Impacto Ambiental: Estudo no Arranjo Produtivo Local de Calçados de São João Batista/SC Autoria: Fernanda Floriano, Antonia Egídia de Souza, Hamilton Luiz Corrêa RESUMO As empresas, principalmente as de maior porte, têm se conscientizado de que precisam estabelecer ações que promovam o crescimento sem destruir o meio ambiente. Contudo, essa premissa não parece ser verdadeira no caso das micro e pequenas empresas. Diante dessa questão, a proposta da pesquisa foi investigar quais impactos ambientais as micro e pequenas empresas que compõem o arranjo produtivo local de calçados de São João Batista/SC provocam e que ações estão sendo implementadas que contribuem para o desenvolvimento sustentável. A pesquisa se caracteriza como qualitativa. Os participantes da pesquisa foram os dirigentes das empresas localizadas no APL de calçados de São João Batista/SC. A coleta realizou-se de duas maneiras: observação do processo produtivo, através de visita técnica às empresas pesquisadas, e entrevista semi-estruturada. Para tal análise utilizou-se a técnica denominada análise de conteúdo. Evidenciou-se que as empresas focalizadas no estudo que apresentaram iniciativas em benefício do meio ambiente implementaram essas ações apenas para cumprir a legislação após terem sofrido pressões de órgãos ambientais. Quando se fala em meio ambiente, a grande maioria dos gestores pensa em custo adicional. Dessa maneira, passam despercebidos as oportunidades e os benefícios da gestão ambiental 1 INTRODUÇÃO Um aspecto importante a ser observado na questão ambiental contemporânea é o grau de comprometimento cada vez maior de empresários e administradores na busca de soluções ambientalmente adequadas para os problemas da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. O que tem ocorrido recentemente é que as dimensões econômicas e mercadológicas das questões ambientais têm-se tornado cada vez mais relevantes. Uma breve análise nas publicações recentes destinadas ao público empresarial e financeiro é suficiente para comprovar a afirmativa de que os vínculos das empresas e dos mercados com as questões ambientais são cada vez maiores, mais explícitos e mais positivos. Com o passar dos anos, sobretudo a partir da década de 80, o surgimento de novos conceitos - como o desenvolvimento sustentável, o ecodesenvolvimento no campo das teorias de desenvolvimento, a produção mais limpa e o gerenciamento da qualidade total no campo empresarial, dentre outros - foi acentuando os vínculos positivos entre preservação ambiental, crescimento econômico e atividade empresarial. O papel da gestão ambiental é garantir que todos os processos organizacionais funcionem compatibilidade com o meio ambiente, através do estabelecimento de procedimentos que visam reduzir e controlar os impactos ambientais causados pelas empresas, melhorando seu relacionamento com o meio ambiente e com a sociedade. Percebe-se que as empresas, principalmente as de maior porte, têm se conscientizado de que precisam estabelecer ações que promovam o crescimento sem destruir o meio 1 ambiente ou sacrificar o bem-estar das futuras gerações. Contudo, essa premissa não parece ser verdadeira no caso das micro e pequenas empresas. Nesse sentido, o propósito da pesquisa foi investigar quais impactos ambientais são provocados pelas micro e pequenas empresas que compõem o arranjo produtivo local de calçados de São João Batista/SC e que ações estão sendo implementadas que contribuem para o desenvolvimento sustentável. Os objetivos específicos foram: descrever os aspectos ambientais presentes no processo produtivo; verificar se as ações gerenciais voltam-se ao desenvolvimento sustentável e comparar os requisitos da norma ISO 14001 com ações realizadas pelas empresas. 2 MARCO TEÓRICO Este capítulo foi dedicado ao resgate de alguns conceitos capazes de contribuir para justificar o tema. Para a melhor compreensão de tal problemática, resgatam-se alguns conceitos como: arranjo produtivo local, desenvolvimento sustentável, gestão ambiental e ISO 14001. 2.1 Arranjo Produtivo Local Está mais do que evidente que o processo de globalização contribuiu diretamente para o aumento da competitividade. De acordo com Barquero (2001, p. 13) “o processo de globalização traduz-se por um aumento da concorrência nos mercados”. O surgimento de novas tecnologias, as transformações do mercado, dos processos de produção, transportes e comunicação influenciam diretamente no fortalecimento e interação das organizações. Nesse contexto, é preciso que as organizações apresentem flexibilidade em suas estruturas, estejam em constante atualização e atentas às novas demandas, para que sejam capazes de promover mudanças, em busca do aprimoramento organizacional. É preciso considerar que, além da capacitação e inovação, o aumento da competitividade é critério indispensável a toda organização que deseja manter-se sustentável no mercado global. Para isso, é preciso haver uma mudança no foco estratégico das organizações, deslocando-se da competitividade isolada das empresas para a competitividade coletiva, baseando-se num território. Nesse sentido, faz-se necessário adaptar sistemas produtivos locais às condições de crescente concorrência vigentes nos mercados nacionais e internacionais. Desta maneira, surgem os arranjos produtivos locais (APLs). Segundo Albagli e Brito (2002), os APLs provêm de aglomerações de empresas localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais como o governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa. Na mesma linha, Altenburg e Meyer (1991) definem arranjo produtivo local em concentrações locais de empresas em áreas espacialmente delimitadas e voltadas para certas atividades econômicas, com claro perfil de especialização. Os arranjos produtivos locais geralmente têm origem "espontânea", ou seja, uma série de características locais, como oferta de matéria-prima, capacitação da mão-de-obra e dos empresários, organização social e proximidade a mercados. Os APLs objetivam promover a competitividade, modernização e a sustentabilidade dos micro e pequenos negócios, estimulando processos locais de desenvolvimento. É um novo modo de produção do desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades mais 2 sustentáveis e capazes de suprir suas necessidades imediatas, além de descobrir ou despertar suas vocações locais e desenvolver suas potencialidades específicas através da articulação e da convergência de ações de governo e da celebração de parcerias com a sociedade (BARQUERO, 2001). De acordo com Santos (2004), existem importantes vantagens competitivas a que as empresas podem ter acesso por estarem localizadas em tal aglomeração, como custos de transportes, de mão-de-obra ou fiscais. Para a execução e fortalecimento de um arranjo produtivo local é necessário o cumprimento de algumas etapas. A primeira delas consiste na articulação, quando são identificados os parceiros e definido o núcleo gestor. Após realizam-se a sensibilização e a seleção de empresas, e faz-se um diagnóstico, que visa obter uma radiografia da cadeia produtiva e da gestão de cada empresa. A segunda etapa refere-se à capacitação, treinamento e consultoria, objetivando provocar uma transformação na gestão empresarial e visando a capacitação e a profissionalização das empresas participantes do arranjo. Já a terceira etapa consiste na prospecção do mercado em nível nacional e internacional, em países-alvo e em consultorias, a fim de adequar os produtos para torná-los mais competitivos no mercado-alvo. As visitas técnicas para a prática de estratégias de negociação com eventuais importadores, para propiciar maturidade e bagagem em negócios internacionais, estão ligadas à quarta etapa. E a quinta e última etapa condiz com a elaboração da estratégia de marketing e visitas a feiras, para assimilação de novas tecnologias de produção (SEBRAE, 2003). 2.2 Desenvolvimento Sustentável Em meados do século XVIII, com o início da Revolução Industrial, houve um aumento significativo dos impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente. Os prejuízos desses impactos aumentam e estendem-se até os dias atuais. A diminuição da camada de ozônio, a poluição dos solos, do ar, das águas, a chuva ácida, o efeito estufa, o desmatamento e as alterações climáticas são algumas das inúmeras conseqüências da má administração dos recursos naturais e da falta de preocupação com aspectos relacionados ao meio ambiente. Utilizar os recursos naturais de forma racional, visando a diminuição dos impactos ambientais, em prol de melhores condições de vida para a sociedade atual e gerações futuras, cada vez mais deixa de ser um modismo chamado desenvolvimento sustentável, e passa a ser tarefa básica intrínseca nas organizações responsáveis. A princípio, as preocupações com o meio ambiente e a poluição eram de nível local; hoje em dia, em conseqüência do desenvolvimento industrial, da globalização e da melhoria dos meios de comunicação, elas evoluíram para um nível mundial. Uma degradação ambiental que ocorra em algum local no Hemisfério Norte, com certeza, prejudicará todo o ecossistema local, e alguns resultados negativos poderão ser sentidos em lugares distantes (SCHMIDHEINY, 1992). Segundo a Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento, a finalidade do desenvolvimento sustentável é atender às necessidades e aspirações humanas, através do “processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro”. Na literatura do assunto, aparecem várias correntes teóricas de classificação do desenvolvimento sustentável. Escobar (1995) destaca três correntes: a liberal, que pretende atribuir taxas, impostos ou bônus ao direito de poluir ou utilizar os recursos apenas naturais; a culturalista, que defende a mudança do modelo de desenvolvimento vigente e a estruturação 3 do sistema, baseado em conteúdos culturais, para a promoção do homem; e a ecossocialista, que assume ser a sustentabilidade da natureza como, basicamente, ideológica. Nesse contexto, o papel das organizações torna-se extremamente relevante. Através da mudança de valores e de processos organizacionais compatíveis com a preservação ambiental, os empresários devem promover práticas organizacionais sustentáveis. Na percepção de Almeida (2002), o novo paradigma da sustentatibilidade baseia-se na interação e integração, propondo uma nova visão na forma de olhar e transformar o mundo. No mundo sustentável, qualquer atividade não pode ser planejada separadamente, porque tudo está inter-relacionado. E essa premissa também deve estar na mente dos agentes que compõem os arranjos produtivas locais (APLs). 2.2.1 Gestão Ambiental Com a atual mudança cultural ligada ao aumento da consciência da sociedade em relação ao meio ambiente, influenciado pelos efeitos da competição global, o poder tomou outra direção, passando para as mãos do consumidor, que está cada vez mais complexo, não privilegiando apenas o preço, mas também o comportamento ambiental das organizações e a qualidade dos produtos. De acordo com D’Avignon (1996, p. 19), “a qualidade engloba confiabilidade do produto e um meio ambiente saudável”. Nesse sentido, Rosen (apud SOUZA, 2002) afirma que há basicamente três razões para que as empresas mudem seu comportamento ambiental. Primeiro, o regime regulatório internacional está mudando em direção a exigências crescentes quanto à proteção ambiental. Segundo, o mercado está sofrendo alterações. E, terceiro, o conhecimento está mudando, com crescentes descobertas e publicidades sobre as causas e conseqüências dos danos ambientais. Para Barbieri (2004), o crescimento da preocupação ambiental no universo empresarial é resultado da influência de três grandes conjuntos de força: o governo, o mercado e a sociedade, conforme ilustra a figura 1 a seguir: Figura 1 – Gestão ambiental empresarial – Influências Fonte: Barbieri (2004, p. 99) O movimento ambientalista está crescendo em grande escala, e os clientes e a comunidade em geral estão cada vez mais ligados à proteção ambiental. Dados da Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria e do Ibope revelam que 68% dos consumidores brasileiros estariam dispostos a pagar mais por um produto que não agredisse o meio ambiente (TACHIZAWA, 2002). Nesse novo contexto, as organizações precisam compreender que é necessário existir um objetivo comum, e não uma divergência entre proteção ambiental e desenvolvimento 4 econômico. De acordo com Tachizawa (2002, p. 27), “a proteção ambiental deslocou-se uma vez mais, deixando de ser uma função exclusiva de proteção para tornar-se também uma função da administração”. Inicialmente é necessário que haja uma transformação dos valores de empresários e empreendedores quanto à questão ambiental. Estes devem considerar que não há conflito entre lucratividade e sustentabilidade do meio ambiente. É preciso que os dirigentes da organização estejam conscientes sobre a importância de um bom relacionamento com o meio ambiente para suas atividades e a sociedade em si, estabelecendo dessa forma um compromisso com as questões ambientais. Segundo Gilbert (1995), para que as empresas desenvolvam uma boa gestão ambiental, estas devem ter, além de um sistema interligado de planejamentos e ações, alguns princípios voltados à questão ambiental que, ao serem incorporadas e desenvolvidos, cada empresa possa se adaptar, conservando suas particularidades, tais como: declaração de políticas relacionadas com a melhoria do desempenho ambiental, incluindo a conservação e proteção de recursos naturais, minimização de resíduos, controle da produção e melhoria contínua; definição de programas para implementar a política em toda organização, inclusive em relação aos fornecedores e clientes; integração dos planos ambientais no cotidiano operacional da organização, desenvolvendo técnicas e tecnologias inovadoras para minimizar o impacto da organização sobre o meio ambiente; auditoria e análise do progresso de ação da política e controle de desempenho; histórico, previsão, educação e treinamento para sensibilização e compreensão dos problemas ambientais da organização e soluções a serem desenvolvidas. Na visão de D’Avignon (1996), são diversos os benefícios que advêm da implantação de um sistema de gestão ambiental nas empresas. Dentre eles, destacam-se o aumento da facilidade das relações comerciais e o acesso a novos mercados, pois isso eleva o grau de segurança e confiabilidade da empresa, contribuindo para criação de uma imagem “verde” da organização perante seus clientes e a comunidade, diminui riscos de acidentes, evita desperdícios, controla e racionaliza os processos e melhora as condições de trabalho dos seus colaboradores. 2.2.1.1 Abordagens para a gestão ambiental empresarial Para Barbieri (2004), conforme a maneira com que as questões ambientais são tratadas por uma empresa, esta pode desenvolver até três tipos de abordagens. Uma das abordagens visa o controle da poluição. Segundo Barbieri (2004), o controle da poluição consiste em implantar práticas para impedir ou corrigir danos ambientais decorrentes do processo de produção, sem alterar significativamente os processos e os insumos. As soluções tecnológicas derivadas dessa abordagem podem ser de dois tipos: tecnologia de remediação, que visa a resolução de um problema ambiental já ocorrido; e tecnologia de controle no final do processo, que consiste em tratar a poluição resultante do processo de produção antes que este entre em contato e cause danos ao meio ambiente. Já outra abordagem consiste na prevenção da poluição. Para Barbieri (2004), concentra-se na prevenção da geração da poluição, otimizando insumos, visando à mudança e adequação dos processos a fim de alcançar o objetivo principal. Inerentes a essa abordagem existem duas preocupações básicas: a utilização sustentável dos recursos e o controle da poluição. Contribuindo para o tema, Schmidheiny (1992) afirma que são inúmeras as possibilidades de prevenção da poluição, e podem ser divididas em quatro categorias: boa administração doméstica, operando o maquinário e os sistemas de produção da maneira mais eficiente possível, respeitando a manutenção necessária para o bom funcionamento dos 5 mesmos e obtendo um controle da quantidade e tipos de resíduos; substituição de materiais, que oferece possibilidades para que ocorra uma total eliminação da poluição causada; modificações na produção, com a diminuição no número de etapas no processo produtivo, a utilização de processos fechados, que são totalmente controlados, na qual os recursos são maximizados e os resíduos minimizados; recuperação de recursos, com a reutilização de resíduos de um processo produtivo como matéria-prima de outro. Existe ainda outra abordagem que pode ser desenvolvida pelas empresas: a estratégica. Nessa abordagem as empresas tratam as questões ambientais de forma estratégica, visando o alcance de um diferencial competitivo. Essa abordagem torna-se importante para as empresas, pois é visivelmente crescente o aumento da preocupação da sociedade quanto às questões ambientais. De acordo com North (apud SOUZA, 2002), vários são os benefícios estratégicos originados da gestão ambiental. Dentre eles, destacam-se a melhoria da imagem da empresa, o aumento da produtividade, facilidade de acesso ao mercado externo, maior comprometimento dos colaboradores da organização e melhor relacionamento com a comunidade e autoridades públicas. Donaire (1996) enfatiza que aspectos relacionados ao meio ambiente influenciam no planejamento estratégico e despertam mudanças nas empresas. Afirma ainda que essa preocupação está diretamente ligada com o potencial de poluição da empresa, e que a influência da variável ecológica pode aparecer em duas situações: a partir de influências formadas externamente às empresas, ou seja, aqueles fatores sobre os quais as empresas não têm controle e que obrigam os empresários a repensarem suas estratégias e adotarem projetos ecologicamente corretos, como legislação, consumidores, exigências de setores industriais, ou até problemas ocorridos em sua matriz ou filial relacionados com o meio ambiente, como poluição, acidentes ecológicos e que fazem com que a empresa tome alguma atitude no sentido de prevenção destes problemas; influências externas que trazem modificações internas, podendo ser formal, que consiste em modificações na estrutura organizacional, agilizando ou flexibilizando a comunicação interna e o relacionamento inter-setores, resultando em modificações estratégicas, ou informal, trazendo novos conceitos e modos de agir, sendo uma tarefa conjunta que será realizada por todos os integrantes da organização e da organização com a comunidade. 2.2.1.2 ISO 14001 As normas ambientais internacionais estão descriminadas na ISO Série 14000. Uma das normas da Série ISO 14000, em especial, a ISO 14001 estabelece as especificações dos procedimentos e os elementos para implantação de um sistema de gestão ambiental. A etapa I consiste na formação da política ambiental da organização. A política ambiental segundo D’avignon (1996) é a política em que a empresa declara seus princípios e compromissos, contendo os objetivos e metas, assumidos perante o meio ambiente. Feito isso, é de suma importância a divulgação para todos os acionistas, colaboradores, fornecedores, clientes e comunidade. O planejamento está inserido na etapa II. Vale ressaltar que, antes do planejamento, a organização deve avaliar os efeitos ambientais das suas atividades, identificar a legislação e os regulamentos, e avaliar de que forma a empresa está cumprindo-os. Feito isso, na etapa do planejamento são estabelecidos os meios para atingir as metas e objetivos e formulado o programa de gestão ambiental, para então elaborar o conjunto de procedimentos que serão importantes para a implementação e operação do sistema de gestão ambiental e que completam sua política ambiental (D’AVIGNON, 1996). 6 Na segunda etapa definem-se as responsabilidades de operação do sistema, a conscientização e a competência em relação ao meio ambiente, as necessidades de treinamento, as situações de riscos potenciais, os planos de contingência e de emergência, e, por fim, o compromisso com a qualidade ambiental. A etapa III, implementação e operação, visa o funcionamento da estrutura organizacional voltada para o sistema de gestão ambiental. Nessa fase realiza-se o treinamento de pessoal, a operação da comunicação e os registros da documentação. Como resultado dessa etapa, espera-se que a documentação esteja organizada, que seja criado o manual da qualidade ambiental e que os procedimentos e instruções estejam elaborados e documentados. Vale ressaltar que a formatação e a denominação dos documentos ficam a critério da organização. Cabem à etapa IV o monitoramento e as ações corretivas. Para isso, nessa etapa são realizadas medições, controle e avaliação das atitudes da empresa com relação ao meio ambiente. Através do contínuo monitoramente é possível viabilizar ações preventivas e, em conseqüência, diminui-se o número de ações corretivas. Corrigindo o problema diretamente na fonte geradora ao invés de no final do processo produtivo, as organizações diminuem esforços e diminuem gastos com o reparo dos danos e evitam a degradação do meio ambiente, tarefa primordial a todo sistema de gestão ambiental. A etapa V consiste na revisão e análise crítica do sistema de gestão ambiental. Segundo D’avignon (1996), essa etapa torna-se fundamental para a efetiva implantação do conceito de melhoria contínua. A realização de revisão periódica, assim como a avaliação de possíveis ajustes na política, objetivos e metas, a verificação do comprometimento com a gestão ambiental e a avaliação do desempenho do sistema, são tarefas intrínsecas nessa última etapa que finaliza a implantação de um sistema de gestão ambiental eficaz. 3 MÉTODO O objetivo deste capítulo é apresentar o método que foi aplicado no decorrer do trabalho, como delineamento, população, coleta e análise de dados. 3.1 Delineamento A abordagem foi de cunho qualitativo. Na abordagem qualitativa o pesquisador deve aprender a usar sua própria pessoa como instrumento mais confiável de observação, seleção, análise e interpretação dos dados coletados. Quanto aos objetivos deste trabalho, a pesquisa também pode ser caracterizada como descritiva. Cabe ressaltar que pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los. Procura descobrir, com a precisão possível, a freqüência com que o fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e característica (CERVO e BERVIAN, 1996). 3.2 Participantes da pesquisa De acordo com o objetivo da pesquisa, a população é composta por todas as empresas que fazem parte do APL de calçados de São João Batista, 90 no total. Considerando que os impactos ambientais causados por empresas do mesmo ramo são praticamente os mesmos, foi selecionado um grupo (sete empresas) por conveniência (acesso às informações), pois, como se conhecia a cultura local, julgou-se que, em se tratando de gestão ambiental, não estariam todas as empresas dispostas a demonstrar seu processo de produção e aspectos de gestão, para realização de um diagnóstico ambiental. 7 3.3 Coleta de dados Os dados que serviram de base para a elaboração deste artigo originaram-se de fontes primárias e secundárias. Para a coleta dos dados primários selecionou-se uma “empresamodelo” de cada elo que compõe a cadeia (totalizando sete empresas). A coleta desenvolveuse de duas maneiras. Na primeira, observação no processo produtivo, através de visita técnica às empresas pesquisadas, foram observados os inputs, outputs, insumos e os aspectos ambientais de cada processo produtivo, bem como a gestão dos resíduos sólidos, efluentes líquidos, emissão de gases e ruídos. Em paralelo, foi realizada entrevista semi-estruturada, com o gestor de cada organização foco de estudo, somando sete entrevistados. Elaborou-se o roteiro de entrevista com base nos requisitos para implantação de um sistema de gestão ambiental, segundo a Norma ISO 14001. Os dados secundários foram coletados através da análise de documentos das empresas foco de estudo. 3.4 Análise de dados Por se tratar de um trabalho qualitativo, depois de coletados os dados, efetuou-se análise de conteúdos. Para diagnosticar a posição da empresa em relação ao meio ambiente, foram levadas em consideração as seguintes categorias: política ambiental; planejamento ambiental; implantação e operação; verificação e ação corretiva; e análise crítica das atividades consideradas ambientalmente críticas, conforme requisitos para implantação de um sistema de gestão ambiental contidos na ISO 14001. Para analisar os aspectos ambientais dos processos produtivos, foram utilizadas as seguintes unidades de análise: resíduos sólidos, efluentes líquidos, emissões atmosféricas e ruídos. A partir dos critérios estabelecidos, desenvolveu-se uma análise em comparação com a literatura estudada. 4 RESULTADO DA PESQUISA Este capítulo tem como objetivo descrever os aspectos ambientais presentes no processo produtivo, verificar se as ações gerenciais das empresas foco de estudo voltam-se ao desenvolvimento sustentável e comparar os requisitos da norma ISO 14001 com ações realizadas pelas empresas. 4.1 APL de Calçados de São João Batista Fazem parte do APL, segundo o Sindicado Calçadista de São João Batista (SINCASJB), cerca de 90 empresas, em grande parte micros e pequenas. A cadeia produtiva de calçados emprega cerca de 8.000 (oito mil) pessoas. Segundo o SINCASJB, atualmente a produção mensal em pares de calçados atinge a média de 1.200.000 pares/mês. Parte da produção de calçados é exportada. Os principais destinos são América Central, EUA, Emirados Árabes, América do Sul e Europa. A indústria de calçados possui uma divisão importante quanto à segmentação dos seus mercados. Os produtos são usualmente divididos entre calçados abertos (sandálias, tamancos e chinelos) e fechados (botas, tênis, abotinados, entre outros). É importante ressaltar que, segundo o SINCASJB, cerca de 92% dos calçados produzidos pelo APL de São João Batista são femininos para adultos, e 8% femininos infantis. O design dos calçados é desenvolvido com base em tendência européia, e o número 8 de coleções desenvolvidas durante o ano aumentou. Atualmente, segundo os empresários, são desenvolvidas de três a quatro coleções por ano. O APL de São João Batista é referência nacional. Prova disso é que integram o arranjo, além das indústrias, empresas que fabricam todos os insumos necessários para produção e distribuição do calçado. 4.1.1 Impacto ambiental provocado pelas empresas inseridas no APL de São João Batista Para descrição dos aspectos ambientais presentes na cadeia produtiva do calçado, foi feito um diagnóstico ambiental em uma empresa-modelo de cada um dos elos da cadeia. Para realização da investigação utilizaram-se técnicas como entrevistas e observações nos locais de interesse para uma análise eficaz. Como critério para apresentação dos resultados, foi primeiramente descrito os inputs, outputs, os insumos e os aspectos ambientais, dos processos de fabricação, e na seqüência analisou-se a gestão de resíduos sólidos, efluentes líquidos, ruídos e emissão de gases. A seguir, procedeu-se à análise a situação das empresas focos de estudo com relação à gestão ambiental, considerando-se os requisitos para implantação de uma gestão ambiental, conforme ISO 14001. 4.1.1.1 Curtume O curtume é a indústria de beneficiamento de peles, sendo o responsável pela produção do insumo de couro. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (2001), a região sul é a maior produtora de couro do Brasil, seguida pelas regiões Ssudeste e Centro-Oeste. O curtume modelo utilizado como objeto de estudo, localizado em São João Batista, atua no ramo desde 1986 e conta com a colaboração de 65 funcionários. Sua produção diária é em média de 500 couro/dia. Os impactos de suas atividades, bem como o sistema de gestão ambiental, serão apresentados a seguir. As etapas de processo denominadas caleiro/depilação, lavagem do couro, desencalagem/purga, píquel, curtimento, basificação e tingimento são realizadas dentro de equipamentos chamados fulões, que são cilindros horizontais fechados, normalmente de madeira, dotados de dispositivos para rotação em torno de seu eixo horizontal, com porta na superfície para carga e descarga das peles, bem como para adição de produtos químicos. Como resultado da análise dos aspectos ambientais do processo produtivo do couro, pôde-se identificar a geração de resíduos sólidos como sal, originado no processo de armazenamento da pele. O pêlo do couro origina-se no processo de depilação/caleiro. E carnaças, como restos de gorduras e carne do boi, e fragmentos de orelha e rabo, são originados no processo de descarnar o couro. O pêlo do couro e os restos de gordura e carne do boi, segundo entrevista realizada com o engenheiro da fábrica, passam pelo processo de tratamento. A empresa não possui um inventário de todos os resíduos sólidos gerados pelo processo de beneficiamento do couro. Segundo dados secundários, o curtume foco de estudo consome em média 250 mil litros de água por dia. Grande parte dessa água é utilizada dentro dos fulões e recebe produtos químicos altamente tóxicos. Até então, esses efluentes líquidos eram tratados primariamente, e seu destino era o rio. 9 Para cumprir a legislação ambiental, a empresa foi obrigada a fazer o tratamento biológico da água. Essa é uma ação recente, que ainda não apresenta resultados concretos. A intenção da empresa é tratar essa água e depois reaproveitá-la no seu processo produtivo. Os ruídos, presentes em todos os processos de fabricação automatizados, causam certa perturbação para os colaboradores que trabalham nessas áreas. Todavia, não afetam a comunidade localizada no entorno. Na etapa de armazenamento da pele, foi evidenciada a emissão de gases do tipo NH3 (gás amônia) e COVs (compostos orgânicos voláteis). A emissão desses gases gera um odor e, por conseguinte, provoca incômodo ao bem-estar público. A empresa foco de estudo não possuiu um sistema de gestão ambiental. No entanto, por pressões de órgãos ambientais competentes, a empresa está se vendo obrigada a implantar algumas ações para reduzir seus impactos ambientais. A partir desse fato, e do que se pôde observar durante visita, observa-se que a empresa não possui por si só uma consciência ambiental. 4.1.1.2 Solados A empresa foco de estudo fabrica solados de Poliuretano (PU), resultante de uma reação exotérmica, que altera as propriedades iniciais dos reagentes e se expande. Em São João Batista, de acordo com o Sindicato de São João Batista, existe sete (07) empresas desse ramo. A indústria de solados objeto de estudo conta com a colaboração de 90 funcionários. A empresa fabrica de 6 a 8 mil pares/dia. Em período de grande demanda, a empresa chega a fabricar 12 mil pares/dia. Como resultado da análise dos aspectos ambientais do processo produtivo do solado, foi possível identificar a geração de resíduos sólidos como resíduo de PU, originado no processo de injeção do solado, rebarba de PU, oriunda do processo de refilagem, e pó de tinta, originado do processo de pintura do solado. O resíduo de PU, segundo entrevista realizada com o gerente de produção, é recolhido e enviado para empresa fornecedora da matéria-prima de Isocianato e Poliol. Essa empresa utiliza produtos químicos para separar Isocianato, Poliol e Exter, e os reutiliza para fazer esses mesmos insumos. A empresa que fabrica o solado compra essa matéria-prima que foi reutilizada a partir dos resíduos gerados por ela, da empresa fornecedora, por um valor inferior. Esse mesmo processo acontece com os resíduos gerados do processo de refilagem. A pintura do calçado é feita pelo um sistema manual, em que são utilizadas pistolas de ar para pulverizar a tinta sobre o solado, a uma pressão de 40 lb/pol², em um ambiente semelhante a uma capela. Nessa capela existe uma tubulação que carrega as partículas de tinta e fuligem para o exterior da fábrica, dentro de uma caixa d’água. Essa caixa é limpa de três em três meses, e os resíduos, de acordo com entrevista realizada, são enviados para o aterro sanitário do município de Blumenau. Os processos que utilizam água são os de preparação da matéria-prima e o de lavação/desengraxe do solado. A matéria-prima, isocianato e poliol, chega do fornecedor e é armazenada em forma de cera. Para preparar esses insumos é preciso fundi-los, sendo utilizado o processo de banho-maria, que dura de 4 a 8 horas. Como a água utilizada nesse processo é aquecida à 75°C, essa água evapora, o que não acarreta a geração de efluentes líquidos. O processo de lavação/desengraxe do solado é desenvolvido para remover o silicone usado durante o processo de moldagem. Para isso, os solados são lavados em solventes. 10 Nesse processo, foi constatado que a empresa utiliza dois tipos de equipamento: o fechado, ecologicamente correto, pois durante a lavagem a máquina separa a água dos produtos químicos e não emite gases, sendo reutilizado o efluente líquido; e o aberto, em que os efluentes líquidos também são reutilizados, com a diferença de que essa máquina não separa os produtos tóxicos. Para isso, a empresa, de dois em dois meses, faz a limpeza da máquina, e os resíduos que são retirados e enviados para a empresa que fornece a matériaprima, isocianato e poliol. Os ruídos estão presentes em todos os processos de fabricação automatizados, causando certa perturbação para os colaboradores que trabalham nessas áreas. Todavia, não afetam a comunidade localizada nos arredores da fábrica. A emissão de gases é gerada no processo de lavagem/desengraxe do solado, quando realizado com a máquina aberta. Como alternativa para redução desse impacto ambiental, a empresa adquiriu máquina para lavagem/desengraxe do solado fechada. Além de não poluir o ar, essa máquina fechada utiliza menos insumos e ainda separa os produtos químicos da água, o que dá a oportunidade de a empresa reutilizar esses produtos. No final do processo de lavagem/desengraxe com a máquina fechada, os produtos químicos, automaticamente separados, são enviados para a empresa que fornece a matériaprima. Essa empresa recicla tais materiais, confeccionando o mesmo tipo dessa matériaprima, e vende para a indústria de solados com o preço inferior. De acordo com o gerente de produção da fábrica, além de não afetar o meio ambiente, esse tipo de máquina reduz uma grande quantidade de custos. Todavia, no período de grande demanda, a empresa utiliza os dois tipos de equipamentos para a produção do solado. Apesar de apresentar algumas ações que vão ao encontro do meio ambiente, a empresa pesquisada não apresenta um sistema de gestão ambiental formalizado e implantado. Entretanto, por pressões de órgão ambientais competentes, a empresa está buscando desenvolver suas atividades, visando diminuir os impactos ambientais causado pelo negócio. 4.1.1.3 Salto, Sola e Taco A indústria foco de estudo encontra-se há 5 anos no mercado e possui 24 funcionários. Os resíduos sólidos gerados no processo de injeção da matéria-prima são totalmente reutilizados para fabricação da mesma matéria-prima. De acordo com entrevista realizada com a proprietária da empresa, durante o processo de fabricação dos produtos, são consumidos em média 250 litros de água/dia. Essa água é utilizada para o processo de resfriamento do salto e, por conseguinte, evapora. A intenção da empresa é instalar um sistema para captar a água das chuvas. Os ruídos estão presentes em todos os processos de fabricação e causam certa perturbação para os colaboradores que trabalham nessas áreas. Todavia, não afetam a comunidade localizada no entorno. Durante o processo de fabricação do salto, da sola, e do taco, não foi constatada emissão de gases. A pesquisa evidenciou que a empresa foco de estudo não possui um sistema de gestão ambiental. Ficou nítido na visita a empresa e na entrevista realizada com a proprietária que as ações implantadas em relação aos aspectos ambientais visam a redução de custos. 11 4.1.1.4 Cartonagem A cartonagem é responsável pela fabricação das embalagens do calçado, existindo em São João Batista quatro empresas desse ramo. A cartonagem objeto de estudo foi fundada em 1969. Atualmente possui 85 funcionários e uma frota de oito veículos para entrega dos produtos. Em média, a empresa fabrica por dia de 100 a 130 mil caixas. Os resíduos sólidos gerados no processo de fabricação das caixas de papelão podem-se resumir a plásticos, originados das embalagens de papel, advindos do setor de almoxarifado, e a papel, originado no processo de copladeira. Pode-se observar que os resíduos sólidos são separados e armazenados em locais cobertos apropriados, sendo o destino desses resíduos a venda para reciclagem. A empresa não possui inventários dos resíduos sólidos gerados. No processo de fabricação de embalagens, não é gerado nenhum tipo de efluente líquido. Os ruídos, presentes em todos os processos de fabricação, causam certa perturbação para os colaboradores que trabalham nessas áreas. Todavia, não afetam a comunidade localizada em torno da fábrica. Não foi evidenciada a emissão de gases durante o processo de fabricação de embalagens. A cartonagem não possui sistema de gestão ambiental, e ficou visível, através das visitas feitas à organização e das entrevistas, que a empresa não percebe a importância de tal modelo de gestão. 4.1.1.5 Transportadora A transportadora é responsável pelo transporte de insumos até os fabricantes e do calçado pronto até os clientes. A transportadora foco de estudo possui 18 caminhões na sua frota. Está sediada em São João Batista, e tem uma filial em Novo Hamburgo/RS. Para transportes das cargas, foi evidenciado que a empresa atende a todos os tipos de obrigações pertinentes. No processo de transporte do material não foram constatadas a geração de resíduos sólidos e a geração de efluentes líquidos. Os ruídos são originados dos caminhões no processo de transporte da carga. Foi evidenciada emissão de gases altamente poluentes no processo de transporte das cargas, originados da descarga dos caminhões. Caso ocorra algum acidente, a empresa possui dentro de seu quadro de funcionários um engenheiro exclusivo para atendimento de emergências. Foi possível evidenciar que a empresa possui o registro de um acidente ocorrido com cargas tóxicas. No entanto, segundo entrevista realizada, esse acidente foi atendido prontamente, evitando a geração de algum impacto ambiental. Todavia, constatou-se que a empresa não possui um sistema de gestão ambiental formalizado. 4.1.1.6 Indústria de calçado A indústria objeto de estudo foi fundada em 1996, possuindo atualmente 120 funcionários. Em média, a empresa fabrica 9.000 pares por dia. Os resíduos sólidos gerados pela indústria de calçado são papelão e plásticos, originados do armazenamento da matéria-prima, e o couro, originado do processo de corte. Os resíduos de papelão e plástico são vendidos para reciclagem, e os recursos originados dessa venda destinam-se para a associação dos funcionários. 12 O resíduo de couro sintético é vendido para empresas que fabricam solados, e os resíduos de couro natural são enviados para o aterro industrial e sanitário em Blumenau, sem agregar valor. Em Blumenau, os resíduos são separados e tratados. No processo de fabricação de calçado, não é gerado nenhum tipo de efluente líquido. Os ruídos são originados nos processos de costura e montagem da palmilha. Não ficou evidenciada a emissão de gases durante o processo de fabricação do calçado. Pode-se constatar que a empresa não possui um sistema de gestão ambiental formalizado e implantado. Realizaram-se entrevista e visita técnica a outras duas indústrias de calçados de portes diferenciados, uma com 23 funcionários e outra com 8 funcionários, ambas também pertencentes ao APL de Calçados de São João Batista. Foi possível evidenciar, quanto aos aspectos ambientais, que a geração de resíduos no processo de produção é o mesmo, mas em menor escala em relação ao número de calçados produzidos. De acordo com entrevista realizada, o destino desses resíduos é o mesmos da empresa acima analisada. Os resíduos sólidos, compostos por papelão e plásticos, são vendidos para reciclagem; os resíduos de couro sintético, para a indústria de solado; e os resíduos de couro natural são enviados para aterros industriais. A pesquisa evidenciou também, quanto aos requisitos para implantação de um sistema de gestão ambiental, segundo NBR ISO Série 14001, que essas indústrias não possuem um sistema de gestão ambiental. 4.1.2 Síntese dos principais resíduos gerados na cadeia produtiva do calçado Quanto aos aspectos ambientais da cadeia produtiva do calçado, geração de resíduos sólidos, efluentes líquidos e emissão de gases, perceberam-se as seguintes questões: Figura 1 – Geração de resíduos da cadeia produtiva do calçado Fonte: Elaborada com base nos dados da pesquisa Os impactos gerados pela metalúrgica, responsável pela fabricação de enfeites; pela indústria química, responsável pela fabricação de cola e adesivos; e pelas indústrias de materiais indiretos, como navalha, agulha, linhas entre outros, não foram levantados pela pesquisa. 13 O curtume, que gera maior impacto ambiental, através da geração de efluentes líquidos, apresenta um sistema, ainda que em fase de teste, para tratamento biológico, o que reduz em grande parte seus impactos ambientais. Foi possível evidenciar que os resíduos sólidos também gerados por essa atividade são tratados e/ou reaproveitados. Na indústria de solados, os resíduos que não podem ser reaproveitados são enviados para o aterro industrial de Blumenau. Na indústria de sola, taco e salto, os resíduos sólidos gerados são totalmente reaproveitados. Na cartonagem, todos os resíduos gerados são vendidos para reciclagem. Na transportadora, a emissão de gases ainda não é controlada. Essa atividade gera um grande impacto ambiental com a poluição do ar. O principal resíduo gerado pela indústria calçadista, que é enviado para os aterros sanitários sem agregar nenhum valor, é o couro natural. Os outros resíduos sólidos gerados que também não podem ser reaproveitados são enviados para aterros sanitários. Os resíduos sólidos, como o papelão e plástico, são vendidos pra reciclagem. Na cadeia produtiva do calçado de São João Batista, o resíduo gerado em maior quantidade, sendo eliminado sem agregar nenhum valor, é o resíduo de couro curtido com cromo, gerado pela indústria de calçado e caracterizado pela ABNT como Classe I. De acordo com os dados da pesquisa, o destino desses resíduos são os aterros industriais. Diferentemente dos lixões, que são locais inadequados para disposição final de resíduos, por não possuírem nenhum controle ambiental, os aterros industriais e sanitários são locais ecologicamente corretos para disposição final de resíduos industriais, pois dispõem de todos os controles ambientais necessários, como impermeabilização, tratamento de efluentes, tratamento físico e químico do resíduo e monitoramento das águas do entorno. Através das entrevistas, percebeu-se que a maioria das indústrias da cadeia produtiva de calçados envia seus resíduos que não podem ser reaproveitados para o aterro industrial e sanitário de Blumenau. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O crescimento da preocupação ambiental advém das nítidas conseqüências da má administração dos recursos naturais e da falta de preocupação com relação aos aspectos ligados ao meio ambiente. Em detrimento disso, a utilização dos recursos naturais de forma racional, com o objetivo de reduzir os impactos ambientais, para assegurar melhores condições de vida para as gerações atuais e futuras, passou a ser tarefa básica de toda organização que queira manter-se sustentável, diante de um consumidor mais consciente e exigente, e de um mercado altamente competitivo. A ISO 14001 tem desempenhado um papel muito importante nesse sentido, tendo em vista que, quando as empresas passam a cumprir seus requisitos e a aplicar seus conceitos, ocorre a minimização dos efeitos ambientais negativos. Apesar de se dizer que a consciência ambiental das empresas tem aumentado nos últimos anos, uma análise no arranjo produtivo local do calçado de São João Batista revela sinais contrários a essa afirmação. Os resultados obtidos com a pesquisa deixam claro que a falta da real conscientização da importância ambiental por parte da maioria dos empresários da cadeia produtiva do calçado de São João Batista é uma das maiores limitações para implantação da gestão ambiental nesse setor. 14 Foi evidenciado que as empresas foco de estudo que apresentaram iniciativas convergentes ao meio ambiente implementaram essas ações apenas para cumprir a legislação ambiental, após terem sofrido pressões de órgãos ambientais competentes. Quando se fala em meio ambiente, a grande maioria dos gestores pensa em custo adicional. Dessa maneira, passam despercebidos as oportunidades e os benefícios de uma gestão ambiental, como a redução dos desperdícios, o aumento da produtividade, maior eficiência nos processos, redução de custos, qualidade ambiental, aumento da participação no mercado e maximização dos lucros. Durante visita às micro e pequenas empresas que serviram como foco de estudo, podese identificar a falta de organização que algumas empresas apresentam no próprio local de trabalho. Isso demonstra que, para aplicação de um sistema de gestão ambiental, primeiramente as empresas precisam se organizar. Também como resultado deste trabalho, é possível argumentar que o arranjo produtivo do calçado é responsável por grandes impactos ambientais. No caso de São João Batista, a atividade que gera um volume maior de resíduos está presente na indústria calçadista. Fator relevante a isso é que, em comparação com os curtumes, empresas de solados, solas, tacos, saltos, enfeites, embalagens, transporte, o número de indústrias calçadistas concentradas em São João Batista é significantemente maior. De acordo com entrevistas realizadas com gestores para eliminação ambientalmente correta dos resíduos de couro, as empresas pagam em média R$ 700,00 por caçamba de lixo industrial para destinar esses resíduos a aterros industriais. Como o setor de calçados de São João Batista é composto na grande maioria por micro e pequenas empresas, o custo de descarte desses resíduos afeta na competitividade dessas organizações. Assim, para reduzir esse custo, de acordo com a Secretária do Desenvolvimento e do Meio Ambiente de São João Batista, muitas empresas acabam queimando esses resíduos. Essa prática causa agressão ao meio ambiente, pois gera poluição do ar. Uma possibilidade para reversão desse quadro é agregação de valor do resíduo do couro natural. O SINCASJB, enquanto entidade coordenadora do APL de Calçados de São João Batista, em parceria com entidades públicas e/ou privadas, prefeituras municipais vizinhas, juntamente com os próprios empresários dessa região, visando reduzir o impacto ambiental causado pela geração, e até mesmo incineração de resíduos de couro, deve desenvolver um programa para reutilização desses resíduos. É sabido que os resíduos de couro podem ser reaproveitados para confecção de bolsas, capa de estofados, bolas, entre outros artigos. Um dos fatores relevantes que possibilitam a implantação de um sistema de gestão ambiental na cadeia produtiva do calçado é que, por fazerem parte de um APL, os empresários apresentam grande interação. E se um grupo de empresários realmente se conscientizar quanto às questões ambientais, conseqüentemente, as outras empresas pertencentes ao APL, aos poucos, irão aderindo a essa consciência. Contudo, é evidente que a implantação de um sistema de gestão ambiental vai muito além da consciência ambiental e da redução dos impactos ambientais. Implica a transformação de todas as dimensões da empresa, direcionando-a a uma organização sustentável. 15 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 ALBAGLI, S.; BRITO, J. Arranjos produtivos locais: uma nova estratégia de ação para o Sebrae. São Paulo: RedeSiste, 2002. 2 ALMEIDA, F. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. 3 ALTENBURG, T.; MEYER. S. How to promote clusters: experiences form Latin América. Great Britain: World Development, 1999. 4 BARBIERI, J. C. Gestão Ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. São Paulo: Saraiva, 2004. 5 BARQUERO, A. V. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, 2001. 6 CERVO, A. L.; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica. 4. ed. São Paulo: Makronbooks, 1996. 7 D’AVIGNON, A. Normas ambientais ISO 14000: como podem influenciar sua empresa. Rio de Janeiro: CNI, 1996. 8 DONAIRE, D. Gestão ambiental na empresa. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1999. 9 ESCOBAR, A. El desarrollo sostenible: diálogo de discursos. Ecologia Política, n. 9. Barcelona: Jun/1995. 10 RAIS/MTE. Relação Anual de Informações Sociais. Ministério do Trabalho e Emprego. 2001. Evolução do Emprego Formal segundo o Setor de Atividade Econômica. Disponível em: <http:// www.mte.gov.br/Noticias/Conteudo/1074.pdf>. Acesso em: 10 out. 2006. 11 SCHMIDHEINY, S. Mudando o rumo: uma perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992. 12 SEBRAE. Termo de Referência para atuação do Sistema Sebrae em um APL. 2003. 13 SOUZA, R. S. Evolução e condicionantes da gestão ambiental nas empresas. Rio Grande do Sul: UFRGS, 2002. 14 TACHIZAWA, T. Gestão ambiental e responsabilidade social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. São Paulo: Atlas, 2002. 16