GRANDE ENTREVISTA
O crepúsculo
de um deus
Paula Moura Pinheiro - Quando é que se lembra de si a ter consciência da velocidade a que o tempo passa?
Luís Figo - Quando se dá conta de que o tempo passou a correr é
quando se está prestes a terminar um ano de competição ou
prestes a terminar o ciclo de um contrato que se teve com um
clube ou, claro, quando se está prestes a terminar a carreira
desportiva.
PMP - Sim, mas eu pergunto quando é que começou a ter a percepção
Filho único de um casal dos arredores de lisboa, Luís Figo fez-se
de que a ampulheta estava a correr contra si… Quando é que começou
a sentir a pressão de que a sua vida como futebolista estava em con-
um dos dois portugueses mais famosos no mundo. Não sendo
o outro Luís de Camões. Aos 34 anos, Luís Figo conta aqui muito
do que sente sobre a sua extraordinária vida que, como glória
activa nos campos de futebol, está no seu penúltimo tempo.
E na eminência de um grande final…
tra-relógio?
– Bom, quando se tem 13 anos, que foi quando comecei a
jogar no Sporting, não se tem nunca a percepção de que a vida
passa a correr. Aos 13 anos estamos completamente tomados
pelo presente. Com 13 anos eu só queria jogar futebol. Nessa
altura, não me passava pela cabeça que a minha profissão viria a
ser futebolista. Era um sonho que eu não acreditava possível de
ser realizado. Claro que com o tempo, não muito tempo, foi-se
tornando um objectivo e um objectivo cada vez mais forte – de
acordo com os patamares que ia atingindo. Mas não havia, nesse
período inicial, qualquer espaço para a percepção de que, caso
viesse a ser futebolista profissional, teria, forçosamente, uma carreira curta – os atletas têm-na sempre. Creio que foi só aos 17
anos, quando comecei como profissional, que fui confrontado
com essa ideia pela primeira vez. Porque comecei a trabalhar, a
treinar, a lidar com companheiros mais velhos e a aprender com
os seus casos.
LF
PMP – Foi aí que compreendeu que, por exemplo, com 34 anos, que é
hoje a sua idade, é-se quase demasiado velho para futebolista.
– Sim. Compreendi racionalmente, mas não era algo que eu
vivesse como uma percepção aguda, condicionadora. Quando se
tem 17 anos ainda se está completamente no presente, a ideia do
futuro permanece abstracta. Não é como agora, que gostava que
o dia tivesse 48 horas… aos 17 anos não sentia que me faltava
ou haveria de faltar o tempo: era feliz simplesmente a praticar
desporto. Com o tempo, as responsabilidades aumentaram e as
necessidades também – tudo se tornou mais complicado…
LF
e n t re v i s t a d e Pa u l a Mo u r a Pi n h e i ro e m Mi l ã o > f o t o s H a m i s h Brow n
,
,
Luis Figo
PMP - Hoje, a sua relação com a ideia do tempo é
De certa forma é. A consciência aguda de
que não vou poder jogar para sempre, não é
fácil… mas tento preparar-me o melhor possível para quando chegar o momento em que tiver
de fazer outra coisa – não digo retirar-me, digo
fazer outra coisa – não tenha tanta… dor.
LF -
PMP - Há quem diga que no Inter de Milão voltou a
jogar com a intensidade de um garoto. Ao Zidane
parece que está a acontecer a mesma coisa. É uma
mesmo que o que sentia era verdade – que posso
ainda jogar a um alto nível – é da maior importância. Além disso, tendo tido uma carreira positiva quero acabá-la o melhor possível.
Sim, mas o frio eu aguento bem. Aquilo de
que sinto mais falta, mais que do bom clima, é
da luz – da luz do Sul. Milão parece que tem
sempre uma camada que paira sobre a cidade e
que não deixa passar a luz. Barcelona, Madrid,
Lisboa são cidades muito luminosas. Aqui, às
sete da manhã é de noite e às quatro da tarde é
de noite. O espaço de tempo para viver com luz
é pouco – é isto que mais me custa em Milão.
necessitasse e eu tenho-o como um irmão. Falamos bastante ao telefone, mas a verdade é que
nos vemos pouco por termos vidas muito desencontradas. Jogamos nas equipas rivais de uma
cidade que só tem um estádio e, portanto, quando eu jogo em casa, ele joga fora e vice-versa; eu
treino de manhã, ele treina à tarde; eu vivo em
Milão, ele vive em Varese – não temos disponibilidade para estarmos juntos com frequência.
Mas falamos muito ao telefone e cada um de nós
acompanha de perto o que se passa com o outro.
PMP - Tenho a ideia de que os italianos conseguem
PMP - Quem são os seus grandes amigos? São pes-
PMP - É sempre duro quando isso acontece, mas
ser ainda mais radicais que os espanhóis a viver a
soas que traz da sua juventude portuguesa ou são
quando se tem já pouco tempo de vida profissional
paixão pelo futebol. É assim?
estrelas do futebol mundial como o Luís?
deve ser desesperante.
Não. A forma de viver o futebol, a paixão
pelo futebol, é igual em toda a parte. Pelo menos
entre latinos. Nesse aspecto, não vejo diferença
entre espanhóis e italianos.
LF -
PMP - Dá-se ainda o caso de praticamente não ter
podido jogar nos seus últimos tempos de Madrid…
Sim, de não ter podido jogar como desejava
e como sabia que poderia jogar. Nos últimos
três, quatro meses de Real Madrid aconteceu-me
o que pode acontecer a qualquer profissional: a
escolha do treinador não recaiu sobre mim.
LF -
espécie de canto do cisne?
Não sei. Acho que nunca me limitei em termos de esforço, sempre tentei dar o meu máximo
em todas as situações – estivesse ou não em
campeonatos do mundo. Não sei limitar o meu
esforço. Vir esta temporada para o Inter de Milão
foi um desafio muito bom: eu sentia que tinha
condições para jogar ainda a um alto nível e tinha
de o demonstrar a mim mesmo. Uma coisa é o
que os outros dizem – e pode ser importante,
dependendo de quem são os outros – outra coisa
é o que eu sei sobre mim. Demonstrar-me a mim
LF -
22
< ESPIRAL DO TEMPO
LF - Foi muito frustrante, sim. A verdade é que po-
dia ter continuado em Madrid se quisesse ter uma
vida tranquila – tinha um bom contrato, podia
deixar-me estar sossegado. Mas não sou assim.
Quero acabar a minha carreira com a máxima
dignidade possível: jogando, como tenho feito
estes anos todos. Por isso optei pelo Inter, onde,
de facto, posso jogar como tenho jogado.
PMP - E Milão? Depois de Lisboa, Barcelona, Madrid um pouco frio, não?
LF -
LF -
PMP - O Rui Costa já cá estava quando chegou a
Milão. São da mesma geração de ouro do futebol
português. Ele ajudou-o a adaptar-se à cidade?
LF -
O Rui pôs-se à disposição para o que eu
Com o meu nível de vida profissional e
económico é sempre difícil fazer amizades com
gente com uma vida diferente. Nós, futebolistas,
tendemos a ser casos atípicos: a constituir família
muito cedo, por exemplo, como aconteceu comigo. Logo por aí é difícil encontrar pessoas fora
do futebol que, tendo a minha idade, estejam na
mesma situação familiar que eu, que fui pai aos
25 anos. O meu ritmo de vida, as minhas respon-
sabilidades são muito diferentes das da maioria
dos homens da minha geração. O nível económico, é escusado negá-lo, é um factor que tem também influência – é difícil manter relações estreitas com pessoas que não vivem como eu e a
minha família. A maioria dos meus amigos são
pessoas do meu meio profissional.
Diversos momentos na vida de um craque: dentro e fora do
relvado, ao serviço da selecção nacional ou do clube.
1
angustiada?
Luis Figo
PMP - E os egos das estrelas não tendem a entrar em
colisão?
Isso acontece em todas as actividades. Há
sempre egos desproporcionados, rivalidades, mas
é perfeitamente possível, também, ter bons amigos entre pares.
LF -
PMP - O Ronaldo e o Zidane, por exemplo?
Sim, por exemplo. São ambos pessoas com
um enorme prestígio, o que não impede uma
boa amizade entre nós todos. Profissionalmente
tento sempre relacionar-me bem com todos os
meus colegas, depois há factores que fazem com
que se levem, ou não, os colegas para a nossa
vida pessoal. Factores como o relacionamento
entre as nossas famílias, se têm crianças ou não,
LF -
ESPIRAL DO TEMPO > 23
,
Luis Figo
É difícil encontrar pessoas fora do futebol que, tendo a minha
idade, estejam na mesma situação familiar que eu, que fui pai
aos 25 anos. O meu ritmo de vida e as minhas responsabilidades
são muito diferentes das da maioria dos homens da minha geração.
por exemplo. Isso aconteceu-me em todo o lado
– é mais fácil ligarmo-nos a quem tem o mesmo
ritmo de vida que nós.
PMP - Custa mudar de cidade? Os amigos, as escolas
para as crianças…
LF - É muito mais complicado para a minha mu-
lher e para as minhas filhas que para mim, que
vivo dentro do campo e que, onde quer que esteja, mantenho o mesmo tipo de vida. Aquilo de
que senti mais receio nesta opção pelo Inter de
Milão foi da instabilidade que isso causaria à
minha família, porque elas estão aqui por mim,
não estão por mais nenhuma razão. E a instabilidade emocional, social pode causar problemas
dentro de casa. E, de facto, passámos momentos
difíceis quando chegámos aqui, mas conseguimos ultrapassá-los.
negociações complicado, que envolveu várias
pessoas, e eu não quis defraudá-las – senti-me
obrigado a honrar os compromisos que tinha
assumido, quis ser correcto. Felizmente, o meu
balanço da ida para o Real Madrid é positivo,
mas podia não ter sido: passei um ano difícílimo
e acabei por apostar a minha vida profissional e
pessoal nas mãos de pessoas que, com o passar
do tempo, revelaram não ser merecedoras da
confiança que eu depositara nelas. É assim a vida.
Mas eu tento manter-me correcto, tanto dentro
como fora do campo.
PMP - O que é que mudou em si com essa experiência? Sofreu, inclusive, ameaças de morte…
LF - Fez-me mais forte. Cada vez que ia, que vou
jogar a Barcelona eu sei que por detrás de todo
aquele sentimento existe…
Barcelona, há sempre um tonto que implica
connosco.
PMP - Pode compreender-se a imunidade que é
necessário desenvolver em relação a certas coisas
para poder sobreviver. Mas há outras situações que
podiam ser evitadas. Por exemplo, por que razão fez
questão de marcar todos os cantos assim que foi para
o Real Madrid?
LF - Não sei. Esse foi um ano muito difícil. Tinha
os olhos todos postos em mim, sentia a imensa
pressão de ter de demonstrar, de ter de ganhar.
Acontece que vivo bem sob pressão, porque, de
certa forma, mantém-me alerta, mantém-me
desperto. Claro que é desgastante, mas mantém-me ainda mais concentrado, ainda mais disciplinado – o que me faz abstrair do que está a
acontecer fora do campo. A jogar nessas condições, por mais próximo que esteja alguém a
insultar-me, nem ouço.
PMP - O divórcio profissional mais duro que já teve
PMP - … desculpe, mas quando fala de ‘sentimento’
não foi de Madrid, foi de Barcelona. O que é que uma
está a ser muito suave. O que há são manifestações
experiência tão violenta como a que viveu nesse pro-
de raiva, para não dizer de ódio…
PMP - No texto de apresentação que escreve no livro
cesso – passar de deus a demónio, de um momento
LF -
… mas eu compreendo isso. Claro que se
sou estimado num sítio e me passo para o seu
rival – ainda mais com uma campanha mediática contra mim, como a que existiu – a reacção
dos adeptos só pode ser a que foi. Não levo a
mal. Enquanto forem só insultos, não levo a
mal. O futebol é assim. Agora se me acontece
alguma coisa, a conversa é outra…
que saiu sobre si em 2005, diz uma coisa curiosa: diz
para o outro – mudou em si?
Muito poucas pessoas sabem o verdadeiro
motivo porque mudei do Barça para o Real
Madrid. Em Barcelona eu tinha tudo o que se
pode desejar em termos pessoais e profissionais.
É verdade que o contrato que me ofereceram em
Madrid era melhor, não vou negar isso, não vou
negar que foi financeiramente vantajoso mudar
para Madrid. Mas isso não teria sido suficiente
para me fazer sair de Barcelona, que era uma
cidade que eu adorava e que, com o tempo, me
haveria de dar o que Madrid me estava a oferecer. O facto é que aquilo foi um processo de
LF -
PMP - Visivelmente, considera que os insultos não
entram na categoria das coisas más que podem
acontecer-lhe.
LF - Tenho de considerar, senão dava em maluco.
Em qualquer jogo, mesmo que não seja em
que conheceu atletas melhores, mas que aquilo que
o distingue a si, Luís, é a sua determinação. Determinação que, segundo escreve, deve ao Sporting.
Eu nasci e cresci como jogador com o lema
do Sporting, lema que nunca me abandonou ao
longo da minha carreira: Esforço, Dedicação,
Devoção e Glória. Isto acompanha-me desde
pequeno, porque foi desde pequeno que tive de
fazer um esforço para ir treinar. Eu morava na
margem Sul do Tejo e vinha todos os dias para o
Estádio de Alvalade. Com doze anos, a seguir à
escola, apanhava o autocarro do sítio onde vivia,
para lá de Almada, depois o barco, depois o
LF -
ESPIRAL DO TEMPO > 25
,
Luis Figo
metro – tudo para chegar ao treino. Todos os
dias, fizesse chuva ou Sol, fazia isto, primeiro
com amigos, depois sozinho. E não podia
chumbar na escola porque senão os meus pais
não me deixavam continuar no futebol. Isto é
esforço e dedicação.
PMP - Sem querer diminuir a importância do Sporting
na sua formação, se calhar essa capacidade de
esforço e de dedicação trazia-a já de casa e o mérito
do Sporting foi ter reconhecido em si essas qualidades. O que fizeram de especial os seus pais por si?
Agradecerei para sempre aos meus pais a
forma como me educaram para a responsabilidade. Desde muito cedo transferiram para mim
a responsabilidade de não os desapontar na confiança que depositavam em mim.
LF -
profissional. Não compreendia como era possível
que se opinasse com tanta ignorância sobre o
nosso trabalho. Falar no café da esquina está certo,
todos devem poder fazê-lo. Mas ter um espaço de
influência na opinião pública sobre profissionais,
quando o próprio crítico não é, ele mesmo, um
profissional desta área, isso é que já tenho mais
dificuldade em entender. Seria o mesmo que eu,
que sou futebolista e nunca me dediquei a estudar
outro assunto, tivesse uma coluna de opinião
sobre arquitectura. Mas até isso, com o tempo, já
não me incomoda. Olhe, preciso de dormir. Não
dormir o suficiente é algo que me fragiliza.
PMP - Os valores pagos a estrelas de futebol como o
Luís Figo são muitas vezes objecto de críticas, mas
nem sempre se diz que os clubes, bem geridos,
podem ir buscar isso e muito mais convosco.
Chama-lhes um figo
A colecção de instrumentos do tempo de Luís
Figo é deliciosa e revela um maduro conhecimento da relojoaria. O primeiro a ser destacado tem de ser o TAG Heuer ‘Luís Figo’, um
modelo de edição limitada personalizado e
assinado pelo astro português que coloca em
PMP - Sendo filho único, imagino que todas as expectativas dos seus pais estavam centradas em si.
LF - Sim. Mas não era tanto no sentido de quere-
rem que eu fosse o melhor. Eles não ligavam
muito ao facto de eu estar a fazer futebol, por
exemplo. O que eu sentia era que não devia, não
podia defraudá-los. Não podia fazer porcaria…
destaque no mostrador o número 7; para
além desse relógio que lhe é dedicado (numa
PMP - O seu pai era do Sporting?
feliz adaptação especial da série 6000), Figo
Não, o meu pai era do Benfica. Mas naquela altura dizia-se que o Benfica só aceitava gente
grande e eu era pequenino – como é que ia lá?…
Foi por isso e por ter amigos que jogavam nas
camadas jovens do Sporting que fui treinar para
o Sporting.
tem ainda dois históricos modelos da linha
Classics da TAG Heuer: o Carrera e o Monaco.
Mas a sua grande paixão são as criações da
autoria de Franck Muller: o próprio jogador
conhece o genial mestre genebrino e já visitou
a sede da marca em Watchland, nos arredores
LF -
Não vou queixar-me, porque faço aquilo de
que gosto e sou muito bem pago para isso.
Também acrescento que só ganho aquilo que me
querem pagar – se há quem acha que é demais,
que fale com quem nos paga e averigue se nós,
futebolistas, não geramos também muito dinheiro. A vida de um futebolista profissional é puxada. Para mim, pessoalmente, são cerca de 60 jogos
por ano e, muitas vezes, jogados em condições
difíceis: depois de longas viagens, noutros fusos
horários, noutros climas, sob imensa pressão. Não
me queixo, mas não são tudo rosas.
LF -
PMP - Esta sua participação no Mundial é tudo aquilo com que sempre disse ter sonhado. Acontecer
nesta fase da sua carreira é particularmente emocio-
de Genebra; tem um Long Island em ouro
branco e fundo preto de uma série limitada
PMP - O Sporting foi circunstancial.
encomendada pelo ex-presidente merengue
LF -
Calhou, sim.
Florentino Perez para comemorar a vitória na
final da Liga dos Campeões em Glasgow
PMP - Uma das coisas extraordinárias consigo é que,
(2002), um Long Island em ouro branco com
ao longo de vinte anos de futebol, nunca se lesionou.
diamantes que lhe foi oferecido por um sheik
É uma espécie de Aquiles. Qual é o seu calcanhar? O
do Dubai e ainda um Transamerica. Entre ou-
que é que o vulnerabiliza?
tras preciosidades, possui igualmente um IWC
LF -
O que me deita abaixo é perder (risos)…
Português Calendário Perpétuo em ouro bran-
nante. Tem o carácter de ‘agora ou nunca’.
Sim, mas não se pense que estou mais nervoso do que estaria se estivesse noutro campeonato qualquer. Não estou. Não vejo as competições dessa forma: agora ou nunca.
LF -
PMP - Bom, mesmo que prolongue a sua carreira por
mais uns anos é evidente que esta é a sua última
oportunidade num Mundial.
co e um espampanante Jacob & Co. cravejado
PMP - E os críticos nos media?
LF - Não vejo isto como uma coisa de vida ou de
de diamantes com mostrador dividido em cin-
LF - Nos meus primeiros anos de carreira irritava-
morte, ou como uma última oportunidade,
como diziam de mim no Europeu. Tento desfrutar o momento. Sei que é único poder jogar
co fusos horários.
MIGUEL SEABRA
26
< ESPIRAL DO TEMPO
-me com o desplante das críticas de pessoas que
não fazem a mínima ideia do que é o futebol
,
Luis Figo
Ela fez sacrifícios por mim de que eu não me esqueço nunca.
Prescindiu de ter uma carreira própria para me acompanhar
na minha carreira e educar as nossas filhas – não há nada
que possa expressar a gratidão que lhe tenho por isso.
num Europeu ou num Mundial, mas não transcendo essa abordagem do facto. Sempre fui muito contido nos sentimentos relativamente a estas
situações.
PMP - É uma boa estratégia emocional para conter a
jogar à bola com o meu rapaz, mas agora sinto-me tão preenchido com as minhas três filhas
que nem penso mais nisso. Não me faz falta nenhuma um rapaz. Estou encantado com elas.
E damos na mesma uns toques de futebol lá
em casa.
ansiedade. Mas não sentir a pressão da expectativa dos
PMP - Tem a noção de que é um homem com muita
sorte?
Sim. Mas também tenho consciência de que
trabalho muito para a sorte que tenho. Ainda que
seja verdade que, nas encruzilhadas da vida, escolhi sempre o caminho certo. E isso, sim, agradeço à sorte.
LF -
três mil milhões de espectadores que terá no Mundial de
PMP - Teve o mérito de ter sabido construir uma
Futebol é quase do foro do sobre-humano.
família que parece ser o seu castelo. Muito provavel-
PMP - Foi por querer devolver a outros alguma da
LF - Tento
mente, a sua casa é a sua família.
sorte que teve que criou a sua fundação?
É verdade. Desde que eu esteja bem com a
minha família, com a minha casa, estou bem em
qualquer parte do mundo.
LF - Para ser sincero, criei-a porque fui aconselha-
sentir o prazer. Gozar o facto de estar
aqui, a participar nisto. Mas não posso nem vou
estar a pensar nesses três mil milhões de pessoas.
Quero apenas concentrar-me para fazer as coisas
bem feitas, muito bem feitas. Quero ganhar.
LF -
PMP - E a sua mulher parece ser mais que a sua raiPMP - Nós, os portugueses, queremos que ganhe.
nha. Parece ter tido uma influência importante na
LF - (risos) Pois, imagino. Vou dar o meu melhor,
construção da imagem da ‘marca’ Figo. Era mane-
é só o que posso prometer.
quim, trabalhava com a imagem.
LF - Antes de mais, ela fez sacrifícios por mim de
PMP - E se lhe correr muito bem o Mundial pode
ainda fazer novos contratos como futebolista de
primeira linha.
LF -
Já não estou a pensar nisso.
PMP - Quer jogar mais quanto tempo?
Terminava este contrato com o Inter de
Milão e, em princípio, acabava.
LF -
que eu não me esqueço nunca. Prescindiu de ter
uma carreira própria para me acompanhar na
minha carreira e educar as nossas filhas – não
há nada que possa expressar a gratidão que lhe
tenho por isso. Ela é importante em todas as
frentes na minha vida. E, claro, ter uma família
bonita ajuda a ter uma boa imagem.
do a fazê-lo pelos meus gestores de carreira. Sendo uma instituição sem fins lucrativos, podia ter
vantagens fiscais. Mas como continua sem lhe ser
atribuído o estatuto de utilidade pública, nem
esse benefício colho. Estou à espera há três anos,
é um dos problemas do nosso país: mesmo quando se quer fazer uma coisa boa como esta, os
entraves são tantos, é tão cansativo, que a tendência é deixar cair. Mas a fundação vai continuar.
Começou, vai continuar.
PMP - Imagina-se como o rosto de uma candidatura
portuguesa ao Mundial de 2018?
LF - Não sei. Estarei sempre associado ao futebol,
isso é certo.
PMP - Eu falava da sua imagem pessoal, da imagem
PMP - Imagine este cenário: o Luís é o rosto da candi-
PMP - E se lhe oferecessem um contrato milionário
de moda que construiu com a ajuda da sua mulher –
datura portuguesa ao Mundial e o José Mourinho é o
para a Arábia Saudita? Aceitava?
ou seja, de como ela terá arranjado lenha para se
seleccionador nacional. Seria uma candidatura com
Isso dependeria da minha mulher. Deixava-lhe a ela a decisão. Ela e as minhas filhas já fizeram tantos sacrifícios por mim que eu não as
faria passar por mais uma mudança contra a sua
vontade. Para dizer a verdade, gostaria de ir um
ano para os Estados Unidos da América – para
acabar a minha carreira na Liga Americana de
Futebol. Gostava disso. Ficava um ano fora, as
pessoas esqueciam-me e depois voltava e poderia
fazer aquilo que quero fazer a seguir…
queimar… Parece que o Luís tem hoje mais fãs mu-
grandes hipóteses, não acha?
lheres que homens.
LF -
(risos) Bom, ela também tem muitos fãs…
Por aí, somos muito equivalentes.
(risos) Depende de como estivermos os dois
em 2018… Mas sendo em prol do nosso país
estou sempre disponível.
PMP - Quanto tempo gasta em autopromoção?
PMP - Dar-se-iam bem, o Luís e o José Mourinho?
LF -
Há sempre uma ou duas coisas por mês que
convém aceitar fazer. Já aprendi a seleccionar
apenas o que me interessa.
Acho que sim. Trabalhei com o Zé em Barcelona, quando ele ainda era segundo treinador, e
tenho um bom relacionamento com ele.
PMP - Agora, por exemplo, vai ser capa da Marie
PMP - Observando de longe, há mais coisas em co-
Claire espanhola. Já conhece os truques todos? Sabe
mum entre vós do que o facto de serem ambos gran-
qual é o seu melhor ângulo nas fotografias?
des vencedores: são os dois filhos únicos, da margem
O truque é o mesmo para tudo na vida: só
aceitar trabalhar com bons profissionais. O que
me ensinou a experiência é que os bons fotógrafos fazem milagres…(risos)
Sul do Tejo, de carácter contido e muito ligados à fa-
LF -
PMP - Que é…
LF -
(risos) Isso agora…
LF PMP - Muito bem, não quer falar nisso. Falemos da
sua família nuclear. Gostava de ter um filho rapaz?
LF -
Antes de ter filhos sempre me imaginei a
LF -
LF -
mília. E, claro, ninguém ganha tanto sem querer
muito ganhar. Isso também terão em comum.
LF -
Claro, esse é o espírito. ET
ESPIRAL DO TEMPO > 29
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