Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 UMA ABORDAGEM SOCIODIALETOLÓGICA DO FENÔMENO DO ROTACISMO NO MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ-MG Valter Pereira Romano (FEPI)1 [email protected] Cecília Godoi Fonseca (FEPI)2 cecí[email protected] RESUMO: Este artigo visa a discutir o fenômeno fonético-fonológico do rotacismo, troca da consoante lateral /l/ pela vibrante alveolar /r/, em contexto de encontro consonantal e coda silábica O trabalho utiliza como corpus de análise dados coletados junto a 24 informantes naturais do município de Itajubá, sul de Minas Gerais. O estudo considera aspectos teóricos e metodológicos da Sociolinguística variacionista e da Dialetologia para analisar o fenômeno, que, segundo o trabalho, pode ser compreendido sob uma perspectiva pancrônica; presente, diacronicamente, desde o latim vulgar e, sincronicamente, em diferentes variedades do português contemporâneo. PALAVRAS-CHAVE: Rotacismo. Itajubá-MG. Pesquisa sociodialetológica. ABSTRACT: This research aims to discuss the phonetic-phonological phenomenon of rhotacism that consists in the exchange of lateral consonant /l/ by alveolar vibrant /r/ in the context of consonantal encounter and syllabic coda. The work uses as corpus of analysis data collected along the 24 natural informants of Itajubá, South of Minas Gerais. The study considers theoretical and methodological aspects of variacionist Sociolinguistics and of Dialectology to analyze the phenomenon that, according to the research, can be understood under a pancronic perspective presents of diachronic way from vulgar Latin and, synchronously, in different varieties of contemporary Portuguese. KEY WORDS: Rhotacism. Itajubá-MG. Sociodialectologic research. 1 Introdução O fenômeno fonético conhecido como rotacismo, troca da consoante lateral alveolar /l/ pela vibrante alveolar /r/, é um traço linguístico variável do português brasileiro, podendo ocorrer tanto em contexto de coda silábica (calça > carça), quanto em encontro consonantal (chiclete > chicrete). Esse traço linguístico evidencia, sobretudo, diferenças de ordem social, e está associado, em geral, a pessoas da zona rural, de baixa ou nenhuma escolaridade. 1 Professor do Centro Universitário de Itajubá - FEPI. Doutor em Estudos da Linguagem (UEL). Pesquisador do Atlas Linguístico do Brasil. 2 Graduanda em Letras no Centro Universitário de Itajubá – FEPI. 395 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 Sobre o assunto, Bagno (2007) afirma que Hoje, o rotacismo em encontro consonantal é característico das variedades estigmatizadas de todo o Brasil. Já o rotacismo em final de sílaba é característico de algumas regiões onde se fala o chamado “dialeto caipira” (interior de São Paulo e sul de Minas Gerais etc.) (BAGNO, 2007, p.145) O fenômeno é um aspecto fonético-fonológico do português amplamente estudado sob diferentes perspectivas e já fora anotado nos primeiros tratados sobre o português brasileiro como um traço característico da língua falada no Brasil. Gladstone Chaves de Melo (1983), por exemplo, no memorável livro A língua do Brasil, cuja primeira edição é de 1946, referindo-se à língua falada no Estado de São Paulo e sul de Minas Gerais, afirma que “quem já viajou por aquelas bandas, sabe que, basta transpor-se a Mantiqueira, aparecem os meninos vendendo paster de carne” (MELO, 1982, p. 106). O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada na cidade de Itajubá, sul do Estado de Minas Gerais, com vistas a discutir o fenômeno do rotacismo a partir dos aportes teórico-metodológicos da Dialetologia e da Sociolinguística. Trata-se, portanto, de um estudo sociodialetológico. O trabalho está organizado em cinco sessões. A seguir, apresentam-se alguns aspectos sobre a localidade estudada. Na sessão 3, apresenta-se uma revisão da literatura no que refere ao estudo do rotacismo em trabalhos dialetológicos e sociolinguísticos. A sessão 4 trata dos materiais e métodos empregados no estudo. A sessão 5 apresenta os resultados obtidos, seguindo-se a sessão 6, com as considerações finais e, por fim, as referências bibliográficas utilizadas. 2 O município de Itajubá Antenor Nascentes, nas Bases para a elaboração do Atlas Linguístico do Brasil (1958), definiu o município de Itajubá como uma das localidades onde se deveriam realizar inquéritos para a constituição do atlas linguístico nacional, tarefa incumbida ao Centro de Pesquisas da Casa de Rui Barbosa, pelo Decreto Nacional de 1952 (BRASIL, 1952). 396 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 Embora naquela época, por motivos diversos, a proposta de Nascentes (1958) não se efetivasse; em 1977, o Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais – EALMG (RIBEIRO et al., 1977) contemplou a cidade de Itajubá (ponto 7A) na terceira etapa da coleta de dados, sendo o primeiro registro que se tem notícia sobre a língua falada nesse município. O Atlas Linguístico do Brasil (CARDOSO et al., 2014), seguindo as sugestões de Nascentes (1958) e as indicações já anotadas pelo EALMG (RIBEIRO et al., 1977), incluiu Itajubá às 1100 localidades que fazem parte do atlas linguístico nacional. No ALiB, Itajubá é o ponto 149. O município localiza-se às margens da Serra da Mantiqueira, no sul do Estado de Minas Gerais e, de acordo com o Censo 2010 (IBGE CIDADES, 2010), a cidade possui, aproximadamente, 94 mil habitantes. Itajubá é privilegiada em relação à sua localização, não só por estar inserida numa rede urbana firmada por prósperas cidades de médio porte, cujo acesso é feito pela BR 459, mas também devido à sua posição em relação às grandes capitais da região sudeste: Belo Horizonte (444 km), São Paulo (261 Km), Rio de Janeiro (318 Km) (Figura 1). Figura 1 - Localização de Itajubá no Estado de Minas Gerais Fonte: Wikipedia (adaptado) 397 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 A história de Itajubá tem seu início na corrida à exploração de pedras preciosas em Minas Gerais, com as descobertas das minas de Nossa Senhora da Soledade de Itagybá, em 1704, local onde se construiu a atual cidade de Delfim Moreira. Embora essas minas tenham chamado a atenção de bandeirantes como Miguel Garcia Velho (fundador da primitiva Itajubá), segundo Guimarães (1987), seu garimpo foi efêmero não correspondendo à sede de riquezas Garcia Velho e seus companheiros. Retirando-se os bandeirantes, ficou um povoado laborioso que se ocupou no cultivo da agricultura e da pecuária (GUIMARÃES, 1987). De acordo com Guimarães (1987), o nome Itagybá significa na língua tupi ‘rio das pedras que do alto cai’, e foi instituído à localidade por alusão à cachoeira que havia junto às minas de Garcia Velho e sugerido pelos companheiros de expedição. No entanto, dada a localização da primitiva freguesia de Itagybá, o que não propiciava o desenvolvimento pois era “um povoado ermo, perdido nos concorutos da Mantiqueira, fadado a extinguir-se” (GUIMARÃES, 1987, p. 61), um visionário e enérgico pároco da época, Pe. Lourenço da Costa Moreira, conclamou a população a descerem a serra, rumo ao rio Sapucaí, à procura de um lugar aprazível e bom, no qual se pudesse construir a nova sede da freguesia. Assim, em 17 de março de 1819 saíram em caravana da primitiva Itagybá cerca de oitenta homens juntamente com estanceiros das imediações, além de alguns habitantes de dentro do povoado rumo às bandas do Sapucaí (GUIMARÃES, 1987) e, descida a serra, às margens do rio, o padre Lourenço deparou-se com um morro e resolveu ali construir um altar. No dia 19 de março de 1819, nasce a atual cidade de Itajubá. Não era preciso prosseguir viagem. O local lhe parecera excelente para a fundação do novo povoado e a sede da Freguesia. Os homens roçaram uma clareira ao alto, nela armaram, de paus toscos, um altar e o Cruzeiro, e o padre Lourenço da Costa Moreira celebrou a primeira missa na aprazível paragem. Foi esse altar erguido exatamente onde hoje se encontra a Matriz da Paróquia de Nossa Senhora da Soledade, da atual cidade de Itajubá. (GUIMARÃES, 1987, p. 63) 398 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 O rio Sapucaí (rio que canta/grita) é o grande rio do município que divide a cidade ao meio. É relevante sua importância no progresso e na vida da cidade, sobretudo, no passado, com o favorecimento da navegação. Itajubá é o núcleo urbano mais importante da região, beneficiado por boas rodovias, permitindo a concentração e a distribuição de bens e serviços para os municípios circunvizinhos. Destaca-se tanto na agropecuária (produção de banana e de gado) quanto no setor industrial por comportar multinacionais e grandes empresas locais, possuindo um dos maiores distritos industriais do Sul de Minas Gerais. Itajubá é um polo regional, despontando-se também como cidade universitária devido ao campus da Universidade Federal (UNIFEI), além de outras instituições de ensino superior que atrai grande número de estudantes todos os anos, possuindo um intenso contato com o Estado de São Paulo e Rio de Janeiro. 3 Breve revisão da literatura sobre o estudo do rotacismo Segundo Câmara Jr. (1982), no português, as laterais e vibrantes anteriores figuram como um segundo elemento de um grupo consonântico o que cria contrastes, como entre - bloco: broco (1ª pes. ind. pres. do verbo brocar), atlas: atras (fem. pl. de atro), clave: crave (subj. de clavar), fluir, (correr): fruir (gozar) ressaltando que “há nos dialetos sociais populares o rotacismo do /l/” (CAMARA JR, 1986, p. 40). Silva Neto (1956) atesta que este fenômeno é bastante antigo na história da língua, remontando ao latim, pois, no Appendix Probi3, já se pode observar algo como Flagellum non Fragellum, do qual o autor faz as seguintes anotações: Temos aqui mais um exemplo de dissimilação: l ~ l = r ~ l. O mesmo se deu nestes vocábulos: milimellu > mariméllo (antes do XI séc.) > marmelo; ululare > arulare > urlare (cp. fr. hurler e it. urlare) > urrar; ; calamellu > caramelo; mala folia > maravalha... (SILVA NETO, 1956, p. 115) 3 Appendix Probi é um texto do século IV d.C. de autoria desconhecida no qual se compilam os erros mais frequentes na fala latina da época, opondo-os às formas corretas do latim clássico. 399 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 Sobre a dissimilação, o próprio autor esclarece: “a diferenciação de sons idênticos ou semelhantes, a qual pode mesmo chegar à eliminação de um deles” (SILVA NETO, 1956, p.85). Coutinho (1976), tratando sobre consonantismo no latim, nota que os grupos consonantais iniciais próprios -cl,- fl,- pl , -bl, - gl modificam-se para -cr, -fr, -pr, -br, gr conforme os exemplos: “clavo > cravo; flaccu> fraco; plaga > praia; blandu >brandu; glute >grute” (COUTINHO, 1976, p. 119-120). Na segunda década do século passado, para justificar a nossa pronúncia, Melo ([1946] 1981) fez um paralelo com o português de Portugal apontando que o –l, em fim de palavra ou em fim de sílaba seguido de consoante, transforma-se em –r: “marvado, sordado, arto, servage, paster etc, assim como em Barcelos (Portugal) que se ouve reberde, Ansermo, Sirba (=Silva), azur etc” (MELO, 1981, p.129). Sobre o português falado no Estado de São Paulo, Amaral ([1920] 1982) registra que o –l em final de sílaba ou em um grupo consonântico muda-se em –r: querquér, papér, mér, arma (alma), craro, compreto, cramô (r); frô (r), assinalando que “a troca é um dos vícios de pronúncia mais radicados no falar dos paulistas, sendo mesmo frequente entre muitos dos que se acham, por educação ou posição social” (AMARAL, 1982, p. 52), ou seja, está presente até mesmo na fala das pessoas com certa escolaridade. Marroquim (1996), em A Língua do Nordeste, cuja primeira edição é de 1934, registra que o -r pelo –l é um fenômeno geral na linguagem popular nordestina, especialmente em Pernambuco. Atribui as origens deste fenômeno, primeiramente, ao fato de a língua tupi não ter o fonema /l/. Entretanto, salienta que “não devemos exagerar, assim, a influência da língua tupi no fenômeno em análise” (MARROQUIM, 1996, p. 29) reconhecendo a influência portuguesa, pois “no português arcaico encontramos: enxempro, ingrês, groria, craro...” (MARROQUIM, 1996, p. 29). Segundo este autor, o rotacismo, deve-se, sobretudo, à lei do menor esforço, pois “nos grupos silábicos em que o l fica solto, a sua pronúncia requer uma ginástica da língua, de real dificuldade ainda entre gente culta.” (MARROQUIM, 1996, p.30). 400 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 Teixeira (1938) explicita que nos grupos consonânticos bl, cl, fl, gl mudam o l em r na fala popular, como no Rio e em São Paulo. Sobre o assunto, segundo o autor, os estudiosos apontam várias origens. A origem tupi, sustentada por Teodoro Sampaio (1928), a africana, defendida por Renato Mendonça (1935) e Jacques Raymundo (1933) e o seu próprio posicionamento, a origem portuguesa. Conclui este assunto com as palavras de Mendonça assinalando que “este é um ponto que nunca foi bem ventilado: a distinção entre o elemento indígena e o africano na formação do dialeto brasileiro” (MENDONÇA apud TEIXEIRA, 1938, p. 25). De acordo com Nascentes (1953), o fenômeno não deve provir do superestrato negro ou de um cambio linguístico simplesmente, “porque o negro de Angola sempre teve grande dificuldade em articular o r português substituindo-o justamente por l: eraela, claro-calalo, fora-fola” (NASCENTES, 1953, p. 53-54). Conclui que o fenômeno deve ser visto à luz da fonologia “casos de trocas entre dois fonemas que existem e continuam existindo no sistema fonético funcionante” (NASCENTES, 1953, p. 54), encontrado em diversas línguas como no francês popular de Paris, napolitano, toscano, espanhol americano etc. Vale ressaltar o posicionamento de Silva Neto (1988) ao tratar de alguns traços mais salientes das pronúncias regionais brasileiras, os denominados vulgarismos, entre eles a passagem do l para r. Para o autor, os vulgarismos pertencem às “tendências já contidas na deriva da língua que logo irrompem quando o meio social é turvo e incerto pela convivência de populações de origens diversas e a falta de rígida norma linguística” (SILVA NETO, 1988, p 629). Atribui esta pronúncia ao “relaxamento de articulação e desleixo dos aloglotas” (SILVA NETO, 1988, p. 630) que favoreceram esta deriva, fato este já atestado por Marroquim (1934). Conclui seu pensamento dizendo que “não é preciso frisar, fatos decorrentes de fenômenos de interferência linguística; não se pode aqui falar em influência de línguas americanas ou africanas” (SILVA NETO, 1988, p. 630). Estudos mais recentes, como o de Gomes e Souza (2003), discutem sobre esta tendência da lateral se transformar em vibrante, ratificando a importância de se tratar do assunto à luz da fonologia, conforme atestam Nascentes (1953) e Silva Neto (1988). As 401 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 autoras assinalam que: “a lateral e a vibrante compartilham uma série de propriedades fonéticas e apresentam comportamento linguístico semelhantes em diversas línguas, assim, estão submetidas conjuntamente a diferentes processos fonológicos” (GOMES e SOUZA, 2003, p.75). O trabalho de Mollica e Paiva (1991), acerca da língua falada no Rio de Janeiro, confirma esta hipótese com os exemplos flora ~ frora (assimilação), e esclarece que “ocorrendo na palavra outro segmento líquido, no caso [-lateral], a líquida lateral presente na palavra tende a se assimilar, transformando-se em [r].” (MOLLICA e PAIVA, 1991, p. 182). Já em, próprio ~ própio ocorre a dissimilação, pois o [r] tende a simplificar a zero quando “dada a presença de dois segmentos idênticos” (MOLLICA e PAIVA, 1991, p. 182). As autoras assinalam ainda que “embora diferentes entre si, os dois processos convergem, uma vez que decorrem da presença de segmentos semelhantes na cadeia da fala” (MOLLICA e PAIVA, 1991, p. 182). Ademais, além dessa breve revisão da literatura; atualmente, são inúmeros os trabalhos que apresentam discussões sobre a temática com abordagens teóricometodológicas diversas, dentre os mais recentes citam-se o de Giordani (2005), Cox (2005), Costa (2006, 2007, 2011), Tem (2010), Freitag, Araújo, Barreto e Carvalho (2010), Romano e Silva (2010), Maia dos Reis (2010), Silva, Alonso e Onofre (2011) Romano (2012), Silva Jr e Oliveira (2014), Pinho e Macedo-Karim (2014), Sanches (2014), dentre outros. 4 Materiais e Métodos O corpus tratado neste estudo refere-se a uma pesquisa realizada in loco durante o período de maio a agosto de 2014. Para o estudo, foram selecionados homens e mulheres, naturais do município de Itajubá-MG, residentes na zona urbana, e pertencentes a duas faixas etárias, de 18 a 30 anos (Faixa etária I) e de 50 a 65 anos (Faixa etária II), conforme propõe a metodologia do Projeto Atlas Linguístico do Brasil4. Além da variável sexo e faixa etária, foi controlada também a escolaridade dos 4 Para mais informações sobre o ALiB, confira: <http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/WebHome>. 402 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 informantes, sendo entrevistados indivíduos de dois níveis de instrução: EF (Ensino Fundamental completo ou incompleto) e ES (ensino superior completo). Para cada uma das três células sociais delimitadas (sexo, faixa etária e escolaridade), foram estabelecidos três informantes, sumarizando 24 entrevistados. Como instrumento de coleta de dados, foi elaborado um questionário composto de três principais partes: (i) Ficha do informante; (ii) Temas para Discursos Semidirigidos e (iii) Questionário Fonético-Fonológico, composto por 129 questões. A primeira parte do instrumento de coleta visa a obter informações sobre os informantes tais como escolaridade, sexo, profissão, hábitos e costumes, o que contribuiu também para um maior entrosamento entre o inquiridor (entrevistador) e o entrevistado. A segunda parte do instrumento compõe-se de três temas para discurso livre (relato pessoal, não pessoal e descrição de atividades do cotidiano), cujo objetivo consiste em coletar dados fala espontânea do informante, com vistas a minimizar o “paradoxo do observador” (LABOV, 2008, p.244). A terceira parte refere-se às questões objetivas cuja resposta estava direcionada para a pronúncia de vocábulos em que o fenômeno do rotacismo poderia ocorrer, seja em contexto de coda silábica ou em encontro consonantal. Como parâmetro para a montagem do instrumento de coleta de dados, a pesquisa pautou-se nos Questionários 2001 do Projeto ALiB (COMITE NACIONAL DO PROJETO ALIB, 2001), tanto para o modelo de ficha e temas para discurso semidirigidos quanto para a estruturação do Questionário Fonético-Fonológico (QFF). Para esta última parte, além de questões elaboradas exclusivamente para a pesquisa, foram utilizadas também perguntas pertencentes ao questionário utilizado na pesquisa de Lima (2006). Das 129 questões que compõem o QFF, 51 referem-se ao fenômeno do rotacismo, ou seja, foram acrescentadas outras questões intercalando-as a essas perguntas para que os informantes mais perspicazes não identificassem o fenômeno fonético em estudo. Das 51 questões que apresentam contextos fonológicos para o rotacismo, 36 delas referem-se à coda silábica e 15 ao encontro consonantal. 403 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 Nesta oportunidade, apresentam-se os resultados atinentes aos dados obtidos no QFF. Para tanto, o corpus é tratado quantitativamente utilizando-se o programa GoldVarb 2001 (ROBINSON; LAWRENCE; TAGLIAMONTE, 2001) com vistas a indicar quais variáveis linguísticas e/ou extralinguísticas interferem na realização da regra variável /l/ > /r/, tanto em encontro consonantal quanto em coda silábica. Desse modo, os dados foram codificados e submetidos ao tratamento estatístico da ferramenta selecionada, considerando-se, tanto para o rotacismo em encontro quanto em coda, seis variáveis linguísticas, a saber: (i) contexto anterior; (ii) contexto posterior; (iii) tonicidade; (iv) extensão do vocábulo; (v) posição no vocábulo; (vi) item lexical; E como variáveis extralinguísticas, são consideradas: (vii) sexo; (viii) faixa etária; (ix) escolaridade. Dados os grupos de fatores estabelecidos para cada uma dessas variáveis e levando-se em conta os dois contextos fonológicos distintos (coda e encontro), os dados foram rodados separadamente. Na próxima seção, apresentam-se os resultados obtidos. 5 Discussão dos resultados A análise do rotacismo em Itajubá-MG ateve-se a dois contextos fonológicos que podem propiciar a ocorrência do fenômeno, em encontro consonantal e em coda silábica. Desse modo, são apresentados nesta seção os resultados obtidos a partir do 404 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 GoldVarb 2001, considerando-se as variáveis linguísticas e extralinguísticas sistematicamente controladas na pesquisa. 5.1 O rotacismo em encontro consonantal Em contexto de encontro consonantal foram obtidos 312 registros, dos quais 69 referem-se à aplicação da regra, ou seja, em 22% das respostas, os vocábulos apresentaram-se com a vibrante /r/ em vez da lateral /l/. A melhor rodada dos dados, de acordo com os resultados do GoldVarb 2001, selecionou apenas uma variável linguística: (ii) contexto posterior; e duas variáveis extralinguísticas (viii) faixa etária e (ix) escolaridade, como fatores condicionantes à aplicação da regra (troca do /l/ pelo /r/). A tabela 1 apresenta os resultados referentes ao contexto posterior: Tabela 1 - Aplicação da regra > segundo o contexto posterior Fatores Vogal baixa central oral Vogal baixa central nasal Vogal média baixa anterior Vogal alta anterior Vogal média alta posterior Vogal alta posterior Total Input: 0,13 Significância: 0,003 Aplicação / Total % 30/180 12/23 3/24 2/14 13/47 9/24 69/312 16 52 12 14 27 37 22% Peso relativo (Pr) 0,41 0,84 0,30 0,42 0,60 0.73 - Observa-se na Tabela 1 que vocábulos cujo contexto posterior se apresenta como vogal baixa central oral , vogal média-baixa anterior e vogal alta anterior favorecem a aplicação da regra (peso relativo abaixo de 0,5), como, por exemplo, em clara, chiclete e cliente. Ao passo que, nos demais contextos, há um desfavorecimento ao rotacismo, sobretudo, quando o contexto posterior é uma vogal baixa central nasal . Quanto às variáveis extralinguísticas selecionadas pela melhor rodada (escolaridade e faixa etária), a Tabela 2 aponta maior probabilidade de o rotacismo ser 405 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 empregado na fala de informantes de nível fundamental (Pr = 0,79) e entre os informantes pertencentes à segunda faixa etária (Pr=062). Tabela 2 - Aplicação da regra > segundo o contexto posterior Fatores Aplicação / Total % Ensino Fundamental Ensino Superior Faixa Etária I Faixa Etária II 60/151 9/161 25/159 44/153 69/312 40 6 15 29 22% Total Peso relativo (Pr) 0,79 0,22 0,38 0,62 - Input: 0,13 Significância: 0,003 A Figura 2 ilustra esses resultados considerando-se a produtividade percentual das variantes /l/ e /r/ segundo as variáveis escolaridade e a faixa etária, selecionadas na melhor rodada. Figura 2 – Produtividade das variantes /l/ e /r/ segundo as variáveis faixa etária e escolaridade 100 90 80 70 % 60 50 40 /L/ 30 /R/ 20 10 0 Faixa I Faixa II Ensino Fundamental Ensino Superior variáveis sociais Fonte: Resultados do GoldVarb (2001) Observa-se na Figura 2 que predomina o uso da lateral tanto entre informantes da faixa I e faixa II, quanto entre os de formação universitária e os de formação básica 406 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 (Ensino Fundamental). Todavia, é interessante observar que o rotacismo, atinge maior produtividade entre os informantes de escolaridade mais baixa (40%), pertencente à segunda faixa etária (29%), não isentando sua ocorrência, porém, entre os de formação superior (6%) e entre os informantes mais jovens (15%). Embora a ferramenta estatística empregada no tratamento dos dados não tenha selecionado outros grupos de fatores que condicionam à realização da regra, no que se refere ao item lexical, observa-se na Figura 3, a produtividade das variantes fonéticas, considerando-se os vocábulos. % Figura 3 – Produtividade das variantes /l/ e /r/ segundo o item lexical 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 /L/ /R/ itens lexicais Fonte: Resultados do GoldVarb (2001) Observa-se nessa distribuição percentual um espelhamento dos resultados, predominando variante lateral alveolar na maioria dos itens estudados, entre 67% a 91% de produtividade. Por outro lado, o rotacismo apresenta-se com mais produtividade em vocábulos como chiclete (53%), blusa (38%), globo (33%), flamengo (25%), dentre outros com menor índice percentual, como em plástico (9%). 407 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 5.2 O rotacismo em coda silábica Para o estudo do rotacismo em coda silábica, foram controladas as mesmas variáveis linguísticas e extralinguísticas com adaptações quanto ao grupo de fatores. Para o contexto de coda, todavia, foram documentados 788 registros dos quais apenas dois referem-se à aplicação da regra. Ou seja, as rodadas resultaram em inúmeros KnockOut, pois os grupos de fatores não apresentaram a variação /l/ > /r/, não sendo possível, e necessária, a rodada Binomial; uma vez que em coda silábica quase que categoricamente os informantes selecionados pela pesquisa preferem a forma de prestígio, ou seja, o uso da lateral alveolar em vez da vibrante. A realização do rotacismo, neste caso, ocorre exclusivamente na fala do informante de número 19 (homem, faixa etária II, de escolaridade fundamental). Este informante ao responder às questões 018 (O que a abelha fabrica?) e 038 (Qual é o nome do nosso país?) pronunciou os vocábulos mer, para mel; e Brasir, para Brasil, respectivamente. Ademais, observa-se também a ocorrência do rotacismo em contexto de encontro consonantal na fala desse mesmo informante, tal como ocorre em crara, por clara (QFF 022); pranta, por planta (QFF 026; Framengo, por Flamengo (QFF 042) e brusa, por blusa (QFF 058). Trata-se, neste caso, o informante que em seu idioleto utiliza o rotacismo, mais frequentemente em contexto de encontro consonantal, sem, contudo, deixar de utilizá-lo também em coda silábica. Considerações finais De certo modo, o rotacismo revela aspectos conservadores do português brasileiro, uma vez que, diacronicamente, observa-se a presença do fenômeno já no latim vulgar e na sua passagem para as línguas românicas. Sincronicamente, a troca da lateral pela vibrante está presente em diferentes variedades do português, conforme atesta a revisão da literatura. Trata-se, portanto, de um fenômeno variável que revela traços diastráticos do português brasileiro, porém, que deve ser entendido sob uma perspectiva pancrônica. 408 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 A partir dos resultados desta pesquisa, observa-se que embora o número de questões selecionadas para o estudo do fenômeno fosse maior em contexto de coda silábica (36) em relação ao contexto de encontro (15), o rotacismo em final de silaba e de vocábulo não é recorrente no corpus recolhido; ao passo que, em contexto de encontro consonantal, o fenômeno ocorre com maior produtividade. Apesar de controladas sistematicamente variáveis linguísticas para o estudo, apenas duas delas mostram-se relevantes para aplicação da regra. Assim, em Itajubá, pode-se dizer que, de acordo com os resultados obtidos, ocorre muito mais o rotacismo em encontro consonantal face ao fenômeno em coda silábica, com maior probabilidade entre os homens da segunda faixa etária, ou seja, adultos acima de 50 anos de idade. A confluência entre aspectos teóricos e metodológicos da Dialetologia e da Sociolinguística possibilitou uma abordagem sociodialetológica nesta localidade mineira, sendo uma primeira tentativa de descrição mais detalhada da língua falada nesta cidade do sul mineira, haja vista que os dados coletados pelo EALMG (RIBEIRO et al., 1977) e pelo ALiB em Itajubá não oferecem subsídios para uma análise mais criteriosa do fenômeno aqui estudado. Nesse sentido, este trabalho é um exemplo de novas tendências dos estudos linguísticos para descrição do português brasileiro, uma vez que a Dialetologia tem avançado aos denominados “veios sociolinguísticos” (CARDOSO, 2010), consolidando-se, no território brasileiro, a “Dialetologia pluridimensional” (THUN, 1998). Há de se notar, todavia, que os resultados desse artigo ativeram-se às respostas obtidas para o QFF. O próximo passo do trabalho é investigar o fenômeno nos discursos livres dos informantes com vistas a verificar em que medida o monitoramento da fala pode ou não interferir na aplicação da regra variável, uma vez que a própria estruturação do QFF, que visa a obter itens específicos por meio de pergunta-resposta, pode evidenciar certo grau de formalidade durante o inquérito linguístico. 409 Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos • NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 • Volume 6 • Número 16 • Julho 2015 REFERÊNCIAS AMARAL, Amadeu. O Dialeto Caipira: gramática e vocabulário. 4.ed.São Paulo: HUCITEC; INL, 1982. BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007. BRASIL. Decreto 30.643 de 20 de março de 1952. Institui o Centro de Pesquisas da Casa de Rui Barbosa e dispõe sobre o seu funcionamento. 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