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O DESENHO NO ESPAÇO ESCOLAR LUSO-BRASILEIRO DOSÉCULO XIX
Gláucia Maria Costa Trinchão1
Universidade Estadual Feira de Santana
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Universidade Lusófona
RESUMO
O texto é fruto de investigações que vêm sendo realizadas durante o curso de doutorado no campo da
Educação e Políticas Públicas e tem como objetivo construir a trajetória da disciplina desenho no
currículo dos cursos das escolas secundárias e de formação dos seus professores destinadas ao ensino
público e, comparar a história da inserção desta disciplina nos espaços escolares durante o processo de
constituição da Instrução Pública oitocentista em Portugal e no Brasil, nas províncias da Bahia e do
Rio de Janeiro. O estudo tem caráter analítico interpretativo e visa identificar as raízes históricas do
ensino do desenho em Portugal e sua relação com as escolas brasileiras e, assim busca contribuir com
a memória social dessa disciplina. A base da argumentação do trabalho apóia-se em leis provinciais,
relatórios de presidentes de província e diretores de instrução pública, assim como em manuais
escolares, impressos e manuscritos encontrados em bibliotecas e arquivos do Brasil e de Portugal. A
relação entre a cadeira de desenho, os espaços de ensino secundário e as escolas de formação de
professores será construída a partir da compreensão do desenho enquanto área do conhecimento
humano. Em Portugal, o século XIX foi o século de institucionalização do ensino liceal público e, com
ele, do ensino de Desenho. A crença na Instrução como o elemento que estimularia e configuraria o
progresso da nação portuguesa chegou em tempos de forte processo de industrialização de paises
como França e Inglaterra. O investimento em instrução incentivaria o comércio, com a capacitação de
mão-de-obra operária, e a Escola passaria a ser entendida como um dever do Estado. Em se tratando
da instrução pública brasileira, a institucionalização se iniciou pós-independência a partir da Carta Lei
de 25 de março de 1824, representou a primeira Constituição brasileira, e foi outorgada pelo
imperador Dom Pedro I, na crença da educação como um processo civilizatório - era necessário
formar mão-de-obra especializada para atuar num sistema de ensino público eficaz, capaz de
contribuir para a constituição da nação, civilizando seu povo para a formação do quadro técnico,
administrativo e operário. Nesse caminho procura-se identificar os espaços escolares
institucionalizados e neles o papel do Desenho na formação dos grupos sociais que deveriam
promover melhorias e progresso nas Nações portuguesa e brasileira, além de procurar perceber a interrelação entre os sistemas de ensino vigentes nos dois países na época. Este estudo torna-se importante
para diminuir a lacuna bibliográfica existente no Brasil, no que se refere a estudos sobre a História da
Disciplina Desenho.
1
Estágio doutoral na Lusófona – Lisboa
[email protected]/[email protected]
–
Pt.
Bolsista
Internacional
da
Fundação
Ford.
4915
TRABALHO COMPLETO
Introdução
Este artigo apresenta resultados de investigações realizadas durante o curso de doutorado no
campo da Educação e Políticas Públicas. Tem como objetivo esboçar a trajetória histórica da
disciplina desenho e sua representação no currículo dos cursos das escolas públicas secundárias e de
formação dos seus professores e, comparar a história da inserção desse campo de conhecimento como
disciplina em espaços escolares portugueses e brasileiros, nas províncias da Bahia e do Rio de Janeiro,
durante o processo de constituição da Instrução Pública oitocentista. O século XIX representou o
momento de institucionalização do ensino liceal público e, com ele, do ensino de desenho, nos dois
países.
O estudo tem caráter analítico, interpretativo. Visa identificar as raízes históricas do ensino do
desenho em Portugal, sua relação com as escolas brasileiras e busca contribuir com a memória social
dessa disciplina. A base da argumentação do trabalho apóia-se em leis provinciais, relatórios de
presidentes de província e diretores de instrução pública, assim como em manuais escolares, impressos
e manuscritos encontrados em bibliotecas e arquivos do Brasil e de Portugal. A relação entre a cadeira
de desenho, os espaços de ensino secundário e as escolas de formação de professores será construída a
partir da compreensão do desenho enquanto área do conhecimento humano.
O processo de institucionalização do conhecimento em desenho como disciplina escolar, nas
escolas públicas portuguesas e brasileiras, tem suas origens na derrocada da influência educativa dos
jesuítas, com a intervenção do Marquês de Pombal – primeiro Ministro do governo monárquico - e a
reforma educativa iniciada nos finais do século XVIII, que constrói as bases do ensino estatal. O
Marquês proibiu os jesuítas de exercerem autoridade sobre a educação nacional, de exercerem a
profissão de magistério e, por fim, determinou a expulsão das ordens religiosas dos territórios de
domínio português, trazendo a responsabilidade da educação nacional para o Estado. A partir daí se
buscou a construção de uma organização do ensino público, que se aproxima muito do que se observa
hoje em Portugal e no Brasil, um ensino elementar obrigatório seguido de um ensino secundário que
desse base para ingresso ao nível universitário. O ensino, antes administrado pela igreja, passou aos
domínios do Estado. As três primeiras décadas do século XIX representam o início das investidas na
construção desse sistema público, mas que só vieram a se fortalecer nas décadas finais desse século
tanto no Brasil quanto em Portugal.
Em Portugal, a instrução veio como elemento que estimularia e configuraria o progresso da
nação e chegou em tempos de forte processo de industrialização de paises europeus como França e
Inglaterra. Investiu-se em instrução como incentivo ao comércio, com a capacitação de mão-de-obra
operária, entendendo a Escola como um dever do Estado. O século XIX se caracterizou por sucessivas
lutas políticas entre Conservadores e Progressistas e no bojo dessas lutas se iniciou a organização de
um sistema nacional de educação. Projetos de reformas foram encomendados pelo governo então
liberal, porém nem todos foram adotados. O ensino liceal apareceu como um grau intermédio
destinado a preparar o aluno a entrar nos estabelecimentos de ensino superior. O desenho que, até
então, se fazia presente nas “aulas de risco” e como cadeira no Real Colégio dos Nobres, apareceu
como componente de uma das cadeiras das principais propostas, mas, enquanto disciplina
efetivamente do ensino liceal português só na década de 1850, porém enquanto cadeira independente
só a partir de 1860.
Os problemas com o sistema de ensino tiveram importância secundária nas propostas de
reformas portuguesas, entre 1823 e 1836, levado em conta o estado de atraso da instrução pública,
principalmente o ensino de desenho. Nesse período, foram elaborados estudos, por Deputados e outros
cidadãos, com propostas de reforma do sistema escolar inspirados em modelos de outros países,
especialmente a França. As propostas e projetos tiveram como objetivo a separação do ensino
secundário do ensino menor – primário -, por meio da criação de liceus e a posição de ensino
intermediário para o acesso ao nível superior. Algumas dessas propostas não tiveram boa aceitação no
momento, mas contribuíram com programas posteriores. Após a Revolução de 1820, tornou-se
emergente formar mão-de-obra especializada e compor o quadro administrativo e gestor da economia
estatal. Entre criações e supressões de cadeiras, realizadas pelo governo absolutista, não apareceu
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nenhuma “reforma criando um sistema global de ensino ou remodelando apenas o ensino secundário”
(ADÃO,1982, p. 21- 25).
O conteúdo do desenho apareceu compondo uma das cadeiras em algumas dessas propostas e
estudos. No projeto do matemático e filósofo Francisco Soares Franco, em 1823, apareceu nas aulas de
Geometria para as escolas secundárias, inserido no campo das ciências exatas. Nesse mesmo ano o
desenho linear e a geometria descritiva fizeram parte das cadeiras destinadas ao ensino das escolas
secundárias, tidas como complemento do ensino primário, mas não compuseram o quadro de cadeiras
dos liceus no projeto apresentado pelo professor e engenheiro Luis da Silva Mousinho de Albuquerque
à Câmara dos Deputados, até porque estes ainda não haviam sido formalizados. A proposta de
Mousinho de Albuquerque trazia inovações inspiradas em modelos franceses, defendia a instrução
como um bem público, como uma dívida do governo para com o seu povo e definia quatro tipos de
estabelecimentos de ensino: escolas primárias, escolas secundárias – complemento do ensino primário
-, liceus - preparatório para ingresso no ensino superior -, e academias.
No Brasil, a institucionalização do ensino público se iniciou pós-independência, a partir da
Carta Lei de 25 de março de 1824 que representou a primeira Constituição brasileira e foi outorgada
pelo imperador Dom Pedro I. O incentivo chegou também na crença da educação como meio
civilizatório, era necessário formar mão-de-obra especializada para atuar num sistema de ensino
público eficaz, capaz de contribuir para a constituição da nação, civilizando seu povo e formar o
quadro técnico, administrativo e operário. O poder público, também sob a influencia de modelos
franceses, adotou a idéia de criação de Escolas Normais e de Liceus nas províncias como meios
eficazes de construção e expansão rápida de um sistema de ensino eficiente e qualificado. Desde a
expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, “as ações dos poderes públicos, em matéria de ensino
secundário, estavam restritas à criação de algumas “cadeiras” ou “aulas” avulsas de latim, francês,
filosofia, retórica e geometria que se destinavam a dar o preparo básico para ingresso na Universidade
de Coimbra ou em cursos superiores na França” (VECHIA, 2003, p.27).
O conhecimento em desenho estava embutido nas cadeiras ou aulas de geometria, também
com conteúdos voltados para as ciências exatas. Em Salvador, desde 1829, havia uma aula maior de
desenho preparatória para ingresso em curso superior e o Curso de geometria Mecânica aplicada,
criado em 1832. Também existiam aulas de desenho no Colégio São Joaquim que atendia alunos
externos (NUNES, s.d. p. 4-6).
Nesse caminho este artigo busca identificar os espaços escolares institucionalizados e neles o
papel do desenho na formação dos grupos sociais que deveriam promover melhorias e progresso nas
Nações portuguesa e brasileira e perceber a inter-relação entre os sistemas de ensino vigentes no
período em questão. Este estudo torna-se importante para diminuir a lacuna bibliográfica existente em
Portugal e no Brasil, no que se refere a estudos sobre a História da Disciplina Desenho e o ensino
secundário.
Institucionalização do ensino de desenho: Portugal e Brasil
A década de 1830 representa o marco das ações modernizadoras dos Estados, português e
brasileiro, em busca da organização e articulação do ensino público. Em Portugal as atenções se
voltaram para os problemas com a instrução ao reconhecer a necessidade de consolidação das
instituições consignadas na Carta Constitucional de 1822, com o reconhecimento da necessidade da
propagação das luzes e os conhecimentos úteis com fins de civilidade. Se investiu na abertura de
escolas particulares e na criação e definição do ensino secundário liceal. No Brasil, representou a
absorção Estatal do ensino, até então, mantido no âmbito particular, individualizado e fora de seus
domínios, e em tentativas de sistematização do ensino público. Entre uma seqüência de criações e
supressões de cadeiras o ensino de desenho se fez presente desde o ano de 1836, ano de criação dos
primeiros Liceus brasileiros e nas propostas e estudos para a reforma do ensino em Portugal. Enquanto
no Brasil na década de quarenta o desenho teve representatividade nas propostas de formação da
classe operária. Em Portugal, o conhecimento em desenho ficou embutido nas ciências exatas nas
principais propostas para o curso secundário, compondo a disciplina de geometria, situação que se
estendeu até a década de 1860.
O desenho linear apareceu, em 1833, como uma das disciplinas indicadas para as escolas
gerais de ensino secundário - complementar do ensino primário -, nos estudos para elaboração de um
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plano geral de ensino público proposta pela Comissão portuguesa, presidida pelo conselheiro do
Estado Francisco Manuel Trigoso de Aragão Maroto, juntamente com as línguas, as ciências e as
letras (ADÃO, 1982, p.25-28). Em 1835, “O decreto que cria o Instituto de Ciências Físicas e
Matemáticas, refere também ao ensino liceal”, como preparatório para o ensino superior, e determina a
exigência da certidão de aprovação nas cadeiras dos liceus, dentre elas a de desenho, para ingresso nos
cursos superiores, após três anos de estabelecimento dos liceus (ADÃO, 1982, p.31). Nesse ano, o
desenho linear e a geometria aparecem como uma das quatro cadeiras de ensino secundário – ou de
comarca – e uma das oito cadeiras do ensino liceal – ou escolas provinciais, no estudo apresentado por
Guilherme Jose António Dias Pegado aos deputados, como contributo à reforma do ensino. Apenas o
liceu promoveria o acesso ao ensino superior. Para admissão nas escolas secundárias, exceto em
desenho, seria obrigatório à apresentação do certificado de aprovação fornecido pelas escalas
primárias. São propostas de influência francesa e algumas já haviam sido expostas por Luis Mouzinho
(ADÃO, 1982, p. 41-43).
O ensino da geometria teórica e prática compôs o currículo da Escola Normal do Rio de
Janeiro, no Brasil, em 1835, criada como “remédio poderoso” para organizar e melhorar a instrução
pública e tinha a função social de profissionalizar a carreira do magistério, capacitando professores de
primeiras letras das Escolas de Ensino Mútuo2 e os aspirantes ao magistério de instrução primária
(MOACYR, 1939, p.191). O governo baiano criou uma cadeira avulsa de desenho para os interessados
em “geometria e mecânica aplicada às artes”, nomeando “qualquer cidadão hábil na profissão de
magistério” (MOACYR, 1939, p. 67). Em Portugal, a Sociedade Promotora da Indústria, criada em
1822 fundou um liceu privado, onde “se projetava ensinar gratuitamente geometria elementar e
descritiva, mecânica e química aplicada as artes” (ALMEIDA, 1860, p.5).
O ano de 1836 representou o ano de criação oficial dos liceus brasileiros. Nesse caminho, a
disciplina de desenho linear compôs o currículo dos recém criados Liceu e Escola Normal na Bahia,
ambas de educação secundária. Uma agregou as cadeiras avulsas e as aulas públicas da capital e
formava Bacharéis em Letras, e a outra capacitava professores e professoras de primeiras letras. Para
lecionar na cadeira de desenho, música e línguas, concorriam os que “se julgarem[vam] habilitados”,
mas para as demais cadeiras, por determinação presidencial, o título acadêmico seria obrigatório
(MOACYR, 1939, p.75). O desenho linear era ministrado juntamente com a aritmética e caligrafia –
desenho de letras -, pelo professor de ensino mútuo (NUNES, s.d. p.10). O desenho da paisagem,
geometria topográfica, desenho de máquinas, geometria descritiva e estereotomia, desenho de
comunicações e de arquitetura própria, fizeram parte do currículo do Instituto Técnico - Escola de
Arquitetos Medidores - para aspirantes de “engenheiros civis”, criado pelo governo carioca. O
desenho apareceu no currículo dessa Escola em diferentes modalidades e para receber o título de
engenheiro civil exigia-se a apresentação do “atestado do professor de desenho” (MOACYR, 1939,
p.194). Funcionou como aval da competência obtida, reafirmando a importância do desenho na
formação deste profissional.
Portugal investia na preparação de um sistema geral de instrução pública. O Secretário do
Estado dos Negócios do Reino, Luiz da Silva Mouzinho de Albuquerque, lançou à Câmara dos
Deputados uma proposta dividida em duas partes. Essa reconhecia o estado de atraso do ensino
secundário, a necessidade de melhorias e sua importância para o acesso ao nível superior. O desenho
foi contemplado no segundo projeto e a proposta não foi discutida por conta da Revolução (ADÃO,
1982, p. 32). Albino Francisco de Figueiredo e Almeida, com base nos trabalhos de Condorcet,
“considera[ou] como instrução secundária, o ensino ministrado nos liceus provinciais, com o objetivo
de habilitar os futuros cidadãos” com conhecimento para administração de seus negócios e industria,
exercício dos seus direitos civis e políticos e propõe que em cada liceu funcionasse uma escola Normal
primária, um curso Militar, um curso de Agricultura e um curso de Comércio e Administração. Porém,
não se sabe quais os objetivos que o levaram à realização deste estudo e o destino que lhe foi dado
(ADÃO, 1982, p.44). Algumas das sugestões foram, mais tarde, adotadas nas propostas de Passos
Manuel e Costa Cabral. O desenho apareceu como uma das 25 cadeiras que deveriam compor o curso
2
Método de ensino monitorial, mútuo ou lancasteriano, adotado no Brasil oficialmente em 1827, em que a
responsabilidade é dividida entre o professor e os monitores, visando uma democratização das funções de
ensinar. Foi sistematizado, separadamente, por A. Bell (1753-1832) e por J.Lancaster (1778-1838), que
reivindicam a paternidade do mesmo (BASTOS, 1997, p. 115-133).
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liceal e seria ministrado para todos os cursos. Mas, foi o projeto de José Alexandre de Campos, vicereitor da Universidade de Coimbra, implementado no governo de Passos Manuel, neste ano, que
consolidou oficialmente a criação dos liceus portugueses, substituindo as aulas secundárias, até então
dispersas, por um sistema de liceus nacionais, espalhados nas capitais de distrito. O novo sistema de
ensino médio oficial, inspirado no modelo francês, de feição prática e utilitária, pretendia preparar o
aluno para as atividades comerciais e industriais e, ao mesmo tempo, satisfazer os anseios da
burguesia. Foi “o primeiro plano sistematizado de estudos secundários integrando aspectos
curriculares, pedagógicos e administrativos”, (ADÃO, 1982, p. 54-56). Nessa organização o desenho
veio como conhecimento associado às ciências exatas: Álgebra, Aritmética, Geometria e
Trigonometria (ALMEIDA, 1960 : p.5).
O ensino do desenho figurativo fez parte do currículo do modelar Imperial Colégio Pedro II,
no Rio de Janeiro, fundado em 1837 (HAIDAR, 1972, p. 102), criado e organizado, com base nos
estatutos dos liceus franceses, para ser o centro difusor das idéias educacionais relativas ao ensino
secundário, tinha um caráter literário e era destinado às classes mais abastadas. Sua criação
representou a primeira ação do poder público, na figura do Ministro da Justiça e Interino do Império,
Bernardo de Vasconcellos, de estabelecer um ensino secundário público e de adotar um plano de
estudos integral e estruturado em níveis e series (VECHIA, 2003, p. 27). O Colégio era organizado por
um plano enciclopédico e composto de 22 disciplinas distribuídas entre oito aulas.
Entre uma seqüência de supressões de cadeiras por questões financeiras, a 5a cadeira do Liceu
de Coimbra da qual o desenho fazia porte, junto às ciências exatas, foi suprida pela 1a cadeira da
Faculdade de Matemática, no ano letivo de 1840-1841 (ADÃO, 1982, p.65). Pelo decreto de 10 de
outubro de 1840, o Liceu de Coimbra formou uma secção da Universidade, cujo reitor era o mesmo do
Liceu e os professores tinham as mesmas “honras” e “prerrogativas” dos lentes universitários
(ALMEIDA, 1960, p.6). No Brasil, no fim do período regencial eram muitas as críticas à instrução nas
províncias, também cadeiras foram criadas e outras suprimidas. Em 1841, pelo Estatuto do Liceu
baiano, o professor de desenho passou a dar também lições de pintura colorida e a geometria passou a
pré-requisito para a matrícula na cadeira de geografia (MOACYR, 1939, p.71). No Colégio Pedro II,
apesar da predominância do ensino literário, a disciplina desenho se expandiu, em termos de
modalidades: desenho caligráfico, desenho linear e desenho figurado, percorrendo todos os níveis
(HAIDAR, 1972, p. 102). O Método Mútuo de ensino foi adotado para Escola Normal baiana em
1842, deixando o ensino do desenho, da caligrafia (desenho de letras) e da aritmética na
responsabilidade não de um professor, mas sim de um monitor geral.
Em Portugal, a reforma Costa Cabral de 1844, propõe dois ramos de ensino: o que prepara
para atividades manuais - os conhecimentos próprios das profissões industriais - e o que prepara para
as atividades intelectuais - ensino secundário - estudo das ciências. “Propõe a criação de um novo
ramo de ensino, a instrução industrial [...] com profundos conhecimentos artísticos” (ADÃO, 1982,
79). No Rio de Janeiro, mesmo com o ensino público deficiente, se criou o Liceu de Campos, em
1844, objetivando “espalhar algumas luzes sobre a agricultura”, que absorveu as aulas de estudos
maiores da cidade, incluindo a de geometria (MOACYR, 1939, p. 200-201). O conteúdo de desenho,
tanto no currículo do Liceu brasileiro quanto na reforma de Costa Cabral, ficou novamente embutido
na disciplina de geometria. No caso português a geometria era aplicada as artes e pertencia à 3a
cadeira, ficando o desenho embutido nas ciências exatas. O ensino do desenho na Bahia chegou a 1845
compondo os currículos de um Liceu, uma Escola Normal e uma aula de mecânica aplicada às artes
(MOACYR, 1939, p.78/79).
Se o conhecimento em desenho em Portugal não alcançou uma efetiva participação nos currículos
dos cursos liceais até aqui. No Brasil, se fez presente nos currículos dos cursos secundários e normais
nas duas províncias brasileiras, ora como geometria aplicada às artes, ora como geometria teórica e
prática, como desenho linear ou como desenho figurado, caligráfico ou pintura colorida. A Escola
carioca de Arquitetos Medidores, por sua especificidade, representou um vasto campo do ensino de
desenho, em modalidades aplicadas a várias áreas de conhecimento como paisagem, topográfica,
máquinas, geometria descritiva, estereotomia, comunicação e arquitetura. Entretanto, essa Escola que
agonizava em estado de abandono foi abolida em 1846, e seus lentes despedidos. “Fechava-se uma
escola que representava a primeira tentativa de instrução técnica no paíz”, demonstrando o descaso do
poder público com o profissional da educação (MOACYR, 1939, p. 203).
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Os princípios do desenho linear foram indicados para compor o plano de estudos da escola de 1°
grau do Rio de Janeiro, em 1847, (MOACYR, 1939, p. 204 -209). O governo baiano, em 1848, inseriu
noções de desenho linear na Classe de Instrução Elementar e a geometria elementar na Classe de
Instrução Elementar Superior e solicitou a equiparação do Liceu ao plano de estudos do Colégio Pedro
II (MOACYR, 1939, p. 79-80). O governo carioca, em 1849, clamou por uma reforma radical que
criasse um “sistema acomodado às circunstâncias” e regularizasse a profissão de magistério.
Reformou a Escola Normal tradicional, implantando o modelo austríaco, em que os professores se
formavam pela prática e se aperfeiçoavam com a pedagogia (MOACYR, 1939, p. 210). Em 1850, o
governo baiano institui o Curso Normal Feminino teórico e prático, introduzindo o estágio
supervisionado e tornando obrigatório a apresentação do título das Escolas Públicas Primárias para
ingresso no Liceu (MOACYR, 1939, 82-83). Nesse ano o Colégio Pedro II, rearticulou o currículo
mantendo o ensino de desenho linear apenas no 1º ano (VECHIA e LORENZ, 1998, p. 27).
A disciplina desenho se fez presente nas propostas de composição dos Liceus nos dois países em
questão, na primeira metade do século XIX. Para Portugal, esse momento representou um período de
luta política e de elaboração de propostas para estruturação de um sistema de ensino, assim como no
Brasil, porém em suas propostas o conhecimento do desenho chegou efetivamente associado às
ciências exatas. No Brasil, o desenho esteve presente no currículo dos cursos secundários, inclusive,
para mulheres e o Colégio Pedro II foi significativo para o ensino do desenho, mesmo
predominantemente de ensino literário. O fim da Escola de Arquitetos-Medidores carioca representou
o fim de um espaço de expansão das modalidades de ensino desta disciplina e da formação de um
profissional específico.
O Desenho como Disciplina Importante no Espaço Luso-Brasileiro
A segunda metade do século XIX marcou a valorização do conhecimento em desenho em nível
mundial, pela expansão industrial e pelos eventos internacionais que surgiram, a exemplo da
Exposição Universal de Londres em 1851. Nos dois paises em questão, apesar da fragilidade em que
se encontravam os dois sistemas de ensino, o desenho enquanto conteúdo ganhou espaço significativo
nos currículos liceais. Na década de cinqüenta, no discurso do governo baiano à disciplina desenho
teve destaque nas escolas públicas no atendimento à demanda oriunda das classes menos abastadas, na
formação da mão-de-obra para atender a indústria. Enquanto no Rio de Janeiro, o desenho apareceu
envolto no discurso sobre a promoção da instrução secundária por meio de colégios particulares e
sobre obrigatoriedade e gratuidade do ensino público. Em Portugal “tornou-se uma disciplina
importante, não pelo lado educativo e formativo como é hoje visto, mas sim pelo aspecto prático e
utilitário, particularmente por contribuir para o aperfeiçoamento da indústria, por ser um meio prático
de ligar a ciência a técnica” (ALMEIDA, 1960, p.5).
O governo português, durante a década de 1850, esteve voltado para a constituição de um
regulamento para a instrução nos estabelecimentos de ensino que foi promulgado em 1860, por Fonte
Pereira de Melo. Porém, o desenho linear, em 1857, foi uma das cadeiras do Real Colégio Ursulino
das Chagas, freqüentado por meninas e esteve presente como cadeira autorizada a ser criada em
Santarém (ALMEIDA, 1960, p. 6).
Na Bahia, em 1851, a Direção de Instrução destacou o ensino do desenho linear e o de
agrimensura como disciplinas importantes para o novo currículo do Curso Normal e o professor de
desenho era o mesmo de caligrafia e aritmética (MOACYR, 1939, p. 85-86). As aulas de desenho
aplicadas às artes e a de mecânica aplicada serviriam de exemplos para futuras “escolas industriais”,
era necessário preparar professores para as aulas médias, destinadas a aspirantes à indústria e ao
comércio. A presidência carioca, em 1853, ao desqualificar a instrução secundária pública em prol dos
estabelecimentos particulares, insinuava a supressão gradual dos primeiros (MOACYR, 1939, p.220).
Enquanto que o ensino do desenho seria complementado com elementos de geometria prática,
fornecendo os primeiros dados das profissões industriais com a criação de Escolas de Ensino Médio
baianas, como “ensaio” para futuras escolas industriais e destinadas a jovens menos abastados
(MOACYR, 1939, p. 90). Essas criariam alternativas de atuação profissional para alunos dos cursos de
humanidade e da Escola Normal. O ensino do desenho linear de ornato e imitação fazia parte do curso
profissionalizante do Colégio dos Órfãos de S. Joaquim baiano, que visava garantir meios seguros de
empregabilidade (MOACYR, 1939, p. 94).
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Ainda na Bahia, em 1856, a inserção do ensino do desenho no currículo dos cursos médios
passou a ter mais importância para a formação do Magistério e veio envolto num discurso de resgate
da imagem do ensino público, ao se clamar por mudanças na postura do professor e pela formação de
um Sistema Geral de Instrução Pública (MOACYR, 1939, p. 100). No Rio de Janeiro, entre 1856 e
1857, o ensino público do desenho estava ainda envolto no discurso que insinuava a substituição dos
estabelecimentos de ensino secundário por particulares, subvencionados e inspecionados (MOACYR,
1939, p.225-228). Já no Colégio Pedro II, se ensinava geometria plana e geometria no espaço, apenas
no terceiro ano, em 1856, e geometria elementar e stereometria no quarto ano (VECHIA e LORENZ,
1998, p. 30/45).
O conhecimento em desenho se fazia, cada vez mais, necessário e foi conquistando seu espaço
nos currículos dos liceus nos dois paises. Na década de 1860, o desenho ganhou espaço como cadeira
independente nos currículos portugueses, com a nova reforma assinada por Fontes Pereira de Melo,
“uma política jovem, pratica e fomentadora” que promulgou o primeiro regulamento para os liceus
portugueses. O desenho “era a 10a cadeira e constava de desenho linear, no 10 e 20 ano com duas aulas
semanais, e no 30 ano apenas uma aula por semana”, com duração de duas horas/aula. No fim desse
ano, por portaria, a Universidade de Coimbra foi obrigada a estabelecer programas diferenciados para
os cursos de desenho dos liceus e suas três faculdades: medicina, filosofia e matemática, ficando o
desenho linear como conteúdo do ensino liceal. Ate o final da década ainda não se tinha um programa
de Desenho, apesar de sua legalização enquanto curso. Em 1861, teve inicio as aulas de desenho na
secção central do Liceu Nacional de Lisboa (ALMEIDA, 1960, p.6-7).
O ensino da geometria elementar do Colégio Pedro II ficou no 4º ano e o de stereometria
passou para o 5º ano, em 1862 (VECHIA e LORENZ, 1998, p. 60/61). E a Escola Normal da capital
carioca foi resgatada e instalada, inserindo noções gerais de geometria teórica e prática, mas os
Liceus de Angra dos Reis e o de Campos foram extintos e os professores continuaram a lecionar em
aulas avulsas (MOACYR, 1939, p. 232-233). Já na capital baiana o desenho linear fez parte dos
currículos das Escolas Normais, uma para meninas e outra para meninos, inclusive nas Escolas
Normais de alguns municípios, onde seria gradualmente inserido. Dentre outras disciplinas, a “revisão
do desenho linear e a lápis e a pena” e preliminares de geometria foram inseridas na divisão
elementar criada no Liceu, preparatória para ingresso nos estudos secundários. Na divisão superior,
organizada em duas seções, o desenho linear e de imitação entrou no currículo que preparava para as
profissões comerciais, industriais e escolas e academias de caráter científico. Enquanto a outra seção
atingia a cultura literária, abria acesso a estudos acadêmicos e ao professorado secundário. Dessa
forma se poderia obter o grau de Bacharel em Letras ou Ciências. O professor de desenho e pintura do
Liceu ensinava as “duas espécies de desenho aqui estabelecidas” e ainda cuidava de todos “os
trabalhos gráficos daquele estabelecimento” (MOACYR, 1939, p. 129-130).
O desenho continuou a ser ensinado em Portugal, em 1863. Após a reforma Anselmo
Braamcamp Freire, passou à 11o disciplina e suas aulas passaram a ser ministradas exclusivamente por
professores de desenho, apesar ainda do seu caráter provisório. Em 1864, foi efetivamente criada uma
cadeira de desenho em cada liceu nacional, com o projeto de lei, apresentado por José Maria de Abreu,
lente de filosofia e Diretor Geral de Instrução Pública. Nesse ano, “o ensino de desenho tornou-se
extensivo aos liceus de 2a classe” (ALMEIDA, 1960, p. 8).
O curso Normal carioca foi dividido em três cadeiras, em 1869, uma das quais continha
noções de geometria e desenho linear, (MOACYR, 1939, p. 246). Na Bahia o desenho linear ângulos e todas as figuras planas de geometria, compreendendo as suas definições, propriedades e
avaliações, traçados gráficos dos mesmos objetos e aplicações à vida comum, fez parte do currículo da
Escola Normal masculina, agora organizada em forma de externato no Convento de São Bento
(MOACYR, 1939, p. 139). A cadeira de desenho do Liceu baiano, onde se concentrava todo o ensino
público secundário, foi desmembrada e as matérias do Ensino Normal foram divididas em dois anos,
sendo que já no 1° ano o desenho linear e todas as figuras planas da geometria - compreendendo
definições, propriedade e avaliação; traçado gráfico dos objetos e aplicações úteis na vida comum,
fizeram parte do currículo juntamente com caligrafia aplicada especialmente ao caráter da letra
inglesa, em bastardo, bastardinho, cursivo e exercícios de letra gótica (MOACYR, 1939, p. 154).
Em Portugal, o curso de desenho linear passou para dois anos na reforma feita pelo Bispo de
Viseu, em 1870, sendo obrigatório apenas aos cursos do 10 ano. O programa para o 10 ano trouxe a
geometria plana e para o 20 ano estudo dos sólidos e suas projeções, conhecimento de ordens
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arquitetônicas e desenho vista. A extensão dos programas de desenho parecia irremediável, visto seu
prestígio. Em 1872, a reforma de Rodrigues Sampaio, passou para quatro anos de estudos e incluiu a
prática de caligrafia (ALMEIDA, 1960, p. 8-9). Neste ano de 1872, no Rio de Janeiro, em 1872, as
lições de Desenho fizeram parte do currículo da Escola Normal de Agricultura e as disciplinas
geometria plana e desenho linear estiveram presentes no currículo de escolas noturnas de ensino
gratuito, em 1873 (MOACYR, 1939, p. 263). A reforma de 1872 transformou o Liceu baiano em um
instituto de letras e ciências e nesse ano se criou o Liceu de Artes e Ofícios (MOACYR, 1939, p. 164).
O desenho linear compôs o currículo tanto das escolas primárias cariocas públicas ou particulares
subvencionadas, em 1875, quanto das duas novas Escolas Normais, uma para cada sexo, sendo que
nessas acrescido de geometria teórica e prática e, naquelas, de noções de geometria plana
(MOACYR, 1939, p. 269). Nesse mesmo ano, as disciplinas geometria plana e desenho linear seriam
facultativas nas escolas que fossem criadas nas freguesias cariocas (MOACYR, 1939, p. 271). O
ensino da geometria esteve associado ao ensino da trigonometria ofertada no 5º ano no Colégio Pedro
II, em 1877. Já os programas desse colégio para 1878 apresentaram, no 3º ano, o ensino da geometria
plana e, no 4º ano, geometria no espaço (VECHIA e LORENZ, 1998, p. 75/83).
O programa de desenho dos liceus portugueses se expandiu com a inserção de noções de
arquitetura, desenho das molduras, traçado de colunas, desenho de maquinas, aguadas, sombras, e
elementos de topografia, com a reforma de 1880 de José Luciano de Castro. “O Desenho dos liceus,
neste tempo [...] era uma tarefa desmedida. O seu programa, um denso aglomerado de traçados
geométricos que estavam além das necessidades e possibilidades dos escolares” (ALMEIDA, 1960, p.
11).
O desenho de imitação foi inserido no programa das Escolas Normais da Bahia, em 1881, para
formar o gosto e desenvolver o sentimento do belo. Por falta de freqüência a cadeira de desenho do
Liceu foi transferida para a Escola Normal (MOACYR, 1939, p. 176). Nesse ano, o ensino de desenho
do Colégio Pedro II compreendeu nomenclatura geométrica, no 1º ano, e no programa de desenho da
1º turma foi ministrado desenho linear; no 2º ano, representação de corpos de formas simples:
mosaico e ornatos industriais e, no 5º ano, desenho imitativo (VECHIA e LORENZ, 1998, p. 96/108).
Com a proposta do governo carioca de divisão do ensino, em 1883, o “desenho geométrico
com aplicação às artes e industria” passou a fazer parte do currículo do 2º grau. A Escola Normal,
agora responsável pela formação do professor primário e dos aspirantes às academias imperiais
contava com a disciplina geometria e desenho livre a mão, capacitando o normalista a lecionar
desenho linear para os dois cursos e geometria para o secundário (MOACYR, 1939, p. 292/293). Em
forma de projeto esse governo previu, em 1884, a inserção de noções de geometria plana e desenho
linear e de ornato nos currículos de escolas noturnas ou dominicais a serem fundadas, inserindo
desenho de imitação no currículo das Escolas Normais (MOACYR, 1939, p. 297). Com a valorização
do normalista a disciplina desenho passou a ter visibilidade tanto no currículo dos aspirantes ao
magistério quanto no de instrução primária e dos aspirantes a indústria ou as Academias Imperiais,
ampliando assim o espaço de atuação do professor de desenho.
As reformas de 1886 e 1888, “são as mais desastrosas de toda a história do ensino liceal”,
português e, conseqüentemente, para o ensino de Desenho, “o plano de estudos apenas comportava
duas disciplinas em cada ano”. Na reforma de 1886, apenas o desenho linear era ministrado, fora do
quadro das disciplinas liceais e era ministrado em dois anos, em duas aulas por semana. “No 10 ano
copiavam-se à vista linhas rectas e curvas com aplicação a casas, barcos, pontes, etc. Copia de
estampas e desenho de sólidos geométricos”. Na reforma de 1888, o governo mantém o mesmo
esquema de ensino do desenho, mas passou a ser considerado “parte integrante de cada um dos três
cursos professados nos liceus” (ALMEIDA, 1960, p. 12).
Em 1888, o governo carioca fez menção especial ao Colégio de Artes e Ofícios de Santa Rosa,
em Niterói, fundado em 1883, que funcionou com duas divisões uma delas com programa igual ao das
escolas públicas e incluía o desenho como disciplina facultativa (Moacyr, 1939, p.305). O relatório da
Diretoria de Instrução carioca, de 1889, faz referência ao curso noturno de desenho de Campos,
fundado em maio de 1885, denominado de Clovis Arrault. Esse pelo beneficio que recebeu do poder
público havia se transformado em Liceu de Artes e Ofícios, em 1888 (MOACYR, 1939, p.309). Já em
Portugal, “nos programas de 1889 o ensino de Desenho não é [foi] alterado em relação ao estabelecido
em 1886 e 1888” (ALMEIDA, 1960, p. 12).
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A reforma promovida por Jaime Moniz, em 1895, organizou e estabilizou o ensino liceal
português. Essa reforma se estrutura em caráter científico e teve influencia, particularmente, do
modelo alemão. “A partir dessa reforma o ensino liceal entra numa outra fase, na qual se inicia o
progresso considerável que conseguiu”, e o conceito de desenho foi alterado “para além do valor
educativo [...], sob o ponto de vista intelectual [...] Afirma-se então que o desenho desenvolve os
poderes de análise e síntese do espírito”. O desenho oral, desenho rigoroso e o desenho à vista são as
três novas modalidades que emergem (ALMEIDA, 1960, p. 12-13).
O desenho ganhou prestígio a partir de 1850, em Portugal e no Brasil. O desenvolvimento
industrial se expandia em nível mundial e influenciou decisivamente as sucessivas e intensas propostas
de reformas para o ensino público. O desenho foi sendo inserido nos currículos dos mais variados
cursos e em variadas modalidades, sem se afastar das ciências e das Letras.
Considerações Finais
Este esboço da trajetória da disciplina desenho no currículo escolar secundário português e
brasileiro no oitocentos, representa tanto o processo de absorção pelos Estados da responsabilidade de
ofertar e construir um sistema de ensino nacional seqüencial - elementar obrigatório seguido do liceal
como base para ingresso ao universitário -, quanto de organizar e suprir seus quadros administrativos.
A educação em desenho como meio civilizatório, promotora de progresso industrial e
comercial e capacitadora da mão-de-obra operária surge sob sucessivas lutas políticas, com reformas
do sistema escolar inspiradas em modelos importados de feições práticas e utilitárias, enciclopédica,
literária e burguesa, especialmente da França. Era grande o estado de atraso na instrução pública nos
dois paises, principalmente, no ensino de desenho que ora apareceu como componente das ciências
exatas e da caligrafia – desenho de letras, ora enquanto conteúdo independente a partir da década de
1850.
A partir da segunda metade do século XIX, o conhecimento em desenho foi valorizado em nível
mundial, por conta da expansão industrial e dos eventos internacionais, a exemplo da Exposição
Universal de Londres em 1851, ganhando espaço significativo nos currículos dos cursos secundários
liceais. Apesar da fragilidade do sistema de ensino, nos dois paises, o desenho se configurou como
disciplina importante, principalmente pelo aspecto prático e utilitário de ligar a ciência, à arte e à
técnica.
Referências
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pedagógica (1836/1860). Oeiras – PT: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1982.
BASTOS, M.H.C. A instrução pública e o ensino mútuo no Brasil: uma história pouco conhecida
(1808-1827). Revista de História da Educação. ASPHE, Pelotas, v.1, 1997, p. 115-133.
ALMEIDA, Alfredo Betâmio de. O desenho no ensino liceal. Revista Palestra. Separata do n.10,
Lisboa, 1960.
COSTA, Messias. A Educação nas constituições do Brasil: dados e direção. Rio de Janeiro: DP&A,
2002.
MOACYR, Primitivo. A Instrução e as Províncias (Subsídios par a História da Educação no Brasil) –
1835-1889: Bahia, Sergipe, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso. 2v. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1939.
HAIDAR, Maria de Lourdes Mariotto. O ensino secundário no Império brasileiro. São Paulo: USP,
1972.
NUNES, Antonietta d’Aguiar. Notas a educação no período regencial. Mimeografado. Cedido pela
autora.
VECHIA, Ariclê; LORENZ, Karl Michael. Programa de ensino da Escola secundária brasileira:
1850-1951. Curitiba: Ed. do Autor, 1998.
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O desenho no espaço escolar luso