DIMENSIONAMENTO DE MAQUINÁRIO COMO FERRAMENTA DE GESTÃO RURAL: UM ESTUDO DE CASO EM PROPRIEDADE RURAL NO MUNICÍPIO DE TIO HUGO/RS 1 DREBES, Laila Mayara2; SILVA, Tuane Araldi da3 ; ORTIGARA, Cícero2; LUZ, Felipe Bonini da2. 1 Trabalho de Pesquisa Graduação em Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria – campus de Frederico Westphalen, RS, Brasil. Bolsista MEC/SESu do Grupo PET Agronomia/FW. 3 Graduação em Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria – campus de Frederico Westphalen, RS, Brasil. E-mail: [email protected] 2 RESUMO A utilização eficiente das máquinas e implementos agrícolas em propriedades rurais é de suma importância para a lucratividade da atividade agrícola. Para isso, é importante que os conjuntos mecanizados utilizados nas operações agrícolas sejam eficientes e compatíveis entre si. Deste modo, com base em uma propriedade rural do município de Tio Hugo/RS, avaliou-se o dimensionamento do parque de máquinas da mesma, levando em consideração os parâmetros eficiência operacional, potência, capacidade de campo teórica e capacidade de campo efetiva. Os conjuntos mecanizados da propriedade apresentaram-se bastante eficientes, tendo em vista as características dos talhões e também a conservação das máquinas e implementos, e compatíveis entre si, realizando as operações de forma satisfatória. Dessa maneira, é possível concluir que o adequado dimensionamento do maquinário agrícola se configura numa forma de gerenciamento, resultando em economia, aproveitamento de tempo, redução de riscos e planejamento e controle das atividades agrícolas. Palavras-chave: mecanização agrícola; gerenciamento; eficiência operacional. 1. INTRODUÇÃO Diante de uma realidade que expressa o crescente aumento dos custos de produção agrícola e as inconsistências de um mercado cada vez mais competitivo, as receitas agrícolas caminham rumo ao decréscimo e a imprevisibilidade. Tendo em vista esse cenário, Perin (2008) reforça a importância da utilização eficiente dos meios de produção para que o agricultor garanta mercado para seus produtos e novos investimentos no setor, e principalmente, obtenha uma margem de lucro compatível com a atividade. O autor defende ainda, que a melhor maneira de fazer uso eficiente desses recursos é através da gestão rural, a qual permite planejar, acompanhar e controlar determinada propriedade, ajustar as tecnologias disponíveis de acordo com os objetivos do produtor, aumentar sua renda, diminuir os riscos da produção, do mercado e do trabalho, garantindo uma boa sinalização de lucro. Segundo Silveira et al. (2005) a lucratividade de qualquer propriedade agrícola ou cultura depende de um gerenciamento adequado das operações executadas, sendo que, naquelas mecanizadas, o trabalho realizado pelas máquinas e pelos implementos agrícolas sempre mereceu grande atenção. Deere & Company (1975 apud PERIN, 2008) já na década de 70 salientavam a importância do gerenciamento da maquinaria na execução de operações agrícolas, já que o gerenciamento está diretamente relacionado com a capacidade de combinar terra, trabalho e capital para a obtenção de um retorno que signifique lucro satisfatório. Defendendo a execução racional das operações de campo a fim de facilitar a utilização econômica das máquinas, Pacheco (2000) elucida a complexidade da seleção de máquinas agrícolas. Silveira et al. (2005) explica que as máquinas deverão estar corretamente adequadas ao tamanho da fazenda e às operações a serem realizadas, de modo a resultar em uma combinação de equipamentos eficiente e econômica. Sendo assim, as máquinas usadas em conjunto deverão ser compatíveis umas com as outras (o trator da propriedade deve ser dotado de potência suficiente para tracionar todos os implementos ou máquinas utilizados em combinação, na melhor velocidade de trabalho possível) e o parque de máquinas deverá ser suficientemente grande para executar todas as operações necessárias durante o ciclo de determinada cultura, num período de tempo estabelecido. Interpretando as proposições supracitadas, podemos afirmar que a seleção e dimensionamento de máquinas agrícolas está diretamente relacionada a parâmetros como a capacidade de trabalho das máquinas, a eficiência de campo das mesmas e aos requisitos de potência. Com base no exposto, o presente trabalho consiste em um estudo de caso de uma propriedade rural do município de Tio Hugo (RS), cujo objetivo consistiu no levantamento do parque de máquinas e implementos da propriedade, determinando capacidade de campo teórica e efetiva, eficiência operacional e requisitos de potência dos diferentes conjuntos mecanizados utilizados ao longo do ano agrícola, tendo em vista que os dados coletados e calculados podem ser revertidos em informação gerencial. 2. METODOLOGIA O presente estudo foi realizado na propriedade rural de Romeu Hofstätter, situada no município de Tio Hugo (RS), localizado no Planalto Médio Gaúcho. A propriedade em questão se caracteriza pela adoção do sistema plantio direto há mais de 20 anos e pelo tradicional calendário agrícola de sucessão das culturas soja (verão) - aveia (inverno). Para a elaboração do trabalho, a propriedade descrita acima foi visitada duas vezes ao longo do ano de 2011, onde foi feito o mapeamento dos talhões produtivos, o levantamento das máquinas e implementos existentes na propriedade e a coleta de dados de funcionamento e operação destes. Para o mapeamento dos talhões produtivos utilizou-se um receptor de sinal GPS, marca Garmin Map 76 S. Os mapas dos talhões foram gerados através do Software GPS Track Maker. Para a coleta de dados de funcionamento e operação dos conjuntos mecanizados foram acompanhadas duas operações agrícolas: a de dessecação da cultura da aveia (trator + pulverizador) e a de semeadura da cultura da soja (trator + semeadora). Com o receptor GPS acoplado sobre o tanque frontal do trator de forma centralizada num local onde não houvesse interferência aos sinais dos satélites, foi possível coletar os dados de tempo da operação e velocidade das mesmas. Ambas as operações foram realizadas no talhão denominado A2 (8,00 hectares) e os dados coletados foram adaptados, quando necessário, e extrapolados para as demais operações, a partir da determinação de certos parâmetros com base na literatura e nas informações empíricas do produtor. Para o dimensionamento do parque de máquinas e implementos foram analisados apenas os conjuntos mecanizados utilizados ao longo do ano agrícola tradicional da propriedade, ou seja, nas culturas da soja e da aveia. Para tais conjuntos foram calculados os seguintes parâmetros: capacidade de campo teórica (CcT) , conforme a Equação 1, onde L é a largura de trabalho da máquina ou implemento agrícola e v é a velocidade de trabalho do mesmo; CcT(ha/h) = L(m)*v(m/h)/10.000 capacidade de campo efetiva (CcE), conforme a Equação 2 , onde A é área do talhão e Tc é o tempo levado para realizar a operação agrícola em questão; CcE (ha/h) = A(ha)*60/Tc(min) eficiência operacional (EO), conforme a Equação 3, onde CcE é a capacidade de campo efetiva e CcT a capacidade de campo teórica; EO(%) = (CcE/CcT)*100 Também foram realizados os cálculos de potência necessária para acionamento das máquinas e implementos (Pr), utilizando o método técnico citado pela ASAE D497.4 (2003), cujo critério de cálculo é a potência bruta do motor. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES A propriedade estudada é dividida em 10 talhões, os quais totalizam 96 hectares: talhão A1 – 0,86 ha; talhão A2 – 8,00 ha (onde foram acompanhadas as operações de dessecação e semeadura); talhão A3 – 11,41 ha; talhão A4 – 7,20 ha; talhão A5 – 8,60 ha; talhão A6 – 11,30 ha; talhão A7 – 17,00 ha; talhão A8 – 4,20 ha; talhão A9 – 18,10 ha; talhão A10 – 9,33 ha. Figura 1: Mapa de localização dos talhões produtivos da propriedade rural em questão elaborado a partir de medições a campo com receptor GPS Garmin Map 76 S e software GPS Track Maker. Fonte: Elaboração dos autores. As áreas em questão possuem solo do tipo argiloso, tendo em vista que estão localizadas na unidade de mapeamento de Passo Fundo, onde o solo se caracteriza como Latossolo Vermelho Distrófico Húmico, de acordo com Streck et al. (2008). Todos os talhões são dotados de relevo plano, ou então suavemente inclinado, com exceção ao talhão A9, que apresenta como característica a existência de curvas de nível do tipo murundum, as quais dificultam significativamente a mecanização na área. Outra característica das áreas em questão é que seus contornos são pouco tortuosos e não existem obstáculos, como, por exemplo, árvores, que obriguem e execução de manobras bruscas. A propriedade dispõe de um parque de máquinas constituído de 2 tratores, 1 colhedora, 1 semeadora, 1 pulverizador, 1 distribuidor centrífugo, 1 caminhão, 1 carreta graneleira, 1 arado de discos, 1 escarificador e 1 grade de discos. Para o tradicional calendário agrícola do produtor rural em questão, que consiste nas culturas da soja e aveia, apenas os implementos arado de discos e escarificador, remanescentes do plantio convencional, não são utilizados. A grade ainda é necessária para a incorporação de sementes de aveia. Com relação aos tratores, um é da marca Massey Ferguson, modelo MF 283, 4 x 4, comprado no ano de 2005 e o outro é da marca Ford, modelo 6600, 4 x 2, comprado no ano de 1977. O MF 283 cuja potência é de 86 cv é utilizado na tração da semeadora e do distribuidor centrífugo. Já o trator Ford é utilizado principalmente em pulverizações e gradagens e conta com 85 cv. Na aplicação de inseticidas, fungicidas e herbicidas é empregado um pulverizador Jacto 600 L (Figura 2), adquirido no ano de 2000 e adaptado no ano de 2009 para um sistema automatizado. Este também passou por um aumento da capacidade de armazenamento de calda, tendo-se acoplado um tanque de 400 L na parte frontal do trator Ford. O pulverizador possui 29 bicos espaçados em 50 cm, o que lhe confere uma largura de trabalho de 14m. Em média, a velocidade de trabalho das pulverizações é de 6 km/h, como testado a campo com o receptor de GPS Garmin Map 76 S. Figura 2: Dados de dimensionamento do conjunto mecanizado pulverizador + trator conforme informações de campo (velocidade e tempo médio de operação). Fonte: Elaboração dos autores. Conforme a Figura 2, a eficiência média de campo do conjunto foi de aproximadamente 88%. Esse alto percentual deve-se, dentre outros fatores, ao fato da área ser relativamente plana e seu formato ser retangular, o que possibilita a otimização de manobras. Outro fator que possibilitou ao produtor obter esta eficiência foi uma adaptação feita no trator, no qual foi inserido mais um reservatório para a pulverização. Acoplado na região frontal, o tanque de 400ℓ aumentou para 1000ℓ a capacidade de pulverização do conjunto trator + pulverizador. Isso possibilitou diminuir o tempo de paradas para reabastecimento. Em vista da alta capacidade de campo o período de execução da atividade torna-se relativamente curto, possibilitando com isso mais tempo disponível para realizar as demais atividades na propriedade. Para efetuar a operação em 8 ha o agricultor irá necessitar de aproximadamente 1,08 horas de trabalho. Considerando a mesma capacidade de campo efetiva para todos os talhões, a pulverização de toda a área (96 ha) levaria 2 dias úteis de serviço. Entretanto, em função dos deslocamentos, para pulverizar toda a área o agricultor leva em torno de 4 dias. A semeadura da cultura da aveia é realizada com um distribuidor centrífugo Stara Sfil Tornado 600P (Figura 3), com capacidade de tanque de 600 kg, adquirido no ano de 2002. Este trabalha uma largura média de 10 m e a velocidade média de operação, segundo o produtor, é de 10 km/h. O peso do equipamento vazio é de 130 kg. Figura 3: Dados de dimensionamento do conjunto mecanizado distribuidor centrífugo + trator conforme informações do produtor rural. Fonte: Elaboração dos autores. O conjunto é capaz de semear os 96 hectares que formam os 10 talhões da propriedade em torno de 2 dias, tendo em vista a capacidade de campo efetiva indicada na Figura 3 (não contabilizando os deslocamentos entre um talhão e outro). Um dos fatores que possibilitou a alta capacidade de campo efetiva do conjunto distribuidor centrífugo + trator, bem como sua elevada eficiência (85%), foi a qualidade de uso do implemento, em função de seu bom estado de conservação (aquisição recente e utilização apenas uma vez por ano), que resulta em uma distribuição mais uniforme. O distribuidor Tornado possui peso, quando cheio, de 730kg. Com base na capacidade de levante do sistema hidráulico (21002500), o trator MF 283 não terá problemas para efetuar o tracionamento do implemento. A incorporação das sementes de aveia é realizada através de uma gradagem leve utilizando uma grade de 32 discos marca Michels, 1977 (Figura 4), cuja largura total de trabalho é de 2,7 m. A velocidade média de trabalho, informada pelo produtor, é de 10 km/h. Figura 4: Dados de dimensionamento do conjunto mecanizado grade + trator conforme informações do produtor rural. Fonte: Elaboração dos autores. Para realizar a gradagem de todos os talhões incorporando as sementes de aveia, com base na capacidade de campo efetiva indicada na Figura 4, o conjunto mecanizado em questão levaria em torno de 6 dias (sem levar em consideração os deslocamentos entre talhões). A eficiência operacional apresentada pelo conjunto foi de 80%. Analisando a potência requerida pela grade de discos em comparação com a potência do trator Ford 6600, de 85 cv, tem-se uma sobra de força de tração da máquina. A otimização da potência pode ser obtida aumentando-se a velocidade de execução das atividades, utilizando equipamentos mais potentes ou readequando o trator existente. Para estas atividades, nas condições apresentadas o agricultor poderia utilizar um trator com 65 cv. Já a semeadura e adubação da cultura da soja são realizadas com uma semeadoraadubadora específica para plantio direto, modelo Vence Tudo SMT 7455, comprada no ano 2000 (Figura 5). A semeadora é dotada de 7 linhas, espaçadas em 47 cm, o que lhe confere uma largura de trabalho de 3,3 m. A velocidade média de trabalho é de 3,9 km/h. Figura 5: Dados de dimensionamento do conjunto mecanizado semeadora + trator conforme informações de campo (velocidade e tempo médio de operação). Fonte: Elaboração dos autores. Conforme a Figura 5, o tempo de operação para a semeadura de 8 hectares de soja foi de 6h 51 min e 45 s. Levando em consideração a capacidade de campo efetiva, em todos os talhões a semeadura dos 96 hectares seria realizada em 11 dias (sem contabilizar deslocamento entre talhões). A eficiência operacional do conjunto foi de 84,6%. A potência requerida pela semeadora foi de 25 cv. Tendo em vista que o trator apresenta 86 cv de potência, pode-se pensar em alternativas para maximizar o uso desta força, como utilizar uma maior velocidade de semeadura ou fazer uso de um trator com menor potência (caso algum dia o produtor troque este implemento). A colheita das culturas é realizada com uma colhedora SLC, modelo 1000, adquirida no ano de 1975 (Figura 6). A colhedora possui um motor Mercedes 1113, que lhe confere uma potência de 130 cv. A plataforma de colheita é de 12 pés (3,6 m) e a velocidade média de trabalho, de acordo com o produtor, é de 3 km/h. Figura 6: Dados de dimensionamento da máquina colhedora conforme informações do produtor rural. Fonte: Elaboração dos autores. Levando em consideração a capacidade de campo efetiva da Figura 6, o produtor é capaz de colher a área referente aos 10 talhões em aproximadamente 15 dias, não contabilizando os deslocamentos entre talhões. A propriedade dispõe também de um caminhão Wolksvaguen 14140 utilizado para transportar a produção, cuja capacidade máxima de carga é de 9000 kg e uma carreta graneleira Imasa, adquirida em 1985, com capacidade máxima de 12000 kg, utilizada para agilizar as operações de descarga de grãos na colheita e evitar perdas de tempo. CONCLUSÕES 1. Todos os implementos analisados requerem potência inferior a dos tratores. Para adequação da potência sugere-se o aumento da velocidade de determinadas operações, ou então, no momento da troca, optar por tratores de menor potência. 2. No geral, a alta eficiência das operações deve-se as características dos talhões: relevo plano ou suavemente ondulado e conformações regulares (o que otimiza a execução de manobras) e também ao bom estado de conservação e manutenção das máquinas e implementos, apesar de antigos. 3. Para otimizar a pulverização recomenda-se viabilizar o abastecimento do pulverizador nos próprios talhões (naqueles distantes da sede da propriedade), a fim de evitar deslocamentos excessivos. 4. O dimensionamento do maquinário agrícola consiste em uma interessante ferramenta de gestão, tendo em vista que, quando realizado de forma correta, gera economia de dinheiro, aproveitamento de tempo, redução de riscos e planejamento e controle das atividades do produtor rural. REFERÊNCIAS AMERICAN SOCIETY OF AGRICULTURAL ENGINEERS. ASAE D497.4: agricultural machinery management data. 47th ed. St. Joseph, Mich: ASAE, 2003. p. 350-357. PACHECO, E. P. Seleção e custo operacional de máquinas agrícolas. Documentos nº 58. Embrapa Acre, out. 2000. Disponível em: <www.cpafac.embrapa.br/pdf/doc58.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2011. PERIN, G. F. Determinação da capacidade e eficiência operacional utilizando técnicas de agricultura de precisão. Dissertação (Mestrado em Engenharia Agrícola) - Programa de PósGraduação em Engenharia Agrícola. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2008. SILVEIRA, G. M., YANAI, K., KURACHI, S. A. H. Determinação da eficiência de campo de conjuntos de máquinas convencionais de preparo de solo, semeadura e cultivo. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.10, n.1, p.220–224, 2006. STRECK, E. V. (Org.) et al. Solos do Rio Grande do Sul. 2. ed. Porto Alegre: EMATER/RS, 2008. 222 p.