A economia sempre foi ambiental* Prof. Dr. Héctor Gustavo Arango Quando algum grupo, organização, governo ou indivíduo adota o que poderia se chamar de uma postura ambientalista, é bastante comum que os adversários destas ideias empreguem “argumentos” “econômicos” para tentar fazer prevalecer seus interesses. Apenas para dar um exemplo deste tipo de atitude, recentemente (maio de 2010) por ocasião da discussão em torno do novo Código Florestal brasileiro, um deputado catarinense ligado ao grupo ruralista usou o argumento de que “entre o crescimento econômico e a preservação ambiental, a segunda teria que esperar”. Pretende-se mostrar neste artigo que este tipo de construção constitui uma falácia e que, ainda, fomenta um conflito desnecessário e prejudicial para a sociedade entre as Ciências Econômicas e as Ciências do Ambiente. Para isto, é importante refletir sobre a própria definição de Ciências Econômicas e outros conceitos correlatos. Um destes conceitos é o de escassez. Escassez significa que os recursos disponíveis são limitados. A partir desta compreensão, chega-se ao conceito de fronteira de produção, que pode ser interpretado como o limite da capacidade produtiva de uma sociedade com os recursos disponíveis em determinado período de tempo. A esta restrição, soma-se o desejo ou as necessidades da sociedade, tidas como ilimitadas. Qual seria então a solução para este dilema, criado pela restrição de recursos e o desejo ilimitado de bens? A solução seria o uso racional dos recursos. E por uso racional entende-se o uso gerenciado ou administrado destes recursos. Basicamente nisto — e nos seus problemas derivados — é que consiste toda a Ciência 8 Econômica. Em síntese, Economia é a ciência dedicada ao estudo do gerenciamento de recursos escassos. Ora, note que no cerne do conceito de Ciências Econômicas está a consciência da limitação dos recursos, e a necessidade do seu uso racional, ou parcimonioso. Dir-se-ia também sustentado? Quanto à finalidade das Ciências Econômicas, pode se afirmar que a Economia trata fundamentalmente do bem-estar do homem. O bem-estar do indivíduo se refere tanto ao seu aspecto material quanto ao não material. A Economia entende que o bem-estar é uma função das escolhas do homem, por isso ela estuda tanto sobre escolha. A escolha de uma pessoa quando vai adquirir um bem, ou teoria do consumidor, a escolha dos modos de produção através dos insumos, ou teoria da firma, os condicionantes das escolhas em função das estruturas de consumo e produção, ou teoria de mercado. Estes aspectos se referem ao que se denomina de Teoria Microeconômica. O funcionamento dos agregados, ou Teoria Macroeconômica, e do próprio mundo também são do interesse das Ciências Econômicas. A este foco somam-se uma quantidade enorme de problemas complexos, e que remetem a questões do tipo: temos que produzir mais para o bem da sociedade; existem pessoas passando fome e mais alimentos devem ser produzidos; temos que ocupar espaços para garantir o aumento da produção; é necessário aumentar a fronteira agrícola e humana; faltam lugares para morar; é necessário ocupar espaços para construir moradias; os recursos são cada vez mais escassos. Chamo isso de “novos velhos problemas”, uma Naturale vez que estão sempre presentes na História da Humanidade. Isto permite colocar o seguinte: se os recursos são escassos, então não deveríamos cuidálos? E se os recursos acabarem, haverá produção? Voltando ao suposto conflito entre economia e meio ambiente. Será que a gestão da escassez pode provocar escassez de recursos? Não seria que a gestão dos recursos (isto é, a Economia), deveria preservar os recursos existentes? Ou, alternativamente, empregá-los de modo a que sejam preservados? Note-se como, dependendo da forma como é interpretado o conceito de Economia, ele resulta absolutamente afinado com demandas ambientais. E a forma correta é a que se apresenta aqui. Linhas de raciocínio como: a Economia é uma Ciência Social e deve cuidar prioritariamente da sociedade, do Homem; a Economia tem que gerar produtos em maior quantidade e mais baratos; a preservação do meio ambiente atrapalha a produção; preservar o meio ambiente é impossível; ou entre o social e o ambiental prevalece o social; são formas distorcidas de interpretar o conceito e a finalidade das Ciências Econômicas. Quem as utiliza está desinformado ou mal-intencionado. Um outro equívoco comum ao se rotular as Ciências Econômicas é vinculá-las à moeda, ao dinheiro ou ainda, à riqueza. Ora, o leitor me diga aonde se falou nestes conceitos na definição de Economia. O problema vem quando se pensa que, como a moeda equivale a direitos, o possuidor de dinheiro é um credor da sociedade e como a moeda seria um elemento universal de cobrar julho/agosto - 2010 os direitos, logo vem que dinheiro se equivale a poder. A lógica do dinheiro seria então: tendo mais dinheiro, têm-se mais direitos e, portanto, uma maior capacidade de escolha. Então vem a ampliação da fronteira de escolha, com uma maior probabilidade de melhores resultados e, tendo melhores resultados, como conseqüência, maior felicidade. Logo, mais dinheiro, mais felicidade. Esta linha de raciocínio, já descrita como lógica consumista em um artigo anterior, não está também no cerne do conceito econômico. Constitui uma construção que não encontra embasamento necessariamente na Ciência Econômica. Senão, em vez de tudo isso, porque não maximizamos a felicidade diretamente? Por exemplo: se sou “feliz” criando cachorros, então não me interessa um modo de vida de apartamentos, vida noturna, diversão, carros (Maserati), ou tudo aquilo que o “dinheiro” possa comprar, pois isto concorre com minha “felicidade”. Existe solução para estes conflitos? Claro que sim. Está no comportamento. Aliás, as Ciências Econômicas são classificadas como ciências do comportamento, ou comportamentais. Uma analogia em relação à quantidade de bens e felicidade é a visão do passado da FAO, onde maior consumo de calorias era tido como indicador de um país com melhor alimentação e a evolução desta visão, onde um melhor consumo de nutrientes é que equivale a uma melhor alimentação. E por falar em alimentação, a solução econômico-ambiental passa pela regulação das atividades econômicas, o que pode ser interpretado como uma analogia de uma dieta. Dieta equivale a regulamentação, a incentivos, e isto tem a ver com governos (enquanto representantes da sociedade). Mais uma vez, se pede para notar que dieta independe de dinheiro. É comportamento. Afinal, alguém sabe como atingir um objetivo nutricional apenas gastando dinheiro? Desta forma, creio que fica claro que eventuais conflitos entre algumas áreas do conhecimento humano decorrem mais da falta de capacidade de entender o seu real significado ou da necessidade de construir argumentos que atendem a interesses egoístas. Para o bem da Ciência e da Sociedade, é importante que as discussões sobre problemas importantes sejam trazidas para um nível de entendimento maior e mais amplo, onde os interesses legítimos da sociedade sejam confluentes. Economia cuida do Homem. O Homem é o seu próprio meio. Economia e meio ambiente: estamos falando da mesma coisa o tempo todo! * Este artigo é uma síntese das idéias apresentadas pelo autor na palestra com o mesmo título no V SEMEAR — Seminário de Meio Ambiente e Energias Renováveis, realizado nos dias 10 e 11 de junho de 2010 na UNIFEI — Universidade Federal de Itajubá, MG. Professor Dr. Héctor Gustavo Arango Economista formado pela FACESM, Mestre e Doutor em Ciências da Engenharia pela Universidade Federal de Itajubá, UNIFEI. Membro da ABE, Associação Brasileira de Estatística, da Sociedade Brasileira de Econometria, SBE, e da NYAS, New York Academy of Sciences. Professor de Economia Monetária, Econometria, Estatística, Modelos Estocásticos e Previsão da FACESM. É Diretor Geral da FACESM. julho/agosto - 2010 Naturale