Defesa pessoal. Disparam pedidos de licença de uso de arma
Ourives de Benfica tinha licença para uso de arma há 30 anos. Disparou
e feriu dois assaltantes com gravidade. MP investiga
Jornal “i”, 15-02-2012
Eram 18h40 e a ourivesaria na Estrada de Benfica, Lisboa, estava quase
a fechar. António Cruz, 54 anos e ourives há mais de 20, estava junto ao
balcão, perto dos degraus que dão para a cave. Na loja estava uma
empregada
e
um
segundo
homem.
De
repente,
entram
cinco
encapuzados, de arma em punho. “Pensei que tinha de fazer alguma
coisa. ‘Os gajos matam-me já’”.
Foi o primeiro assalto à ourivesaria Jardim, na tarde de segunda-feira.
António Cruz desceu à cave e subiu com a pistola para a qual tem
licença “há mais de 30 anos.” Já não viu o homem nem a empregada,
que pensou que estivesse caída. Atirou e acertou em dois dos
assaltantes, feridos com gravidade, agora internados com prognóstico
estável. Os outros fugiram. António Cruz sabia que tinha havido outro
assalto a uma ourivesaria na Estrada de Benfica há pouco tempo, mas
além da pistola na cave não tinha nenhum cuidado especial. A partir de
agora pretende manter a porta da ourivesaria sempre fechada. Dados da
PSP, cedidos ao í, mostram que entre 2009 e 2010 as concessões iniciais
para armas de defesa pessoal aumentaram 19 vezes, de 12 para 234.
Até Outubro do ano passado foram atribuídas 197 licenças pela primeira
vez. Nestes anos, foram emitidas respectivamente 3014 e 765 licenças, a
grande maioria renovações, que no caso da licença B1 – autorização de
António Pragal Colaço & Associados – Sociedade de Advogados
Rua Rodrigues Sampaio, n.º 96, R/C Esq. 1150-281 Lisboa
Tel.: 21 355 39 40 / Fax: 21 355 39 49
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uso arma por razões profissionais ou circunstância de defesa pessoal ou
de propriedade – têm de ser pedidas a cada cinco anos. Tendo em
contas as licenças emitidas desde 2009, há pelo menos 6600
portugueses com autorização de uso de arma para defesa pessoal. Dos
pedidos submetidos até Outubro, entre novos, renovações e segundas
vias, 1800 ainda estarão em análise.
Além da prova de idoneidade e certificado médico, quem pretenda este
tipo de licença tem de ter um certificado de formação técnica e cívica
para uso e porte de arma Entre 2010 e 2011 a PSP ministrou 33 cursos a
empresários – ourives, taxistas ou do ramo hoteleiro – ou a profissionais
liberais, médicos, advogados, solicitadores, fiscais, exemplifica. Há
ainda cursos dirigidos a guardas nocturnos.
Se ter uma arma para defesa pessoal é algo previsto na lei, apurar se
esta é usada em legítima defesa não é linear, nem anula o facto de
potencialmente poder existir um crime. Fonte oficial da ProcuradoriaGeral da República confirmou que foi instaurado um inquérito no DIAP
de Lisboa. Paulo Farinha Alves, sócio da PLMJ da área da prática de
direito contencioso, explica ao í que, numa situação destas, se a pessoa
não foi detida inicialmente, a polícia terá entendido que houve
justificação. Mas esta leitura pode mudar ao longo da investigação. Num
cenário com estes contornos, adianta o advogado, poderá surgir uma
acusação de ofensa à integridade física ou tentativa de homicídio e a
questão da legítima defesa só pode ser valorizada em julgamento,
podendo atenuar a pena A proporcionalidade dos meios usados é uma
questão chave, diz Farinha Alves. “A lei é muito exigente. Se me ameaçar
com um estalo, não posso responder com uma facada.” Depois, a
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percepção da ameaça pode ser deturpada’ um utilizador inexperiente
pode confundir uma ameaça com uma arma de plástico com uma real,
exemplifica Pode ainda atirar logo para zonas vitais quando seria
possível ameaçar primeiro, disparando para o ar. Tudo questões que
podem pesar na investigação e decisão do MP. António Cruz
desconhece o que poderá acontecer. “Processos tem de haver sempre,
agora não há nada a fazer. Ainda bem que baleei e não fui baleado,
defendi a minha integridade física e a dos meus.”
Na lei, considera-se legítima defesa se o facto for praticado como “meio
necessário” para repelir a agressão actual e ilícita. Se houver excesso
dos meios empregados, o facto é ilícito mas a pena pode ser atenuada O
agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou
susto, não censuráveis. Neste caso, “vai depender muito da prova que
for feita”, diz o advogado.
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