Competitividade: desafios do novo governo(*) Lúcia Maria Oliveira Maldonado, economista. As palavras de ordem são desafio e competitividade, segundo o novo governo. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Fernando Pimentel, em seu discurso de posse, em 3 de janeiro deste ano, destacou serem muitos e conhecidos os desafios da economia brasileira: guerra cambial mundial, “com reflexos na nossa balança comercial e efeitos perversos nas nossas indústrias”; taxas de juros ainda em níveis não desejáveis, exigindo esforço de disciplina fiscal para sua redução, “uma tarefa de delicada engenharia econômica e política”; necessidade de elevação do nível dos investimentos públicos em infraestrutura e reconhecida “carga tributária elevada, o que impacta na competitividade dos nossos produtos”.1 Depois foi a vez do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, apontar os desafios do novo governo, na primeira reunião do Grupo de Avanço da Competitividade (GAC), em 2 de fevereiro, fórum de discussão formado por representantes do governo e do setor privado para discutir formas de manter o desenvolvimento sustentável da economia. Os grandes desafios a serem vencidos, segundo o ministro, são “primeiro desafio, melhorar as contas externas brasileiras, fazendo com que as exportações cresçam mais que as importações, enfrentar a guerra comercial e a questão cambial; segundo desafio, estimular a produção industrial (risco de desindustrialização, etc.) e aumentar a produtividade; e terceiro desafio, qualificação de mão-de-obra, um dos gargalos ao crescimento”.2 Existem desafios a serem vencidos também na agenda de desoneração — redução de tributos—, apesar do já implementado. Esses desafios exigem ações concretas para a realização das reformas fiscal e tributária, sem o que não serão equacionadas as contas externas; reduzidas as taxas de juros e a carga tributária; elevados os investimentos públicos em infraestrutura nem estimulado o investimento produtivo. O reajustamento da política fiscal e monetária, com forte redução de gastos de custeio e esforços para impedir novos gastos do governo, abrindo espaço para desonerações, redução da taxa de juros e mais investimentos, divulgado pelo Ministro da Fazenda como prioridade, é imperioso. Reforma tributária que simplifique, racionalize e modernize o sistema vigente, “apontando para uma base de arrecadação mais ampla e com a desoneração de atividades indutoras do crescimento, em especial dos investimentos, assim como dos bens de consumo popular", defendida pela presidenta Dilma Rousseff em seu pronunciamento na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional3, é fundamental. Sem essas ações será questionável a manutenção do desenvolvimento sustentável da economia. Algumas propostas de medidas paliativas e pontuais para vencer os desafios da competitividade, ou da falta de competitividade, foram anunciadas pelo governo, como: Aperfeiçoar os procedimentos de defesa comercial; Elevar as alíquotas do imposto de importação para produtos com similares nacionais que enfrentem forte concorrência dos importados, em razão da apreciação da taxa de câmbio, como medida de defesa comercial, a ser aplicada setorialmente; ▪ Desonerar a folha de salários das empresas, pela redução da contribuição para a Previdência Social, de cerca de 20%. ▪ ▪ Essas iniciativas são ditadas pela concorrência acirrada dos países asiáticos, ou melhor, da China, que tem feito estragos em setores da indústria brasileira. Porém, merecem algum tipo de reflexão. 1 O discurso do ministro Fernando Pimentel está disponível em http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1294077333.doc 2 O discurso do ministro Guido Mantega está disponível em http://www.fazenda.gov.br/audio/2011/fevereiro/a020211.mp3 (áudio) 3 Mensagem ao Congresso Nacional, 2011. Apresentação. pág. 14, disponível em http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/publicacoes/index_html_mensagens_ao_congresso/mensagem-aocongresso-nacional-2011 Gráfico 1: Importações brasileiras por fator agregado 18,6% 2005 13,1% 2010 3,9% 4,3% Ásia = 35,9 % Ásia = 28,2 % 77,1% 83,0% Básicos Semimanufaturados Básicos Manufaturados Tabela 1. Participação por fator agregado Básicos Ano Importação 1 Semimanufaturados 2 Ásia Importação 1 2 Ásia 1 3,8% 2 Ásia 2000 13,1 4,2 3,8 3,1 83,2 17,7 2002 14,5 7,5 3,6 3,6 82,0 19,2 2005 18,6 5,6 4,3 4,1 77,1 28,2 2008 18,3 5,8 5,1 2,7 76,6 34,0 2009 14,7 4,0 4,0 3,7 81,3 33,9 2010 13,1 7,1 3,9 3,7 83,0 35,9 Fonte: SECEX/MDIC 1 Participação no total das importações brasileiras, por fator agregado 2 Participação da Ásia, exclusive Oriente Médio, por fator agregado Manufaturados 13,1% 2000 % Manufaturados Importação Semimanufaturados Ásia = 17,7 % 83,2% Básicos Semimanufaturados Manufaturados Tabela 2: Importações brasileiras da Ásia Valor: US$ bilhões Quantidade: milhões de toneladas 2000 País 2002 2 Valor Quant. Preço médio Total Brasil 1 Total Ásia % 3 China % 3 Coréia do Sul % 3 Japão % 3 % 3 Índia Taiwan % 3 Tailândia % 3 Malásia % 3 Indonésia Valor Quant. Preço médio 92,8 0,6 47,2 91,5 0,5 73,6 93,6 8,6 5,1 1,7 8,0 9,8 0,8 16,9 6,9 15,4 5,5 16,9 10,7 22,9 7,3 1,2 2,0 1,6 4,5 5,4 2,7 2,2 2,1 3,3 4,9 7,3 2,9 1,4 0,5 1,1 0,3 2,3 0,3 2,6 0,5 2,3 0,3 3,2 0,4 3,0 0,7 2,3 0,8 3,4 0,8 5,3 0,7 5,0 0,9 4,6 0,9 0,3 0,3 0,6 1,5 1,2 1,5 0,5 0,3 1,2 1,7 1,6 1,6 0,8 0,2 0,7 0,2 1,3 0,2 1,5 0,2 1,5 0,2 1,8 0,2 0,2 0,1 0,2 0,2 0,5 0,2 0,4 0,1 0,4 02 0,7 0,2 0,5 0,1 0,4 1,2 0,6 0,2 0,9 0,1 0,8 1,3 0,9 0,2 0,3 0,5 0,5 0,5 0,7 0,5 0,6 0,5 0,9 0,7 1,6 0,4 1,9 0,8 2,2 0,5 0,2 0,7 0,4 0,8 Demais da Ásia 0,9 0,5 3 1,7 0,5 % Valor Quant.. Preço médio Fonte: AliceWeb/MDIC 1 Exclusive Oriente Médio 2 Preço médio = US$ bilhões / milhões ton. 3 Participação nas importações brasileiras 0,6 2,9 4,3 0,9 4,7 2,2 3,5 0,4 1,9 0,3 4,2 3,0 0,4 3,9 1,0 0,3 0,6 1,3 2008 2 55,9 3 % 2005 2 Valor Quant. Preço médio 0,8 173,0 2,5 2,0 6,7 4,1 0,8 6,7 3,3 3,9 0,9 3,8 2009 2 124,5 47,1 14,7 27,2 11,8 20,0 6,9 11,6 5,6 5,4 1,0 3,1 0,8 6,8 0,8 3,9 0,7 3,6 2,4 2,1 2,0 3,5 1,0 2,0 0,8 1,4 0,2 0,8 0,2 1,6 0,3 0,9 0,2 1,1 0,6 0,6 0,4 3,6 1,5 2,1 1,2 Valor Quant. Preço médio 1,4 127,7 3,2 2,9 5,3 8,2 1,5 3,5 5,9 6,3 2,0 2,4 2010 2 103,9 36,1 10,4 28,3 10,0 15,9 4,5 12,5 4,3 4,8 1,6 3,8 1,5 5,4 0,5 4,2 0,5 2,2 1,5 1,7 1,4 2,4 0,8 1,9 0,8 1,3 0,2 1,0 0,2 1,2 0,3 1,0 0,2 1,0 0,5 0,8 0,5 2,0 0,5 1,5 0,5 2 Valor Quant. Preço médio 2 1,2 181,7 3,5 3,5 3,1 10,1 1,5 2,8 6,3 4,9 1,9 3,7 138,2 1,31 56,1 19,3 2,91 30,9 13,9 25,6 8,4 14,1 6,1 8,4 2,8 4,6 2,0 7,0 1,2 3,8 0,9 4,2 3,7 2,3 2,7 3,1 0,9 1,7 0,6 1,8 0,3 1,0 0,2 1,7 0,3 1,0 0,2 1,5 0,7 0,8 0,5 2,7 1,1 1,5 0,8 3,05 3,02 5,92 1,15 3,63 6,61 5,15 2,21 2,5 Os processos de defesa comercial demandam complexos e custosos procedimentos, assim, medidas voltadas à simplificação serão sempre bem-vindas. “Muitos advogam que o governo brasileiro não é suficientemente ativo na adoção de instrumentos de defesa comercial. Isso não é exatamente verdade. A participação da China no total das investigações de dumping abertas no biênio 2008/2010 é de 24% (dados até outubro), muito superior à participação do País no total das importações brasileiras. Além disso, em 2010, o País foi o segundo entre os membros da OMC com maior número de investigações iniciadas. Portanto, não se pode acusar o governo de falta de ativismo nessa área.Mais importante é o fato de que, se a estratégia brasileira para enfrentar a competição com produtos chineses no mercado nacional estiver centrada em mecanismos de defesa comercial, estamos perdidos. Esses instrumentos servem para aumentar o 4 custo de importação de produtos específicos, depois de cumprir complexos procedimentos.” A imposição de direitos tem espaço e efeito limitados, e um tempo para processamento, por mais pró-ativo que seja o governo, o que levará a resultados em médio prazo. A elevação do imposto de importação também tem amplitude limitada, por demanda interna crescente requerer oferta compatível, o que nem sempre é atendido pelas cadeias produtivas nacionais, levando à aquisição de insumos e de bens finais de fornecedores estrangeiros. Conter a demanda com encarecimento da importação pode não resultar no almejado, pois o custo Brasil e a manutenção da valorização do real acabarão por compensar a majoração da alíquota, ainda mais que o limite do imposto é de “apenas” 35%. Leve-se em conta, ainda, expressiva parte das importações ser de matérias-primas e produtos intermediários — básicos e semimanufaturados segundo a classificação das estatísticas de comércio exterior —, que “alimentam” a indústria brasileira na sua perseguição pela competitividade e auxiliam as políticas econômicas a conter da inflação, como pode ser observado no reduzido nível da alíquota real média para setores mais sensíveis da economia. Tabela 3: Alíquotas médias do imposto de importação % 2000 2002 2005 2008 2009 jan-nov 2010 Grandes Categorias Econômicas Com acordos Real Com acordos Real Com acordos Real Com acordos Real Com acordos Real Com acordos Real Alimentos e bebidas 3,87 3,63 4,28 3,64 3,88 3,11 0,04 3,36 4,21 3,75 4,76 4,36 Insumos industriais não especificados em outra categoria 9,06 7,23 7,18 5,38 6,51 4,58 6,30 4,66 7,09 5,49 7,40 5,95 Combustíveis e lubrificantes 2,33 2,06 0,10 0,07 0,07 0,05 0,05 0,04 0,08 0,07 0,07 0,06 Bens de capital, peças e acessórios 14,07 9,06 10,81 6,39 10,20 5,67 9,66 6,18 9,36 6,35 9,60 6,39 Equipamento de transporte, peças acessórios 13,14 8,76 12,73 7,23 10,47 5,18 10,01 5,96 9,70 6,62 11,41 8,39 Bens de consumo não especificados em outra categoria 14,64 11,96 10,13 7,74 12,09 9,94 13,31 12,03 13,19 12,15 13,41 12,65 Outros bens não especificados em outra categoria 21,74 0,75 5,12 0,85 9,27 4,79 9,63 3,98 8,34 1,30 9,40 0,41 Total 10,04 7,21 7,71 5,07 7,02 4,35 6,75 4,71 7,38 5,51 7,68 5,85 Fonte: Relatórios de Importações. Estudos Estatísticos. Receita Federal do Brasil - Alíquota média calculada com acordos: II calculado é o resultado da aplicação da alíquota nominal da Tarifa Externa Comum - TEC a cada mercadoria efetivamente importada, dividido pelo Valor Tributável — base de cálculo do II —, com os efeitos das alíquotas estabelecidas nos acordos internacionais pela OMC, Aladi e MERCOSUL - Alíquota média real: II efetivamente pago dividido pelo Valor Tributável. Não há muito tempo, as mesmas causas e efeitos que justificam a adoção de aumento tarifário setorializado levaram à tributação ad rem do imposto de importação, ou seja, incidência sobre base física — peso, quantidade, etc. — de um valor monetário fixado. É uma alíquota específica do imposto de importação, prevista no Código Tributário Nacional e utilizada no Brasil até a entrada em vigor da Tarifa Externa Comum do Mercosul – TEC. A vantagem da alíquota específica é poder ser conjugada com a ad valorem, possibilitando uma intervenção “cirúrgica”, ou seja, sobretaxar apenas produtos de setores determinados que sejam ameaçados pela concorrência predatória externa. Poderá ser fixada e alterada por ato do Executivo, respeitado o limite da Lei, e uma vez restabelecida a competitividade do produto e do produtor nacional, bastará eliminar a tarifa específica, retornando à ad valorem. 4 Sandra Polônia Rios. Nova estratégia brasileira para a China? O Estado de S.Paulo. 8.1.2011 Apesar da aparente simplicidade na execução, a proposta de elevação do imposto de importação apresenta alguns complicadores, como produtos mais afetados pela concorrência estrangeira já terem a alíquota máxima da TEC e, no caso de adoção de alíquota específica ou de aplicação conjugada da específica e da ad valorem, as alíquotas não poderem ultrapassar o limite de 35%, nível máximo tarifário. A terceira proposta anunciada pelo governo para vencer os desafios da competitividade — desoneração da folha de salários das empresas — era matéria mais complexa, quer por aspectos legais, quer orçamentários. Proposição natimorta, parece ter sido enterrada de vez, diante das intenções da “consolidação fiscal” recém-anunciada, que prevê cortes de gastos no orçamento de 2011. O anúncio do ajuste fiscal, por outro lado, poderá levar à perspectiva de uma primeira ação para um dos maiores desafios do novo governo, uma reforma fiscal que abra caminho para discussões concretas para a reforma tributária. A bem da verdade, tanto uma quanto outra ainda deverão transpor inúmeros e grandes obstáculos, tanto no âmbito federal, como estadual e municipal — afinal ninguém quer perder receita, nem deixar de realizar despesas —, postergando a concretização desses desafios para um horizonte longínquo. À mercê das ações governamentais, o setor produtivo nacional continua a enfrentar os desafios da competição de produtos importados no mercado doméstico e de competir com seus produtos no mercado externo. Esses desafios resumem-se em uma palavra, portanto, competitividade. Já se perdeu a conta das análises e dos diagnósticos realizados por entidades empresariais, instituições e centros think tank brasileiros, que se constituíram em “agendas para a competitividade”, com propostas à eliminação dos gargalos históricos ao crescimento sustentável e ao comércio exterior, em especial à exportação, entre as quais, exemplifique-se: - simplificar e racionalizar o aparato burocrático, que ainda incorpora procedimentos coloniais, onerando as atividades produtivas; - reduzir e simplificar os tributos e as obrigações acessórias do sistema tributário brasileiro, com medidas específicas de desoneração de impostos e contribuições, até que seja realizada a reforma tributária; - garantir a desoneração das exportações — inclusive efetivando o ressarcimento dos créditos acumulados por operações de venda ao exterior, que atingem muitos milhões de reais, tanto em tributos federais (IPI, PIS/PASEP e COFINS), como estadual (ICMS) — e dos investimentos produtivos; - desenvolver real política industrial, que garanta a convivência harmoniosa entre produção doméstica e importações necessárias às atividades produtivas, para eliminar os presentes temores da “desindustrialização” nacional; - aperfeiçoar o sistema de financiamentos e garantias, com aumento dos recursos às operações de produção e exportação de bens e serviços; - melhorar a infraestrutura de transportes e o sistema de logística. Como se observa, os problemas a serem enfrentados, por parte do governo e do setor privado, não são poucos, nem simples, mas terão que ser enfrentados. Temos que ter fé em que os desafios à competitividade, palavras de ordem no primeiro mês do novo governo, serão vencidos, e como brasileiros, “Andá com fé eu vou Que a fé não costuma faiá...”5 Letra da música “Andar com fé”, Gilberto Gil. (*) artigo publicado no Informativo de Comércio Exterior AEB nº 107 – Ano XII - Fevereiro de 2011 5