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date:
October 2, 1994
Formação Profissional na América Latina
Claudio de Moura Castro
João Batista Araujo e Oliveira
O presente ensaio examina a evolução recente da formação profissional na
América Latina. Dá especial ênfase à situação do Brasil que é bastante diferenciada
do restante do continente, sobretudo como resultado de um processo de
industrialização mais bem sucedido e mais continuado.
I. Os dois modelos: Os SENAIs e as escolas técnicas
A América Latina é caudatária das tradições de vários países Europeus, mas
sobretudo daqueles que tiveram uma influência cultural mais forte a partir da
seguna metade do século XIX, tais como a França e a Alemanha. Como resultado,
seus sistemas educacionais refletem influências destes dois países.
Na formação profissional, estas tendências se manifestam na existência de dois
sistemas paralelos, herdados da Alemanha e da França. O sistema francês é
baseado na idéia de acoplar cursos técnicos e profissionais às escolas acadêmicas
que, com ou sem os diplomas e equivalências, passam a ser o canal para o
aprendizado de um ofício profissional ou técnico. Já os descendentes do sistema
alemão correm paralelo à escola formal, ao mesmo tempo em que se ligam mais
proximamente à vida empresarial. 1
A. O SENAI e seus clones
1 Ver Claudio M Castro .... Encyclopedia....
Pelo final da década de trinta toma corpo a industrialização do país, e o Estado
toma posições mais firmes de apoio às fábricas nascentes. Começa então a ficar
patente a falta de mão de obra bem qualificada. Nestas alturas, o Ministério da
Educação interessa-se pelo assunto e reivindica um papel na tarefa de preparar
mão de obra. Mas esta foi também uma época de fortes lideranças patronais,
fazendo com que a comissão formada pelo Presidente Getúlio Vargas fosse
composta de industriais e outras pessoas ligadas à formação profissional na
indústria. Como resultado, a decisão presidencial entrega a tarefa de formar mão de
obra industrial aos próprios orgãos patronais da indústria.2
Cria-se então o SENAI, com característica próprias e operando em moldes muito
parecidos com os dos sistemas germânicos (a principal musa inspiradora nestes
primeiros anos foi Roberto Mange, um suiço de Neuchâtel). Modela-se na tradição
da aprendizagem, tal como forjada e desenvolvida na Europa. O sistema nasce
distanciado das escolas regulares e muito próximo das empresas. É financiado por
um imposto sobre a folha de salário e tem estrutura privada.
Ao contrário da tradição escolar de dividir os conteúdos por matérias, apoia-se nas
"séries metódicas" que são constituidas por uma sequência de pequenos projetos
práticos onde se encaixam , em escala crescente de dificuldade, todas as operações
e tarefas típicas do ofício. As séries metódicas originam-se nas escolas ferroviárias
russas, em meados do século passado. Em suas versões mais modernas, requerem
uma análise cuidadosa de todas as tarefas necessárias à performance correta e
completa de uma ocupação. De posse desta lista de tarefas, passa-se à escolha
judiciosa de exercícios práticos que introduzem progressivamente cada uma das
operações. Nota-se, portanto, que as séries metódicas nascem na oficina e voltamse para a preparação de pessoas capazes de realizar as tarefas exigidas pela oficina.
Em constraste com a visão curricular e a organização mas matérias em torno de
disciplinas, é um método muito mais induzido pela demanda.
O modelo se propaga rapidamente no Brasil, é copiado no próprio país pelo
SENAC - operando na área do comércio - e na década de cinquenta passa a ser
exportado em grande escala. O primeiro clone se dá na Colombia com a fundação
do SENA em 195... 3 Este foi também um sistema muito bem sucedido. Em termos
relativos, tornou-se o maior do que o SENAI. Em seguida, as equipes do SENAI e
SENA esparramam pelo continente dezenas de sistemas similares, alguns usando
2 Achar uma citação sobre a criação do SENAI
3 Jeff Puryear, ......
até mesmo nomes parecidos (e.g. SENATI no PERU). Tendo como exceção o
México, a Argentina e o Uruguai, os outros países do continente acabam também
com o seu clone do SENAI.
A América Latina acabou consolidando um sistema respeitável e sólido de
formação profissional. Esta rede se revelou capaz de oferecer uma formação
profissional séria e bem estruturada. As séries metódicas são traduzidas e adotadas
por todas as partes. Há padrões de qualidade originários dos modelos de onde se
derivam, mantidos vivo pela presença de uma geração de instrutores europeus.
A autonomia e independência financeira das instituições dá-lhes estabilidade e um
horizonte de planejamento longo. As equipes se consolidam, criam uma cultura
organizacional forte e bem estruturada.
E com a industria crescendo célere sob o regime protecionista de substituição de
importações, há mercado para todos os egressos destas instituições que sempre
cresceram no mesmo ritmo da indústria. 4 É uma das poucas histórias de sucesso
na educação latino-americana.
B. A tradição francesa e as escolas técnicas
Desde há vários séculos, os franceses ensaiam alternativas à tradição medieval da
aprendizagem. O que, de início, eram alternativas para os pobres e os órfãos que
não tinham acesso a um mestre que lhes ensinasse um ofício, acabam se
transformando em escolas que mesclam o formato organizacional do ensino
acadêmico com as matérias que transmitem um ofício. Ora são os liceus
industriais, ora são os liceus de artes e ofícios. Mas a tendência histórica é
incorporar uma carga cada vez maior de matérias acadêmicas ao currículo
profissional. Em muitos casos mesmo, os cursos oferecem diplomas que foram
adquirindo, pelo menos legalmente, o valor de um diploma do sistema regular
acadêmico.
O sistema culmina com os chamados cursos técnicos que oferecem o equivalente
de um curso secundário, matérias tecnológicas e uma parte prática nas oficinas. O
perfil do graduado é o técnico, ou seja, alguém que está no meio do caminho entre
4 Esse crescimento pari passo com a força de trabalho industrial impediu que se criassem sistemas
hipertrofiados, como foi o caso do ensino superior que se desenvolveu impulsionado por pressões de
uma classe média que via no diploma universitário um caminho privilegiado e fácil de ascensão social.
o operário especializado e o engenheiro. Tem mais conhecimento tecnológico do
que os operários e mais conhecimento prático do que o engenheiro. Tal como
aconteceu pelo mundo afora, estes cursos técnicos se multiplicaram na América
Latina, tornando-se mais numerosos do que os ginásios industriais e outras
modalidade associadas à níveis escolares mais baixos.
Por estarem relativamente alto na hierarquia do ensino, os técnicos conseguem
escapar da maldição do baixo status e do preconceito atribuído aos cursos de
caráter profissional que operam em simbiose com o ensino acadêmico. Não
costumam ter o prestígio das escolas acadêmicas mas também não se nivelam com
a formação profissional plebéia. Em alguns casos mesmo, os cursos técnicos
nascem dentro de escolas de engenharia que no continente quase sempre tiveram
prestígio bastante elevado. Este é o caso dos técnicos da Escola de Minas de Ouro
Preto, a mais elitizada do país durante a primeira metade do século.
C. A variante "made in USA": as "comprehensive high schools'
A tradição francesa usa o modelo escolar para a transmissão de um ofício e
freqüentemente oferece um equivalência acadêmica parcial ou total dos diplomas
oferecidos. Todavia, há uma separação clara nos estabelecimentos escolares que
oferecem formação profissional e os outros que somente cuidam do intelecto.
Após a Primeira Guerra, as escolas americanas rompem com esta tradição,
colocando no mesmo prédio toda a coorte que freqüenta a escola em uma dada área
geográfica. Latim, mecânica de automóvel, mecânica celeste, poesia e clarineta são
todos aprendidos na mesma escola, possuem o mesmo status formal, valem
créditos acadêmicos e levam ao mesmo diploma.
Na década de sessenta inicia-se a americanização do ensino latino-americano.
Viajam para lá os consultores e funcionários da USAID, voltam para lá os
primeiros doutores "made in USA". Assim, não será surpresa vermos a exportação
da "comprehensive high school" para a América Latina.
Na Colômbia, com muito dinheiro e dedicação criam-se os INEMs, oferecendo
toda o rol de competências, indo dos clássicos e da matemática até os ofícios
manuais. Mas obviamente, é uma escola muito mais elitizada do que a maioria das
escolas acadêmicas, para não falar nas técnicas e profissionais. Tudo é bom, tudo
funciona e tudo dá certo. Só que é caro demais para replicar em maior escala,
permanecendo estes experimentos como enclaves dentro dos sistemas
convencionais. E tampouco, alunos tão bem formados academicamente se
interessam pelos modestos ofícios manuais oferecidos nos INEMs.
O Brasil que primava pela ausência de qualquer coisa prática nas escolas (à
exceção dos humildes e bolorentos "trabalhos manuais"), de repente, universaliza a
obrigatoriedade da profissionalização. A Lei 4692 em xxxx de uma hora para
outra obriga todas as escolas a profissionalizarem o seu ensino. Tanto por cento
de matérias profissionalizantes, sejam quais forem os alunos, sejam quais forem
suas trajetórias futuras. Obviamente, isto era um convite à fraude. No melhor dos
casos, resulta na total ausência de interesse dos alunos das escolas de elite, com a
geografia sendo disfarçada em turismo. Em outros, pela pobreza das escolas,
incapazes de mobilizar os recursos materiais e intelectuais para fazer o que quer
que fosse de útil ou sério. Mais cedo ou mais tarde isto teria seu fim. Em 1980 veio
a revogação da lei de profissionalização. Voltou tudo ao que era antes, sem que
sequer se ficasse sabendo o que havia dado certo.
No Brasil, esta foi a última tentativa de americanização do ensino. Mas
curiosamente, muitos educadores de esquerda namoraram na década de oitenta
uma vertente do ensino profissional conhecida por "politécnica". Os contornos
exatos desta fórmula são algo fugidios. Contudo, em alguns casos, a descrição
deste ensino é bastante remanescente da escola secundária americana, onde todos
ficam juntos e recebem um pouco de tudo.
II. A industrialização travada e a década perdida
Quando a economia cresce, a formação profissional ou vai bem ou ninguém sabe
que vai mal. Todos são absorvidos pelo mercado. Há recursos para pagar as contas.
Diante de divergências, a solução mais fácil é criar uma escola à imagem do que
propõe cada um.
Mas quando a economia trava, como sucedeu na década de 80, todos começam a
reclamar. Aí então, tudo vai mal, ninguém está mais contente com nada. No caso
da formação profissional, os problemas se repetem, sem qualquer originalidade, ao
longo de todo o continente. Os problemas clássicos são a falta de dinheiro para
pagar as contas salgadas e a falta de emprego para os graduados.
A industrialização gorada da maioria dos países da América Latina fez desaparecer
os mercados para os graduados da formação profissional - embora no
Brasil isto não tenha chegado a acontecer. Esta estagnação se manifesta de forma
acentuada na década de oitenta, a chamada década perdida.
Mas vale mencionar também que a clonagem do SENAI não foi perfeita. Talvez a
sua característica mais arrojada e original não foi copiada. Nenhum dos sistemas
foi colocado nas mãos dos industriais, possivelmente pela ausência de uma
industrialização madura e de lideranças na área. É bem verdade que na sua maioria
não foram jogados na vala comum do ensino regular, tendo sido preferida a criação
de órgãos autônomos ou semi-autônomos para operá-los. Mas os órgãos
autônomos o são para o bem e para o mal. Evitam a mediocridade e a pobreza da
administração direta, mas também, estão a salvo das pressões por resultados. De
fato, este acabou sendo um dos problemas mais sérios destes clones latinoamericanos.
Diante da escassez de recursos para quase todos os gastos na área social, a relativa
riqueza dos clones do SENAI irrita e provoca a inveja dos outros ministérios
sociais. Começam as tentativas de surrupiar legalmente os orçamentos destas
instituições tão cevadas e tão ricas. Congela-se parte do orçamento do INA de
Costa Rica. O Estado arvora-se o direito de tomar parte dos dinheiros do SENA,
se este não se portar bem. O Chile anuncia que vai tirar os orçamentos do INACAP
e deixar que a instituição venda seus cursos no mercado. Em países mais pobres
como Honduras, Bolívia e Equador, os sistemas entram em crises profundas.
Mas no fundo, é a crise econômica que põe a descoberto uma crise gerencial e de
governabilidade destas instituições. Embora sempre mantivessem contatos mais
estreitos com as empresas do que qualquer escola operada pelos ministérios de
educação, estas instituições revelaram acima de tudo que não tinham a quem
prestar contas.
As industrias não reclamam. sobretudo porque não têm
necessidades prementes de mão de obra qualificada em tempos de crise. Os
orçamentos das escolas vêm garantidos do 1% das folhas de salários. A sua
administração é autônoma xxx. As gordurinhas vão aumentado, a preguiça
administrativa se instala, apesar da qualidade relativamente alta das equipes
técnicas e administrativas.
Nesse quadro pouco brilhante, as próprias lideranças se deterioram. As
administrações inspiradas de Costa Rica são sucedidas por diretores que sequer
conseguem gastar todo o orçamento. Sua grande criatividade ao organizar oficinas
abertas para públicos pobres ("Talleres del Pueblo"), não é seguida por iniciativas
de igual naipe. No Peru, o SENATI cai em mãos de políticos.
O SENA da Colômbia é talvez o caso mais triste. Chegou a ser muito o mais
criativo e agressivo de todos, inovando nas abrangência dos serviços, na
metodologia de ensino e nas relações com empresas (criação de serviços de
informação tecnológica, por exemplo). Outrora liderado por figuras destacadas,
passa para mãos sucessivas de administradores anódinos, pouco inspirados e sem
visão e que não conseguem se impor junto aos quadros da casa. Com a
desaceleração do crescimento industrial colombiano, o SENA passa a atender a
uma clientela urbana difusa e mal caracterizada, mas que freqüentemente se
identifica com o setor informal. Progressivamente, vai sendo empurrado para
atividades rurais de organização local e de movimentos participativos, áreas onde
sua competência é mais do que rala. Pior, sua estrutura pesada e complexa,
descendente da formação industrial sofisticada, não se dá bem nestas atividades
esgarçadas e descozidas, algumas até em colaboração com movimentos
guerrilheiros. Este movimento centrífugo cria grandes tensões internas na
instituição, ao mesmo tempo em que não logra reduzir o peso da administração e a
rigidez institucional.
Nos últimos anos, o SENA vem passando pela pior crise de sua história. Travado
pela estagnação da indústria, não tão bem sucedido em suas aventuras rurais e
participativas, o SENA acaba desagradando a todos. Continua caro, continua
pesado e rígido em sua estrutura. Diante deste quadro, administradores
neoclássicos dos serviços de "Planeación Nacional" decidem tirar-lhe o monopólio
do uso do tributo sobre a folha de salário. Teria que passar a competir com outras
agências de formação privadas pelo uso destes recursos. O SENA sente-se acuado
e luta intransigentemente contra quaisquer mudanças desta natureza. Mas no
processo, acaba por criar uma imagem ainda mais negativa. Perde aliados e ganha
a má vontade de observadores neutros.
O SENAI escapa, em boa medida deste quadro pouco alvissareiro. Por estar em
um país onde a industrialização não gorou e por estar em mãos dos próprios
consumidores do seu produto - os industriais - o SENAI conseguiu escapar quase
incólume, seja dos vícios e desmazelos dos seus vizinhos latino-americanos, seja
das crises enfrentadas. As lideranças empresarias defendem ferozmente a sua cria,
afrontando a todos com seu poder político. Mas mesmo assim, durante a revisão
constitucional de 1988 há uma tentativa de estatizar o SENAI. Mas em parte graças
a um abaixo assinado de quase dois milhões de diplomados (incluindo Lula e Pelé)
a tentativa aborta. Não obstante, pairam dúvidas e críticas. Os empresários dos
transportes e da construção sentem-se mal atendidos e os últimos acabam criando
o seu próprio "senaizinho" especializado.
Por todos os lados, a crise econômica culminada nos anos oitenta deixa cicatrizes
nos sistemas de formação profissional do continente. Mas como descrito no
próximo capítulo, os consertos vêm também desta mesma época.
III. As soluções gerenciais
Ao contrário dos sistemas educacionais latino-americanos, de administrações
pouco inspiradas e de equipes efêmeras e mal costuradas, os clones do SENAI
tiveram muito mais substância e energia nos seus quadros gerenciais. A partir de
meados de oitenta começam a aparecer um sem número de pequenas e grandes
mudanças nestas instituições.
Um empresário alemão lidera um movimento empresarial que recobra dos
políticos profissionais o SENATI. Com isto, há pelo menos uma certa recuperação
do órgão. 5
Há uma preocupação crescente com o peso administrativo, com a excessiva
centralização e com a falta de autonomia das escolas. O xxx da Venezuela embarca
em um programa ambicioso de descentralização, dando às comunidades locais um
grau considerável de voz nas escolas implantadas em seus municípios.
O Chile cria um programa de progressivo desengajamento dos orçamentos
públicos do INACAP. A cada ano, parte do orçamento era eliminada e cabia ao
INACAP vender serviços junto a potenciais alunos e empresas. Graças a uma boa
cultura organizacional e a uma reação sadia de suas equipes, a transição pode ser
feita sem perdas para o INACAP. Mas naturalmente, os novos clientes são mais
ricos, alterando-se assim o papel social dos seus cursos.6 completar
Apesar de vitorioso, o SENAI fica traumatizado com a tentativa de estatização e
com as críticas incessantes da esquerda educativa que o acusa de ser um
instrumento capitalista para adestrar e dominar a classe operária. A instituição fica
ao mesmo tempo mais introspectiva e mais inquieta. Vê inimigos por todos os
lados e sente-se intimidada com as freqüentes propostas de acabar com o
financiamento compulsório pelo tributo na folha de pagamento. Desgasta-se a
auto-confiança do passado que, de resto, pode ter sido uma fonte de complacência.
Em alguns estados, criam-se conselhos empresariais nas próprias escolas, a fim de
aproximá-los mais dos empresários individuais (acho que deve manter o
5 Ver trabalho de Raul Fajardo em trabalho que eu editei e que gorou
6Ver Oscar Corvalan, trabalho que eu editei e que gorou
"individual", pois a proximidade com as federações sempre houve). Há uma
progressiva descentralização, recebendo as escolas mais independência (é de se
notar que o SENAI sempre foi completamente descentralizado por estados).
Todavia, ainda mais importante é o aprofundamento dos contatos com os seus
clientes, passando a funcionar o SENAI como um órgão de apoio técnico, como
uma liderança tecnológica no setor (voltaremos a este ponto mais adiante).
O SENAC sempre viveu à sombra do SENAI. É o irmão mais novo, de perfil mais
suave, de virtudes menos magníficas e de vícios mais atenuados. O SENAC não
chama tanta atenção por suas realizações e nem por suas fraquezas. Atendendo a
empresários menos exigentes e menos presentes, vai forjando seu perfil em contato
mais estreito com seus alunos. Após sua ação pioneira na área da hotelaria - de
fato, pode-se dizer que sem o SENAC a hotelaria brasileira ainda estaria
engatinhando - o SENAC progressivamente passa a mercados mais sofisticados.
Seus cursos simples de arrumação de vitrine e secretariado dão lugar a um
desenvolvimento sem par na área da computação. Sobretudo no Estado de São
Paulo, o SENAC dá um grande salto. Moderniza a sua administração e opta pelo
progressivo abandono de seus cursos mais simples, concentrando seus cursos em
áreas cada vez mais sofisticadas. Deliberadamente, vai deixando os setores bem
atendidos por outros cursos privados. Ademais, avança em sua política de cobrar
pelos serviços oferecidos. De fato, suas receitas pela venda de serviços já se
aproximam da metade do orçamento da instituição. Do ponto de vista de sua
postura e de suas metas, (pelo menos em São Paulo) o SENAC é hoje uma agência
com propostas mais claras do que o SENAI. Há menos desconfiança e menos
temores com relação às ameaças externas e mais tranqüilidade quanto às
estratégias gerenciais adotadas.7
IV. As saídas morro acima e morro abaixo para a família SENAI
Os clones do SENAI funcionaram por muito tempo como uma família de uma nota
só. Seu foco desde o princípio foram às ocupações manuais clássicas, tais como a
mecânica, a tornearia, a solda, a eletricidade e a madeira. Estas são ocupações
críticas em qualquer sociedade, mesmo nas menos industrializadas, pois são da
essência dos trabalhos de manutenção requeridos em qualquer país. E nisso, pode
se dizer que se saíram brilhantemente. Criaram uma bela tradição de formar
artesãos de boa qualidade, coisa que até hoje países da África, do mundo árabe e de
muitas outras regiões ainda não lograram.
7 Resultado não publicado de aplicação de questionários em um seminário SENAI-SENAC de São Paulo
em Águas de São Pedro (1994)
Mas ao terem sucesso em atender a este mercado tão bem definido, estas
instituições passam a ter que contemplar outras direções para oferecer os seus
serviços. Não é que estes mercados estejam saturados e a América Latina esteja
abarrotada de bons mecânicos e marceneiros. Mas os mercados evoluem e novas
necessidades aparecem, novos perfis de mão de obra precisam ser preparados e
novos papeis sociais estão para ser atendidos.
Assim, organizações especializadas na preparação dos perfis clássicos dos ofícios
manuais passam a ser politicamente obrigadas a sair do seio aconchegante da sua
competência cinqüentenária e enfrentar o desconhecido. E o desconhecido está
"morro acima" e também "morro abaixo”. Há o novo elenco das ocupações mais
sofisticadas, associadas às novas tecnologias e à manufatura moderna. E há as
pequenas industrias e o setor informal, pouco atraentes e sem charme.
A. Morro abaixo, chafurdando no setor informal
Os mercados menos nobres para a formação profissional podem ter menos charme
mas são politicamente mais importante. Como tentaremos mostrar mais adiante, as
altas tecnologias atraem em direções amenas para as equipes da formação
profissional. Andar morro acima, significa entrar em áreas de mais alto status, pois
a visibilidade e o prestígio são sempre maiores. A instituição pode encalhar ou
titubear ao tentar resolver os problemas concretos de oferecer uma formação para
um mercado mais elevado na hierarquia das ocupações. Mas não chega a haver
resistência institucional forte.
Por outro lado, mesmo diante de situações onde mais de metade da população ativa
está trabalhando no setor informal, as resistências são muito grandes. Há o
argumento legal de que como esta gente não recolhe os 1% da folha, não fazem jus
ao treinamento. São as empresas pagadoras que deverão receber todo o resultado
deste esforço financeiro. Este último argumento é freqüente no Brasil, onde os
empresários são percebidos pelo SENAI como os árbitros supremos do que devem
fazer na área da formação profissional. Mas sobretudo no caso do Brasil, os
empresários podem ser mais sensíveis do que os educadores aos riscos políticos de
ignorar as aspirações de metade da força de trabalho do país. As ameaças de mudar
a lei que propicia os fundos do SENAI se constituem em um risco político que não
pode ser ignorado.
No fundo, ir ao informal e às pequenas empresas é descer na hierarquia de status, é
trabalhar em mercados menos sofisticados, menos exigentes, na margem da
legalidade e operando com tecnologias primitivas e pobres. A cultura das
instituições de formação profissional resiste. Quem aprendeu a ensinar capricho,
limpeza, qualidade e serviço bem feito não vê com bons olhos procurar um
mercado onde nada disso é realmente possível.
A bem da verdade, parece que não há outro continente onde as instituições de
formação profissional tenham feito tantas tentativas de operar no informal. 8 Vários
estudos documentam estes esforços variados e imaginativos, tendo lugar em muitos
países. 9 Alguns destes experimentos tiveram mais sucesso do que outros. Mas ao
fim e ao cabo, permaneceram todos como tentativas pequenas e limitadas em
ambição. Talvez a única aventura maior tenha sido a do SENA. Mas como não foi
particularmente bem sucedida, não criou um bom precedente.
Portanto, a despeito de tudo que se experimentou, os caminhos não estão claros. O
primeiro obstáculo é a própria natureza do SENAI e seus filhotes. São todos
pesados, complexos, estruturados ao extremo e pouco à vontade na improvisação.
Tudo que fizerem no informal tenderá a ser caro, pelo simples fato de que foram
concebidos para produzir uma formação que pela sua natureza não pode ser barata.
Mas como no informal os números são enormes e as exigências técnicas muito
pequenas, serão uma solução institucional equivocada. Ou mudam sua estrutura
dramaticamente ou mudam a sua forma de autuação.
Tudo indica que tais organizações não poderão mudar de estilo e custos sem abalos
cataclísmicos em sua estrutura. E dificilmente poderiam continuar a preparar o
perfil de mão de obra de alta qualificação se passassem a ter a estrutura apropriada
para operar no informal. Assim é que naqueles países onde há um mercado
substancial para a formação tradicional e para as tecnologias de ponta, não faz
sentido o terremoto administrativo necessário para transformá-las em ONGs leves,
baratas e descentralizadas. Acrescente-se ao argumento o risco de que se reproduza
o destempero criado no SENA que terminou nem uma coisa e nem outra e com
todos brigando. falar do que falta
O ideal é que pudessem atuar de forma distinta no informal, mas sem violar sua
cultura institucional. Alguns caminhos já foram propostos 10. Por exemplo,
8 Maria Angélica Ducci
9 Ibid
10 Claudio M. Castro, Senai 50 anos ????
poderiam usar para estas novas clientelas um ensino à distância ou usando outras
modalidades tecnológicas. Poderiam também virar os Mcdonalds da formação,
criando "franchises" para os seus produtos de massa. Seu papel seria re-editar os
seus materiais pedagógicos em versões mais auto-instrucionais, treinar os
instrutores, prestar assistência técnica e controlar a qualidade do produto final
(testar os alunos). Instituições privadas e públicas poderiam se associar a estas
"franchises", ao estilo do que fez o Instituto Yazigi de Idiomas. De vendedores de
serviços de ensino, passariam a produtores de tecnologia de ensino.
Subir o morro todos querem, embora possam discordar das tecnicalidades de
implementação. Mas no fim de contas, nesta descida de morro está tudo por se
fazer. Sequer a vontade política está presente de forma clara. Não se sabe
tampouco como descer. O único que há é um mal estar diante de instituições tão
ricas e bem dotadas, mas incapazes de fazer muito pelos membros da força de
trabalho que mais precisam de ajuda. Em países de industrialização consolidada,
como o Brasil, há um espaço claro para os formatos organizacionais presentes
destas organizações. É perfeitamente possível justificar a sua existência mais ou
menos como são e pensar em outras soluções para o setor informal. Mas já em
países de base industrial fraca, uma revisão organizacional forte parece quase
inevitável.
B. Morro acima, em direção às novas tecnologias
Vários países do continente tem algumas ilhas de indústrias sofisticadas, tentando
acompanhar os movimentos de automação flexível e as novas estruturas
organizacionais. É bem verdade, não são muitas ilhas e há países onde
praticamente nada se pode observar nestas direções. Todavia, há outros como o
Brasil, Argentina e México, onde estas ilhas são grandes arquipélagos e criam
demandas significativas de formação de mão de obra.
Certamente, estas indústrias modernas já contrataram todos os graduados dos
"senais" locais que precisaram e hoje buscam de perfis bem mais complexos e
distintos. Como por toda parte, buscam melhores casamentos da prática com a
teoria, mais capacidade de conceptualização dos operários e mais conhecimentos
técnicos de todos. Buscam também gente capaz de pensar, organizar, decidir e
resolver os problemas que vão aparecendo.
Em alguns casos, a resposta está em variantes das escolas técnicas que exigem
maiores níveis de escolarização formal e dão ênfase à tecnologia, mais do que às
destrezas manuais. Daí o crescimento observado nas escolas técnicas do SENAI
que hoje já são 18 e correspondem ao ramo mais dinâmico desta organização.
Mas não é só isso. O próprio perfil do operário especializado muda. Ele tem que ler
mais, entender mais, calcular melhor e pensar mais freqüentemente. Ao contrário
do que muitos pensam, não se trata transformá-los em técnicos. Os técnico não é
um operário, o técnico é frágil na parte prática, não foi preparado para exercê-la,
mas apenas supervisionar o operário que a executa. Quem tem que mudar é o
próprio perfil do operário que executa.
Em que pese certas controvérsias domésticas que tendem a ser exageradas fora do
país, o sistema alemão (bem como o suíço e austríaco) conseguiu equacionar o
reforço e redefinição destes perfis de trabalhadores industriais. Os programas
oficiais para a formação dual já contém tudo o que se supõe precisar para estes
novos perfis de formação. Junto à prática de oficina estão conteúdos de leitura,
ciências e comunicação já bem mais desenvolvidos. De fato, já se verificou que é
possível avançar nesta direção com grandes vantagens sobre o ensino baseado em
disciplinas independentes.
No entanto, na América Latina estes modelos ainda estão em gestação.
Inevitavelmente, o Brasil é o laboratório do continente para estes assuntos, dada a
ausência no México de um sistema integrado e sólido de formação profissional, as
ambigüidades e dificuldades do CONACIT na Argentina e a mudança de clientela
do INACAP no Chile.
Na década de quarenta, o SENAI lançara na América Latina as séries metódicas,
responsáveis pela robustez da formação no continente. Com as séries metódicas
não se brinca e não se improvisa. Resultam de anos de laboriosa experimentação
para achar o melhor conjunto de exercícios práticos sobre os quais montar o
aprendizado das tarefas de um ofício real empiricamente observado e analisado.
Nelas estão embutidos os controles de qualidade ao longo do processo. Todas as
especificações técnicas e todas as tolerâncias de medida estão ali embutidas de
forma clara e sem ambigüidades. O ensino é montado como uma resposta a uma
descrição pormenorizada do que é preciso saber para ocupar aquele ofício.
Mas as séries metódicas envelheceram. Ficaram naquilo mesmo que eram há
cinqüenta anos atrás. Não evoluíram na mesma velocidade do pensamento
educacional e das necessidades da indústria moderna.
A dúvida não foi resolvida: Jogar fora às séries metódicas e partir para outra
solução revolucionária? Ou recauchutá-las como for possível?
Os defensores das séries metódicas tendem a ser as alas conservadoras, mais
interessadas em defendê-las do que em levá-las à mesa de cirurgia para as
operações plásticas e próteses necessárias. Mas mesmo assim, há propostas em
discussão e algumas mesmo em fase de lançamento experimental. Há o projeto
LOGOS lançado no SENAI/Rio. Há o projeto PETRA de origem alemã, sendo
experimentado em São Paulo.
Mas as próprias equipes pedagógicas do SENAI são vulneráveis às críticas do
pensamento pedagógico de esquerda e sentem-se pouco à vontade para defender os
méritos extrínsecos das séries metódicas. A fugidia idéia da "politécnica" emerge
de quando em vez. Pensa-se mesmo em um ensino de natureza geral e de forte
componente acadêmico, complementado por uma formação profissional de tipo
"genérico".
Em todas estas discussões, perde-se de vista a diferença entre o perfil desejado e as
estratégias para chegar lá. Aptidões e conhecimentos abrangentes não significam
cursos enciclopédicos, pelas mesmas razões que para ter um pensamento lógico
não é preciso tomar cursos de lógica formal. E de resto, tudo indica que na maior
parte dos casos os cursos de lógica formal sejam o caminho mais árduo para o
bem pensar.
Os donos das séries metódicas talvez ainda não se deram conta de que têm em
mãos um achado pedagógico brilhante mas que permanece em versões
empoeiradas. É no específico que se aprende o geral. É na familiaridade e
intimidade com um conjunto limitado de fenômenos e processos que se adestram
as armas intelectuais e analíticas. Mas obviamente, o específico tanto pode ser a
plataforma de lançamento para o geral quanto um beco sem saída intelectual. Tudo
depende de como é conduzido o seu uso. referencia
Seguindo esta linha de raciocínio talvez mereça ser lembrado um dos resultados
mais consistentes dos estudos de seguimento de ex-alunos feitos, sobretudo, pelo
SENAI de São Paulo. Verifica-se sistematicamente que uma fração muito
importante, talvez mais de um terço, dos graduados dos seus cursos voltam à
escola acadêmica, freqüentemente pela via do supletivo, a fim de complementar a
sua formação profissional. Visto de outro ângulo, há um curso técnico autodefinido
pelos ex-alunos do SENAI que combinam a formação profissional recebida com
uma carga acadêmica mais forte.
V, As escolas técnicas: Se correr o bicho pega...
Em sociedades particularmente elitistas como as Latino Americanas, muito pouco
acabou se fazendo nas escolas para transmitir conhecimentos práticos para aqueles
que iriam trabalhar com as mãos. Ademais, sequer se chega a matricular e manter
nas escolas, quaisquer que sejam elas, a maioria da faixa etária em idade de
freqüentá-las.
Desta forma, o casamento entre as escolas acadêmicas e o mundo do trabalho
apenas se deu no nível mais alto das escolas técnicas. Pode-se dizer que aí se
concentrou quase todo o esforço de usar as escolas regulares para preparar
diretamente para o mercado. Praticamente todos os países latino-americanos tem as
suas escolas técnicas de nível secundário. Os cursos tendem a ser padronizados.
Pelo menos, encontram-se sempre os de tecnologia mecânica (máquinas e motores
no Brasil), os cursos de eletricidade e eletrônica, desenho, construção civil e
contabilidade. É também uma constante concederem diplomas equivalentes ao
secundário. Isto não é necessariamente verdade na Europa, onde muitos destes
técnicos secundários têm diplomas de menor poder de fogo para entrar na
Universidade e alguns (como existem na Suiça) (sequer permitem postular a
entrada nas Universidades).
Mas a idéia é muito boa. Aqueles que aspiram ocupações técnicas não têm que
abrir mão do ensino secundário que é o passaporte para o acesso eventual ao
ensino superior. Mais ainda, recebem uma formação tecnológica ampla e alguma
experiência nas oficinas e laboratórios.
Não se pode negar que os milhões de técnicos espalhados pelo continente têm
prestado serviços importantes e compõe uma camada estreita mas expressiva da
mão de obra de produção e de manutenção. Todavia, isto é dizer pouco. Há
problemas sérios com este modelo e hoje se pode mesmo pensar se não é hora de
aposentá-lo.
Há muitos problemas. Um deles é o lugar do técnico no mundo das empresas
latino-americanas de hoje. As empresas grandes são caudatárias de tradições de
organização industrial originárias de diversos países. Sobretudo nas empresas
americanas, esse tipo de técnico não é muito usado pela simples razão de que
naquele país não há estas posições de chefias intermediárias entregues a alguém
que recebe uma formação específica para tal. Pula-se do engenheiro para o
operário diretamente. Já empresas inglesas e francesas estão habituadas aos
técnicos. Na área da siderurgia, os técnicos fazem parte das equipes. Em outras
indústrias, não. Assim é que seu mercado é bastante mal definido. A situação é
agravada no Brasil pelo corporativismo das engenharias cuja legislação boicota o
papel do técnico na construção civil.
Há também um problema com o seu perfil. O técnico não chega a aprender a usar
as ferramentas e a por a mão na massa para produzir ou resolver problemas.
Apenas examinando o tempo devotado às práticas de oficina se pode verificar que
a formação será insuficiente. Pior, os instrutores freqüentemente são engenheiros,
igualmente incapazes de usar suas mãos. Na teoria e na formação geral os técnicos
são muito mais fracos do que os engenheiros. E a tecnologia que aprendem, tende a
ser requentada, livresca e de pouco uso. Assim, não têm vantagens absolutas nem
sobre os operários e nem sobre os engenheiros. Não basta ser melhor do que o
engenheiro nas ferramentas e melhor do que of operário na cabeça. É preciso ser
melhor do que todos em algum setor.
Mas estes problemas freqüentemente ficam apenas como pano de fundo, diante do
dilema dos cursos técnicos com o ensino superior. Para que atraiam alunos com os
perfis desejados, os cursos técnicos têm que adequar seu ensino nas matérias
acadêmicas. Sem isso, formarão técnicos medíocres e desprestigiados. Mas ao
melhorar o ensino acadêmico, acabam instrumentando os seus graduados para
competir com êxito nos exames de entrada no ensino superior. Vemos portanto
que as melhores escolas técnicas brasileiras viraram escolas de elite, preparando
quase todos para o vestibular. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come...
Se Gasta muito mais dinheiro do que o necessário para operar escolas que, ao fim e
ao cabo, não preparam senão para o vestibular. Todos os recursos devotados à
preparação propriamente técnica são postos a perder. Como a lei dá aos graduados
o direito de prestar o vestibular e como o ensino é de muito boa qualidade, não há
como impedir este desperdício de oferecer profissionalização a quem não a quer.
Não há como punir os alunos por terem tido êxito em aprender o que lhes foi
ensinado no currículo acadêmico. Assim se encontram no Brasil boa parte das
escolas técnicas federais. Coisa semelhante acontece em outros países xxxx,
sempre que os cursos técnicos se esforçam para melhorar a sua imagem, seu
recrutamento e seu ensino.
O caso das carreiras superiores curtas - outra idéia americana, inspirada nos
"community colleges" - é bastante semelhante. Na sua primeira geração, lá pelos
anos setenta, ofereciam uma imitação empobrecida do programa de engenharia.
Era um prêmio de consolação para quem não entrava nas engenharias. Daí as
pressões para que fossem progressivamente se alongando até que virassem
engenharia de verdade. A idéia de carreiras curtas não vingou na época, sobretudo
diante de um número crescente de engenheiros que podiam ocupar com vantagens
os possíveis postos de trabalho dos seus graduados. xxx
Felizmente, para ambas as enfermidades parece haver um remédio. Não é uma
solução mágica mas funciona quando levado a sério. Isto é importante frisar, pois
em contraste, quando mais levada a sério, mais as presentes escolas técnicas se
frustram em seu papel de preparar para o mercado de trabalho.
Este remédio tem dois ingredientes principais. O primeiro é eliminar a
concomitância do ensino técnico com o secundário. O curso técnico passaria a ser
oferecido apenas para quem já vem diplomado. Desta forma, o curso se tornaria
totalmente inútil para quem quer fazer o vestibular, pois exige o currículo do
segundo grau, ao invés de ensiná-lo. Portanto, quando alguém se matricula nele, é
porque se interessou pelo conteúdo profissional que oferece. São os chamados
cursos técnicos especiais. As escolas técnicas do SENAI vêm dando preferência a
este formato e não seria difícil prever que em breve excluirão o antigo formato dos
cursos técnicos ainda oferecidos nas escolas federais.
O segundo ingrediente consiste em mudar o perfil do técnico. Este profissional
para ter êxito tem que ser melhor do que os engenheiros e os operários em alguma
dimensão do conhecimento. E o filão mais rico para isto é o conhecimento da
tecnologia. Dados o caráter genérico e a falta de especificidade tecnológica do que
se ensina hoje nas engenharias, isto não é uma proeza impossível.
Engenheiro não sabe fazer vinho, nem cerveja e nem queijo. Engenheiro não sabe
consertar robô e nem operar CAD. Tampouco sabe otimizar o uso de anilinas no
tingimento de um tecido. Engenheiro não conhece todas as técnicas de curtir couro
e nem de controlar qualidade de sapatos. Operários velhos podem saber isso tudo,
mas não têm o preparo intelectual para se atualizar, para entender a bioquímica da
cerveja, a física de uma máquina de corte por corrosão ou a lógica de uma
linguagem de CNC. É esse portanto o nicho de mercado dos técnicos.
As escolas técnicas que estão dando certo conseguem fazer isto tudo. Oferecem
uma densidade tecnológica no seu ensino muito superior ao que fazem as
engenharias. Mas para que isso possa acontecer, é necessário que as escolas
técnicas mudem completamente de perfil. Perdem espaço as escolas genéricas,
ensinando um pouquinho de cada coisa. Ganham espaço as escolas que têm uma
afinidade e uma proximidade muito grande a algum ramo industrial. xxx
Mas para isto exige-se um perfil especializado de cursos técnicos, muito próximos
dos ramos industriais que atendem. É justamente isso que vêm ocorrendo com as
boas escolas técnicas, seja do SENAI, seja do MEC. Temos, portanto, as escolas de
enologia, de couros e calçados, de têxteis e moda, de mecânica de precisão, de
automação, de solda e assim por diante.
Tão logo quanto se estabelecem estas parcerias para que as escolas possam
dominar os conhecimentos técnicos de uma área, outras coisas boas começam a
acontecer. Há uma tendência natural para que se alargue o perfil de serviços
oferecidos pelas escolas. Em um primeiro momento, seus laboratórios são usados
para ensaios de controle de qualidade para as empresas. xxxx Mais adiante,
algumas máquinas poderão ser usadas para produtos não seriados ou muito
especializados, contratados com as empresas. Em seguida vêm os cursos sobmedida de reciclagem dos funcionários das empresas. Depois, vêm as assessorias
técnicas para escolha de equipamento, localização de máquinas em oficinas novas,
E finalmente, a escola começa a fazer pequenos projetos de P&D para as empresas.
Termina-se então com um perfil de atendimento totalmente diferenciado. O que
começa como um curso específico e escolarizado, termina como uma instituição de
serviços técnicos especializados para um determinado ramo industrial. Sem que
jamais uma autoridade educacional formulasse esta trajetória como política, por
um movimento de aproximações sucessivas algumas dúzias de escolas técnicas e
CEFETs caminham nesta direção.
Quando os cursos técnicos caminham nesta direção, o valor legal dos diplomas se
reduz. Importa para empresa o que o técnico sabe fazer e onde aprendeu. O curso
passa a ser pós-secundário, pela simples razão de que se dá após o secundário. Se é
superior ou não pouco importa. Nos CEFETs, estes cursos voltam a ser legalmente
definidos como carreiras superiores curtas. Mas no fundo, o que importa é o valor
de mercado atribuído aos seus diplomados.
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Claudio de Moura Castro João Batista Araujo e Oliveira O presente