VIII Simpósio Nacional da ABCiber
COMUNICAÇÃO E CULTURA NA ERA DE TECNOLOGIAS
MIDIÁTICAS ONIPRESENTES E ONISCIENTES
ESPM-SP – 3 a 5 de dezembro de 2014
Manifestações Sociais em Rede: Jornadas de Junho 20131
Raissa Nascimento Dos Santos2
José Cavalcanti Sobrinho Neto3
Cláudio Cardoso Paiva4
Resumo
Os brasileiros ocuparam as ruas do país, em junho de 2013, demonstrando insatisfação e
revolta contra o aumento abusivo no preço dos transportes, excesso de gastos públicos com a
Copa do Mundo, contra a tirania da FIFA e um grito de basta à corrupção. Este é um
fenômeno sociopolítico que ocupou os espaços dos jornais e mídias do mundo inteiro. Mas,
distintamente das manifestações do passado, a originalidade reside no fato de as redes sociais
terem sido utilizadas como instrumentos de mobilização popular, tornando-se um espaço
privilegiado de debates exigindo mudanças sociais. Este trabalho pretende focalizar as novas
configurações e características dos movimentos sociais, pela ótica da sociedade da
informação. Busca contemplar a simbiose entre as forças políticas dos rebeldes e das redes
sociais digitais, e particularmente, almeja examinar as mídias interativas e o webjornalismo
como extensões das indignações populares. Em linhas gerais, trata-se de um acontecimento
que transcende os limites teórico-conceituais da “persuasão”, “consciência”, “alienação”,
“meios e mediações”. As “ocupações” urbanas, coletivas e virtuais, envolvem dimensões
cognitivas, sociotécnicas, biopolíticas e comunicacionais. Por isso, faz-se necessário recorrer
ao campo das Ciências da Comunicação, Jornalismo e suas interfaces com as tecnologias
midiáticas. Uma epistemologia que leve a sério o enlace entre o social e o digital.
Palavras-chave: Movimento Social; Ativismo nas Redes; Protestos; Sociedade em
Rede.
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Vigilância, Criptografia, Ativismo e Redes Sociais
Federadas, do VIII Simpósio Nacional da ABCiber, realizado pelo ESPM Media Lab, nos dias 03, 04 e
05
de
dezembro
de
2014,
na
ESPM,
SP.
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), e-mail: [email protected]
3
4
Formação Superior em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pela Universidade Católica
de Pernambuco, e-mail: [email protected]
Doutor em Ciências Sociais, Sorbonne, professor Associado. Programa de Pós Graduação em
Comunicação; Mestrado em Comunicação e Culturas Midiáticas – PPGC/UFPB; e Programa de Pós
Graduação - Mestrado Profissional em Jornalismo – PPJ/UFPB, e-mail: [email protected]
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I. Jornadas de Junho, quando o Brasil (dis)parou
As chamadas “Jornadas de Junho” (2013), condensam uma pluralidade de
motivações que podem ser creditadas à insatisfação popular face à precariedade dos
serviços, aumento endêmico dos impostos, gastos excedentes com a Copa do Mundo e
Fifa e revolta geral contra a corrupção. Conjugam, em sua pluralidade, a substância
das principais reivindicações que estão na base dos protestos. A população foi às ruas,
em movimentos descentralizados, nas principais cidades do país e com adesão de
milhares de brasileiros.
No dia marcado para o exercício da democracia, 20 de junho, surgiu um fato
comunicacional novo. A mídia corporativa realizou a cobertura em tempo real,
dedicando mais de cinco horas à reportagem do acontecimento. Segundo cobertura
jornalística da Rede Globo de Televisão “ao todo eram mais de 438 cidades e 1,4
milhão de cidadãos nas ruas reivindicando a eficácia da democracia”.
A potência e viralidade do movimento despertaram os interesses midiático e
político-institucional, porque significou a volta do povo ruas, no contexto histórico
cultural e urbano marcado pelo “consumo e espetacularização”; porque traduz um
despertar do povo brasileiro após 11 anos sem ir às ruas, sob o signo de uma gestão
governamental “de esquerda” 5; porque abalou a rotina da vida político-partidária e
porque ocorreu num estágio da economia em desenvolvimento.
O aumento da tarifa do transporte público, aparentemente, desponta como o
fator que alavancou os demais protestos, mas – com efeito – trata-se de uma crise que
advém de camadas mais profundas da espessura sociocultural.
Em 25 de março de 2013, Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, inicia os
protestos contra o aumento abusivo do transporte público6. A população protocola
ação cautelar aceita pelo juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública, juiz Hilbert Maximiliano
Obara, que determina7 a redução do preço das passagens. Em 2 de junho, começa a
5
A manifestação foi uma das maiores do país desde os protestos pelo impeachment do então presidente
Fernando Collor de Mello, em 1992.
6
A tarifa de ônibus era de R$ 2,85 e mudou para R$3,05.
7
A decisão judicial ocorreu no dia 4 de abril de 2013.
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cobrança da nova tarifa de transportes8, na cidade de São Paulo, e logo em seguida, o
Movimento Passe Livre (MPL) agenda os primeiros protestos na cidade para os dias
6, 7 e 119 de junho, resultando em forte repressão policial. A situação muda na
manifestação do dia 13 de junho, quando diversos jornalistas10 são feridos por
policiais com balas de borracha, durante o cumprimento do exercício profissional, na
cobertura do protesto. A partir deste episódio, mudanças aconteceram na natureza e
sentido do movimento, com aumento expressivo do número de participantes11,
discurso favorável da mídia e a descentralização dos protestos12.
A manifestação do dia 20 de junho agitou o país, levando à adesão de mais de um
milhão de brasileiros, em mais de 438 cidades, com uma pluralidade de bandeiras13,
solicitações e reivindicações. Na pauta dos manifestantes temas como Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) 37 e 33, ato médico, fim da corrupção, melhoria dos
serviços públicos, educação, saúde, gastos com a Copa das Confederações, em 2013 e
a Copa do Mundo, em 2014, ambas administradas pela FIFA.
II. O Jornalismo na sociedade em rede
O jornalismo e a tecnologia são experiências que caminham próximas no
percurso da História. Gutenberg e sua prensa de tipos móveis permitiu o contato mais
8
O reajuste no preço das passagens de ônibus municipais, metrô e trens urbanos foi de R$ 3,00 para R$
3,20.
9
Segundo informações do Portal UOL no dia 11 de junho houve adesão de mais de 10 mil pessoas ao
movimento < http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/13/sao-paulo-tera-o-4protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-nesta-quinta-feira.htm> Acessado em 23 de setembro de 2013.
10
A Folha de São Paulo teve sete profissionais feridos com balas de borracha atiradas pela Policia
Militar de São Paulo. A imagem da repórter Giuliana Vallone, da TV Folha, foi reproduzida pelo
Estadão nas Redes Sociais e teve forte repercussão com a população brasileira.
11
A próxima manifestação foi marcada para o dia 17 de junho e teve a presença de mais de 65 mil
pessoas nas ruas.
12
No dia 17 de junho houve protesto em diversas cidades: Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo
Horizonte.
13
Uma das características marcantes do movimento é o fato de ser apartidária. Não foi organizado por
um determino partido (como no impeachment de Collor) havia bandeiras de diversos partidos
políticos que eram fortemente criticados pelos demais manifestantes para assegurar ao movimento a
característica de ser apolítico.
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importante entre o ofício da reprodução dos fatos e as novas tecnologias, em meados
de 1450. Urry (2007) enfatiza que a inserção das tecnologias móveis na comunicação
implica em novos processos de veiculação, mediação e mobilidade.
“A microeletrônica já apontava para esse cenário quando na década de 1970 e
80 se falava de convergência tecnológica e midiática [...] a partir da qual era possível
perceber a gênese que desembocaria na comunicação móvel” (SILVA, 2013, p. 38).
Quinn (2010) vai fundo no estágio cronológico da experiência midiática e
lembra o telégrafo, invenção do século XIX, uma das precursoras da tecnologia no
jornalismo, conferindo mais velocidade à produção. Para o autor é importante o
“aspecto de continuidade no processo evolutivo de desenvolvimento, para o qual é
necessário lançar um olhar no sentido de capturar a sua gênese” (SILVA, 2013, p. 39).
Com a transição do texto jornalístico, publicado em meio físico, para o texto
eletrônico, houve uma significativa mudança no modo como se produzia e se
consumia notícia. Dalmonte (2009: 56) afirma que “o texto eletrônico abre a
possibilidade de embaralhar, entrecruzar e reunir textos”.
A partir da década de 1990, o jornalismo passou a se incrustar fortemente na
grande rede mundial de computadores. Desde então, a produção e os produtos
jornalísticos para a internet têm se reconfigurado na busca por linguagens condizentes
com o novo ambiente informacional, “que possibilita o uso de ferramentas como a
interação e a atualização constante de conteúdo” (DALMONTE, 2009, p. 18).
Este know-how jornalístico emergente foi uma das grandes transformações que
marcaram o final do século XX e início do XXI. Pavlik (2001, p XI) entende que a
época é importante pela profunda modificação dos modos de produção do jornalismo,
que trouxeram conceitos como “notícias onipresentes”, “interatividade”, “cobertura
em tempo real”, “material multimídia” e “personalização de conteúdo”. Tais
reconfigurações devem ser entendidas, de acordo com Dalmonte (2009), como fruto
das inovações tecnológicas que promovem outras possibilidades de formatação e
disponibilização do material informativo.
Multimidialidade,
interatividade,
hipertextualidade,
personalização,
atualização e memória (base de dados) são as principais características do
webjornalismo para Palacios (2002). O termo foi adotado por Mielniczuk (2003) com
base nas interfaces gráficas da rede. As origens da modalidade se dão na época da
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passagem do jornal impresso para a internet, o que gerou, primeiramente, o processo
de informatização das redações. Como afirma Dalmonte (2009: 121) “desde esse
momento, de forma sucessiva, o jornalismo vem passando por transformações que, na
fase atual, dão indicativos quanto à consolidação de características próprias”.
Diante de tal ambiente multifacetado, Silva (2013: 130) apresenta um
“ecossistema de retroalimentação” que funciona entre três esferas: “[...] o ‘repórter’,
condutor do processo jornalístico [...], ‘tecnologia/artefato’, estrutura técnica de
ferramentas [...] para operação de todo o fluxo informacional; ‘mobilidade física e
virtual’, agrega-se a dimensão tecnológica e operacional [...]”.
Dalmonte (2009: 119) analisa que a “internet marca, na verdade, a abertura de
novas fronteiras para onde podem ser direcionados inúmeros produtos, inclusive a
informação”. Castells (2003) afirma que para os movimentos sociais a internet é mais
do que um mero instrumento tecnológico. E denomina de “sociedade em rede por
utilizar as tecnologias de informação e comunicação para se articular socialmente”14.
Ela [internet] se ajusta às características básicas do tipo de movimento
social que está surgindo na Era da Informação. E como encontraram
nela seu meio apropriado de organização, esses movimentos abriram e
desenvolveram novas avenidas de troca social, que, por sua vez,
aumentaram o papel da Internet como sua mídia privilegiada
(CASTELLS, 2003: p. 115).
A tese de Forsberg (2001) aponta reflexões a respeito do “Mobile
Newsmaking”, que abordou o conceito de newsmaking a partir de reportagens
realizadas no campo com tecnologias móveis. O pesquisador analisa as novas rotinas
de produção nas redações como fruto do advento da internet e novas tecnologias:
"[…] A internet tem aperfeiçoado a tecnologia usada na redação. Isto modificou a
organização da produção da notícia e aperfeiçoou novas maneiras para enviar e
receber material de notícias para os repórteres em campo" (FORSBERG, 2001, p.1).
O novo cenário mudou a organização da produção da notícia e catalisou novos
meios de emitir e receber conteúdo noticioso. As rotinas de produção são definidas
como um processo padronizado de atividades repetidas que dizem respeito à prática
jornalística nas redações configurando as funções exercidas do trabalho, ou seja, são o
14
CASTELLS, 2003: p. 115.
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modus operandi do jornalista. “Para os estudos do jornalismo, ou da sociologia da
notícia e do trabalho, o enquadramento tem aparecido como teoria do newsmaking por
se preocupar com esses processos rotinizados de produção” (SILVA, 2013, p. 63). Nos
anos 1970, a teoria do newsmaking, como base para análise da produção da notícia
nas redações demarcou as investigações com a adoção da abordagem etnográfica,
observações diretas e a aplicação de entrevistas ou questionários, além de seu caráter
qualitativo. Observar essas rotinas ou “habitus”, como aponta Bourdieu (1998) e suas
influências tem sido o papel do newsmaking ao longo de sua trajetória como estratégia
teórica. Para Becker e Vlad (2009), “os pesquisadores têm se desdobrado para
identificar as características das rotinas de produção que variam ao longo do tempo,
por meio dos cenários, entre as organizações de mídia e entre os jornalistas."
(BECKER; VLAD, 2009, p.59). Parte dessas variações é oriunda das inovações
tecnológicas que tomaram as redações, levando-se em consideração que as “rotinas
são ditadas pela tecnologia, deadlines, espaço e normas”.
Estes novos aportes teóricos, que têm fecundado os campos da comunicação,
das mídias e do jornalismo, aqui servem como ferramentas teórico-conceituais para se
entender o modo como a comunicação em rede (incluindo os atores presenciais e
virtuais) transforma as modalidades de narração do fato e modifica igualmente o estilo
democrático de participação: o webjornalismo se realiza sem pauta, fora da redação,
em um cenário longe das editorias) e os manifestantes, guarnecidos das tecnologias
móveis, assumem o papel dos repórteres.
III. Movimentos sociais brasileiros na sociedade em rede
Os protestos que eclodiram no Brasil, no mês de junho, ocuparam as principais
ruas do país, com manifestações nômades e desterritorializadas, atingindo as
principais capitais e cidades do interior. Alguns estudos têm se debruçado sobre a
experiência política na sociedade em rede, a exemplo do artigo “Ocupar Wall Street...
e depois?, de Giovanni Alves (ano), que compreende a internet como instrumento de
articulação da sociedade, por meio das redes sociais.
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Em todos esses novos movimentos, o papel das redes sociais, como
Facebook e Twitter, na organização das manifestações foi importante.
(...) Podemos salientar alguma das características desses novos
movimentos sociais. Primeiro, constituem-se de densa e complexa
diversidade social, exprimindo a universalização da condição de
proletariedade (os 99%) (...) Utilizam redes sociais, como Facebook e
Twitter, ampliando a área de intervenção territorial e a mobilização
social. Produzem sinergias sociais em rede, tecendo estratégias de luta
territorial num cenário de crise social ampliada. (...) São movimentos
sociais capazes de inovar e ter criatividade política na disseminação de
seus propósitos de contestação social (CARTA MAIOR, 2012, p. 3233).
Os movimentos sociais brasileiros tiveram propagação viral de maneira similar às
ocorrências em outros países, como o movimento Occupy Wall Street15, nos Estados
Unidos; Primavera Árabe16, no mundo Árabe e Los Indignados17, na Espanha. Essa
característica dos movimentos populares, de utilizar a internet como plataforma de
mobilização social, está ligada ao crescimento e difusão do acesso entre as nações em
que há liberdade no uso das tecnologias interativas. Segundo pesquisa da Organização
Internet World Stats, responsável em monitorar o desenvolvimento da internet em
todo o mundo, houve “um aumento de 450% de uso em onze anos, já que, no final do
ano 2000, havia cerca de 360 milhões de acessos, e, em março de 2011, foram mais de
2 bilhões de usuários, o que equivale a 30,2% da população mundial”18.
Em outro registro, a pesquisadora Adriele Machado Cassiano, aborda no artigo
“Ativismo a partir das redes sociais”, a característica de unir e mobilizar as pessoas
pela internet. “Na Era da Informação, da globalização e do desenvolvimento
15
O movimento Occupy Wall Street foi uma resposta da população as medidas adotadas pelo Governo
para solucionar a crise econômica mundial, permitindo que a população pagasse com o dinheiro
público a desregulação dos mercados e a falência de empresas privadas.
16
Os protestos que ocorreram no Oriente Médio e norte do continente africano ficou conhecido como
Primavera Árabe. A população foi às ruas para exigir a democracia e derrubou ditadores do poder. O
movimento iniciou em dezembro de 2010, na Tunísia e logo se espalhou para os demais países da
região: Egito, Líbia, Argélia, Lêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia, Djibuti, Iraque, Kuwait,
Líbano, Mauritânia, Arábia Saudita, Sudão, Saara Ocidental e Omã.
17
Os protestos reivindicaram em maio de 2011, o fim da corrupção, os direitos básicos de todos os
cidadãos e oportunidade para a juventude.
18
CASSIANO, 2011, p. 10.
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tecnológico, a sociedade em rede se organiza de uma nova forma, luta por diferentes
conflitos e objetivos e possui novas demandas” (CASSIANO, 2011, p. 12).
Muitas manifestações que, atualmente, começam em páginas virtuais
se estendem para as ruas, e esse tem sido o grande tormento das
autoridades mundiais. Em 2011, por exemplo, a Primavera Árabe
mostrou que as manifestações através das redes sociais são essenciais
para a criação de uma situação política em questionamento aos
ditadores. Diante de um regime autoritário, cidadãos do Egito e da
Líbia encontraram na internet um espaço para discutir e se unir contra
o governo. Tais mobilizações colocaram em xeque ditadores que
estavam há décadas no poder (CASSIANO, 2011, p. 09).
Cassiano (2011) também aborda o impacto global dos movimentos sociais
insurgentes nas diversas localidades do planeta, “os movimentos discutidos na nova
mídia acabam ultrapassando as fronteiras do país de origem pelo alcance ilimitado da
informação”19.
A rede social é um espaço virtual que não deixa de ser real, mas sim imaterial,
um território estruturalmente descentralizado que transpõem as fronteiras da
nação e atinge o global. Essas redes são tecidas pelos atores sociais, ou seja, é
a partir da relação entre os usuários que elas se constroem. Apesar de cada
rede social ter suas regras próprias, ela se torna apenas uma ferramenta, já que
o conteúdo produzido nela depende completamente da participação dos
usuários. Por isso, a rede é flexível, reversível, pode se modificar, trocar,
reprogramar, é uma construção coletiva, horizontal, multifacetada,
compartilhada. Isso a torna um local sem hierarquia, uma vez que todos têm
os mesmos direitos no campo virtual da rede social e é, nesse local, que os
ativistas encontram espaço para disseminar pensamentos livremente e atingir
pessoas de diversos locais para transformar ideias em ações coletivas.
(CASSIANO, 2011, p. 15)
As mudanças estruturais na sociedade atual passam pelo crivo da dinâmica das
redes, as quais repercutem na formação da opinião, na discussão dos temas do
presente e na proposição de novas diretrizes sociopolíticas. Mas, sobretudo, atuam na
transformação da cognição que, mediada pelas neuralidades sociotécnicas, geram
novas percepções ético-políticas, de ativismo e cibercomunicabilidade.
19
CASSIANO, 2011, p. 13.
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.
Os ativistas utilizam o “ciberespaço, a partir de redes sociais como Facebook e
Twitter para alcançar instantaneamente, o maior número de pessoas para organizar
uma mobilização social” 20.
A internet na vida da sociedade em rede mostra que ela é mais do que
apenas uma ferramenta gerencial e organizacional: é também o espelho
do ser humano, ao refletir todas as ações dele além do campo virtual.
Deste modo, como o reflexo se altera conforme os movimentos da
sociedade em rede, esse instrumento ganha vida e se transforma
mutuamente junto com essa sociedade. (CASSIANO, 2011, p. 22)
O Movimento Passe Livre, em São Paulo, organizou as manifestações a partir
do engajamento da população nas Redes Sociais. E desde o princípio as dimensões
dos espaços e tempos urbanos são transfiguradas; não há hora para se iniciar nem para
acabar as manifestações (nem as suas coberturas jornalísticas) e também é impossível
se mapear os roteiros e direções do movimento na cartografia da cidade.
O povo brasileiro marcou dia, horário e local de concentração a partir do
Facebook para o protesto do dia 20 de junho, que simplesmente parou o país. Mas é
preciso considerar o caráter nômade do (net)ativismo, as estratégias repressivas dos
policiais, as provocações dos bandos infiltrados, os obstáculos dos agentes
reacionários, além do “embate das mídias” (corporativas e alternativas) promovem
redirecionamentos e mutações no cronograma dos protestos. Assim, para além das
táticas de atuação dos manifestantes, há uma complexidade no fenômeno que está
diretamente relacionada à natureza das redes biopolíticas e sociotécnicas.
.
Nessa direção, a obra de Castells se mostra pertinente para a abordagem da
sociedade em rede, que problematiza o ciberespaço (e a comunicação) como lócus
privilegiado para exame embate dos poderes e ideologias, no contexto do século XXI.
Será puramente instrumental o papel da Internet na expressão de protestos
sociais e conflitos políticos? Ou ocorre no ciberespaço uma transformação
das regras do jogo político-social que acaba por afetar o próprio jogo — isto
é, as formas e objetivos dos movimentos e dos atores políticos? (CASTELLS,
2003, p. 12).
20
CASSIANO, 2011, p. 9.
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IV. Considerações Finais
As manifestações brasileiras revelaram a necessidade de se realizar a Reforma
Política, transformando a estrutura da política no país; mas, sobretudo, alertaram para
se repensar os problemas concernentes ao uso das mídias analógicas e digitais.
Desde junho 2013, intensificaram-se as reivindicações com força total nas
ruas, logo, os primeiros resultados apareceram no pronunciamento21 da Presidente do
Brasil, Dilma Rousseff, anunciando “a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade
Urbana, que irá privilegiar o transporte público. A destinação de 100% dos royalties
do petróleo para os serviços básicos22 e a contratação de médicos estrangeiros para o
Sistema Único de Saúde (SUS)23”. Além, da criação do Observatório Participativo da
Juventude24, plataforma virtual para engajar a juventude no debate político.
Assim, os gestores governamentais preocupados com a mobilidade, sob a
pressão coletiva conectada dos ativistas, reconhece que as estratégias a serem
adotadas - no que respeita aos transportes - não poderão estar desvinculadas da
problemática dos serviços básicos, que incluem a saúde e comunicação.
O Congresso Nacional também respondeu aos apelos das manifestações com a
Agenda Positiva25, assim denominada as pautas de reivindicações do povo. O Senado
Federal aprovou o projeto que qualifica corrupção como crime hediondo26, do mesmo
modo os delitos contra a gestão pública. A Câmera dos Deputados rejeitou a Proposta
21
O pronunciamento foi realizado no dia 21 de junho, em cadeia nacional nos veículos de comunicação
de massa: televisão e rádio.
22
Após votação os royalties do petróleo serão distribuídos da seguinte maneira: 75% destinados à
educação e 25% para saúde.
23
O Programa Mais Médicos pretende trazer ao Brasil cerca de quatro mil médicos estrangeiros até o
final do ano, por meio do acordo intermediado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
24
A plataforma Participatório foi criada no dia 17 de julho para agregar as opiniões, sugestões e críticas
dos jovens brasileiros. É possível navegar no espaço virtual pelo link:
http://participatorio.juventude.gov.br/
25
Sérgio Andrade é o diretor executivo da Agenda Pública, no Congresso Nacional.
26
Segundo a criminologia sociológica, os crimes hediondos estão no alto da pirâmide de
desvalorização axiológica criminal, sendo considerados como crime de extremo potencial ofensivo por
causar maior aversão à coletividade
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de Emenda à Constituição (PEC nº 37)27 e aprovou a PEC que acaba com o voto
secreto nas votações para perda de mandato dos senadores e deputados.
Os políticos profissionais, em princípio, pareceram ceder às reivindicações das
maiorias conectadas em rede (mesmo que se saiba, depois, de seus calotes, tramas e
enganações). Entretanto, os supostos “representantes do povo”, foram obrigados a
reconhecer a necessidade da adoção de procedimentos éticos de acordo com as
exigências da nova sociedade midiatizada, caracterizada pela “cultura da
transparência”, pela “virtualidade real”, pelas “tecnologias da vigilância e
visibilidade” que trazem obstáculos às práticas de corrupção; eles sabem também que
terão de implementar novas reformas e legislações como o Código Civil da Internet.
Os protestos tiveram como característica a articulação de cidadãos apartidários
que não se sentem representados pelos partidos e principalmente, pelos políticos,
apresentando uma diversidade de “tribos” e de reivindicações. Vladimir Safatlhe
aborda esta característica dos protestos contemporâneos no artigo amar uma ideia28:
A época em que nos mobilizávamos tende em vista a estrutura partidária
acabou, acabou radicalmente. Pode ser que ainda não saibamos o que vai
aparecer, o que não vai acontecer, como as coisas se darão daqui para a frente.
Podemos não saber o que vai acontecer no futuro, que tipo de nova
organização política aparecerá, mas, sabemos muito bem onde
acontecimentos não ocorrerão. Com certeza, nas dinâmicas partidárias. Você
tem uma força de pressão enquanto está fora do jogo partidário. Quando
entrarmos nele, tal força diminui. Então, conserve este espaço! (CARTA
MAIOR, 2012, p. 55)
O debate público, no Brasil, está em torno da Reforma Política, que se faz
imprescindível para a democracia brasileira e qual meio democrático será utilizado
para ouvir a população. O Governo29 Federal sugeriu o plesbicito30, enquanto que os
27
28
29
A PEC 37 limitava os poderes do Ministério Público e era uma das principais reivindicações dos
manifestantes.
Artigo “amar uma ideia”, de Vladimir Safatle, publicado no livro Occupy, em 2012.
Presidente Dilma Rousseff contempla as seguintes temáticas para o plebiscito: como se dará o
financiamento para as campanhas eleitorais; como organizará a suplência do Senado, abordando as
questões: se extingue e/ou se reduz o número dos suplentes; fim das coligações partidárias; voto aberto
para todas as decisões dos parlamentares; como se dará o sistema eleitoral com lista flexível, fechada,
majoritária ou voto distrital misto.
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opositores indicam a realização de um referendo31. Os políticos brasileiros ainda não
chegaram a um consenso sobre o método mais adequado para efetivamente promover
a mudança que a população anseia. Em todo caso, já se tornou consenso o fato de que
as transformações na área política passam pelo crivo das mutações em curso na área
das tecnologias da comunicação. E quando se fala em plebiscito, dificilmente se
poderia pensar nessa experiência sem o envolvimento da internet e das redes sociais.
Para análise sociológica dos movimentos sociais no Brasil, é relevante o olhar
do autor Giovanni Alves, no artigo Wall Street... e depois?32:
Como cientistas sociais (e não apenas ativistas), temos de analisar os novos
movimentos com objetividade e na perspectiva da lógica dialética capaz de
apreender a riqueza do movimento contraditório do real. Aviso aos
navegantes pós-modernos: hoje, mais do que nunca, o método dialético
tornou-se indispensável no exercício da crítica social. Passa a ser
imprescindível apreender, no movimento do real, a dialética candente entre
subjetividade e objetividade, alcances e limites, contingência e necessidade,
barbárie e civilização. Não podemos ser apenas seduzidos pelo fascínio da
contingência indignada nas praças e ruas. Os novos movimentos sociais de
indignados compõem o quadro da barbárie que impregna a ordem burguesa,
do mundo, abrindo um campo de sinistras contradições sociais que dilaceram
por dentro a ordem do capital- mas são incapazes, em si e por si, de ir além
(CARTA MAIOR, 2012, p. 37).
A formulação do pesquisador remete a uma lógica dialética, atenta às
contradições históricas, aos paradoxos da vida vivida e isto serve igualmente para se
refletir acerca das tecnologias informacionais e redes sociais digitais, considerando o
seu papel no cerne dos movimentos sociais. Ou seja, por essa via, hipoteticamente, as
redes encorajam e aceleram os procedimentos ativistas, mas é preciso relativizar a sua
responsabilidade na organização e gestão dos protestos, e ao mesmo tempo não se
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Plesbicito é um meio democrático de consulta popular através do voto antes de vigorar a Lei. No
Brasil, o último plesbicito aconteceu em 21 de abril de 1993 para perguntar ao povo qual o sistema de
governo seria adotado no país: Monarquia, República, Presidencialismo, Parlamentarismo.
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Referendo é a consulta popular após a criação da Lei para saber se a população aceita ou não a
atitude do governo. No Brasil, o último referendo ocorreu em 2005, sobre o artigo 35 do Estatuto do
Desarmamento, tendo a seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido
no Brasil?”. A população decidiu que não.
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Artigo publicado no livro Occupy, na 2º edição, em 2012.
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pode ignorar a força das redes de subjetividade e de sociabilidade, fundamental na
dinâmica das ocupações em carne e osso ou através nas conexões telemáticas.
Para Becker e Vlad (2009), “os pesquisadores têm se desdobrado para
identificar as características das rotinas de produção que variam ao longo do tempo,
por meio dos cenários, entre as organizações de mídia e entre os jornalistas."
(BECKER; VLAD, 2009, p.59). Parte dessas variações é oriunda das inovações
tecnológicas que tomaram as redações, levando-se em consideração que as “rotinas
são ditadas pela tecnologia, deadlines, espaço e normas”.
Ocorre que as rotinas de produção dos jornalistas - mesmo atrelados às
estruturas das empresas de comunicação - são alteradas pelas estratégias
sociotécnicas, linguísticas, estéticas, éticopolíticas e cognitivas, que atuam,
historicamente, mesmo antes dos “protestos mundiais (e nacionais) em rede”. Todavia
há que se notar, a comunicação colaborativa criou a oportunidade para um novo estilo
de relação entre a lógica das corporações e o trabalho dos jornalistas, e este aspecto
consequentemente vai modificar a compreensão e a participação dos profissionais nos
agenciamentos sociais e democráticos.
Por outro prisma, a performance dos jornalistas corporativos na cobertura das
manifestações, passa pelo crivo da divisão social do trabalho, ou seja, pelas finanças,
pela economia. O enfrentamento dos problemas sociais deve estar sob a luz do poder
econômico é o que afirma Mike Davids, no artigo chega de chiclete33:
A grande questão não é subir os impostos dos ricos ou realizar uma melhor
regulamentação dos bancos. Trata-se da democracia econômica – o direito das
pessoas comuns tomarem macrodecisões sobre investimentos sociais, taxas de
juros, fluxo de capital, criação de empregos, aquecimento global e afins. Se o
debate não for sobre o poder econômico ele é irrelevante (CARTA MAIOR,
2012, p.43).
Neste sentido, o neojornalismo ou webjornalismo é contemporâneo do
capitalismo cognitivo, que se articula em um contexto irradiado pela informação.
Depende do capital simbólico gerado – por exemplo – pela “mais-valia” da notícia. E
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Artigo publicado no livro Occupy, na 2º edição, em 2012.
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numa perspectiva dialética (ou dialógica), a história ensina que o capitalismo não
sobrevive se não puder assimilar os protestos, tentado neutralizar a dimensão de
perigo e “capitalizar” as manifestações. Isto serve para as empresas de comunicação,
que precisam absorver a experiência das “mídias alternativas” (como a Mídia
NINJA). O jornalismo empresarial de quiser sobreviver deverá incluir em seu “modus
operandi” as estratégias do “neojornalismo” (Ramonet), e esta operação não se perfaz
sem a necessária reorganização do sistema do jornalismo corporativo. E enquanto
isso, a internet, as redes sociais e as comunidades virtuais vão redesenhando um novo
mapa mundi, que estabelecem os contornos do chamado “pós-capitalismo”.
Os protestos ocorreram no país demonstraram que os cidadãos brasileiros (em
modo presencial e em rede) exigem participação popular nas tomadas de decisões
políticas que interferem diretamente nas vivências coletivas. Desejam escolher as
prioridades de investimento do dinheiro público, melhoria e qualidade nos serviços
públicos, como saúde, educação, transporte público e comunicação (isto é, mobilidade
stricto sensu). A elevação na qualidade do diálogo entre os atores sociais e os poderes
hegemônicos, passa necessariamente pela elevação na qualidade da ética no campo do
ativismo, do jornalismo e da comunicação (linear e em rede).
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