A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A POLÍTICA DE ESCALAS NAS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013: O CASO DO MPL-RJ GUILHERME FELIX MACHADO FILHO1 Resumo Este trabalho tem como objetivo analisar a políticas de escalas do Movimento Passe Livre no contexto das manifestações de junho de 2013, dando ênfase a sua atuação no Rio de Janeiro. Tal objetivo se insere de acordo com a estratégia de manifestação política multiescalar e em rede adotada pelo coletivo em destaque. Partindo da importância da questão da escala para o campo da geografia política e na constituição dos processos sociais, econômicos e políticos, o estudo da política de escalas, tendo como base os estudos de Kevin Cox, se torna, portanto, fundamental à análise das estratégias espaciais e escalares destes atores políticos presentes nas manifestações de junho de 2013. Nesse contexto, surge uma nova forma de movimento e expressão política emergente a partir do século XXI, e visualizada nas manifestações de junho de 2013 no Brasil, criando, dessa foram, um novo paradigma no âmbito dos movimentos sociais, protestos e manifestações populares. Palavras-chave: políticas de escala; Movimento Passe Livre; manifestações; junho de 2013 1 - Introdução Este trabalho tem como objetivo analisar a políticas de escalas do Movimento Passe Livre no contexto das manifestações de junho de 2013, dando ênfase a sua atuação no Rio de Janeiro. Tal objetivo se insere de acordo com a estratégia de manifestação política multiescalar e em rede adotada pelo coletivo em destaque. Sua articulação política se baseou em uma coordenação entre as representações locais em diversas grandes cidades brasileiras, que apresentaram não só a defesa por um tema comum (transporte coletivo), mas também questões específicas de 1 Mestrando do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] 7226 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO cada localidade. Nas próprias diretrizes de organização e constituição do MPL, a escala aparece como um fator fundante deste movimento. De acordo com elas, defende-se o pacto federativo entre as diversas unidades locais, preservando-se, contudo, a autonomia local de organização. Nesse sentido, a política de escalas inscrita na base desse movimento reproduz a dinâmica compreendida naquilo que Cox (1998) entende por ―espaços de engajamento‖: os interesses locais podem mobilizar diferentes redes de associação, níveis de escala que interagem entre si. Além disso, a política de escalas está relacionada à produção de configurações geográficas particulares, cujo cerne esta pautado numa articulação política entre diversas escalas diferentes (Delaney e Leitner, 1997; Cox, 1998). Partindo da importância da questão da escala para o campo da geografia política (Cox, 1998) e na constituição dos processos sociais, econômicos e políticos (Delaney e Leitner, 1997), o estudo da política de escalas do MPL nas manifestações de junho de 2013 se torna, portanto, fundamental à análise das estratégias espaciais e escalares destes atores políticos no que foi um dos maiores fenômenos políticos dos últimos anos no Brasil. Como advogam Ricci (2014) e Nogueira (2013), surge-se neste contexto político um novo modelo de ação política, indo além para este último, ao constituir novas modalidades de engajamento e um novo tipo de ativismo e ativista. Nesse sentido, as discussões empreendidas ao longo do texto enveredam em duas direções. A primeira constitui um ponto de vista mais teórico, sendo discutido o conceito de política de escalas na geografia e suas diferentes conceopções. A segunda, do ponto de vista analítico, se atribui das discussões conceituais anteriores para analisar as manifestações populares de junho de 2013 no Brasil, tomando como referência o Movimento Passe Livre. Tais manifestações são tomadas como claros exemplos da prática da política de escalas como forma de organização política e que marcaram um dos acontecimentos dos últimos anos no país. 2 - A dimensão política da escala: o caso da política de escalas Ao longo das diferentes perspectivas de escala geográfica, a política foi um tema amplamente apropriado nas discussões em torno das práticas e dos 7227 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO arranjos espaciais presentes em e através de diferentes escalas (DELANEY e LEITNER, 1997; MOORE, 2008; GRANDI, 2015). A complexidade e a multiescalaridade do fenômeno político são, portanto, um tipo de fenômeno exemplar para a aplicabilidade da noção de escala (CASTRO 2015:9), no qual de fato, tanto a organização das escalas geográficas, quanto seu funcionamento são reconhecidos como frutos de processos sociais intensos e conflituosos, permeados por relações de poder e, por isso, fundamentalmente políticos. (GRANDI, 2015: 124). Dessa forma, Grandi (2015), ao proceder revisão bibliográfica sobre o tema das escalas - sobretudo quanto à literatura anglófona - identifica que na década de 1980 houve um processo de ―abertura" conceitual da escala geográfica. Esta abertura incidiu ao debate não só a noção de construção social da escala mas a sua dimensão política. De acordo com ele, é a partir da influência da geografia crítica que o problema das escalas ganha destaque, sendo ―(…) responsável por explicitar a dimensão política que jaz nos processos responsáveis por dividir e organizar as unidades espaciais.‖ (GRANDI, 2015: 89). No centro destes debates repousa a discussão acerca do conceito de ―política de escalas‖, sobretudo na literatura anglo-saxã, cunhado inicialmente em 1990 pelo geógrafo escocês Neil Smith (SOUZA, 2013; GRANDI, 2015). Em sentido geral, a noção de política de escalas pode ser entendida como a articulação de ações e agentes entre diferentes escalas, através de alianças, negociação e contestação, prezando pela eficácia de seus objetivos políticos. (BRENNER, 2001, HEROD e WRIGHT, 2002 apud GRANDI, 2015; SOUZA, 2013). Contudo, como destaca Grandi (2015), tal conceito foi em diferentes autores alvo de contestações quanto ao significado empregado e o uso correto para o fenômeno do qual o termo responde. Para Neil Brenner, destaca o autor, existiriam pelo menos dois diferentes sentidos de escala. O primeiro trataria a política de escalas sob sentido singular (que para Grandi seria melhor traduzida em política de constituição de uma escala), isto é, relativo à processos sociais responsáveis pela constituição de uma forma ou unidade geográfica particular, como, por exemplo, a política da casa, da região, portanto diferenciada das demais em termos de organização sócio-espacial, atividades, conflitos, lutas, discursos e/ou imaginação. O outro sentido atribuído diz respeito à políticas de escalas em sentido plural (que para 7228 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO o autor seria melhor traduzido em política da relação entre escala), isto é, referente aos processos sociais que constroem as diferenciações, ordenamentos e hierarquias particulares entre distintas escalas geográfica. O foco desta perspectiva estaria associada ao processo de ―escalamento‖, que corresponde à diversas transformações escalares em relação uma às outras. Já em Andrew Herod e Melissa Wright, coloca-se em questão não só o caráter polissêmico da política de escalas, mas também sua possível imprecisão conceitual, uma vez que muitas pesquisas empreendidas nesse sentido estariam deslocando os focos de suas análises dos processos sócio-espaciais para as escalas geográficas. Essa mudança de foco resultaria num processo de reificação das escalas geográficas, em detrimento da atenção às práticas responsáveis por sua criação. Enquanto isso, Grandi identifica em Danny MacKinnon a crítica mais contundente ao uso atribuído pela expressão. Para MacKinnon, a ideia de ―política de escalas‖ poderia ser substituída pela expressão ―políticas escalares‖. As duas expressões guardariam distintas tendência na abordagem fundamental da relação entre as escalas geográficas e o caráter político das práticas sócio-espaciais. Dessa forma, uma delas percebe as escalas geográficas como arenas fundamentais à eficácia da prática política, em geral identificada com o tema da política de escalas. Outra, no entanto, entende essa relação sem considerar as escalas como o objetivo das práticas políticas em si. Ao invés disso, considera tais práticas como aquelas ações que adquirem uma dimensão escalar. Nessa perspectiva, portanto, é a ação que se adjetiva escalarmente. (GRANDI, 2015: 128) Apesar de reconhecer a validade da substituição da expressão ―políticas de escalas‖, e que o seu uso muitas vezes pode gerar algumas confusões, Grandi (2015) argumenta que a ideia de políticas de escalas ainda assim não perde a sua importância. Destacando-se dentre os autores que trabalharam com o conceito, Kevin Cox foi aquele apresentou uma abordagem não só diferente, mas, sobretudo, inovadora ao pensar a políticas de escalas. De forma seminal, Cox apresentou a 7229 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO noção deste conceito pautada em uma ―crucial distinção‖ naquilo que entende por espaços de dependência e espaços de engajamento. (COX, 1998). O primeiro é entendido como aqueles espaços no qual os indivíduos estão arraigados, onde dependem de condições específicas relacionadas ao cotidiano, ao seu bem-estar material e seus interesses sociais. No intuito de assegurar as condições necessárias para a permanência de seus espaços de dependência, tais atores empreendem engajamentos com outros centros de poder social. A esse espaço Kevin Cox denomina de espaço de engajamento, espaços onde se desdobram processos que "(...) ajudam na garantia da manutenção e segurança dos espaços de dependência, constituindo redes associativas que asseguram condições para a existência desses últimos.‖ (GRANDI, 2015: 283). Estes espaços de engajamento, por sua vez, são constituídos através das redes de associação estabelecida por estes atores, redes estas que se estendem dentro e para além dos espaços de dependência, no intuito de constituir redes políticas em diferentes escalas. Nesse sentido, a concepção do conceito de ―espaços de engajamento‖ contrapõe o tradicional conceito de ―pulo de escalas‖2 (definido por Neil Smith) e o seu sentido hierarquizado e reificado, cuja "(...) conotação está ligada à arenas e espaços restritos que definem um conjunto de recintos, cada um com sua própria política" (COX, 1998: 2)3 [tradução livre]. Assim, ao considerar que os espaços de dependência operam em múltiplas escalas, isso significa que o ―pulo de escalas‖ não remete necessariamente ao pulos de uma escala pequena para uma imediatamente maior. (COX, 1998: 17). Nesse sentido, tais conceitos elaborados pelo autor constituem ferramentas úteis para a reflexão sobre a dimensão escalar das dinâmicas cotidianas. Tais ideias permitem observar a prática sócio-espacial como vinculada a diferentes espaços sem que, no entanto, seja necessário deixar de lado nem, por um lado, as necessidades práticas do estabelecimento de prioridades para as ações nem, por outro, a importância da face contínua da espacialidade nessas ações. Nesse sentido, por buscar ressaltar o papel dos agentes — e, no caso desta pesquisa, de um movimento social urbano específico — na definição dos processos sociais nos quais são protagonistas e dos quais 2 O termo original se denomina ―jumping scales‖ 3 ―(…) connotations of ‗arena‘, of closed spaces defining a set of enclosures each with their own politics (…) 7230 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO participam, cumpre tentar identificar quais seriam seus espaços de dependência e seus espaços de engajamento. (GRANDI, 2015: 285) Ao conceituar e discutir esses diferentes elementos, Cox possui paralelamente como objetivo determinadas críticas acerca da maneira como o tema das escala política era até aquele momento trabalhado pelos autores da geografia política. De saída, começa a criticar que, apesar da escala ser central ao discurso político em diversos contextos e ciências, há uma tendência da geografia política tradicional em centralizar a divisão escalar da política sob a égide do Estado e suas escalas institucionais, ignorando, assim, outros recortes, como, por exemplo, a escala urbana e seus conflitos (COX, 1998; CASTRO, 2015). Ao questionar ―qual seria a atual significância para a política de escala‖, Cox afirma que as escalas de atividade são contingentes, porque os participantes políticos são muito adeptos em escapar de escalas impostas pelas estruturas do Estado e construir seus próprios ‗espaços de engajamento‘ que permitem a eles um grau de autonomia necessária 4 para maiores objetivos em conjunto. (JUDD, 1998: 29) [tradução livre] . Ademais, GRANDI (2015) destaca que, de forma heurística, Cox também definiu esses dois tipos espaços para refletir - e criticar - o predomínio da compreensão das escalas geográficas como unidades de área e a forma e conteúdo da política de escalas. E é através da ideia das ―redes de associação‖ que encontra na metáfora de redes a forma mais apropriada para o debate sobre a espacialidade da escala, ajudando-o, em decorrência, a entender a política do espaço (COX, 1998). Ao sustentar que ―nós devemos nos libertar do hábito de ver formas de políticas como territorialmente definidas‖ (JUDD, 1998: 29)5, Cox argumenta que até mesmo os Estados mais totalitários tendem a ter seus limites territoriais de áreas ―porosos‖. E que, para tanto, sempre haverá a presença de espaços de resistência, 4 "scales of activity are contingent, because political participants are quite adept at escaping the scales imposed by state structures and constructing their own ‗spaces of engagement‘ that allow them a degree of autonomy necessary for furthering mutual objectives" 5 ―(…) we must free ourselves of the habit of seeing forms of politics as territorially defined (…).‖ 7231 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO no qual "quando presos dentro dos seus 'espaços de dependência‘ que frustram a sua capacidade de conseguir o que querem, os agentes políticos possuem a capacidade de construir 'redes de associação' que não necessariamente estão de acordo com todos os limites de área.‖ (COX, 1998: 29) [tradução livre]6. 3 – A política de escalas do MPL As manifestações de junho de 2013 foram um dos principais acontecimentos dos últimos anos no Brasil, envolvendo 355 cidades e levando às ruas cerca de 2 milhões de pessoas. São consideradas como parte integrante de uma nova forma de expressão e ativismo político emergente no século XXI, começado durante a chamada Primavera Árabe através de ondas de protestos e manifestações políticas eclodidas nos países árabes em torno da contestação dos regimes ditatoriais nestes países. Inaugurando nova forma de engajamento político, em contraste às formas tradicionais, como, por exemplo, os sindicatos e os partidos políticos, as manifestações expressam princípios e organização diferenciados, adotando a horizontalidade, o apartidarismo, a espontaneidade, e aglutinando simultaneamente uma diversidade de lutas (GOHN, 2014; RICCI, 2014; CASTELLS, 2013; NOGUEIRA, 2013). Todavia, um dos seus aspectos principais é estarem fundamentadas nas redes sociais virtuais, cuja conectividade e interatividade que propiciam constituem, para Castells, os novos movimentos sociais deste século. Dessa forma, o autor argumenta que ―Os movimentos sociais em rede de nossa época são amplamente fundamentados na internet, que é um componente necessário, embora não suficiente, da ação coletiva. As redes sociais digitais baseadas na internet e nas plataformas sem fio são ferramentas decisivas para mobilizar, organizar, deliberar, coordenar e decidir. Mas o papel da internet ultrapassa a instrumentalidade: ela cria as condições para uma forma de prática comum que permite a um movimento sem liderança sobreviver, deliberar, coordenar e expandir-se.‖ (CASTELLS, 2013: 171) 6 "when trapped within ‗spaces of dependence‘ that frustrate their ability to get what they want, political agents possess the capacity to construct ‗networks of association‘ that do not necessarily conform to any areal boundaries.‖ 7232 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A redes sociais, nesse sentido, possuíram papel de protagonismo nas manifestações de junho de 2013 no Brasil. A partir delas que as manifestações foram convocadas e organizadas. Sem precedentes, as informações passaram a circular não só em grande quantidade, mas também de modo instantâneo. Além disso, as redes sociais tornaram-se um instrumento essencial na articulação política dos grupos que protestaram nas ruas. Diversas escalas foram então mobilizadas pelas redes sociais. O local, o regional, o nacional e, até mesmo, o internacional se encontravam entranhados ao mesmo tempo nelas. Assim como aventou Cox, a articulação em rede, ou redes de associações, foi um fato novo no cotidiano político, sobretudo para o âmbito políticoinstitucional. A dispersão da informação e capacidade de mobilização política destas redes surpreenderam os governos, despreparados para lidar com o grande contingente de pessoas que inundavam as ruas. A políticas de escalas fundamentada em redes, pensada inicialmente por Cox, pode, no caso das manifestações no Brasil, ser exemplarmente verificadas. Organizadas através das redes sociais (virtuais), criaram-se verdadeiras redes políticas, articulando grupos entre diversas cidades, principalmente entre as principais capitais do país. Nesse contexto, o Movimento Passe Livre apresenta claramente esse tipo de organização. Definindo-se como uma federação, o MPL articula-se em rede, possuindo sedes nas principais capitais, que, conforme argumentam, ―O MPL se constitui através de um pacto federativo, isto é, uma aliança em que as partes obrigam-se recíproca e igualmente e na qual os movimentos nas cidades mantêm a sua autonomia diante do movimento em nível federal, ou seja, um pacto no qual é respeitada a autonomia local de organização.‖ 7 Conforme visto nas manifestações, os protestos eram organizados de modo a ocorrer simultaneamente nestes lugares. Sob a mesma pauta geral, mas mantendo suas especificidades locais, esse ―protesto em rede‖ obteve grande impacto, atordoando as autoridades e demais instituições diante da simultaneidade e escala 7 Trecho encontrado no site http://www.mpl.org.br/ (site do Movimento Passe Livre) 7233 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO dos protestos. Mais do que fatos isolados, estes protestos passavam claramente uma proposta e organização nacional, o que corroborou ainda mais para o seu potencial político. O Rio de Janeiro, junto com São Paulo, foi uma das cidades protagonistas das manifestações de junho. No dia 20 de junho, foram registrados cerca de 300 mil pessoas nas manifestações na cidade, reunindo no Brasil mais de 1 milhão de pessoas em 75 cidades no país. No dia anterior (dia 19), várias cidades reduziram as tarifas dos transportes públicos8. Mesmo que não tão consolidado quanto em outras cidades, como, por exemplo, São Paulo, o MPL no Rio de Janeiro também teve um certa atuação, atuando em articulação com o Fórum de Lutas contra o aumento das passagens (Fórum de Lutas). A programação das manifestações foi coordenada para ocorrer no mesmo dia e no horário nas grandes cidades do país, com o claro objetivo de fortalecimento do movimento à nível nacional. Entretanto, conquanto essa articulação nacional, cada cidade refletiu uma expressão e encaminhamento diferente de um mesmo movimento. No Rio de Janeiro, a manifestação teve como tônica a reivindicação em torno do serviço prestado pelas empresas de ônibus controladas por um único dono. Diferentemente de outras cidades, um dos seus desdobramentos foi a abertura da chamada CPI dos Ônibus. Dessa forma, é possível a priori perceber a definição de uma política de escala por parte do MPL no Rio de Janeiro: ao passo que se articula segundo um movimento de âmbito nacional, estratégias mais locais são definidas concomitantemente. Essas escalas políticas acionadas pelo movimento estão em constante interação, definindo os melhores recursos acionados por eles afim do atendimento de suas demandas 4 - Conclusão A nova forma de movimento e expressão política emergente a partir do século XXI, e visualizada nas manifestações de junho de 2013 no Brasil, criaram um novo paradigma no âmbito dos movimentos sociais, manifestações protestos populares de 8 Dados retirados do levantamento feito em diversas fontes oficiais por Gohn (2014). 7234 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO todos os tipos. Fundamental a eles, a organização em rede é a principal base pela qual estes movimentos se organizam e adquirem potencial não só de mobilização, mas sobretudo de influência política. Dentro desse paradigma, as redes privilegiadas são as redes sociais virtuais, incorporando a esses movimentos grande capacidade de articulação, visto sua comunicação interativa, instantânea e interconectada pelo mundo. Assim, pode-se dizer que a política de escalas pensada por Cox não só pode ser verificada nestas manifestações, como o seu modus operandis foi aprimorado. A simultaneidade dos protestos, propiciada pela articulação em rede, tornou-se um trunfo político fundamental para esses grupos, rediscutindo assim de que forma os ―espaços de engajamento‖ podem estar articulados. A diminuição dos preços das passagens de ônibus em várias cidades do Brasil e a abertura da CPI dos Ônibus no Rio de Janeiro são exemplos importantes para compreender os impactos provocados por essas novas formas de organização política. Contudo, conforme alerta Nogueira (2013), o maior perigo que pode ameaçar esse movimento em rede não vem propriamente de fora, mas de dentro deles. Não só pelo risco de incorrerem ao aprisionamento ao universo virtual, sem com isso agir de fato no mundo concreto, mas sua dificuldade em traçar uma rota planejada ou formar um todo articulado os colocam em constante ameaça de diluição. 5 - Referências Bibliográficas CASTELLS, M. Redes de Indignacão e Esperança: movimentos sociais na era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. CASTRO, Iná Elias de.Escala e pesquisa na geografia. Problema ou solução?. Revista Espaço Aberto, 2015. No prelo COX, Kevin. Spaces of dependence, spaces of engagement and the politics of scale, or: looking for local politics. Political Geography, v. 17, n. 1, pp. 1–23, 1998. DELANEY, David. LEITNER, Helga. The political construction of scale. Political Geography, v. 16, n. 2, pp. 93–97, 1997. GRANDI, Matheus da Silveira. A construção escalar da ação no movimento semteto. Tese (Doutorado em Geografia). PPGG/UFRJ, Rio de Janeiro, 2015. GOHN, Maria da Glória. Manifestações de junho de 2013 no Brasil e as praças dos 7235 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO indignados no mundo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. JUDD, Dennis. The case of the missing scales: a commentary on Cox. Political Geography, v. 17, n. 1, pp. 29–34, 1998. MOORE, Adam. Rethinking scale as a geographical category: from analysis to practice. Progress in Human Geography, v. 32, n. 2, pp. 203–225, 2008. NOGUEIRA, Marco Aurélio. A. As ruas e a democracia: ensaios sobre o Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013 RICCI, R. Nas ruas: a outra política que emergiu em junho de 2013. Belo Horizonte: Editora Letramento, 2014. SOUZA, Marcelo Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. 7236