Menezes acusado de fugir à Justiça
LUÍS Filipe Menezes forneceu às
autoridades uma morada inexistente,
comprometeu-se a comparecer no
Ministério Público (MP) para prestar
declarações, mas faltou, apresentou
um atestado médico e, depois,
ausentou-se para Paris. Estes factos referidos no processo em que
Menezes é acusado de burla, no
âmbito do caso das «viagensfantasma» dos deputados - levaram o
MP a concluir que se estava
«objectivamente obstaculizando ao
célere andamento» da Justiça.
Recorde-se que o processo acabou por
ser declarado prescrito, há duas
semanas, por um juiz de turno do
Tribunal da Boa-Hora, tendo o MP
Luís Filipe Menezes: o Ministério Público
anunciado a decisão de recorrer.
Morada «não existe»
ainda não desistiu de levar a tribunal o
presidente da Câmara de Gaia
No processo (que o EXPRESSO consultou esta semana, no Tribunal da
Boa-Hora, em Lisboa), constam os relatos dos magistrados e dos
funcionários dos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP) de
Lisboa e do Porto sobre as tentativas feitas para notificar Menezes da
acusação.
A primeira diligência foi feita pelo DIAP de Lisboa, em 27 de Maio
passado. Por telefone, um funcionário contactou Menezes na Câmara de
Vila Nova de Gaia, de que é presidente. O arguido «disponibilizou-se a
comparecer neste DIAP no dia 2/6/99, pelas 10 horas e não antes, em
virtude de amanhã se deslocar a Barcelona e regressar dia 1/6». Porém,
no dia combinado, Menezes mandou um fax, informando que se encontrava
doente - e juntou um atestado médico, dizendo que estava impossibilitado
de se deslocar ao DIAP «presumivelmente por cinco dias». Ao mesmo
tempo, informou que poderia ser encontrado na sua casa («Av. do Brasil,
nº 486, 2º Esquerdo, no Porto»). No dia 4 de Junho, funcionários judiciais
do DIAP do Porto relataram que se deslocaram a essa morada, tendo
constatado que o número 486 «não existe: do 472 passa para 517,
existindo no meio um prédio em construção». A seguir, os funcionários
foram à Câmara de Gaia, que estava encerrada nesse dia.
Perante isto, a magistrada titular do inquérito no DIAP de Lisboa, a
procuradora Lucília Gago, determinou que se tentasse notificar o arguido
numa outra morada. A 8 de Junho, os funcionários judiciais deslocaram-se
a essa nova morada, onde residia o sogro do arguido. Aí, uma pessoa que
recusou identificar-se e abrir a porta informou que Menezes não estava.
No dia 9 de Junho, Amorim Pereira, advogado de Menezes, entregou um
documento informando que este se encontrava em Paris, a conselho do
médico, para realizar exames de «despistagem de doença coronária».
No mesmo dia, a magistrada do MP atribuiu ao processo «natureza
urgente», por risco de prescrição. Referindo que Menezes não adiantou
qualquer data para o seu regresso, nem forneceu a sua verdadeira morada, a
procuradora declara: «O (seu) comportamento, se não revelador de que
se anda intencionalmente a furtar à acção da Justiça, traduz-se
objectivamente num aproveitamento dos efeitos (...) do decurso do
tempo na marcha do processo».
Decisões contraditórias
A magistrada requereu então ao juiz de instrução que fixasse a Menezes
uma medida de coacção «mais gravosa» e que procedesse a «prévio
interrogatório» do arguido. O juiz (não identificado no processo)
indeferiu, por considerar «não resultar dos autos que o arguido ande a
subtrair-se intencionalmente à acção da Justiça».«O próprio arguido
vem declarar que logo que lhe seja conferida alta médica se
apresentará», justificou.
O MP remeteu então o processo para julgamento, no tribunal da Boa-Hora,
onde o mesmo esteve mais de um mês sem ser movimentado. Em meados
de Agosto, um juiz de turno mandou notificar Menezes - o que aconteceu,
em 19 de Agosto.
A defesa de Menezes reclamou, invocando nulidades no processo, que
considerou estar já prescrito. «Decorrendo o inquérito há anos, não se
entende por que só alguns dias antes da dedução da acusação é
(Menezes) procurado para, na qualidade de arguido, ser interrogado» comentou o advogado do presidente da Câmara de Gaia.
No dia 27 de Agosto, outro juiz de turno declarou o caso prescrito:
considerou que o último facto determinante para a prova do crime de burla
é a requisição das viagens à AR - e a última ocorreu em 25 de Julho de
1989, ou seja, há mais de dez anos, que é o prazo limite de prescrição. O
MP vai recorrer, devendo invocar que o último facto determinante é a
utilização dos dinheiros da AR para pagar despesas pessoais de Menezes.
Como a última das despesas constantes nos autos ocorreu em Novembro de
1989, o processo poderá não estar prescrito.
Recorde-se que Menezes é acusado de ter uma conta-corrente numa agência
de viagens, alimentada com as verbas que a AR lhe pagava a título de
despesas de deslocação. As viagens requisitadas não eram feitas e a contacorrente serviu para pagar despesas particulares - entre as quais uma
viagem da sua mulher a Paris, estadas em hotéis em Vilamoura e na
Madeira e ainda entradas no Casino Estoril (nomeadamente, quatro bilhetes
para o espectáculo de Roberto Carlos, em 1988, no valor de 60 contos, e
duas entradas para o espectáculo de Diane Warwick, com jantar, em 1989,
também no valor de 60 contos).
ANA PAULA AZEVEDO
Menezes acusado de fugir à Justiça
Líder do PP vai recusar imunidade
Justiça a conta-gotas
Investigação criminal a várias velocidades
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