O VÍRUS LITERÁRIO
BAGUNÇA A BIENAL
PARTE 1
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R
io de Janeiro, 15 de maio 2005. Centro de Eventos
– Bienal Internacional do Livro. País homenageado: França. Rua R, Estande 380 da Editora Nobel.
Às 19h30, ocorria o lançamento do livro A Maldição de Mar
Saba, do escritor A. D. Fróss.
Júnior, acompanhado de seu pai, ansiava pela abertura
dos portões. Eram nove horas quando foi permitida a entrada.
O tumulto generalizado tomou todos os corredores dos três pavilhões (verde, azul e vermelho) e o movimento congestionou
todas as “ruas”.
Era mais um dia de expectativa. Estandes coloridos, banners
sugestivos, luzes de néon acendendo e apagando, centenas de
mãos folheando livros, milhares de olhos admirando os estandes, um mais lindo do que o outro. Em cada olhar de uma
criança, de um adolescente ou de um adulto, se vê um leitor
em potencial. A expectativa de se descobrir novos talentos, novos títulos, evidenciava a procura. Passar um dia inteiro na Bienal até chegar a hora de se conhecer um autor específico não é
algo chato, com tantos títulos para se ver e ler.
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Carlos, o pai de Júnior, havia recebido um e-mail de um
amigo do Sul do País fazendo comentários sobre o conteúdo de
um livro.
Amigo Carlos,
Se for à Bienal do Rio de Janeiro nesses dias, não
deixe de visitar os estandes da Nobel. Se puder, compre o
livro A Maldição de Mar Saba, que li e achei incrível. Estou
esperando para receber o autógrafo no dia 02/06, aqui em
Paranavaí, quando a cidade irá conhecer o autor numa noite de autógrafos. Recebi um convite da filial da Livraria Nobel. Foi assim que soube do lançamento do autor Fróss. Dê
um abraço especial no Júnior. Não se esqueça de que o lançamento será às 9h30 do dia quinze. Abraços do Irineu.
— Pai! Você sabe onde fica o estande 380?
— Não sei, Júnior. Mas, acho que há um engano quanto
ao horário.
— Não entendi, pai. O que você está conferindo aí no
e-mail?
— Veja bem! O Irineu diz que o autor estaria no estande
380 da Nobel às 09h30, mas é evidente que se enganou. Deve
ser às 19h30.
— Deixe-me ver!
Júnior pegou o e-mail, o conferiu e relatou:
— Com certeza houve mesmo engano, pois não seria às
09h30 da manhã, e se fosse às 09h30 da noite, na referência do
horário, a editora colocaria 21h30. Só nos resta torcer para ser
às 19h30. É isso, pai! Matamos a charada! O Irineu se emocionou e errou na colocação do horário. Não escreveu 19h30!
Faltou o número 1!
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— Não importa! Quando descobrir onde fica o estande,
perguntarei sobre o horário e ficarei informado.
— Olhe, pai! Ali deve ser a sala de computação. Acho
que acionando um computador poderemos descobrir onde fica
o estande com mais facilidade, sem andar no meio desta multidão. O que me diz?
— Acho que mudei de idéia. Não ficarei esperando o dia
todo só para comprar um livro. Pensei que seria às 09h30 da
manhã de hoje e, por isto, fiz questão de vir cedo. Se você preferir, entre na sala de computação, pois eu vou andar por aí.
Tem muita coisa boa pra se ver.
— Senti que você está querendo me dizer que vai embora...
— Creio que sim. Tenho meu futebolzinho logo mais, à
tarde... Você pode ficar o quanto quiser, desde que me leve o
livro autografado. Darei uma volta para conhecer a Bienal e
depois vou-me embora. O Ludovico me levará em casa, depois
voltará e ficará à sua disposição.
— Mas, eu não quero ir cedo. A Bienal tem tantas opções... Quero ver tudo, é minha primeira vez, acho magnífico
estar aqui.
— Tá certo! Fique à vontade e, quando terminar, ligue
para o Ludovico vir buscá-lo.
— Assim tá bom. Vai agora? Preciso de grana.
— Tome estes trocos e, se precisar de alguma coisa, use
o cartão, mas tenha cuidado e não saia daqui de dentro, a não
ser na hora de ir para o carro. Ainda assim, peça para o Ludovico esperar na saída e acompanhá-lo. Vou preveni-lo dessa
parte.
— Não se preocupe pai, tenho treze anos, sei me cuidar.
Se não soubesse, você não teria me deixado ir para a Disney
com a turma da escola. Pode ir tranqüilo e vê se o seu time ganha pelo menos hoje. Faz tempo que só amargam derrotas.
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Carlos sumiu no meio das pessoas. Júnior entrou na sala
dos computadores, conversou com a atendente e se inteirou
das condições de uso. Ao todo, eram seis computadores em
cada cabine e por pavilhão. Júnior estava no pavilhão verde.
— Pegue a senha e espere sua vez ali na sala de espera,
seu número é o sete — informou-lhe a atendente.
— Por quanto tempo posso usar o computador?
— Pelo tempo que quiser ou até descobrir o que procura.
Está com sorte, a cabine três ficou livre.
— Obrigado.
O barulho das conversas nas ruas da Bienal não era ouvido dentro das cabines. Quando Júnior mexeu no mouse, percebeu que o usuário anterior havia deixado o computador ligado.
Ele foi se identificando com o programa. Sala de imprensa,
restaurante VIP, número 433, praça do autógrafo. “Lógico que
era para os famosos”, pensou sorridente e satisfeito. Iria ver
muitos autores. Só precisava saber dos horários de cada um em
seus respectivos estandes e na Praça do Autógrafo.
Foi mexendo o mouse e descobrindo.
Café Literário. Com certeza alguma celebridade literária
passaria por ali. Era bom saber onde ficava.
Auditório Carlos Drumonnd de Andrade. Entendeu o valor da poesia e o respeito pelo nome do famoso autor.
— Oba! — exclamou sorridente.
Na tela do computador, viu onde ficava a entrada para o
público e escolas. Lembrou-se de Verinha, que havia prometido
vir com a galera da escola. Com um pouco de sorte, a encontraria e roubaria uns minutos da visita para dar um leve amasso
na gatinha, já que seu pai o havia deixado sozinho.
Logo na entrada, havia a Avenida Nelson Rodrigues. Pensou mais uma vez em voz alta: “Vamos às ruas!”.
Precisava descobrir o estande da Nobel, comprar o livro
A Maldição de Mar Saba e pegar o autógrafo do A. D. Fróss. Seu
pai ficaria muito triste se não o fizesse. O pavilhão verde parecia ser um campo de futebol com a grama bem aparada, de tão
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perfeita que era a colocação do tapete, cada estande com um
visual diferente do outro. Era incrível, o programa do computador revelava os estilos, nomes das editoras, livrarias e todos as
informações voltadas ao livro.
Rua T, na horizontal, de acordo com a entrada e com a
saída para o público e para as escolas. Ela ficava bem no meio
da Avenida Celso Furtado. As ruas eram seis, da saída para a
entrada, em ordem quase alfabética. Rua N, rua O, rua Q, rua
R, rua S, rua T. Faltava apenas a rua P.
“Tudo bem! Já achei a rua. Agora, preciso encontrar o
número do estande pra comprar o livro para o papai”, pensou.
Não foi difícil. Os números eram salteados, não seguindo
uma regra de colocação. À direita, no sentido da entrada para
os fundos do pavilhão, mais ao lado da Avenida Raquel de
Queiroz, descobriu o estande 380 da Editora Nobel. Então, não
havia mais dúvida. Verificou com atenção a exata colocação
para não se esquecer: na segunda rua, dobrando à direita da
entrada.
— Pronto! — murmurou sorridente. — Missão cumprida!
Encontrei!
Estava tonto diante da magnitude do complexo do pavilhão verde. Por mais de uma vez, exclamou:
— Puxa! 149 estandes apenas em um pavilhão. Realmente, a Bienal é monstruosa.
E contou um a um para ter certeza da quantidade dos
estandes, constatando que havia um grande precedente ao
nome Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. Se bem
que deveria ser mesmo grande para poder homenagear um país
como a França.
Pensou em ir conhecer o estande da França. Então, veiolhe à cabeça algumas frases em francês, do curso que desistiu
de completar, optando pelo inglês.
Admirou-se em frente ao computador pela imponência e
elegância do estande francês de quase uma quadra inteira, indo
do número 427 ao 450. Alliance Française, Bureau International
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de L’Edition Française, Consulado Geral da França, Embaixada
da França, Unipress, tudo em uma imensa loja. O peso da literatura Francesa imperando na Bienal. Entre tantas editoras, o
difícil era ler o nome de todas no programa.
Interligação de pavilhão do verde para o azul. À direita
estava o Auditório Maria Clara Machado; à esquerda, o espaço
reservado ao imaginário do autor.
Viu um homem vestido com casaco branco, calça preta e
camisa de gola alta, sentado com um caderno na mão. Admirou
o estranho e até pensou que fosse algum escritor fazendo jus ao
ambiente, escrevendo, quem sabe, um futuro best-seller.
O mouse parou misteriosamente e o programa foi interrompido assim que o homem do casaco branco apareceu.
Júnior perdeu o entusiasmo de continuar. Teve um momento
de desânimo. Tinha lido no jornal O Globo, do dia 07/05, na
agenda de notícias, de nome Prosa & Verso, sobretudo da XII
Bienal do Livro. Seu sonho era ir ao Espaço Waly Salomão, Jirau
da Poesia e Auditório. Ao contrário de seu pai, que preferia
livros de aventuras, ele manifestava vocações poéticas. No entanto, uma reviravolta inesperada tomou um novo curso em sua
expectativa.
Um chamado estranho, rouco, vindo do pavilhão azul,
sem uma direção exata, fez Júnior mudar de idéia e continuar em
frente ao computador. Mover o mouse não resolveria o impasse,
então, acomodou-se no assento e ouviu atento a voz intrigante.
Achou que poderia ser a voz do homem do casaco branco, que
aparecera escrevendo, mas logo entendeu que não era.
— Hei! Você é o Júnior? — perguntou-lhe a voz.
— Sim, sou eu mesmo. Como sabe meu nome?
— Sou um personagem igual a você, mas ainda não tenho nome e não o conheço integralmente. O autor vai me colocar no enredo deste mesmo livro que você está.
— Tá, isso eu sei. Nós não existimos na realidade, mas eu
tenho um nome, um pai, uma família. Sou um personagem
completo.
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