Desenho anatômico: uma análise multimodal DESENHO ANATÔMICO: UMA ANÁLISE MULTIMODAL Larissa Rossiter Gonzaga1 Universidade Federal de Pernambuco – UFPE Resumo: Este trabalho tem por finalidade analisar o gênero desenho anatômico utilizado em livros didáticos de Ciências do ensino fundamental. Nossa fundamentação teórica aborda três tópicos: (i) a multimodalidade textual atrelada à tecnologia (DIONISIO, 2004); (ii) a multimodalidade textual nos livros didáticos (DIONISIO, 2004) e (VAZ, 2001); (iii) a análise multimodal no gênero desenho anatômico (VAZ, 2001). Objetiva-se, portanto, analisar os aspectos multimodais na construção de tal gênero. Palavras-chave: desenho anatômico, gênero, multimodalidade. Abstract: This article analyses the anatomic drawing genre that is used in basic education textbooks of sciences. Our theretical basis involves three topics: (i) written multomodality conected to technology (DIONISIO, 2004); (ii) written multimodality in textbooks (DIONISIO, 2004; VAZ, 2001), and (iii) multimodal analysis about the anatomic drawing genre (VAZ, 2001). Therefore, the intent is to analyse multimodal features in the construction of this genre formation. Palavras-chave: anatomic drawin, genre, multimodality. Fundamentação Teórica As interações entre os seres humanos se inovam cada vez mais, através, sobretudo, da grande influência que as tecnologias nos proporcionam, permitindo a rápida propagação de informações e conseqüentemente, novas formas de apresentação da escrita, exigindo, de nós, múltiplas formas e fontes de linguagem a cada dia. 1 O trabalho é resultado da pesquisa Multimodalidade Discursiva: orquestrando palavras e imagens, coordenada pela professora Angela Paiva Dionisio. Ao pé da letra,7:73-80, 2005 73 Larissa Rossiter Gonzaga 74 Segundo Dionisio (2004:01), imagem e palavra mantêm, com o passar do tempo, uma relação mais próxima e cada vez mais integrada. Percebe-se uma união maior entre o visual e o escrito. Ainda, segundo Dionisio, a cada dia nossa sociedade temse tornado mais visual, sem, contudo, considerar a imagem em detrimento da palavra, pois o aprimoramento virá da harmonia entre as modalidades de construção do conhecimento. É interessante refletirmos como o design gráfico acoplado ao textual prende a nossa atenção, como guia o nosso olhar diretamente para a representação visual dos textos; chegamos mesmo a ficar por um bom tempo lendo as imagens até a exaustão. Tudo isso acontece porque o objetivo do designer gráfico é que sejamos “enlaçados” pelas imagens. Muitas vezes imagens bem elaboradas ajudam a leitura textual, proporcionando uma continuidade nessa leitura. Logo, a imagem nos motiva a ler o texto contíguo a ela. Analisar as imagens nos livros didáticos pode parecer uma abordagem já corriqueira, pois os livros acadêmicos sempre tiveram suas ilustrações, todavia, de acordo com Belmiro & Afonso (2001: 49), percebe-se um avanço pedagógico, por parte de professores que vêm transformando o modelo de ensino de memorização para um modelo de observação. VAZ (2001, 38), menciona algumas razões porque, hoje em dia, dá-se um destaque maior às ilustrações didáticas: (i) grande evolução tecnológica no processo de produção gráfica nas últimas décadas; (ii) melhor qualificação de profissionais que se especializam na criação e tratamento das ilustrações didáticas; (iii) exigência cada vez maior de qualidade por parte de autores dos livros e dos profissionais que trabalham para as editoras; (iv) rigidez nos critérios de avaliação dos livros didáticos por parte do MEC e de Secretarias Estaduais de Educação; (v) transformação dos consumidores desse tipo de livro em “leitores críticos”, pois o aluno passa a ter parâmetros de outros livros e de revistas e jornais bem elaborados, tornando-se mais exigentes e críticos com respeito ao seu material acadêmico de aprendizagem, distinguindo “imagens boas” de “imagens ruins”, apreciando-as ou rejeitando-as. Salientamos que, em nossa pesquisa não estamos nos referindo apenas à imagem como fotografias, desenhos anatômicos ou Ao pé da letra,7:73-80, 2005 Desenho anatômico: uma análise multimodal ilustrações. Nosso interesse recai nas imagens multimodais como um todo. Segundo Dionisio (2004; 2005), entende-se multimodalidade como a utilização de pelo menos duas formas de representação do conhecimento. No caso dos desenhos anatômicos, essas formas são: o desenho, as palavras, as expressões verbais, a fotografia, as setas, entre outras. Em outras palavras, um texto multimodal apresenta a informação através de recursos verbais (orais ou escritos) e de recursos pictoriais (estáticas ou dinâmicas). Devese observar se há um comprometimento entre a construção de imagens e os enunciados a ela referentes. De acordo com Lemke (2000:269), os gêneros multimodais podem ser ensinados em sala de aula, desde que, tanto professores quanto alunos, possam saber: o que eles são, para que são usados, que recursos empregam, como eles podem ser integrados um ao outro, como eles são tipicamente formatados, quais seus valores e limitações. Dionisio (2004: 8), lembra que “todo professor tem convicção de que imagens ajudam a aprendizagem, quer seja como recurso para prender a atenção dos alunos, quer seja como portador de informação complementar ao texto verbal”. As imagens auxiliam na memorização de conteúdos, ratificam os acontecimentos, diminuem, em alguns casos, o esforço mental e cognitivo para a compreensão de textos que são acompanhados de imagens, dentre tantas outras vantagens. Sabe-se que os professores têm consciência que somente com palavras, o texto pode tornarse cansativo, todavia, somente imagens sem o suporte verbal, seriam insuficientes para a compreensão. Palavras e imagens representam o conhecimento de formas diferentes, e possuem em seu conteúdo qualidades diferentes. No entanto, assim como Vaz (2001), que se mostra preocupado com o modo como as imagens são passadas nos livros instrucionais e se elas são consideradas antes, por especialistas na área, para depois serem expostas ao público leitor, nós também sentimos a necessidade de uma análise dessas imagens e evidenciamos a importância de observar como as imagens são construídas e como se dá a articulação entre tais imagens e os enunciados escritos que as acompanham. O gênero focalizado nesta comunicação é o desenho anatômico. A forma de disposição da imagem e da escrita na construção do desenho anatômico deve favorecer a transmissão do conteúdo ao Ao pé da letra,7:73-80, 2005 75 Larissa Rossiter Gonzaga aluno. Desenho anatômico pode ser definido como um gênero que é formado por um desenho que ilustra a forma e a estrutura de seres. Nosso estudo chama atenção para a anatomia de humanos, animais e plantas, pois se trata de desenhos anatômicos em livros de Ciências. 76 Desenhos Anatômicos em livros de Ciências: como se comportam? De acordo com o levantamento dos dados, registramos duas formas de constituição dos Desenhos Anatômicos, que são (i) desenho + palavra e (ii) desenho + fotografia + palavra. A forma desenho + palavra foi encontrada em 161 casos, sendo três na coleção da 5a série, 82 na da 6a série e 76 na da 8a série. A forma desenho + fotografia + palavra encontrada em seis casos todos na coleção da 7a série. Quanto à forma de apresentação das imagens, constatamos três variações: 1) Desenho do contorno do corpo (humano ou animal) com destaque para órgãos específicos, como podemos ver no exemplo (1), (2) e (3): (1) Ao pé da letra,7:73-80, 2005 (2) (3) Desenho anatômico: uma análise multimodal 2) Desenho do corpo detalhado (humano ou animal) com destaque para órgãos específicos, como em (4) e (5): (4) (5) 3) Desenho de órgão específico com destaque para elementos que o constituem como pode ser visto no exemplo (6): (6) 77 Analisando os exemplos (1), (2) e (3), verificamos que esses desenhos anatômicos são verdadeiros glossários visuais. Tem-se um verdadeiro caso de definição icônica, na qual se apresenta a imagem de órgãos, tecidos, parte de órgãos, substituindo uma definição por meio de palavras. A nomeação de partes do corpo se dá verbalmente, através de termos substantivos, tais como: Ao pé da letra,7:73-80, 2005 Larissa Rossiter Gonzaga 78 traquéia, brônquios, órgãos do sistema digestivo, órgãos do sistema nervoso central e periférico. A esses desenhos anatômicos denominamos de glossário visual. Esses desenhos não exigem tamanha concentração, pois a imagem está servindo de apoio ao texto escrito. A imagem em si não “explica” nada, ela representa uma região no corpo, indicada pelos termos. Porém, salientamos que, nesses casos, a imagem tem o papel eficiente, fazendo com que o aluno tenha uma representação visual dos temas citados. Nos exemplos (1), (2) e (3), os desenhos anatômicos sempre mostram o contorno do corpo humano/animal com destaque aos órgãos, já que estes são o foco de interesse. Tal recurso reforça a necessidade de lermos os destacados. Nos exemplos (4) e (5), os desenhos anatômicos indicam alguns órgãos que formam sistemas. Os órgãos também são nomeados, mas o corpo não é contornado; nota-se aqui que parece haver uma necessidade de demonstrar “maior realidade” à imagem. Essa visão comprova-se em (4), onde se trata da inspiração e o aumento da caixa toráxica como conseqüência A idéia do desenho é dar vida ao animal, como se ele estivesse de fato inspirando. Logo é importante que o coelho não esteja somente contornado, mas sim que tenha a forma de um corpo com todas as características próprias de um ser vivo. Outra forma de construção de desenho anatômico encontrada consiste no tipo representação de processos, ou seja, aqueles que mostram o funcionamento de sistemas no corpo, como apresentados em (7) e (8): (7) Ao pé da letra,7:73-80, 2005 (8) Desenho anatômico: uma análise multimodal Nesses tipos de desenhos, a escrita alfabética identifica os órgãos e as setas sinalizam o processo que está sendo representado. Observando o exemplo (7), nota-se que a demonstração do fluxo da imagem é guiada por setas indicando como se deve ler para resgatar as etapas do desenvolvimento da imagem. O desenho resume tal explicação: o alimento irá para o sistema digestivo e, quando excretado levará o ovo da tênia consigo, o qual ao ser ingerido pelo porco se alojará em sua musculatura. Também se nota a necessidade da escrita para facilitar a compreensão da imagem. O exemplo (8) é, constituído por desenho + fotografia + palavra, também caracteriza um processo, pois percebe-se a sinalização através de linhas que irão fazer uma ligação do dedo ao cérebro. O interessante é notar que apesar de o cérebro estar destacado em tamanho maior, não há qualquer possibilidade de o aluno começar a leitura a partir dele, porque além da sinalização que indica o caminho da leitura, o dedo chama atenção do leitor, por ser a única fotografia do desenho, logo, mais um motivo para que o olhar do aluno caia sobre o ponto de partida da ilustração. Considerações finais Percebe-se a importância de imagens multimodais nos livros didáticos, vistas, sobretudo, através do gênero desenho anatômico; e como, através de variadas formas, pode-se apontar esses aspectos acadêmicos para com os alunos, para a melhoria do ensino fundamental. Espera-se que a breve comunicação aqui apresentada se torne útil, aperfeiçoando ou, até mesmo, contribuindo para modificar a mentalidade acadêmica de professores em relação ao material multimodal em sala de aula. Referências Bibliográficas BELMIRO, Célia Abicalil & AFONSO, Delfim. 2001. A imagem e sua dimensão cultural na formação de professores. Presença Pedagógica. v.7, n.40, jul/ago. Minas Gerais. Ao pé da letra,7:73-80, 2005 79 Larissa Rossiter Gonzaga CRUZ, Daniel. Ciências e Educação Ambiental 5a série. Ed. 34. São Paulo, Ática, 2003. CRUZ, Daniel. Ciências e Educação Ambiental 6a série. Ed. 34. São Paulo, Ática, 2003. 80 CRUZ, Daniel. Ciências e Educação Ambiental 7a série. Ed. 34. São Paulo, Ática, 2003. CRUZ, Daniel. Ciências e Educação Ambiental 8a série. Ed. 34. São Paulo, Ática, 2003. DIONISIO, Angela. 2006. Gêneros multimodais e multiletramento. In: KARWOSKI, A.M; GAYDECZKA, B e BRITO, K. S. (orgs). Gêneros textuais relfexões e ensino. Rio de Janeiro, Lucerna. VAZ, Paulo Bernardo. 2001. Comunicação na educação: palavras e imagens. Presença Pedagógica. v.7, n.40, jul/ago. Minas Gerais. Ao pé da letra,7:73-80, 2005