ID: 59700263
13-06-2015
Tiragem: 101375
Pág: 18
País: Portugal
Cores: Preto e Branco
Period.: Semanal
Área: 28,20 x 34,85 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
JUSTIÇA
Suspeitas de corrupção no IPO
de Lisboa e no Hospital do Barreiro
MP acusa quatro funcionários e um empresário espanhol de prejudicarem o Estado em negócios de 10 milhões
Rui Gustavo
Foram mais de dez anos de
investigação para o Ministério
Público conseguir recolher indícios suficientes para acusar
quatro especialistas e técnicos
oncológicos do IPO de Lisboa
e do Hospital do Barreiro de
vários crimes de corrupção,
em que também estará envolvido um empresário espanhol,
dono de uma multinacional
fornecedora de máquinas de
radioterapia e radiologia. Em
causa estão negócios de mais
de dez milhões de euros que
serviram para comprar material “de deficiente qualidade
técnica” que num dos casos
custou 4,5 milhões ao IPO de
Lisboa e “nem sequer permitiu realizar a radiocirurgia a
que se destinava”, diz o procurador do DIAP de Lisboa,
Valter Alves.
Segundo a acusação do MP,
a que o Expresso teve acesso, dois físicos médicos, Paulo
Ferreira e Carlos Marcelino,
e um professor universitário,
Nuno Teixeira, trabalhavam
e eram sócios na empresa
Medicalconsult, gerida por
um quarto arguido: Vivaldo
Teixeira. Esta empresa teria
relações comerciais privilegiadas com uma multinacional
espanhola, a Varian, gerida
pelo químico espanhol, Adolfo
Rodriguez.
Pessoas em perigo
O esquema, tal como é relatado na acusação, passava por
beneficiar a empresa espanhola em vários concursos públicos internacionais para aquisição de dispendioso material
oncológico. Num dos três casos referidos pela acusação,
o IPO de Lisboa e a Varian
assinaram um acordo para
fornecimento de equipamento no valor de 4,5 milhões de
euros. Houve atrasos porque
não havia proteção suficiente contra as radiações, facto
que, segundo o MP, terá sido
ocultado aos responsáveis do
IPO. Por causa dos atrasos,
os doentes urgentes foram
desviados para tratamento
em instituições particulares,
o que custou 895 mil euros ao
IPO e ao Serviço Nacional de
Saúde. Só mais de um ano depois da instalação da máquina,
e depois de obras de reforço
da proteção contra a radia-
Uma máquina
adquirida por
€4,5 milhões não
permitiu fazer
radiocirurgias
FOTO RUI DUARTE SILVA
ção, é que o aparelho entrou
finalmente em pleno funcionamento. Mas o MP diz que a
máquina chegou a funcionar
em deficientes condições “o
que poderia colocar em risco
as pessoas que se aproximassem do bunker” onde estava
instalado.
Paulo Ferreira, que está acusado de três crimes de corrupção passiva, é, na versão do
MP, uma peça fundamental
em todo o processo porque
fazia parte dos júris dos concursos internacionais que
decidiam quais as empresas
a quem adquirir o material
oncológico. “Era o único físico presente e a ponderação
das características técnicas na
aceitação da troca de equipamentos foi fortemente influenciada pelo arguido, pessoa
com elevados conhecimentos
teóricos e práticos e por isso
visto como idóneo”. Nos três
negócios denunciados na acusação — o do IPO e mais dois
no Hospital do Barreiro no va-
lor de mais de cinco milhões
de euros — a Varian obtinha
quase sempre nota máxima
nos vários parâmetros de avaliação, ainda que “a diferença
entre os equipamentos não
fosse proporcional à diferença”. Nalguns casos, as ofertas
de rivais como a Siemens eram
mesmo superiores, mas obtinham notas inferiores, graças à influência dos arguidos,
principalmente Paulo Ferreira. O arguido Carlos Marcelino só terá participado num
dos concursos do Hospital do
Barreiro e está acusado de um
crime de corrupção passiva.
Vivaldo e Nuno Teixeira, pai
e filho, estão acusados de três
crimes de corrupção. Adolfo
Rodriguez é o alegado corruptor e terá de responder por
três crimes. A empresa também é arguida no processo.
Corrompidos por quanto?
O MP acusa os funcionários
de corrupção passiva, mas não
especifica exatamente o que
receberam em troca de beneficiarem a empresa espanhola:
“Os arguidos atuaram da forma descrita para auferirem,
o que conseguiram, quantias
que lhes provinham através
da Medical Consult e dos pagamentos que eram diretamente efetuados pela Varian
a esta entidade.” Também receberiam formação gratuita,
mas não é especificado quanto dinheiro receberam para,
alegadamente, se deixarem
corromper.
O Expresso contactou a Medical Consult que, de acordo
com a funcionária que atendeu o telefone, foi vendida há
mais de um ano a uma empresa que não tem nada a ver com
estes factos. Não foi possível
contactar qualquer um dos
arguidos.
O MP justifica a demora
na investigação com a “excecional complexidade” do
processo, tendo em conta “o
contexto técnico e médico, a
necessidade de realização de
exames específicos, de análise
dos resultados da medição dos
débitos de dose de radiação,
análise das características
técnicas dos equipamentos, a
cooperação internacional com
Espanha, a recolha de prova
nos hospitais e na empresa
indicados sobre os concursos
internacionais em causa”. E
por isso “estas circunstâncias
agravaram as dificuldades de
aquisição de provas indiciárias”, explica uma nota publicada no site da Procuradoria
de Lisboa.
Numa das buscas, a PJ
apreendeu uma mensagem
de Paulo Ferreira para Adolfo Carvajal enviada em 2005
depois de uma proposta ter
sido rejeitada pelo IPO de Lisboa: “Permita-me que reúna
algumas considerações que
poderão ajudar a reestruturar
ligeiramente a sua proposta
servindo os interesses do IPO
e da Varian. Partners for life”.
[email protected]
ACUSADOS
PAULO FERREIRA
Físico médico, participou em
vários júris para aquisição de
material no IPO e no Barreiro.
Acusado de três crimes de
corrupção
ADOLFO RODRIGUEZ
Químico espanhol, é acusado
de corromper os técnicos
portugueses
VIVALDO TEIXEIRA
Geria a empresa portuguesa
que receberia dinheiro da
multinacional espanhola
CARLOS MARCELINO
Terá influenciado um júri no
hospital do Barreiro
NUNO TEIXEIRA
Físico médico, está acusado de
três crimes de corrupção
ID: 59700263
13-06-2015
Tiragem: 101375
Pág: 40
País: Portugal
Cores: Preto e Branco
Period.: Semanal
Área: 4,83 x 3,03 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 2
Corrupção no IPO O Mi-
nistério Público demorou dez
anos a conseguir provas para
acusar quatro funcionários de
radiologia e um empresário
de corrupção. Em causa estão
negócios de €10 milhões. P18
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