ISSN 1678-8419 www.partes.com.br 6/25 Laboratório de Aprendizagem e a prática pedagógica em sala de aula: contribuições para o debate Márcia Regina da Silva* José Edimar de Souza*** Resumo A investigação problematiza as aprendizagens desenvolvidas entre o Laboratório de Aprendizagem e a prática pedagógica da sala de aula. Contribui para o debate da relação entre o trabalho docente e as possibilidades de construção do conhecimento. Utiliza-se metodologicamente da auto-reflexão crítica na perspectiva freireana a partir do contexto de atuação de dois professores. Constata-se que ainda é um desafio aproximar o diálogo entre estes dois espaços para que se consolide uma efetiva aprendizagem dos alunos que circulam nestes espaços. Palavras-chave: Laboratório de Aprendizagem. Inclusão. Prática Pedagógica. Aprendizagem. Resumen La investigación analiza las aprendizajes desarrollados entre el laboratorio de aprendizaje y la práctica pedagógica en el aula. Contribuye a la discusión de la relación entre la enseñanza y las posibilidades de construcción del conocimiento. Se utiliza metodológicamente la reflexión autocrítica en la perspectiva de Paulo Freire por el contexto de la ejecución de dos profesores. Parece que todavía es un reto contruir el diálogo más estrecho entre estos dos espacios para una eficaz aprendizaje de los estudiantes que circulan en estos espacios. Palabras-clave: Laboratorio de Aprendizaje. La inclusión. La enseñanza práctica. Aprendizaje. Introdução A proposta deste estudo é ampliar a discussão quanto à prática pedagógica desenvolvida em espaços escolares de aprendizagem: sala de aula e o Laboratório de Aprendizagem. As reflexões partem da empiria produzida no contexto das experiências vivenciadas por nós, enquanto professor no espaço da sala de aula e professora que atua no Laboratório de Aprendizagem. Utiliza-se metodologicamente da auto-reflexão crítica na perspectiva freireana a partir do contexto de atuação de um professor e uma professora. Dessa forma, pretende-se contribuir e ampliar o * Acadêmica do Curso de Pedagogia na Unisinos. Professora da Rede Municipal de Esteio/RS. ** Graduado em História, Mestre e Doutorando em Educação na Unisinos com bolsa CAPES/Proex. Psicopedagogo Clínico e Institucional pela Universidade FEEVALE e PósGraduado em Gestão da Educação pela UFRGS. Especialista em Educação na Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Novo Hamburgo/RS. Integra os seguintes grupos de pesquisa: História, Política e Gestão da Escola Básica; Educação no Brasil: memória, instituições e cultura escolar (UNISINOS) e Historia y Prospectiva de la Universidad Latinoamericana (HISULA - UPTC – Colômbia). Revista Partes junho de 2013 1 ISSN 1678-8419 www.partes.com.br 6/25 diálogo em relação à circularidade da aprendizagem entre a sala de aula e, viceversa. As construções possíveis entre a sala de aula e o Laboratório de Aprendizagem O Projeto Laboratório de Aprendizagem é um espaço de atendimento educacional especializado para alunos que ao longo de sua aprendizagem apresentam alguma necessidade educacional especial, que interfira nos processos de aprendizagem e/ou no desempenho escolar, ou seja, com dificuldades cognitivas e múltiplas repetências. Por meio de estratégias de aprendizagem diferenciadas com ênfase no lúdico, o professor que atua neste espaço realiza atividades e vivências que visam desenvolver o potencial de todos os alunos, a sua participação e aprendizagem. A organização do trabalho dá-se da seguinte forma: atendimento em grupos de no máximo oito alunos; atendimento em turno inverso ao da sala de aula; registro da assiduidade do aluno, sendo que em caso de infrequência deve-se encaminhar ao Serviço de Orientação Escolar; registro de Evolução através de cada atendimento, onde consta o motivo do encaminhamento, o planejamento, as construções e o que é preciso enfatizar em relação às dificuldades de aprendizagem de cada aluno. Quanto às atribuições do professor do Laboratório de Aprendizagem, destacamos as seguintes: Participação nos encontros mensais de formação, entrevista inicial com pais/responsáveis a fim de conhecer mais sobre a realidade do aluno e firmar o termo de compromisso entre escola e família quanto aos atendimentos; registro das intervenções realizadas com os alunos, compondo o arquivo do Laboratório de Aprendizagem da escola; trocas, quando necessário, com profissionais da saúde, que atendam o aluno; elaboração de diferentes estratégias para contribuir com as construções cognitivas de cada aluno; construção trimestral de parecer descritivo para devolução aos pais/responsáveis e professores. No parecer descritivo deverão ser detalhados os aspectos desenvolvidos nas áreas de raciocínio lógico-matemático, leitura e escrita, emocional e motora ampla e fina. Como aspecto auto-reflexivo de nossas práticas, como professor atuando em sala de aula e como professora de Laboratório de Aprendizagem propomos agregar uma discussão. Observamos que nos últimos anos, a inclusão social e o trabalho de atendimento ao aluno com dificuldade de aprendizagem, alteraram o cotidiano das práticas pedagógicas. Os desafios não são apenas de garantir o acesso dos alunos com diferentes níveis de desenvolvimento da aprendizagem, ele consiste em criar um elo entre a “rede” de atendimento que se “inventou” no contexto das práticas para que estes alunos, minimamente aprendessem. (CHARTIER, 2002). Revista Partes junho de 2013 2 ISSN 1678-8419 www.partes.com.br 6/25 O que estamos propondo é aproximar e construir um “tempo” na rotina escolar que não seja meramente o das reuniões e dos rápidos retornos entre os professores dos alunos que frequentam estas redes de atendimentos. (VARELA; ALVAREZ-URÍA, 1992). Cabe refletir que entendemos este aspecto como um “processo” pelo qual devemos “politicamente” batalhar para que sua materialidade ultrapasse a “utopia”. (FREIRE, 1996). Constatamos que as construções e a significação de aprendizagens construídas nos distintos espaços, tanto no laboratório, com uma intervenção muito mais intensa para o lúdico, bem como quanto o da sala de aula não se encontram em diálogo1. Além disso, dificilmente os professores conseguem construir um projeto de trabalho coletivo para este sujeito atendido no laboratório. O Laboratório de Aprendizagem não é um lugar de jogar e brincar sem saber exatamente porque se está jogando, nem é um reforço pedagógico ou uma repetição de atividades realizadas em aula, tão pouco um lugar de fazer temas. Diferencia-se também da proposta dos Laboratórios de Aprendizagem, cujo foco é a aprendizagem, atuando mais diretamente com sujeito da aprendizagem e/ou com o sujeito e sua aprendizagem. (SOUZA; SILVA, 2009). Outro desafio, além da incompreensão que impede um “clareamento” quanto ao trabalho que se desenvolve neste espaço é a desmotivação de alguns alunos. Como argumenta Fernández (2001), encontram-se na situação de inibição de aprendizagem, com provável sintoma de “heteronomia”. O grande desafio é resgatar em cada um o ser “aprendente”, através de sutis atitudes e brincadeiras que estimulem a mostrar que são seres capazes de aprender. Neste sentido, o papel do “ensinante” traz uma concepção infinitamente responsável, sendo que Paulo Freire diz que “a responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente”. (FREIRE, 1996, p. 28). No cotidiano da sala de aula este sintoma, a desmotivação do aluno também aparece, a evolução da aprendizagem tem sido lenta para estes alunos. Cabe ressaltar que o contexto social da maioria destes alunos caracteriza-se pelo histórico familiar com pouca escolarização e uma esmagadora desigualdade social. A queixa da não-aprendizagem parte da sala de aula, do docente que atua a maior parte do tempo com os alunos e geralmente surge a partir da manifestação do sintoma. Para Fernández (1991, p.82), “[...] o que constitui um ‘sintoma’ ou uma ‘inibição’ tomam forma em um indivíduo, afetando a dinâmica de articulação entre os níveis de inteligência, o desejo, o organismo e o corpo”, aprisionando a inteligência. Este aspecto é indispensável para se estabelecer o diagnóstico de Revista Partes junho de 2013 3 ISSN 1678-8419 www.partes.com.br 6/25 atendimento e intervenção. O objetivo do plano/projeto de trabalho que se desenvolve com os alunos visa promover condições saudáveis nos relacionamentos humanos que se traduzam em construções de aprendizagens. As estratégias de trabalho neste espaço são peculiares a cada grupo e visam apostar nas reais possibilidades dos sujeitos ali envolvidos sem uma real preocupação se atingirão ou não habilidades, conteúdos ou assuntos que compõem a grade curricular da série/ano que frequentam regularmente na escola. (SOUZA; SILVA, 2009). O jogo e o brincar são características basilares deste atendimento, pois, aprender é passar da não posse a posse, é apropriar-se em autoria. É ser capaz de assumir suas limitações e ultrapassá-las. É ser capaz de saberes práticos, constituintes de espaços de produção de aprendizagem. Como diz Gadotti (2003, p. 48): Todo ser vivo aprende na interação com o seu contexto: aprendizagem é relação com o contexto. Quem dá significado ao que aprendemos é o contexto. Por isso, para o educador ensinar com qualidade, ele precisa dominar, além do texto, o com-texto, além de um conteúdo, o significado do conteúdo que é dado pelo contexto social, político, econômico [...] enfim, histórico do que ensina. Neste sentido, todo educador é também um historiador. Desse modo, as relações de aprendizagens permitem observar o sujeito se fazendo e fazendo em e nas culturas, como sujeito que pensa e se responsabiliza pela sua autoria, que constrói com autonomia “sua palavra”. (SOUZA, 2011). A aprendizagem não apenas tratada como um requisito cognitivo, mas a aprendizagem como possibilidade de leitura de mundo, da realidade e da cultura que perscrutem cotidianamente. Fernández (2001, p. 65) ressalta “[...] conseguiremos situar-nos ante o futuro, autorizando-nos a construir [...] um passado [...]. Tarefa que só podemos fazer cada um de nós, como autores e biógrafos de nossa história.”. Constatamos que a autoria, a autonomia de pensamento é algo que não consta como principal diagnóstico apresentado pelos professores. Há uma preocupação intensa com os conteúdos e a expectativa de que o professor do Laboratório de Aprendizagem atue como um “reforço” para os conceitos que são apresentados pelos professores, nas aulas, e incompreendidos pelos alunos. (MARIANO; SOUZA, 2011). Reiteramos que é para que o aprender seja algo saudável para o aluno, o conjunto da aprendizagem que passa necessariamente pelo corpo precisa estar em constante “equilibração”, nas palavras de Fernández (2001), estar em desacomodação/acomodação. Considerações Finais Revista Partes junho de 2013 4 ISSN 1678-8419 www.partes.com.br 6/25 Ao focar o trabalho de sala de aula e objetivar as aprendizagens e desenvolvimento da autonomia, no tempo individual de cada sujeito, é reconhecer que como sujeito autor de seu pensamento e suas construções, além da aprendizagem o sujeito adquire uma identidade. Este processo se transversaliza em posturas, modos de ser, agir, pensar e refletir. Para concluir acreditamos na utopia, pois ela no dizer freireano se ancora no presente concreto, aponta o futuro, que só se constitui na e pela transformação do presente. Acredito que podemos vislumbrar um futuro de relações humanas bem mais dialógicas, justas e significativas, e isso passa pela escola, pelos setores de atendimento, pelas interações que devemos estar dispostos a estabelecer, como aqui propostas de refinar relações e práticas entre o laboratório e a sala de aula, com propósito comum, o sucesso na aprendizagem dos sujeitos! Referências CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia. A história entre certezas e inquietude. Porto alegre: Editora da Universidade, UFRGS, 2002. FERNÁNDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada abordagem Psicopedagógica Clínica da Criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. ______. Os idiomas do aprendende: análise de uma modalidade ensinante em família, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2003. SOUZA, José Edimar de. Memória e aprendizagem: dizer a sua palavra. In: FREITAS, Ana Lúcia Souza de; GHIGGI, Gomercindo; CAVALCANTE, Márcia H. Koboldt.. (Org.). Leituras de Paulo Freire na partilha de experiências. 1ª. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011, v.1 , p. 94-95. ______. MARIANO, Rosângela. A linha vando pensamentos: sobre educação e outros mais... Porto Alegre: Pearis, 2011. ______. SILVA, Andrisa Link da. Aproximando práticas: o espaço da sala de recursos e da sala de aula. In: Anais. Seminário Nacional Educação, Inclusão e Diversidade. Taquara: FACCAT, 2009, p. 1-10. VARELA, Julia.; ALVAREZ-URÍA, Fernado. A maquinaria escolar. 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Disponível <http://www.partes.com.br/2012/10/04/trajetorias-de-professores-de-classesmultisseriadas-memorias-do-ensino-rural-em-novo-hamburgors-1940-a-2009/>Email: [email protected]. Como citar este artigo: SILVA, Márcia Regina da; SOUZA, José Edimar de. Laboratório de Aprendizagem e a prática pedagógica em sala de aula: contribuições para o debate. Rev. P@rtes. [online]. Nº de páginas: …., Vol:… Janeiro de 2012. Disponível…. 1 Parte da empiria utilizada sustenta-se em estudos anteriores desenvolvidos pelos autores e que foram publicados nos anais de dois eventos, a saber: SOUZA, José Edimar de.; SILVA, Andrisa Link da. Aproximando práticas: o espaço da sala de recursos e da sala de aula. In: Anais. Seminário Nacional Educação, Inclusão e Diversidade. Taquara: FACCAT, 2009, p. 110; SILVA, Márcia Regina da. Laboratório de Aprendizagem como Possibilidade de Transformação. In: Anais. XII Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire. Porto Alegre: PUCRS, 2010, p. 1-4. Revista Partes junho de 2013 6