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DURMEVAL TRIGUEIRO, O META-EDUCADOR DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Merise Santos de Carvalho
Doutoranda da UFRJ
Eixo Temático: Intelectuais e Memória da Educação no Brasil
UMA PESQUISADORA DO ENSINO FUNDAMENTAL
À medida que a idade avança, aumenta seu interesse pela Educação Fundamental que
pesquisa há muitos anos. Seu interesse e seu espanto. É que o Jornal Folha de São Paulo, em
seu Caderno Especial sobre o Censo de 2000, publicado em maio de 2002, estampa em seu
subtítulo:
“Apesar dos avanços alcançados, 59,9% da população brasileira com mais de dez anos
não completou o ensino fundamental”. (FOLHA DE S. PAULO, 09/05/2002, p. A6)
Isto quer dizer que, no ano de 2000 – em plena era do conhecimento e da informação – de
cada dez brasileiros com mais de dez anos, seis – mais da metade – não puderam completar os
oito primeiros anos de escolaridade básica. Quem se espanta é uma educadora brasileira,
formada há quarenta anos atrás pelo Instituto de Educação do Rio de Janeiro e que, hoje,
envolvida com a pesquisa educacional no Brasil, se pergunta como chegamos a este ponto e
qual é a sua responsabilidade nesse processo.
Sente-se em grande parte culpada. Afinal de contas sempre trabalhou com este nível
de ensino, na escola e na universidade, e estes 59,9% de brasileiros lhe pesam na consciência.
Este é um fato estatístico, indiscutível, incontestável, mas que desafia o discurso teórico que
profere há tantos anos e que, por sinal, ía tão bem. Seu discurso ía bem, o pensamento
educacional que o embasava tinha coesão e coerência lógica, mas ambos tropeçavam na
realidade brasileira que lhe batia às portas, pedindo por socorro.
Seu espanto lhe dói e assusta. Há muito experimenta uma sensação estranha e pouco
confortável que agora, diante da manchete do jornal, se reforça e revigora. Tem a impressão
de não estar de todo presente nesta “dura e triste realidade” educacional que a desestabiliza e
atrapalha. Por outro lado, o pensamento educacional que produz sobre nosso ensino
Fundamental não tem de todo a ver com tais estatísticas; ao contrário, ironicamente, tais
percentagens não deixam de atrapalhar sua capacidade de produzir pesquisa educacional no
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Brasil de hoje. Consciente de que fatos e idéias não mais se coadunam na educação brasileira,
começa a questionar sua produção acadêmica.
Passa a desejar, com afinco, fincar o pé na “dura e triste realidade” educacional
brasileira, da qual se sente afastada, sem saber bem como isso é possível. Sendo brasileira,
experimenta a sensação de que o Brasil parece, algumas vezes, ficar longe daqui. Outras
vezes, surpreendida, se sente como uma “estrangeira em seu próprio país”. À medida que a
idade avança, seu grande sonho é ultrapassar esta fronteira invisível, mas sensível, que de
certa forma a separa de outros brasileiros. Seu grande desafio é, como educadora, chegar onde
o seu próprio pensamento educacional ainda não foi. Está ciente das dificuldades que irá
enfrentar, mas definitivamente não quer produzir “idéias fora do lugar”. Quer,
verdadeiramente, dar sua contribuição para que tais estatísticas se reduzam e para que a
Escola Pública Fundamental e seu país possam ser mais justos e democráticos. Sente o peso
de sua responsabilidade.
Reconhece que a teoria educacional, uma vez produzida, não afeta por si mesma e
necessariamente a escola ou a universidade, mas sabe que uma teoria autóctone, conectada à
“realidade” da sociedade e da cultura brasileiras, pode oferecer respostas mais eficazes às
nossas reais necessidades educativas, ainda não satisfeitas. Teme não ser compreendida por
seus pares, mas sua consciência fala mais alto. Precisa mudar. Passa então a buscar, na
História da Educação Brasileira, um teórico que a ajude a entender a ruptura epistemológica
que experimenta e não sabe explicar – alguém que pense sobre o nosso modo de pensar
educação e que elucide sua razão de ser, ao menos tentativamente.
Com grande interesse e esperança insiste, resiste, procura e já cansada encontra, em
nossa história, um intelectual brasileiro que, em sua opinião, é capaz de produzir sentido para
seu pensamento “fora de foco”: um meta-educador de nossa educação – Durmeval Trigueiro
– cujas idéias constituem parte importante da memória educacional de nosso país, apesar de
muito pouco difundidas.
E com grande coragem acadêmica finalmente se identifica, neste final de uma
introdução nada ortodoxa. A educadora / pesquisadora brasileira da Educação Fundamental
que busca inserção nacional sou eu mesma. Sou eu que, com interesse, espanto e esperança,
tento ultrapassar o “obstáculo epistemológico” representado pelas estatísticas de nossa escola
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fundamental, procurando compreender a dicotomia que experimento, a ambigüidade que não
explico, a distância entre fatos e idéias que me desafia no campo educacional.
Este trabalho é fruto de um encontro providencial entre a educadora / pesquisadora da
Educação Fundamental que, apesar da idade, passa a questionar sua própria produção
científica e um meta-educador brasileiro, já falecido, que pode ajudá-la a refletir sobre o
pensamento educacional brasileiro que produz e que não a satisfaz mais. O texto tem como
objetivo chamar a atenção para o pensamento educacional de Durmeval Trigueiro Mendes,
um educador quase desconhecido em nosso país – um intelectual crítico cuja obra merece ser
lembrada neste II Congresso Brasileiro de História da Educação, que objetiva ampliar o
debate e o intercâmbio de reflexões dos pesquisadores da área, para a consolidação de uma
memória da educação no Brasil.
UM FILÓSOFO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Durmeval Trigueiro não deixa de ser nordestino. Ele nasce em 1927 em Cuiabá,
Mato Grosso, mas é no Nordeste – Paraíba e Pernambuco – que cresce, estuda e inicia sua
carreira no magistério e na administração educacional. Aos 29 anos organiza a Universidade
Estadual da Paraíba e vem a ser escolhido seu primeiro Reitor, talvez o mais jovem Reitor
brasileiro de todos os tempos. Aos 31 anos, a convite de Anísio Teixeira, então Diretor do
INEP, transfere-se para o Rio de Janeiro e vem a ser nomeado, aos 34 anos, Diretor do Ensino
Superior. Aos 37 anos passa a ser membro do Conselho Federal de Educação, cumprindo o
mandato por mais cinco anos, quando toma conhecimento, pela televisão, do decreto
governamental que o aposenta compulsoriamente, afastando-o dos cargos oficiais que
ocupava em razão de seus pareceres contrários às iniciativas do governo militar no poder.
Aos 43 anos integra a comissão encarregada de elaborar o arcabouço do IESAE da
Fundação Getúlio Vargas, que ajuda a fundar. Na mesma época produz obra importante sobre
a teoria do Planejamento Educacional, publicada em inglês, em 1972, pela Michigan State
University. Aos 45 anos sofre um derrame cerebral que não interfere em sua capacidade de
produzir idéias, mas lhe cria sérias limitações quanto à possibilidade de expô-las através da
palavra. Aos 47 anos, após terapia, volta a lecionar na PUC/Rio e no IESAE da FGV, quando
cria e sistematiza uma nova disciplina – a Filosofia da Educação Brasileira. Aos 53 anos é
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anistiado e reassume suas funções públicas na UFRJ e no MEC, vindo a falecer aos 60 anos
no Rio, vítima de um acidente de trânsito em 1987. (FÁVERO, 1999, p. 148-155)
Poucos o conhecem e a própria educadora / pesquisadora do Ensino Fundamental que
assina este texto, embora lhe seja contemporânea, tem a impressão de tê-lo encontrado tarde
demais, talvez. A disciplina que cria e sistematiza aos 47 anos, ela reconhece, é apenas um
simples reflexo daquilo que ele próprio sempre foi – um verdadeiro Filósofo da Educação
Brasileira, cujo pensamento, original e autóctone, permanece confinado em estantes de
bibliotecas universitárias, infelizmente pouco visitadas e raramente consultadas.
E não poderia ser assim. Durmeval Trigueiro pensa sobre o pensamento educacional
brasileiro – objeto de estudo não só incomum mas central em sua obra. Sua originalidade de
pensador consiste no fato de centrar a reflexão não sobre o conteúdo propriamente dito de tal
pensamento, mas sobre a sua forma, sobre o nosso modo peculiar de pensar educação no
Brasil. Para ele tem se tornado lugar comum a recriminação de que há, entre nós, excesso de
teoria e pouca prática na área educacional. Ele diz exatamente o contrário: temos excesso de
prática sem consciência teórica e excesso de leis – o que constitui freqüentemente uma forma
de substituir a teorização de que tanto carecemos.
“Tenho reiteradamente afirmado que é o nosso
modo de pensar educação no Brasil que merece reparos, e
não o fato de não pormos em prática o que pensamos.”
(TRIGUEIRO, 2000, p.190)
Sua trajetória de vida está marcada por uma grande preocupação – o Ensino Superior
em nosso país – e um grande desafio – a necessidade de se produzir uma teoria educacional
brasileira. Toda a sua obra, seja na área do Planejamento Educacional no Brasil ou no campo
da Filosofia da Educação Brasileira, é marcada por essa preocupação e por esse desafio: nosso
modo ímpar de pensar educação. Todavia vai mais além: ele procura compreender como
nosso modo peculiar de pensar educação se relaciona com a sociedade e a cultura brasileiras.
A esta reflexão dedica sua vida acadêmica e sempre com o mesmo intuito:
“Nosso intuito é morder a substantividade do
pensamento brasileiro no que concerne à educação;
inquirir fenômenos culturais e políticos; arrancar máscaras
e romper moldes “pedagógicos” sufocantes como se fosse
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um saber per se, desvinculado da estrutura social.”
(TRIGUEIRO, 1998, p.10)
A educadora / pesquisadora se interessa e se espanta, pois experimenta exatamente a
sensação que o filósofo descreve: o pensamento educacional que produz assim lhe parece
agora – um saber per se, desvinculado da estrutura social. Ela, a educadora, também sabe que
experiências educacionais interessantes se multiplicam em todo o país, mas seu modo de
pensar educação não as inclui como prioritárias. Ele, o filósofo, vai além: sustenta que nossos
problemas educacionais não se explicam simplesmente por uma questão de relacionamento
entre a teoria e a prática pedagógicas. Argumenta que não se trata simplesmente de não se por
em prática o que pensamos ou de não se teorizar as nossas práticas pedagógicas. Ao lado
desta dificuldade fundamental, que afeta universalmente a educação, em território nacional
alia-se uma outra que lhe parece mais grave e definitiva – a desafiadora relação entre a teoria
educacional elaborada no Brasil e a sociedade e cultura brasileiras como tal.
A educadora / pesquisadora e autora deste texto encontra no pensamento de Durmeval
Trigueiro resposta para a questão fundamental que agora muito lhe inquieta – e que na
realidade a vitima. Trata-se de uma questão que, surpreendentemente, não parece despertar a
atenção de seus colegas na Universidade onde pesquisa. Não incomoda a ninguém o
espantoso “descolamento” do seu próprio pensamento educacional da “dura e triste
realidade brasileira”, pensamento este que parece muitas vezes vagar no vazio, “fora de
lugar”, tal como ela. O filósofo da educação brasileira parece entendê-la ao afirmar que
“a máquina roda no vazio, tal qual uma moenda
sem a matéria para espremer, ou a fiandeira sem o fio para
rodar. É o caso da prolífera legislação. O que falta à nossa
engrenagem é o dente assentado na polpa da realidade... ”
(TRIGUEIRO, 1998, p.61)
É exatamente assim que ela se sente: portadora de uma “engrenagem epistemológica”
cujo dente não se assenta na polpa da realidade educacional brasileira na qual,
paradoxalmente, está imersa e que, embora tão perto, não é capaz de agarrar, por mais que o
tente. Hoje está ciente de que pensa educação no Brasil de modo formal, abstrato, priorizando
as palavras, as idéias que vêm do exterior, os recortes cada vez menores e particulares.
Encontra no filósofo, mais uma vez, a explicação para seu saber pedagógico “fora de foco”,
distante dos problemas reais; para o seu desprezo pelas estatísticas educacionais, pelos fatos
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da educação brasileira, e para a valorização dos estudos de caso e de referenciais teóricos do
primeiro mundo. Sua curiosidade com relação às idéias do filósofo se aguça.
“A incapacidade de agarrar a substância leva ao
escolasticismo as ciências da educação: preponderância da
forma sobre o conteúdo, dos meios sobre os fins, das
abstrações sobre as realidades, das palavras sobre as
idéias. Prevalência do particular sobre o geral e do exterior
sobre o interior.” (TRIGUEIRO, 2000, p.184)
“Continuamos a pensar de viés, através de palavras
que nos chegam de uns aos outros, e não da visão singela
das realidades oferecidas à pesquisa.” (TRIGUEIRO,
2000, p.138)
“Além dos problemas epistemológicos de sua
realização, a pesquisa educacional tem constituído uma
atividade “fora de foco”, por vezes distanciada dos
problemas centrais, nem sempre apta a fornecer à política
educacional os subsídios e estímulos de que esta
necessita...” (TRIGUEIRO, 1998, p.72)
O curioso é que ela, a educadora / pesquisadora do Ensino Fundamental observa que
esta pesquisa “fora de foco”, este “pensar de viés” – ou seja este modo de pensar educação
através de palavras e não das realidades oferecidas à pesquisa – muito se parece aos
“parâmetros viesados” que orientariam nossa pesquisa educacional, identificados pelo
Professor Luiz Antonio Cunha ainda na década de 70 (CUNHA, 1979, p.6/7); àqueles
mesmos parâmetros que, segundo Cunha, encobririam a verdadeira natureza do objeto a que
se referem – a educação entre nós. Verifica também que este “pensar de viés”, a que se refere
Durmeval Trigueiro, muito se parece às marcas distintivas de nossa produção acadêmica na
área identificadas por GATTI, WARDE, GOERGEN e MELLO1, nas décadas de 80 e 90.
Inquieta, a educadora se pergunta se esta característica, a desvinculação da realidade sócioeducacional do país, que tem uma certa permanência no tempo, não teria a ver com a cultura e
a sociedade brasileiras e, curiosa, volta a dialogar com o autor da Filosofia da Educação
Brasileira.
UM FILÓSOFO DA SOCIEDADE E DA CULTURA BRASILEIRAS
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CUNHA, Luiz Antônio, 1979, p.3-28 / GATTI, Bernadete, 1983, p.3-17; 1987, p.279-288 / MELLO, Guiomar
Namo de 1982, p.6-14, 1983, p.67-72 / GOERGEN, Pedro, 1985, p.201-214; 1986, p.1-18 / WARDE, Mirian
Jorge, 1990, p.67-75; 1992, p.51-112..
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E ele mais uma vez responde à sua indagação, sustentando que “a inteligência
universitária brasileira ainda não assumiu plenamente a realidade do país” (TRIGUEIRO,
2000, p.153). Segundo o filósofo a inteligência universitária brasileira passa ligeiramente
sobre esta realidade sem alcançá-la, pairando sobre ela que entretanto lhe escapa. Isto faz com
que problemas graves subsistam entre nós sem serem problematizados, como se não tivessem
necessidade de solução e por razões fundamentalmente culturais, no seu modo de ver. A
educadora / pesquisadora do Ensino Fundamental lembra da manchete do jornal Folha de São
Paulo, dos 59,9% de brasileiros que, segundo o Censo 2000, não puderam completar sequer
os oito anos de escolaridade básica, exatamente naquele tipo de escola em que já trabalhou e
que hoje pesquisa e, sentindo-se responsável, se pergunta que razões culturais poderiam ser
essas. Novamente recorre ao filósofo da educação brasileira:
“A mais impressionante manifestação de coerência
na organização cultural do país está no repúdio ao real
(grifo nosso). Somos duas pátrias: a dos nomes
(fetichizados ideologicamente) que nos servem de dossel,
e a das coisas que pulsam sob o chão, como raízes
“ignoradas” e rebeldes, dessas que explodem à flor da
terra, fazendo desabar o que está aparentemente sólido em
cima delas.” (TRIGUEIRO, 1998, p.67)
Ele parece querer dizer a ela que a inteligência brasileira continua sem se dar conta, de
modo claro, da transformação da realidade social, exatamente porque se mantém extrínseca a
essa realidade, “fora de lugar”. O filósofo sustenta que a inteligência brasileira se transforma
num repositório de “idéias desvitalizadas” ou de “conhecimentos fragmentários” e se refugia,
então, numa ambigüidade que só encontra solução aparente na política dos símbolos que não
resolvem mas dissolvem, constituindo a tradição mais fiel da “atitude de zelo aparente”, e de
“desinteresse real”. O aparentemente sólido desaba quando as raízes “ignoradas e rebeldes”
explodem à flor da terra como uma “revanche da realidade traída”. A pátria dos nomes, das
palavras e das idéias recua ante a força nativa da pátria das coisas, dos fatos e das raízes.
Estaria ela, a pesquisadora, também “fora de lugar”, tal como o seu pensamento?
Durmeval Trigueiro parece lhe sugerir que seu modo de pensar educação no Brasil –
que “merece reparos”, que a inquieta e vitima – tem algo a ver com o modo de ser brasileiro,
com o modo de ser da sociedade e da cultura brasileiras. A educadora / pesquisadora do
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Ensino Fundamental descobre, com surpresa, que está diante não só de um filósofo da
educação brasileira, mas de um filósofo da sociedade e da cultura de nosso país. Sente que
fincar o pé nessa realidade, tal como deseja, não lhe será nada fácil, mas quer pensar educação
no Brasil de um outro modo, sem separar as idéias dos fatos, sem se desligar do contexto
brasileiro e sem qualquer “repúdio ao real”.
“As idéias devem ser sempre referidas a um
contexto real... Uma parcela da intelligentsia brasileira faz
das idéias ... um objeto separado, valendo por si mesmo e
podendo desligar-se dos contextos donde brota, sendo que,
algumas vezes, esses contextos não são os nossos.”
(TRIGUEIRO, 2000, p.145)
O meta-pensador da educação e da cultura brasileiras explica tal fenômeno através de
uma categoria teórica que é central em seu pensamento: a “alienação cultural”, por ele
definida como “consciência aderida ao real que não é nosso”. (TRIGUEIRO, 2000, p.146) A
educadora / pesquisadora da Educação Fundamental reconhece que, para fincar o pé no “real
que é nosso” precisaria “desalienar” seu pensamento, estabelecendo uma nova metodologia de
pesquisa que ainda não domina e nem sabe onde encontrar – uma metodologia que se origine
da empiria brasileira e que seja capaz de produzir uma teoria educacional autóctone, referida a
um contexto real que seja nosso, que tenha a ver com as nossas coisas e com as nossas raízes.
Com interesse e curiosidade ela resolve voltar às “Raízes do Brasil”, o clássico de
Sérgio Buarque de Holanda, obra publicada pela primeira vez na década de 30 e verifica, com
espanto, que seu autor ao buscar nossas raízes encontra o desterro: “somos ainda hoje uns
desterrados em nossa terra”. (HOLANDA, 1995, p. 31) Constata uma admirável semelhança
entre o pensamento do filósofo da educação brasileira e do ilustre sociólogo e historiador
nacional. Sustenta este último que
“... os nossos homens de idéias eram, em geral,
puros homens de palavras e livros; não saíam de si
mesmos, de seus sonhos e imaginações. Tudo assim
conspirava para a fabricação de uma realidade artificiosa e
livresca, onde nossa vida verdadeira morria asfixiada.”
(HOLANDA, 1995, p.163)
Isto tinha muito a ver não só com as idéias de Durmeval Trigueiro, mas também com
os 59,9% de brasileiros que não concluíram o Ensino Fundamental, com sua produção
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acadêmica sobre essa escola e com sua responsabilidade de brasileira. Renova-se nela, na
educadora / pesquisadora, a evidência da enorme distância que a separa da “massa brasileira”
e de sua “dura, triste realidade”. Começa a entender melhor a estranha/estrangeira sensação
que freqüentemente experimenta e receia perder a batalha do conhecimento que produz.
Ainda surpresa se recorda do livro de José de Souza Martins intitulado “Reforma
Agrária: o Impossível Diálogo”, obra publicada setenta anos após o “Raízes do Brasil”, cujo
argumento central reside exatamente no grande desencontro histórico, que o sociólogo
observa, entre a vivência social dos pobres da terra e a consciência social dos militantes do
MST e da CPT (Comissão Pastoral da Terra), envolvidos na luta pela terra. Não só nossos
homens de idéias mas também nossos homens de ação, de certa forma e involuntariamente,
contribuíam para que a nossa vida verdadeira morresse asfixiada. O livro de Martins enfatiza
que, de certa forma, a luta pela terra no Brasil perdeu a “urgência da vida” e se transformou
em uma luta artificiosa pelo controle dos significados das palavras que a luta explicam.
“Na mais das vezes, fica-se com a impressão de
que o que menos conta é o destino dos pobres da terra e o
que mais conta é o poder dos combatentes na definição do
que as palavras dessa luta significam.” ( MARTINS, 2000,
p. 40)
Nossa educadora / pesquisadora do Ensino Fundamental começa a desconfiar que
talvez não esteja sozinha no questionamento de seu próprio modo de pensar educação. Com
espanto observa que, não só no campo das idéias mas mesmo no âmbito concreto da ação e da
militância, parece faltar “à nossa engrenagem o dente assentado na polpa da realidade”. Ela
quer pensar diferente, tentar re-escrever o conhecimento, chegar onde seu próprio pensamento
educacional ainda não foi, ultrapassar o obstáculo epistemológico que a separa da “dura e
triste realidade” brasileira e agradece a Durmeval Trigueiro a possibilidade de compreender
melhor a desconfortável sensação que experimenta de produzir “idéias fora de lugar”. Sentese responsável pelos 59,9% de brasileiros que não concluíram o ensino fundamental e quer
contribuir de fato para a melhoria da qualidade deste nível de ensino.
Ela agradece ao filósofo da educação brasileira e se compromete em divulgar seu
pensamento pedagógico, cuja atualidade e pertinência a encantam. Sua obra, praticamente
desconhecida entre nós, merece ser lembrada neste II Congresso Brasileiro de História da
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Educação, que objetiva ampliar o debate e o intercâmbio de reflexões dos pesquisadores da
área, para a consolidação de uma memória da educação no Brasil. Merece ser lembrada
também por todos os educadores / pesquisadores brasileiros que ainda acreditam no
insubstituível papel de nossa Universidade enquanto produtora de um pensamento
educacional autóctone e democrático, representativo da sociedade brasileira como um todo,
pensamento este necessariamente colado ao chão das mazelas e das desgraças da educação
brasileira a fim de poder transformá-lo, aliviando o sofrimento de grande parte de nossa
população.
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Durmeval Trigueiro, o meta-educador da educação brasileira.