file: Disco Rigido CMC:WORD FILES:FORMACAO AL B FREITAG date: October 2, 1994 Formação Profissional na América Latina Claudio de Moura Castro João Batista Araujo e Oliveira O presente ensaio examina a evolução recente da formação profissional na América Latina. Dá especial ênfase à situação do Brasil que é bastante diferenciada do restante do continente, sobretudo como resultado de um processo de industrialização mais bem sucedido e mais continuado. I. Os dois modelos: Os SENAIs e as escolas técnicas A América Latina é caudatária das tradições de vários países Europeus, mas sobretudo daqueles que tiveram uma influência cultural mais forte a partir da seguna metade do século XIX, tais como a França e a Alemanha. Como resultado, seus sistemas educacionais refletem influências destes dois países. Na formação profissional, estas tendências se manifestam na existência de dois sistemas paralelos, herdados da Alemanha e da França. O sistema francês é baseado na idéia de acoplar cursos técnicos e profissionais às escolas acadêmicas que, com ou sem os diplomas e equivalências, passam a ser o canal para o aprendizado de um ofício profissional ou técnico. Já os descendentes do sistema alemão correm paralelo à escola formal, ao mesmo tempo em que se ligam mais proximamente à vida empresarial. 1 A. O SENAI e seus clones 1 Ver Claudio M Castro .... Encyclopedia.... Pelo final da década de trinta toma corpo a industrialização do país, e o Estado toma posições mais firmes de apoio às fábricas nascentes. Começa então a ficar patente a falta de mão de obra bem qualificada. Nestas alturas, o Ministério da Educação interessa-se pelo assunto e reivindica um papel na tarefa de preparar mão de obra. Mas esta foi também uma época de fortes lideranças patronais, fazendo com que a comissão formada pelo Presidente Getúlio Vargas fosse composta de industriais e outras pessoas ligadas à formação profissional na indústria. Como resultado, a decisão presidencial entrega a tarefa de formar mão de obra industrial aos próprios orgãos patronais da indústria.2 Cria-se então o SENAI, com característica próprias e operando em moldes muito parecidos com os dos sistemas germânicos (a principal musa inspiradora nestes primeiros anos foi Roberto Mange, um suiço de Neuchâtel). Modela-se na tradição da aprendizagem, tal como forjada e desenvolvida na Europa. O sistema nasce distanciado das escolas regulares e muito próximo das empresas. É financiado por um imposto sobre a folha de salário e tem estrutura privada. Ao contrário da tradição escolar de dividir os conteúdos por matérias, apoia-se nas "séries metódicas" que são constituidas por uma sequência de pequenos projetos práticos onde se encaixam , em escala crescente de dificuldade, todas as operações e tarefas típicas do ofício. As séries metódicas originam-se nas escolas ferroviárias russas, em meados do século passado. Em suas versões mais modernas, requerem uma análise cuidadosa de todas as tarefas necessárias à performance correta e completa de uma ocupação. De posse desta lista de tarefas, passa-se à escolha judiciosa de exercícios práticos que introduzem progressivamente cada uma das operações. Nota-se, portanto, que as séries metódicas nascem na oficina e voltamse para a preparação de pessoas capazes de realizar as tarefas exigidas pela oficina. Em constraste com a visão curricular e a organização mas matérias em torno de disciplinas, é um método muito mais induzido pela demanda. O modelo se propaga rapidamente no Brasil, é copiado no próprio país pelo SENAC - operando na área do comércio - e na década de cinquenta passa a ser exportado em grande escala. O primeiro clone se dá na Colombia com a fundação do SENA em 195... 3 Este foi também um sistema muito bem sucedido. Em termos relativos, tornou-se o maior do que o SENAI. Em seguida, as equipes do SENAI e SENA esparramam pelo continente dezenas de sistemas similares, alguns usando 2 Achar uma citação sobre a criação do SENAI 3 Jeff Puryear, ...... até mesmo nomes parecidos (e.g. SENATI no PERU). Tendo como exceção o México, a Argentina e o Uruguai, os outros países do continente acabam também com o seu clone do SENAI. A América Latina acabou consolidando um sistema respeitável e sólido de formação profissional. Esta rede se revelou capaz de oferecer uma formação profissional séria e bem estruturada. As séries metódicas são traduzidas e adotadas por todas as partes. Há padrões de qualidade originários dos modelos de onde se derivam, mantidos vivo pela presença de uma geração de instrutores europeus. A autonomia e independência financeira das instituições dá-lhes estabilidade e um horizonte de planejamento longo. As equipes se consolidam, criam uma cultura organizacional forte e bem estruturada. E com a industria crescendo célere sob o regime protecionista de substituição de importações, há mercado para todos os egressos destas instituições que sempre cresceram no mesmo ritmo da indústria. 4 É uma das poucas histórias de sucesso na educação latino-americana. B. A tradição francesa e as escolas técnicas Desde há vários séculos, os franceses ensaiam alternativas à tradição medieval da aprendizagem. O que, de início, eram alternativas para os pobres e os órfãos que não tinham acesso a um mestre que lhes ensinasse um ofício, acabam se transformando em escolas que mesclam o formato organizacional do ensino acadêmico com as matérias que transmitem um ofício. Ora são os liceus industriais, ora são os liceus de artes e ofícios. Mas a tendência histórica é incorporar uma carga cada vez maior de matérias acadêmicas ao currículo profissional. Em muitos casos mesmo, os cursos oferecem diplomas que foram adquirindo, pelo menos legalmente, o valor de um diploma do sistema regular acadêmico. O sistema culmina com os chamados cursos técnicos que oferecem o equivalente de um curso secundário, matérias tecnológicas e uma parte prática nas oficinas. O perfil do graduado é o técnico, ou seja, alguém que está no meio do caminho entre 4 Esse crescimento pari passo com a força de trabalho industrial impediu que se criassem sistemas hipertrofiados, como foi o caso do ensino superior que se desenvolveu impulsionado por pressões de uma classe média que via no diploma universitário um caminho privilegiado e fácil de ascensão social. o operário especializado e o engenheiro. Tem mais conhecimento tecnológico do que os operários e mais conhecimento prático do que o engenheiro. Tal como aconteceu pelo mundo afora, estes cursos técnicos se multiplicaram na América Latina, tornando-se mais numerosos do que os ginásios industriais e outras modalidade associadas à níveis escolares mais baixos. Por estarem relativamente alto na hierarquia do ensino, os técnicos conseguem escapar da maldição do baixo status e do preconceito atribuído aos cursos de caráter profissional que operam em simbiose com o ensino acadêmico. Não costumam ter o prestígio das escolas acadêmicas mas também não se nivelam com a formação profissional plebéia. Em alguns casos mesmo, os cursos técnicos nascem dentro de escolas de engenharia que no continente quase sempre tiveram prestígio bastante elevado. Este é o caso dos técnicos da Escola de Minas de Ouro Preto, a mais elitizada do país durante a primeira metade do século. C. A variante "made in USA": as "comprehensive high schools' A tradição francesa usa o modelo escolar para a transmissão de um ofício e freqüentemente oferece um equivalência acadêmica parcial ou total dos diplomas oferecidos. Todavia, há uma separação clara nos estabelecimentos escolares que oferecem formação profissional e os outros que somente cuidam do intelecto. Após a Primeira Guerra, as escolas americanas rompem com esta tradição, colocando no mesmo prédio toda a coorte que freqüenta a escola em uma dada área geográfica. Latim, mecânica de automóvel, mecânica celeste, poesia e clarineta são todos aprendidos na mesma escola, possuem o mesmo status formal, valem créditos acadêmicos e levam ao mesmo diploma. Na década de sessenta inicia-se a americanização do ensino latino-americano. Viajam para lá os consultores e funcionários da USAID, voltam para lá os primeiros doutores "made in USA". Assim, não será surpresa vermos a exportação da "comprehensive high school" para a América Latina. Na Colômbia, com muito dinheiro e dedicação criam-se os INEMs, oferecendo toda o rol de competências, indo dos clássicos e da matemática até os ofícios manuais. Mas obviamente, é uma escola muito mais elitizada do que a maioria das escolas acadêmicas, para não falar nas técnicas e profissionais. Tudo é bom, tudo funciona e tudo dá certo. Só que é caro demais para replicar em maior escala, permanecendo estes experimentos como enclaves dentro dos sistemas convencionais. E tampouco, alunos tão bem formados academicamente se interessam pelos modestos ofícios manuais oferecidos nos INEMs. O Brasil que primava pela ausência de qualquer coisa prática nas escolas (à exceção dos humildes e bolorentos "trabalhos manuais"), de repente, universaliza a obrigatoriedade da profissionalização. A Lei 4692 em xxxx de uma hora para outra obriga todas as escolas a profissionalizarem o seu ensino. Tanto por cento de matérias profissionalizantes, sejam quais forem os alunos, sejam quais forem suas trajetórias futuras. Obviamente, isto era um convite à fraude. No melhor dos casos, resulta na total ausência de interesse dos alunos das escolas de elite, com a geografia sendo disfarçada em turismo. Em outros, pela pobreza das escolas, incapazes de mobilizar os recursos materiais e intelectuais para fazer o que quer que fosse de útil ou sério. Mais cedo ou mais tarde isto teria seu fim. Em 1980 veio a revogação da lei de profissionalização. Voltou tudo ao que era antes, sem que sequer se ficasse sabendo o que havia dado certo. No Brasil, esta foi a última tentativa de americanização do ensino. Mas curiosamente, muitos educadores de esquerda namoraram na década de oitenta uma vertente do ensino profissional conhecida por "politécnica". Os contornos exatos desta fórmula são algo fugidios. Contudo, em alguns casos, a descrição deste ensino é bastante remanescente da escola secundária americana, onde todos ficam juntos e recebem um pouco de tudo. II. A industrialização travada e a década perdida Quando a economia cresce, a formação profissional ou vai bem ou ninguém sabe que vai mal. Todos são absorvidos pelo mercado. Há recursos para pagar as contas. Diante de divergências, a solução mais fácil é criar uma escola à imagem do que propõe cada um. Mas quando a economia trava, como sucedeu na década de 80, todos começam a reclamar. Aí então, tudo vai mal, ninguém está mais contente com nada. No caso da formação profissional, os problemas se repetem, sem qualquer originalidade, ao longo de todo o continente. Os problemas clássicos são a falta de dinheiro para pagar as contas salgadas e a falta de emprego para os graduados. A industrialização gorada da maioria dos países da América Latina fez desaparecer os mercados para os graduados da formação profissional - embora no Brasil isto não tenha chegado a acontecer. Esta estagnação se manifesta de forma acentuada na década de oitenta, a chamada década perdida. Mas vale mencionar também que a clonagem do SENAI não foi perfeita. Talvez a sua característica mais arrojada e original não foi copiada. Nenhum dos sistemas foi colocado nas mãos dos industriais, possivelmente pela ausência de uma industrialização madura e de lideranças na área. É bem verdade que na sua maioria não foram jogados na vala comum do ensino regular, tendo sido preferida a criação de órgãos autônomos ou semi-autônomos para operá-los. Mas os órgãos autônomos o são para o bem e para o mal. Evitam a mediocridade e a pobreza da administração direta, mas também, estão a salvo das pressões por resultados. De fato, este acabou sendo um dos problemas mais sérios destes clones latinoamericanos. Diante da escassez de recursos para quase todos os gastos na área social, a relativa riqueza dos clones do SENAI irrita e provoca a inveja dos outros ministérios sociais. Começam as tentativas de surrupiar legalmente os orçamentos destas instituições tão cevadas e tão ricas. Congela-se parte do orçamento do INA de Costa Rica. O Estado arvora-se o direito de tomar parte dos dinheiros do SENA, se este não se portar bem. O Chile anuncia que vai tirar os orçamentos do INACAP e deixar que a instituição venda seus cursos no mercado. Em países mais pobres como Honduras, Bolívia e Equador, os sistemas entram em crises profundas. Mas no fundo, é a crise econômica que põe a descoberto uma crise gerencial e de governabilidade destas instituições. Embora sempre mantivessem contatos mais estreitos com as empresas do que qualquer escola operada pelos ministérios de educação, estas instituições revelaram acima de tudo que não tinham a quem prestar contas. As industrias não reclamam. sobretudo porque não têm necessidades prementes de mão de obra qualificada em tempos de crise. Os orçamentos das escolas vêm garantidos do 1% das folhas de salários. A sua administração é autônoma xxx. As gordurinhas vão aumentado, a preguiça administrativa se instala, apesar da qualidade relativamente alta das equipes técnicas e administrativas. Nesse quadro pouco brilhante, as próprias lideranças se deterioram. As administrações inspiradas de Costa Rica são sucedidas por diretores que sequer conseguem gastar todo o orçamento. Sua grande criatividade ao organizar oficinas abertas para públicos pobres ("Talleres del Pueblo"), não é seguida por iniciativas de igual naipe. No Peru, o SENATI cai em mãos de políticos. O SENA da Colômbia é talvez o caso mais triste. Chegou a ser muito o mais criativo e agressivo de todos, inovando nas abrangência dos serviços, na metodologia de ensino e nas relações com empresas (criação de serviços de informação tecnológica, por exemplo). Outrora liderado por figuras destacadas, passa para mãos sucessivas de administradores anódinos, pouco inspirados e sem visão e que não conseguem se impor junto aos quadros da casa. Com a desaceleração do crescimento industrial colombiano, o SENA passa a atender a uma clientela urbana difusa e mal caracterizada, mas que freqüentemente se identifica com o setor informal. Progressivamente, vai sendo empurrado para atividades rurais de organização local e de movimentos participativos, áreas onde sua competência é mais do que rala. Pior, sua estrutura pesada e complexa, descendente da formação industrial sofisticada, não se dá bem nestas atividades esgarçadas e descozidas, algumas até em colaboração com movimentos guerrilheiros. Este movimento centrífugo cria grandes tensões internas na instituição, ao mesmo tempo em que não logra reduzir o peso da administração e a rigidez institucional. Nos últimos anos, o SENA vem passando pela pior crise de sua história. Travado pela estagnação da indústria, não tão bem sucedido em suas aventuras rurais e participativas, o SENA acaba desagradando a todos. Continua caro, continua pesado e rígido em sua estrutura. Diante deste quadro, administradores neoclássicos dos serviços de "Planeación Nacional" decidem tirar-lhe o monopólio do uso do tributo sobre a folha de salário. Teria que passar a competir com outras agências de formação privadas pelo uso destes recursos. O SENA sente-se acuado e luta intransigentemente contra quaisquer mudanças desta natureza. Mas no processo, acaba por criar uma imagem ainda mais negativa. Perde aliados e ganha a má vontade de observadores neutros. O SENAI escapa, em boa medida deste quadro pouco alvissareiro. Por estar em um país onde a industrialização não gorou e por estar em mãos dos próprios consumidores do seu produto - os industriais - o SENAI conseguiu escapar quase incólume, seja dos vícios e desmazelos dos seus vizinhos latino-americanos, seja das crises enfrentadas. As lideranças empresarias defendem ferozmente a sua cria, afrontando a todos com seu poder político. Mas mesmo assim, durante a revisão constitucional de 1988 há uma tentativa de estatizar o SENAI. Mas em parte graças a um abaixo assinado de quase dois milhões de diplomados (incluindo Lula e Pelé) a tentativa aborta. Não obstante, pairam dúvidas e críticas. Os empresários dos transportes e da construção sentem-se mal atendidos e os últimos acabam criando o seu próprio "senaizinho" especializado. Por todos os lados, a crise econômica culminada nos anos oitenta deixa cicatrizes nos sistemas de formação profissional do continente. Mas como descrito no próximo capítulo, os consertos vêm também desta mesma época. III. As soluções gerenciais Ao contrário dos sistemas educacionais latino-americanos, de administrações pouco inspiradas e de equipes efêmeras e mal costuradas, os clones do SENAI tiveram muito mais substância e energia nos seus quadros gerenciais. A partir de meados de oitenta começam a aparecer um sem número de pequenas e grandes mudanças nestas instituições. Um empresário alemão lidera um movimento empresarial que recobra dos políticos profissionais o SENATI. Com isto, há pelo menos uma certa recuperação do órgão. 5 Há uma preocupação crescente com o peso administrativo, com a excessiva centralização e com a falta de autonomia das escolas. O xxx da Venezuela embarca em um programa ambicioso de descentralização, dando às comunidades locais um grau considerável de voz nas escolas implantadas em seus municípios. O Chile cria um programa de progressivo desengajamento dos orçamentos públicos do INACAP. A cada ano, parte do orçamento era eliminada e cabia ao INACAP vender serviços junto a potenciais alunos e empresas. Graças a uma boa cultura organizacional e a uma reação sadia de suas equipes, a transição pode ser feita sem perdas para o INACAP. Mas naturalmente, os novos clientes são mais ricos, alterando-se assim o papel social dos seus cursos.6 completar Apesar de vitorioso, o SENAI fica traumatizado com a tentativa de estatização e com as críticas incessantes da esquerda educativa que o acusa de ser um instrumento capitalista para adestrar e dominar a classe operária. A instituição fica ao mesmo tempo mais introspectiva e mais inquieta. Vê inimigos por todos os lados e sente-se intimidada com as freqüentes propostas de acabar com o financiamento compulsório pelo tributo na folha de pagamento. Desgasta-se a auto-confiança do passado que, de resto, pode ter sido uma fonte de complacência. Em alguns estados, criam-se conselhos empresariais nas próprias escolas, a fim de aproximá-los mais dos empresários individuais (acho que deve manter o 5 Ver trabalho de Raul Fajardo em trabalho que eu editei e que gorou 6Ver Oscar Corvalan, trabalho que eu editei e que gorou "individual", pois a proximidade com as federações sempre houve). Há uma progressiva descentralização, recebendo as escolas mais independência (é de se notar que o SENAI sempre foi completamente descentralizado por estados). Todavia, ainda mais importante é o aprofundamento dos contatos com os seus clientes, passando a funcionar o SENAI como um órgão de apoio técnico, como uma liderança tecnológica no setor (voltaremos a este ponto mais adiante). O SENAC sempre viveu à sombra do SENAI. É o irmão mais novo, de perfil mais suave, de virtudes menos magníficas e de vícios mais atenuados. O SENAC não chama tanta atenção por suas realizações e nem por suas fraquezas. Atendendo a empresários menos exigentes e menos presentes, vai forjando seu perfil em contato mais estreito com seus alunos. Após sua ação pioneira na área da hotelaria - de fato, pode-se dizer que sem o SENAC a hotelaria brasileira ainda estaria engatinhando - o SENAC progressivamente passa a mercados mais sofisticados. Seus cursos simples de arrumação de vitrine e secretariado dão lugar a um desenvolvimento sem par na área da computação. Sobretudo no Estado de São Paulo, o SENAC dá um grande salto. Moderniza a sua administração e opta pelo progressivo abandono de seus cursos mais simples, concentrando seus cursos em áreas cada vez mais sofisticadas. Deliberadamente, vai deixando os setores bem atendidos por outros cursos privados. Ademais, avança em sua política de cobrar pelos serviços oferecidos. De fato, suas receitas pela venda de serviços já se aproximam da metade do orçamento da instituição. Do ponto de vista de sua postura e de suas metas, (pelo menos em São Paulo) o SENAC é hoje uma agência com propostas mais claras do que o SENAI. Há menos desconfiança e menos temores com relação às ameaças externas e mais tranqüilidade quanto às estratégias gerenciais adotadas.7 IV. As saídas morro acima e morro abaixo para a família SENAI Os clones do SENAI funcionaram por muito tempo como uma família de uma nota só. Seu foco desde o princípio foram às ocupações manuais clássicas, tais como a mecânica, a tornearia, a solda, a eletricidade e a madeira. Estas são ocupações críticas em qualquer sociedade, mesmo nas menos industrializadas, pois são da essência dos trabalhos de manutenção requeridos em qualquer país. E nisso, pode se dizer que se saíram brilhantemente. Criaram uma bela tradição de formar artesãos de boa qualidade, coisa que até hoje países da África, do mundo árabe e de muitas outras regiões ainda não lograram. 7 Resultado não publicado de aplicação de questionários em um seminário SENAI-SENAC de São Paulo em Águas de São Pedro (1994) Mas ao terem sucesso em atender a este mercado tão bem definido, estas instituições passam a ter que contemplar outras direções para oferecer os seus serviços. Não é que estes mercados estejam saturados e a América Latina esteja abarrotada de bons mecânicos e marceneiros. Mas os mercados evoluem e novas necessidades aparecem, novos perfis de mão de obra precisam ser preparados e novos papeis sociais estão para ser atendidos. Assim, organizações especializadas na preparação dos perfis clássicos dos ofícios manuais passam a ser politicamente obrigadas a sair do seio aconchegante da sua competência cinqüentenária e enfrentar o desconhecido. E o desconhecido está "morro acima" e também "morro abaixo”. Há o novo elenco das ocupações mais sofisticadas, associadas às novas tecnologias e à manufatura moderna. E há as pequenas industrias e o setor informal, pouco atraentes e sem charme. A. Morro abaixo, chafurdando no setor informal Os mercados menos nobres para a formação profissional podem ter menos charme mas são politicamente mais importante. Como tentaremos mostrar mais adiante, as altas tecnologias atraem em direções amenas para as equipes da formação profissional. Andar morro acima, significa entrar em áreas de mais alto status, pois a visibilidade e o prestígio são sempre maiores. A instituição pode encalhar ou titubear ao tentar resolver os problemas concretos de oferecer uma formação para um mercado mais elevado na hierarquia das ocupações. Mas não chega a haver resistência institucional forte. Por outro lado, mesmo diante de situações onde mais de metade da população ativa está trabalhando no setor informal, as resistências são muito grandes. Há o argumento legal de que como esta gente não recolhe os 1% da folha, não fazem jus ao treinamento. São as empresas pagadoras que deverão receber todo o resultado deste esforço financeiro. Este último argumento é freqüente no Brasil, onde os empresários são percebidos pelo SENAI como os árbitros supremos do que devem fazer na área da formação profissional. Mas sobretudo no caso do Brasil, os empresários podem ser mais sensíveis do que os educadores aos riscos políticos de ignorar as aspirações de metade da força de trabalho do país. As ameaças de mudar a lei que propicia os fundos do SENAI se constituem em um risco político que não pode ser ignorado. No fundo, ir ao informal e às pequenas empresas é descer na hierarquia de status, é trabalhar em mercados menos sofisticados, menos exigentes, na margem da legalidade e operando com tecnologias primitivas e pobres. A cultura das instituições de formação profissional resiste. Quem aprendeu a ensinar capricho, limpeza, qualidade e serviço bem feito não vê com bons olhos procurar um mercado onde nada disso é realmente possível. A bem da verdade, parece que não há outro continente onde as instituições de formação profissional tenham feito tantas tentativas de operar no informal. 8 Vários estudos documentam estes esforços variados e imaginativos, tendo lugar em muitos países. 9 Alguns destes experimentos tiveram mais sucesso do que outros. Mas ao fim e ao cabo, permaneceram todos como tentativas pequenas e limitadas em ambição. Talvez a única aventura maior tenha sido a do SENA. Mas como não foi particularmente bem sucedida, não criou um bom precedente. Portanto, a despeito de tudo que se experimentou, os caminhos não estão claros. O primeiro obstáculo é a própria natureza do SENAI e seus filhotes. São todos pesados, complexos, estruturados ao extremo e pouco à vontade na improvisação. Tudo que fizerem no informal tenderá a ser caro, pelo simples fato de que foram concebidos para produzir uma formação que pela sua natureza não pode ser barata. Mas como no informal os números são enormes e as exigências técnicas muito pequenas, serão uma solução institucional equivocada. Ou mudam sua estrutura dramaticamente ou mudam a sua forma de autuação. Tudo indica que tais organizações não poderão mudar de estilo e custos sem abalos cataclísmicos em sua estrutura. E dificilmente poderiam continuar a preparar o perfil de mão de obra de alta qualificação se passassem a ter a estrutura apropriada para operar no informal. Assim é que naqueles países onde há um mercado substancial para a formação tradicional e para as tecnologias de ponta, não faz sentido o terremoto administrativo necessário para transformá-las em ONGs leves, baratas e descentralizadas. Acrescente-se ao argumento o risco de que se reproduza o destempero criado no SENA que terminou nem uma coisa e nem outra e com todos brigando. falar do que falta O ideal é que pudessem atuar de forma distinta no informal, mas sem violar sua cultura institucional. Alguns caminhos já foram propostos 10. Por exemplo, 8 Maria Angélica Ducci 9 Ibid 10 Claudio M. Castro, Senai 50 anos ???? poderiam usar para estas novas clientelas um ensino à distância ou usando outras modalidades tecnológicas. Poderiam também virar os Mcdonalds da formação, criando "franchises" para os seus produtos de massa. Seu papel seria re-editar os seus materiais pedagógicos em versões mais auto-instrucionais, treinar os instrutores, prestar assistência técnica e controlar a qualidade do produto final (testar os alunos). Instituições privadas e públicas poderiam se associar a estas "franchises", ao estilo do que fez o Instituto Yazigi de Idiomas. De vendedores de serviços de ensino, passariam a produtores de tecnologia de ensino. Subir o morro todos querem, embora possam discordar das tecnicalidades de implementação. Mas no fim de contas, nesta descida de morro está tudo por se fazer. Sequer a vontade política está presente de forma clara. Não se sabe tampouco como descer. O único que há é um mal estar diante de instituições tão ricas e bem dotadas, mas incapazes de fazer muito pelos membros da força de trabalho que mais precisam de ajuda. Em países de industrialização consolidada, como o Brasil, há um espaço claro para os formatos organizacionais presentes destas organizações. É perfeitamente possível justificar a sua existência mais ou menos como são e pensar em outras soluções para o setor informal. Mas já em países de base industrial fraca, uma revisão organizacional forte parece quase inevitável. B. Morro acima, em direção às novas tecnologias Vários países do continente tem algumas ilhas de indústrias sofisticadas, tentando acompanhar os movimentos de automação flexível e as novas estruturas organizacionais. É bem verdade, não são muitas ilhas e há países onde praticamente nada se pode observar nestas direções. Todavia, há outros como o Brasil, Argentina e México, onde estas ilhas são grandes arquipélagos e criam demandas significativas de formação de mão de obra. Certamente, estas indústrias modernas já contrataram todos os graduados dos "senais" locais que precisaram e hoje buscam de perfis bem mais complexos e distintos. Como por toda parte, buscam melhores casamentos da prática com a teoria, mais capacidade de conceptualização dos operários e mais conhecimentos técnicos de todos. Buscam também gente capaz de pensar, organizar, decidir e resolver os problemas que vão aparecendo. Em alguns casos, a resposta está em variantes das escolas técnicas que exigem maiores níveis de escolarização formal e dão ênfase à tecnologia, mais do que às destrezas manuais. Daí o crescimento observado nas escolas técnicas do SENAI que hoje já são 18 e correspondem ao ramo mais dinâmico desta organização. Mas não é só isso. O próprio perfil do operário especializado muda. Ele tem que ler mais, entender mais, calcular melhor e pensar mais freqüentemente. Ao contrário do que muitos pensam, não se trata transformá-los em técnicos. Os técnico não é um operário, o técnico é frágil na parte prática, não foi preparado para exercê-la, mas apenas supervisionar o operário que a executa. Quem tem que mudar é o próprio perfil do operário que executa. Em que pese certas controvérsias domésticas que tendem a ser exageradas fora do país, o sistema alemão (bem como o suíço e austríaco) conseguiu equacionar o reforço e redefinição destes perfis de trabalhadores industriais. Os programas oficiais para a formação dual já contém tudo o que se supõe precisar para estes novos perfis de formação. Junto à prática de oficina estão conteúdos de leitura, ciências e comunicação já bem mais desenvolvidos. De fato, já se verificou que é possível avançar nesta direção com grandes vantagens sobre o ensino baseado em disciplinas independentes. No entanto, na América Latina estes modelos ainda estão em gestação. Inevitavelmente, o Brasil é o laboratório do continente para estes assuntos, dada a ausência no México de um sistema integrado e sólido de formação profissional, as ambigüidades e dificuldades do CONACIT na Argentina e a mudança de clientela do INACAP no Chile. Na década de quarenta, o SENAI lançara na América Latina as séries metódicas, responsáveis pela robustez da formação no continente. Com as séries metódicas não se brinca e não se improvisa. Resultam de anos de laboriosa experimentação para achar o melhor conjunto de exercícios práticos sobre os quais montar o aprendizado das tarefas de um ofício real empiricamente observado e analisado. Nelas estão embutidos os controles de qualidade ao longo do processo. Todas as especificações técnicas e todas as tolerâncias de medida estão ali embutidas de forma clara e sem ambigüidades. O ensino é montado como uma resposta a uma descrição pormenorizada do que é preciso saber para ocupar aquele ofício. Mas as séries metódicas envelheceram. Ficaram naquilo mesmo que eram há cinqüenta anos atrás. Não evoluíram na mesma velocidade do pensamento educacional e das necessidades da indústria moderna. A dúvida não foi resolvida: Jogar fora às séries metódicas e partir para outra solução revolucionária? Ou recauchutá-las como for possível? Os defensores das séries metódicas tendem a ser as alas conservadoras, mais interessadas em defendê-las do que em levá-las à mesa de cirurgia para as operações plásticas e próteses necessárias. Mas mesmo assim, há propostas em discussão e algumas mesmo em fase de lançamento experimental. Há o projeto LOGOS lançado no SENAI/Rio. Há o projeto PETRA de origem alemã, sendo experimentado em São Paulo. Mas as próprias equipes pedagógicas do SENAI são vulneráveis às críticas do pensamento pedagógico de esquerda e sentem-se pouco à vontade para defender os méritos extrínsecos das séries metódicas. A fugidia idéia da "politécnica" emerge de quando em vez. Pensa-se mesmo em um ensino de natureza geral e de forte componente acadêmico, complementado por uma formação profissional de tipo "genérico". Em todas estas discussões, perde-se de vista a diferença entre o perfil desejado e as estratégias para chegar lá. Aptidões e conhecimentos abrangentes não significam cursos enciclopédicos, pelas mesmas razões que para ter um pensamento lógico não é preciso tomar cursos de lógica formal. E de resto, tudo indica que na maior parte dos casos os cursos de lógica formal sejam o caminho mais árduo para o bem pensar. Os donos das séries metódicas talvez ainda não se deram conta de que têm em mãos um achado pedagógico brilhante mas que permanece em versões empoeiradas. É no específico que se aprende o geral. É na familiaridade e intimidade com um conjunto limitado de fenômenos e processos que se adestram as armas intelectuais e analíticas. Mas obviamente, o específico tanto pode ser a plataforma de lançamento para o geral quanto um beco sem saída intelectual. Tudo depende de como é conduzido o seu uso. referencia Seguindo esta linha de raciocínio talvez mereça ser lembrado um dos resultados mais consistentes dos estudos de seguimento de ex-alunos feitos, sobretudo, pelo SENAI de São Paulo. Verifica-se sistematicamente que uma fração muito importante, talvez mais de um terço, dos graduados dos seus cursos voltam à escola acadêmica, freqüentemente pela via do supletivo, a fim de complementar a sua formação profissional. Visto de outro ângulo, há um curso técnico autodefinido pelos ex-alunos do SENAI que combinam a formação profissional recebida com uma carga acadêmica mais forte. V, As escolas técnicas: Se correr o bicho pega... Em sociedades particularmente elitistas como as Latino Americanas, muito pouco acabou se fazendo nas escolas para transmitir conhecimentos práticos para aqueles que iriam trabalhar com as mãos. Ademais, sequer se chega a matricular e manter nas escolas, quaisquer que sejam elas, a maioria da faixa etária em idade de freqüentá-las. Desta forma, o casamento entre as escolas acadêmicas e o mundo do trabalho apenas se deu no nível mais alto das escolas técnicas. Pode-se dizer que aí se concentrou quase todo o esforço de usar as escolas regulares para preparar diretamente para o mercado. Praticamente todos os países latino-americanos tem as suas escolas técnicas de nível secundário. Os cursos tendem a ser padronizados. Pelo menos, encontram-se sempre os de tecnologia mecânica (máquinas e motores no Brasil), os cursos de eletricidade e eletrônica, desenho, construção civil e contabilidade. É também uma constante concederem diplomas equivalentes ao secundário. Isto não é necessariamente verdade na Europa, onde muitos destes técnicos secundários têm diplomas de menor poder de fogo para entrar na Universidade e alguns (como existem na Suiça) (sequer permitem postular a entrada nas Universidades). Mas a idéia é muito boa. Aqueles que aspiram ocupações técnicas não têm que abrir mão do ensino secundário que é o passaporte para o acesso eventual ao ensino superior. Mais ainda, recebem uma formação tecnológica ampla e alguma experiência nas oficinas e laboratórios. Não se pode negar que os milhões de técnicos espalhados pelo continente têm prestado serviços importantes e compõe uma camada estreita mas expressiva da mão de obra de produção e de manutenção. Todavia, isto é dizer pouco. Há problemas sérios com este modelo e hoje se pode mesmo pensar se não é hora de aposentá-lo. Há muitos problemas. Um deles é o lugar do técnico no mundo das empresas latino-americanas de hoje. As empresas grandes são caudatárias de tradições de organização industrial originárias de diversos países. Sobretudo nas empresas americanas, esse tipo de técnico não é muito usado pela simples razão de que naquele país não há estas posições de chefias intermediárias entregues a alguém que recebe uma formação específica para tal. Pula-se do engenheiro para o operário diretamente. Já empresas inglesas e francesas estão habituadas aos técnicos. Na área da siderurgia, os técnicos fazem parte das equipes. Em outras indústrias, não. Assim é que seu mercado é bastante mal definido. A situação é agravada no Brasil pelo corporativismo das engenharias cuja legislação boicota o papel do técnico na construção civil. Há também um problema com o seu perfil. O técnico não chega a aprender a usar as ferramentas e a por a mão na massa para produzir ou resolver problemas. Apenas examinando o tempo devotado às práticas de oficina se pode verificar que a formação será insuficiente. Pior, os instrutores freqüentemente são engenheiros, igualmente incapazes de usar suas mãos. Na teoria e na formação geral os técnicos são muito mais fracos do que os engenheiros. E a tecnologia que aprendem, tende a ser requentada, livresca e de pouco uso. Assim, não têm vantagens absolutas nem sobre os operários e nem sobre os engenheiros. Não basta ser melhor do que o engenheiro nas ferramentas e melhor do que of operário na cabeça. É preciso ser melhor do que todos em algum setor. Mas estes problemas freqüentemente ficam apenas como pano de fundo, diante do dilema dos cursos técnicos com o ensino superior. Para que atraiam alunos com os perfis desejados, os cursos técnicos têm que adequar seu ensino nas matérias acadêmicas. Sem isso, formarão técnicos medíocres e desprestigiados. Mas ao melhorar o ensino acadêmico, acabam instrumentando os seus graduados para competir com êxito nos exames de entrada no ensino superior. Vemos portanto que as melhores escolas técnicas brasileiras viraram escolas de elite, preparando quase todos para o vestibular. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come... Se Gasta muito mais dinheiro do que o necessário para operar escolas que, ao fim e ao cabo, não preparam senão para o vestibular. Todos os recursos devotados à preparação propriamente técnica são postos a perder. Como a lei dá aos graduados o direito de prestar o vestibular e como o ensino é de muito boa qualidade, não há como impedir este desperdício de oferecer profissionalização a quem não a quer. Não há como punir os alunos por terem tido êxito em aprender o que lhes foi ensinado no currículo acadêmico. Assim se encontram no Brasil boa parte das escolas técnicas federais. Coisa semelhante acontece em outros países xxxx, sempre que os cursos técnicos se esforçam para melhorar a sua imagem, seu recrutamento e seu ensino. O caso das carreiras superiores curtas - outra idéia americana, inspirada nos "community colleges" - é bastante semelhante. Na sua primeira geração, lá pelos anos setenta, ofereciam uma imitação empobrecida do programa de engenharia. Era um prêmio de consolação para quem não entrava nas engenharias. Daí as pressões para que fossem progressivamente se alongando até que virassem engenharia de verdade. A idéia de carreiras curtas não vingou na época, sobretudo diante de um número crescente de engenheiros que podiam ocupar com vantagens os possíveis postos de trabalho dos seus graduados. xxx Felizmente, para ambas as enfermidades parece haver um remédio. Não é uma solução mágica mas funciona quando levado a sério. Isto é importante frisar, pois em contraste, quando mais levada a sério, mais as presentes escolas técnicas se frustram em seu papel de preparar para o mercado de trabalho. Este remédio tem dois ingredientes principais. O primeiro é eliminar a concomitância do ensino técnico com o secundário. O curso técnico passaria a ser oferecido apenas para quem já vem diplomado. Desta forma, o curso se tornaria totalmente inútil para quem quer fazer o vestibular, pois exige o currículo do segundo grau, ao invés de ensiná-lo. Portanto, quando alguém se matricula nele, é porque se interessou pelo conteúdo profissional que oferece. São os chamados cursos técnicos especiais. As escolas técnicas do SENAI vêm dando preferência a este formato e não seria difícil prever que em breve excluirão o antigo formato dos cursos técnicos ainda oferecidos nas escolas federais. O segundo ingrediente consiste em mudar o perfil do técnico. Este profissional para ter êxito tem que ser melhor do que os engenheiros e os operários em alguma dimensão do conhecimento. E o filão mais rico para isto é o conhecimento da tecnologia. Dados o caráter genérico e a falta de especificidade tecnológica do que se ensina hoje nas engenharias, isto não é uma proeza impossível. Engenheiro não sabe fazer vinho, nem cerveja e nem queijo. Engenheiro não sabe consertar robô e nem operar CAD. Tampouco sabe otimizar o uso de anilinas no tingimento de um tecido. Engenheiro não conhece todas as técnicas de curtir couro e nem de controlar qualidade de sapatos. Operários velhos podem saber isso tudo, mas não têm o preparo intelectual para se atualizar, para entender a bioquímica da cerveja, a física de uma máquina de corte por corrosão ou a lógica de uma linguagem de CNC. É esse portanto o nicho de mercado dos técnicos. As escolas técnicas que estão dando certo conseguem fazer isto tudo. Oferecem uma densidade tecnológica no seu ensino muito superior ao que fazem as engenharias. Mas para que isso possa acontecer, é necessário que as escolas técnicas mudem completamente de perfil. Perdem espaço as escolas genéricas, ensinando um pouquinho de cada coisa. Ganham espaço as escolas que têm uma afinidade e uma proximidade muito grande a algum ramo industrial. xxx Mas para isto exige-se um perfil especializado de cursos técnicos, muito próximos dos ramos industriais que atendem. É justamente isso que vêm ocorrendo com as boas escolas técnicas, seja do SENAI, seja do MEC. Temos, portanto, as escolas de enologia, de couros e calçados, de têxteis e moda, de mecânica de precisão, de automação, de solda e assim por diante. Tão logo quanto se estabelecem estas parcerias para que as escolas possam dominar os conhecimentos técnicos de uma área, outras coisas boas começam a acontecer. Há uma tendência natural para que se alargue o perfil de serviços oferecidos pelas escolas. Em um primeiro momento, seus laboratórios são usados para ensaios de controle de qualidade para as empresas. xxxx Mais adiante, algumas máquinas poderão ser usadas para produtos não seriados ou muito especializados, contratados com as empresas. Em seguida vêm os cursos sobmedida de reciclagem dos funcionários das empresas. Depois, vêm as assessorias técnicas para escolha de equipamento, localização de máquinas em oficinas novas, E finalmente, a escola começa a fazer pequenos projetos de P&D para as empresas. Termina-se então com um perfil de atendimento totalmente diferenciado. O que começa como um curso específico e escolarizado, termina como uma instituição de serviços técnicos especializados para um determinado ramo industrial. Sem que jamais uma autoridade educacional formulasse esta trajetória como política, por um movimento de aproximações sucessivas algumas dúzias de escolas técnicas e CEFETs caminham nesta direção. Quando os cursos técnicos caminham nesta direção, o valor legal dos diplomas se reduz. Importa para empresa o que o técnico sabe fazer e onde aprendeu. O curso passa a ser pós-secundário, pela simples razão de que se dá após o secundário. Se é superior ou não pouco importa. Nos CEFETs, estes cursos voltam a ser legalmente definidos como carreiras superiores curtas. Mas no fundo, o que importa é o valor de mercado atribuído aos seus diplomados.