Márcia Cristina Braga Má Companhia Agradecimentos Á Deus por me presentear com o dom maravilhoso de escrever À minha mãe que sempre me incentivou com suas palavras de carinho A todas as pessoas que me dão força e não me deixam desistir. Setembro de 2011. A Fortaleza de Deus “Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, se não tivesse amor, Seria como o metal que soa ou como o sino que tine e ainda que eu tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência e ainda que tivesse toda a fé de maneira tal que transportasse os montes e não tivesse amor, nada seria. “(1Coríntios, 13)”. Dedicatória Dedico este livro à minha querida mãe, companheira de todas as horas, e também aquelas pessoas que pelo seu caráter e integridade acabaram se tornando um modelo para mim. Um sonho de igualdade e justiça social Que o mundo possa ser um lugar de mais harmonia, mais alegria e igualdade, pois uma sociedade desigual jamais poderá ser um lugar feliz, as oportunidades devem existir para todos e nas mesmas proporções, sabemos que há muitas injustiças sociais que fazem com que muitas pessoas sejam lançadas na exclusão, fator que gera cada vez mais um quadro social degradante. Mudar o mundo e torna-lo um lugar melhor, mais pacífico, mais humano é uma missão difícil, mas a maior dificuldade é não tentarmos mudá-lo, são as pequenas mudanças que irão fazer a diferença na vida de cada um de nós, são as atitudes mais simples que a princípio nos parecem inúteis que irão promover as transformações que precisamos para construir uma sociedade mais justa e menos desigual, onde possa haver mais solidariedade e a paz com a qual sonhamos. Má Companhia Em cada esquina há o perigo a esperar SUMÁRIO O preço do abandono afetivo Roda Gigante Triste realidade E um barquinho navegou Pipas O menino e o vento Memórias da infância O alcoolismo também destrói vidas Migalhas Pintura Sabor diferente Pedaços de emoções As flores da laranjeira Figurinhas Beto A chegada da adolescência Fruta Proibida Meu filho, eu não tenho tempo O muro Crescendo na rua Falta de atenção Abismo Papo Cabeça Inquietações Casa não é lar Apenas um estranho no ninho Os garotos da rua Má Companhia O único abrigo Estou me sentindo sozinho Na balada Drops Sobe aí A primeira vez Rafinha Viciado Super herói Fora do ar Blecaute Rafinha passa mal e é internado Três dias depois Olhos de fogo O mau exemplo Foi uma escolha? Noites Becos Pés descalços Mochila nas costas Uma estrada Um jeans velho Beto faz ameaças a Rafinha O cara As mentiras de Beto Um dia qualquer A prisão Somente as mães entenderiam O mundo ficou pequeno Escuridão Pensamentos perdidos Dias de Incerteza Sem nome Tic-Tac Blue moon Tantas Coisas Armadilhas Triste poema de um jovem solitário Estaca zero Reflexões O julgamento Silêncio Ritual De quem é a culpa? Rafinha escreve uma carta para sua mãe Rafinha escreve uma carta para seu pai Três anos depois De volta pra casa Nós só podemos recuperar o que já possuímos um dia Minutos de silêncio As flores se renovam Para refletir 1 O preço do abandono afetivo Até que ponto o abandono afetivo pode influenciar a vida de um jovem?Qual o preço da rejeição? Por que alguns pais negam carinho aos filhos?Essas são algumas das perguntas que faço sempre que vejo crianças que sofrem com a ausência de afeto. Talvez seja impossível calcular os danos que o abandono afetivo pode causar na vida de uma criança e como isso reflete de maneira negativa em seu relacionamento com as demais pessoas. Sabemos que o abandono afetivo decorre da ausência de carinho, afeto, amor, ou seja, a criança abandonada afetivamente não recebe dos pais o carinho e a atenção que merece e isso influi diretamente em sua vida adulta. É desumano negar afeto a um filho, porque a dignidade da criança está sendo afetada e ferida. Quando surgiu a idéia de escrever esse livro decidi que falaria sobre esse assunto porque considero extremamente importante o seu questionamento, para que possamos refletir sobre esse problema que, infelizmente, afeta muitas crianças. A história que vou contar mostra a trajetória de um jovem chamado Rafael, carinhosamente apelidado de Rafinha e que tem um histórico de vida muito triste. Embora seja uma ficção, essa é uma história voltada para a realidade, pois casos como este acontecem todos os dias, com muito mais freqüência do que imaginamos. Rafinha foi abandonado afetivamente por seus pais, e devido a isso ele tornou-se um jovem revoltado, sem perspectivas para o futuro e totalmente desmotivado para viver. Durante a adolescência acabou envolvendo-se no mundo das drogas, e mais tarde, conheceu a prisão. 2 Talvez ele tenha encontrado no vício uma fuga para a rejeição que enfrentava em casa, ou ainda pode ser influência das amizades, ou então apenas para afrontar os pais. Talvez. O fato é que Rafinha foi buscar na rua a atenção que nunca teve em casa, e na rua ele encontrou companhia, alguém para conversar, alguém que fez com que ele se sentisse importante. Na rua ele conheceu também as drogas que o carregaram para o abismo. Ele foi sufocado, e perdeu quase tudo, até mesmo algo que ele sempre pensou que nunca poderia perder a força para lutar contra aquilo que sempre o atormentou, a rejeição. Esse sentimento sempre o perseguiu e por mais que tentasse se livrar dele, não conseguia. Quero fazer um alerta aos pais. Conversem com seus filhos, procurem saber quais são suas amizades, porque se os pais não conversam com os filhos, alguém lá fora vai conversar. Ofereçam mais atenção a eles porque o preço do abandono pode ser muito alto. 3 Roda Gigante A vida às vezes gira como se fosse uma roda gigante. A infância é magia, alegria, pura diversão. E a infância de Rafinha não foi diferente. Toda vez que seus pais o levavam ao parque geralmente quando ganhavam o ingresso porque eles nunca podiam pagar por isso, era uma louca euforia, ele era o menino mais feliz do mundo, e se divertia como todas as crianças de sua idade, ele nunca queria sair do brinquedo. Não queria ir embora. Mas, enfim, tudo era coisa de criança e depois voltava para casa feliz da vida. Assim foi a infância de Rafinha. Uma infância bonita, feliz, e era tanta felicidade que só de lembrar ele sentia vontade de voltar a ser criança novamente. Mas, infelizmente, a infância não volta, e o menino teve que enfrentar a dura realidade que o aguardava, o abandono afetivo, a falta de atenção de seus pais, a falta de carinho e amor. Nessa fase de sua vida Rafinha ainda tinha a atenção dos pais, mas com o passar do tempo seu pai tornou-se alcoólatra e sua mãe trabalhava muito para ajudar o marido com as despesas e para que não faltasse nada ao menino, já que a maior parte do salário de seu pai era gasto com o álcool e na jogatina. O pai do menino chamava-se Otávio e era sempre muito ausente. Dona Vera, sua mãe, era um pouco mais atenciosa, mas também passava a maior parte do tempo trabalhando. Rafinha estava sempre presenciando quando o pai chegava alcoolizado e falando alto. O menino às vezes se assustava e Dona Vera chamava a atenção do marido, mas ele geralmente, estava fora de controle e não dava nenhuma atenção à esposa. 4 Triste realidade Rafinha foi crescendo com essa realidade, ele sabia que o pai era viciado em álcool e que alguns vizinhos ficavam comentando pelo bairro quando ele chegava embriagado e começava a fazer arruaça em casa. Isso o deixava muito triste porque ele não gostava de ver sua mãe passando por essa humilhação, mas ele não podia fazer nada, era apenas uma criança e tudo o que ele queria era ser feliz como os outros garotos. Dona Vera sofria muito com o vício do marido e por saber que ele também nunca se interessava pelo filho, nem mesmo em saber como estavam as notas escolares dele. Rafinha passou o resto de sua infância dessa maneira presenciando tudo o que seu pai fazia quando estava bêbado. O pai era um péssimo exemplo para ele. Era uma situação difícil para Dona Vera ter que conviver com o vicio do marido. Ela não podia mudar essa situação. Tudo o que ela mais queria era que o marido deixasse de beber e se preocupasse mais com os problemas da família, mas ele não pensava assim. Para o Sr Otávio só importava passar no bar quando chegasse do trabalho e beber como de costume. Sabia que seus velhos companheiros estariam lá esperando. Todos bebiam juntos e jogavam boa parte do tempo. Muitas vezes ele deixava de pagar algumas despesas para pagar o dono do bar. Boa parte de seu salário era gasta dessa maneira. Enquanto Rafinha assistia as bebedeiras e as brigas de seu pai em casa, ele se perguntava por que as coisas tinham que ser daquele jeito. Eram questionamentos que ele fazia a si mesmo, pois não havia ninguém para respondê-lo. 5 E um barquinho navegou No bairro em que Rafinha morava havia muitos outros garotos de sua idade e eles sempre brincavam juntos. A vida corria com a maior naturalidade. Às vezes os garotos jogavam bola, outras vezes soltavam pipas, e quando chovia eles faziam barquinhos de papel e brincavam na chuva. Assim a vida para eles era como um barquinho de papel que deslizava mansamente sobre a água. Enquanto observavam os barquinhos, os meninos corriam na enxurrada e começavam com uma gritaria para saber qual barquinho deslizava mais rápido. Era uma algazarra total. Os meninos eram livres e voltavam para casa com os cabelos molhados, as roupas encharcadas, mas voltavam felizes. Quando Rafinha entrava em casa, sua mãe dizia: -Você vai pegar um resfriado garoto, vá logo tomar um banho e tirar essa roupa molhada. Se você adoecer terei que correr ao médico. Rafinha apenas dizia: -Desculpe mãe. Prometo não fazer mais isso. Mas a chuva voltava e Rafinha novamente ia pra rua correr na enxurrada. Ele era uma criança, e as crianças não se preocupam com isso. Em seu coração havia apenas a vontade de se divertir, de fazer aqueles dias parecerem eternos. 6 Pipas Quando o vento batia no final da tarde Os meninos se juntavam para soltar pipas Era uma algazarra, as pipas faziam desenhos no ar Os meninos gritavam, sorriam. E as pipas voavam cada vez mais alto Que parecia que alcançavam o céu E assim, aquelas tardes eram encantadoras. Com o sabor da inocência que agora não existe mais, Doce inocência! Como havia felicidade no olhar deles Cada um fazia uma pipa mais bonita que a outra E agora havia tanta coisa bonita para contar Tantos momentos bons para recordar Que a melancolia que Rafinha conheceu nas ruas Não podia apagar a alegria de todas essas lembranças, Doces lembranças!