Parto nos primatas
Por que a espécie humana é a única entre os primatas que
precisa de assistência nos partos?
O surgimento das características que tornam necessário esse
procedimento ocorreu provavelmente há cerca de 4 milhões de anos,
com a aparição dos mais antigos integrantes dos hominídeos e sua
aptidão para andar ereto com mais regularidade.
Como ocorre com a maioria dos primatas, a cabeça do bebê
humano é quase do tamanho do canal por onde o bebê deve passar
do útero para o meio externo: a porcentagem é, em média, de 98%
do espaço disponível. Além disso, essa rota estreita não mantém uma
forma constante no momento do parto: alarga-se e estreita -se,
obrigando o bebê a uma série de movimentos para que as maiores
partes do seu corpo – a cabeça e os ombros – sempre fiquem
alinhadas com o maior espaço disponível.
Para se ter uma ideia da complexidade desse procedimento,
imagine uma mãe prestes a dar à luz. Quando a cabeça do bebê
passa pela vagina, ele está praticamente de cabeça para baixo, com o
rosto voltado para o lado em relação ao corpo materno. No meio do
caminho, porém, ele tem de virar a face na direção das costas da
mãe, e a parte de trás da sua cabeça pressiona os ossos púbicos
maternos, enquanto os ombros ficam paralelos à mesa de parto. Ao
sair, seu rosto continua voltado para as costas da mãe, mas tem de
virar-se levemente para o lado – um movimento que ajuda a virar os
ombros do bebê a fim de que eles possam passar entre os ossos
púbicos e o cóccix.
Alguns números mostram a dificuldade presente nos partos
humanos. A abertura pélvica média nas mulheres é de 13 cm, em seu
maior diâmetro, e 10 cm, no menor. A cabeça do bebê chega em
média a 10 cm (da testa à nuca) e a extensão entre seus ombros
atinge 12 cm. Essas dimensões e o canal pelo qual o novo ser tem de
passar tornam muito perigoso o parto sem assistência.
Nos partos de macacas, não apenas a vagina mantém-se nas
mesmas dimensões ao longo de todo o trajeto percorrido pelo filhote
como, ao nascer, ele está olhando para a frente. Observações
mostraram que essa posição apresenta vantagens consideráveis. As
macacas dão à luz acocoradas sobre as pernas traseiras. Quando o
filhote nasce, a mãe se curva para guiá-lo para fora da vagina, rumo
às suas mamas; em vários casos, ela também limpa o muco da boca
e do nariz do bebê para ajudá-lo a respirar. Por outro lado, os recémnascidos já são suficientemente fortes para colaborar no parto;
quando seus braços ficam desimpedidos, eles podem agarrar o corpo
da mãe para empurrar-se para fora.
Com a restrição do tamanho e da forma da pélvis humana, as
mudanças evolutivas que nos fizeram andar eretos não nos oferecem
essas facilidades. Como o bebê nasce olhando para a direção
contrária à da visão da mãe, ela não pode, tal como as macacas,
guiar o filho quando ele está nascendo. Tampouco pode ajudá-lo a
respirar mais livremente, remover o cordão umbilical ou conduzi -lo
até sua mama.
Acelerar o parto pegando o bebê e guiando-o pela vagina
implica vergar as costas do recém-nascido de forma tão inadequada
em relação à curvatura natural da coluna vertebral que ele poderia
ter lesões nos nervos, nos músculos e na medula.
Todas essas dificuldades não significam que seja impossível um
parto humano sem assistência, e há numerosos relatos nesse
sentido. Mas a rotina observada por antropólogos em várias partes do
mundo revela que o nascimento humano raramente é fácil ou ocorre
sem ajuda. Hoje em dia, todos os povos, até mesmo os mais
primitivos, têm como característica comum o parto assistido.
Exames realizados em fósseis de antepassados do homem,
como Lucy, a fêmea australopiteca cujos restos encontrados na
Etiópia datam de cerca de 3 milhões de anos atrás, mostram que o
formato da pélvis já era diferente do apresentado pelos demais
primatas, mas ainda não correspondia ao atual. Este surgiria também
de forma paralela às transformações observadas na cabeça humana,
com o aumento do cérebro.
Uma teoria moderna propõe que a anatomia pélvica dos
primeiros seres do gênero Homo pode ter limitado o crescimento do
cérebro humano até o momento evolucionário em que a vagina teria
dimensão suficiente para deixar uma cabeça de criança maior passar.
Com isso, cérebros maiores e pélvis mais amplas estariam ligadas a
partir de uma perspectiva evolutiva. Essas mudanças na área pélvica,
associadas ao parto assistido, estariam relacionadas ao grande
aumento no tamanho do cérebro humano ocorrido entre 2 milhões e
100 000 anos atrás.
Traduzido e adaptado por Sônia Lopes e Eduardo Araia com base no
artigo “The evolution of human birth”, escrito por Karen R. Rosenberg
e Wenda R. Trevathan e publicado na revista Scientific American,
Novembro 2001, p. 60-65.
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