Processo nº 0013699-95.2007.4.03.6110 AÇÃO PENAL PÚBLICA Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Réus: IRANILDES LOPES DA SILVA E OUTROS SENTENÇA TIPO D SENTENÇA Trata-se de AÇÃO PENAL PÚBLICA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS (cujo nome está equivocado na denúncia), ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA, imputando a todos a prática dos delitos tipificados nos artigos 171, § 3º, e, 288, caput, combinados com os artigos 29, caput, e 69, e aos três primeiros também o crime tipificado no artigo 158, caput, todos do Código Penal. 1 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL A denúncia refere-se à operação CAPELINHA, iniciada a partir de representação perante o Ministério Público Federal, oriunda da Delegada Federal do Desenvolvimento Agrário do Estado de São Paulo, noticiando a venda do imóvel situado no Bairro Lagoa Grande, município de Itapeva, denominado Fazenda Capelinha, adquirido com recursos federais advindos do extinto Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra, instituído pela Lei Complementar nº 93/1998, bem como irregularidades na aplicação de recursos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF destinados ao mesmo projeto, que tem como beneficiada a Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí. Narra a denúncia que a Associação adquiriu a Fazenda Capelinha com recursos recebidos do extinto Banco da Terra, e obteve também recursos do PRONAF, sendo beneficiada com mais de R$ 1.300.000,00 de verbas públicas, para promover o desenvolvimento da agricultura familiar, como recomenda o Estatuto Social da entidade. Assevera a acusação, entretanto, que os verdadeiros associados, iludidos pelos denunciados, foram convencidos por JOAQUIM DIAS DA SILVA de que IRANILDES LOPES DA SILVA tinha interesse nos lotes e pagaria pela transferência da posse o valor de R$ 3.000,00 por família, além do que, assumiria os débitos pendentes junto ao Banco do Brasil, e os nomes dos associados deixariam de constar do cadastro de inadimplentes do SERASA. Agindo assim, com a intermediação do corretor de imóveis ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e do Presidente da Associação, JOAQUIM DIAS DA SILVA, a venda irregular foi efetivada, contando com a assessoria profissional dos advogados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS que cuidaram de promover a aparente regularidade do negócio. 2 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Consta da peça acusatória que, no escritório dos advogados, os associados assinaram os contratos de compra e venda dos lotes pelo valor de R$ 3.000,00, recebendo, contudo, tão-somente a metade do valor, em duas parcelas de R$ 750,00, uma logo após a realização do negócio, na casa do corretor ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, e outra, trinta dias depois. Assim, concretizada a negociação espúria, na mesma data (23/03/2008), foi realizada uma assembléia da Associação, registrando-se em ata a exclusão de oito associados e a admissão de outros nove, todos do relacionamento de acusado IRANILDES LOPES DA SILVA, entre estes, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA, respectivamente, genro e filhas de IRANILDES LOPES DA SILVA, que junto a outros quatro novos associados, passaram a compor a diretoria da Associação, incumbindo a ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS a Presidência, a FERNANDO ROSA DOS SANTOS a Vice-Presidência e a LIDIANE LOPES DA SILVA a Tesouraria da entidade. Acrescenta que IRANILDES LOPES DA SILVA foi escolhido na assembléia para acompanhar e conduzir os trabalhos da Associação na condição de profissional contratado, detendo procuração pública com os mesmos poderes conferidos ao presidente. Esclarece que os demais admitidos na Associação, quais sejam, Ambrosina Gonçalves dos Santos, Cleonice Gonçalves dos Santos, Dulce Gonçalves dos Santos, Claudemir Gonçalves dos Santos, Valdeci dos Santos e Edna Braz da Silva, a teor dos depoimentos prestados no decorrer da investigação, desconheciam a existência da Fazenda Capelinha e tiveram seus nomes indevidamente inseridos por IRANILDES LOPES DA SILVA como membros da Associação. Ademais, em reunião promovida na Fazenda com representante do INCRA, teriam sido orientados por IRANILDES LOPES DA SILVA a mentir afirmando que pretendiam “produzir terra”. 3 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Assim, registrada a nova composição da Associação, a ata da Assembléia foi apresentada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e os novos associados passaram a ter a posse de lotes da Fazenda Capelinha, induzindo a União em erro, já que toda a negociação não passou de mera encenação, “pois, nunca houve, tão-somente, a substituição dos antigos e verdadeiros associados pelos novos e, sim, um engodo, seguido de grave ameaça, a fim de que a posse da terra passasse a IRANILDES, que, para tanto, contou com a participação dos demais denunciados”. Segundo ainda a narrativa da denúncia, os associados que não consentiram na venda dos lotes foram constrangidos por IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA SILVA com grave ameaça, além de terem seus lotes, onde residiam, invadidos por capangas de IRANILDES LOPES DA SILVA. Por fim, a denúncia descreve outra conduta penal dos acusados prevista no artigo 288, caput, do Código Penal, aduzindo o Ministério Público Federal que “(...) associaram-se, em quadrilha ou bando, de maneira estável e permanente, para o fim de cometer os crimes(...)”. Em fls. 229/254 e 274/276 a autoridade policial presidente da investigação requerida pelo Ministério Público pugnou pela prisão temporária dos denunciados e dos recém-admitidos na Associação, bem como pela busca domiciliar em todos os endereços, para a colheita de provas da materialidade e outros elementos de convicção. Em fls. 208/219 e 277/343, encontram-se relatórios de diligências policiais realizadas in loco e, por decisão de fls. 345/350, após 4 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL manifestação favorável do Ministério Público Federal, foram decretadas as prisões temporárias e busca e apreensão, nos termos requeridos pela autoridade policial. Em fls. 377/465, constam os Mandados de Prisão e de Busca e Apreensão devidamente cumpridos, bem como relatórios circunstanciados emitidos pelos agentes policiais que atuaram nas equipes em operação de busca domiciliar. Em fls. 486/569, 572/648, 698/793 e 809/812, foram colhidas em sede policial as declarações de todos envolvidos e em fls. 813/884, consta o relatório conclusivo da investigação policial. A denúncia oferecida foi recebida em 15 de Julho de 2008 (fls. 955). As informações de antecedentes criminais dos denunciados foram encartadas em fls. 975/981, 983/992, 994/1001 e 1.003/1.010. Em fls. 1.051-verso e 1.173-verso foram os acusados regularmente citados da presente demanda. Os denunciados IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA ofereceram defesa preliminar em fls. 1.028/1.030, arrolando oito testemunhas. Em fls. 1.041/1.047 foram apresentadas as defesas preliminares da defesa do denunciado ABÍLIO CÉSAR COMERON, arrolando sete testemunhas e, em fls. 1.053/1.056, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS 5 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL ofereceu sua defesa, indicando genericamente testemunhas, posteriormente devidamente identificadas em fls. 1.096. Não foram vislumbradas quaisquer das hipóteses de absolvição sumária e, por decisão de fls. 1.086, foi determinado o prosseguimento do feito. Em fls. 1.127/1.128, 1.167/1.168 e 1.202/1.210 foram colhidos em juízo os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, ou seja, Valdeci dos Santos, Dulce Gonçalves dos Santos, Claudemir Gonçalves dos Santos, Ageu Aparecido Proença Ribeiro, Marcos Antonio Sarti, Benedito Manoel das Neves, Dercílio de Melo e Artur Pinto Vieira. As testemunhas Ageu Aparecido Proença Ribeiro, Marcos Antonio Sarti e Artur Pinto Vieira também haviam sido arroladas pelas defesas como testemunhas (comuns). Em fls. 1.302/1305 e 1.327/1.330 constam depoimentos de testemunhas arroladas pela defesa, isto é, Antonio Celso Polifemi, Aldo Flávio Comeron, Maura Aparecida Abrami Monteiro Spalutto, Paulo Sérgio de Morais, José Nilson da Cruz, Adir de Lima e Nadir Maria da Cruz. As testemunhas Edo Osvaldo Mallmann (arrolada por ABÍLIO CÉSAR COMERON) e Antonio Francisco de Lima Neto (arroladas por JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS) não foram encontradas, consoante consta em fls. 1.225 e em fls. 1.282. Tal fato gerou a decisão de fls. 1.334, determinando a manifestação expressa dos acusados sobre a não localização das testemunhas de defesa, transcorrendo o prazo sem qualquer manifestação (certidão de fls. 1.336). 6 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Consoante termo em fls. 1.301, foi requerida pela defesa e homologada a desistência de oitiva da testemunha Vitório Donizetti Spaluto; e em fls. 1.326 consta termo com a desistência de oitiva das testemunhas Davi Alcides Gomes, Valter de Almeida Lima e Luis Antonio Lages Magalhães. Com relação às testemunhas Jorge de Faria Maluly e Guilherme Cassel, instadas, manifestaram-se em fls. 1.275 e 1.279, alegando que desconhecem os fatos narrados na denúncia, razão pela qual não foram inquiridas judicialmente. Em fls. 1.355 encontra-se a mídia eletrônica relativa às declarações dos denunciados, colhidas em sede de interrogatório judicial, oportunidade em que, instadas, as partes se manifestaram nos termos do artigo 402, do Código de Processo Penal, não havendo requerimento de diligências complementares, a teor do termo acostado em fls. 1.353. O Ministério Público Federal, nas alegações finais de fls. 1.356/1.370, entendeu não comprovadas a autoria e a materialidade em relação ao crime previsto no artigo 288, caput, do Código Penal, e pugnou pela condenação de todos os acusados pela prática do delito tipificado no artigo 171, § 3º, combinado com os artigos 29, caput, e 69; acrescentando em relação aos acusados IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA SILVA o requerimento de condenação pela prática do delito previsto no artigo 158, caput, do Código Penal. No mérito o Parquet tece considerações gerais sobre a operação Capelinha e destaca a participação de cada um dos acusados consoante conjunto probatório formado nos autos. Sustenta que os denunciados, previamente ajustados e em unidade de desígnios, agiram para o fim de obter vantagem ilícita para 7 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL si e para outrem, na medida em que, de forma fraudulenta, auferiram vantagens econômicas, apossando-se ou concorrendo para que outros se apossassem de bem adquirido pela União e de todas as benfeitorias realizadas com recursos públicos federais, que tinham, inicialmente, a finalidade de fomentar a agricultura familiar a ser promovida por famílias de agricultores, desde que preenchidos requisitos básicos como possuir baixa renda e residir no local, conforme Lei Complementar nº 93/98 (Banco da Terra). Alega que JOAQUIM DIAS DA SILVA foi o idealizador da venda ilícita da Fazenda Capelinha, levando sua intenção de venda de bens adquiridos com recursos da União ao conhecimento do corretor de imóveis ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, e este, por sua vez, levou ao conhecimento de IRANILDES LOPES DA SILVA, que manifestou interesse na concretização do negócio e passou a articular os meios fraudulentos para iludir os humildes associados da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, que detinham a posse da Fazenda Capelinha, e induzir o Ministério do Desenvolvimento Agrário em erro, forjando documento que desse respaldo à transação, a fim de tomar posse do imóvel e das benfeitorias já existentes. Assevera que, para assessorar na elaboração de documento que acobertaria a transação ilícita, IRANILDES LOPES DA SILVA contratou os advogados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, os quais, embora conhecedores da ilicitude ao ato, compuseram a manobra e “(...) ao invés de zelar pelo cumprimento do ordenamento jurídico, trataram de burlá-lo, utilizando-se de seus conhecimentos jurídicos para tanto, só levando em consideração os benefícios econômicos que aufeririam com a transação fraudulenta (...)”. Da mesma forma, para favorecer a posse irregular pretendida por IRANILDES LOPES DA SILVA, bem como usufruir o bem da União e suas benfeitorias, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA 8 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA, respectivamente, genro e filhas de IRANILDES LOPES DA SILVA, consentiram na ilicitude e “(...) emprestaram seus nomes para a consumação do delito, já que nunca foram agricultores de fato (...)”. Destaca o órgão ministerial finalmente a reprovação social dos crimes cometidos pelos denunciados, proporcionando à União um prejuízo de mais de R$ 1.300.000,00 de recursos aplicados, e, sobretudo, as conseqüências desastrosas para as famílias de agricultores “(...) todas compostas de pessoas simples e sem recursos, que foram obrigadas a se retirar de seus lotes mediante graves ameaças (...)”. O defensor constituído nos autos pelos acusados IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA apresentou as alegações finais em fls. 1.374/1.393, pugnando pela improcedência da ação penal. Alega a ausência de caracterização do crime de quadrilha ou bando e dos demais crimes imputados aos corréus defendidos, argumentando que o Ministério Público Federal pleiteia a condenação dos acusados com base nos depoimentos colhidos em sede policial, contrariando os princípios do contraditório e da ampla defesa e em afronta à disposição do artigo 155, do Código de Processo Penal, trazendo aos memoriais trechos dos depoimentos de testemunhas colhidos em sede judicial que destoam daqueles colhidos em inquérito. No que tange ao crime de estelionato, assevera a defesa que as práticas necessárias para caracterização do crime não restaram demonstradas nos autos, sustentando que a União não experimentou prejuízo uma vez que “(...) o imóvel ficou consignado em hipoteca como garantia real da dívida assumida pela Associação.(...)”. Aduz que os denunciados não podem ser responsabilizados pelo mau uso dos recursos recebidos do PRONAF e aplicados 9 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL de forma errônea pelos associados que integravam a Associação na época da liberação do dinheiro, acrescentando que os acusados “(...)não fizeram uso de um só centavo.(...)”. Ademais, alega que “(...)os Associados não estavam mais interessados em fazer parte do quadro da Associação, razão pela qual resolveram alienar suas quotas.(...) e (...)o dinheiro entregue a alguns associados foi uma forma de indenização pelo tempo em que estiveram na fazenda.(...)”. Por fim a defesa requer, em caso de condenação, a consideração da primariedade e a aplicação da atenuante da confissão aos acusados, por ocasião da dosimetria da pena. Os denunciados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, defensores em causa própria, apresentaram as alegações finais em fls. 1.406/1.413. Reiteram o pedido de absolvição do crime tipificado no artigo 288, caput, do Código Penal, consoante requerido pelo Ministério Público Federal em sede de alegações finais. Asseveram que a investigação dos fatos teve origem na denúncia ofertada pelo então associado Marcos Antonio Sarti perante o Ministério do Desenvolvimento Agrário, de que a Fazenda Capelinha estaria sendo vendida sem a autorização dos órgãos controladores, porém, “(...) todo o procedimento adotado pelos acusados era de total conhecimento do ITESP, órgão controlador do sistema de desenvolvimento agrário.(...)”, enfatizando que o analista do órgão esteve no local e constatou que a propriedade não fora vendida, mas sim, foram substituídos associados que não residem na propriedade. Além do mais, aduzem que concluiu o analista do ITESP que “(...) há irregularidades na implantação do Projeto, mas que talvez possam ser solucionadas com a regularização e revitalização do mesmo e o retorno da assistência técnica.(...)”. De outro turno, registram que o denunciante Marcos Antonio Sarti, alegando precipitação e desespero, retratou-se, porém, “(...) se houve alguém que recebeu vantagem ilícita em todo esse imbróglio, foram Marcos Antonio Sarti e Humberto Carlos Camargo Nogues. Afinal, Marco Antonio assinou contrato de arrendamento para que Humberto Carlos plantasse floresta de eucalipto na área adquirida da 10 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL União.(...) e este, “(...)cortou TODA a floresta de eucalipto plantada no local e nada repassou à associação.(...)”. Aduzem que o trabalho dos advogados foram restritos aos registros de manifestações de vontade das partes contratantes, sem qualquer interesse em propiciar vantagem a outrem, de tal sorte que “(...)se houve a intenção dos envolvidos em beneficiar-se ilicitamente da situação, era de total desconhecimento dos advogados(...)” e acrescem que, se procedente a denuncia de prática do crime de estelionato, tal imputação deve ser feita em face dos vendedores e não dos compradores. Por último, requerem a absolvição dos acusados, renovando a assertiva de que inexiste prejuízo experimentado pela União ou por terceiros, tampouco a comprovação do dolo, além de que, os contratos e documentos foram elaborados segundo a vontade das partes. Após, os autos vieram-me conclusos. É o relatório. DECIDO. FUNDAMENTAÇÃO Esta sentença está sendo proferida por este magistrado, em razão da licença por tempo indeterminado conferida ao douto Juiz Titular da 2ª Vara, Dr. Sidmar Dias Martins, para atuar como Juiz Auxiliar do CNJ a partir de 26/04/2010; bem como em razão do afastamento da Juíza Federal Substituta Dra. Margarete Morales Simão Martinez Sacristan durante o período de 17/11/2010 até 08/02/2010. Saliente-se, em primeiro plano, que não existem nulidades absolutas a serem proclamadas, sendo certo que não há qualquer nulidade que enseje prejuízo à defesa dos acusados, transcorrendo o processo de acordo com o devido processo legal. 11 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Nesse sentido, destaque-se que a denúncia formulada descreveu a forma de participação de cada um dos envolvidos. Os fatos foram expostos na peça acusatória, bem assim as circunstâncias em que se deram, eis que robustos elementos objetivos de prova colhidos durante o inquérito policial demonstraram a materialidade do crime e autorizaram o órgão ministerial a deduzir a pretensão punitiva através do oferecimento da denúncia. Outrossim, em relação às testemunhas que não foram ouvidas durante a instrução processual, notadamente, as arroladas pelos acusados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, há que se considerar que ocorreu o fenômeno da preclusão, uma vez que eventual nulidade deveria ter sido arguida em sede de alegações finais, nos termos do inciso II do artigo 571 do Código de Processo Penal. Feitos os registros iniciais necessários, aduza-se que a inicial imputou aos acusados IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA, a prática dos delitos tipificados nos artigos 171, § 3º, e, 288, caput, combinados com os artigos 29, caput, e 69, e aos três primeiros, também o crime tipificado no artigo 158, caput, todos do Código Penal, por haverem se associado em quadrilha ou bando com a finalidade de fazendo uso de documento ideologicamente falso induzir a União em erro e obter vantagens para si e para outrem, consistente na posse da Fazenda Capelinha, adquirida com recursos públicos do extinto Banco da Terra, bem como das benfeitorias realizadas no imóvel também com dinheiro público oriundo do mesmo fundo e do PRONAF. 12 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Não havendo preliminares arguidas nos memoriais da defesa, passa-se ao exame do mérito. Em primeiro lugar, há que se consignar que, na apreciação desta ação penal, este juízo irá tecer considerações genéricas sobre cada um dos três crimes imputados na denúncia, ou seja, estelionato (artigo 171 § 3º), extorsão (artigo 158) e quadrilha (artigo 288), para depois analisar a prova constante nos autos em relação a cada um desses delitos e, ao final, individualizar a conduta de cada um dos imputados. Inicia-se a apreciação pelo crime de estelionato qualificado ou majorado, previsto no artigo 171, § 3º do Código Penal. Em primeiro lugar, há que se considerar que estamos diante de imputações relacionadas com um imóvel rural que faz parte de um contrato específico que está inserido dentro de uma política pública, cujos objetivos estão plasmados na Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188. Com efeito, neste caso específico, a denominada “Fazenda Capelinha” foi adquirida pela Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, em 10/01/2002, sendo que referida Associação não disponibilizou nenhum recurso na aquisição do imóvel, já que o valor do imóvel e da infraestrutura básica necessária para que a Fazenda pudesse se tornar produtiva (construção de 29 casas de moradia, saneamento básico, abastecimento de água, instalação de rede elétrica , etc..) foi integralmente objeto de um financiamento do governo federal com auxílio do Banco do Brasil S/A na qualidade de mandatário do Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra. 13 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Ou seja, neste caso houve a disponibilização integral da quantia de R$ 869.185,80 (oitocentos e sessenta e nove mil, cento e oitenta e cinco reais e oitenta centavos) para aquisição da Fazenda e realização da infraestrutura em benefício da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, no âmbito de um programa de governo – política pública – cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. O instrumento normativo que rege as relações jurídicas relacionadas com a aquisição, financiamento e utilização da “Fazenda Capelinha” é a Lei Complementar nº 93 de 4 de Fevereiro de 1998, através da qual foi criado o Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra, cuja finalidade é financiar programas de reordenação fundiária e de assentamento rural (artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98). A receita do aludido Fundo é composta essencialmente de recursos públicos (artigo 2º), sendo que ela deverá ser usada na compra de terras e na implantação de infraestrutura em assentamento rural promovido pelo Governo Federal, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 93/98, exatamente como foi feito no caso em apreciação em relação ao imóvel denominado “Fazenda Capelinha”. Note-se que referidos recursos podem ser disponibilizados para aquisição de terras e implantação de infraestrutura para entidades representativas de produtores e trabalhadores rurais, dentre elas associações ou cooperativas, com personalidade jurídica própria, nos exatos termos do que determina o artigo 10º da Lei Complementar nº 93/98. No caso dos autos houve a constituição da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí (fls. 115/121) em 08 de Dezembro de 2000. 14 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Nos termos do referido artigo 10º, tais associações podem preitear financiamento do Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra para implantar projetos destinados aos beneficiários previstos no parágrafo único do artigo 1º, ou seja, trabalhadores rurais não-proprietários com cinco anos de experiência na atividade agropecuária e pequenos agricultores proprietários cuja área não alcance a dimensão de propriedade familiar e seja insuficiente para gerar renda capaz de propiciar o próprio sustento do agricultor e de sua família. Portanto, fica evidenciado que os recursos públicos investidos pelo Governo Federal na compra e introdução de infraestrutura em relação à “Fazenda Capelinha” fazem parte de uma política pública de assentamento de pequenos produtores rurais nominalmente identificados, que, em hipótese alguma, poderiam alienar ou ceder a posse das terras (artigo 11 da Lei Complementar nº 93/98). A escritura pública acostada em fls. 131/138 nomeia as vinte e nove famílias que foram contempladas com o programa federal, sendo que na cláusula décima terceira, alínea “c”, da referida escritura pública consta expressamente que os associados diretamente beneficiados pelo crédito concedido não poderiam gravar, vender, alienar, ceder ou transferir a terceiros o bem imóvel gravado sem autorização escrita da unidade técnica regional, com anuência prévia do Banco da Terra. Em sendo assim, a primeira e óbvia conclusão a que se chega é a de que o imóvel objeto desta ação penal está sujeito a uma exploração restrita e específica, sendo que qualquer modalidade de exploração que contrarie a Lei Complementar nº 93/98 é ilícita, mormente porque contraria política pública cujos valores estão expressos na Constituição Federal, dentre eles a questão da função social da propriedade. 15 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em termos penais, a denúncia imputou às pessoas identificadas o crime de estelionato, ou seja, (1) a obtenção de vantagem ilícita (para si ou para outrem), (2) em prejuízo alheio, (3) induzindo ou mantendo em erro alguém, (4) mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento. A obtenção de vantagem ilícita imputada na denúncia diz respeito ao fato de que o réu IRANILDES LOPES DA SILVA obteve a posse de uma fazenda, no lugar de beneficiários do programa do governo federal, sem autorização escrita da unidade técnica regional e tampouco com anuência prévia do Banco da Terra, nos termos do constante na cláusula décima terceira, alínea “c”, da escritura de compra e venda da “Fazenda Capelinha”; e, pior, sem sequer possuir os requisitos mínimos necessários para ser beneficiário do programa governamental. Consoante asseverado alhures, qualquer vantagem obtida em detrimento das normas contidas na Lei Complementar nº 93/98 é considerada ilícita, posto que obtida ao arrepio do referido diploma normativo. A questão do prejuízo alheio, diz respeito, obviamente, ao prejuízo suportado pela União, mais especificamente, em relação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, que deve prestar contas à sociedade no que se refere à correta implementação da política de reforma agrária e do ordenamento fundiário nacional, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável. Nesse ponto, há que se destacar que o prejuízo patrimonial objeto do delito de estelionato não diz respeito tão-somente ao prejuízo pecuniário, ou seja, desvio e malversação de recursos, mas também na perda de algo economicamente apreciável. 16 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL No caso em questão, o fato do bem imóvel denominado “Fazenda Capelinha” ter sido usado por alguém que não atendia as diretrizes do programa de assentamento rural objeto da Lei Complementar nº 93/98 caracteriza uma perda de algo economicamente apreciável, até porque os recursos públicos investidos na Fazenda objeto do programa social poderiam estar sendo utilizados por outras famílias necessitadas da região. Quando se afirma que a “Fazenda Capelinha” poderia estar sendo usada por outras famílias de agricultores, está a se asseverar que essas famílias (obviamente, as cadastradas pelo governo federal) estariam usufruindo uma política pública, através de recursos federais investidos na área, e também poderiam estar produzindo visando aplacar a dívida referente ao financiamento dos primitivos agricultores, haja vista que com o desvio da posse da área, a dívida remanesce sem qualquer pagamento. O prejuízo ou dano economicamente apreciável “pode concretizar-se com a falta de aquisição de uma utilidade, ou com a falta do aumento do patrimônio da vítima, não obstante vários autores falarem sempre em diminuição patrimonial. E isso pensamos, por via de simples exemplo. Suponhamos o caso de pessoas que, usando de artifícios, ardis ou meios fraudulentos, entrem em cinemas, teatros, ou praças de jogos desportivos não pagando entrada. Há vantagem ilícita para os agentes, há fraude e há dano patrimonial para as empresas. Esse dano não se constituiu na diminuição patrimonial (o produto de entradas vendidas continua intato no caixa), mas houve impedimento de aquisição de utilidade, de aumento de patrimônio, pela contraprestação a que espectadores eram obrigados. Há lesão patrimonial, que se funda num direito certo e existente das vítimas”, consoante ensinamento de E. Magalhães Noronha, em sua obra “Direito Penal”, atualizada por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, 2º Volume, editora saraiva, 28ª edição (ano 1996), página 382, que se aplica ao caso em apreciação. 17 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em sendo assim, não procede a alegação da defesa de IRANILDES LOPES DA SILVA e outros no sentido de que em nenhum momento a União foi prejudicada, pois a dívida está garantida pela existência da hipoteca. Neste caso houve prejuízo patrimonial pela ausência de aquisição de utilidade patrimonial em relação à fazenda, haja vista que a União ficou privada de assentar pessoas beneficiárias de programa de assentamento rural (obviamente gastou recursos públicos para assentar terceiros em outros locais), enquanto terceiros exploraram a terra sem nada pagar e sem serem os beneficiários do programa. A obtenção de vantagem indevida mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento imputada pela denúncia diz respeito à questão de alteração dos associados e, principalmente, da composição dos cargos diretivos da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, que passou a ser ocupada por pessoas de confiança de IRANILDES LOPES DA SILVA, de modo que este passou a ocupar a fazenda e utilizá-la em proveito próprio, como sendo, na realidade, uma espécie de comprador do imóvel, se apossando do imóvel pago com recursos da União e se apropriando das benfeitorias realizadas com o dinheiro público. A manutenção da União em erro é evidente, uma vez que o Ministério do Desenvolvimento Agrário e tampouco o ITESP foram comunicados oficialmente sobre a alteração dos associados primitivos e sobre a posse de terras pela família de IRANILDES LOPES DA SILVA, questão esta que só restou equacionada em razão da investigação da polícia federal. A carta subscrita pelo técnico do ITESP Antonio Carlos de Seta acostada em fls. 53 dos autos indica que os associados comunicaram ao subscritor a efetivação de substituição dos associados que não residiam na propriedade e não que um terceiro – IRANILDES LOPES DA SILVA – passasse a ter quase que exclusivamente o domínio da Fazenda sem ter as condições para ser um assentado. 18 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em sendo assim, passa-se a analisar as provas constantes dos autos relacionadas com o cometimento do delito de estelionato de forma geral, para, em seguida, individualizar a participação de cada um dos denunciados no delito previsto no artigo 171, § 3º do Código Penal. Das provas colhidas nos autos denota-se, de forma clara e evidente, que os denunciados agiram com ardil a fim de concretizar o objetivo final, qual seja, a posse da Fazenda Capelinha pelo réu IRANILDES LOPES DA SILVA. Com efeito, em primeiro lugar, há que se ressaltar que existem nos autos inúmeras provas documentais que já demonstram a existência do delito de estelionato. Em fls. 11 dos autos consta um “fax” passado por Marcos Antonio Sarti no dia 11 de Janeiro de 2007 ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, através do qual ele denuncia, na qualidade de um dos assentados, a possível venda da Fazenda Capelinha. Em fls. 13 constou um novo “fax” enviando por Marcos Antonio Sarti e outros (Vicente Vidal de Souza, Dercílio de Melo, Adir de Lima e João Franco de Arruda), desta feita remetido no dia 27 de Março de 2007, melhor esclarecendo a situação, ou seja, aduzindo que a referida “venda” seria de fachada, uma vez que existiria um comprador único que teria arquitetado um plano. Foi a partir de tais denúncias feitas por escrito que se descortinou todo o conjunto probatório que acarretou a prisão de várias pessoas com a colheita de provas que comprovam a prática do estelionato. Nesse ponto, impende destacar que em fls. 54/56 foi acostada uma possível retratação assinada por Marcos Antonio Sarti, datada de 10 de Julho de 2007, em que ele e Adir de Lima – cujo depoimento mendaz em sede policial levou a instauração de inquérito policial por falso testemunho, conforme consta no 19 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL relatório de fls. 871 e 883 – pedem “desculpas” pelo erro cometido, já que haveria apenas uma substituição de sócios que não tinham condições de morar no local por outros. Referida “retratação” chama a atenção pelo linguajar utilizado, muito diferente dos dois outros documentos em que existem erros de português (como, por exemplo, a palavra “faixada”) e a linguajem utilizada é coloquial, consentânea com a veracidade de informações repassadas por um agricultor. Conforme será explanado alhures, o conjunto probatório demonstrou que as denúncias feitas por Marcos Antonio Sarti em fls. 11 e 13 eram verdadeiras, sendo que a “retratação” de fls. 54/56 foi redigida com a colaboração de advogados, com o intuito de despistar manobras ardilosas que fizeram com que a posse da Fazenda Capelinha ficasse com IRANILDES LOPES DA SILVA. Outrossim, conforme será abaixo pormenorizado, Marcos Antonio Sarti passou a ocupar um novo cargo na Associação, laborando em favor de IRANILDES LOPES DA SILVA, fato este que explica a referida “retratação”. Aliás, neste ponto, impende destacar a personalidade criminosa de Marcos Antonio Sarti e de outros assentados que foram ouvidos em juízo, uma vez que, como não foram denunciados nesta demanda, tiveram a ousadia e o desplante de, em Janeiro de 2010, firmar um contrato de parceria com terceiro em relação às terras objeto da Fazenda Capelinha, continuando a obterem ganhos de terras financiadas com recursos públicos, conforme documento acostado em fls. 1.289/1.292 destes autos. Referido fato será objeto de inquérito policial a ser instaurado por requisição deste juízo, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código de Processo Penal. Prosseguindo na análise dos documentos que desencadearam a descoberta da fraude, destaque-se o ofício de fls. 62/68, através do qual o Ministério do Desenvolvimento Agrário noticiou, em 17 de Setembro de 2007, 20 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL a existência dos fatos delituosos. Com efeito, referido ofício restou acompanhado de documentos que comprovam que a posse da Fazenda Capelinha passara para as mãos do acusado IRANILDES LOPES DA SILVA. Com efeito, em fls. 71/74 dos autos foi juntada uma Ata de Assembléia Geral da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí realizada em 23 de Março de 2007 através da qual restaram noticiadas a exclusão e a substituição de sócios. A presidência da entidade passou a ser ocupada por ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, isto é, a filha de IRANILDES LOPES DA SILVA; o vice-presidente eleito foi FERNANDO ROSA DOS SANTOS, casado com a presidente e, portanto, genro de IRANILDES LOPES DA SILVA. A Secretária nomeada foi Cleonice Gonçalves dos Santos que, em fls. 486/488, alegou assinou uns papéis e foi orientada por IRANILDES LOPES DA SILVA a dizer que produziria na terra, muito embora não tivesse a intenção de fazê-lo. A tesoureira nomeada foi LIDIANE LOPES DA SILVA, também filha de IRANILDES LOPES DA SILVA, que, na época, tinha pouco mais de dezoito anos. Como conselheiros fiscais foram nomeados Valdeci Lopes da Silva, Claudemir Gonçalves dos Santos e Dulce Gonçalves dos Santos que, conforme será explanado com mais acuidade abaixo são, na realidade, “laranjas” que não iriam ter quaisquer atividades na Fazenda. No referido ofício de fls. 62/68 já constava a menção à existência de uma mudança no estatuto social da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, justamente para incluir a alínea “h” no artigo 18 para possibilitar a contratação e outorga pública para terceiros a fim de auxiliar a diretoria na gestão e administração da associação (fls. 73). Não por coincidência, em fls. 75 e verso dos autos constava uma procuração pública (lavrada em 12 de Abril de 2007) através da qual ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS outorgava amplos poderes de gerência para seu pai IRANILDES LOPES DA SILVA em relação à Fazenda Capelinha. 21 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em fls. 85/88 consta um importante documento, ou seja, uma Ata de reunião entre alguns integrantes da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí e um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Sr. Deivisson Silva do Nascimento. Referida ata foi lavrada em 20 de Agosto de 2007, sendo que nela já constava que o antigo presidente da Associação JOAQUIM DIAS DA SILVA conversou com vários associados que assinaram documentos em Buri, na presença de advogados, com o fim saírem da associação e “limparem” seus nomes. Na aludida ata o representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário informa aos presentes que IRANILDES LOPES DA SILVA e seus familiares não poderiam substituir aos antigos assentados, pois não são agricultores familiares, sendo que os documentos assinados não teriam validade jurídica. É interessante notar que na aludida reunião não estavam presentes os réus nesta demanda. Isto é, fica evidenciado que os réus não procuraram em nenhum momento representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário para resolver a questão da substituição dos agricultores. Ou seja, ao ver deste juízo, a elaboração do documento de fls. 85/88 é prova cabal que a versão uniforme de todos os réus ouvidos em juízo não condiz com a verdade, usando todos os réus o seu direito constitucional de não dizer a verdade perante o juízo. Com efeito, os réus sustentam a versão de que nada de ilegal estaria sendo feito, posto que haveria uma mera substituição de antigos assentados por novos, visando levantar o empreendimento que estava abandonado. Aduzem que tal substituição estaria sendo comunicada as autoridades competentes, não estando eles de má-fé. Ocorre que referido documento comprova que os réus em nenhum momento entraram em contato com representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Aliás, diga-se de passagem, a boa intenção dos réus em comunicar as autoridades competentes acerca das “substituições” não é crível, uma vez 22 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL que a Ata da Assembléia que modificou a composição da Associação foi assinada em 23 de Março de 2007 e, até a prisão dos envolvidos, ou seja, 10 de Junho de 2008, tal comunicação não havia chegado, mediando longo espaço de tempo (mais de um ano) sem que qualquer comunicação oficial fosse realizada, e permanecendo a Fazenda Capelinha até tal data (prisão dos envolvidos) na posse de IRANILDES LOPES DA SILVA e seus familiares e empregados. Nesse ponto a fragilidade dos depoimentos de todos os acusados é de evidência solar, uma vez que a instrução probatória demonstrou que IRANILDES LOPES DA SILVA não poderia ser assentado e fazer parte da associação, uma vez que era empresário do ramo de madeiras e não satisfazia os requisitos constantes no parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Tampouco seus familiares satisfaziam tais requisitos, já que não tinham cinco anos de experiência em atividade agropecuária (exigência feita pelo inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98). FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS afirmaram em seus interrogatórios que não tinham experiência na área. LIDIANE LOPES DA SILVA tinha 18 anos quando entrou na associação e, portanto, não tinha experiência nessa área. Em sendo assim, por óbvio, nunca fariam qualquer comunicação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ou seja, já existia encartada nos autos uma farta documentação demonstrando a fraude que, por si só, são elementos probatórios seguros. Fraude esta que restou comprovada e ratificada por outros elementos colhidos no transcorrer das investigações, destacando-se os testemunhos colhidos em sede judicial e policial e também relacionados à busca e apreensão (prova documental), conforme será pormenorizado a seguir. 23 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em primeiro lugar, ressalte-se o relatório elaborado por agentes da polícia federal e acostado em fls. 208/220. Os agentes foram ao local em março de 2008 e, obviamente, de forma velada, colheram elementos que comprovaram que IRANILDES LOPES DA SILVA assumiu a posse da Fazenda Capelinha, tendo comprado cotas de várias pessoas que tinham interesse em sair da área ou que já haviam saído da Fazenda. Em razão de o aludido relatório ser mais um elemento de prova do estelionato, desencadeou-se o pedido de prisão temporária de envolvidos e os mandados de busca e apreensão, que foram deferidos pela decisão de fls. 345/350. Os depoimentos prestados em sede policial, em sede judicial e os documentos encontrados na casa do réu IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e na Fazenda Capelinha, acabaram por confirmar a prática do delito de estelionato em face da União, uma vez que IRANILDES LOPES DA SILVA se apoderou da Fazenda e de todas as benfeitorias realizadas com recursos públicos, sem razão jurídica. Até porque, conforme já asseverado alhures, o escopo da compra da Fazenda Capelinha com recursos públicos era assentar várias famílias que trabalhariam coletivamente, e não propiciar que um indivíduo que não é pequeno agricultor compre quotas de assentados e passe a usufruir a Fazenda juntamente com seus familiares e/ou amigos/empregados. Neste ponto, há que se fazer uma digressão sobre alguns dos depoimentos prestados em juízo e em sede policial que reforçam o conjunto probatório documental acima narrado. Com efeito, Valdeci dos Santos, testemunha arrolada pelo Ministério Público Federal, confirmou em juízo (depoimento em fls. 1.127/1.128) as declarações prestadas em sede policial de que IRANILDES LOPES DA SILVA é 24 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL pessoa amiga de sua família e procurou pela testemunha alegando precisar da assinatura de 15 ou 20 pessoas, a fim de cumprir exigência do governo, para entrar como sócio em uma fazenda do INCRA “(...) pois o proprietário estava perdendo a terra(...)”. Assim, IRANILDES LOPES DA SILVA providenciou cópia dos documentos da testemunha e de sua esposa e as suas assinaturas em documentos que seriam encaminhados ao “governo”. Afirmou que esteve na Fazenda Capelinha, acompanhado de sua esposa, uma única vez, conduzido por Iranildes, com o objetivo de participar de uma reunião que não aconteceu, sendo que IRANILDES LOPES DA SILVA levou outras quatro pessoas, parentes próximos da testemunha, e, no local estavam presentes também as filhas e dois genros de Iranildes. Por fim, ressalta que nenhum valor lhe foi oferecido em troca da assinatura dos documentos, o que fez somente para ajudar Iranildes. Reafirmou em juízo que “(...) Nunca soube que participava de alguma associação ou que era membro de alguma assembléia.(...)”. Até porque Valdeci dos Santos é aposentado por invalidez e não poderia trabalhar na terra (vide fls. 507), tendo questionado IRANILDES LOPES DA SILVA sobre esse fato e o acusado afirmou que não haveria qualquer problema. Ou seja, restou provado que seu cargo de 1º Conselheiro Fiscal da Associação (fls. 72) é uma farsa. No depoimento judicial em fls. 1.167/1.168, Dulce Gonçalves dos Santos, testemunha arrolada pela acusação, declarou que assinou todos os documentos que foram levados à sua casa pelo Iranildes e “(...)Nunca fui no escritório para assinar nenhum documento referente à esta fazenda.(...)”, corroborando com as declarações prestadas em sede policial de que “(...)não sabia que faz parte da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivai/SP; QUE não sabia que constava como 3º Conselheira Fiscal da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivai;(...)”. Esclareceu, na ocasião, que foi levada à Fazenda em duas oportunidades para participar de uma reunião que não aconteceu e “(...)QUE 25 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL IRANILDES orientou a DECLARANTE, juntamente com seus familiares a dizerem, caso fossem perguntados, que pretendiam “trabalhar na terra”(...)”. Finalizou acrescentando “(...)QUE não se recorda de ter participado de qualquer Assembléia em toda a sua vida(...)”. Portanto, a sua colocação como 3ª Conselheira Fiscal da Associação também é um expediente fraudulento que ajudou IRANILDES LOPES DA SILVA a manter o poder sobre a Fazenda. Outrossim, Claudemir Gonçalves dos Santos ouvido em juízo em fls. 1.168, afirmou que “cheguei a assinar uma documentação que me foi entregue pelo Sr. Iranildes, quando estava em minha casa. Assinei porque eu desejei e não fui forçado a assinar nada. Não conheço a Fazenda, não cheguei a participar em nenhuma das reuniões que aconteceu lá”. Portanto, fica evidente que sua nomeação como 2º Conselheiro também representa uma fraude, já que não conhece a Fazenda e nunca esteve no local, apenas assinando papéis solicitados pelo réu IRANILDES LOPES DA SILVA. Portanto, não há dúvidas de que a nova composição diretiva da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí reflete o poder de mando de IRANILDES LOPES DA SILVA, gerando um engodo em relação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, eis que formada integralmente por seus familiares e “laranjas”. Por outro lado, foram colhidos diversos depoimentos relacionados com assentados primitivos da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, através dos quais restou positivada a participação de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA e dos advogados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS em relação à 26 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL assinatura dos documentos através dos quais os antigos assentados saíam da Associação e transferiam suas quotas a IRANILDES LOPES DA SILVA. A testemunha da acusação Benedito Manoel das Neves, ouvida em juízo em fls. 1.207/1.208, afirmou que integra a associação desde o início, tendo residido no local em 2002, por cerca de um ano e depois, por mais três meses em 2009, e, em determinada ocasião fora a um escritório, acompanhado de outros assentados e lá, “(...) o presidente da associação, Sr. Joaquim, disse que a área onde estávamos assentados não poderia ser vendida. Todavia, sugeriu que nós a transferíssemos para a família do Sr. Iranildes Lopes. Pela transferência, iríamos receber a quantia de R$ 1.500,00.(...), isto porque “(...)a associação estava em dificuldades financeiras e os associados não tinham como pagar a dívida.(...)”, então, “(...)o certo era passar a associação para o Sr. Iranildo porque ele tinha condições de continuar os trabalhos(...)”, restando à testemunha e demais associados fazer uma nova associação. Tais asserções da testemunha complementaram aquelas produzidas em sede de inquérito, ocasião em que afirmou que Joaquim, então presidente da associação, o havia informado de que “(...)pessoa conhecida por LOPES estava interessada em assumir a dívida da Associação junto ao Banco do Brasil, bem como em pagar a quantia de R$ 3.000,00 a cada família dos associados para desistirem da posse da Fazenda Capelinha(...)QUE alguns dias após essa conversa, JOAQUIM BRITO providenciou um ônibus para transportar o depoente, sua esposa MARIA APARECIDA MONTEIRO DAS NEVES, e as demais famílias dos associados que aceitaram a proposta(...)”. Acrescentou em depoimento policial que estiveram também presentes no escritório dos advogados JOAQUIM DIAS DA SILVA, Lopes, Ademir e Toninho “Pit Bull”, salientando que estranhou a presença de Ademir, seu amigo, já que não tinha qualquer ligação com a associação. Sustentou também que chegando ao escritório, disse à Joaquim que a associação não poderia ser vendida por pertencer ao governo e que não assinaria qualquer documento, momento em que Joaquim alertara à testemunha de que assinava a venda naquele dia ou 27 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL nunca mais poderia fazê-lo. Assim sendo, tendo em vista que a maioria dos integrantes da associação havia aceitado a proposta, “(...) o depoente acabou concordando com a venda da Associação(...)”. Ageu Aparecido Proença Ribeiro, técnico em agropecuária, funcionário da Prefeitura Municipal de Taquarivaí e testemunha comum das partes, no depoimento judicial em fls. 1.202/1.204 esclareceu que trabalhou na empresa APSA, a qual elaborava projetos de produção para os assentados da Fazenda Capelinha, e lá esteve pela última vez em setembro de 2005, pois a empresa APSA rompera o contrato com a associação na época, razão pela qual tem conhecimento dos fatos tão-somente por meio de terceiros, pelos noticiários de TV e também pelos próprios assentados que, não raro, comparecem à Secretaria da Agricultura. Declarou ter conhecido Iranildes em 2004 e sabe que era empresário do ramo de plantação de eucaliptos. Com relação a Ademir de Barros, disse tratarse de agropecuarista, e Joaquim Dias da Silva, produtor rural, que trabalhava como meeiro na plantação de tomates, sendo ele beneficiado com o assentamento e o primeiro presidente da associação, tendo formalizado a sua desistência do assentamento. Ressaltou que participou da constituição da associação e não havia previsão de exclusão ou substituição de associado na ata elaborada, mas sim no próprio estatuto. Por outro lado, acrescentou que não participou da ata que culminou com a substituição de associados e, finalmente, asseverou que “(...)Para que haja substituição de assentado, faz-se necessária ata específica nesse sentido, comprovação de que o assentado trabalha na lavoura há cinco anos e aprovação do ITESP, sem prejuízo dos documentos pessoais(...).” Em fls. 1.209/1.210, Dercílio de Melo depôs em juízo como testemunha arrolada pelo Ministério Público, unissonante às declarações prestadas na polícia, esclarecendo que nunca esteve num escritório de advocacia em Buri/SP. Embora tenha sido convidado a comparecer, não quis, assim como não 28 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL aceitou a proposta do Sr. Joaquim para que fosse a Buri para vender a sua área, e acresceu: “(...) Eu não quis ir. O próprio Iranildes me disse que queria comprar a minha área. Ofereceu a quantia de R$ 3.000,00 para tanto. Era o mesmo valor que oferecia para os outros assentados. Certa feita, eu e o Vicente fomos conversar com o Sr. Iranildes, porque algumas pessoas haviam vendido a roça para ele. O Iranildes achava que tinha direito sobre a roça, a terra. Chegamos a conversar com Iranildes. Logo, ele pegou uma foice e começou a passar perto do meu pé. O Sr. Iranildes, então, disse: “você vai me deixar bravo se cobrar pela roça”. Ele não me obrigou a vender a terra onde eu estava assentado. Porém, fez proposta de comprá-la. Ele queria pagar R$ 3.000,00...)”. Em sede policial sustentou que “(...) a idéia de vender a associação partiu da sua diretoria representada pelo JOAQUIM, MARCOS SARTI os quais tentaram convencer todos os assentados da fazenda Capelinha a se retirarem; (...) chegaram a convencer algumas famílias do assentamento a empreenderem viagem, em ônibus fretado pela própria diretora da associação, a irem a um determinado escritório de advocacia na cidade de Buri/SP aonde os documentos seriam assinados a fim de que fossem viabilizados os desligamentos de tais pessoas daquele assentamento mediante uma determinada remuneração que todos haveriam de receber, caso concordassem com a idéia de se retirarem pacificamente; QUE o depoente, a sua esposa e outros assentados recusaram-se a assinar qualquer documento bem como a se retirarem de seus respectivos lotes, razão pela qual passaram a ser alvos de afrontamento por parte de tais pessoas e seus correligionários; (...)sobretudo após a reunião havida na cidade de Buri/SP, (...) o assentamento em que moram passou a ser alvo de constantes visitas das pessoas que ficou sabendo tratar-se de: SR. LOPES e seus capangas TONINHO PITBULL e ADEMIR, (...) QUE tais pessoas de forma reiterada passaram a assombrar, ameaçando os demais assentados que se recusavam a abandonar suas terras, cortavam as cercas que separavam os respectivos lotes e se apropriavam da produção agrícola e leiteira que associação produzia, sendo certo que também se intitulavam como proprietários de toda a área (...)”. Em relação aos recursos 29 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL oriundos do Banco da Terra e do PRONAF, asseverou que “(...) não chegaram a ser redistribuídos diretamente para os assentados sendo certo que a gestão e aplicação de tais recursos permaneceram com a diretoria da Associação dos Agricultores e Familiares de Taquarivai/SP, recursos esses que não chegaram a ter sua prestação de contas exibidos aos demais assentados(...)”. Artur Pinto Vieira foi arrolado como testemunha do Ministério Público Federal e da defesa, e, em juízo, depôs em fls. 1.211, afirmando que saiu da fazenda há três anos e não foi obrigado a deixar o assentamento nem recebeu alguma coisa para sair de lá ou foi ameaçado para deixar a área. Evidentemente, referido depoimento destoa de todo o conjunto probatório, colidindo com dezenas de depoimentos prestados no inquérito policial e também com seu próprio depoimento prestado em sede policial, pelo que será determinada a extração de cópias para apuração de crime de falso testemunho, nos termos do artigo 211 do Código de Processo Penal. De qualquer forma, em sede policial e em conformidade com dezenas de outros depoimentos, Artur afirmou em fls. 619/622 que “(...) após assinar os documentos apresentados pelo advogado de IRANILDES LOPES DA SILVA, o depoente recebeu a quantia de R$ 1.500,00 em dinheiro, entregue pelo próprio advogado; QUE o advogado o informou que iria efetuar outro pagamento de R$ 1.500,00 ao depoente, quando este assinasse outra documentação no município de Itapeva/SP, relativa às terras da Fazenda Capelinha(...)”. Declarou ainda a testemunha em sede policial que Joaquim, no ano passado, informou que havia vendido a conta bancária da associação e os assentados seriam levados para um escritório de advocacia na cidade de Buri/SP, onde assinariam a documentação, providenciando um ônibus para conduzir a todos àquela localidade. Iranildes chegou a ser apresentado por Joaquim à testemunha, como pessoa interessada em adquirir a conta bancária da associação. Sustentou que Joaquim não informou que as terras seriam vendidas, levando-o a crer que apenas a conta bancária da associação seria vendida, considerando assim que Joaquim foi o responsável pela venda da 30 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL associação. Artur revela que nos dias seguintes avistou Iranildes e Ademir, uma espécie de intermediário de negócios, inspecionando a propriedade. Alega que no escritório, em Buri, para onde foram conduzidos os assentados, encontravam-se dois advogados, Joaquim, Iranildes e Ademir, e naquele local, mesmo não entendendo o teor, assinou alguns documentos. Declarou que “(...) não tinha ciência de que estavam sendo vendidas as terras da Fazenda Capelinha, imaginando que se tratava apenas do negócio envolvendo a venda da conta bancária da associação(...)”. Por derradeiro a testemunha afirmou que “(...) deixou as terras da Fazenda Capelinha no ano passado, pelo fato de IRANILDES LOPES ter adquirido referida propriedade e ter informado ao depoente que iria levar “gente nova” para trabalhar na fazenda(...)”. Marcos Antonio Sarti, que desencadeou a investigação a partir da notícia encaminhada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário de que a Fazenda Capelinha estaria sendo vendida, depôs em juízo como testemunha comum arrolada pelas partes em fls. 1.205/1.206. Sustentou que nunca soube que foram intermediadas as transferências de assentamento, tampouco ouviu dizer de constrangimentos às pessoas para que desistissem do assentamento. Afirmou que participa da associação desde o início e há oito meses deixou o assentamento porque não havia pessoas interessadas em trabalhar ali. Na realidade, percebe-se que seu depoimento foi direcionado pela autoridade judicial em relação à outra questão relevante, ou seja, a assinatura ilegal de contrato para plantação de Eucaliptos com Humberto, mas que não está relacionada com os fatos imputados na denúncia. De qualquer forma, as declarações prestadas pela testemunha em sede policial (fls. 572/575) foram direcionadas no sentido de esclarecer os motivos que deram origem às duas primeiras correspondências que encaminhou ao Ministério do Desenvolvimento Agrário noticiando a venda da Fazenda Capelinha, bem como à terceira carta, encaminhada ao ITESP, com retratação da testemunha sob o argumento de que tudo havia sido um engano. Nesse sentido, afirmou Marcos Sarti 31 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL que as denúncias de pretensa venda da Fazenda Capelinha, oferecidas nas duas primeiras cartas enviadas ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, expressavam a verdade. Com relação à terceira correspondência de retratação, afirmou ter sido redigida após o conhecimento do conteúdo da ata de substituição, constatando, assim, ter havido um engano e precipitação de sua parte. A testemunha afirmou também que deu início à redação da terceira carta nos termos seguintes termos: “venho por intermédio desta informar a Vossa Senhoria que foi um engano a primeira carta que eu mandei, a ata mostrada para mim em substituição, que engano a minha denúncia”; após, a carta foi redigida por Flávio, que trabalha no escritório de advocacia dos denunciados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, com a participação destes, que conversavam com Flávio enquanto ele redigia. Salientou que foi levado ao escritório dos advogados, onde a retratação foi redigida, pelo Sr. Antonio, funcionário do Sr. Lopes, e, após, foi conduzido pelo mesmo funcionário à cidade de São Paulo, para que a retratação fosse entregue em mãos do Sr. Seta, no ITESP. Relatou a testemunha que Eliane e seu pai, Sr. Lopes, coordenavam a Fazenda Capelinha e que “(...) agindo sob o comando do Sr. LOPES cuidava do gado da fazenda (...)”, cerca de 100 cabeças, adquiridas antes da chegada do Sr. Lopes. Contudo, esclarece, plantava em seu lote, de aproximadamente 10 metros quadrados, de forma independente, recebendo ajuda do Sr. Lopes que lhe fornecia adubo para a plantação. Com relação ao denunciado Ademir Rodrigues de Barros a testemunha declarou tratar-se de pessoa que ajudou o Sr. Lopes a fazer a substituição dos associados. Ou seja, a leitura de seu depoimento prestado em sede policial (fls. 572/575) confirma que Marcos Antonio Sarti permaneceu na fazenda trabalhando para o réu IRANILDES LOPES DA SILVA como seu empregado fosse, recebendo auxílio econômico de IRANILDES LOPES DA SILVA na plantação de seu lote. Tal fato, ao ver deste juízo, explica o porquê da existência da carta de “retratação” constante em fls. 54/56, uma vez que foi aquinhoado por IRANILDES 32 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL LOPES DA SILVA com ajuda financeira passando a trabalhar em seu favor. Outrossim, seu depoimento comprova o envolvimento dos advogados no delito, conforme será pormenorizado abaixo, uma vez que se estes prestassem mera assessoria jurídica não se ajudariam um agricultor a redigir uma correspondência de tal jaez. Ademais, tal depoimento confirma que IRANILDES LOPES DA SILVA usufruiu economicamente da Fazenda Capelinha, que estava sob o comando de IRANILDES LOPES DA SILVA e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, pelo que restou configurado o delito de estelionato de forma consumada e não tentada. Por outro lado, no depoimento prestado em fls. 1.328, José Nilson da Cruz disse não conhecer dos fatos, revelando que faz parte da associação, mas nunca morou na Fazenda Capelinha. Evidentemente, existem fortes indícios que referida testemunha calou a verdade, também sendo necessária a instauração de inquérito policial por falso testemunho (artigo 211 do Código de Processo Penal). Em sede policial, a testemunha afirmou que JOAQUIM DIAS DA SILVA, então presidente da associação, lhe informou que havia uma pessoa interessada em assumir a dívida da associação e pagar R$ 3.000,00 para cada um dos integrantes a fim de que desocupassem a fazenda onde outras pessoas trabalhariam após a venda. Relatou a testemunha, que Joaquim providenciou um ônibus que transportou a sua família e outras da associação até um escritório de advocacia na cidade de Buri e lá chegando, estavam presentes no local Lopes, Ademir, Joaquim e dois advogados, ocasião em que teve o primeiro contato com Lopes e os advogados, os quais lhe forneceram alguns papéis para assinar, cujo teor desconhece. Declarou também na polícia que após assinar os papéis, recebeu de Lopes a quantia de R$ 750,00 em dinheiro e, um mês depois, recebeu de Ademir, na casa deste, mais R$ 750,00. Que procurou Joaquim para saber do restante do dinheiro 33 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL prometido, ou seja, R$ 1.500,00, e foi informado de que aguardava o retorno de uma documentação de Brasília para pagar o restante. Adir de Lima e Nadir Maria da Cruz, depuseram em juízo em fls. 1329/1330, alegando que nada sabem acerca dos fatos, que são associados e nunca foram ameaçados ou coagidos por nenhum dos réus, sequer lhes pediram para que saíssem da associação. Adir disse que mora na Fazenda Capelinha, enquanto Nadir não, mas ambos afirmaram que no local, hoje, moram também pessoas estranhas à associação. Em declarações prestadas na Polícia Federal, Adir de Lima alegou que “(...) soube de ouvir dizer que diversos outros assentados da fazenda capelinha teriam vendido suas respectivas cotas na Associação para uma pessoa de nome IRANILDES, mas conhecido na região como “SEU LOPES”, nessa mesma oportunidade tomou conhecimento que alguns familiares da referida pessoa (SEU LOPES) já integrava a diretoria da Associação; QUE o depoente passou então a conhecer a pessoa de IRANILDES haja vista que o mesmo passou a freqüentar a Fazenda Capelinha, talvez para visitar suas filhas e genros, que agora moravam na Fazenda Capelinha, na condição de assentados(...)”. Declarou também que Iranildes pode ser visto na companhia de Toninho Pitbull, funcionário dele, ou de Ademir nas dependências da fazenda. Ou seja, tal depoimento confirma a existência de Toninho Pitbull a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA dentro da Fazenda Capelinha e a presença constante de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS no local. Por fim, há que se ressaltar que durante o inquérito policial foram ouvidas trinta e seis pessoas que formaram inicialmente a Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí (fls. 577/648 e fls. 698/793). Seus depoimentos foram uniformes no sentido de que vários estiveram em um escritório de advocacia na cidade de Buri, quando assinaram documentos, visando se retirarem 34 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL da aludida associação. A leitura de tais depoimentos demonstra que foram arregimentadas ora por JOAQUIM DIAS DA SILVA ou por ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, e que os documentos foram assinados no escritório de ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, sendo que várias delas reconheceram os advogados através de fotos mostradas no computador. Outrossim, a grande maioria relatou que haveria um acordo para o recebimento da quantia de R$ 3.000,00, sendo que R$ 750,00 foram pagos por IRANILDES LOPES DA SILVA na data da assinatura dos documentos e a outra metade na casa de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS. Destarte, as provas orais produzidas e resumidamente acima relatadas vêm corroborar com aquelas angariadas no feito por ocasião da busca domiciliar efetivada pelo Departamento de Polícia Federal, devidamente autorizada por este juízo, bem assim, com as afirmações de Marcos Antonio Sarti e outros três associados que firmaram, em duas oportunidades, carta denúncia encaminhada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, dando conta de que a Fazenda Capelinha, adquirida com recursos públicos estaria sendo vendida para uma pessoa. De fato, consoante documentos carreados em fls. 26/220 do apenso I – volume 1 aos autos de inquérito, ou seja, cópias de contratos denominados “Contrato Particular de Venda e Compra de Quota Patrimonial de Associação e Outras Avenças”, IRANILDES LOPES DA SILVA é adquirente de quotas patrimoniais da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí pertencentes a vinte e duas famílias que compunham o quadro associativo da entidade, as quais receberam pela venda, individualmente, R$ 3.000,00 (três mil reais), transferindo ao adquirente o direito de propriedade, “(...) bem como todos os bens móveis, construções, implementos e insumos agrícolas, áreas de conservação permanente, florestas, plantações e benfeitorias nela existentes, além dos subsídios 35 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL governamentais que vierem a ser concedidos à associação e a seus associados e dos direitos previstos no Estatuto Social da entidade(...)”. Ora, o Contrato de Compra e Venda firmado, por si só, é revelador dos reais objetivos do acusado IRANILDES LOPES DA SILVA de se apoderar do imóvel e das benfeitorias adquiridas com recursos financeiros da União, em benefício próprio e de seus familiares, fazendo cair por terra todas as assertivas constantes do interrogatório do corréu de que agiu com bons propósitos de ajudar aos assentados descontentes, suas filhas e genro. Evidentemente, caso fosse um simples mandatário de seus familiares, não obteria contratos assinados por assentados transferindo a posse da Fazenda e de todas as benfeitorias em seu próprio nome. Note-se que IRANILDES LOPES DA SILVA recebeu a transferência da posse de vários lotes – prova documental –, caindo por terra suas alegações e as dos demais corréus de que havia mera substituição de assentados antigos por novos. Evidentemente se houvesse a mera “substituição” de assentados antigos por novos os contratos de cessão não seriam todos entabulados em favor de uma só pessoa, ou seja, de IRANILDES LOPES DA SILVA. Ou seja, IRANILDES LOPES DA SILVA, ao tomar conhecimento da disposição do corréu JOAQUIM DIAS DA SILVA de deixar a associação em face da insatisfação com o empreendimento e das dívidas acumuladas, vislumbrou uma oportunidade de obter vantagens, para si e para outrem, sobre os humildes associados, e assim, em conluio com JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, sabendo que as terras tinham sido adquiridas com recursos federais com o propósito de fomentar a agricultura familiar, arquitetou um plano para ludibriar a União e induzi-la a erro, a fim de se apossar da Fazenda 36 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Capelinha, juntamente com seus familiares, e usufruir as terras e benfeitorias já existentes em proveito próprio e de suas filhas e genro. Para tanto, apegou-se à previsão de substituição de associados constante do Estatuto da Associação para organizar suas ações fraudulentas tendo como meta a ilusão de todos, inclusive do Ministério do Desenvolvimento Agrário, de que agiria nos parâmetros da legalidade. Buscou, assim, em pessoas simples e de boa fé, a ajuda de que necessitava, que consistia na obtenção de famílias substitutas, nominalmente, daquelas que deixariam o assentamento. Conforme já asseverado alhures, as testemunhas Valdeci dos Santos e Dulce Gonçalves dos Santos foram enfáticas ao afirmar que não sabiam que participavam da associação e tão-somente assinaram os documentos que foram levados à sua casa por IRANILDES LOPES DA SILVA, amigo da família, a fim de ajudá-lo, já que ele precisava colher assinaturas como exigência do governo para que se tornasse sócio numa fazenda do INCRA. Ademais, acrescentou a testemunha Dulce que não só desconhecia que fizesse parte da associação como o fato de que seria a 3ª Conselheira Fiscal da entidade, portanto, membro da sua diretoria. Portanto, IRANILDES LOPES DA SILVA se aproveitou da boa fé de terceiros, seus conhecidos, em busca dos seus objetivos. Não fosse a iniciativa de Marcos Antonio Sarti – inicialmente descontente com a necessidade de cessão de seu lote – de encaminhar a carta denúncia ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, provavelmente até os dias atuais a família Lopes da Silva estaria na posse do bem e das benfeitorias, usufruindo e auferindo lucro na exploração da Fazenda Capelinha, desvirtuando a sua função social do investimento público. Aliás, este processo demonstra a total falta de estrutura do governo federal para fiscalizar os recursos por si investidos em 37 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL empreendimentos agrícolas de assentados, ausência de fiscalização que dá azo a uma verdadeira dilapidação dos recursos públicos, inclusive pelos próprios assentados que sequer tomam posse das áreas e acabam, de uma forma ou outra, de alienar os direitos obtidos para terceiros. Embora haja a “retratação” escrita de dois dos denunciantes, saliente-se que outros três que firmaram a segunda correspondência enviada ao MDA não se retrataram do que haviam noticiado. Importante novamente destacar que Marcos Antonio Sarti e Adir de Lima não só se retrataram do que haviam noticiado, como também se aliaram ao comprador das terras e à nova diretoria da associação, composta pelas filhas e genro de IRANILDES LOPES DA SILVA, e outras quatro pessoas dele conhecidas, que compuseram a diretoria apenas nominalmente. Marcos Antonio Sarti, antes mesmo do registro da ata da reunião em que fora eleita a nova diretoria, substituiu a “secretária eleita” Cleonice Gonçalves dos Santos, que, nominalmente, ocupava esse cargo. Adir de Lima, por sua vez, em sede administrativa e judicial, afirmou que nada sabia sobre a venda da fazenda e que não teria recebido proposta para vender seus direitos, contrariando o teor da carta denúncia encaminhada ao MDA, opondo-se à verdade consignada na primeira narrativa, como apurado nos presentes autos. Apesar de Marcos Antonio Sarti, posteriormente à carta denúncia ter se rendido aos interesses de IRANILDES LOPES DA SILVA e se tornado seu aliado, entre as evasivas respostas por ocasião de suas declarações na polícia, afirmou textualmente que a coordenação da fazenda estava a cargo de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e IRANILDES LOPES DA SILVA. 38 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Ressalte-se que das famílias associadas e assentadas na fase inicial da Fazenda Capelinha, a grande maioria não residia mais no assentamento ou nunca residiram ali. Destarte, nem todas foram localizadas por IRANILDES LOPES DA SILVA e seus aliados, a fim de receberem a proposta de venda da sua participação na associação pelo preço de R$ 3.000,00, não restando alternativa aos articuladores senão a exclusão compulsória das famílias associadas e não localizadas, já que, a pseudo substituição de associados era a forma de travestir a negociação de aparente legalidade. Assim sendo, foram excluídas as famílias dos associados Anivaldo Antonio de Maciel de Pontes, Rosa Maria Gomes e João Franco de Arruda Neto, consignando na ata deliberativa, a título de motivação para a exclusão, que as referidas famílias “não vinham contribuindo para o bom andamento das atividades da associação, sendo que a maioria deles já não reside na associação...”. Por relevante, relembre-se que aproximadamente 20 famílias não residiam ou nunca residiram no assentamento, embora fizessem parte do quadro da associação, portanto, não contribuíam para suas atividades, e nem por isso foram excluídas, ao contrário, assinaram termo de desistência e “venderam” para IRANILDES LOPES DA SILVA suas partes. Vê-se que o objetivo da exclusão era, na verdade, resguardar o novo “proprietário”, IRANILDES LOPES DA SILVA de aborrecimentos futuros advindos da reivindicação dos direitos dos associados que não foram localizados, já que com relação aos demais, pensava estar salvaguardado pelos termos de desistência firmados bem como pelo Contrato de Venda e Compra. Acrescente-se em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA, o depoimento de Maria Cristina Faria de Camargo Couto constante em fls. 791, pessoa contratada por Humberto Carlos de Camargo Nogues para tomar conta da plantação de eucaliptos ilegalmente plantada na Fazenda Capelinha. Chama a atenção em seu depoimento a forma como se expressou em relação à questão da ocupação da Fazenda ao asseverar que “em data que não se recorda, a depoente foi 39 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL procurada por Marcos “de Tal”, associado e ex-presidente da Associação, o qual solicitou a depoente que desocupasse a casa, por determinação do futuro proprietário da fazenda, Iranildes Lopes; que Iranildes Lopes era constantemente visto em terras da Fazenda Capelinha foto nº 03, o qual a depoente o reconhece”. Ou seja, demonstra o posterior conluio entre o denunciante inicial Marcos Antonio Sarti que, após fazer a retratação, passou a servir IRANILDES LOPES DA SILVA como empregado na Fazenda, incluindo a transmissão de recados de IRANILDES LOPES DA SILVA; que efetivamente IRANILDES LOPES DA SILVA se apossou do imóvel, já que era conhecido como o novo “dono” do imóvel; e que IRANILDES LOPES DA SILVA era visto com frequência no local, ao contrário do que procurou sustentar em seu interrogatório judicial. Em fls. 748 João Franco de Arruda Neto reforça a ligação de Marcos Antonio Sarti com IRANILDES LOPES DA SILVA, ao asseverar que foi ameaçado por Marcos para deixar a associação, com a soltura de gado em sua plantação de milho visando destruir sua lavoura de milho que cultivava na Fazenda Capelinha, tendo sido informado que o responsável pelo ato de vandalismo seria IRANILDES LOPES DA SILVA. Por fim, novamente, há que se destacar os documentos apreendidos na residência de IRANILDES LOPES DA SILVA – apenso I, volumes 1 a 3 – que se traduzem em prova documental do cometimento de delito. Destarte, destaquem-se os principais documentos: requerimentos de demissão e saída datados de 23/03/2007 de vários associados (fls. 04/25); contratos assinados no escritório de ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS (fls. 26/220) que traduzem a compra das 40 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL quotas unicamente por IRANILDES LOPES DA SILVA; contas de energia elétrica relativas a lotes da Fazenda Capelinha, alguma pagas (fls. 221/243); notas promissórias assinadas por IRANILDES LOPES DA SILVA relacionadas com a compra das “cotas” da Fazenda (fls. 244/266); declarações em branco dos indivíduos que seriam os “novos” assentados de IRANILDES LOPES DA SILVA atestando falsamente que teriam laborado como agricultores em regime de economia familiar (fls. 269/286); em fls. 320, 321, 337, 338, 351, 352, 358, 363 e 371 constam declarações falsas emitidas por suposto presidente de Sindicato Rural de Buri (Alexandre Kriechle) atestando que os réus ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, LIDIANE LOPES DA SILVA, e que Cleonice Gonçalves dos Santos, Valdeci dos Santos, Claudemir Gonçalves dos Santos, Edna Braz da Silva Santos, Dulce Gonçalves dos Santos e Ambrozina Gonçalves dos Santos foram trabalhadores rurais durante vários períodos, em confronto com os depoimentos prestados na investigação e com o fim de justificar que tais pessoas fizessem jus a serem assentados na Fazenda Capelinha, nos termos da Lei Complementar nº 93/98; em fls. 478/481 constam edital de convocação da Associação, datado de 05/03/2007, para participação da Assembléia Geral a ser realizada no dia 23 de Março de 2007, que não corresponde a verdade, já que não houve a preocupação de alteração da sequência de assinaturas, conforme ressaltado pela autoridade policial em fls. 880; chama a atenção em fls. 537 (volume 3 do apenso I) uma carta assinada por Marcos Antonio Sarti, sem data, endereçada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, contendo a mesma “retratação”, desta feita redigida em outros termos. Outrossim, em fls. 631 foi apreendida na casa de IRANILDES LOPES DA SILVA um talonário de cheques relativo ao Banco do Brasil relacionado à Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, demonstrando que IRANILDES LOPES DA SILVA controlava as despesas da Fazenda Capelinha. 41 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Portanto, a autoria e materialidade delitiva em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA são incontestáveis diante do farto conjunto probatório acima narrado. No que tange a JOAQUIM DIAS DA SILVA, na busca domiciliar realizada na sua residência nada do interesse da apuração dos fatos foi encontrado. Não obstante, sua participação para que o resultado favorável a IRANILDES LOPES DA SILVA, ou seja, para que ele tomasse posse da Fazenda Capelinha juntamente com seus familiares, é inquestionável. JOAQUIM DIAS DA SILVA foi o primeiro presidente da associação, tendo participado ativamente dos passos iniciais de obtenção dos recursos do Banco da Terra e do PRONAF e a aquisição do imóvel em que os associados se assentariam com duas famílias para produzir. Conhecia, portanto, desde sempre, as premissas contratuais e assim, ao receber a proposta de IRANILDES LOPES DA SILVA, vislumbrou vantagem pecuniária para si. Neste ponto, aduza-se que em fls. 787 consta depoimento de Vicente Vidal de Souza no sentido de que “o presidente JOAQUIM BRITO “pegou” o valor de R$ 5.000,00” por conta das negociações. Para não correr o risco de perder a “oportunidade”, JOAQUIM DIAS DA SILVA passou a trabalhar incansavelmente no sentido de convencer as famílias que compunham o quadro da associação a aderirem ao “plano”, não encontrando obstáculos na maioria das abordagens. Existem vários depoimentos comprovando que JOAQUIM DIAS DA SILVA tomou a iniciativa de arregimentar várias famílias, destacando-se os seguintes: fls. 601 (José Nilson da Cruz), fls. 615 (João Casemiro de Lima), fls. 619 (Artur Pinto Vieira), fls. 624 (Leonor de Oliveira Vieira) e fls. 632 (Maria Helena Gomes da Silva Machado). Porém, em relação as famílias de Marcos Antonio Sarti, Adir de Lima, Vicente Vidal 42 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL de Souza e Dercílio de Melo encontrou resistência, pois residiam no assentamento e não pretendiam deixar as terras, sobretudo porque tinham conhecimento de que as terras assentadas não poderiam ser objeto de venda. Note-se que somente as famílias de Marcos, Adir, Vicente e Dercílio não cederam suas partes e permaneceram assentados no imóvel, apesar das insistentes investidas de IRANILDES LOPES DA SILVA, JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, não obstante a posse da Fazenda em favor de Iranildes, suas filhas e genro, que passaram à coordenação de tudo. Novamente frise-se que Marcos passou a atuar efetivamente como funcionário de IRANILDES LOPES DA SILVA, participando, inclusive, como membro da nova diretoria, logo, conivente com toda a ação ardilosa, já que sabia que os novos associados que vieram substituir os anteriores constavam tão-somente das atas de registros e nunca foram assentados na Fazenda Capelinha, alguns sequer estiveram lá uma única vez. Destarte, comprovadas a materialidade e a autoria delitiva de JOAQUIM DIAS DA SILVA. Com relação a ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, infere-se das declarações prestadas nos autos em sede de interrogatório judicial que teria atuado apenas como intermediário entre JOAQUIM DIAS DA SILVA e IRANILDES LOPES DA SILVA, levando a informação do primeiro ao segundo, de que pretendia ser substituído na associação e, depois, prestando um favor a IRANILDES LOPES DA SILVA, no sentido de conseguir famílias interessadas em substituir aquelas que estavam deixando a Fazenda Capelinha. IRANILDES LOPES DA SILVA afirmou em seu depoimento judicial que ADEMIR RODRIGUES DE BARROS nada recebeu para 43 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL atuar como intermediário. Da mesma forma o acusado ADEMIR RODRIGUES DE BARROS em seu depoimento disse ter agido sem interesse. Todavia, na busca domiciliar realizada nas dependências da residência de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, foram encontradas cópias autenticas de documentos da Associação, como ata de reunião da diretoria anterior, relação nominal das vinte e nove famílias que inicialmente integraram o assentamento, membros da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí, além de contas de energia elétrica de vários lotes da fazenda Capelinha, nos termos do apenso nº II. Ora, não é crível que, numa operação articulada com tamanhos detalhes para o fim de iludir a União, alguém se esforçaria e com tanto empenho, sem auferir vantagem. Por que razão Ademir teria consigo os documentos localizados em sua residência? Certamente não seria a título de lembrança, para recordar-se para sempre de um gesto solidário a amigos que desejavam promover o bem. De qualquer forma, impende destacar depoimento da acusada LIDIANE LOPES DA SILVA prestado em fls. 563/565, nos seguintes termos: “que reconhece ADEMIR como sendo ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, conforme foto de fls. 293; que conheceu ADEMIR em uma oportunidade em que este lhe foi apresentado por seu pai (IRANILDES), que ato contínuo relatou a interrogada que tinha sido ADEMIR que havia apresentado o negócio que envolvia a Fazenda Capelinha (...); que a interroganda acredita que ADEMIR é culpado por sua família estar na atual situação, pois se recorda que ADEMIR mostrou um mapa da fazenda para o seu pai (IRANILDES) informando que lá já existiam 29 (vinte e nove) casas construídas e gado, tratando-se de um “negócio bom demais”, que no futuro certamente daria dinheiro”. 44 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Ou seja, fica claro que foi ADEMIR RODRIGUES DE BARROS que apresentou o “negócio” a IRANILDES LOPES DA SILVA, pelo que participou de toda a empreitada criminosa. LIDIANE LOPES DA SILVA confirmou em juízo que a assinatura no depoimento em sede policial é sua, aduzindo que estava nervosa por ocasião do depoimento prestado na DPF, mas confirmando o teor de seu depoimento, com exceção da parte em que disse que não sabia que as pessoas eram os antigos sócios. Ademais, vários assentados ouvidos em sede policial informaram que ADEMIR RODRIGUES DE BARROS participou ativamente da operação que envolveu a assinatura dos contratos de cessão das quotas em benefício de IRANILDES LOPES DA SILVA. Em fls. 584, Benjamin de Souza Santos aduziu que ADEMIR RODRIGUES DE BARROS foi a pessoa que lhe informou sobre a venda da Fazenda pelo Banco da Terra (sic) e que foi instruído por ADEMIR RODRIGUES DE BARROS a comparecer a um escritório de advocacia em Buri. Em fls. 596 Lindacir Andrade Santos também confirmou que recebeu um telefonema de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS para assinar papéis e receber dinheiro do Banco da Terra, indo até Buri e assinando os papéis em um escritório de advocacia. Em fls. 628 Obedes Rocha de Souza confirma que a pessoa que propôs o acordo da venda das quotas foi ADEMIR RODRIGUES DE BARROS (foto 2). Ou seja, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS não fez um mero favor para IRANILDES LOPES DA SILVA, mas participou ativamente das negociações, entrando em contato com vários antigos assentados. Por oportuno, corroborando o dolo do acusado e que não atuou sem qualquer interesse, destaque-se que em vários depoimentos de exassentados restou especificado que a segunda parcela de R$ 750,00 (setecentos e 45 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL cinquenta reais) do acordo da “cessão” foi paga na casa de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS. Nesse sentido, em fls. 732 consta o depoimento de Alessandra Aparecida de Oliveira Costa Vieira; em fls. 738 consta o depoimento de Davi Alcides Gomes; em fls. 735 o depoimento de Elias Batista Pinto; e em fls. 773 o depoimento de Maria Aparecida Monteiro das Neves. Portanto, a autoria e materialidade subjetiva em relação a ADEMIR RODRIGUES DE BARROS também são induvidosas. No que tange à atuação das filhas e genro de IRANILDES LOPES DA SILVA, ou seja, dos corréus ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA, tem-se a participação ativa para a concretização do objetivo. Na realidade, como pessoas da inteira confiança de IRANILDES LOPES DA SILVA, embora não fossem voltadas às atividades do campo, vendo que a idéia lançada pelo pai era viável e rentável, desde que agissem com as cautelas necessárias, passaram a encabeçar, juntamente com IRANILDES LOPES DA SILVA, as decisões e articulações que levariam a cabo o intento de se apossar da Fazenda Capelinha de forma fraudulenta. ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS SANTOS, respectivamente, filha e genro de IRANILDES LOPES DA SILVA, após tomarem posse da fazenda, como integrantes da nova diretoria, passaram a apoiar todas as operações sob o comando de Iranildes, passando a frequentar regularmente o assentamento e a ocupar um imóvel durante alguns dias da semana, já que não eram residentes nas terras. Do ensaiado discurso de Eliane, assim como de Fernando, quando depuseram em juízo, resta tão-só a certeza de que conscientemente almejavam as vantagens que proporcionaria o bem imóvel objeto da posse ilícita. 46 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Afirma ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS em seu interrogatório judicial, com a finalidade de demonstrar os bons propósitos e licitude da ação da família, que uma semana antes da Operação Capelinha deflagrada pela Polícia Federal, esteve no Banco do Brasil, buscando informações de como proceder para a regularização da inadimplência dos associados. Considerando que foi deflagrada a operação em 10/06/2008 e a posse dos novos integrantes do assentamento se deu imediatamente após a assinatura dos contratos de venda e compra, no escritório de advocacia, em 23/03/2007, observa-se que mais de um ano após terem se apossado ilicitamente do imóvel, segundo a versão da ré, o Banco do Brasil teria sido procurado pela presidente da associação, fato este que sequer se encontra comprovado nos autos. Ora, quem está disposto a resolver uma situação de pendência para regularização de um imóvel evidentemente não deixa decorrer tanto tempo para começar a agir. Portanto, a versão fornecida em juízo não é revestida de qualquer verossimilhança. Portanto, não há qualquer dúvida no que se refere à autoria delitiva em relação a FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS que passaram a frequentar a Fazenda Capelinha com o beneplácito de IRANILDES LOPES DA SILVA, usufruindo a estrutura da Fazenda, inclusive afirmando em seus interrogatórios que chegaram a plantar na terra. Com relação a LIDIANE LOPES DA SILVA, estudante, residindo há mais de 300 km da Fazenda Capelinha, tudo indica que sequer morou no local, tanto que foi presa em Itu. Não obstante, resta evidenciado que emprestou seu nome para fazer parte da nova diretoria da associação, com plena consciência de que seu pai explorava a Fazenda. Assim sendo tem participação no estelionato, até porque 47 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL aduziu em juízo que se dirigia nos finais de semana para a Fazenda, incluindo nas suas férias, ajudando seus familiares a plantar mandioca, quiabo e melancia. Por fim, há que se analisar a conduta imputada aos advogados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, uma vez que a denúncia imputa a participação no estelionato em razão do assessoramento no processo de compra e venda irregular da Fazenda visando dar uma aparente irregularidade no negócio espúrio. Em primeiro lugar, há que se ressaltar que, em relação aos profissionais de advocacia, há sempre uma linha tênue entre a atuação profissional instruindo os clientes sobre questões jurídicas e uma atuação criminosa, integrando os fatos delitivos praticados. Os inúmeros depoimentos constantes nos autos e acima relacionados, mormente em sede policial, não deixam qualquer dúvida sobre o fato objetivo de que vários assentados da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí estiveram no escrito dos réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS assinado vários documentos que representariam a substituição dos antigos assentados. A versão dos advogados acusados é a de que o estatuto social permitia a exclusão dos antigos assentados, pelo que somente colaboraram de forma profissional visando formalizar a exclusão. Não obstante, a versão dos acusados não se sustenta. Em primeiro lugar, aduza-se que ABÍLIO CÉSAR COMERON aduziu em seu interrogatório judicial (mídia anexada) que tinha 48 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL conhecimento acerca da Fazenda Capelinha e das condições jurídicas do imóvel, confirmando que chegou a ler o contrato de aquisição da Fazenda Capelinha e que sabia que o bem havido sido comprado com recursos da União. Asseverou que foi explicado que a idéia era simplesmente a troca dos associados, havendo a necessidade de submeter as trocas ao Banco de Brasil. Do mesmo modo, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS ouvido em juízo (mídia anexada) aduz que se tratava de uma transação lícita em que haveria a substituição dos associados, sendo que a ata seria submetida ao Ministério do Desenvolvimento Agrário/INCRA para aprovação, se tratando de serviço estritamente profissional. Não obstante, a mera leitura dos tais “contratos” relativos à substituição dos assentados revela que referidos depoimentos não podem prevalecer. Com efeito, em primeiro lugar chama a atenção que em todos os contratos apreendidos na residência de IRANILDES LOPES DA SILVA, os antigos assentados cedem as quotas patrimoniais para IRANILDES LOPES DA SILVA. Ora, a toda evidência, juridicamente, seria plenamente possível a substituição dos assentados antigos por outros novos, mas não a substituição da quase totalidade dos assentados por uma só pessoa, isto é, IRANILDES LOPES DA SILVA. Este juízo não acredita que os réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS não detenham conhecimentos jurídicos mínimos e rudimentares para saber que a substituição dos assentados não poderiam ocorrer em favor de uma só pessoa. Outrossim, também chama a atenção o fato de que nos aludidos contratos (vide fls. 26/28 – apenso I – a título de mero exemplo) em nenhum momento consta que a troca dos antigos assentados por outros teria que ser aprovada pelo Ministério do Desenvolvimento 49 Agrário ou qualquer outro órgão. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Evidentemente, caso os advogados estivessem de boa-fé, introduziriam uma cláusula nesse sentido, uma vez que teriam instruído seus clientes sobre tal necessidade, enfatizada nos interrogatórios prestados em juízo. Portanto, fica evidente a contradição entre os depoimentos judiciais e os termos dos contratos assinados que em nenhum momento aduzem sobre a questão da necessidade de que a substituição fosse comunicada aos órgãos oficiais. Portanto, ao ver deste juízo, somente a leitura dos contratos outorgados todos em favor de IRANILDES LOPES DA SILVA já demonstra conduta incompatível com a mera prestação de serviços de advocacia. Não obstante, existem outras provas que geram a necessidade da condenação. Em fls. 1.303 foi ouvida a testemunha Aldo Flávio Comeron que, à época dos fatos, trabalhava no escritório de advocacia junto com os acusados Abílio e Jorge. Relatou que IRANILDES LOPES DA SILVA, os familiares dele e outros associados contrataram os serviços do escritório de advocacia em que trabalhava para prestação de serviços de redação de atas e contratos, referentes a um imóvel, não conhecendo o teor das minutas de contrato, nem mesmo se eram minutas de contrato de compra e venda de imóveis, pois sua atuação limitava-se a auxiliar operacionalmente os demais advogados. Alegou desconhecimento de que o imóvel objeto do contrato fora adquirido com recursos financeiros da União e que houvesse vedação à negociação do bem. Asseverou que Ageu se identificava como representante do INCRA e IRANILDES LOPES DA SILVA dos associados, e acompanhados da filha de Iranildes, compareciam ao escritório de advocacia a cada quinze dias, durante aproximadamente três meses, período em que se desenvolveram os trabalhos de assessoria dos advogados. Tal depoimento tem relevância, visto que uma simples substituição de assentados por novos, caso fosse feita nos termos da legislação, não 50 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL deveria gerar reuniões quinzenais durante três meses, em razão da simplicidade da questão. Outrossim, ABÍLIO CÉSAR COMERON ouvido em sede policial (fls. 513/514) asseverou “que tem 99% de certeza que a carta de fls. 54/56 foi redigida no escritório de advocacia do interrogado, atendendo a pedido do Sr. Marcos Sarti, contudo, não se recorda se foi redigida por um de seus sócios ou pelo próprio interrogado; que foi o escritório de advocacia do qual o interrogado é sócio que elaborou a modificação do Estatuto Social da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí”. Antes de tudo, note-se que ABÍLIO CÉSAR COMERON foi indagado em juízo sobre se a sua assinatura no depoimento prestado em sede policial era verdadeira e se ratificava o seu depoimento prestado em sede policial, tendo respondido afirmativamente. Portanto, tal depoimento é válido, já que ratificado em juízo sob o crivo do contraditório. Em sendo assim, fica evidenciado o dolo dos integrantes do escritório – ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS – que também participaram da elaboração de uma carta que não condiz com a realidade. Com efeito, novamente há que se ressaltar que se houvesse uma simples substituição de assentados não seria possível a elaboração de vários contratos cedendo a posse para uma só pessoa. Outrossim, a iniciativa dos réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS de redigirem ou colaboraram para a redação de uma carta para despistar uma denúncia feita por um assentado sobre possível cessão irregular de terras da União só pode ser entendida logicamente como mais um indício do dolo e da adesão dos profissionais às irregularidades envolvendo a Fazenda Capelinha. 51 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Até porque os contratos foram assinados em 23 de Março de 2007, e a carta está datada de 10 de Julho de 2007 (fls. 54/56), restando evidenciado, dada a devida vênia, que o intuito de sua elaboração foi tentar escamotear uma situação ilegal dantes consolidada. Outro ponto que deve ser ressaltado é o fato de ABÍLIO CÉSAR COMERON confessar que foi o responsável pela elaboração da Ata que modificou o Estatuto da Associação dos Agricultores Familiares de Taquarivaí. Conforme já consignado, referida alteração possibilitou que fosse outorgada procuração para terceiros gerirem a Associação, previsão que não existia no Estatuto originário. Tal modificação foi feita para possibilitar que IRANILDES LOPES DA SILVA passasse a administrar a Fazenda Capelinha, sendo que não poderia ter sido inserida no estatuto da Associação justamente pelo fato de que estamos diante de um programa de governo cujo objetivo é favorecer assentados (pequenos agricultores), não podendo haver qualquer espécie de cessão das terras em favor de terceiros. Portanto, como os réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS detém formação jurídica, evidentemente sabiam que a alteração do estatuto social era uma forma de justificar juridicamente a posse de terras em favor de IRANILDES LOPES DA SILVA; porém, detinham a plena consciência que tal modificação era uma forma indireta – por vias transversas – que tentar ilidir a previsão contida na alínea “c” da cláusula décima terceira da escritura pública (fls. 134). Há que se ressaltar que o próprio Marcos Antonio Sarti confessou em sede policial (fls. 572/573) que a carta de retratação de fls. 54/56 foi redigida por Flávio, que trabalha no escritório de advocacia dos denunciados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, com a participação destes, que conversavam com Flávio enquanto ele redigia, tendo salientado que foi levado ao escritório dos advogados, onde a retratação foi redigida, 52 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL pelo Sr. Antonio, funcionário do Sr. Lopes (isto é, IRANILDES LOPES DA SILVA). Por fim, há que se destacar que nas residências dos acusados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, durante a busca domiciliar nada foi encontrado em relação aos fatos apurados. Da mesma forma, no escritório de advocacia de propriedade dos acusados nada foi encontrado, sendo de se estranhar que os advogados não mantivessem em seus arquivos documentos recentes elaborados por eles, a não ser que tivessem a plena ciência de que teriam sido elaborados de forma ilegal. Dessa forma, diante de tudo que dos autos consta, verifico a existência de provas cabais do desempenho criminoso dos acusados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS que sustentam a condenação pelo crime de estelionato. Por outro lado, após a apreciação das condutas de todos os increpados relativa ao crime de estelionato, passa-se à análise do crime de extorsão, previsto no artigo 158 do Código Penal. Neste ponto, destaque-se que a apreciação é feita em razão da nítida conexão probatória entre os delitos, posto que a prova de estelionato cometido em face da União interfere diretamente na prova da extorsão, incidindo assim a súmula nº 122 do Superior Tribunal de Justiça. A denúncia imputou aos réus IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA SILVA a prática do crime de extorsão por terem constrangido dois associados da Fazenda Capelinha a alienar lotes para IRANILDES LOPES DA SILVA, mediante grave ameaça com o uso de capangas. 53 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em primeiro lugar, ao contrário do que constou nos interrogatórios ensaiados de todos os acusados, a presença de “capangas” na Fazenda Capelinha efetivamente restou indubitável. Com efeito, em fls. 208/220 foi elaborado um relatório por parte de dois policiais federais que realizaram gravação ambiental na região, sendo certo que travaram conversas com moradores da Fazenda Capelinha e também mantiveram conversas na cidade de Buri com Humberto (arrendatário irregular de terras dentro da Fazenda Capelinha), seu irmão Anselmo e também com o pai de Humberto. O CD contendo a gravação ambiental está acostado em fls. 220, sendo que, antes de qualquer coisa, há que se perquirir sobre a validade de prova de tal jaez. Neste caso estamos diante de uma gravação ambiental, que consiste no registro de conversa entre presentes realizadas por um de seus participantes com o desconhecimento dos outros. Tal espécie de prova é considerada constitucional e legal pelo Supremo Tribunal Federal, haja vista que na análise do RE nº 583.937 – recurso extraordinário relacionado à sistemática da repercussão geral – a Excelsa Corte reafirmou a jurisprudência acerca da admissibilidade do uso como meio de prova, em sede penal, da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores. Nesse diapasão, trago à colação notícia publicada no Informativo de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nº 568, “in verbis”: O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral no tema objeto de recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Comarca do Estado do Rio de Janeiro, reafirmou a jurisprudência da 54 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Corte acerca da admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, e deu provimento ao apelo extremo da Defensoria Pública, para anular o processo desde o indeferimento da prova admissível e ora admitida. Vencido o Min. Marco Aurélio que desprovia o recurso, ao fundamento de que essa gravação, que seria camuflada, não se coadunaria com os ares constitucionais, considerada a prova e também a boa-fé que deveria haver nas relações humanas. Alguns precedentes citados: RE 402717/PR (DJE de 13.2.2009); AI 578858 AgR/RS (DJE de 28.8.2009); AP 447/RS (DJE de 28.5.2009); AI 503617 AgR/PR (DJU de 4.3.2005); HC 75338/RJ (DJU de 25.9.98); Inq 657/DF (DJU de 19.11.93); RE 212081/RO (DJU de 27.3.98). RE 583937 QO/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19.11.2009. (RE-583937) Destarte, sendo tal prova válida, há que se destacar que ouvindo a mídia acostada em fls. 220, além de existirem vários relatos do pai de Humberto sobre o “cambalacho”/”cachorrada” que IRANILDES LOPES DA SILVA fez para tomar posse da terra, contando com uma eleição “fajuta” para que IRANILDES LOPES DA SILVA fosse efetivamente o dono da Fazenda, existe na gravação elementos que demonstram a existência de capangas a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA que agiam com intuito intimidatório. Ouvindo-se o CD, observa-se que nas conversas em Buri houve expressa referência que IRANILDES LOPES DA SILVA entrou na fazenda com jagunços (matadores) ao assumir a posse da terra. Conforme consignado no relatório feito pelos Agentes da Polícia Federal com base na gravação ambiental, restou consignado em fls. 210 que “mantivemos conversas na cidade de Buri/SP com o sr. Humberto, seu irmão Anselmo Rodrigo Camargo Nogues e seu pai, tendo estes informado que o contrato de arrendamento foi feito na gestão do Marco Sarti como presidente da associação e tentou cancelar o contrato de arrendamento com o argumento de que a fazenda estaria vendida ao Sr. Iranildes, sendo os mesmos colocados para fora da fazenda pelos “capangas” do Iranildes (Toninho Pit Bul e 55 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL outros), inclusive expulsando também outros moradores que faziam parte da associação dos agricultores, ameaçando-os se caso retornassem”. Ou seja, estamos diante de uma prova indiciária de que havia “capangas” a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA na Fazenda Capelinha, elemento relevante para a configuração da grave ameaça aos associados que não quisessem deixar suas terras. De qualquer forma, há que se analisar as demais provas colhidas nos autos relacionadas à imputação existente na denúncia referente à extorsão cujas vítimas foram Dercílio de Melo e Neide Maria de Souza. Em fls. 89/90 dos autos consta um documento relevante, isto é, um termo de declarações prestado por Luiza Rodrigues de Lima, Nair Pinto Melo e Dercílio de Melo perante o Ministério Público Estadual. No aludido documento está descrito que os associados que não assinaram os contratos relacionados com a cessão de posse da Fazenda para IRANILDES LOPES DA SILVA estavam sofrendo ameaças de IRANILDES LOPES DA SILVA juntamente com homens de sua confiança, invadindo lotes onde os associados residem, quebrando cercas, como forma de pressão para intimidar os associados a venderem a participação na associação. Portanto, mais uma prova que incrimina IRANILDES LOPES DA SILVA. Em sede policial, duas vítimas se referiram à existência de ameaças relacionadas com a venda dos lotes, ou seja, Dercílio de Melo e Neide Maria de Souza. 56 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Dercílio de Melo ouvido em fls. 606/607, expressamente asseverou: “que o depoente, a sua esposa e outros assentados recusaram-se a assinar qualquer documento bem como a se retirarem de seus respectivos lotes, razão pela qual passaram a ser alvos de afrontamento por parte de tais pessoas e seus correligionários; que sobretudo após a reunião havida na cidade de Buri/SP, reunião esta em que o depoente recusou-se a participar, o assentamento em que moram passou a ser alvo de constantes visitas das pessoas que ficou sabendo tratar-se de: SR. LOPES e seus capangas TONINHO PITBULL e ADEMIR, esta última pessoa já conhecida do depoente pois sabe que o mesmo sempre foi morador da cidade de Taquarivai/SP; que tais pessoas de forma reiteradas passaram a assombrar, ameaçando os demais assentados que se recusavam a abandonar suas terras, cortavam as cercas que separavam os respectivos lotes e se apropriavam da produção agrícola e leiteira que associação produzia, sendo certo que também se intitulavam como proprietários da área”. Portanto, tal depoimento confirma que IRANILDES LOPES DA SILVA fazia ameaças aos associados que não queriam assinar os contratos de substituição dos associados e intitula ADEMIR RODRIGUES DE BARROS como sendo um dos capangas, juntamente com Toninho Pit Bull. Neide Maria de Souza ouvida em fls. 742 assim asseverou: “que, JOAQUIM informou a depoente que havia conseguido um comprador para a Fazenda Capelinha, no caso IRANILDES LOPES, motivo pelo qual a depoente deveria vender seu lote; que, a depoente informou a JOAQUIM que não estava interessada em vender seu lote, tendo JOAQUIM argumentado que vendendo ou não o lote a depoente iria perder a posse do mesmo; que, IRANILDES LOPES ofereceu a depoente e a seu marido VICENTE VIDAL DE SOUZA a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) para deixarem a Fazenda Capelinha; que, ante a 57 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL negativa da depoente, IRANILDES LOPES a procurou por mais duas vezes, não logrando êxito em convencê-la a vender seu lote”. Ou seja, delimita uma ameaça velada feita por JOAQUIM DIAS DA SILVA a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA. Em sede judicial, há que se destacar que Neide Maria de Souza sequer foi arrolada como testemunha de acusação. Em sendo assim, a falta de provas e a inércia em produzir provas que poderiam perfeitamente esclarecer a verdade, gera a absolvição do acusado JOAQUIM DIAS DA SILVA em relação ao crime de extorsão, já que a existência de um único depoimento em sede policial imputando a ele a participação em ameaça feita a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA não é suficiente para dar guarida à condenação do acusado por gerar dúvidas acerca da participação de JOAQUIM DIAS DA SILVA no delito de extorsão, mormente se considerarmos que seu nome não foi mencionado no relatório da polícia federal em fls. 208/220 e tampouco no termo de declarações firmado perante o Ministério Público Estadual constante em fls. 89/90. Por outro lado, adentrando a prova produzida em sede judicial, conforme já asseverado alhures, em fls. 1.209/1.210, Dercílio de Melo depôs em juízo como testemunha arrolada pelo Ministério Público Federal, esclarecendo que nunca esteve num escritório de advocacia em Buri/SP. Embora tenha sido convidado a comparecer, não quis, assim como não aceitou a proposta do Sr. Joaquim para que fosse a Buri para vender a sua área, e acrescentou: “(...)Eu não quis ir. O próprio Iranildes me disse que queria comprar a minha área. Ofereceu a quantia de R$ 3.000,00 para tanto. Era o mesmo valor que oferecia para os outros assentados. Certa feita, eu e o Vicente fomos conversar com o Sr. Iranildes, porque algumas pessoas haviam vendido a roça para ele. O Iranildes achava que tinha direito sobre a roça, a terra. Chegamos a conversar com Iranildes. Logo, ele pegou 58 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL uma foice e começou a passar perto do meu pé. O Sr. Iranildes, então, disse: “você vai me deixar bravo se cobrar pela roça”. Ele não me obrigou a vender a terra onde eu estava assentado. Porém, fez proposta de comprá-la. Ele queria pagar R$ 3.000,00...)”. Ao ver deste juízo, muito embora exista uma certa contradição, referido depoimento confirma o conjunto probatório sobre a existência de graves ameaças que partiram de IRANILDES LOPES DA SILVA. Com efeito, a toda evidência, o fato objetivo de IRANILDES LOPES DA SILVA insistir na venda do lote pertencente a Dercílio, de passar uma foice no pé do depoente e afirmar que ficaria bravo se o depoente cobrar pela roça induz a indubitável conclusão de que houve grave ameaça feita por IRANILDES LOPES DA SILVA na tentativa de intimidar Dercílio de Melo. A continuação do seu depoimento ao afirmar que IRANILDES LOPES DA SILVA não obrigou a vender a terra, ao ver deste juízo, só pode ser interpretada como uma afirmação relativa à não concretização da venda, uma vez que haveria flagrante contradição entre a existência de ameaças descritas no depoimento e o fato de tais ameaças não terem se dirigido a um fim específico. Não obstante, há que se destacar que no depoimento prestado por Dercílio de Melo em juízo, ou seja, perante a Comarca de Itapeva, não foram colhidos elementos pelo juízo relacionados à participação de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS. Destarte, não foram feitas perguntas expressas relacionadas com a participação de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS na ameaça praticada por IRANILDES LOPES DA SILVA, de forma que tal fato inviabiliza a condenação de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS pelo delito de extorsão. Ou seja, ao ver deste juízo, não é cabível a condenação de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, já que a existência de um único depoimento em sede policial imputando a 59 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL ele a qualidade de “capanga” de IRANILDES LOPES DA SILVA não é suficiente para dar guarida à condenação do acusado por gerar dúvidas acerca de sua participação no delito de extorsão, mormente se considerarmos que o nome de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS não foi mencionado no relatório da polícia federal em fls. 208/220 e tampouco no termo de declarações ao Ministério Público Estadual constante em fls. 89/90. Portanto, analisando-se o conjunto probatório, este juízo entende que restou comprovado que IRANILDES LOPES DA SILVA foi o responsável, ao menos, pela existência de grave ameaça em face do depoente Dercílio. A existência da grave ameaça partindo de IRANILDES LOPES DA SILVA atestada objetivamente no depoimento de Dercílio em juízo vem corroborada pelo próprio depoimento de Dercílio de Melo em sede policial, pelo relatório da polícia federal em fls. 208/220 e pelo termo de declarações ao Ministério Público Estadual constante em fls. 89/90. Destarte, há que se consignar que a grave ameaça objeto do tipo penal “extorsão” corresponde à conduta de promessa de fazer mal a vítima, intimidando-a ou atemorizando-a. Ao ver deste juízo, a conduta de IRANILDES LOPES DA SILVA ao se apoderar de uma Fazenda intitulando-se como novo “dono” do imóvel, contando com a presença de “capangas”, dentre eles um intitulado “Toninho Pit Bull” – cuja alcunha já diz tudo –, associada ainda ao fato de passar uma foice no pé de um dos associados que se recusava a ceder a posse de seu pedaço de terra, afirmando que poderia ficar bravo com o associado por este não ceder a sua vontade, traduz evidente promessa de morte ou algo similar (ferimentos graves). 60 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Note-se que, segundo a doutrina, a ameaça depende das circunstâncias do caso concreto, já que sua análise é subjetiva. Neste caso, estamos diante de pessoas pobres (assentados), desassistidos economicamente, que residem em local de difícil acesso (Fazendo no interior), sem estrutura do poder público, uma vez que restou provado nos autos que o Ministério do Desenvolvimento Agrário tem muitas dificuldades de fazer a fiscalização do empreendimento, abandoando-o a qualquer sorte, tanto que ocorreram os fatos objeto da denúncia, ou seja, um terceiro se apoderou da Fazenda objeto do empreendimento federal de distribuição de terras. Portanto, resta claro ao julgador que as ameaças veladas feitas a mando de IRANILDES LOPES DA SILVA representavam grave ameaça, tanto que inúmeros assentados acabaram por alienar as terras, restando poucos bravos resistentes que, na realidade, correram grande risco de vida. Prosseguindo na análise do tipo penal relativo à extorsão, a conduta está relacionada com o fato de constranger alguém a fazer alguma coisa. Neste caso, o constrangimento estaria associado ao desapossamento do lote em que vivia Dercílio de Melo, contra a vontade deste. Outro elemento normativo necessário para configuração do tipo é “o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica”. Neste ponto, aduza-se que o “conceito de vantagem contido no artigo 158, é bem mais amplo que o do furto e o do roubo, haja vista que abrange não só a coisa móvel corpórea de outrem, mas todo o interesse ou direito patrimonial alheio, tratando-se, destarte, de crime contra o patrimônio em geral”, conforme ensinamento de Luiz Regis Prado, em sua obra “Curso de Direito Penal”, volume 2 (parte especial – arts. 121 a 249), 8ª edição (2010), Editora Revista dos Tribunais, página 331. 61 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Neste caso, IRANILDES LOPES DA SILVA tinha o intuito de obter para si e seus familiares a posse de terreno cujo direito era atribuído a um dos assentados primitivos, conforme constou na escritura pública acostada em fls. 131/138, dentre eles Dercílio de Melo (vide fls. 136 – segundo nome grifado no topo da folha), caracterizando uma vantagem econômica. Impende ressaltar que estamos diante de delito formal, ou seja, que se consuma mesmo que não haja a vantagem indevida. Destaque-se, nesse sentido, a súmula nº 96 do Superior Tribunal de Justiça: “O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida”. Não obstante, há que se tecer considerações sobre a questão de estarmos diante de um delito consumado ou tentado. Nesse ponto, há que se considerar que se entender que estamos diante de um delito material, o crime se consuma com a obtenção da vantagem econômica; se entendermos que estamos diante de um delito formal – corrente majoritária, cuja jurisprudência está pacificada, nos termos da súmula nº 96 do Superior Tribunal de Justiça – o crime se consuma quando a vítima pratica ou deixa de praticar o que lhe era exigido pelo agente. Nesse sentido, cite-se ensinamento do mestre Damásio E. de Jesus, em sua obra “Direito Penal”, 2º Volume (Parte Especial), editora saraiva, 24ª edição (ano de 2001), páginas 371/372: “A extorsão atinge a consumação com a conduta típica imediatamente anterior à produção do resultado visado pelo sujeito. Lendo-se a definição do art. 158 do CP, vemos que a finalidade do sujeito é a obtenção da indevida vantagem econômica. O comportamento descrito pelo tipo imediatamente anterior à produção desse resultado é a conduta da vítima, que faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. Desse modo, consuma-se o delito com o comportamento positivo ou negativo da vítima, no instante em que ela 62 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. Não há necessidade de que o sujeito obtenha a vantagem indevida, nos termos da Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça”. Portanto, neste caso restou provado que Dercílio de Melo sofreu graves ameaças para que alienasse ou cedesse a parcela de terra a que lhe cabia por direito (constrangimento a ceder o direito de posse sobre seu lote individual) a IRANILDES LOPES DA SILVA – que não podia se beneficiar da Fazenda Capelinha haja vista que não se encaixa como beneficiário das políticas de reforma agrária. Portanto, IRANILDES LOPES DA SILVA pretendia obter vantagem econômica indevida, mas, neste caso, a vítima, isto é, Dercílio de Melo não fez o que o agente pretendia, isto é, não cedeu seu espaço de terra, demonstrando uma resistência. Ou seja, a extorsão não se consumou, visto que IRANILDES LOPES DA SILVA não conseguiu que Dercílio de Melo deixasse o local, por bravura e resistência deste, fato este que configura a tentativa de extorsão, que não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente. Nesse sentido, há que se trazer ensinamento do mestre Nelson Hungria, constante em sua consagrada obra “Comentários ao Código Penal”, volume VII (artigos 155 a 196), edição Revista Forense, 2ª edição (ano de 1958), páginas 77/78, que se adequa perfeitamente ao caso, demonstrando ter havido tentativa de extorsão no caso em exame, “in verbis”: “O que decide, para o reconhecimento da tentativa, em qualquer caso, é a idoneidade do meio coativo empregado, e diz-se idôneo, a priori, o meio executivo da extorsão quando seja capaz de intimidar o homo medius, o homem comum. Se o 63 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL meio se apresenta, razoavelmente ou segundo id quod plerumque accidit, adequado ao fim a que visa o agente, não deixa de ser considerado como tal quando, no caso concreto, não logre êxito, em razão de excepcional resistência ou bravura da vítima ou outra circunstância alheia à vontade do agente. Assim, no caso de ameaça que, de regra ou segundo saepius fit, se reconheça eficiente, mas acontecendo que o ameaçado vence o temor inspirado e deixa de atender à imposição quanto ao facere, pati ou omittere, preferindo arrostar o perigo ou solicitar, confiantemente, a intervenção policial, é inquestionável a existência da tentativa da extorsão”. Portanto, diante da idoneidade do meio coativo empregado por IRANILDES LOPES DA SILVA, mas cujo desiderato – saída da vítima do local – não se consumou em razão da resistência da vítima que preferiu arrostar o perigo, há que se falar em crime tentado de extorsão. Por oportuno, não há que se falar em desclassificação da tentativa de extorsão para o delito de ameaça previsto no artigo 147 do Código Penal, uma vez que neste o agente não busca qualquer conduta positiva ou negativa da vítima, mas apenas atemorizar o sujeito passivo. Outrossim, não há que se falar em crime de constrangimento ilegal previsto no artigo 146 do Código Penal, posto que neste, apesar do objetivo ser de subjugar a vontade da vítima para alcançar um determinado fim, não se exige como fim precípuo a obtenção de vantagem econômica indevida, como no caso da extorsão. Destarte, conclui-se que IRANILDES LOPES DA SILVA infringiu o “caput” do artigo 158 do Código Penal na modalidade tentativa (inciso II do artigo 14 do Código Penal). 64 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Por oportuno, considere-se inviável a incidência causa de aumento prevista no §1º do artigo 158, uma vez que, com a absolvição de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS e JOAQUIM DIAS DA SILVA, e a não identificação precisa dos capangas, não há que se falar em cometimento direto do delito por parte de duas ou mais pessoas, ressaltando-se que este juízo adere ao ensinamento de Nelson Hungria no sentido de que para que a causa de aumento seja reconhecida é necessário que as várias pessoas devem estar reunidas e presentes junto à vítima (obra citada acima, página 58), em razão do maior poder intimidatório, hipótese não cabalmente provada nestes autos. Destarte, analisada a imputação relativa ao delito de extorsão, passa-se à análise do delito de quadrilha imputado a todos os réus (artigo 288 “caput” do Código Penal). No que tange ao delito de quadrilha previsto no artigo 288 do Código Penal, indispensável se faz tecer algumas considerações relevantes para o deslinde da controvérsia. Para configuração do tipo penal mister se faz a associação de ao menos quatro pessoas – hipótese dos autos – e a estabilidade e permanência do grupo, havendo ainda a necessidade de um mínimo de organização do grupo (ainda que rudimentar). A cooperação ocasional entre delinquentes para a prática de determinados “fatos criminosos” não caracteriza o tipo penal, ou seja, é necessária a união estável para cometer crimes em caráter reiterado e permanente. Neste caso específico, entendo que não restou comprovado o cometimento do delito de quadrilha, já que não existem provas seguras de 65 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL estabilidade e permanência das pessoas envolvidas na fraude em face do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Com efeito, é certo que vários acusados se reuniram com intuito de explorarem indevidamente a Fazenda Capelinha, conforme já consignado. Não obstante, o fato de existir a prática de crime com unidade de desígnios explorando ilegalmente a Fazenda Capelinha não implica, necessariamente, na existência do crime de formação de quadrilha, devendo-se analisar o caso concreto. Até porque é imprescindível que a associação dure tempo hábil para a definição de um programa de crimes, ainda que qualquer deles venha a ser praticado. A comprovação da estabilidade e permanência do grupo se faz através de escutas telefônicas que evidenciam a existência de liame prévio e permanente, ou através de outros indícios que comprovem que o grupo detém um plano criminoso bem definido. Por exemplo, caso os acusados já tivessem sido processados por outros delitos em conjunto – ainda que parcialmente entre si – se estaria diante de um forte indício de que existia a formação de um grupo estável e permanente para a prática de delitos. Neste caso, não existem provas seguras para que se possa inferir que os acusados formaram uma quadrilha. Ao reverso, os autos demonstram que, em princípio, os indícios caminham no sentido de que se trata de uma cooperação ocasional entre indivíduos para a prática de determinado “fato”, ou seja, se reuniram para uma exploração específica – ocasional – de uma Fazenda financiada com recursos federais. Destarte, comungo do mesmo pensamento externado pelo Ministério Público Federal em sede de alegações finais, pelo que, em relação ao 66 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL crime de quadrilha, havendo dúvidas entre a existência de concurso de agentes ou a estabilidade/permanência do grupo, deve-se optar pela absolvição de todos os acusados. Portanto, provado que os réus IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, LIDIANE LOPES DA SILVA e FERNANDO ROSA DOS SANTOS praticaram fatos típicos e antijurídicos, inexistindo nos autos quaisquer elementos aptos a elidir a antijuridicidade das condutas e ficando comprovadas as culpabilidades dos acusados, é de rigor que a denúncia prospere, devendo todos responderem pelas penas previstas no artigo 171, § 3º do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal; sendo que IRANILDES LOPES DA SILVA também deve responder pelo delito previsto no 158 do Código Penal c/c inciso II do artigo 14 do Código Penal, em concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal). Passo, assim, à fixação da pena em relação a cada qual. Inicia-se pelo delito de estelionato cometido por IRANILDES LOPES DA SILVA. No que tange aos antecedentes, verifica-se que, não obstante constem alguns apontamentos em face de IRANILDES LOPES DA SILVA (fls. 983, 1.003 e 1.025/1.026), não foram acostadas certidões de objeto e pé para delimitar a situação processual dos delitos que teriam sido cometidos. Outrossim, efetuando-se uma pesquisa da internet em nome de IRANILDES LOPES DA SILVA, constatou-se em andamento um inquérito policial que tramita perante a 1ª Vara Judicial de Itapeva (processo nº 270.01.2007.008844-2) e uma ação penal em 67 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL curso perante a 2ª Vara Criminal de Itu (processo nº 286.01.2010.009795-4) que está em fase de instrução probatória (audiência designada para 31/01/2011). Tais apontamentos não podem ser considerados como maus antecedentes em face da edição da súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça. Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que delimitem conduta social ou personalidade do réu em dissonância com a normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como foram gastos os recursos oriundos do PRONAF. Não obstante, o grau de censurabilidade da conduta do acusado (culpabilidade) indica uma conduta altamente reprovável, visto que o fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Outrossim, a conduta causou também reprovação social ao crime perpetrado pelo agente, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito, enganando assentados pobres que assinaram documentos achando que estavam se 68 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais. Portanto, a pena deve ser acrescida em 1 (um) ano em razão da intensa culpabilidade do acusado. Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial desfavorável relativa à intensa culpabilidade o réu fixo a pena-base relativamente ao delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase da dosimetria da pena, entendo presente a agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal em sede de coautoria delitiva – agente que organiza a cooperação do crime e dirige a atividade dos demais agentes – posto que restou amplamente provado nos autos que IRANILDES LOPES DA SILVA foi o mentor intelectual do crime de estelionato, utilizando os demais acusados para lograr o seu intento delituoso, uma vez que, ao final, as condutas dos demais agentes se dirigiram à sua vontade de se apossar da Fazenda Capelinha e utilizar a sua estrutura física. Ao ver deste juízo, não teria sentido, em sede de concurso de crimes, apenar com idêntico rigor todos os réus, quando restou amplamente comprovada a ascendência de IRANILDES LOPES DA SILVA sobre os demais. Assim, a pena deve ser acrescida de 6 (seis) meses por conta a incidência dessa agravante. Note-se que, em relação as agravantes, incide o artigo 385 do Código de Processo Penal, ou seja, o Juiz pode conhecer de agravantes mesmo que não tenham sido alegadas pela acusação. Por oportuno, não há que se falar na incidência de atenuantes neste caso, uma vez que IRANILDES LOPES DA SILVA em nenhum momento (seja em sede policial ou judicial) confessou a prática do crime, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. 69 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Assim, na segunda fase da dosimetria da pena, procedendo-se ao aumento de seis meses, a pena fica provisoriamente fixada em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento a pena de 1/3 (um terço), fixando-a em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Tomando por base o mesmo critério, a pena de multa será de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada, acrescida de mais 10 dias-multa por conta da agravante reconhecida. Por fim, a somatória desses valores, acrescida de 1/3 (conforme ensinamento de Damásio E. de Jesus, em sua obra “Direito Penal”, 1º Volume, parte geral, editora saraiva, 23ª edição, ano 1.999, página 595, “... quanto às causas de aumento e diminuição da pena, previstas na Parte Geral e Especial, a nosso ver, têm incidência sobre a multa, sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 60, § 1º ...”), torna a pena de multa do estelionato fixada em 53 (cinquenta e três) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos (o crime se perpetuou até junho de 2008), dada a inexistência de prova nos autos da atual situação econômica do réu (vide fls. 533). Por outro lado, em relação ao delito previsto no artigo 158 do Código Penal (extorsão), valem as mesmas considerações expendidas na fixação da pena-base do estelionato no que tange aos antecedentes, conduta social, personalidade e motivos para a prática do crime. Não obstante, a pena-base deve ser aumentada em 9 (nove) meses, também em razão do grau de censurabilidade da conduta do acusado (culpabilidade) que incidiu em uma conduta altamente reprovável, visto que, ao tentar 70 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL retirar um agricultor legitimamente assentado na Fazenda Capelinha, teve por escopo frustrar um programa de governo, cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais nãoproprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Em sendo assim, a pena-base para o delito de extorsão em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA atinge o patamar de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão. Na segunda fase de dosimetria da pena não vislumbro a presença de atenuantes ou agravantes, uma vez que IRANILDES LOPES DA SILVA em nenhum momento (seja em sede policial ou judicial) confessou a prática do crime de extorsão, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. Por relevante, considere-se que não incide a agravante em sede de concurso de pessoas (artigo 62 do Código Penal), já que IRANILDES LOPES DA SILVA foi condenado sozinho pelo delito de extorsão. Por fim, na terceira fase de dosimetria da pena, deve-se proceder à diminuição prevista no parágrafo único do artigo 14 relativa à tentativa delitiva. O art. 14 do Código Penal prevê, em seu parágrafo único, que os redutores a serem considerados para a tentativa devem ser de 1/3 (um terço) ou 2/3 (dois terços), sem fixar os critérios para fixação, tendo a jurisprudência e a doutrina consolidado o entendimento no sentido de que a aplicação do percentual deve decorrer da apreciação da quantidade da fase de execução percorrida, ou seja, quanto mais o agente se aproxima da consumação do delito, menor é a diminuição da pena e vice-versa. 71 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Neste caso, observa-se que quase todo o “iter” criminoso foi percorrido, ou seja, foram feitas ameaças por IRANILDES LOPES DA SILVA aos assentados – neste caso só está a se tratar de Dercílio nos termos da denúncia e da prova constante nos autos – sendo que a concretização final do ato visado – assinar documentos – foi realizada em relação aos assentados primitivos, não se operando em relação a Dercílio em razão da forte resistência deste. Destarte, a diminuição deve se operar no grau mínimo, ou seja, em 1/3 (um terço). Em sendo assim, procedendo-se à diminuição de 1/3 (um terço) chega-se à pena definitiva do delito de extorsão fixada em 3 (três) anos e 2 (dois) meses de reclusão. Tomando por base o mesmo critério, a pena de multa será de 66 (sessenta e seis) dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada (culpabilidade) e o patamar inicial da pena de extorsão (4 anos), valor este que, diminuído de 1/3 (por conta da incidência da tentativa), torna a pena de multa da extorsão fixada em 44 (quarenta e quatro) dias-multa, fixando para cada dia-multa, também o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, dada a inexistência de prova nos autos da atual situação econômica do réu (vide fls. 533). Nos termos do artigo 69 do Código Penal, em se tratando de concurso material entre os crimes de estelionato majorado e tentativa de extorsão, procede-se a somatória das penas privativas de liberdade que, assim, totaliza uma pena final em detrimento de IRANILDES LOPES DA SILVA de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. Em relação ao regime de pena a ser fixado para IRANILDES LOPES DA SILVA, deve-se ponderar que a somatória da pena cominada 72 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL ao réu ultrapassa a quatro anos, pelo que o cotejo entre a pena aplicada e as circunstâncias contidas no parágrafo terceiro do artigo 59, não autorizam que o réu venha a iniciar a pena em regime diverso do fechado. Isto porque, este juízo analisando a conduta de IRANILDES LOPES DA SILVA em relação a todos os demais participantes da empreitada, entende que sua culpabilidade foi mais acentuada, na medida em que foi o mentor intelectual do crime e o principal beneficiário dos prejuízos causados à União. Note-se que este juízo entende pertinente a imposição de regime mais gravoso a determinado réu que atua com mais culpabilidade que os outros, em face de sua específica atuação no caso em concreto, com base no § 3º do artigo 33 do Código Penal. Portanto, o regime inicial de cumprimento de pena em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA será o fechado (§ 3º do artigo 33 do Código Penal). Diante da pena em concurso material cominada ao réu IRANILDES LOPES DA SILVA não se afigura cabível suspensão condicional da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Em relação aos demais réus condenados pelo delito de estelionato majorado, inicia-se a apreciação da pena pelos acusados ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS SANTOS, respectivamente, esposa e marido. No que tange aos antecedentes, verifica-se em fls. 1.021 e 1.027 que ambos não possuem registros criminais. 73 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que delimitem condutas sociais ou personalidades dos integrantes do casal em dissonância com a normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como foram gastos os recursos oriundos do PRONAF. Não obstante, o grau de censurabilidade das condutas de ambos acusados (culpabilidade) indica condutas altamente reprováveis, visto que o fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Outrossim, as condutas de FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS causaram também reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito, participando de engodo de assentados pobres que assinaram documentos achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais. Portanto, as penas devem ser acrescidas em 1 (um) ano em razão da intensa culpabilidade dos réus. 74 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial desfavorável relativa à intensa culpabilidade dos réus fixo as penas-base relativamente ao delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase de dosimetria das penas de FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS não vislumbro a presença de atenuantes ou agravantes, uma vez que ambos em nenhum momento (seja em sede policial ou judicial) confessaram a prática do crime de estelionato, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. Outrossim, pondere-se ainda que já eram maiores de 21 anos na data em que se iniciaram os fatos (março de 2007). Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento as penas em 1/3 (um terço), fixando-as em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão. Tomando por base o mesmo critério, as penas de multa de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS SANTOS partirão de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada. Acrescidas de 1/3 (um terço) as penas de multa do estelionato ficam fixadas em 40 (quarenta) dias-multa, fixando para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos (o crime se perpetuou até junho de 2008), dada a existência de prova nos autos da atual situação econômica do casal (vide fls. 554/555 e 561/562), considerando também que não são proprietários de bens relevantes e auferem salários modestos. No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento de penas de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e de FERNANDO ROSA DOS SANTOS será o aberto, tendo em vista que se deve levar em conta as 75 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL circunstâncias judiciais do artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso em questão, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável em desfavor de cada qual, entendo que ela não é suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em cotejo com o artigo 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. Até porque, este juízo entende que a conduta de ambos se reveste de inferior culpabilidade em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA. Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável neste caso, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para ambos, haja vista que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a propiciar a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade. Em sendo assim, estando presentes as condições previstas no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis aos réus ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS SANTOS as condições descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos artigos 44, § 2º, art. 46 e 45 § 1º todos do Código Penal, substituo as penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito consubstanciadas: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser escolhida quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de duração de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses – facultada a utilização da norma prevista no § 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de serviços deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos termos do artigo 55 do Código Penal; b) e ao pagamento a entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da audiência admonitória, de 4 (quatro) salários mínimos a título de pena prestação pecuniária em relação a cada um dos acusados, enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e que não se trata de pena mensal, mas sim global (4 salários mínimos a serem pagos por cada um dos réus durante todo o transcorrer da execução penal). 76 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Na sequência, analisam-se de forma conjunta as penas dos acusados ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS. No que tange aos antecedentes, verifica-se em fls. 1.020 que JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS não possui antecedentes. Em relação a ABÍLIO CÉSAR COMERON existem alguns apontamentos constantes em fls. 1.078/1.079, mas como não foram acostadas certidões de objeto e pé para delimitar a situação processual dos delitos que teriam sido cometidos, não há que se falar em maus antecedentes. Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que delimitem condutas sociais ou personalidades de ambos causídicos em dissonância com a normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como foram gastos os recursos oriundos do PRONAF. Não obstante, o grau de censurabilidade das condutas de ambos acusados (culpabilidade) indica condutas altamente reprováveis, visto que o fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de 77 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL 1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Outrossim, as condutas de ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS causaram também reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito, participando ambos ativamente do engodo de assentados pobres que assinaram documentos achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais. Portanto, as penas devem ser acrescidas em 1 (um) ano em razão da intensa culpabilidade dos réus. Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial desfavorável relativa à intensa culpabilidade dos réus fixo as penas-base relativamente ao delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase de dosimetria da pena, entendo presente a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea “g” do Código Penal – violação a dever inerente a profissão – posto que restou amplamente provado nos autos que ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS cometeram o delito prestando concurso a clientes visando fraudar a legislação (Lei Complementar nº 93/98). Assim, a pena deve ser acrescida de 6 (seis) meses por conta a incidência dessa agravante. Note-se que, em relação as agravantes, incide o artigo 385 do Código de Processo Penal, ou seja, o Juiz pode conhecer de agravantes mesmo que não tenham sido alegadas pela acusação. Neste caso, entretanto, mesmo adotando outra interpretação, pondere-se que a agravante está devidamente delimitada na denúncia, já que a peça inaugural descreve o fato de que os acusados agiram na qualidade de advogados. Como os réus defendem-se dos fatos capitulados na denúncia 78 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL e esta lhes imputa um crime agindo na qualidade de profissionais da advocacia, não há que se falar em ofensa ao princípio da correlação. Por oportuno, citem-se ainda dois precedentes relacionados especificamente com o cometimento do delito de estelionato majorado (artigo 171 § 3º do Código Penal) em que foi reconhecida a incidência da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea “g” do Código Penal em relação a coautoria delitiva cometida por advogados: Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ACR nº 2001.51.01.534.311-1, 1ª Turma, Relator Desembargador Federal Alexandre Libonati de Abreu, DJU de 26/01/2006; e Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ACR nº 96.03.017531-5, 1ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Vesna Kolmar, DJU de 25/05/2004. Por oportuno, não há que se falar na incidência de atenuantes neste caso, uma vez que ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS em nenhum momento (seja em sede policial ou judicial) confessaram a prática do crime, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. Assim, na segunda fase da dosimetria da pena, procedendo-se ao aumento de seis meses, as penas ficam fixadas provisoriamente em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão para cada qual. Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento as penas em 1/3 (um terço), fixando-as em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. 79 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Tomando por base o mesmo critério, as penas de multa serão de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada, acrescidas de mais 10 dias-multa por conta da agravante reconhecida. Por fim, a somatória desses valores, acrescida de 1/3, torna as penas de multa do estelionato fixadas em 53 (cinquenta e três) dias-multa; fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data do fato (o crime se perpetuou até junho de 2008), tendo em vista que ambos réus são advogados, com rendas médias mensais de R$ 5.000,00 por mês, possuindo veículos e imóveis, consoante informado por eles em seus interrogatórios judiciais. No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento de penas de JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS e ABÍLIO CÉSAR COMERON será o aberto, tendo em vista que se deve levar em conta as circunstâncias judiciais do artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso em questão, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável em desfavor de cada qual, entendo que ela não é suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em cotejo com o artigo 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. Até porque, este juízo entende que a conduta de ambos se reveste de inferior culpabilidade em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA. Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para ambos, haja vista que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a propiciar a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade. Em sendo assim, estando presentes as condições previstas no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis aos réus ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS as condições 80 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos artigos 44, § 2º, art. 46 e 45 § 1º todos do Código Penal, substituo as penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito consubstanciadas: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser escolhida quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de duração de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses – facultada a utilização da norma prevista no § 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de serviços deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos termos do artigo 55 do Código Penal; b) e ao pagamento a entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da audiência admonitória, de 16 (dezesseis) salários mínimos a título de pena prestação pecuniária em relação a cada um dos acusados, enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e que não se trata de pena mensal, mas sim global (16 salários mínimos a serem pagos por cada um dos réus durante todo o transcorrer da execução penal). Na sequência, analisam-se de forma conjunta as penas dos acusados JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS. No que tange aos antecedentes, conforme consta em fls. 1.019 não existem registros de delitos em relação a JOAQUIM DIAS DA SILVA. Em relação a ADEMIR RODRIGUES DE BARROS não obstante constem alguns apontamentos em seu nome (fls. 988 e fls. 1.023/1.024), não foram acostadas certidões de objeto e pé para delimitar a situação processual dos delitos que teriam sido cometidos. Outrossim, efetuando-se uma pesquisa da internet em nome de ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, constatou-se em andamento um inquérito policial que tramita perante a 1ª Vara Judicial de Itapeva (processo nº 270.01.2010.007331-7). Tal apontamento não podem ser considerado como maus antecedentes em face da edição da súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça. 81 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que delimitem condutas sociais ou personalidades de ambos em dissonância com a normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como foram gastos os recursos oriundos do PRONAF. Não obstante, o grau de censurabilidade das condutas de ambos acusados (culpabilidade) indica condutas altamente reprováveis, visto que o fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 93/98. Outrossim, as condutas de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS causaram também reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito, participando ambos do engodo arregimentando assentados pobres que assinaram documentos achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais. Portanto, as penas devem ser acrescidas em 1 (um) ano em razão da intensa culpabilidade dos réus. 82 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial desfavorável relativa à intensa culpabilidade dos réus JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS fixo as penas-base relativamente ao delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase de dosimetria das penas de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS não vislumbro a presença de atenuantes ou agravantes, uma vez que ambos em nenhum momento (seja em sede policial ou judicial) confessaram a prática do crime de estelionato, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento as penas em 1/3 (um terço), fixando-as em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão. Tomando por base o mesmo critério, as penas de multa de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS partirão de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada. Acrescidas de 1/3 (um terço) as penas de multa do estelionato ficam fixadas em 40 (quarenta) dias-multa, fixando para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos (o crime se perpetuou até junho de 2008), dada a existência de prova nos autos de situação econômica desfavorável de ambos (vide fls. 539/540 e 546/547), considerando também que não são proprietários de bens relevantes e auferem salários modestos, conforme constou nos interrogatórios de ambos. No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento das penas de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS será 83 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL o aberto, tendo em vista que se deve levar em conta as circunstâncias judiciais do artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso em questão, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável em desfavor de cada qual, entendo que ela não é suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em cotejo com o artigo 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. Até porque, este juízo entende que a conduta de ambos se reveste de inferior culpabilidade em relação a IRANILDES LOPES DA SILVA, uma vez que agiram sob as ordens deste. Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável neste caso, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para ambos, haja vista que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a propiciar a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade. Em sendo assim, estando presentes as condições previstas no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis aos réus JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS as condições descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos artigos 44, § 2º, art. 46 e 45 § 1º todos do Código Penal, substituo as penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito consubstanciadas: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser escolhida quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de duração de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses – facultada a utilização da norma prevista no § 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de serviços deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos termos do artigo 55 do Código Penal; b) e ao pagamento a entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da audiência admonitória, de 4 (quatro) salários mínimos a título de pena prestação pecuniária em relação a cada um dos acusados, enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e que não se 84 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL trata de pena mensal, mas sim global (4 salários mínimos a serem pagos por cada um dos réus durante todo o transcorrer da execução penal). Por fim, resta a analisar a pena referente ao delito de estelionato imputado a LIDIANE LOPES DA SILVA. No que tange aos antecedentes, verifica-se em fls. 992 que ela não possui registros criminais. Em relação às demais circunstâncias judiciais, observa-se que os motivos para a prática do delito são de ordem patrimonial (obtenção de vantagem econômica) inerentes ao tipo penal; não existem elementos concretos que delimite a conduta social ou personalidade da acusada em dissonância com a normalidade; as consequências do delito, neste caso, não podem ser valoradas nestes autos, posto que os prejuízos relativos aos recursos investidos da ordem de mais de R$ 1.300.000,00 devem ser aferidos em outra ação penal, que irá delimitar como foram gastos os recursos oriundos do PRONAF. Não obstante, o grau de censurabilidade da conduta da acusada (culpabilidade) indica uma conduta altamente reprovável, visto que o fato da Fazenda Capelinha ter sido apoderada por pessoas que não satisfaziam os requisitos necessários, frustrou um programa de governo – política pública – cujo objetivo é beneficiar trabalhadores rurais não-proprietários, visando fomentar a agricultura familiar e assentar famílias de baixa renda. Este juízo entende que merece uma apenação mais rígida a conduta delitiva associada à frustração de um valor consagrado constitucionalmente, violando expressamente a Constituição Federal de 1988, mais especificamente nos artigos 187 e 188 e o princípio da função social da propriedade, visto que no caso a Fazenda Capelinha deveria beneficiar especificamente assentados que se enquadrassem nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 1º da Lei 85 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Complementar nº 93/98. Outrossim, a conduta de LIDIANE LOPES DA SILVA causou também reprovação social, tendo em vista a maneira como foi cometido o delito, participando ela de engodo envolvendo assentados pobres que assinaram documentos achando que estavam se livrando de dívidas e de anteriores incumbências legais. Portanto, a pena deve ser acrescida em 1 (um) ano em razão da intensa culpabilidade da ré. Dessa forma, tendo em vista a circunstância judicial desfavorável relativa à intensa culpabilidade da ré fixo a pena-base relativamente ao delito de estelionato em 2 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase de dosimetria da pena de LIDIANE LOPES DA SILVA não vislumbro a presença de agravantes. Em relação as atenuantes, observa-se que LIDIANE LOPES DA SILVA em nenhum momento (seja em sede policial ou judicial) confessou a prática do crime de estelionato, não fazendo jus à incidência da atenuante confissão espontânea prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d” do Código Penal. Não obstante, consoante consta em fls. 567 destes autos, LIDIANE LOPES DA SILVA nasceu em 24/07/1988. Ou seja, completou dezoito anos em 24/07/2006 (antes do início do crime), mas completou 21 (vinte e um) anos somente em 24/07/2009, quando a prática delitiva já havia cessado posto que todos foram presos em 10/06/2008. Portanto, em relação a ela incide a atenuante prevista no inciso I do artigo 65 do Código Penal, visto que ela era menor de 21 anos na data dos fatos (ou seja, uma pessoa em formação). Destarte, em razão desse fato diminuo a pena em 6 (seis) meses. Portanto, na segunda fase de dosimetria da pena, ela fica provisoriamente fixada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. 86 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Na terceira fase da dosimetria da pena, aplicando o aumento previsto no § 3º do artigo 171 do Código Penal, aumento a pena em 1/3 (um terço), fixando-a em 2 (dois) anos de reclusão. Tomando por base o mesmo critério, a pena de multa de LIDIANE LOPES DA SILVA partirá de 30 dias-multa tendo em vista a circunstância desfavorável acima citada, sendo diminuída em 10 dias-multa em razão da atenuante menoridade. Destarte, o valor de 20 (vinte) dias-multa deve ser acrescido de 1/3 (um terço), pelo que a pena de multa do estelionato fica fixada em 26 (vinte e seis) diasmulta, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, considerando o valor vigente na data dos fatos (o crime se perpetuou até junho de 2008), tendo em vista que a ré não possui bens por ser jovem e não restou apurado nos autos situação econômica favorável em seu favor. No caso destes autos, o regime inicial de cumprimento da pena de LIDIANE LOPES DA SILVA será o aberto, tendo em vista que se deve levar em conta as circunstâncias judiciais do artigo 59 com o quantitativo da pena. No caso em questão, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável em desfavor dela, entendo que não é suficiente para gerar um regime mais gravoso da pena em cotejo com o artigo 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. Até porque, o delito foi praticado por uma pessoa ainda em formação intelectual. Destarte, muito embora exista uma circunstância judicial desfavorável neste caso, deve-se atentar para o fato de que o regime de substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos deve ser aplicado para a ré, haja vista que o legislador optou expressamente pela substituição das penas de modo a propiciar a ressocialização do acusado, gerando algo útil para a sociedade. 87 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Em sendo assim, estando presentes as condições previstas no artigo 44, inciso I e II e sendo preponderantemente favoráveis à ré LIDIANE LOPES DA SILVA as condições descritas no artigo 44, inciso III; com fulcro nos artigos 44, § 2º, art. 46 e 45 § 1º todos do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito consubstanciadas: a) na prestação de serviços à entidade assistencial, a ser escolhida quando da audiência admonitória, com jornada semanal de 7 (sete) horas e período de duração de 2 (dois) anos – facultada a utilização da norma prevista no § 4º, do artigo 46 –, ressaltando-se que a pena restritiva de prestação de serviços deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, nos termos do artigo 55 do Código Penal; b) e ao pagamento a entidade pública com destinação social, a ser designada por ocasião da audiência admonitória, de 3 (três) salários mínimos a título de pena prestação pecuniária, enfatizando que tal pena pecuniária poderá ser parcelada no transcorrer da execução e que não se trata de pena mensal, mas sim global (2 salários mínimos a serem pagos pela ré LIDIANE LOPES DA SILVA durante todo o transcorrer da execução penal). Por outro lado, considere-se que não estão presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva dos réus, uma vez que não existem notícias de que tenham cometido ilícitos penais após os fatos descritos na denúncia. Neste momento processual este juízo não tem elementos concretos para decretar prisões preventivas dos acusados, uma vez que não existem informações de que tenham praticado algum delito ou crimes similares após os fatos objeto desta ação penal. Note-se que o Supremo Tribunal Federal tem decidido que para a decretação da prisão preventiva devem existir elementos concretos de perigo à ordem pública, sendo certo que esses elementos devem ser contemporâneos com a data da decretação da prisão preventiva, já que esta última tem índole cautelar e não visa à imposição de pena de forma antecipada. 88 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL De qualquer forma, note-se que todos os réus poderão apelar independentemente de se recolherem ao cárcere. Nesse sentido, deve-se ponderar que a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – no mesmo sentido de vários julgados do Supremo Tribunal Federal – tem entendido que o réu não pode ter seu recurso obstado pelo fato de não se recolher à prisão. Nesse diapasão, foi editada a súmula nº 347, publicada no DJ de 29/04/2008 no sentido de que “o conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”. Ou seja, independentemente do encarceramento do acusado este tem o direito de apelar, sendo que caso exista fundamento para se decretar a prisão preventiva do condenado ela poderá ser decretada, mas tal fato não gera a inviabilidade da subida e análise do seu recurso, em homenagem ao princípio da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Nesse sentido, inclusive, está vazada a nova redação do parágrafo único do artigo 387 do Código de Processo Penal. Por outro lado, deve-se analisar a aplicação das modificações perpetradas pela Lei nº 11.719/08, acrescentando o inciso IV ao artigo 387 do Código de Processo Penal, através da qual o juiz deve fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração. No caso em questão, não existem elementos concretos e seguros nos autos que possibilitem a fixação dos danos e o prejuízo econômico experimentado pela União com a exploração ilegal da Fazenda Capelinha, uma vez que não há como delimitar com a prova colhida nestes autos a capacidade de produção da Fazenda, o exato número de lotes ocupados e utilizados por IRANILDES LOPES DA SILVA e sua família, o valor que poderia ser obtido com a venda de produtos, etc. Em sendo assim, diante da ausência de elementos, deixo de fixar o valor mínimo relativo à reparação dos danos experimentados. Com relação aos documentos apreendidos nas diligências realizadas por ocasião da expedição dos mandados de busca e apreensão, eles devem 89 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL permanecer acautelados nestes autos até o trânsito em julgado da demanda, por interessarem como prova a este processo e também a futuras ações penais que deverão vir a serem instauradas em razão da notícia de outros crimes (inclusive desvios de verbas do PRONAF). Por oportuno, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal, determino que a Secretaria desta Vara extraia cópias dos contratos de fls. 77/84, da escritura de fls. 131/139, da petição inicial e documentos de fls. 163/193, do relatório de missão policial de fls. 208/213, dos depoimentos de fls. 1.205/1.206, 1.207/1.208, 1.209/1.210 e desta sentença, remetendo-os ao Ministério Público Federal, a fim de se apurar eventual crime cometido por Marcos Antonio Sarti e Humberto Carlos de Camargo Nogues, consistente na exploração ilegal de área da Fazenda Capelinha com arrendamento do imóvel para Humberto a fim de se plantar eucaliptos na área, crime este se iniciou em 2005 e perdurou até, ao menos, a prisão dos acusados. Outrossim, em fls. 1.289/1.292 foram acostados documentos que comprovam que, em Janeiro de 2010, foi firmado um contrato de parceria com Sidney Veloso de Oliveira em relação às terras objeto da Fazenda Capelinha, continuando antigos assentados a obterem ganhos de terras financiadas com recursos públicos. Destarte, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código de Processo Penal, requisito a instauração de inquérito policial, determinando que a Secretaria desta Vara extraia cópias dos documentos de fls. 1.289/1.292, da escritura pública de fls. 131/138 e desta sentença, para instrução do inquérito, uma vez que tais documentos comprovam, em princípio, que continua a haver a exploração ilegal da Fazenda Capelinha, que não pode ser cedida ou arrendada para terceiros. Na mesma senda, há que se destacar que em fls. 878, o douto Delegado da Polícia Federal constatou que existem nos autos em apenso 90 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL diversas declarações falsas assinadas por uma pessoa identificada como Alexandre Kriechle, que seria presidente do sindicato rural de Buri. Não obstante, não há notícias da instauração de inquérito policial em relação a esse fato, até porque, os originais das declarações continuam constando nos autos em apenso. Destarte, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código de Processo Penal, requisito a instauração de inquérito policial para apurar eventual crime de falsidade ideológica praticado por Alexandre Kriechle, determinando que os originais dos documentos de fls. 320, 321, 337, 338, 351, 352, 358, 364 e 371 contidos no apenso I (volume 2) sejam retirados dos autos e substituídos por cópias devidamente certificadas. No ofício de requisição para a instauração do inquérito deverão ainda seguir cópias dos depoimentos e documentos das pessoas constantes nas declarações e que, conforme restou comprovado, nunca exerceram atividades agrícolas, ou seja: ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS (fls. 556/560), FERNANDO ROSA DOS SANTOS (fls. 548/553), Cleonice Gonçalves dos Santos (fls. 486/489), Valdeci dos Santos (fls. 506/509), LIDIANE LOPES DA SILVA (fls. 563/567), Claudemir Gonçalves dos Santos (fls. 493/499), Edna Braz da Silva (fls. 500/502), Dulce Gonçalves dos Santos (fls. 490/492) e Ambrozina Gonçalves dos Santos (fls. 503/505), bem como cópia desta sentença. Por fim, devem-se tecer considerações sobre a aplicação do artigo 211 do Código de Processo Penal neste momento processual. Isto porque, analisando-se o conjunto probatório, observa-se que existem sérios indícios de cometimento de crimes de falso testemunho com causa de aumento de pena – artigo 342, § 1º do Código Penal, uma vez que em depoimentos prestados no bojo deste processo penal surgiram testemunhos inverídicos, havendo indícios de cometimento do crime dantes citado. Com efeito, em fls. 1.211 consta o depoimento de Artur Pinto Vieira prestado perante a Comarca de Itapeva. Em seu testemunho assevera que 91 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL “não foi obrigado a deixar o assentamento. Não recebi coisa alguma para sair de lá”. Tal depoimento colide frontalmente com seu próprio depoimento prestado em sede policial em fls. 619/622, uma vez que afirma textualmente que recebeu a quantia de R$ 1.500,00 para deixar o assentamento. Também colide frontalmente com o contrato assinado por Artur Pinto Vieira em que declara receber quantia para ceder suas cotas, conforme documentos constantes no apenso I. Ademais, o depoimento prestado em juízo colide com vários outros depoimentos de assentados que confirmaram que receberam dinheiro para repassar as quotas sociais para IRANILDES LOPES DA SILVA. Destarte, devem ser extraídas cópias pertinentes para instauração de inquérito policial, remetendo as cópias para a autoridade policial (artigo 211 do Código de Processo Penal), para apurar delito de falso testemunho com causa de aumento de pena em detrimento de Artur Pinto Vieira. Outrossim, no depoimento prestado em fls. 1.328 José Nilson da Cruz disse não conhecer dos fatos, revelando que faz parte da associação, mas nunca morou na Fazenda Capelinha. Evidentemente, existem fortes indícios que referida testemunha calou a verdade, também sendo necessária a instauração de inquérito policial por falso testemunho. Isto porque, em sede policial em fls. 601/605, a testemunha afirmou que JOAQUIM DIAS DA SILVA, então presidente da associação, lhe informou que havia uma pessoa interessada em assumir a dívida da associação e pagar R$ 3.000,00 para cada um dos integrantes a fim de que desocupassem a fazenda onde outras pessoas trabalhariam após a venda. Também colide frontalmente com contrato assinado por José Nilson da Cruz em que declara receber quantia para ceder suas cotas, conforme documentos constantes no apenso I. Destarte, devem ser extraídas cópias pertinentes para instauração de inquérito policial, remetendo as cópias para a autoridade policial (artigo 211 do Código de Processo Penal), para apurar delito de falso testemunho com causa de aumento de pena em detrimento de José Nilson da Cruz. 92 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face de IRANILDES LOPES DA SILVA, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, LIDIANE LOPES DA SILVA, FERNANDO ROSA DOS SANTOS e ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, absolvendo-os em relação ao crime de quadrilha (artigo 288 “caput” do Código Penal), com fulcro no artigo 386, inciso VII (nova redação dada pela Lei nº 11.690/08) do Código de Processo Penal, por não existirem provas suficientes para a condenação dos réus em relação a esse delito. Ademais, também JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, absolvendo-os em relação ao crime de extorsão (artigo 158 “caput” do Código Penal), com fulcro no artigo 386, inciso VII (nova redação dada pela Lei nº 11.690/08) do Código de Processo Penal, por não existirem provas suficientes para a condenação de ambos os réus em relação a esse delito. Ao reverso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face IRANILDES LOPES DA SILVA, portador do RG nº XXXXXXX, inscrito no CPF sob o XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e domiciliado na XXXXXXX, condenando-o a cumprir a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão e a pagar o valor correspondente a 97 (noventa e setenta) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, como incurso nas penas artigo 171, § 3º do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal em concurso material – artigo 69 do Código Penal – com o crime previsto no artigo 158 do Código Penal c/c inciso II do artigo 14 do Código Penal. 93 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL O regime inicial de cumprimento da pena de IRANILDES LOPES DA SILVA será o fechado (§3º do artigo 33 do Código Penal), conforme consta na fundamentação desta sentença. Neste caso, não se afigura cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, consoante consta na fundamentação acima delineada. Por outro lado, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS, portadora do RG XXXXXXX, inscrita no CPF sob o XXXXXXX, nascida em XXXXXXX, residente e domiciliada na XXXXXXX; e FERNANDO ROSA DOS SANTOS, portador do RG nº XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e domiciliado na Rua XXXXXXX, condenando cada qual a cumprir a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e a pagarem cada qual o valor correspondente a 40 (quarenta) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, como incursos nas penas artigo 171, § 3º do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal. Os regimes iniciais de cumprimento das penas de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS SANTOS serão o aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. A substituição das penas privativas de liberdade de ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e FERNANDO ROSA DOS SANTOS pelas penas restritivas de direitos será feita em consonância com a forma constante na fundamentação desenvolvida alhures. 94 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Outrossim, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face de ABÍLIO CÉSAR COMERON, portador do RG XXXXXXX, inscrito no CPF sob o XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e domiciliado na XXXXXXX; e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, portador do RG nº XXXXXXX, inscrito no CPF sob o nº XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e domiciliado na XXXXXXX, condenando cada qual a cumprir a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, e a pagarem cada qual o valor correspondente a 53 (cinquenta e três) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, como incursos nas penas artigo 171, § 3º do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal. Os regimes iniciais de cumprimento das penas de ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS serão o aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. A substituição das penas privativas de liberdade de ABÍLIO CÉSAR COMERON e JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS pelas penas restritivas de direitos será feita em consonância com a forma constante na fundamentação desenvolvida alhures. Ademais, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face de JOAQUIM DIAS DA SILVA, portador do RG nº XXXXXXX, inscrito no CPF sob o nº XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e domiciliado no XXXXXXX; e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, portador do RG nº XXXXXXX, inscrito no CPF sob o n XXXXXXX, nascido em XXXXXXX, residente e domiciliado na Av XXXXXXX, condenando cada qual a cumprir a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, e a pagarem cada qual o valor correspondente a 40 (quarenta) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 95 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, como incursos nas penas artigo 171, § 3º do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal. Os regimes iniciais de cumprimento das penas de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS serão o aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. A substituição das penas privativas de liberdade de JOAQUIM DIAS DA SILVA e ADEMIR RODRIGUES DE BARROS pelas penas restritivas de direitos será feita em consonância com a forma constante na fundamentação desenvolvida alhures. Por fim, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal em face de LIDIANE LOPES DA SILVA, portadora do RG nº XXXXXXX, nascida em XXXXXXX, residente e domiciliada na XXXXXXX, condenando-a a cumprir a pena de 2 (dois) anos de reclusão, e a pagar o valor correspondente a 26 (vinte e seis) dias-multa, fixando, para cada dia-multa, o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, como incursa nas penas artigo 171, § 3º do Código Penal cumulado com o artigo 29 do Código Penal. O regime inicial de cumprimento da pena de LIDIANE LOPES DA SILVA será o aberto, ao teor do contido no art. 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal. A substituição da pena privativa de liberdade de LIDIANE LOPES DA SILVA pelas penas restritivas de direitos será feita em consonância com a forma constante na fundamentação desenvolvida alhures. 96 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL Todos os réus poderão apelar independentemente de terem que se recolher à prisão, nos termos da Súmula nº 347 do Superior Tribunal de Justiça, não estando presentes os requisitos que autorizam a decretação das prisões preventivas. Condeno ainda os réus IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA ao pagamento das custas processuais nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal e artigo 6º da Lei nº 9.289/96. Comunique-se, após o trânsito em julgado da demanda, à Justiça Eleitoral o teor desta sentença, para fins do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. Comunique-se ao Instituto de Identificação para que este proceda aos ajustes das informações relativas a todos os réus, em relação à ação penal objeto desta sentença. Intime-se o Ministério do Desenvolvimento Agrário (Delegacia no Estado de São Paulo) acerca da prolação desta sentença, nos termos do § 2º do artigo 201 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei nº 11.690/08. Após o trânsito em julgado da demanda, lancem os nomes dos réus IRANILDES LOPES DA SILVA, ADEMIR RODRIGUES DE BARROS, JOAQUIM DIAS DA SILVA, ABÍLIO CÉSAR COMERON, JORGE MARCELO FOGAÇA DOS SANTOS, FERNANDO ROSA DOS SANTOS, ELIANE 97 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL APARECIDA LOPES DA SILVA SANTOS e LIDIANE LOPES DA SILVA no rol dos culpados. Oficie-se, com urgência, ao Ministério Público Federal, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal, remetendo as cópias acima relatadas, a fim de se apurar eventual crime cometido por Marcos Antonio Sarti e Humberto Carlos de Camargo Nogues, consistente na exploração ilegal de área da Fazenda Capelinha com arrendamento parcial do imóvel para Humberto. Oficie-se, com urgência, ao Superintendente da Delegacia de Polícia Federal em Sorocaba, requisitando a instauração de dois inquéritos policiais distintos, conforme acima consignado, nos termos do artigo 5º, inciso II do Código de Processo Penal, uma vez que (1) os documentos de fls. 1.289/1.292 comprovam, em princípio, que continua a haver a exploração ilegal da Fazenda Capelinha, que não pode ser cedida ou arrendada para terceiros; e (2) para apurar eventual crime de falsidade ideológica praticado por Alexandre Kriechle, possível presidente de sindicato rural de Buri, instruindo os ofícios com as cópias constantes na fundamentação desta sentença. Nos termos do artigo 211 do Código de Processo Penal, verificando este juízo que, em tese, as testemunhas Artur Pinto Vieira e José Nilson da Cruz fizeram afirmações falsas em depoimentos judiciais prestados em fls. 1.211 e 1.328 destes autos, conforme consignado na fundamentação desta sentença, determino a remessa de cópias desses depoimentos judiciais (fls. 1.211 e 1.328), dos depoimentos em sede policial constantes em fls. 619/623 e fls. 601/605; dos documentos constantes no apenso I (volume 1), ou seja, fls. 66/73 (referente a Artur) e fls. 35/48 (referente a José), do relatório final da operação Capelinha (fls. 813/884) e desta sentença, à DPF/Sorocaba, requisitando a instauração de inquérito policial para verificação da 98 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL – SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SOROCABA 2ª VARA FEDERAL possível ocorrência de crimes de falsos testemunhos (artigo 342, parágrafo primeiro, do Código Penal). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Sorocaba/SP, 10 de Janeiro de 2011. MARCOS ALVES TAVARES Juiz Federal Substituto art.158-caput-art.171-§3-art.288-operacao-capelinha-13699.doc 99