Medicina e marketing
José Geraldo de Freitas Drumond
Utilizar a ciência como instrumento de marketing para obter lucros fabulosos.
Elaborar sofisticados projetos destinados à publicação em revistas de elevada
reputação científica com a finalidade de adquirir a necessária credibilidade
científica junto à classe médica, incutindo confiança nos médicos e, via de
consequência, aumentando as vendas de seus produtos.
Publicar artigos assinados por reputados profissionais, com base em
documentos elaborados por autores "fantasmas" contratados para essa
finalidade, cujos dados são de propriedade exclusiva da empresa e acesso
restrito aos pesquisadores, que são utilizados em informações, cuja finalidade
é apoiar, direta ou indiretamente, a venda de seus produtos.
Quando se fizer necessário, os estudos com resultados negativos (buried trials)
poderão ser ocultados ou comunicados somente os resultados de interesse
para a companhia (cherry picking), além da manipulação de dados (supressão
seletiva de dados ou modificações "a posteriori" nas definições ou critérios de
análise), para apoiar as conclusões favoráveis. São estas as conclusões de uma
pesquisa realizada pelos professores G. I. Spielmans, do Departamento de
Psicologia da Metropolitan State University (Estados Unidos da América) e P. I.
Parry, do Departamento de Psiquiatria da Flinders University, Adelaide,
Austrália, publicada no Journal of Bioethical Inquiry (From Evidence-based
Medicine to Marketing-based Medicine: Evidence from Internal Industry
Documents. 2010;7:1(13-29)).
Trata-se de mais um capítulo sobre a influência da indústria farmacêutica em
desfavor de uma prática médica ética, com prejuízos para o paciente e toda a
sociedade, atingindo duramente os sistemas de saúde.
Foram analisados numerosos documentos internos da indústria farmacêutica e
se comprovou que o sistema no qual se fundamenta a ciência médica pode ser
frequentemente distorcido por hábeis estratégias de marketing das
companhias farmacêuticas na direção frenética de lucro, mesmo que isso possa
redundar na perda de credibilidade para a literatura médica.
Ao desejarem oferecer os tratamentos apropriados baseados nas melhores
provas disponíveis (o que se conhece como "medicina baseada em evidência"),
os médicos podem estar sendo influenciados em suas decisões por inteligentes
estratagemas que distorcem os resultados e sua percepção acerca da eficácia e
Publicado em www.medicinaeciencia.med.br, por Eduardo Ribeiro Mundim, em 26/04/2010
Publicado originalmente à página 2 do primeiro caderno do jornal Hoje em Dia, em 26/04/10, disponível em
http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/colunas-artigos-e-blogs/jose-geraldo-de-freitas-drumond-1.340
Reprodução nesta página autorizada pelo autor.
segurança dos medicamentos.
Os autores identificaram fatores que influenciam o conhecimento disponível e a
prática da medicina, como a supressão ou maquiagem de dados negativos, a
utilização de autores 'fantasmas', a invenção de patologias, a segmentação do
mercado de acordo com o perfil dos médicos, que determinam o fracasso das
agências reguladoras e a perda de credibilidade das revistas biomédicas.
A estratégia da segmentação de mercado é definida pelo perfil pessoal dos
médicos, investindo o seu foco de marketing naqueles perfis mais facilmente
influenciáveis. Foram identificados dois perfis bem diferenciados e de especial
interesse para as farmacêuticas:
1) Os médicos "high flyers", sempre dispostos a provar a novidade ('o novo
é sempre melhor') para serem conhecidos como os mais "atualizados"
com a profissão; e 2) os médicos "rule bounds", que se apegam às
regras e precisam ser convencidos de que aquilo que lhes é oferecido
'está bem estabelecido' e é o que 'todos fazem'.
2) Nenhuma dúvida sobre a importância da indústria farmacêutica para a
melhoria da saúde através de tratamentos efetivos na cura e prevenção
das doenças. No entanto, faz-se necessário limitar a sua influência na
interpretação e difusão dos resultados dos estudos científicos, de modo a
proteger a ciência médica, o exercício profissional ético e responsável, o
paciente e a sociedade.
Publicado em www.medicinaeciencia.med.br, por Eduardo Ribeiro Mundim, em 26/04/2010
Publicado originalmente à página 2 do primeiro caderno do jornal Hoje em Dia, em 26/04/10, disponível em
http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/colunas-artigos-e-blogs/jose-geraldo-de-freitas-drumond-1.340
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