Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens/ABRAVAS – www.abravas.org.br Zoonoses e Doenças Emergentes Transmitidas por Animais Silvestres Prof. Dr. Jean Carlos Ramos Silva1 No Brasil evidenciamos majestosos ecossistemas com gigantesca biodiversidade florística e faunística. Lamentavelmente, a destruição desses ecossistemas ainda continua em larga escala, cuja ação degradante do homem à natureza, pode advir em conseqüências desastrosas à vida na Terra. O avanço da agricultura e da pecuária próximo às áreas naturais proporcionou um contato entre as populações humanas e de seus animais domésticos com as populações de animais silvestres nos seus habitats. Este estreito contato facilitou a disseminação de agentes infecciosos e parasitários para novos hospedeiros e ambientes, estabelecendo-se assim novas relações entre hospedeiros e parasitas, e novos os nichos ecológicos na cadeia de transmissão das doenças (CORRÊA e PASSOS, 2001). Como conseqüências dessas interações negativas podem ocorrer zoonoses com expansão epidêmica de animais suscetíveis e o aumento da sua disseminação geográfica (BARLETT e JUDGE, 1997). A própria definição de zoonoses como “doenças ou infecções que se transmitem naturalmente, entre os animais vertebrados e o homem, ou vice-versa” já denota a possível a importante participação dos animais silvestres na manutenção destas doenças na natureza. Além disso, doenças que não eram conhecidas ou que já não possuíam importância epidemiológica, contudo apareceram em surtos ou epidemias numa população e região, podem ser denominadas como “emergentes”. Dessa maneira, o estudo da epidemiologia dessas doenças torna-se vital para o melhor conhecimento dos focos naturais das zoonoses, estabelecendo-se assim, os fatores de risco existentes em determinados ecossistemas, a circulação de agentes entre os animais silvestres, e a importância do conhecimento das doenças nestes animais subsidiando as ações dos serviços de Saúde Pública Veterinária. Na verdade, estes estudos e pesquisas não representam tarefas fáceis. O Dr. Abdussalam, chefe dos serviços veterinários da Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que “a escassez da informação sobre a ecoepidemiologia dos animais selvagens, é um dos fatores que provocam dúvidas e falhas quando se procura sua utilização no estudo e controle de zoonoses”. Neste contexto, os médicos veterinários, biólogos, zootecnistas, agrônomos, sociólogos e demais profissionais, possuem uma importante função no manejo da vida silvestre e na medicina da conservação. Os animais silvestres da fauna brasileira estão localizados na natureza (vida silvestre) ou no cativeiro vivendo em parques zoológicos (zôos), criadouros conservacionistas, científicos ou comerciais, institutos de pesquisa, centros de triagem e reabilitação, ou em residências de munícipes (criados ilegalmente como animais de estimação). Os animais silvestres, tanto em vida silvestre como em cativeiro, podem ser reservatórios e portadores de zoonoses. ACHA e SZYFRES (1986) descreveram estes fatores abaixo como os principais condicionantes para difusão dos fatores de risco existentes nos focos naturais, com possibilidades de estabelecer processos zoonóticos: 1 Doutor em Epidemiologia e Zoonoses pela FMVZ/USP. Diretor Presidente do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação – Tríade. Professor da Universidade Anhembi Morumbi. E-mail: [email protected] 1 Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens/ABRAVAS – www.abravas.org.br a) introdução de animais domésticos e/ou homem em um foco natural; b) translocação de um hospedeiro infectado a um novo biótipo, donde existam hospedeiros suscetíveis; c) modificação da dinâmica dos hospedeiros ou alteração do equilíbrio ecológico; d) falta de alimento, o que obriga os animais reservatórios a translocar-se a outras biocenoses; e) intervenção do homem na modificação dos ecossistemas; f) mutações positivas no processo epidêmico do agente etiológico, facilitando sua disseminação; g) intervenção das aves migratórias e dos vetores. Com relação ao ambiente em cativeiro, apesar dos esforços dos profissionais na manutenção de um rigoroso manejo sanitário, o ambiente de zoológico continua sendo propício à disseminação de uma gama de doenças, muitas delas zoonóticas (SEDGWICK et al., 1975; MONTALI e MIGAKI, 1980; SIEMERING, 1986; FOWLER, 1993; SILVA et al., 2001). Isto também pode ser aplicado aos outros estabelecimentos que possuem animais silvestres. Vale a pena salientar que estes animais em quase totalidade mascaram os sinais clínicos, mesmo estando infectados com agentes etiológicos, constituindo-se importantes fontes de infecção para os animais domésticos, homens ou vice-versa (ACHA e SZYFRES, 1986; FOWLER, 1986; CUBAS, 1996). Em nosso país, mesmo sendo proibido por lei, existe um aumento do número de pessoas que estão criando em suas casas répteis, aves e mamíferos silvestres, principalmente em grandes centros urbanos. Atualmente, é bastante comum estes animais silvestres e exóticos serem encaminhados às clínicas veterinárias, zôos, centros de triagem, expondo os profissionais e tratadores a um possível risco de contrair zoonoses (CORRÊA e PASSOS, 2001). Com o intuito de proporcionar um melhor entendimento sobre a temática, o Quadro 1 mostra as principais zoonoses e doenças emergentes parasitárias e infecciosas que podem ser transmitidas pelos animais silvestres. Por fim, diversas ações poderiam ser implementadas por órgãos competentes nas esferas municipais, estaduais e federal, juntamente com ONGs, universidades, entre outras, visando o controle de zoonoses. Apresentamos algumas propostas abaixo: Programa de Controle de Zoonoses em Populações de Animais Silvestres • Planejar, coordenar, executar e avaliar as ações de controle e diagnóstico; • Estudar a dinâmica das populações animais silvestres de interesse em saúde pública e animal; • Realizar o atendimento à população com relação ao controle das zoonoses; • Promover controle e a vigilância entomológica; • Realizar diagnósticos laboratoriais; • Divulgar resultados às entidades competentes; 2 Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens/ABRAVAS – www.abravas.org.br • Desenvolver programas em parceria com universidades, institutos de pesquisas e com as instituições que possuem animais silvestres em seu plantel; • Realizar a notificação de focos principalmente para as doenças (zoonoses) de notificação compulsória. Neste enfoque, finalizamos este artigo sem a pretensão de esgotar o assunto, mas apresentar alguns elementos concernentes a importante temática das “zoonoses e doenças emergentes transmitidas por animais silvestres”. Referências ACHA,P.N.; SZYFRES,B. Zoonosis y enfermidades transmisibles comunes al hombre y animales. 2.ed. Washington: Organization Panamericana de la Salud, 1986 (Publicación Científica 503). BARLETT, P.C.; JUDGE, L.J. The role of epidemiology in public health. Office International des Epizooties Scientific and Technical Review, v. 16, n. 2, p. 331-336, 1997. CORRÊA, S.H.R.; PASSOS, E.C. Wild animals and public health. In: FOWLER, M.E.; CUBAS, Z.S. Biology, medicine, and surgery of South American wild animals. Ames: Iowa University Press, p. 493-499, 2001. CUBAS, Z.S. Special challenges of maintaining wild animals in captivity in South America. Office International des Epizooties Scientific and Technical Review, v. 15, n. 1, p. 267-287, 1996. DUBEY, J. P.; BEATTIE, C. 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Seroprevalence of Toxoplasma gondii in captive neotropical felids from Brazil. Veterinary Parasitology, v. 102, p. 217-224, 2001. 2004 3 Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens/ABRAVAS – www.abravas.org.br Quadro 1 - Principais zoonoses e doenças emergentes transmitidas por animais silvestres 1 Zoonoses e Doenças Parasitárias Amebiose Complexo hidatidoseequinococose Criptosporidiose Dirofilariose Agente Etiológico Principais Fontes de Infecção e Reservatórios Vias de Transmissão Entamoeba histolytica Equinococcus granulosus Mamíferos Raposas e cervídeos (ciclo silvestre) Ingestão de água e alimentos contaminados com cistos Ingestão de vísceras contaminadas com cistos hidáticos Cryptosporidium spp Dirofilaria immitis Mamíferos Canídeos e procionídeos Doença de Chagas Trypanosoma cruzi Fasciolose Giardíase Larva migrans cutânea Larva migrans visceral Leishmaniose tegumentar Fasciola hepatica Giardia intestinalis Ancylostoma braziliensis Toxocara canis Leishmania braziliensis Leishmaniose visceral Sarcocistose Toxoplasmose Leishmania chagasi Sarcocystis spp Toxoplasma gondii Mais de 200 espécies de mamíferos, principalmente o gambá Didelphis sp Herbívoros Carnívoros Canídeos Canídeos Roedores (principais), preguiça, tamanduá, canídeos, eqüídeos Canídeos - principais reservatórios Carnívoros (predadores) e herbívoros (presas) Felídeos e animais endotérmicos Ingestão de água e alimentos contaminados com oocistos Através do repasto sangüíneo (inoculação de microfilárias) pelos vetores biológicos - mosquitos (Culex, Aedes, Anopheles, etc.) Contato com as fezes dos vetores biológicos (hemípteros) principalmente dos gêneros Triatoma, Panstrongylus e Rhodnius contendo tripomastigotas Ingestão de água e vegetação contaminada com metacercárias encistadas Ingestão de água e alimentos contaminados com cistos Solo contaminado com ovos do parasita e através da pele (larvas) Fecal-oral (solo contaminado com ovos do parasita) Vetores biológicos flebotomíneos Lutzomyia spp (mosquito-palha) Zoonoses e Doenças Infecciosas Aspergilose Brucelose Agente Etiológico Principais Fontes de Infecção e Reservatórios Campilobacteriose Campilobacter sp Animais e seus subprodutos Clamidiose Chlamydophyla psittaci Psitacídeos e columbiformes (principais) Febre Maculosa Rickettsia rickettsii (pesquisas Capivaras. Principal reservatório suspeito. Histoplasmose Histoplasma capsulatum Morcegos e aves Leptospira interrogans Diversos sorovares Lyssavirus Salmonella spp Mycobacterium tuberculosis e M. bovis Roedores e carnívoros Leptospirose Raiva Salmonelose Tuberculose 1 Aspergillus flavus Aves Brucella abortus, B. suis, Ungulados e carnívoros B. ovis e B. canis em andamento no Brasil) Morcegos e carnívoros Répteis, aves e mamíferos Mamíferos: Herbívoros, carnívoros e primatas As fontes estão apresentadas nas referências. 4 Vetores biológicos flebotomíneos Lutzomyia spp (mosquito-palha) Ingestão de oocistos no meio ambiente e carnivorismo (ingestão de sarcocistos) Ingestão de oocistos esporulados na água e alimentos contaminados, carnivorismo (cistos teciduais-bradizoítas) ou transplacentária (taquizoítas) Vias de Transmissão Através da ingestão das conídias no solo contaminado Ingestão de pastos contaminados com brucélas através de fetos abortados, placenta e líquidos uterinos. Exposição por meio das mucosas genital e conjuntival, da pele e das vias respiratórias. Via fecal-oral, direta ou indireta. Através da ingestão de produtos de origem animal contaminados com fezes infectadas. Inalação de aerossóis em ambientes contaminados ou pela via digestiva (alimentos contaminados, coprofagia e canibalismo) Através de picadas de carrapatos, possivelmente do gênero Amblyomma spp Através da inalação dos esporos dos fungos em ambientes fechados, cavernas principalmente Por meio de contato de mucosas ou pele com água, fômites ou alimentos contaminados com urina dos animais (fontes de infecção) Através da mordedura de animais raivosos Através da ingestão de salmonelas viáveis Através da inalação de esporos no meio ambiente, principalmente fechado.