OS PORTUGUESES NOS EUA
PALCUS
Associativismo e Cidadania
10 projectos FLAD
para os Açores em 2008
ISSN 1646-883X
Presidência portuguesa
nos jornais americanos
Inverno
2007
01
Fundação Luso-Americana
Conselho Directivo:
Teodora Cardoso (Presidente)
Embaixador dos Estados Unidos da América
Jorge Figueiredo Dias
Jorge Torgal
Luís Braga da Cruz
Luís Valente de Oliveira
Maria Gabriela Canavilhas
Michael de Mello
Vasco Graça Moura
Conselho Executivo:
Rui Chancerelle de Machete (Presidente)
Charles Allen Buchanan, Jr
Mário Mesquita
Secretário-Geral: Fernando Durão
DIRECTORes: Maria Idalina Salgueiro, Fátima
Fonseca, Paulo Zagalo e Melo, Miguel Vaz
Responsável pelos Serviços Financeiros:
Maria Fernanda David
Responsável pelos Serviços Administrativos:
Luiza Gomes
Assessores: João Silvério, Rui Vallêra
e António Luís Vicente
Rua do Sacramento à Lapa, 21
1249-090 Lisboa | Portugal
Tel.: (+351) 21 393 5800 • Fax: (+351) 21 396 3358
Email: [email protected] • www.flad.pt
Paralelo
DIRECTOR: Rui Chancerelle de Machete
EDITORA: Sara Pina
coordenadora: Paula Vicente
secretariado da redacção: Cristina Cambezes
e Sofia Roquete
Colaboram neste número: Ana Sofia Lopes,
Ana Teresa Peixinho, Andreia Aparício,
António Oliveira, Bárbara Reis, Carla Maia
de Almeida, Carlos Gaspar, Clara Pinto Caldeira,
Elisabete Vilar, Gilberta Rocha, Helena Garrido,
Joana Loureiro, João Silvério, Jorge Simões,
José António Rodrigues, Maria José Garrido,
Mónica Ferreira, Nuno Mota Pinto,
Patrícia Fonseca, Pedro Granadeiro, Rita Siza,
Rui Ochôa e Sónia Lamy
Design: José Brandão | Susana Brito [Atelier B2]
Impressão: Textype
TIRAGEM: 2000
1500 exemplares
exemplares
[email protected]
Depósito legal: 269
114/07
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ISSN 1646-883X
© Copyright: Fundação Luso-Americana
para o Desenvolvimento
Todos os direitos reservados
Paralelo é uma publicação institucional
o mais próxima possível do jornalismo.
Caro leitor
P
ortugal e os Estados Unidos estão no mesmo paralelo geográfico.
A desproporção em termos de poder é evidente, mas a história
mostra que os nossos países foram (e são), muitas vezes, aliados na
defesa de valores e interesses comuns.
Paralelo é a revista da Fundação Luso-Americana. Não se destina ao público
em geral, mas a todos os que se interessam pela actividade da FLAD e não
querem perder de vista as relações transatlânticas. Por paradoxal que seja,
gostaríamos de ser uma publicação institucional o mais próxima possível
do jornalismo.
Desde o apoio à comunidade luso-americana nos Estados Unidos,
através das suas organizações representativas (como o Palcus), à
investigação científica na área da saúde, passando pela intensificação
dos laços entre a Fundação e a Região Autónoma dos Açores, são vários
os temas tratados divulgando actividades da FLAD com vista ao
desenvolvimento de uma cooperação voltada para o futuro. Sara Pina
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
índice
capa
Jorge Martins
contracapa
Abraão Ortelius
Copérnico
1986-1991
150 x 150 cm
Theatrum Orbis Terrarum
(pormenor da carta)
1579
Imagem
gentilmente cedida
pelo pintor
5 [Editorial]
11 [Saúde]
20 [Açores]
O Português nos EUA:
uma aposta estratégica
Rui Chancerelle de
Machete
Investigação
em oftalmologia
Entrevista com
Cunha-Vaz
Projectos para os Açores
16 | Do Washington
Medical Center
ao Hospital de S. João
no Porto
Entrevista com
Filipe Bastos
22 | Investimento em
20 | Conselho Executivo
reunido em Angra
Formação Profissional
23 [Economia]
26 [Ambiente]
32 [Sociedade]
37 [Opinião]
50 [Crítica de livros]
A banca portuguesa
e a protecção
do ambiente
30 | Alterações
Integração
dos imigrantes
Crónica de Bárbara Reis
•
Climáticas
62 | Bloco de Notas
de Mário Mesquita
Tema de capa
Os Portugueses
nos EUA
47 | Quando
Portugal abraçou
o mundo
– exposição
na Smithsonian
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
Vertigem Americana,
Bernard Henri-Lévy
• Floresta Portuguesa,
José Neiva Vieira (org.)
• A América
e os americanos,
John Steinbeck
• Tradições Portuguesas,
Cota Fagundes e Irene
Blayer (org.)
• O Faial e a Periferia
Açoriana nos séculos XV
a XX, Núcleo Cultural
da Horta
• A Reforma das
pensões em Portugal,
Pedro Rodrigues
e Marvão Pereira
• Estudar nos EUA,
Pedro C. Pinto
6 | Revista da
39 | Carta do Palcus
57 | Mostra FLAD na
60 | Ana Hatherly
imprensa americana
a George W. Bush
Embaixada de Portugal
em Washington
O Fim da Revolução
38 | A participação
41 | Quando
cívica dos
luso-americanos
Fernando Pessa
dava voz
ao Plano Marshal
59 | Colecção de Arte
da FLAD nos Açores
BREVES
Aconteceu na FLAD...
Geopolítica do português
A Língua Portuguesa pode e deve ser vista
como um activo no processo de internacionalização da economia do país. Foi neste
pressuposto que a Fundação Luso-Americana (FLAD) convidou o Ministério
da Educação, o Instituto Camões, a Agência
para o Investimento e Comércio Externo
de Portugal (AICEP) e outras entidades a
debater as linhas estratégicas para a afirmação da Língua Portuguesa no Mundo.
A reunião teve como objectivos: analisar
as dimensões políticas e económicas da
promoção da Língua Portuguesa; aprofundar sinergias entre as entidades que actuam
nesta área; avaliar as melhores práticas
internacionais e definir indicadores de avaliação do sucesso da Língua Portuguesa no
estrangeiro. O debate, orientado por Rui
Machete, foi introduzido por conferências
de ·Nicholas Ostler (doutor em linguística
pelo MIT) e David Graddol (autor do relatório English Next 2006), no âmbito do
British Council (informação desenvolvida
no próximo número da Paralelo).
Câmaras de Comércio
Açorianas em Lisboa
Os representantes das câmaras do comércio açorianas estiveram na FLAD para abordar o estreitamento de relações entre as
câmaras a nível nacional e as possibilidades
de articulação com as congéneres americanas. Sandro Paím da Câmara do Comércio
de Angra do Heroísmo, Carlos Costa
Martins, Hélder Fialho e Mário Custódio
de Ponta Delgada e Fernando Guerra da
Horta reuniram com Rui Machete, presidente do Conselho Executivo, Mário
Mesquita, administrador, e Fernando Durão,
secretário-geral da Fundação.
Parceria estratégica
Europa-África
A V Conferência Internacional FLAD –
Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) foi subordinada ao tema
“A UE e África: em busca de parceria
estratégica”. O evento antecipou a II
Cimeira UE-África com as participações
de Nuno Severiano Teixeira, ministro da
Defesa, António Monteiro, Enviado Especial
para a Cimeira UE-África, Aguinaldo
Jaime, ministro-adjunto do primeiro-ministro de Angola, e Vítor Borges, ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo
Verde, entre outros.
Entre os especialistas internacionais, destaque para a presença de Roberto Calderisi,
autor da obra marcante The Trouble with Africa:
Why Foreign Aid Isn’t Working. Com mais de
30 anos de experiência no terreno –
Calderisi trabalhou para o Banco Mundial,
tendo sido porta-voz em África desta organização –, o autor é bastante crítico em
relação às actuais políticas de ajuda internacional.
livro intitulado Beyond Suspicion: Rethinking US
Turkish Relations, foi organizado um seminário sobre a “Turquia e as relações UE-EUA”.
O livro de Lesser é o culminar de um
projecto de 18 meses, no qual se analisa
os actuais desafios que os EUA e a Turquia
enfrentam no seu relacionamento e as
formas de reconstruir e reformular vínculos bilaterais entre os dois países.
A Turquia na Europa:
a visão americana
Com a participação de Ian Lesser, especialista em relações internacionais do German
Marshall Fund, que apresentou o seu novo
A revolta do Amistad
evocada em Lisboa
A Fundação Luso-Americana (FLAD) promoveu a passagem por Portugal do navio
Amistad, uma réplica da embarcação espanhola utilizada no tráfico de escravos que
esteve na doca da Rocha do Conde de
Óbidos, em Lisboa.
Durante a sua estadia em Portugal, de
quase um mês, o Amistad foi visitado por
dezenas de escolas. A bordo do navio e no
auditório da FLAD, em Lisboa, foram,
também, realizadas conferências sobre a
escravatura.
O Amistad entrou para a história em
1839, quando 53 escravos africanos tomaram de assalto o navio, numa saga imortalizada pelo filme com o mesmo nome,
realizado por Steven Spielberg. Durante a
viagem, o navio foi tripulado por estudantes oriundos de diversos portos da
bacia do Atlântico. Além dos trabalhos de
bordo, os tripulantes estudaram em detalhe o comércio de escravos e os principais
desafios na área do ambiente e da cidadania.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
editorial
O português nos EUA
uma aposta estratégica
Rui Chancerelle de Machete
O português é a terceira língua mais falada
no Ocidente e detém a oitava posição entre
as dez línguas mais usadas no mundo. Tal
expansão, pelas vantagens potenciais que
lhe advêm deveria merecer particular interesse aos seus falantes e esforços significativos aos governos dos seus Estados para
desenvolverem uma política concertada de
defesa e promoção da língua. É que, no
contexto globalizado em que vivemos, os
idiomas para além de por natureza serem
realidades dinâmicas, sofrem as pressões
dos concorrentes que disputam o seu papel
cultural e político ou, simplesmente, os
benefícios económicos que a sua utilização
proporciona.
‘
Foram infelizes as declarações do Presidente
Bush ao considerar o ensino do português
como segunda língua um gasto inútil.
’
Não são iguais os problemas de aprendizagem e difusão do português como língua
materna e do português como segunda língua, ainda que em muitos pontos se
interrelacionem. Essa interconexão é particularmente sentida no uso e ensino da língua nas comunidades emigrantes com
prolongada ou definitiva permanência no
estrangeiro e, mais agudamente, com as suas
segundas e posteriores gerações. Os Estados
Unidos da América, onde se radicaram e criaram comunidades de um largo número de
portugueses e cabo-verdianos e agora, em
número cada vez maior, de brasileiros, representa um bom exemplo dessa complexa problemática. Os Estados Unidos são também o
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
país que ocupa o primeiro lugar na investigação científica e na excelência universitária
e a economia mais desenvolvida. São, assim,
um teatro privilegiado para a experimentação e afirmação das políticas que procurem
manter o bilinguismo dos emigrantes e alcançar para o português o estatuto de uma das
grandes línguas da cultura e dos negócios.
Estes são os grandes objectivos do programa Portuguese Language Initiative criado
e prosseguido pela Fundação Luso-Americana desde 2003. É um propósito cheio de
ambição mas em que não se tem o irrealismo de pensar que a Fundação deva agir
isoladamente. Bem pelo contrário, procurou-se concitar os esforços conjugados
das comunidades emigrantes, da sociedade
civil e dos governos da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa – CPLP por
um lado, e dos Departamentos de Educação
dos governos dos Estados federados e das
universidades, por outro. O próprio governo federal americano, ao publicar diversa legislação sobre o ensino das línguas
estrangeiras e designadamente ao consi­
derar o português como língua estratégica,
cujo ensino deve ser acarinhado entre as
próprias Forças Armadas, contribuiu para
esse clima favorável. Recentemente, em
contracorrente, algumas declarações infelizes do Presidente Bush, no calor de uma
discussão política entre a Presidência e o
Congresso, introduziram uma nota dissonante ao considerar o ensino do português
como segunda língua um gasto inútil de
dinheiros públicos. Esperemos que a razão
e a ponderação dos dirigentes americanos
façam rapidamente esquecer este infausto
episódio.
REVISTA
INTERNACIONAL
DE IMPRENSA
Viagens do Olhar Americano
selecção de Nuno Mota Pinto*
Annapolis:
o custo do fracasso
Optimismo privado,
depressão pública
(…)
Algumas eleições são definidas pelo fosso entre ricos e pobres.
Se Annapolis falhar, a probabilidade de Israel voltar a ter um
interlocutor palestiniano moderado é perto de zero. Não ape- Outras são definidas pelo fosso entre esquerda e direita. Mas esta
nas o futuro de uma liderança palestiniana moderada mas eleição será decidida pelo fosso interno dentro dos eleitores inditambém o compromisso de todos os países árabes em nor- viduais – o fosso entre o seu optimismo privado e a sua depresmalizar relações com Israel após um acordo de paz sairão
são pública.
feridos. A insistência do Hamas em que a moderação, como (…)
é entendida por Israel, é um sinónimo de capitulação pales- Este fosso de felicidade entre o privado e o público cria um
tiniana tornar-se-á maioritariamente aceite, e não apenas no
vértice político traiçoeiro. Por um lado, significa que os eleimundo árabe.
(…)
Mais, se Annapolis falhar, as perspectivas de retoma de
um processo de paz viável numa qualquer data no futuro serão cada vez menores pela alteração do equilíbrio
demográfico na Palestina. Uma maioria árabe clara na
A magna carta de Kasparov
Palestina histórica, uma situação iminente, irá convencer
os palestinianos e os seus líderes que a busca de uma
solução de dois estados é uma tarefa insana. Poderão O mundo civilizado está em perigo. O Hezbollah, o Irão, e a
concluir que em vez de fechar um acordo por menos Coreia do Norte continuam a existir prestando contas mínimas
de 22 por cento da Palestina – isto é, menos de metade pelo perigo que colocam. A terroristas e ditadores são dadas
do território que a comunidade internacional confirmou as boas-vindas na arena da polida diplomacia, apesar do seu
ser o património legítimo da população árabe da desrespeito total, mesmo ódio, pelo que a civilização ocidenPalestina, na Resolução da ONU de Partição da Palestina
tal representa. O compromisso e a transigência estão a falhar
de 1947 – talvez seja melhor renunciar a um estado
como sempre falharam. Hoje, um novo conceito é necessário
palestiniano separado e em vez disso exigir direitos iguais para substituir os conceitos velhos e os acordos que ditam a
num estado de Israel que inclua toda a Palestina. Para
diplomacia global.
quê chegar a acordo por migalhas quando, como resultado da sua decisiva maioria, rapidamente se tornarão
(...)
na força cultural e política dominante em toda a Nações que valorizam a democracia e a vida humana controlam
Palestina?
hoje a maior parte dos recursos do mundo bem como do poder
(…)
militar. Se se unirem e se recusarem a alimentar os regimes
[ Henry Siegman, 21 de Novembro de 2007, Annapolis:
O Custo do Fracasso ]
párias e os patrocinadores do terror, a sua autoridade será
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
REVISTA DE IMPRENSA
tores estão desesperados por mudança. Por outro lado, não
querem uma mudança que abale as vidas que construíram para
si próprios.
Por um lado, pretendem que os líderes politicos da sua nação
tenham uma acção clara e determinada. Por outro lado, sentem-se extremamente cínicos sobre esses líderes e não estão dispostos a confiar neles em qualquer coisa que pareça vagamente
arriscada.
(…)
As suas casas são maiores. Possuem mais carros. Sentem-se mais
prósperos. Numa nação segmentada, criaram nichos de estilo de
vida para si onde se sentem optimistas e realizados.
Mas também sentem que a felicidade da sua vizinhança está
ameaçada por problomas globais que estão para além do seu
controle: terrorismo, custos crescentes com a saúde, dívida
pública ameaçadora, imigração ilegal, aquecimento global e a
ascensão da China e da India. Olham para estes crescentes problemas da mesma forma que as pessoas costumavam pensar a
propósito do crime – como intrusões estranhas na sua tranquilidade privada. E o governo parece não estar a fazer nada
para tratar deles.
Estes eleitores não acreditam que o governo possa elevar o seu
nível de vida ou liderar um renascimento ético ou moral. Querem
um governo federal que se concentre em poucas ameaças globais
– terrorismo, custos dos serviços de saúde, energia, financiamento de pensões e imigração – e que desapareça das dimensões
mais íntimas da sua vida. Querem um guarda-nocturno que
patrulhe a vizinhança sem entrar nas suas casas.
(…)
Em 1933, Franklin Roosevelt conseguiu lançar o New
Deal porque os eleitores queriam mudar o país e as
irresístivel. A sua riqueza combinada pode financiar tecnologias suas vidas. Mas hoje, as pessoas querem que o governovas para curar a adição ao petróleo, que actualmente finan- no mude para que as suas vidas permaneçam na mesma.
Os eleitores não querem ser transformados; querem
cia a preponderância a terroristas e ditadores.
ser defendidos.
(...)
No seu famoso discurso de 1946 em Fulton, Missouri, Winston
Churchill advertiu que as Nações Unidas, então recentemente
estabelecidas, deviam ser “uma força para a acção, e não meramente um fórum de palavras.” Podemos perceber hoje que os
seus avisos não foram levados em linha de conta. Os líderes do
chamado mundo livre falam sobre promover a democracia
enquanto tratam os líderes dos regimes mais autocráticos do
mundo como iguais. Uma Magna Carta Global proibiria esta
hipocrisia e forneceria uma motivação poderosa para a reforma.
As políticas de compromisso falharam em toda a linha e em
todo o mundo. Já é tempo de reconhecer este falhanço e de
tentar um trajecto novo.
[ Garry Kasparov, Maio/Junho de 2007 – 21 Soluções para Salvar o Mundo –
Problema: Ditadores; Solução:Uma Magna Carta Global ]
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
[ David Brooks, 30 de Outubro de 2007, O Fosso de Felicidade ]
O charme solarengo
de Portugal
Portugal, que detém a presidência rotativa da UE, fez
uso de uma mistura de charme solarengo e empenho
determinado para terminar meses de disputas técnicas
em torno de minudências jurídicas, escritas num jargão
técnico incompreensível, que fazem frequentemente
com que a UE se assemelhe a um denso nevoeiro aos
olhos de muitos dos seus cidadãos.
REVISTA DE IMPRENSA
Obter um acordo significou resolver impasses, muitas vezes
criados por governos nacionais fragilizados que tentavam
Sarkozy visto de Washington
marcar pontos políticos domésticos, sobre numerosos e obscuros protocolos, declarações, opt-ins e opt-outs. Entre as complicações: Como se contam exactamente os assentos no
É Sarkozy um homem sério? Alguns conservadores americanos
Parlamento Europeu? Quanto poder devem os Parlamentos
nacionais ter para produzir ou vetar legislação ao nível da consideram-no um espírito aparentado e pensam ver na sua
UE? E pode um estado-membro congelar legislação desfavo- eleição um sinal aconchegador do seu próprio renascimento
vindouro: sucedeu a dois mandatos de um presidente intensarável mesmo se os outros membros maioritariamente o não
mente impopular do seu próprio partido (Jacques Chirac), prodesejem?
metendo reformas claras.
(...)
(...)
O documento foi assinado, mas isso não significa que
a saga tenha terminado de vez. Para que o tratado produza efeitos em 2009 tem de ser ratificado por todos
os estados-membros. E pelo menos num país, a Irlanda
Multilateralismo nas vilas
– e eventualmente nalguns outros – o novo tratado será
e cidades
submetido ao voto popular através de um referendo.
(...)
Nenhum novo tratado pode ajudar a UE a superar
Esta quarta-feira Robert Zoellick apresentou a sua visão para
algumas divisões sérias que fermentarão no curto o Banco Mundial como um “catalizador de um dinamismo
prazo. Está pendente a aprovação de legislação fun- de mercado” que utilize as oportunidades da globalização de
damental destinada a radicalmente modernizar a estru- uma forma que seja simultaneamente “inclusiva e sustentátura regulatór ia dos sectores da energia e vel”.
telecomunicações da UE, incluindo a eventual cisão
O discurso – a primeira grande declaração de estratégia do
de grandes empresas monopolistas e detidas por Sr. Zoellick desde que se tornou Presidente do Banco Mundial
governos nacionais. Na linha da frente da política há 100 dias – posicionou-o como um determinado multilaexterna, movimentações conduzidas pela França para
teralista comprometido com o banco mas empenhado em
impor sanções económicas mais duras ao Irão encon- promover resultados mais efectivos.
traram resistência pela parte de outros estados-mem- “Uma globalização inclusiva e sustentável deve ser promovibros. E a questão de como tratar do Kosovo, em da pelas instituições globais,” disse o Sr. Zoellick. No seu
especial se este território declarar a independência melhor, afirmou, o banco poderá mobilizar recursos públicos
ainda este ano, poderá causar uma divisão na UE tão
e privados, financeiros e humanos para atingir resultados.
dolorosa como aquela aquando da guerra no Mas referiu: “Temos de mostrar que o multilateralismo pode
Iraque.
trabalhar muito mais eficazmente – não apenas em salões e
[19 de Outubro de 2007, Líderes da UE assinam novo tratado]
salas de conferência ou em comunicados, mas nas vilas e
cidades.” Zoellick defendeu que a globalização “oferece oportunidades incríveis” para milhares de milhões arrastados
para o mercado global desde que a Guerra Fria terminou.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
REVISTA DE IMPRENSA
Sarkozy conhece Adam Smith e Friedrich Hayek, que era um
dos heróis intelectuais de Margaret Thatcher. Sarkozy tem,
entretanto, afirmado, “eu não acordo todas as manhãs perguntando-me o que Hayek ou Adam Smith fariam.” Isso é,
infelizmente, óbvio. Uma fonte de fórmulas suspeitamente
opacas (advoga um “liberalismo regulado” e uma “globalização humana”), manifesta contentamento por “a palavra
‘protecção’ não ser mais um tabu.” (quando é que foi tabu
em França?). Comprometeu-se a manter as protecções ao
grupo francês mais protegido, os agricultores. Quando clama
por “uma genuína política industrial europeia” pergunta:
“a concorrência como ideologia, como um dogma, o que
tem feito pela Europa?” Pior, quer diminuir a independência
– politizando – da única instituição que pode salvar a França
de si própria, o Banco Central Europeu.
(...)
No livro Testemunho de Sarkozy, refere que há 30 anos a Grã-Bretanha
tinha um PIB 25 por cento mais baixo do que aquele da França.
Hoje é 10 por cento mais elevado. O que aconteceu? Margaret
Thatcher.
(...)
A taxa de desemprego da França não esteve abaixo de 8 por
cento em 25 anos – pelo menos desde 1982, quando
François Mitterrand fez inadvertidamente aquilo que
Thatcher fez intencionalmente: matar o socialismo.
No entanto, muitos “permanecem à margem e outros estão (...)
a atrasar-se cada vez mais”.
O esquerdismo francês é perfeitamente reaccionário.
(...)
Brandindo uma palavra com conotações semi-sagradas
Zoellick referiu que uma globalização inclusiva não é apenas em França, os socialistas afirmam ser “a resistência.”
um imperativo moral mas uma “matéria de interesse próprio” Não são por qualquer coisa; são contra ceder qualquer
para os cidadãos do mundo rico, uma vez que a pobreza tem um dos seus direitos adquiridos. Estão contra três
produzido instabilidade, degradação ambiental, imigração e ameaças. Uma é o “neoliberalismo” – o mercado
estados falhados. Abraçou os Objetivos de Desenvolvimento suplantar o Estado como o alocador preliminar da
do Milénio, um conjunto de objectivos sociais, como os “nos- riqueza e da oportunidade. A segunda é a americanisos objectivos” e deixou bem claro que não poderão ser atin- zação da cultura via importações de produtos medigidos sem uns milhões de dólares extra de ajuda oficial ao áticos americanos (ver a terceira). A terceira é a
desenvolvimento. Acrescentou que, além do desenvolvimento globalização (ver a primeira e a segunda).
social, os países mais pobres necessitam de ajuda para “cons- (...)
truir as infra-estruturas necessárias para um crescimento mais O facto de nos últimos 15 anos o PIB e a produtivielevado”.
dade por hora de trabalho em França terem vindo a
(...)
declinar relativamente aos mesmos indicadores na
Proclamou seis prioridades para o Banco: superação da pobre- Grã-Bretanha e nos Estados Unidos está relacionado
za e promoção do crescimento nos países mais pobres; esta- certamente com o facto de 60 por cento dos francedos falhados; oferta de serviços mais sofisticados aos países ses responderem positivamente à palavra “burocrata.”
de rendimento médio; apoio a questões ambientais e outros Os conservadores americanos devem procurar consobens públicos globais; promoção de um novo dinamismo no los optimistas noutro lugar.
mundo árabe; e desenvolvimento do conhecimento.
[10 de Outubro de 2007, Atacar a pobreza é uma prioridade para Zoellick]
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
[George Will, 26 de Agosto de 2007, O que Sarkozy não
mudará]
REVISTA DE IMPRENSA
A equivalência americana
Hillary Clinton = França
(...)
É uma ideia fixa entre os americanos que a Europa – a França,
em particular – é um terreno de desperdício económico. De
acordo com uma fuga de informação relatada pelo Boston Globe,
a estratégia de Mitt Romney é baseada na “equivalência Hillary
Clinton = França”. O horror, o horror.
Mas uma visita a França – e/ou um olhar sobre as suas estatísticas – torna claro que a economia francesa é apenas alvo de
maledicência. Não quero exagerar: a França tem muitos problemas. Mas está a comportar-se muito melhor do que a caricatura americano faria supor.
A produtividade francesa – produto por hora – é mais ou menos
como a nossa. Mais, até durante o período 1995-2005 – os anos
em que nós americanos nos gabávamos do nosso crescimento da
produtividade – a produtividade francesa cresceu apenas 0,5% menos
que a produtividade dos Estados Unidos. E o crescimento da produtividade dos Estados Unidos parece estar agora a terminar.
Da mesma forma, as lendas do desemprego maciço são extremamente exageradas. Os franceses nos seus anos de trabalho
mais activo, na faixa 25-54 anos, têm tanta probabilidade de
se empregarem como os seus congéneres americanos (o rácio
emprego-população é de 80 por cento para ambos).
De facto, é verdade que o PIB francês per capita é mais baixo do
que o nosso. Isso reflecte três coisas: menos horas de trabalho
em França; os franceses com menos de 25 anos têm menos
possibilidades de arranjar emprego que os jovens americanos, e
10
os franceses tendem muito mais que os americanos a aposentar-se cedo.
Menos horas de trabalho são uma escolha – e é pelo menos
discutível se os franceses não fizeram uma escolha melhor do
que a América, a nação sem férias.
O emprego baixo entre os jovens é uma história complicada.
Até certo ponto, tal pode representar a falta de criação de novos
postos de trabalho. Mas grande parte é o resultado de factores
positivos: em média, os jovens franceses permanecem na escola
mais tempo que os jovens americanos, e poucos estudantes franceses são forçados pela necessidade financeira a trabalhar em vez
de estudar.
Finalmente, os franceses aposentam-se cedo. Isto é um problema
real: o seu sistema da pensões cria incentivos perversos. Nós,
naturalmente, temos este programa fantástico chamado Segurança
Social, que faz um trabalho muito melhor.
Sim, a França tem problemas. Mas o que CEOs excessivamente bem
pagos – ou Hillary Clinton – têm que ver com os erros evitáveis da
política de pensões francesa é um mistério para mim.
Sobre o futuro? Não estamos nós a adiantar-nos nas tecnologias
de informação?
Hmmm, Não. De facto, os Estados Unidos estão a ficar para trás
na revolução da banda larga.
E que tal se parássemos de bater na Europa?”
[blogue, Paul Krugman, The Conscience of a Liberal, 3 de Outubro
de 2007]
* Administrador Substituto do Banco Mundial
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
SAÚDE
Por Patrícia Fonseca*
FOTografias Rui Ochôa
F
Um cientista visionário
José Guilherme Fernandes da Cunha-Vaz, 68 anos, é Professor
Catedrático e Director do Serviço de Oftalmologia dos Hospitais
da Universidade de Coimbra, Presidente do Instituto Biomédico
de Investigação da Luz e Imagem (IBILI), Presidente do
Conselho de Administração da Associação para a Investigação
Biomédica e Inovação em Luz e Imagem (AIBILI), Coordenador
da Rede Europeia de Centros de Excelência de Ensaios Clínicos
do Instituto Europeu da Visão.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
ez a sua formação na Faculdade de Medicina de Coimbra e
na Universidade de Londres,
onde se doutorou em 1966.
Entre 1975 e 1986 mudou-se, por duas
vezes, para os Estados Unidos, onde foi
investigador e professor na Universidade
de Illinois, Chicago, e director do Deicke
Eye Center and Retinal Vascular Services,
também em Chicago. Regressou a Portugal em 1986 para dirigir o serviço de
oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra e fundar o IBILI e o AIBILI
– hoje, um caso acompanhado no serviço
de oftalmologia pode motivar o início de
uma investigação no IBILI e, descoberta a
solução, o AIBILI desenvolverá a tecnologia para a aplicar.
Tem mais de 400 trabalhos científicos
publicados e são vários os contributos que
deu para o avanço da medicina na área da
visão, nomeadamente a identificação da
barreira hemato-retiniana, a invenção de
um instrumento designado fluorómetro
do vítreo, ou, mais recentemente, de um
novo método de mapeamento multimodal
da mácula que contribui para o diagnóstico precoce da degenerescência neovascular macular relacionada com a idade.
Entre os muitos prémios que já recebeu,
foi agraciado, em 1993, com a Ordem da
Instrução Pública, pelo Presidente da
República Mário Soares, e, este ano, Cavaco
Silva atribuiu-lhe a Ordem do Infante
D. Henrique. Em Junho foi distinguido,
em Viena, com a Medalha Helmohltz, o
mais importante prémio que distingue
uma carreira científica, atribuído pela
Sociedade Europeia de Oftalmologia.
Filho de António Manso da Cunha-Vaz,
também oftalmologista em Coimbra, foi
com naturalidade que seguiu os passos do
pai e dedicou a sua vida à investigação.
Não se arrepende da escolha, pois adora
o que faz – ao ponto de dizer que, não
fosse pela mulher, nem iria de férias…
11
SAÚDE
‘
Senti que era um grande
desafio conseguir criar
uma equipa e uma
dinâmica em Portugal
que se aproximasse
da que tinha tido nos
Estados Unidos.
E fico feliz por ver que
há hoje muita gente nova
a conseguir ter carreiras
brilhantes sem ter de ir
para fora.
’
O que o levou a dedicar a sua vida à investigação
nesta área da oftalmologia?
Inicialmente pensava seguir a área de imunologia, que foi o tema da minha tese de
licenciatura, mas depois prossegui os meus
estudos em Londres e fui muito influenciado por Norman Ashton, o meu pai
científico. Ele desafiou-me para integrar
a sua equipa e não resisti, ele era o melhor
a nível mundial, naquela altura. Também
acredito que quando nos empenhamos e
fazemos bem um trabalho acabamos por
nos apaixonar… não sei se estas escolhas
se podem atribuir a uma vocação anterior
[o seu pai também era oftalmologista],
acho que é algo que se constrói.
Esteve cerca de quatro anos em Londres mas
depois regressou a Portugal.
Sim, voltei para Lisboa, estive um ano e
meio na Junta de Energia Nuclear, antes
de cumprir serviço militar em Angola,
entre 1969 e 1971. Fui já como oftalmologista e também dei aulas – as primeiras
de oftalmologia na Faculdade de Medicina
de Luanda. Em 1971 regressei a Coimbra,
onde me mantive como professor auxiliar
até 78.
Porque decidiu, nessa altura, mudar-se para os
Estados Unidos?
No pós-25 de Abril era difícil fazer investigação em Portugal. Na altura desenvolvi
um método novo, a fluorometria do
vítreo, e esse método foi considerado
muito interessante no diagnóstico precoce da diabetes. Fui convidado para várias
conferências nos EUA e depois surgiram
convites de três faculdades americanas.
Um deles, para Chicago, era particular-
12
Condições de trabalho:”Era difícil fazer investigação em Portugal.”
mente atractivo e decidi ir. Mudei-me com
a família toda, comprei casa… mas ao fim
de dois anos decidi regressar.
Porquê?
Estive sempre muito dividido, as condições de trabalho eram óptimas em Chicago
mas havia muitas coisas que me ligavam
a Portugal. De qualquer forma, três anos
depois de ter voltado para Coimbra voltaram a convidar-me e regressei outra vez,
à mesma faculdade. Estavam a montar um
instituto novo [Deicke Eye Center] e queriam que o dirigisse.
Acabou por viver oito anos nos Estados Unidos,
voltando definitivamente a Coimbra em 1986.
O que o levou a regressar de vez?
Nesse ano aconteceram uma série de coi-
sas ao mesmo tempo. Tive um convite para
dirigir um Departamento de Oftalmologia
nos Estados Unidos da América mas
Portugal tinha entrado para a União
Europeia, o professor Cavaco Silva era primeiro-ministro e havia alguma perspectiva de que o país podia ter algum futuro.
Nessa altura o Hospital de Coimbra estava também a acabar de construir-se e
falou-se da hipótese de eu voltar. Foi difícil decidir, principalmente na última fase
costumava dizer que passava 70% do meu
tempo a trabalhar e 30% a pensar se havia
de ficar ou partir... Quando se está nos
EUA a ideia de voltar para Portugal é agradável mas quando se está em Portugal é
agradável a ideia de trabalhar nos Estados
Unidos. Mas tudo se conjugou para que
regressasse.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
SAÚDE
O cientista e o microscópio: “há vinte anos...a América era outro mundo
no campo da investigação médica”.
Nos Estados Unidos quais foram os seus principais objectos de investigação?
Foram sempre dentro da mesma área: as
patologias da retina, edema macular, barreira hemato-retiniana, permeabilidade e
instrumentação, todas ligadas à prevenção
da retinopatia diabética.
O que mais lhe agradou nessa experiência de oito
anos nos EUA?
As condições de trabalho, que eram extraordinárias. A situação é hoje muito diferente, mas há 20 anos… era outro mundo.
Ainda hoje, de qualquer forma, não temos
as condições ideais e o trabalho e a massa
crítica ainda não atingem o volume desejado. Na América tem-se sempre a sensação que se está na frente, que fazemos
investigação de ponta a nível mundial,
que mais ninguém está fazer o mesmo
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
‘
Somos pessoas muito imaginativas, com grande
capacidade de inovação, o que não temos
é o ambiente de trabalho, as equipas,
a organização.
’
que nós. Há também mais facilidade para
falar com outras pessoas, um pouco como
no ténis: cá por vezes temos de jogar
sozinhos, contra a parede; lá temos com
quem bater a bola. Esse ambiente foi crucial. Quando voltei tinha uma respeitabilidade grande nos Estados Unidos, estava
numa das comissões de avaliação do
National Institute of Health, mas senti que
podia trazer uma experiência importante
e conse­guir concretizar projectos importantes no meu país. O primeiro projecto
na área da saúde de âmbito europeu liderado por um português foi o meu. Senti
13
SAÚDE
que era um grande desafio conseguir criar
uma equipa e uma dinâmica em Portugal
que se aproximasse da que tinha tido nos
Estados Unidos. E fico feliz por ver que
há hoje muita gente nova a conseguir ter
carreiras brilhantes sem ter de ir para
fora.
Concorda, portanto, que temos investigadores de
qualidade, mas muitas vezes essa «massa cinzenta» abandona o nosso país por não ter as condições de trabalho necessárias?
Sim, acho que nisso somos um pouco
como os italianos: temos os mesmos defeitos e as mesmas qualidades. Na América
existem grandes cientistas, inclusive
Prémios Nobel, que são de origem italiana. Somos pessoas muito imaginativas,
com grande capacidade de inovação, o que
não temos é o ambiente de trabalho, as
equipas, a organização – que são necessárias e fundamentais.
Foi esse ambiente de excelência e capacidade de
organização que quis implantar em Coimbra, com
a fundação do IBILI e do AIBILI, em sinergia
com o serviço de oftalmologia do hospital?
Sim, foi uma iniciativa que levou muito
tempo a concretizar [quase uma década],
era necessário ultrapassar uma série de
entraves e garantir os financiamentos…
Nessa fase inicial a FLAD foi fundamental,
foi o nosso primeiro associado. Depois
vieram muitos outros apoios e os fundos
europeus, tanto do projecto Ciência como
do PEDIP. Hoje dá-me satisfação ver que
é uma instituição de referência na Europa
e que temos vários contratos com empresas europeias e americanas, quer a nível
de desenvolvimento de tecnologia como
a nível de ensaios clínicos.
‘
As bases estão lançadas e sinto que temos condições
para nos mantermos na vanguarda nos próximos dez
ou vinte anos. Mas as empresas têm de se envolver
mais na investigação.
’
14
Está optimista em relação ao futuro?
As bases estão lançadas e sinto que temos
condições para nos mantermos na vanguarda nos próximos dez ou vinte anos. Mas
as empresas têm de se envolver mais na
investigação. A nossa dinâmica empresarial
ainda é muito fraca, com raras excepções.
Os médicos e investigadores, por seu lado,
também têm de ser mais sensibilizados para
os problemas técnicos e para a sua resolução a breve prazo. Estão pouco habituados
a prazos, avaliações económicas… E há uma
grande falta de responsabilização. Há culpas
dos dois lados, é uma questão antiga já que
a Ciência nunca foi muito respeitada em
Portugal. Ainda há, portanto, muito trabalho a fazer…
E continua disponível para fazê-lo?
Estou quase na reforma, sou obrigado a
aposentar-me da faculdade aos 70… Mas
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
SAÚDE
continuarei na AIBILI e enquanto funcionar vou trabalhar. Costumo dizer que a
única altura em que estou realizado é
quando estou a trabalhar, porque o que
faço dá-me prazer e sinto que tem utilidade. Não me imagino a olhar para o ar…
ou a fazer passatempos! Se há expressão
que me põe doente é «matar o tempo».
A vida é tão curta, não faz sentido.
O que faz nas férias?
Sabe… tirei férias este ano, pela primeira
vez, durante duas semanas. Tenho de
devolver à minha mulher muito do tempo
que lhe roubei e fomos para Itália. Aprendi
italiano, tinha quatro horas de aulas por
dia, estive bem. Mas nunca foi meu costume, não… Costumo dizer aos meus
colaboradores e é verdade: eu sinto-me
de férias todo o ano!
Um sonho chamado
AIBILI
A Associação para a Investigação
Biomédica e Inovação em Luz e Imagem
(AIBILI) é uma organização privada sem
fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública, que foi criada para realizar investigação e desenvolvimento
tecnológico na área da Saúde.
A AIBILI dispõe de um Centro de
Ensaios Clínicos, especializado na área
da oftalmologia, centrando-se no estudo da retinopatia diabética, degenerescência macular relacionada com a
idade, glaucoma, cirurgia da catarata
e inflamação ocular; de um Centro de
Estudos de Biodisponibilidade, certificado pelo Infarmed, vocacionado para
dar resposta a vários tipos de solicitações da indústria farmacêutica; e de
um Centro de Novas Tecnologias para
a Medicina que aposta no desenvolvimento de novos instrumentos e técnicas de diagnóstico, com especial
ênfase na área da oftalmologia e imagem, tendo como objectivo último a
transferência de tecnologia para a
indústria.
A Fundação Luso-Americana é um dos
seus associados fundadores.
* Jornalista da revista Visão
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
15
PROJECTO SAÚDE
FLAD - SAÚDE
O médico Filipe Bastos e a sua equipa do Hospital de São João no Porto
O peso certo da Medicina Interna
Contributos para uma visão sistémica, humanista
e ecléctica da Medicina
Por Joana Loureiro
FOTOGRAFIAS Pedro granadeiro
R
eafirmar o valor da Medicina Interna, numa sociedade
marcada pela corrida contra
o tempo e por valores economicistas, não é tarefa fácil. Recorrer a um
programa de parceria com o University
of Washington Medical Center, em Seattle
– considerado um dos hospitais top ten dos
Estados Unidos da América –, revelou-se,
para o Hospital de São João, no Porto,
uma solução certeira. Segundo Filipe Bas-
16
tos, coordenador do projecto do serviço
de Medicina Interna, era essencial ter
alguém que «também aprendesse connosco, mas que nos ajudasse a evoluir».
Para que fosse dado novo alento à ideia
da especialidade enquanto agregadora,
capaz de lidar com os novos desafios
provocados pela evolução demográfica
e social.
Apontar soluções para a “melhoria e
desenvolvimento da organização dos ser-
viços de saúde” era o objectivo principal.
Dali resultariam reflexões sobre a formação médica ou o desenvolvimento profissional contínuo, assim como sobre a
qualidade e adequação dos serviços médicos prestados.
Desde logo, através da realização de um
leque variado de conferências, compiladas
no livro Ars Medicinae («A Arte de Curar»).
Estágios (ver caixa pág. 18) e intercâmbios
de internos, além de programas «Visiting
Professor», foram outras das medidas
abrangidas pelo projecto.
Para Filipe Bastos, «o apoio institucional
da FLAD foi extraordinariamente importante, tal como a disponibilidade do hospital para embarcar neste projecto,
acrescentando-lhe uma dimensão organizacional». Iniciado em 2004, o projecto
deverá estender-se até ao próximo ano,
culminando no lançamento de mais uma
publicação (ver caixa pág. 18).
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
SAÚDE
Em entrevista à Paralelo, Filipe Basto analisa a importância da cooperação com a
Universidade de Washington.
Como surgiu este programa?
A medicina tem sofrido grandes transformações. As pessoas têm mais expectativas,
querem tudo de forma mais imediata. Os
internistas estão habituados a integrar e a
reflectir múltiplos factores e a gerir a
incerteza, o que pode ser uma enorme
mais-valia. Mas o sistema não lhes dá o
devido valor, porque apenas valoriza técnicas e invenções muito complicadas e está
comandado pela lógica económica. Tudo
que seja mais fácil de medir é mais valorizado. No nosso caso, é difícil quantificar
a eficácia de certos actos. Daí esta necessidade de encontrar um peso que nos
ajude a afirmar a importância da Medicina
Interna.
Como estabeleceram a parceria com o University
of Washington Medical Center, em Seattle?
Queríamos ter um parceiro colaborante,
capaz de dialogar, aprender e interagir e
não só um bom técnico. Tínhamos o contacto do professor David Dale – antigo
reitor da Universidade de Seattle e actual
presidente do American College of
Physicians –, pessoa-chave na construção
desta parceria. O seu hospital está entre
os 10 melhores dos Estados Unidos.
Privilegiam muito a Medicina Interna e
têm uma filosofia de ligação entre a actividade clínica e a actividade assistencial.
Além do mais, ajudam as pessoas a crescer
na sua profissão, encarando a Medicina
como algo que se vai desenvolvendo ao
longo da vida.
Nas conferências falou-se muito em “como ser
um bom médico”. É uma noção sujeita a constantes mutações?
A medicina mudou muito: na tecnologia,
na capacidade de fazer diagnósticos, de
prevenir e tratar doenças. Mas há princípios que, mesmo tendo necessidade de
evoluir, têm de se manter nesta «arte de
curar». É preciso aliar esta essência de ser
médico às componentes tecnológicas e
científicas.
as suas opi­niões e relatando aquilo que
é a realidade deles.
De que forma estão a ser cumpridos os objectivos
do projecto?
Contactarmos com pessoas de topo do
panorama internacional é muito importante. Em relação à organização do hospital, houve mudanças – algumas difíceis
de relacionar –, que acompanharam o
projecto e beneficiaram a ideia da medicina interna como especialidade agregadora.
Estas funções de actividade clínica,
de ensino e de investigação do
nosso hospital, têm condições
extraordinárias de execução,
difíceis de encontrar. Muitas
vezes, não lhes damos valor. O
facto de trazermos pessoas de
fora, serve para nos espicaçar e
perceber o nosso grande manancial de evolução. Os internos
têm tido uma experiência muito
construtiva em termos da sua formação. A ideia era pegar na actividade diária da Medicina Interna,
nos nossos problemas, e criar uma
bolsa de formação, permitindo o
contacto com essas realidades através
de um ponto de vista não abrangido
pelas escolas tradicionais.
Lá valorizam muito a perspectiva individual e ajustam o tipo de cuidados à realidade das pessoas. Simplesmente, têm
uma realidade muito assimétrica, com
uma grande variedade de sistemas de
saúde. Logo, é difícil olhar para o país
Podemos, analisando a experiência
norte-americana, antecipar alguns
problemas que poderão surgir em
Portugal?
Em múltiplos aspectos,
estamos a sofrer
uma evolução
semelhante à
dos EUA. Era
importante
perceber
onde eles
falharam.
Em que se traduziu a parceria?
Queríamos permitir, cá e lá, troca de
experiências. Começámos por trazer
pessoas dos EUA, mais experientes
e com um prestígio indiscutível,
para visitarem os nossos serviços
e partilharem o seu funcionamento diário. Vêem como tratamos os doentes, quais os
nossos problemas e vão dando
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
17
SAÚDE
Passar a experiência
para o papel
Além da publicação do livro Ars
Medicinae – uma súmula das conferências resultantes da parceria entre
o Serviço de Medicina Interna do
Hospital de São João e o University of
Washington Medical Center – está na
forja, para 2008, a edição de um
Manual de Internos, uma espécie de
livro de introdução à prática da medicina interna. «Uma bíblia que, em termos científicos, de conduta e de lições
práticas do dia-a-dia, possa ajudar os
internos a prevenir problemas e a
resolvê-los», segundo Filipe Bastos.
Além dos temas médicos os internistas discutem a melhoria do controlo de qualidade,
os seguros de saúde, o marketing como forma de comunicar...
como um único modelo. Mas a preponderância dos seguros individuais é grande
e ficam a depender da iniciativa de cada
pessoa. Quem não tem seguro,
não tem acesso a cuidados de saúde, fica
num limbo e transforma-se numa parte
pesada da sociedade. Essa é uma das experiências más a evitar.
Numa altura em que o nosso sistema nacional
de saúde está a sofrer vários cortes, estas questões
são pertinentes…
Algumas das conferências tocam, precisamente, nesse problema. Um dos capítulos
do livro invoca o sistema de saúde dos veteranos, muito parecido com o português, que
sofreu, nos últimos anos, profundas transformações. Antigamente, era visto quase
como marginal, para quem não tinha outras
possibilidades. Mas eles conseguiram dar a
volta e transformá-lo num caso exemplar.
Utilizaram a informática para sistematizar a
informação clínica, viraram-se para o ambulatório, tiveram uma actuação preventiva
muito mais marcada e conseguiram mostrar
resultados difíceis de igualar. Nada disto é
mimetizável. Mas, por exemplo, a ligação à
informática é importantíssima. Os internistas coleccionam evidências e conseguem ter
um potencial de certezas em relação ao tratamento e atitudes preventivas na medida
em que sistematizam esta informação. Ora,
a informática tem esse potencial de reunir
e trabalhar informações. Em Portugal isso
ainda não é valorizado.
18
Como foram escolhidos os temas das palestras?
Há um denominador comum?
Procuramos enquadrar os temas numa visão
muito abrangente dos cuidados de saúde,
tendo em consideração as mudanças no
panorama nacional. E tentamos dar uma
perspectiva global do que é a Medicina
Interna e de como pode relacionar-se com
estas mudanças. Discutimos temas que são
essencialmente médicos e outros como a
melhoria do controlo da qualidade, os
seguros de saúde, o marketing como forma
de transmitir valor e de comunicar…
Quais foram as conferências que lhe despertaram
maior interesse?
As que incidiram sobre a essência de um
internista e de como ser um bom médico,
como a do professor David Dale. Foram
particularmente relevantes para criar um
patamar de referência daquilo que continua a ser o exercício da Medicina
Interna.
A voragem dos dias não lhes permite fazer essa
reflexão sobre a vossa profissão?
Exactamente. Temos uma vida intensa,
presa a compromissos e, às vezes, falta-nos
tempo para pensar. E essa conferência permitiu uma paragem para perceber quais
são os verdadeiros fundamentos da profissão. Equacionar se aquilo que fazemos
é realmente útil, se estamos a responder
às necessidades das pessoas e se podemos
fazê-lo melhor. Fomos buscar estes parceiros para nos ajudarem a parar e ver
como funcionam. Talvez nessa interacção
surja alguma luz.
De malas feitas
O programa de bolsas de estudo para o Serviço de Medicina do Hospital pressupõe a apresentação de trabalhos escritos que, segundo o regulamento, «dignifiquem o exercício da Medicina Interna na sua dimensão mais lata e
integradora, contribuindo para melhorar a qualidade assistencial no serviço, a
humanização dos cuidados aí prestados e a valorização das especificidades da
relação médico-doente». Os eleitos terão direito a um mês de estágio no
University of Washington Medical Center. Este programa foi instituído com o
apoio da FLAD.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
BREVES
Transatlânticas
Michael Schudson
na Católica e na FLAD
Michael Schudson, um dos mais prestigiados professores e investigadores da área da
comunicação e do jornalismo nos Estados
Unidos da América, virá a Lisboa, em Abril
de 2008, a convite da Universidade Católica
e da FLAD. Na Universidade, orientará
seminários no âmbito do Mestrado em
Comunicação, dirigido pela professora
Isabel Capelôa Gil. Na FLAD, proferirá uma
conferência sobre a cidadania e os meios
de comunicação social (14 de Abril).
Schudson é professor na Universidade de
Columbia, em New York e na Universidade
da Califórnia, em S. Diego.
O ensino do português
apesar de Bush
Onésimo Almeida, professor da Universidade
de Brown, escreve no Jornal de Letras, acerca
das declarações do Presidente Bush, sobre o
ensino do português nos Estados Unidos:
“(...) O piropo de mau gosto do Presidente
em nada afecta o crescimento, relativamente pequeno, é certo, mas crescimento apesar
de tudo, que tem vindo a acontecer no ensino do Português nos Estados Unidos. Longe,
muito longe dos números do Espanhol, cada
vez mais a segunda língua da União, as estatísticas do ensino de Português vão engrossando. Naturalmente é o Brasil agora o maior
contribuinte e, pelos vistos, continuará a sê-lo na medida em que a imigração ilegal
não parece abrandar e, com o tempo, os
ilegais vão conseguindo modo de legalizar
a sua situação. Para mais, os sistemas escolares têm obrigação de acomodar as necessidades dos filhos, mesmo que os pais sejam
imigrantes ilegais. E assim os números vão
alargando. A nível universitário, por exemplo, o número de vagas para professores de
Português nas suas três vertentes (lusa, africana e brasileira) foi este ano a maior de
que me recordo. Duplicou as do ano anterior. Em termos absolutos é pouco, está visto,
por serem apenas 15. Mas tudo aponta para
que prossiga a tendência a aumentar.
Quer dizer, a boca de George W. Bush não
afectou qualquer legislação, apenas poleParalelo n.o 1
| INVERNO 2007
mizou a concessão pontual de um apoio
a esse college [universidade estadual de Rhode
Island] que, apoiado pelo congressista seu
representante, Patrick Kennedy, fez o que
é costume nestas situações: introduziu no
pacote submetido à assinatura presidencial
umas migalhas para distribuir por aqui e
por ali. Bush, por ter que mostrar aos
eleitores que não é esbanjador, resolveu
cortar precisamente os centavos destinados
ao Institutto protegido pelo dito membro
do Congresso.”
Cursos de liderança
da Kennedy School
A FLAD, em parceria com o Governo
Regional dos Açores (v. pág. 22 desta edição), está a preparar cursos de liderança
e performance organizacional com a John
F. Kennedy School of Government, da
Universidade de Harvard. Os cursos serão
de curta duração e terão lugar na Região
Autónoma, sendo apoiados pela Direcção
Regional do Trabalho e Qualificação
Profissional. Serão abertos a pessoas do
sector público, privado e sem fins lucrativos. Os alunos a admitir aos cursos, que
terão início em 2008, serão seleccionados
segundo critérios a anunciar.
Alfredo Mesquita
no Diário Insular
Escritor, jornalista e diplomata, Alfredo
Mesquita (1871-1931) é autor de um livro-reportagem intitulado América do Norte, que
foi best-seller no início do século XX. Natural
de Angra do Heroísmo, a Parceria A. M.
Pereira retirou-o do esquecimento, com
apoio da FLAD, ao reeditar, recentemente,
a sua digressão literário-jornalística pelos
Estados Unidos. Helena Fagundes, escrevendo no Diário Insular (suplemento Domingo),
procede a uma releitura do livro:
“O estilo é fluido, vivo, mordaz. As ilustrações originais mostram a Estátua da
Liberdade, índios sombrios, grandes arranha-céus, a paisagem imponente e árida
do Grand Canyon. (...) Dos tempos de
diplomata, que o levaram até aos Estados
Unidos, nasceu o livro América do Norte,
um retrato irónico e, por vezes, deslumbrado, que ainda hoje permanece actual”.
Luso-descendente
mayor de Fall River
Bob Correia, luso-descendente, foi eleito
mayor de Fall River. Correia obteve 9.626
votos contra 7.804 do seu oponente e
colega, o deputado estadual David Sullivan.
Em entrevista ao Açoriano Oriental disse:
“A comunidade também está a envolver-se
mais na política e isso é muito bom pois
esse trabalho deve ser recíproco. Neste sentido penso que os programas de incentivo
à cidadania da responsabilidade da FLAD
e de outras entidades têm ajudado.”
19
AÇORES
Cooperação mais intensa
entre a FLAD e os Açores
Pela primeira vez, em mais de 25 anos de existência, os administradores da FLAD
efectuaram a habitual reunião semanal fora da sede em Lisboa. O Conselho Executivo
da FLAD reuniu-se, a 11 de Outubro, em Angra do Heroísmo. Com esta iniciativa
pretendeu-se assinalar uma nova fase marcada por uma cooperação mais intensa
entre a Fundação Luso-Americana e a Região Autónoma dos Açores.
rui ochôa
A reunião do CE na ilha Terceira foi precedida de duas iniciativas. No dia 25 de
Setembro, realizou-se um encontro na
sede da FLAD com as direcções da
Federação das Câmaras de Comércio dos
Açores e das Câmaras de Comércio de
Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e
Horta. A 27 de Setembro, teve lugar em
Ponta Delgada, um seminário com o
objectivo de definir as principais linhas
estratégicas de um protocolo com vista ao
desenvolvimento de estágios e cursos de
aperfeiçoamento profissional nos Estados
Unidos da América. Foram anunciados à
comunicação social, em Angra do
Heroísmo, os projectos e apoios relativos
à Região Autónoma dos Açores, que se
discriminam a seguir.
Rui Machete em Angra: “A FLAD pretende intensificar a sua relação
com a Região Autónoma dos Açores”.
20
Acordo de mobilidade Antero de Quental, a celebrar entre a Universidade dos Açores, um
consórcio de Universidades Norte-Americanas e a FLAD, com vista ao intercâmbio de professores e estudantes. O
acordo denomina-se Antero de Quental
em homenagem ao escritor, poeta e pensador, personalidade maior da cultura
portuguesa e açoriana.
Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt, em cooperação com o Governo Regional dos
Açores. A denominação visa homenagear a
figura de Franklin D. Roosevelt e o seu
papel decisivo nas relações euro-atlânticas.
O primeiro Fórum terá lugar em Ponta
Delgada nos dias 10, 11 e 12 de Julho de
2008, comemorando os 90 anos da escala de Roosevelt nos Açores (São Miguel e
Faial), quando viajou rumo à Europa na
qualidade de Secretário da Marinha do
Governo do Presidente Wilson, em 1918.
O primeiro tema escolhido foi o das
Relações Transatlân­ticas na Opinião Pública
Europeia e Americana. O Fórum Açoriano Franklin
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
AÇORES
D. Roosevelt terá lugar de dois em dois anos.
Em 2008, será Ponta Delgada, seguindo-se
Angra (2010) e Horta (2012).
Programa Alfredo Mesquita para jornalistas
Formação de jornalistas açorianos nos EUA
(3 jornalistas por ano). Contacto com instituições políticas e culturais norte-americanos e da comunidade portuguesa.
Workshops em universidades e centros de
formação de jornalistas. A denominação
visa homenagear e retirar de um certo
esquecimento a figura de Alfredo Mesquita,
jornalista e escritor, natural de Angra do
Heroísmo, autor de um livro/reportagem
intitulado América (reeditado em 2001 com
o patrocínio da FLAD).
em cooperação com a Universidade de
Oxford, no Ohio, EUA, intitulado:
“Identificação dos perigos vulcânicos no
Arquipélago dos Açores pela caracterização geoquímica das lavas dos respectivos vulcões” (2007-2009).
Cooperação entre o Departamento de Economia
e Gestão da Universidade dos Açores e a
Universidade de Massachussets – Dartmouth.
Estudo efectuado em parceria pelas duas
Universidades, sob a direcção dos professores Steven White e Mário Fortuna, com
vista a aferir a existência de interesse
mútuo em áreas económicas dos Açores
e da Nova Inglaterra. A FLAD financia a
primeira fase da investigação.
Exposições da colecção de Artes Plásticas da
Fundação Luso-Americana em Ponta Delgada,
Angra do Heroísmo e Horta
O programa de três exposições e uma
conferência, proferida por Isabel Carlos,
foi elaborado pelo curador da colecção da
FLAD, João Silvério. Por ordem de inauguração: Ponta Delgada, Angra do
Heroísmo, Horta.
Apoio à edição da História dos Açores
Em cooperação com o Instituto Açoriano
de Cultura, a FLAD financia em 50 por
cento a primeira história dos Açores organizada e elaborada no âmbito universitário. A obra é dirigida pelos professores
Teodoro de Matos, Avelino Meneses (Reitor
da Universidade dos Açores) e Reis
Leite.
Identificação dos perigos vulcânicos
no Arquipélago
Projecto da Universidade dos Açores,
Departamento de Geociências, apresentado pela Prof.ª Zilda França, a realizar
Curso de Liderança e Performance
Organizacional para Executivos
Curso de curta duração a leccionar nos
Açores (Junho ou Julho de 2008), de forma
intensiva sob a responsabilidade da Kennedy
School of Government da Universidade de
Harvard, no âmbito da cooperação entre a
Direcção Regional do Trabalho e
Aperfeiçoamento Profissional e a FLAD.
Estágios na área do Turismo e da Hotelaria
Cooperação entre a Johnson and Wales
University (Providence, Rhode Island) e
a Escola de Formação Turística e Hoteleira
dos Açores (EHFT), com vista ao aperfeiçoamento profissional dos professores do
estabelecimento de ensino açoriano.
Estágios Profissionais nos EUA para Jovens
e Quadros da Região Autónoma dos Açores
A Direcção Regional do Trabalho e
Qualificação Profissional do Governo
Regional dos Açores e a FLAD estão a preparar um protocolo com vista ao desenvolvimento de estágios e cursos de
aperfeiçoamento profissional nos Estados
Unidos da América. Este programa de
estágios visa promover o desenvolvimento económico e social da Região através
de uma acrescida empregabilidade dos
jovens açorianos (facilitando a sua inserção na vida activa) e do reforço do capital humano das empresas da Região
(melhorando a competência dos seus activos). Integra-se ainda numa estratégia de
reforço dos laços entre os Açores e as
comunidades açorianas e luso-descendentes nos EUA.
rui ochôa
O Conselho Executivo da FLAD na Terceira. Charles Buchanan relembra aos jornalistas o apoio da Fundação
à investigação científica sobre o mar desenvolvida pela Universidade dos Açores (DOPA).
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
21
AÇORES
Em Ponta Delgada
Investimento em formação profissional
Por Sara Pina
FOTografias José antónio rodrigues
Cerca de 40 quadros superiores, membros
da direcção e administração de empresas,
escolas e do governo açoriano deram um
importante contributo na definição de estágios e cursos de aperfeiçoamento profissional
de açorianos, nos Estados Unidos da América,
com o apoio do Director Regional do Trabalho
e Qualificação Profissional, Rui Bettencourt,
o Director do Bureau da Organização
Internacional do Trabalho em Lisboa, Paulo
Bárcia, Vera Sousa Macedo, da Agência para
o Investimento e Comércio Externo de
Portugal e, pela FLAD, Mário Mesquita, administrador e Paulo Zagalo e Melo, director.
Delineou-se em Ponta Delgada, um programa de iniciativa da Fundação Luso-Americana
que se concretizará, a partir do ano que vem,
com o apoio da Direcção Regional e parcerias
com todos os sectores da região, cujos representantes felicitaram a Fundação.
«Tem havido muita expectativa em relação
à FLAD. Não somos megalómanos, mas pretendemos estabelecer programas, iniciativas
e projectos estruturantes para os Açores, este
é um deles», afirmou Mário Mesquita.
«Dos 180 milhões de desempregados,
22
‘
mais de metade são
jovens – este é um proEstágios internacionais beneficiam
blema mundial que
empresas e quadros.
denota a dificuldade da
transição entre a escola
e a vida activa, outro dos grandes problemas as áreas de licenciatura, embora a taxa de
actuais é a globalização. A solução passa por
selecção fosse de 6% e as áreas mais requecursos e estágios como este», explicou Paulo ridas pelas empresas gestão, economia,
Bárcia, referindo-se ao novo plano de engenharia e informática. 70% das pesEstágios e Cursos de Aperfeiçoamento soas voltou com novas competências
Profissionais nos Estados Unidos dirigido
muito importantes para o desenvolvimenespecialmente aos açorianos. O director da to da sua região.
Organização Mundial de Trabalho, agência
Paulo Zagalo e Melo, apresentou uma
das Nações Unidas, acrescentou ainda que
breve antevisão do plano estratégico da
para o sucesso do programa é essencial a
Fundação Luso-Americana para a formação
participação dos vários intervenientes – avançada de executivos em Portugal, nomeempresas, escolas e trabalhadores.
adamente no que respeita à realização de
Vera Sousa Macedo, da Agência para o cursos de aperfeiçoamento profissional nas
Investimento e Comércio Externo de áreas de liderança e ‘performance’ organiPortugal, falou da sua experiência com zacional que poderão arrancar no Verão de
um programa similar com a União 2008, sendo o primeiro nos Açores.
Europeia: «Com os estágios internacionais
empresas e quadros têm muito a ganhar».
No Projecto «Contacto», já com 10 anos,
Paulo Bárcia (OIT): “Participação
entre Portugal e a comunidade europeia
de empresas, escolas e trabalhadores
houve mais de 25 mil candidatos de todas
é essencial para o sucesso dos estágios”
’
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
ECONOMIA
Sustentabilidade no sector financeiro
Um olhar para o futuro
A sustentabilidade é palavra de ordem hoje em dia.
Mas o que quer dizer aplicar a sustentabilidade ao sector financeiro? É sobre esta
questão que se debruça o estudo “Sustentabilidade Financeira no sector bancário
em Portugal. Os factores ambientais e sociais; riscos e oportunidades”, um projecto
lançado pela empresa de consultoria de gestão sustentável, a Sustentare.
©Lusa/EPA-ANDY RAIN
Por Clara Pinto Caldeira
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
23
rui ochôa
ECONOMIA
Energia eólica em Portugal. Incorporar as questões ambientais nas estratégias da banca.
O projecto arrancou em Dezembro de 2006
e terminou em Outubro de 2007. Consistiu
na realização de um inquérito sobre a oferta e a procura nesta área, pelo Centro de
Sondagens da Universidade Católica, e na
elaboração de um documento guia, com
tendências e directrizes para o sector. «É
muito fácil falar do ambiente, mas falar de
como os bancos podem de facto incorporá-lo no seu core business ainda não foi feito»,
afirma Sofia Santos, responsável pelo projecto, juntamente com Rita Almeida.
Este estudo levanta o véu sobre as vantagens e os riscos de incorporar a sustentabilidade como factor de gestão. A
ideia é traçar caminhos para a criação de
produtos e serviços sustentáveis bem
como estratégias de gestão de risco que
24
promovam a protecção ambiental e a
prosperidade económica. A banca é o
sector económico mais relevante, uma vez
que é ela o principal agente do mercado:
«Toda a gente precisa de dinheiro. Para
qualquer tipo de investimento recorre-se
à banca, portanto é a banca que pode ter
a capacidade de incentivar um conjunto
de comportamentos», explica Sofia
Santos. É também vantajoso para a banca
e para as seguradoras considerarem os
riscos ambientais dos seus investimentos,
de acordo com uma legislação emergente que cada vez mais penaliza os danos
causados ao ambiente. Os riscos ambientais das empresas que recorrem à banca
e às seguradoras são também riscos para
o sector.
Por outro lado, os consumidores estão
cada vez mais sensíveis às questões do
ambiente e da sustentabilidade. É o que
revelam os resultados do inquérito a
1200 consumidores portugueses (ver
caixa). Muitas pessoas fariam escolhas
sustentáveis, optando por produtos com
esse carácter, por exemplo empréstimos
com spread diferenciável de acordo com
as características ambientais do bem a
adquirir, carro ou casa, ou fundos de
investimento em empresas com preocupações ambientais.
É sabido que uma das questões que
afecta o mercado é a necessidade de
certificação ambiental, com recurso ao
crédito bancário. Esta é uma nova área
de negócio para os bancos que podem Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
ECONOMIA
estabelecer critérios de concorrência
baseados em factores ambientais.
Aspectos como a emissão de CO2, o
ruído, as descargas, os recursos hídricos
devem ser incluídos na gestão das
empresas. A oferta de um conjunto de
produtos financeiros e seguradores permitirá essa efectivação, com vantagem
social e económica para todos.
das acções do projecto. A AIP facilitou o
local da conferência e forneceu uma base
de dados de PME’s para a realização do
inquérito.
A FLAD, por outro lado, teve uma função
fundamental na agilização de contactos
internacionais, através do financiamento de
viagens ao estrangeiro e na captação de players
internacionais relevantes para a conferência
‘
Pensar a sustentabilidade na banca em Portugal
responde também a um contexto internacional
de mudança, no sentido de integrar as preocupações
ambientais no sector financeiro.
’
da banca em Portugal?”, pergunta-se o
administrador. A resposta está na parceria
entre a FLAD e a Sustentare.
Pensar a sustentabilidade na banca em
Portugal responde também a um contexto internacional de mudança, no sentido
de integrar as preocupações ambientais
no sector financeiro. Os Princípios do
Equador (PE), estabelecidos em 2003,
consequência de um impulso dado pela
International Finance Corporation (IFC),
ligada ao Banco Mundial, estabelecem
directrizes sócio-ambientais para o sector,
na área de project finance. Em Portugal, o
BES e o Millenium BCP já aderiram. Apesar
de dezenas de bancos de todo o mundo
já o terem feito, o facto de os PE se aplicarem a investimentos em países fora da
OCDE limita o seu alcance.
Na União Europeia, aumenta o fluxo de
regulamentação ambiental. Exemplos disso
são as Directivas para a eficiência energética dos edifícios e para a promoção de
co-geração (produção de electricidade e
calor a partir de uma fonte energética).
Destaca-se a Directiva da Responsabilidade
Ambiental que, quando for transposta para
as legislações nacionais, terá consequências práticas, nomeadamente na efectivação do princípio do Poluidor-Pagador. Esta
e outras medidas, revelam que o ambiente será cada vez mais um factor económico a considerar.
O inquérito foi fundamental para
­averiguar a consciência dos agentes de
oferta e procura, em matéria de sustentabilidade. De acordo com a responsável
pelo projecto, foi feito um cruzamento
de expectativas, por um lado, dos consumidores, PME’s e grandes empresas e,
por outro, da banca e das seguradoras.
Isso deverá dinamizar o mercado».
A dinamização do mercado depende,
também, da criação de incentivos, nomeadamente ao nível fiscal. “Muitas vezes,
os produtos que têm preocupações
ambientais chegam ao consumidor mais
caros. Uma maneira fácil de resolver isso
é baixar o IVA dos produtos sustentáveis”,
diz Sofia Santos, que não acredita em
alterações de mentalidade por decreto:
“No essencial, tem de ser o mercado a
funcionar”.
de Novembro, uma vez que o projecto
reflecte tendências mundiais, promovidas
pelo Banco Mundial e Nações Unidas e postas em prática por várias instituições bancárias do mundo inteiro. «A ideia é chamar
para Portugal as tendências internacionais»,
afirma Sofia Santos.
Charles Buchanan, administrador da
FLAD vocacionado para as questões
ambientais, considera que este projecto
foi um grande desafio, por abordar de
forma original esta temática em Portugal.
“E a banca em Portugal? O que estávamos
nós a fazer para estimular a consciência
Um projecto aberto
Este projecto levou a Sustentare a procurar
parceiros e apoios. O BPN e a Soares da Costa
são os dois patrocinadores desta iniciativa,
«empresas que estão a começar a encarar a
sustentabilidade internamente e não pela
comunicação», o que foi considerado por
Sofia Santos uma mais-valia.
Mas não só em termos de financiamento a Sustentare procurou abrir-se
ao exterior. A elaboração do documento guia sobre sustentabilidade no sector
financeiro ficou a cargo de um Conselho
Consultivo composto não só por técnicos desta empresa, mas também por
representantes da Fundação Luso-Americana (FLAD), da Associação
Industrial Portuguesa, da Associação
Portuguesa de Bancos (APB) e da
Quercus.
Algumas destas instituições forneceram
também apoio ao nível da concretização
52% dos consumidores afirmam que 70% da população portuguesa esta-
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
[Os consumidores e a sustentabilidade]
as preocupações ambientais de um banco
podem ser um factor de preferência sobre
outro banco.
ria disposta a procurar uma casa ecoeficiente se um banco lhe oferecer um
spread mais atractivo.
59% da população portuguesa afir- 71%
ma que mudaria de banco se este financiasse uma empresa poluidora.
13% da população portuguesa gostaria de ter mais informação sobre fundos socialmente responsáveis.
74% daqueles que investem em ­fundos,
estariam dispostos a investir em fundos de
empresas que têm preocupações ambientais e sociais na sua gestão.
da população portuguesa
estaria disposta comprar um carro
híbrido se o empréstimo fosse mais
barato.
• Estes dados resultam do inquérito
realizado pelo Centro de Sondagens
da Universidade Católica a 1220 cons u m i d o r e s . E m c u r s o, n o â m b i to
do projecto, está ainda o inquérito a
1200 PME, 100 gr andes empresa s,
todos os bancos e seguradoras em
Portugal.
25
AMBIENTE
Quando o
predador do oceano
é a principal vítima
Os tubarões são conhecidos como os predadores do oceano. Estão no patamar da cadeia
alimentar no seu habitat. Mas são os humanos quem está a pôr em risco a existência
submarina destes animais essenciais à conservação da fauna e flora de um ambiente
tão desconhecido da maioria dos seres humanos.
Por Sónia Lamy
Barco de pesca no Pacífico
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Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
AMBIENTE
Por ano são mortos cerca de 50 milhões
de tubarões. O objectivo é a comercialização de produtos provenientes destes
animais, com um valor elevado no mercado internacional. Várias organizações
internacionais estimam que um terço das
espécies esteja em vias de extinção. As
barbatanas, a carne, o fígado e a pele deste
predador têm utilidades várias para o
homem. Cada espécie “vive ao seu próprio
ritmo”, como explica Uta Bellion, directora de campanha da coligação de organizações não governamentais Shark
Alliance [aliança cujo objectivo é a conservação dos tubarões]: “As diferenças
entre os animais são enormes. De género
para género de animal alteram-se muitas
características deste seres que, apesar de
assustadores para a maioria dos humanos,
são extremamente sensíveis. Por exemplo,
os tubarões têm sistemas reprodutivos
muito diferentes das outras espécies.” E
sublinha: “Têm períodos de gestação
muito mais longos. Há tubarões que apenas engravidam de dois em dois anos.”
João Pedro Correia, biólogo marinho do
Oceanário de Lisboa, considera o desaparecimento desta espécie uma tragédia. E
especifica: “Pode ser muito desastrosa a
intervenção do homem. Nos anos 60 e 70,
na Califórnia, a pesca desenfreada ao tubarão-branco foi tanta que a população de
focas proliferou de forma descontrolada.”
A extinção de uma espécie afecta todas
as outras. “A população dos pequenos
peixes, como a sardinha e a cavala, que
fazem parte da alimentação do homem,
tinha atingido números muito baixos.”
De acordo com um estudo canadiano
publicado na edição de Março da revista
Science as populações de 11 tubarões de
grande porte decaíram drasticamente nos
últimos 35 anos. As espécies de peixe por
eles caçadas aumentaram rapidamente. Por
exemplo na costa atlântica dos EUA, a
população da raia gavião-do-mar aumentou oito por cento, arrasando o número
de vieiras disponíveis para captura.
Só em Portugal são caçadas várias espécies
de tubarão como o cação, o barroso, as
tremelgas ou os tubarões-anjo apresentam
indícios de sobreexploração.
Segundo dados da FAO, organismo das
Nações Unidas, os navios de pesca portugueses capturaram, em 2005, 15 360 toneladas
de tubarões, com destaque para a tintureira
(mais de metade do total). Este valor confere o terceiro lugar a Portugal na lista dos
países europeus que mais tubarões pescam.
Mas os números mundiais conseguem
ser mais assustadores. Todos os anos o
homem mata cerca de 77 000 toneladas
de elasmobrânquios (tubarões e raias), Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
Na maioria são apenas capturados para abastecer o mercado asiático de barbatanas
27
AMBIENTE
para fins comerciais, industriais ou meramente em actividades desportivas.
Infelizmente a maioria são apenas capturados para abastecer o mercado asiático
de barbatanas, sendo deitados ainda vivos
ao mar depois de as retirarem. Uta Bellion
lamenta que Portugal esteja no topo da
lista dos países europeus: “Espanha e
Portugal são os que mais tubarões pescam. A França, a Inglaterra também. Com
menos relevância estão ainda a Alemanha
e a Suécia… mas a situação mais preocupante é mesmo em Portugal e Espanha.”
Só às lotas portuguesas de Sesimbra,
Peniche e Viana do Castelo chegam entre
cinco a seis mil toneladas de tubarões.
Algumas espécies, como o anequim têm
visto o seu valor comercial aumentar gradualmente. Como explica o biólogo, “o
Descarregamento de barbatanas para venda
28
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
AMBIENTE
Para Uta Bellion era importante arrancar já no próximo ano de 2008 com um
plano estratégico para dar um primeiro
passo, numa estratégia conjunta de recuperação e conservação da espécie que
defende.
Sopa chinesa de barbatana de tubarão
anequim e a tintureira, peixes de superfície,
são apanhados como pesca acessória do
espadarte, não como pesca propriamente
dita, enquanto espécies de profundidade
como o barroso, a lixa ou o carocho são
pesca acessória do peixe-espada preto.” Este
é um dos grande problemas de que a dirigente da Alliance aponta, a não tributação
desta pesca. Já que a maior parte dos tubarões capturados são pescas acessórias, não
é sujeita às mesmas responsabilidades
financeiras que a restante captura. “É preciso impor taxas, eles são muito valiosos.
Se algo é capturado tem de ser pago, ainda
mais em casos em que o produto é tão
valioso, tanto do ponto de vista comercial
como também ambiental.”
A Shark Alliance, que se dedica à conservação dos tubarões, afirma que
Portugal tem a possibilidade de assumir
um papel de liderança na protecção da
espécie. “O Governo português deve usar
a sua influência para promover um plano
de acção conjunto para garantir a conservação dos tubarões”, diz Bellion. E faz
questão de referir que Portugal está muito
bem colocado para conseguir “juntar a
União Europeia em prol da recuperação
destas espécies em risco e de liderança
internacional”. O plano de acção deverá,
de acordo com a Shark Alliance, garantir
a recuperação das populações enfraquecidas de tubarões, restringir a pesca destas espécies, acabar com a prática da
remoção das barbatanas de tubarão e
proteger o habitat: “É muito importante
pôr rapidamente em prática um plano
comunitário de conservação dos tubarões.
É importante estabelecer limites e impor
regras mais rígidas na pesca do tubarão”,
salienta a directora.
CAPTURA
Entre 1990 e 2003, o número oficial
de tubarões capturados aumentou
22%. Os países da União Europeia
apanharam cem mil toneladas
de tubarões.
COMÉRCIO
A União Europeia é uma potência
mundial no comércio global de
tubarões. Em 2004, a Europa
importou mais de 26 mil toneladas
de carne de tubarão.
Portugal, em 2006, importou
três mil toneladas.
A COSTA
Curiosamente, na costa portuguesa,
aparecem mais de 30 espécies
de tubarão, incluindo o temido
tubarão-branco, mas são
praticamente inexistentes relatos
de ataques.
OS TUBARÕES
Há várias teses sobre o número
de espécies de tubarão. Dependendo
também da maneira como
se classificam existem entre 375
e 475 espécies de tubarões.
E destas apenas cerca de
30 correspondem à imagem
popular do tubarão.
Sacos com barbatanas de tubarões
Paralelo n.o 1
|
INVERNO
2007
29
AMBIENTE
Alterações climáticas
Um assunto de todos
Criar um centro de informação sobre as alterações climáticas e um espaço
de debate que envolva especialistas e toda a sociedade civil no futuro combate
a essas alterações – é esta a essência do Fórum Português Pós-Quioto (FPPQ),
uma iniciativa da Euronatura.
Por Clara Pinto Caldeira
©Lusa/Deutscher Wetter Dienst
Para levar a cabo tão complexa missão,
o Fórum desenvolve, até 2012, um conjunto de iniciativas visando o acesso à
informação e a dinamização do debate
público. O site www.forum-posquioto.
org é a plataforma central. Aqui encontra-se informação permanentemente
actualizada e um fórum de debate aberto a todos. A discussão organiza-se por
áreas temáticas sobre as quais é fundamental reflectir, no sentido de encontrar
formas de mitigação e adaptação às alte-
rações climáticas em curso. Para isso,
foram organizados grupos sectoriais de
trabalho, formados por especialistas que,
sobre cada área, produzem relatórios e
estimulam o fórum, lançando tópicos
de debate. Mesas-redondas e palestras
abertas, bem como iniciativas em colaboração com escolas e municípios são
outras formas de levar a questão das
alterações climáticas a todos.
O Fórum, a par da organização deste
debate, faz o acompanhamento do
Protocolo de Quioto (ver caixa) e das
negociações em Bali. Os cenários para
o pós-Quioto são ainda difíceis de prever, por dependerem de complexos
­factores políticos internacionais, nomea­
damente a mudança de Administração
americana em 2008.
É sobre isto que o Fórum se propõe
manter o fluxo de informação activo e
o debate vivo, Renato Roldão, presidente da Euronatura, explica: “O nosso trabalho é digerir a informação e torná-la
acessível de forma mais fácil, incluindo
notícias diárias sobre o que se está a
passar e sobre as novas tendências. Há
uma série de situações que é importante as pessoas irem percebendo e saber
que no fórum podem consultar informação sobre alterações climáticas que
têm implicações directas para a situação
nacional”.
Enquadramento
institucional e apoios
A Euronatura sentiu necessidade de realizar o Fórum, «até porque antes de
Quioto, não houve nada no género»,
afirma Renato Roldão. Contaram, desde
o primeiro momento, com a receptividade do Governo português que, quando
contactado, mostrou vontade de realizar
o mesmo esforço. Uma carta do Secretário
Imagem de satélite do Serviço Nacional
de Metereologia Alemão mostrando o furacão “Rita”
na costa Sul dos EUA, sobre o Golfo do México,
a 22 de Setembro de 2005.
30
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
AMBIENTE
de Estado do Ambiente, Humberto Rosa,
reconhecendo o interesse público do projecto, abriu portas à angariação dos
patrocínios necessários.
Com parceria assegurada entre a
Euronatura e a Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, a Gulbenkian e
a EDP assumiram o patrocínio da iniciativa, que arrancou com uma conferência inaugural a 31 de Janeiro deste
ano, na Fundação Calouste Gulbenkian.
A Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento (FLAD), que se interessou desde o início pelo projecto,
formalizou então o seu apoio, vocacionado sobretudo para os eventos exteriores à plataforma web, nomeadamente
mesas-redondas internacionais e intercâmbio entre Portugal e os EUA. “A
Fundação tem o desafio de oferecer,
sempre que interessar ao parceiro português, contacto com os EUA”, defende
Charles Buchanan.
Prevêem-se outros apoios ao Fórum, da
parte de algumas embaixadas de países
que são, nesta matéria, players importantes
a nível internacional, como a China, a
Rússia e a Alemanha. Tal como diz Renato
Roldão, «não podemos estar a desenvolver
um fórum nacional e ignorar tudo o que
se passa à volta».
OUTRAS iniciativas
Depois de ter sido realizada uma mesa-redonda em Julho sobre biocombustíveis, nas instalações da FLAD, o Fórum
prevê a realização de outra conferência
em torno do tema «residencial e serviços», ainda por agendar. Em Novembro
teve lugar um evento especial,
«Countdown to Bali», onde, entre outros
tópicos, foi apresentado o índice ACGE
(Alterações Climáticas e Gestão de
Empresas) sobre o sector público, banca
e seguros.
Haverá, também, acções de dinamização
do debate público na sociedade civil. A
articulação com as escolas e os municípios
faz parte de uma estratégia de divulgação
da iniciativa, adequando localmente a
comunicação ao público-alvo. «Por exemplo, numa sessão aberta no Porto falaríamos de residencial e serviços. No Algarve
falaríamos sobre organização da orla costeira. No Alentejo, de práticas agrícolas e
recursos hídricos». Estas iniciativas envolverão portanto, os diferentes grupos sectoriais por cada tema, procurando
adequá-los às regiões.
O balanço da participação no Fórum
da Internet também exige novas medidas. «A adesão ao Fórum ainda não é
muito grande, as pessoas vão participando gradualmente», conta Renato Roldão.
O recurso a um jornal de grande circulação gratuito será uma forma de passar
informação de forma simples e de divulgar o site, aumentando assim os índices
de participação. “A maior dificuldade é
identificar o tom das mensagens para
cada um dos públicos, porque há pessoas com um nível de conhecimento
muito diferenciado. Não pretendemos
hierarquizar a comunicação, mas antes
esbater barreiras no fluxo de informação. É importante comunicar de cima
para baixo e de baixo para cima”, explica o presidente da Euronatura.
Em 2012, a apresentação de resultados
do Fórum à administração portuguesa
deverá integrar recomendações para o
período pós-Quioto e reflectir da forma
mais consensual possível a participação da
sociedade portuguesa numa questão que
a todos diz respeito.
Os consumidores
e a sustentabilidade
Em 1992, vários países aderiram à
Convenção-Quadro das Nações Unidas
para as Alterações Climáticas, com vista
à redução do aquecimento global. Em
1997, o Protocolo de Quioto estabeleceu
compromissos para os países do Anexo
I (países desenvolvidos), para a redução
global de emissões de gases em 5%. As
negociações ganham um novo fôlego
nos acordos de Marraquexe, em 2001,
que estabeleceram regras detalhadas
para a implementação de mecanismos
concretos. Em Fevereiro de 2005, após
a ratificação do Protocolo por parte da
Rússia, alcança-se o consenso entre países responsáveis por mais de 55% das
emissões mundiais, e o Protocolo entra
em vigor. Até agora, 175 nações ratificaram o Protocolo de Quioto, entre as
quais Portugal. Para atingir os níveis
estabelecidos para o período de 2008-2012, cada país tem ao seu dispor o
desenvolvimento de políticas e medidas
nacionais, o comércio internacional de
emissões, a implementação conjunta de
projectos eco-eficientes e os mecanismos
de desenvolvimento limpo (contribuição
para a redução da emissão de gases
nos países fora do Anexo I).
Mais informação em www.un.org/climatechange/
[O que é a Euronatura?]
A Euronatura – Centro para o Direito Ambiental e o
Desenvolvimento Sustentável – é uma organização sem fins
lucrativos fundada em 1997 especializada em investigação
sobre ciência, política e direito do Ambiente, vocacionada
para matérias internacionais e para a criação de redes com
instituições em todo o mundo. Alterações climáticas, Águas
Internacionais, Economia e Ambiente, Acesso à Justiça
Ambiental são as suas principais áreas de intervenção, em
vários projectos.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
No âmbito da comemoração do seu décimo aniversário, a
Euronatura planeia organizar uma semana de conferências
com Jeffrey Sachs, director do Earth Institute da Columbia
University (EUA), mobilizando vários especialistas nacionais
e internacionais. Esta iniciativa, prevista (não confirmada)
para Maio de 2008, poderá constituir mais um contributo para
o Fórum.
Mais informação em www.euronatura.pt
31
SOCIEDADE
REPORTAGEM
Na lei e nos corações
rui ochôa
Propostas de integração dos imigrantes
32
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
SOCIEDADE
A análise e a discussão de medidas contra a discriminação dos imigrantes
e de promoção da diversidade nos mercados de trabalho juntaram especialistas
de todo o mundo no auditório da FLAD
Por Elisabete Vilar
“Abrindo [à imigração] as portas, os
olhos e as práticas conseguiremos persuadir as pessoas, na mente e no coração,
de que a diversidade é positiva”. A exortação do belga Michiel van der Voorde
resume bem o tom das intervenções no
seminário da Organização para a Coope­
ração e Desenvolvimento Económico
(OCDE) sobre a Integração de Imigrantes
no Mercado de Trabalho, que a FLAD
acolheu.
A iniciativa, contando com a presença, para
além dos delegados dos países da OCDE,
dos ministros da Presidência e do Trabalho
e da Solidariedade Social portugueses bem
como de peritos do sector, procurou identificar por que motivo algumas respostas
aos desafios das migrações funcionam e
outras não; como promover a tolerância e
a diversidade no seio dos países da OCDE
e como garantir que os imigrantes têm as
competências e o capital humano necessário
para que o processo funcione. O encontro
viveu assim da partilha de diferentes experiências e propostas de diversos organismos
e especialistas neste âmbito, embora parte
destas informações esteja também a ser reunida em estudos que estão a decorrer em
diferentes países, entre os quais Portugal,
conforme anunciado.
Van der Voorde apresentou o programa
belga de promoção da diversidade no
mercado de trabalho, que aposta na sensibilização e informação, na articulação
das políticas e programas destinados ao
sector e num equilíbrio entre sanções e
benefícios.
Na mesma sessão, dedicada à luta contra
a discriminação, Lena Schröder, da Suécia,
mencionara já que as manifestações de
racismo, xenofobia, rejeição ou resistência
ao “outro” são um problema de estereótipos, bem arreigados nas representações
sociais, não sendo por isso fáceis de eliminar apenas criando leis.
Exemplificando, Schröder lembrou que os
empregadores revelam muitas vezes preferência por nomes suecos e reserva face a
nomes de origem estrangeira. E que as taxas
de sucesso no mercado de trabalho de filhos
adoptados por suecos é maior naqueles que
têm uma “aparência europeia”. Esta especialista sugere, entre outras medidas, que os
Estados detenham um retrato do verdadeiro
perfil dos imigrantes para que deixem de
imperar ideias preconceituosas.
Van der Voorde enunciou a concessão de
subsídios a empresas que reservem vagas
para trabalhadores de certos grupos-alvo,
entre os quais migrantes.
66 por cento dos portugueses consideram que os imigrantes contribuem muito
para o desenvolvimento de Portugal,
sendo este o segundo valor mais alto
detectado pelo Eurobarómetro na União Europeia (UE). O anúncio foi feito no
seminário da OCDE pelo ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, que concluiu
estarem assim criadas condições favoráveis ao acolhimento e integração de imigrantes em Portugal.
O governante, que rematou o encontro, sublinhou que a presidência portuguesa
da UE foi intensamente marcada pelo tema da imigração, com as diferentes cimeiras (Brasil, Mediterrâneo e África) e outros eventos.
“Portugal traz para a sua política de imigração o que aprendeu na sua experiência
como país que emigrou. Não queremos nada menos para os nossos imigrantes
daquilo que exigimos para os nossos emigrantes”, disse.
Já no painel de abertura, Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Solidariedade
Social, identificando os grandes três fluxos migratórios para Portugal, oriundos dos
PALOP, do Brasil e do Leste europeu, sublinhara que um bom acolhimento de imigrantes se contava entre os sinais de “grande progresso cívico e civilizacional”.
Portugueses dão
nota positiva aos imigrantes
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
33
©Lusa/ Paulo Cunha
SOCIEDADE
© Lusa/J. Leiria
Contudo, nem todas as medidas eficazes
num contexto servem para outro. Por
exemplo, a britânica Kay Hampton, da
Comission for Racial Equality do Reino
Unido, recordou que no seu país não
podem ser aplicadas medidas de discriminação positiva, De qualquer modo, sublinhou, “a legislação é importante, mas os
corações também têm de ser tocados”.
Não é só a sociedade de acolhimento que
deve adaptar-se aos trabalhadores que chegam de fora: eles também devem ter os
meios para a sua integração. Nos painéis
da manhã, havia-se discutido precisamente o reconhecimento e melhoria do capital
humano dos migrantes e as ajudas de que
podem dispor no acesso ao mercado de
trabalho. Steve Davis, da Austrália, e
Elizabeth Ruddick, do Canadá, dois países
“construídos” por imigrantes, alertaram
para a importância do reconhecimento e
certificação das credenciais educacionais e
laborais dos imigrantes e da aquisição de
competências específicas para melhor
desempenho de funções, como o ensino
da língua centrado na profissão.
Rebeca Traldi à janela de sua casa um mês depois
de ter chegado a Vila do Rei no grupo das quatro
familias de brasileiros que imigraram para Portugal
para povoar o Concelho, em Maio de 2006.
Dagmar Feldgen, da Alemanha, louvou
os benefícios de uma abordagem individualizada dos trabalhadores e de uma
acção concertada de todos os sectores
sociais. E o francês Patrick Aubert referiu o papel que os sindicatos podem ter
na mediação entre o trabalhador imigrante e o mercado de trabalho.
FLAD investe na imigração
Em 1995, a FLAD iniciou um programa
de apoio à investigação na área da
imigração – projecto no qual se insere
o acolhimento de eventos internacionais, como o seminário da OCDE – tendo
integrado o programa Metropolis
International, constituído por equipas
de investigadores sobre migrações de
20 países.
O relevante papel da fundação neste
âmbito levou o ministro Silva Pereira a
afirmar que a FLAD “tem sido muito mais
do que um apoio logístico – é um activista das boas práticas em matéria de
imigração e de direitos fundamentais”.
Primeira página do Notícias de Leiria com manchete
em russo de apelo dos Serviços de Estrangeiros e
Fronteiras portugueses para a legalização.
34
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
FUNDAÇÕES
Mais cooperação
entre fundações
O papel e cooperação das fundações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
nomeadamente no apoio a organizações da sociedade civil e execução dos Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio, como o combate à pobreza e auxílio à inclusão social e,
ainda, a contribuição para a consolidação da paz e democracia, foram os temas debatidos
no 4º Encontro de Fundações de Língua Portuguesa, em Luanda. A próxima reunião será
em Maputo, a convite da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade
Por Mónica Ferreira
O encontro, que contou com a Fundação
Sagrada Esperança (Angola) como anfitriã, serviu para Afonso Van-Dúnen “MBinda”, embaixador e presidente da
referida instituição, realçar o papel das
Fundações na construção e consolidação
da democracia.
Também Emílio Rui Vilar, Presidente do
Centro Português de Fundações, traçou um
quadro geral das questões actuais da filantropia e da intervenção das fundações num
contexto internacional em mudança.
Após dois dias de debate, entre mais de
30 Fundações de Angola, Cabo Verde,
Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe,
ficou decidido que é importante continuar
a assumir a língua portuguesa como um
património comum inalienável e como factor facilitador de desenvolvimento em todas
as suas áreas de actuação.
Para as Fundações ali reunidas, num
mundo globalizado e multipolar, a valorização e a promoção de abordagens mulParalelo n.o 1
| INVERNO 2007
tilaterais e em rede são vistas como as
únicas estratégias que poderão ser utilizadas para responder às grandes questões
à escala global. Perante tal questão, as
Fundações comprometeram-se a reforçar
a sua capacidade de estabelecer redes e
parcerias de modo a conseguir melhorar
a troca de experiências e o entendimento
tanto entre si como na sociedade civil em
geral, através da criação de um Blogue ou
de um Website, com o apoio da Fundação
Portuguesa das Comunicações.
Concluiu-se, também, que é necessário
reconhecer nas Fundações um papel mais
activo na difusão do conhecimento sobre
as causas dos problemas sociais bem como
na identificação de eventuais soluções e
no lançamento de projectos educacionais
e sociais que possam contribuir para a
inclusão e o desenvolvimento humano.
A FLAD, representada neste encontro por
Rui Machete, Charles Buchanan e Fátima
Fonseca, vem, desde o ano 2000, a con-
ceder bolsas para estudos superiores em
Portugal a estudantes oriundos dos PALOP
(Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa).
Esta iniciativa que já se estendeu a outros
países como Angola, São Tomé e Príncipe
e Cabo Verde, faz com que estejam actualmente em Portugal 17 bolseiros a frequentar licenciaturas como Sociologia,
Economia ou Gestão.
Porém, não é só na área da Educação
que a FLAD tem mostrado um papel activo junto dos PALOP. Têm sido desenvolvidos programas na área da saúde e de
maior cooperação universitária (realização
de cursos de mestrado e doutoramento
nos PALOP).
Mais recentemente, a FLAD uniu-se ao
National Institutes of Health dos EUA na luta contra o VIH/Sida, a Tuberculose e a Malária
que resultará na criação de um conjunto de
acções e programas concretos para serem
desenvolvidos nesta área.
35
OPINIÃO PÚBLICA
Europeus mais atentos
ao aquecimento global
Dependência energética preocupa americanos
Mais de metade dos portugueses vêem uma parceria
entre a Europa e os EUA como a solução mais eficaz
para combater ameaças internacionais, revela o
Transatlantic Trends 2007. O objectivo do estudo
é avaliar as relações transatlânticas.
Por Andreia Aparício
Relações Transatlânticas,
que futuro?
Cerca de 35% dos europeus pensam que
as relações transatlânticas vão melhorar e
45% que se vão manter iguais. Os americanos mostram-se mais optimistas, 42%
acreditam que as relações vão progredir
depois das eleições de 2008 independentemente do Presidente eleito e 37% pensam que vão ser iguais.
Questionados sobre qual o factor principal que conduziu ao declínio destas
relações, 38% dos europeus responderam
a gestão da guerra do Iraque por parte
dos EUA, contra 34% que responderam o
Presidente Bush propriamente dito.
Os europeus foram questionados sobre
Bush e os EUA. Os resultados são conclusivos,
77% dos europeus reprovam o Presidente
Bush e as suas políticas. O estudo revela que
apesar das ideias que os europeus têm dos
EUA serem influenciadas pelas opiniões sobre
as políticas de Bush, estes distinguem os EUA
enquanto país do Presidente Bush.
36
Ameaças externas preocupam
os dois lados do Atlântico
Europeus e americanos na sua maioria,
pensam que mais esforços devem ser reunidos para que o Irão não obtenha capacidade nuclear. Quase metade dos
americanos considera que se o aumento
da pressão diplomática falhar, a força mili-
Medidas de segurança reforçadas no aeroporto de
Fiumicino, Roma
©Lusa/EPA-STR
Para europeus e americanos, aquecimento global, dependência energética e terrorismo internacional são as ameaças
globais mais prováveis. Contudo, o estudo
mostra que os europeus estão mais preocupados com o aquecimento global e os
americanos ficam mais apreensivos face à
dependência energética.
Mais de 50% dos portugueses afirmam
que a Europa deve assumir maior responsabilidade pelas ameaças globais em conjunto com os EUA. França e Eslováquia
são os países da UE que pensam que a
Europa deveria tratar das ameaças globais
independentemente dos EUA.
tar deve manter-se, mas só 18% dos europeus concordam com a opção militar.
Europeus e americanos (64%) concordam com a utilização das tropas para a
reconstrução do Afeganistão. Mais de 70%
dos portugueses apoiam o envio de tropas
para a reconstrução do Afeganistão. Quase
70% dos americanos pensam que as tropas
devem combater os Taliban e apenas 30%
dos europeus aprovam a ideia.
Os dois lados do Atlântico mostram-se
reticentes face à Rússia. Mais de metade
dos europeus estão preocupados com o
fornecimento de energia e 75% dos americanos dão mais atenção ao enfraquecimento da democracia russa.
Europeus (48%) e americanos (54%)
vêem a China com receio, encarando-a
como uma forte ameaça económica. O
Transatlantic Trends apurou que mais de
metade dos portugueses é da mesma opinião. O estudo conclui que os portugueses estão preocupados com a concorrência
económica chinesa e com as ameaças globais e apoiam as missões de manutenção
de paz.
O estudo Transatlantic Trends, é um projecto do German Marshall Fund of
the United States e da Compagnia di San Paolo em Turim que questiona
cidadãos norte-americanos e de doze países europeus, avaliando as relações
transatlânticas. A Fundação Luso-Americana é a instituição portuguesa que
apoia esta sondagem internacional.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
CARTA BRANCA
O susto
Bárbara Reis
Estou sentada a trabalhar, concentrada apesar da confusão e disponibilizam factos e informação concreta (segundo
na rua. Li os jornais, falei com Lisboa, fiz telefonemas, espanto), que ouvem os gravadores (já no reino do incrível)
deixei recados e agora estou a escrever. Uma manhã igual e que, ainda por cima, respondem por sua própria iniciaà de ontem.
tiva aos nossos pedidos (totalmente bizarro).
Também estou a escrever mais do que uma notícia ao
Está tudo explicado: entre os vários telefonemas desta
mesmo tempo, como ontem. A técnica é universal, mas manhã, um foi para o gabinete de imprensa da CIA.
os jornalistas (e os cozinheiros) conhecem-na bem: estou
Depois de falar com a agente americana pousei o telenum texto e recebo um telefonema que me faz ir para fone, lembrei-me do meu primeiro dia em Nova Iorque,
outro que estava em repouso. Regresso ao primeiro e vem quatro anos antes, e dei uma gargalhada. De alívio, só pode
outra resposta, de novo pelo telefone, e mudo uma vez ter sido.
mais de tema para rever o terceiro, e assim
a manhã voa.
Depois de falar com a agente americana pousei
O telefone não pára de tocar, é sempre
assim em Nova Iorque. Um editor de
o telefone, lembrei-me do meu primeiro dia
Lisboa, um colega, um amigo, uma fonte
em Nova Iorque, quatro anos antes, e dei uma
americana, alguém a responder a uma mengargalhada. De alívio, só pode ter sido.
sagem que deixei num gravador, o senhor
da lavandaria, um convite para logo à noite
Porque o primeiro momento, lembro-me bem, é de
e, chamada-sim-chamada-não, um vendedor a empurrar
susto. “Estou sozinha e agora já está: sou correspondenuma “novidade”.
te em Nova Iorque.” Por onde é que começo? A ONU
O telefone toca mais uma vez.
é exactamente onde? E o New York Times? Como arranjo
– Sim...
fontes nesta cidade louca? Qual das dez notícias do dia,
– Bom dia, é da Central Intelligence Agency.
todas importantes, escolho escrever? Vejo o debate no
– ... (fiquei muda, é da quê?)
– Fala da CIA (ela leu o meu pensamento, uma mulher Congresso ou escrevo sobre a ex-namorada de Salinger,
o escritor-eremita, que revelou mais pormenores íntimos
inteligente)
Da CIA? O que é que eu fiz? Paguei os impostos e não sobre ele do que eu sei sobre mim própria? Há horas
revelei nada do que me contaram há dias no elegante e sentada no chão a recortar jornais, pouso a tesoura e
penso: “Não vou conseguir.” Foi assim no primeiro
reservado Harvard Club.
– Fala da CIA, retomou a voz. – Ligou esta manhã... Estou dia.
Hoje, 1460 manhãs depois, sei que em Nova Iorque
a responder à sua mensagem. Em que posso ajudá-la?
Pois. Ao fim de 1460 manhãs iguais a esta, ainda subs- tudo é possível. Até conseguir.
timo a eficácia americana. Nos Estados Unidos, os jornalistas têm interlocutores (primeiro espanto), que sabem coisas A autora foi correspondente do Público em Nova Iorque entre 1995 e 2000.
‘
’
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
37
PORTUGAL/EUA
António Vicente (FLAD), João de Vallêra (embaixador de Portugal em Washington), Nélia Alves (jornalista) e Phillip Rapoza (Juiz).
Comunidade luso-americana tem de aceder
ao ensino e envolver-se na política
Primeira conferência bianual do Portuguese-American Leadership
Council of the United States foi em Washington DC.
Por Rita Siza*
“Qual é o problema de pregar aos convertidos?”, perguntava Maria Ricardo, depois
da apresentação das conclusões da primeira Conferência Nacional das Comunidades
promovida pelo Portuguese-American
Leadership Council of the United States
(PALCUS), em Washington DC. Não foi
exactamente uma síntese das intervenções
dos diferentes oradores, mas mais um apelo
à participação política e cívica dos luso-americanos e a um maior investimento na
educação superior e formação profissional.
“Há aqui muita gente que vem defendendo isso mesmo há anos. Mas a mim não
me importa que repitam a mensagem.
Afinal, é preciso começar por algum lado”,
resumia Maria Ricardo.
Talvez por isso, o novo presidente da
PALCUS, John Bento, quis começar por
38
convidar uma série de personalidades cuja
experiência permite reflectir sobre os desafios que se colocam à comunidade lusoamericana e cujo percurso pode servir de
exemplo – congressistas, professores universitários, empresários, jornalistas; todos
eles falaram sobre as respectivas carreiras,
problematizando o papel e a importância
da sua ascendência portuguesa.
“A comunidade luso-americana ainda
enfrenta uma série de problemas críticos
para o seu desenvolvimento enquanto
grupo étnico nacional. O que queremos
é identificar, discutir e encontrar soluções
para esses problemas”, justificou John
Bento, dirigindo-se a uma assistência de
mais de uma centena de pessoas, vindas
de diferentes estados americanos e ainda
do Canadá.
O antigo congressista da Califórnia,
Richard Pombo, falou dos seus tempos no
Capitólio – onde, assinalou, trabalham
muitos portugueses –, e recordou assuntos como a dupla-tributação das empresas
americanas e portuguesas ou da construção de edifícios permanentes na base das
Lajes para ilustrar a importância crítica da
organização política das comunidades. “Se
não participarem politicamente, deixarão
um vazio que inevitavelmente será ocupado por outros”, avisou.
Maria Ricardo é das que está perfeitamente convencida dos resultados que podem
ser obtidos com a organização e o envolvimento cívico das comunidades: foi pela
acção do Portuguese-American Forum de
Santa Clara, na Califórnia, que se conseguiu
negociar a inclusão da RTP Internacional
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
PORTUGAL/EUA
‘
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Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
Da importância da língua
portuguesa
PALCUS responde a
George W. Bush
“Muito ofensivo”, foi como o PALCUS,
representando mais de um milhão de
portugueses que vivem nos Estados
Unidos, considerou a declaração do
Presidente norte-americano de que o
ensino do português era um “projecto
inútil”.
Através de uma carta aberta, assinada
pelo presidente do PALCUS, John Bento,
os portugueses reagiram com surpresa
às declarações de George W. Bush, numa
visita a New Albany, Indiana. Até porque
o ensino das línguas estrangeiras é
considerado pelo Governo americano
“uma componente essencial, para
segurança nacional dos Estados Unidos
no pós-11 de Setembro (...)”.
Enquanto uma das línguas mais faladas
no mundo, sendo a mais falada na
América do Sul e a maior língua franca
em África, o português tem um papel
fundamental para a comunicação global
e desenvolvimento económico e político,
sublinha a carta da PALCUS. S.P.
Fernando Rosa (director do PALCUS),
Ângela Costa (directora), Carlos César
(presidente do Governo Regional dos Açores)
e John Bento (presidente do PALCUS).
António Oliveira
na oferta dos canais de cabo do condado. contraditório com a sua trajectória: não
O fórum integra agora o Portuguesepodemos nunca esquecer como aqueles
-American Citizenship Project, que promo- que deixaram tudo para vir para cá estave acções de naturalização e cidadania, vam a assumir o maior risco das suas
registo de eleitores e informação eleitoral.
vidas”, assinalou Phillip Rapoza.
Para o professor Onésimo Almeida, da
Como se consegue, então, passar de um
Universidade de Brown, em Rhode Island, estádio para o outro? Com organização e
a chave para a dinamização social e polí- informação, por exemplo, “fóruns na intertica da comunidade luso-americana está
net, seminários e workshops”, respondeno acesso à educação. “A solução é o ensi- ram uns. “Com um maior investimento nas
no. É preciso ter gente nas universidades. acreditações para o ensino do português
Nas melhores”, defende.
nas escolas”, sugeriram outros. E também,
É preciso, como sublinhou Phillip acrescentaram outros, “com um maior
Rapoza, Chief Justice do Tribunal de envolvimento institucional de Portugal”.
Apelações do estado
do Massachusetts,
ultrapassar o antigo
ambiente entre a
A comunidade luso-americana ainda
comunidade portuguesa que, de
enfrenta uma série de problemas
maneira geral, concríticos para o seu desenvolvimento
siderava que “ir
para a universidade
enquanto um grupo étnico nacional.
não valia a pena
porque se ia acabar
a trabalhar nas
No encerramento dos trabalhos, o Pre­
fábricas, e se se queria estudar não valia
a pena candidatar-se às melhores univer- sidente do Governo Regional dos Açores,
sidades porque não se ia conseguir entrar, Carlos César, congratulou a PALCUS pela
e se se conseguia não valia a pena pedir
sua “acção engajada na representação da
bolsas porque não se ia passar porque os comunidade luso-americana” e insistiu na
portugueses eram uns preguiçosos…”.
necessidade de “reforçar a capacidade e o
A questão, como notavam vários dos par- peso político dos portugueses nos Estados
ticipantes, é ultrapassar os estereótipos que Unidos”. “Ser português nos Estados
ainda abundam entre as diferentes “vagas” Unidos não quer dizer que nos preocupade imigrantes chegados de Portugal. Como mos apenas com o nosso bairro ou com as
aqueles com que se confrontou Deolinda
notícias que vêm de Portugal”, disse.
Adão, que depois de emigrar na década de
70 teve de enfrentar a oposição paternal *jornalista do Público, correspondente nos Estados Unidos
perante o seu desejo de prosseguir estudos
ao nível universitário. “O meu pai dizia que
eu devia era casar-me, arranjar um emprego
e esquecer os estudos”, lembra. Que foi o
que fez, regressando ao ensino depois de
ter criado os filhos – actualmente, Deolinda
Adão trabalha no seu Ph.D e coordena o
programa de Estudos Portugueses na UC
Berkeley, Califórnia.
Trinta anos depois, Deolinda ainda se
depara com as mesmas resistências.
Aconteceu recentemente, quando aconselhava um estudante a candidatar-se a uma
universidade, e foi recriminada pela mãe
do aluno. “Mas quem é que a senhora
julga que é para vir desencaminhar o meu
filho?”
Apesar das anedotas, os diferentes oradores manifestaram um relativo optimismo com os progressos alcançados.
“Acredito que estamos na direcção certa.
O único problema é que, às vezes, a nossa
comunidade não está muito disposta a
assumir desafios, o que é completamente
39
Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL #3155
PORTUGAL/EUA
Quando
Fernando Pessa
dava voz ao
Plano Marshall
“Em 12 horas três homens produzem
três sapatos”. Com máquinas, em “12 horas,
três homens conseguem produzir nove sapatos”.
E as máquinas “criam novos empregos”,
salários mais altos e melhor nível de vida.
A voz é de Fernando Pessa e vamos vendo cada vez
mais sapatos no ecrã com os mesmos homens ao lado.
Estamos em 1951 e este é um dos filmes visto em
Portugal no quadro do apoio do Plano Marshall.
Por Helena Garrido
Produzido pela “United States Information
Service” vamos vendo e ouvindo as vantagens da mecanização. “Da charrua”
puxada por animais ao arado mecânico,
da ceifa manual à mecanizada, “do fuso
aos teares mecânicos”, da “água do poço
à água da torneira”. E vão-se sucedendo
imagens de mulheres e homens, ganhando qualidade de vida com este desenvolvimento, num filme a preto e branco em
espaços impecavelmente organizados.
Este foi um dos filmes exibidos na iniciativa promovida pela Fundação Luso-Americana (FLAD), marcando o 60º
aniversário do Plano Marshall, e na qual
participaram o então embaixador dos EUA
em Portugal Alfred Hoffman, o presidente da instituição Rui Machete e a historiadora Maria Fernanda Rollo que dedicou
a sua tese de doutoramento à aplicação
desse programa a Portugal. Uma demonstração inequívoca de que Portugal, ainda
que o tenha rejeitado na primeira fase,
obteve auxílio financeiro do “Programa
Carregamento de automóvel
de fabrico inglês para exportação.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
de Recuperação da Europa” que a história
acabou por designar Plano Marshall em
homenagem a quem lançou a ideia.
Todos os países da Europa Ocidental,
com excepção da Espanha, beneficiaram
das verbas do Programa anunciado pelo
secretário de Estado do Tesouro norte-americano George C. Marshall a 5 de
Junho de 1947 na Universidade de
Harvard. Nesse dia nasceu o Plano
Marshall, que oferecia apoio a todos os
países da Europa atingidos pela II Guerra
Mundial mas que apenas foi aceite pelos
países ocidentais.
Portugal não tem uma estratégia linear
em relação ao Plano Marshall. Primeiro
recusa o auxílio ainda que participe nas
negociações e instituições. Um ano mais
tarde, em 1948, Oliveira Salazar muda de
ideias e candidata-se ao auxílio financeiro.
Mas regressa à posição inicial de recusa
no terceiro e último exercício do Plano
(1950-1951).
Em 1947 o governo de Oliveira Salazar
participou nas negociações entre os países
europeus e os Estados Unidos para formalizar o Plano Marshall. De tal forma
que em 1948 Portugal torna-se mem-
41
PORTUGAL/EUA
bro fundador da Organização Europeia de
Cooperação Económica (OECE, hoje
OCDE), a instituição com sede em Paris
criada para garantir uma das condições
impostas pelos norte-americanos: que os
países europeus gerissem solidariamente
e em conjunto com os EUA as verbas de
apoio financeiro à Europa destruída pela
II Guerra Mundial.
Portugal recusa formalmente assistência
financeira a 22 de Setembro de 1947,
quando os “dezasseis” (a Alemanha só
beneficia mais tarde do Plano) assinam o
documento que sintetiza a situação económica e social dos seus países. O ministro
português dos Negócios Estrangeiros José
Caeiro da Mata protagoniza aí a recusa. O
próprio ministro português das Finanças
Costa Leite escreve, num parecer citado pelo
Dicionário do Estado Novo, que se Portugal
“orientar devidamente” o seu “comércio
externo” não tem necessidade de “enfileirar no número dos ‘famintos do dólar’”.
Manter a política externa que seguia
antes da guerra, orientada para o Brasil,
Espanha, Reino Unido e colónias africanas;
uma atitude desconfiada em relação aos
Estados Unidos e de cepticismo quanto às
possibilidades de cooperação europeia,
bem como uma perspectiva optimista da
situação económica justificam, segundo
historiadores como Maria Fernanda Rollo,
esta recusa inicial do Plano. Mais recente-
mente é ainda apontada como razão o
“ouro nazi” que Portugal acumulou
durante a Guerra. A ameaça norte-americana de suspender as ajudas à Holanda,
por esta resistir em conceder a independência à Indonésia, é igualmente um
acontecimento que poderá ter pesado na
decisão inicial de Salazar.
Receios e equilíbrios de Salazar
Menos de um ano depois Portugal muda
de posição. A 20 de Julho de 1948 Oliveira
Salazar disponibiliza-se a aceitar a ajuda
norte-americana. Em Novembro desse ano
é apresentado um programa para obter
ajudas no montante de 625 milhões de
dólares até 1952. A degradação da situação
económica é um dos factores determinantes para esta mudança, considerada por
Maria Fernanda Rollo como “uma das
mais significativas alterações da política
externa portuguesa conduzida pelos
governos de Oliveira Salazar”.
O “Programa de Recuperação da Europa”
transferiu para Portugal uma verba que
“rondou os 90 milhões de dólares, 600
milhões de euros em valores actuais,
durante 12 a 18 meses, o que correspondeu a 25% da formação bruta de capital
fixo nesse período”, afirma Maria Fernanda
Rollo. Recursos reduzidos mas que, afirmou no evento na FLAD, permitiram
Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL #179
Famílias inteiras participaram na reconstrução de Berlim.
42
“ultrapassar uma crise económica, social
e cultural”. Professora na Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa, a tese de doutoramento
de Maria Fernanda Rollo é sobre este tema
e está editada no livro Portugal e o Plano
Marshall1.
“Em 1948 e 1949 o défice externo foi
enorme o que suscitou preocupação” ao
governo de Salazar, salienta a professora
investigadora da UNL e membro do
Instituto de História Contemporânea. De
acordo com dados do Banco de Portugal,
o défice externo em 1948, medido pela
Balança de Transacções Correntes, atingiu
pouco mais de quatro milhões de contos,
o que correspondia a 166 milhões de
dólares ao câmbio da altura2. O auxílio
financeiro global, ainda que muito inferior
ao solicitado, correspondeu a mais de
metade deste desequilíbrio externo.
António Costa Pinto, investigador no
Instituto de Ciências Sociais da Uni­
versidade de Lisboa – e que coordenou
um livro com Nuno Severiano Teixeira,
actual ministro da Defesa, sobre a posição
de Portugal na Europa de 1945 a 1986
(ano da adesão) –, defende que a decisão
de Salazar tem, além da dimensão pragmática determinada pelo défice externo,
motivações políticas relacionadas com
a defesa das colónias. Toda a política do
regime salazarista após a II Guerra Mundial
estava focada no combate à descolonização, diz, questionado por nós. Os Estados
Unidos, pelo contrário, faziam grande
pressão sobre os países europeus para a
autodeterminação das colónias, gerando
em Salazar grande desconfiança. A convicção de que, tal como se verificou com a
integração na NATO, poderia defender
melhor as colónias africanas dentro das
instituições poderá ter igualmente pesado
na participação no Plano Marshall.
Ainda hoje alguns acreditam que
Portugal não beneficiou do Plano de
recuperação da economia europeia lançado pelos Estados Unidos, o que pode
ser o reflexo do modelo seguido pelo
regime de Salazar na divulgação do Plano.
Jacinto Nunes, ex-governador do Banco
de Portugal e ex-presidente do conselho
directivo da FLAD, salientou esse aspecto
na iniciativa que marcou os 60 anos do
Plano.
Maria Fernanda Rollo testemunha igualmente que, durante a sua investigação,
encontrou quem não acreditasse que
Portugal tivesse beneficiado do Plano. Por
nós questionado, António Costa Pinto
admite que esta convicção se terá instalado não apenas porque Portugal beneficiou
só da segunda fase do programa, mas tamParalelo n.o 1
| INVERNO 2007
Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL# 3067
PORTUGAL/EUA
bém porque a oposição ao regime de
Salazar cultivou a imagem de isolamento
do país. “O que não corresponde à verdade”, já que Portugal integrou-se nas
instituições criadas na época, como a
NATO (Organização do Tratado do
Atlântico Norte) e a OECE. O isolamento
de Portugal é menos marcado que o da
Espanha de Franco.
O presidente da FLAD, Rui Machete, no
encontro na FLAD, considerou que
“Salazar foi prudente e negativo, receoso
de novas ideias que pareciam perigosas,
mas acabou por ser influenciado por pessoas mais abertas”. Mais importante que
o valor das ajudas, diz, o relevante para
Portugal foi o que a participação no Plano
“permitiu em termos de novas ideias e
no campo económico e dos investimentos públicos.”
A dimensão da assistência financeira foi
limitada mas o Plano Marshall teve em
Portugal, esta é a visão unânime dos autores que estudaram esta matéria, um efeito
intangível de modernização das mentalidades.
Em Roterdão, descarga de trigo fornecido pelos EUA "para a reconstrução europeia",
como dizem os cartazes.
Alfred Hoffman Jr.
As virtudes de ajudar
em cooperação
1
O que aprendemos
com o Plano Marshall?
Aprendemos que, trabalhando em conjunto, podemos
estender os mesmos princípios e resultados em termos
de oportunidades económicas e liberdade a outros países
do mundo devastados, com populações que sofrem em
África, Médio Oriente. Eles precisam de ajuda. Nós devemos
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
Um modelo inspirador da CEE
As verbas norte-americanas serviram para
importar trigo mas foram igualmente
investidas na construção de infra-estruturas e na aquisição de equipamentos. Os
actuais mecanismos de transferência da
União Europeia (UE), salienta Maria
Fernanda Rollo, têm semelhanças com os
procedimentos exigidos por Washington.
Os países tinham de participar com verbas
e o programa de apoio era controlado e
gerido pela “Economic Cooperation
ajudá-los. Actualmente a UE e os Estados Unidos devem
trabalhar em conjunto para atingir esses objectivos.
2
Pensa que é possível aplicar uma espécie
de Plano Marshall no Médio Oriente?
3
Considera que o Plano Marshall contribuiu
para a criação da União Europeia?
A União Europeia e os Estados Unidos têm ajudado essa
região. Talvez essa cooperação pudesse ser mais formal para
atingir esses objectivos de recuperação e desenvolvimento.
Com toda a certeza. Assegurou as capacidades das populações para recuperarem da guerra. Sem o Plano Marshall
a União Europeia far-se-ia na mesma, mas levaria mais
uma geração, a construção europeia seria mais lenta.
43
PORTUGAL/EUA
A Produtividade
explicada às crianças
“O representante da ECA [‘Economic
Cooperation Administration’] em Portugal
dizia para Washington que mais de metade da população era iletrada e não existiam rádios nas cidades pequenas”,
revela Maria Fernanda Rollo.
“Para se chegar ao homem da rua a
estratégia tinha de ser, por isso, outra” o
que passou pela produção de filmes,
alguns vindos da Irlanda. Fernanda Rollo
diz ainda que chegaram dos “Estados
Unidos projectores portáteis” que permitiram “realizar tournées” no país. A
imprensa e a rádio contribuíram igualmente para a divulgação do Plano, com
mais de cem notícias por dia e programas
na Emissora Nacional, segundo Fernanda
Rollo.
Tal como o Plano Marshall chega a
Portugal um ano depois do que se verificou no resto da Europa, também “a
44
publicidade e propaganda foi tardia por
comparação com outros países e com um
modelo semelhante ao da Irlanda”, afirma a professora e investigadora da Uni­
versidade Nova.
A campanha foi fundamentalmente
dirigida às elites e empresários e focada
nas vantagens da produtividade, um conceito novo para os portugueses. Salazar
enviou dois técnicos aos Estados Unidos
para, entre outros aspectos, se familiarizarem com o conceito de produtividade,
revela Fernanda Rollo. A preocupação era
que a subida da produção por trabalhador desencadeasse o encerramento de
empresas.
Fernando Pessa fazia a dobragem dos
filmes que vinham dos EUA e de outros
Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL # 923
Administration” (ECA) que partilhava com
o Departamento de Estado a responsabilidade pela definição das prioridades políticas, conforme escreve Michael Hogan,
professor de História da Universidade de
Iowa, numa publicação da Administração
norte-americana.
Uma das orientações políticas baseava-se
nos princípios de “auto-ajuda, apoio
mútuo e responsabilidade partilhada”,
afirma Michael Hogan. A Administração
Truman, incluindo o próprio Marshall,
insistiram que os países europeus se coordenassem entre si. É por isso que nasce
em 1948 a OECE, actual OCDE, com sede
em Paris, a capital europeia do Plano
Marshall.
A OECE será a primeira instituição de
iniciativa europeia e que é induzida pelos
Estados Unidos. Um facto que leva alguns
autores a considerarem que o Plano
Marshall lançou uma das primeiras
pedras da integração europeia que começa com a Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço (1951) para em 1958
nascer a CEE.
O Governo norte-americano considerava
ainda que, “além da assistência financeira,
o sucesso da iniciativa dependia da eficácia da comunicação”, afirma Maria
Fernanda Rollo. São produzidas várias
campanhas para os países que fizeram
parte do Plano. Portugal, apesar da resistência, teve de cumprir o acordado e
aceitar a divulgação desse apoio. O nível
de analfabetismo e o grau de subdesenvolvimento do país impôs estratégias específicas.
George C. Marshall (à esquerda) recebe um carro oferecido pelos sicilianos
em agradecimento pelo Plano, em Abril de 1951. Com Marshall está o embaixador italiano nos EUA.
“O bisavô do euro”
“O bisavô do euro é o Plano Marshall,
reforçou a cooperação europeia”, afirmou Jacinto Nunes no aniversário dos
60 anos do que se pode considerar
o lançamento do “Programa de
Recuperação da Europa”, o discurso
do secretário de Estado George C.
Marshall a finalistas da Universidade
de Harvard a 5 de Junho de 1947.
O ex-governador do Banco de
Portugal trabalhou no Plano Marshall
em Portugal e salienta o contributo
que deram o ministro Correia de
Oliveira e o embaixador Teixeira Guerra
para que Salazar o aceitasse. O programa de aplicação a Portugal foi da
autoria de Araújo Correia, revela.
A assistência norte-americana a 16
países europeus tinha como objectivo
aumentar a produtividade, reforçando
por esta via o nível de vida, caminho
considerado essencial para evitar tensões sociais que criassem tentações
revolucionárias com alinhamentos à
URSS.
“Os americanos permitiram que a
Europa recuperasse a sua vida económica”, afirmou Rui Machete, presidente da FLAD. E o então embaixador dos
Estados Unidos em Portugal considerou que “o segredo do sucesso do
programa está no espírito de cooperação” que o marcou. Cinco anos mais
tarde, relembra Hoffman, não se reconheciam as ruas e cidades na Alemanha
e em França.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
PORTUGAL/EUA
Dados...
16 países europeus beneficiaram do
Plano Marshall: Áustria, Bélgica,
Dinamarca, França, Grécia, Holanda,
Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo,
Noruega, Portugal, Reino Unido,
Suécia, Suíça e Turquia. A Alemanha
Ocidental também integra o Plano,
mas apenas em 1949 quando se
constitui a República Federal da
Alemanha por integração das zonas
de ocupação do Reino Unido, França
e EUA. O único país da Europa
Ocidental que não beneficia deste
auxílio é a Espanha.
13 mil milhões de dólares foi o mon-
tante de apoio financeiro dos EUA à
Europa de 1948 a 1952 o que correspondia a 2% do PIB norte-americano. A Guerra
da Correia interrompeu o Plano.
países. Mas, sublinha ainda Fernanda
Rollo, quando os programas se dirigiam
aos trabalhadores mas não aos patrões,
a censura actuava. Admite-se que meio
milhão de portugueses terão tido contacto com a propaganda associada à
aplicação do Plano Marshall. A população portuguesa na altura era de 8,5
milhões de pessoas com 3,1 milhões de
empregados.
As vantagens do aumento da produtividade são explicitadas com “mais qualidade de vida, com as máquinas a
servirem as nossas exigências”. E sem
perda de postos de trabalho. “As máquinas criaram novos empregos”, ouve-se
no filme. Com mais dinheiro no bolso
as pessoas podem comprar outras coisas, como uma bicicleta. E alguém a vai
produzir.
A subida dos salários é traduzida em
bens que se podem comprar. Numa
comparação entre o salário médio por
hora em 1850 e 1950, vai-se ouvindo
Fernando Pessa dizer no filme que
enquanto só se podia comprar uma onça
de chá e um pão, hoje é possível ter
mais chá, mais pão e a ainda… “comprar o jornal”. Com imagens a ilustrarem.
Portugal e o Plano Marshall (1994), Maria Fernanda Rollo,
Ed. Estampa.
2
Portugal e a Integração Europeia – 1945-1986 (2007), António
Severiano Teixeira e António Costa Pinto, Ed. Temas e
Debates.
1
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
90 milhões de dólares foi a ajuda
recebida por Portugal em 18 meses,
mais de metade do seu défice externo
em 1948. Mas Portugal candidatou-se
para 625 milhões de dólares.
... e datas marcantes
1947, 5 de Junho – Secretário de Estado
George C. Marshall anuncia na
Universidade de Harvard a intenção do
Governo lançar um programa de apoio
ao desenvolvimento dos países europeus
destruídos pela II Guerra. Só os países
europeus ocidentais aceitam.
1947, 22 de Setembro – Conferência
Europeia de Cooperação Económica em
Paris onde se assina o documento para
apresentar aos Estados Unidos. O ministro português dos Negócios Estrangeiros
José Caeiro Mata recusa o apoio afirmando: “As felizes condições internas
de Portugal permitem-me declarar que
o meu país não precisa da ajuda financeira externa”.
1948, 16 de Abril – Nasce a OECE
criada para que os países europeus
gerissem entre si o programa de ajuda
norte-americano tal como queriam os
EUA. Portugal participou activamente na
sua criação mas recusando as ajudas
financeiras.
1948, 20 de Julho – Oliveira Salazar
disponibiliza-se para aceitar ajuda
financeira do Plano Marshall face à
degradação da situação financeira.
1948, Novembro – Portugal apresenta
um programa para acesso a ajudas estimadas de 625 milhões de dólares.
O que dizem...
...Franco Nogueira...
“(...) Desde o início, Portugal alinha claramente no bloco ocidental. Convidado a
participar na Organização para a Cooperação Económica Europeia, o governo de
Lisboa aceita; e, embora de forma limitada, aceita também algum auxílio económico do Plano Marshall, não obstante indicar a sua preferência por acordos bilaterais que aumentem para os produtos portugueses os mercados de exportação.
Não deseja o governo de Lisboa criar excessiva dependência em relação ao exterior, em particular quanto aos Estados Unidos, cujos objectivos, pela experiência
adquirida durante a guerra, continua a recear.(...)”
Franco Nogueira (MNE nos governos de Salazar) in História de Portugal – 1933-1974, Edição Monumental
da Livraria Civilização, Porto, 1981
...e Maria Fernanda Rollo
“A actuação e a decisão protagonizadas pelo Governo português no espaço de
tempo que medeia entre o discurso de Marshall e a adesão à OECE pautaram-se
essencialmente por uma atitude de cepticismo e de descrença em relação aos
movimentos de cooperação internacional e de desconfiança em relação às posições
americanas. No entanto, por vontade ou por necessidade, por habilidade diplomática ou instinto, a política externa portuguesa foi sempre conduzida no sentido de
‘não ficar de fora’, não deixar de participar em nenhum dos diversos movimentos
ou instituições que se foram manifestando na Europa, evitando a marginalização
de Portugal dos assuntos europeus ou mesmo mundiais. (...) Não passaria no
entanto mais do que um ano para que as autoridades portuguesas se vissem
compelidas a solicitar ajuda financeira, operando-se assim uma das mais significativas alterações da política externa portuguesa conduzida pelos governos de
Oliveira Salazar. A verdade é que, apesar de Portugal ter assinado em Lisboa, em
28 de Setembro de 1948, o Acordo Bilateral de Cooperação Económica com os
EUA, na qualidade de país não beneficiário de auxílio financeiro Marshall, já se
tinham operado algumas alterações na atitude de Portugal face à aceitação desse
auxílio o que conduziu a que, precisamente na véspera da assinatura do Acordo,
em 27 de Setembro, o Governo português tivesse anunciado informalmente em
Paris a intenção de afinal recorrer ao auxílio Marshall.(...)”.
Maria Fernanda Rollo (historiadora) in Dicionário de História do Estado Novo, direcção de Fernando Rosas
e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, 1996
45
PORTUGAL/EUA
GMF
25 anos de Marshall Memorial Fellowship
Uma perspectiva mais
alargada do mundo
Dezenas de jovens líderes europeus viajam todos os
anos para os Estados Unidos e o mesmo acontece com
grupos de americanos que visitam a Europa através de
um programa único – o Marshall Memorial Fellowship
(MMF) que este ano comemorou 25 anos de existência.
Por Sara Pina
GMF
Para aprofundar o conhecimento da sociedade, cultura e instituições americanas, o
MMF foi criado em 1982, pelo German
Marshall Fund of the United States, patrocinando estadias de pequenos grupos em
várias cidades. Primeiro começaram por
ir apenas jovens de quatro nacionalidades:
dinamarqueses, franceses, alemães e
holandeses, mas rapidamente o programa
se estendeu a toda a Europa abrangendo
actualmente 21 países, de Portugal à
Albânia, passando pela Bósnia e a Turquia,
entre muitos outros.
Um dos primeiros portugueses a fazer
parte deste programa foi José Lemos, o
actual director da RTPN, que fez o programa em 1989. «O programa MMF per-
O presidente do GMF Craig Kennedy.
46
mitiu-me conhecer a verdadeira América,
encontrar corações e mentes de diferentes
regiões e culturas».
Os jovens americanos também visitam
a Europa, desde 1999, graças ao MMF.
Muitos têm passado por Portugal, como
Natasha Jones, directora de comunicação
no King County, em Seattle, que recorda
o “fantástico e informativo almoço” com
o presidente da Assembleia da República
e membros do Parlamento português.
Todos os ano realiza-se o Marshall
Forum, um importante acontecimento
organizado pelo German Marshall Fund
que, por convite, permite o encontro entre
líderes europeus e americanos da área das
finanças, da política, dos media e outros
fellows do programa.
Este ano a reunião foi em Atlanta, em
Setembro passado, e no Castelo de Elmau,
na Alemanha, em Junho, tendo-se discutido as relações transatlânticas no contexto global. No intervalo entre os debates,
falámos com Craig Kennedy, o incontornável e dinâmico presidente do GMF.
Pode dar-nos alguns esclarecimentos sobre os
novos projectos do GMF?
Há três ou quatro importantes linhas de
trabalho que o GMF está a desenvolver:
Uma é na área de política económica.
Estamos a dar muito mais atenção à cooperação entre a União Europeia e os
Estados Unidos no comércio global que
queremos mais transparente e mais coordenado. A segunda é o Black Sea Trust, um
fundo para desenvolver toda a área do Mar
Negro e sul do Caúcaso. Em terceiro lugar,
daremos também ênfase à emigração, tentando saber mais sobre as atitudes europeias e americanas para com emigrantes
Alguns membros do Marshall Memorial Fellowship
que participaram no encontro em Elmau.
e a sua integração. Finalmente estamos a
desenvolver uma estratégia mediterrânea
de forma a suscitar nos políticos americanos uma compreensão da importância
para portugueses, espanhóis, italianos e
gregos de países como Marrocos, a Algéria,
a Tunísia, a Líbia e outros do Norte de
África, por causa das ameças do terrorismo e da emigração.
Como descreveria a evolução do GMF?...
No princípio o GMF era principalmente
uma instituição que concedia bolsas e
tinha dois ou três programs – o MMF é
o mais conhecido. Agora somos o que
chamo uma organização híbrida, continuamos com as bolsas e com outros programas mas temos think tanks e instalações
para reuniões e debates que não tínhamos
antes... Temos um grupo de cerca de 10
investigadores que trabalham connosco
em áreas diferentes. Há uma mudança
significativa com mais instrumentos de
trabalho que o GMF traz à comunidade
transatlântica...
... e do programa MMF que comemora o
25º aniversário?
Quando começámos com o MMF tínhamos
um objectivo simples: levar algumas pessoas talentosas da Europa e dar-lhes um
conhecimento mais alargado dos Estados
Unidos. Depois expandimos isso para americanos que levamos para a Europa para fazer
o mesmo. É muito satisfatório ver o que
atingiram alguns MMFs como, por exemplo,
o primeiro-ministro de Portugal – muito
do seu conhecimento sobre política nos
Estados Unidos veio desta experiência... As
pessoas que fizeram este programa e depois
vêm a estes encontros mantêm uma perspectiva mais alargada do mundo!
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
CULTURA
Quando Portugal Abraçou o Mundo
Manifestação cultural e tradição recente: o país que presidiu à Comissão Europeia
promoveu uma exposição, em Washington, na Smithsonian Institution, na galeria
Arthur M. Sackler e no Museu de Arte Africana. Portugal “Abraçando o Globo”com
o patrocínio de diversas instituições públicas e privadas portuguesas, entre as quais
a FLAD, representada na inauguração pelo membros do Conselho Executivo.
Por Maria José Garrido*
FOTografias Rui Ochôa
Detalhe de mapa-mundo japonês do século XVII representando as 40 nacionalidades.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
47
CULTURA
Rui Machete aprecia um anjo heráldico
seiscentista que veio do Convento de Cristo,
em Tomar.
O mapa Cantino data de 1502 e é um dos
primeiros a revelar parte do Brasil, além
de mostrar a África devidamente contornada e a Índia já com uma forma triangular. Baseando-se, na sua maior parte,
em informações preciosas de viagens dos
navegadores portugueses pelo mundo, a
sua história está envolta numa trama de
espionagem. Cantino era um espião italiano que trabalhava para o Duque de
Ferrara em Lisboa. Conseguiu ter acesso
a uma cópia do mapa com as informações
das descobertas portuguesas e arranjou
maneira de fazê-la passar, às escondidas,
para Itália. Juntamente com outras cartas
geográficas, o mapa Cantino abre a secção
dedicada a Portugal e a era das descobertas na exposição “Encompassing the
Globe” (Abra­çando o Globo) – “Portugal
e o Mundo nos Séculos XVI e XVII”.
A história do mapa Cantino é reveladora da importância de Portugal na época.
“Roubar conhecimentos adquiridos dos
descobrimentos portugueses era contra
a lei. Na verdade era crime capital”,
conta Jay Levenson, comissário
da exposição. O espião nunca
foi apanhado e o mapa sobreviveu ileso sendo, actualmente, um dos mais importantes
mapas do tempo dos descobrimentos.
Mas enquanto na Europa, os
conhecimentos de Portugal
despertavam cobiça, pelo
Mundo, os portugueses
influenciavam culturas
e importavam novas
realidades. Ao mesmo
tempo que redesenhavam os mapas do planeta, os portugueses
negociavam, evangelizavam, guerreavam, partilhavam conhecimentos
e, de todos esses encontros,
nasciam objectos originais
revelando uma influência
cultural mútua. Reunindo
objectos que surgiram desses contactos, a Smithsonian
Institution, responsável
por museus em Washington
e Nova Iorque, organizou
a exposição.
“Esta é uma história de
mercadores, missionários e
monarcas. É uma história
48
de aquisição, de procura de bens, de
almas e de terra. Mas é também a história de como se construiu o mundo
moderno. O momento em que
os oceanos deixaram de dividir a humanidade e se tornaram no principal meio
de trocas globais”, Julian
Raby, director das galerias
Arthur M. Sackler e Freer,
iniciou assim a sua apresentação sobre a exposição que
reuniu cerca de 300 peças
de arte vindas de museus
e colecções privadas de
todo o Mundo. E são
muitos os objectos que
ao longo da exibição,
dividida por seis secções
(Portugal, África, Brasil,
Oceano Índico, China
e Japão), revelaram a
influência mútua, com
cur iosidades, por
vezes exageradas, que
o encontro de culturas
trouxe.
O rinoceronte de Albrecht
Dürer, apresenta um pequeno corno no dorso e parece
revestido de uma armadura. É que Dürer nunca viu
o animal, desenhou-o a
partir de uma gravura
rudimentar do rinoceronte oferecido pelo governador de Gujarat ao rei
D. Manuel. Mas para a Europa a figura do
rinoceronte passou a ser a do pintor alemão.
Os portugueses no Japão são representados, em diversos objectos de arte
Namban (palavra que significa bárbaros
do sul porque assim ficaram conhecidos
os nossos compatriotas por terem chegado daquela direcção), como figuras estranhas com vestimentas largas e grandes
narizes. Da região do oceano Índico chegam pinturas sobre os hábitos portugueses naquelas paragens. Numa delas, dois
casais jantam no meio de um tanque para
assim atenuar o forte calor.
Dez anos de preparação
“Encompassing the Globe” está cheia de
histórias em cada objecto exposto. A
ex­posição foi imaginada há dez anos por
Jay Levenson que pensou organizá-la na
Expo 98. “Acabei por decidir que seria
mais importante contar a história das descobertas portuguesas aqui, nos Estados
Unidos, porque é uma história pouco
conhecida para a maioria das pessoas”,
explica. O Presidente da República, que
inaugurou a exposição, não podia estar
mais de acordo. “Pode ser um contributo
para corrigir a ideia que os americanos
têm sobre o papel de Portugal na história
da globalização”, defende Cavaco Silva
enquanto sublinha que “foram os portugueses que criaram uma rede internacional de comércio ligando a Europa com a
China, Índia, África e o Brasil”.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
CULTURA
‘
A história do mapa Cantino é reveladora
da importância de Portugal na época.
“Roubar conhecimentos dos descobrimentos
portugueses era contra a lei. Na verdade
era crime capital”, conta Jay Levenson,
comissário da exposição.
’
De facto, muitos dos objectos expostos
foram criados especificamente para o
comércio com os portugueses. É o caso
das muitas peças de marfim africanas
expostas, com destaque para os saleiros
de estilo “sapi-português” decorados com
símbolos e imagens referentes a
Portugal.
As artes locais eram, assim, adaptadas ao
gosto europeu mas o velho mundo despertava também a curiosidade autóctone
pelas ideias trazidas. A presença de jesuítas em Goa captou o interesse do imperador mongol Akbar que chamou padres
à sua corte. Muçulmano, o imperador era
um homem tolerante e amante do conhecimento e queria entender o cristianismo.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
Não foi convertido mas nas pinturas da
sua corte aparecerem referências aos portugueses e à religião cristã, como um
menino Jesus num barco colocado nas
margens de um manuscrito mongol.
O trabalho de evangelização dos jesuítas
teve mais sucesso no Japão mas acabou
tragicamente. Dos tempos áureos e da
perseguição aos cristãos nos conta também
a exposição com os muitos medalhões
fumi-e, placas com figuras cristãs que as
pessoas eram obrigadas a pisar para provar o seu desdém pelo cristianismo.
Trágica, heróica e rica a passagem dos portugueses pelo mundo deixa uma marca
indelével que “Encompassing the Globe”
mostra para, na era da globalização, concluir
De Washington
para Bruxelas
A “Encompassing The World”
pode agora ser vista em Bruxelas.
Até Fevereiro, no Centro de Belas-Artes, as rotas dos descobrimentos
portugueses e a sua influência
mundial marcam a Europalia,
dedicada à Europa.
Para quem não tem oportunidade
de ver a exposição foi feito
um completíssimo catálogo,
com cerca de 400 páginas de imagens
do espólio em exibição acrescidas
de informações históricas sobre
Portugal e as descobertas.
que a aldeia global se começou a erguer
quando Portugal abraçou o mundo.
* Jornalista da TVI
Habitante Tapuya no Brasil retratado em 1641.
49
LIVROS
Estante FLAD
Vertigem americana
Bernard-Henri Lévy
2007, Lisboa: Caderno
Correspondente
estrangeiro
Por carlos Gaspar
IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais)
As relações entre os Estados Unidos e a
França oscilam entre uma afinidade única
e uma divergência radical. A referência
constante dos constituintes norte-americanos foi Montesquieu e a revolução ame-
50
ricana precedeu a revolução francesa, a
qual, por sua vez, separou a velha Europa
e o Novo Mundo.
Alexis de Tocqueville quis ultrapassar essa
divisão e reunir as suas duas democracias
quando escreveu De la démocratie en
Amérique, na sequência da viagem que fez
aos Estados Unidos, em 1831, numa missão
de estudo sobre as prisões americanas. Em
2004, num momento de crise na aliança
ocidental, uma revista americana, The
Atlantic Monthly, propos a Bernard-Henri
Lévy que repetisse o exercicio do aristocrata normando – a viagem e o livro.
O registo de Bernard-Henri Lévy é irónico:
faz tudo o que Tocqueville não fez, incluindo
a missão de estudo do sistema prisional
norte-americano, de Alcatraz a Guantanamo.
A sua América é a que ainda não pertencia
aos Estados Unidos em 1830 – Seattle, Los
Angeles, o Grand Canyon. O que lhe interessa é o que não existia nesse tempo – os arranha-céus e Frank Gehry, a tecnologia e o
cosmopolitismo da Microsoft, a aviação, entre
os Boeing e os F-16, a música de Hendrix, a
literatura de Kerouac e os filmes de Hitchcock
(donde o título do livro, como o Vertigo
americano do realizador inglês). Os temas
relevantes não são a filosofia (excepto um
seminário sobre Deleuze na John Hopkins),
a religião ou a igualdade, mas os bordéis, o
bairro gay de São Francisco e a causa dos
índios americanos.
Mas o tema de Vertigem Americana
também é a democracia. Bernard Henri-Lévy segue a campanha presidencial de
2004, constata o regresso da ideologia no
Partido Republicano, condena o puritanismo da esquerda radical, rejeita a confusão entre ética e política, revelada pelo
caso Lewinsky. E conversa com três intelectuais – Richard Perle, Bill Kristol e
Francis Fukuyama, que apresenta como a
linha neoconservadora, anátema para qualquer francês bem-pensante.
A conclusão é paternal e positiva. A
democracia americana, não obstante todos
os seus defeitos e a guerra no Iraque, tem
condições para se regenerar e não tem
vocação para ser imperial. A conclusão de
Tocqueville era diferente, pois entendia
que a democracia americana devia ser o
modelo para a Europa, se o velho mundo
queria ultrapassar o impasse das sucessivas
revoluções – e anunciou que a América
teria nas suas mãos o destino de metade
do mundo e que o seu meio de acção era
a liberdade.
Floresta Portuguesa.
Imagens de tempos idos
José Neiva Vieira
2007, Lisboa: Edição Público e FLAD
Para conhecer as
nossas árvores
Por carla Maia de Almeida
Jornalista Freelancer
Começou por ser uma ideia para um livro
sobre o carvalho-português e expandiu-se
até se tornar o maior projecto editorial
dedicado às questões da floresta que já se
fez no nosso país. Em associação com o
jornal Público, a Fundação Luso-Americana
para o Desenvolvimento deu o seu apoio
à obra semanalmente publicada entre Abril
e Junho, num total de nove volumes de
leitura independente. Com coordenação
editorial de Joaquim Sande Silva, Árvores e
Florestas de Portugal é um ambicioso esforço
de síntese e divulgação, assegurado por
mais de 70 especialistas que produziram
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
LIVROS
os
seus textos sob a orientação
da Liga para a Protecção da
Natureza. Não menos importante é o
impacto visual da obra, enriquecida com
centenas de fotografias e ilustrações, segundo um trabalho de edição de imagem de
Rui Cunha e Dulce Lima.
O volume inaugural da colecção constitui-se quase exclusivamente por testemunhos fotográficos – a maioria, da primeira
metade do século XX – que nos levam
numa viagem nostálgica pelo passado da
floresta. Os cinco volumes seguintes analisam as principais formações florestais do
território português, na sua relação com a
biodiversidade ecológica e com aspectos
históricos e socioculturais. A saber: Os
Carvalhais, sobre as três grandes espécies de
carvalhos; Os Montados, imagem de marca
das planuras do sul; Pinhais e Eucaliptais, que
constituem cerca de metade da floresta
nacional; Do Castanheiro ao Teixo, onde se fala
dos soutos e de outras espécies mais representativas; e Açores e Madeira, cujas condições
húmidas temperadas favorecem uma vegetação exemplar, com destaque para a ancestral laurissilva.
Como a história da floresta se cruza com
a história dos homens é o tema do sétimo
volume, Floresta e Sociedade. Primórdios,
­evolução histórica, políticas florestais, perspectivas de futuro, toponímia, plantas mediParalelo n.o 1
| INVERNO 2007
cinais, a árvore urbana, a floresta na arte…
São várias as abordagens ao tema, mas talvez
se justificasse a inclusão de textos dedicados
à literatura e ao mundo do simbólico e do
religioso, dada a sua riquíssima ligação à
árvore. Outro aspecto discutível é a organização do Guia de Campo, o tomo final,
depois do anterior Proteger a Floresta. Embora
siga uma classificação prévia de referência, por grupos de famílias de plantas
com semente, a leitura do guia não é
imediatamente óbvia para um leigo,
que se sentiria mais confortável no
terreno se pudesse identificar as plantas
pelo seu nome corrente, por ordem alfabética. Nada disto, porém, obscurece o valor
desta obra, fundamentalmente acessível para
todos os que gostam de árvores, e tão meritória no esforço de as compreender e explicar. Porque só se gosta daquilo que se
conhece.
A América
e os Americanos
e outros textos
O jornalista, o cronista, o homem das terras onde passou, dos amigos que teve, das
mulheres que amou, dos filhos que criou
– este é o Steinbeck que nos visita nestas
páginas, marcadas pela diversidade.
Os textos aqui reunidos foram escritos em
períodos diferentes, desde a Grande Depres­
são Americana nos anos 30, até à Guerra
do Vietname, nos anos 60, incluindo as suas
crónicas de guerra e alguns excertos da
conhecida obra Viagens com o Charlie, uma
viagem pela América profunda. Neste livro,
são abordadas temáticas tão díspares como
as condições de vida dos camponeses, os
cães, a pesca, o desporto, a crítica literária,
os conflitos mundiais, a política, a história
dos americanos, seja em género de crónica,
reportagem ou carta. Está sempre presente
a paixão pelo humano, a atenção ao detalhe
e a defesa da liberdade individual (um valor
tão americano). Revela-se também um
homem comprometido com o seu tempo,
afirmativo, polémico e contraditório. O
escritor que trouxe a público a voz dos mais
desfavorecidos foi também um defensor da
Guerra do Vietname, atrevendo-se a enfrentar publicamente o movimento pulsante
contra o conflito. John Steinbeck
2007,
Livros do Brasil
Viagem com
Steinbeck
Por Clara Pinto Caldeira
Jornalista Freelancer
Este livro apresenta-nos a face menos
conhecida do autor nobelizado em 1962
por ter assinado obras como Vinhas da Ira e
A Leste do Paraíso, celebrizadas no grande ecrã.
51
LIVROS
Estas páginas deixam pouco espaço a uma
visão maniqueísta do homem, do autor e
do americano que foi Steinbeck. Embora
engajado nas causas tipicamente de esquerda, era ferozmente anticomunista. Embora
amante dos Estados Unidos, era também a
voz crítica da crescente perda de valores.
Embora profundamente ligado às origens,
era um viajante incansável.
Apaixonado pela escrita, Steinbeck não foi
apenas um escritor e um jornalista, tendo,
ao longo da vida, recorrido a trabalhos pesados para sobreviver. A ironia marca também
as páginas do livro que nos revela o lado
mais desconhecido deste mito americano:
«Sempre me divertiu a afirmação de que o trabalho
mental é mais difícil do que o trabalho manual. Nunca
conheci um homem que trocasse uma secretária por uma
enxada, a menos que não pudesse evitá-lo».
Tradições Portuguesas
Francisco Cota Fagundes,
e Irene Maria Blayer (Org.)
Portuguese Traditions:
In Honor of Claude L. Hulet,
2007, Califórnia: Portuguese
Heritage Publications of California
Estudos
da lusofonia
Por Ana Teresa Peixinho
Instituto de Estudos Jornalísticos da Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra
Numa época em que é reconhecido que
tanto o ensino como a investigação nas
áreas da literatura e da cultura portugue-
52
sas assistem a uma crise sem precedentes,
este livro – Tradições Portuguesas / Portuguese
Traditions: in honor of Jean Claude L. Hulet – representa um meritório esforço por manter
vivo um certo exercício analítico e crítico
em torno de variadas questões relativas à
literatura e cultura luso-brasileiras, tanto
mais importante quanto resulta de esforços complementares que envolvem essencialmente olhares a partir de universidades
estrangeiras.
Trata-se de um volume de homenagem
ao professor Claude Hulet, reconhecido
e prestigiado investigador da UCLA,
organizado e editado por antigos discípulos seus, também eles conhecidos
académicos, como tributo a um homem
que dedicou toda a sua vida à divulgação e ao estudo de questões do mundo
lusófono.
Neste volume, encontramos 28 artigos
da autoria de inúmeros académicos
oriundos de variadas universidades portuguesas, canadianas, norte-americanas
e brasileiras, todos empenhados em
divulgar e promover o estudo e o gosto
pela literatura e pela cultura em língua
portuguesa. Embora nos pareça que a
organização estrutural deste volume
pudesse ter sido concretizada em função
de critérios mais coerentes e explícitos,
o certo é que, reconheça-se, nem sempre
é fácil arrumar um conjunto de textos
de temáticas tão variadas e heterogéneas – que vão desde os vestígios do
medievalismo no Romantismo brasileiro, à problemática da imigração portuguesa no Rio de Janeiro, passando por
questões mais específicas, quer do âmbito da análise linguística, quer do domínio da leitura crítica de determinadas
obras literárias.
Trata-se, portanto, de um livro multifacetado, que se ergue sob o signo da diversidade, como o próprio título perspectiva,
onde o leitor encontrará um conjunto
diferenciado de olhares sobre as comple-
xas relações entre a literatura e a cultura
luso-brasileiras. E se a maior parte destes
estudos se enriquecem com releituras
sobre obras e autores já muito estudados
e canonizados, como serão os casos de
Machado de Assis, Graciliano Ramos, Eça
ou Pessoa, também é certo que emana
destas páginas um louvável esforço por
abrir o horizonte de análise a áreas menos
exploradas, como, por exemplo, a que
problematiza as relações entre género e
escrita, trazendo à cena a poesia de Natália
Correia, bem como a de outras mulheres
escritoras portuguesas (vejam-se os trabalhos de Ana Paula Ferreira e de Debbie
Avila); ou a que se dedica a tipos textuais
mais marginais, como ilustra o texto de
Ricardo Sternberg que se ocupa de correspondência diplomática.
Sendo uma obra primordialmente dirigida à academia interessada pelo estudo
de temas da literatura e da cultura lusófonas, acreditamos que um público mais
alargado poderá encontrar nela interessantes leituras sobre as relações entre cultura, literatura e tradição no campo
luso-brasileiro.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
LIVROS
Actas do III Colóquio
O Faial e a Periferia
Açoriana nos Séculos
XV a XX
2004
Núcleo Cultural da Horta
Pluralidade
e diversidade
dos Açores
Por Gilberta Pavão Nunes Rocha
Universidade dos Açores
A temática e a cronologia histórica das
Actas do III Colóquio – O Faial e a Periferia Açoriana
nos Séculos XV a XX é abrangente, como o
próprio título o indica, objectivo que é
claramente assumido pelos seus organizadores, o Núcleo Cultural da Horta.
Assim, cingir-nos-emos a uma breve referência dos diversos artigos, procurando
configurá-los em eixos temáticos.
Sublinhe-se, em primeiro lugar, os artigos relativos à problemática populacional
e migratória, nomeadamente a emigração,
fenómeno que configura de modo indelével o evoluir da sociedade das várias
ilhas açorianas e contribui decisivamente
para a diversidade e pluralidade do arquipélago. Para o século XIX ela é analisada
por Artur Boavida Madeira e Susana Serpa
Silva. O primeiro, com enfoque demográfico, releva as saídas a partir da ilha
Terceira tendo como base os registos de
passaportes, fonte essencial para o conhecimento aprofundado deste fenómeno e
que nos Açores está ainda pouco explorada. A segunda, aborda o fenómeno da
clandestinidade, que é decisivo na comParalelo n.o 1
| INVERNO 2007
preensão da dinâmica demográfica e
social açoriana da segunda metade de
Oitocentos, ou seja, nos primórdios da
emigração para os EUA, e que no contexto do arquipélago tem maior expressão
nas ilhas do ex-distrito da Horta, nomea­
damente, do Faial e Pico. Uma caracterização sociográfica da emigração é dada
por João Cosme, para um período anterior, o século XVIII, e quando as saídas
tinham um outro destino – o Brasil, cuja
colonização por açorianos do mais elevado estatuto social, foi o tema escolhido
por Maria Beatriz Nizza da Silva. Inseridos
na temática mais vasta da emigração,
designadamente do relacionamento e da
presença açoriana em terras norte-americanas, são também os artigos de João
Leal sobre as Festas do Espírito Santo nas
comunidades residentes nos EUA, um
enfoque antropológico da contemporaneidade; Donald Warrin – “Baleeiros
Portugueses no Alasca”, podendo nesta
arrumação ser ainda incluída a comunicação então apresentada por Onésimo
Teotónio de Almeida “Irmãos Corte-Real
– Os Mitos e os Factos e a sua Importância
Identitária”. Ainda o relacionamento dos
Açores, e em especial da ilha do Faial,
com os EUA através do espólio da família Dabney, descrita por João Afonso e
Luís Arruda. Compreensivelmente esta
ilha, e mais ainda a do Pico, encontram nesta publicação um lugar de
destaque, quer no relato da viagem
de James Cook, na interpretação
que lhe dá José Damião Rodrigues,
quer com Paulo Drummond de
Andrade, com o título “O Faial
e o Perdão Régio”. Os aspectos
económicos, nomeadamente,
os da vitivinicultura, neste
caso a picoense, são tratados
por Ricardo Madruga da
Costa, actividade que é analisada, com um enquadramento insular mais abrangente,
por Rui Carita, enquanto que António
dos Santos Pereira analisa a transferência
de propriedade numa freguesia da ilha
de S. Jorge na transição do século XVI
para o XVII. Voltando à perspectiva demográfica, Norberta Amorim evidencia a
relação entre a população e os recursos
básicos nas ilhas do Pico, Faial, Flores e
Corvo, enquanto que Carlota Santos se
concentra sobre questões da endogamia
e consanguinidade no Concelho da
Madalena do Pico, aspectos que associam
a importância da interligação dos fenómenos demográficos que compõem os
movimentos natural e migratório. Artur
Teodoro de Matos e Luís Filipe Vieira tratam o fenómeno demográfico da mortalidade na perspectiva social do seu
acontecimento base – a morte, cuja percepção regista diferenças significativas em
termos diacrónicos e sincrónicos. O primeiro, através da análise de uma freguesia
do Pico em finais do século XVII e o segundo, sensivelmente para a mesma época mas
respeitante a Santa Cruz das Flores.
53
LIVROS
LIVROS
A evolução populacional e a mobilidade
enquadram também a temática do povoamento, que José Guilherme Reis Leite aprofunda para a ilha das Flores, enquanto que
Elisa Costa aborda a mobilidade de saída do
arquipélago, por movimentos internos, com
a colonização de zonas ribeirinhas do Tejo
em finais do século XVIII. Ainda no que
pode ser enquadrado na temática mais geral
do povoamento, João Paulo Oliveira e Costa
trata das “Doações Régias no Atlântico
Quatrocentista”. Uma visão mais ampla da
periferia açoriana é dada por Avelino de
Freitas de Meneses com base na obra de
Gaspar Frutuoso, em especial no que respeita à produção e economia das ilhas.
Mas se as questões de cariz demográfico, em sentido amplo, e económico
são uma parte significativa desta obra,
o mesmo acontece quanto aos aspectos
culturais, quer os respeitantes à cultura
material e sua relevância na educação,
em artigo de José Amado Mendes, como
aos do património imóvel nas ilhas do
Faial e do Pico, este em trabalho conjunto de Paulus Bruno, João Caldas e
José Manuel Fernandes e das colecções
de uma família faialense, artigo da autoria de Francisco Costa Martins e de
Francisco Martins de Bettencourt. Ainda
a educação e a ilha do Faial, com Justino
de Magalhães, e, mais especificamente,
sobre o Liceu da Horta com Carlos
Lobão. João Saramago e José Bettencourt
Gonçalves dão continuidade a trabalhos
no âmbito da linguística – variação lexical e João Adriano Ribeiro trata de
momentos culturais e de lazer no século XIX que os espectáculos sempre propiciam. Uma referência especial ao
artigo de Urbano Bettencourt “Pedro da
Silveira – a escrita e o mundo”, uma
perspectiva e justa homenagem, que se
estende a toda a publicação, deste
Açoriano da ilha das Flores, que participou no Colóquio mas partiu antes que
as Actas fossem editadas.
54
A Reforma das Pensões
em Portugal – Uma
Análise de Equilíbrio
Geral Dinâmico
Pedro G. Rodrigues
e Alfredo Marvão Pereira
2007, Lisboa: Fundação
Luso­‑Americana
Para uma
Segurança Social
sustentável
Por Helena Garrido
Jornalista Freelancer
são acessíveis e escritos com linguagem
simples e directa, com todos os conceitos explicados de forma que um leigo
possa entender. Todo o trabalho visa
apontar medidas para garantir que o
sistema público de pensões continuará
a desempenhar o seu papel no futuro.
Alterar a fórmula de cálculo das pensões,
avançar mais rapidamente para toda a carreira contributiva no cálculo do salário de
referência, aumentar a idade da reforma,
tributar o rendimento das pensões em IRS
como se faz com o trabalho e estabelecer
uma regra de aumento anual das pensões
que garanta o seu poder de compra são
as propostas feitas para corrigir parcialmente o regime em vigor em que os activos pagam as pensões dos reformados.
Mas, alertam os autores, estas medidas não
garantem o equilíbrio do sistema.
Seria necessário ir muito
mais longe o
A dimensão e as causas da insustentabilidade financeira da Segurança Social,
propostas para uma reforma que resolva o problema e avaliação quantitativa
das medidas adoptadas de 2002 a
2006 assim como uma análise qualitativa das mudanças introduzidas
em 2007 e ainda em concretização
por este Governo fazem a síntese
do livro de Pedro Rodrigues e
Alfredo Marvão Pereira. Um trabalho que usa como instrumento um modelo de equilíbrio
geral dinâmico para a economia portuguesa, poucas vezes
foi realizada em Portugal
dada a sua complexidade,
mas que dá maiores garantias nos resultados.
Uma pequena parte do
livro, os capítulos quatro
a seis dos 11 que tem, não é
fácil para quem não é economista e
segue estas áreas, devido à sofisticação
matemática. Mas a maioria dos capítulos
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
LIVROS
que reduziria o rendimento dos pensionistas de forma irresponsável. Daí que
proponham a criação de um segundo pilar
público de capitalização, sugerindo o
aumento das contribuições ou a subida
do IVA, que preferem, para uma taxa próxima dos 25%.
Usando o modelo os autores concluem
quantitativamente que as mudanças realizadas em 2001/2002 e até 2006 agravaram a sustentabilidade financeira da
segurança social e melhoraram a da segurança social.
A reforma realizada pelo Governo do
Partido Socialista e que entrou já parcialmente em vigor este ano é analisada
­apenas qualitativamente mas olhando pormenorizadamente para cada medida. Sobre
esta reforma os autores concluem que
“constitui um passo (se bem que tímido
e tardio) no sentido certo, mas é manifestamente insuficiente para garantir a
sustentabilidade financeira a longo prazo
do sistema público de pensões”, como
aliás, referem os autores, o próprio
Governo o reconhece.
Marvão Pereira, doutorado em Stanford
e professor no College of William end
Mary nos EUA, tem um modelo para a
economia portuguesa com o qual também
já analisou o impacto do investimento
público também publicado pela FLAD.
Pedro Rodrigues, doutorado pela
Universidade Nova de Lisboa, é actualmente adjunto do secretário de Estado
Adjunto e do Orçamento.
Este é um livro imprescindível para políticos que querem avançar com reformas
e todos quantos estudam esta matéria. E
é importante para qualquer pessoa que
queira perceber até que ponto os compromissos assumidos pelo Estado com as
pensões podem estar em causa e possuir
instrumentos que lhe permitam analisar
criticamente as propostas de reforma dos
governos.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
Estudar nos Estados
Unidos da América:
Guia para candidaturas
a Mestrado
e Doutoramento
Pedro C. Pinto
2007, Lisboa
Fundação
Luso­‑Americana
Guia
para estudar
nos eua
Por Paula Vicente
FLAD
Este trabalho de Pedro Correia Pinto
é uma valiosa ajuda para quem pretender candidatar-se a programas de
mestrado ou doutoramento em universidades norte-americanas. O seu autor,
actualmente doutorando no Laboratory
for Information and Decision Systems
do MIT – Massachusetts Institute of
Technology, inspirado pela sua própria
experiência junta uma série de informação, que sistematizou de forma simples
e directa.
Com pragmatismo e sentido prático,
Pedro Correia Pinto desmistifica o processo de candidatura a programas pós-graduados nos EUA, apontando dificuldades e soluções, e enumerando os
vários passos das etapas a percorrer
em fases distintas do processo, através
de uma linguagem actual e realista, ao
longo de cerca de cinquenta páginas.
A consulta deste Guia permite aceder a
um panorama antecipado do que espera
um candidato a uma universidade americana e facilita a sua ambientação pois
indica desde normas a referências. O
seu autor dá conselhos e ensina truques
que evitarão perdas de tempo desnecessárias e esclarece dúvidas, contribuindo
para uma maior garantia de sucesso no
que respeita à instrução do processo de
candidatura.
Em suma, desde a selecção da universidade, até à obtenção do necessário
apoio financeiro, dos vistos e outros
aspectos burocráticos, este Guia – em
jeito de manual de boas práticas – apresenta uma relação exaustiva de requisitos, contemplados num universo cada
vez mais exigente.
55
RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
Revista Trimestral de
Política Externa e
Assuntos Internacionais
Teoria das Relações Internacionais
16
editada pelo
INSTITUTO PORTUGUÊS DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
da Universidade Nova de Lisboa
Rua de D. Estefânia, 195 - 5º, D.to
1000-155 Lisboa | PORTUGAL
Tel.: +351 21 314 1176
Fax: +351 21 314 1228
Email: [email protected]
www.ipri.pt
�12,50
DEZ : 2007 : TRIMESTRAL
Luís Lobo-Fernandes
Vasco Rato
Nuno Santiago de Magalhães
Ricardo Jorge Pereira
José Pedro Teixeira Fernandes
Maria do Céu Pinto
Cláudia Ramos e Paulo Vila Maior
Isabel Camisão
Pedro Emanuel Mendes
Diogo Moreira
Raquel Vaz-Pinto
COLECÇÃO FLAD
Arte portuguesa
na chancelaria de Washington D.C.
A embaixada de Portugal nos Estados Unidos foi o palco escolhido para
a mostra de algumas das obras que integram a colecção de arte contemporânea
portuguesa da Fundação Luso-Americana.
Por Ana Sofia Lopes
A colecção de arte contemporânea tem
sido uma das apostas culturais da Fundação
para mostrar a produção artística nacional
em Portugal e no estrangeiro. Durante esta
temporada, a Fundação espera estreitar
ligações culturais entre portugueses e
americanos. É esta uma das razões apontadas pelo responsável da mostra, João
Silvério, para esta exibição que “pretende
dar a ver obras de autores ­contemporâneos
portugueses a um público diversificado, António Palolo,
Sem título, 1995, acrílico sobre tela, 172 x 116 cm
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
57
COLECÇÃO FLAD
‘
Esta mostra (...) “pretende dar a ver obras de autores contemporâneos
portugueses a um público diversificado, não apenas diplomatas das diversas
áreas, que frequentam a chancelaria, mas também à população de Washington.”
’
não apenas diplomatas das diversas áreas,
que frequentam a Chancelaria, mas também à população de Washington.”
As obras pertencentes à colecção da
Fundação têm sido mostradas no estrangeiro, em espaços diversificados e dirigidos ao grande público, como forma de
contribuir para uma maior difusão e produção artística contemporânea nacional.
A exibição destas obras fora de Portugal
acontece na sequência de um convite do
Ministério dos Negócios Estrangeiros e a
colaboração e empenho da Embaixada de
Portugal na capital norte-americana que
permitiram realizar este projecto.
Esta mostra em Washington D.C. conta
com 28 obras de 19 artistas que têm marcado as últimas três gerações de arte contemporânea portuguesa: António Areal,
Michael Biberstein, Joaquim Bravo, Pedro
Cabrita Reis, Fernando Calhau, Pedro
Casqueiro, Lourdes Castro, Rui Chafes,
José Pedro Croft, Gaetan, Ana Hatherly,
Ana Jotta, Álvaro Lapa, Jorge Martins,
António Palolo, João Queiroz, Jorge
Queiroz, Julião Sarmento, António Sena.
Escultura, pintura, fotografia e maioritariamente desenho podem ser vistos até ao
final do ano.
O desenho é o meio comum a todos os
artistas expostos independentemente das
obras apresentadas como é o caso de
António Sena, Fernando Calhau ou João
Queiroz.
Esta mostra tem sido bem recebida por
todos aqueles que visitam a Chancelaria
que só no primeiro dia (open house) recebeu mais de quatrocentas pessoas.
António Sena,
Sem título, 1978, Acrílico e pastel de óleo,
195 x 130 cm
58
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
COLECÇÃO FLAD
Ana Jotta, Achtung!, 1986, Óleo sobre tela, 60 x 200 cm
COLECÇÃO
DA FUNDAÇÃO
LUSO-AMERICANA
NOS AÇORES
Ponta Delgada
Museu Carlos Machado
desde Novembro.
Angra do Heroísmo
Primeiro trimestre de 2008.
Horta
O museu regional da Horta
e a Biblioteca Pública e Arquivo
Regional da Horta receberão
também as obras da FLAD, a partir
do segundo semestre de 2008.
António Areal,
Sem título, 1966, tinta-da-china e aguada
sobre papel
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
59
COLECÇÃO FLAD
Ana Hatherly
O fim da revolução
A obra visual de Ana Hatherly compreende uma vasta proA obra O fim da revolução, de 1975, aparenta uma surpredução que atravessa diversos meios da expressão artística endente simplicidade de meios. É uma assemblage de tecido
contemporânea, de que são exemplo a performance Rotu- vermelho quase a desfazer-se, com as pontas queimadas,
ra, realizada na Galeria Quadrum em 1977; a instalação cravado de alfinetes e colado sobre um rectângulo geometriDesenho no Espaço, na Galeria Tempo, em 1979; a realiza- camente tosco, de vínil verde translúcido. Esta obra foi feita
ção de filmes de animação, a produção de objectos, e uma longe do espaço público, é um trabalho executado no silêncio
prática sistemática do desenho e da escrita ao longo de da casa, com os restos disponíveis do quotidiano da autora.
mais de três décadas. Os seus desenhos também deram Os alfinetes, ferramenta essencial da costura, trespassam a
corpo a livros, em que reuniu várias séries, como Mapas cor escarlate sustendo e ferindo a massa esfarrapada e sem
da Imaginação e da Memória, A Reinvenção da Leitura, vigor. Para Ana Hatherly, esta obra é, de certa forma, um
Anagramático ou O Escritor.
poema que evoca o entardecer, o ocaso da luz brilhante e
O seu trabalho foi sempre pautado por uma atitude ousa- transformadora da revolução. Este era já um outro momento,
da e uma prática experimentalista1. É uma artista atenta o movimento revolucionário tinha ficado para trás.
ao pulsar do mundo que a rodeia, e é neste contexto de João Silvério
interesse e sedução pelo seu tempo que produz a série de
colagens As Ruas de Lisboa, de 1977. Realizadas a partir 1 No final da década de sessenta, torna-se uma das figuras mais activas da poesia.
de pedaços e fragmentos descolados, ou
arrancados, dos cartazes políticos que
cobriam as paredes da cidade, durante o
período revolucionário que se seguiu ao
Nasceu em 1929, no Porto. Vive e trabalha
tes destacam-se Ana Hatherly, Anos 60-70 no
fim do Estado Novo. Na esteira dos Nouem Lisboa. Licenciou-se em Filologia GerCAMJAP – Fundação Calouste Gulbenkian,
veau Réalistes, Ana Hatherly transformou
mânica e doutorou-se em Literaturas HisLisboa (2005); Dessins, collages et papiers peints
os cartazes políticos, expressão pública
pânicas do Século de Oiro na Universidade
no Centre Culturel Calouste Gulbenkian,
da revolução flamejante, em assemblages
Paris (2005); Ana Hatherly/Obras Várias na
da Califórnia em Berkeley. Estudou cinema
pictóricas que sobrepõem signos e imagaleria Lisboa 20 Arte Contemporânea,
na London International Film School. Tem
gens de linguagens muito diferentes. A
construído uma carreira múltipla enquanto
Lisboa (2005); e Entre a palavra e a imagem na
revolução de 1974 viria ainda a ser a forja
poeta, pintora, cineasta, ensaísta e professoFundación Luis Seoane, A Coruña (2006) e
para o documentário Revolução, exibido
ra universitária. Das suas exposições recenno Museu da Cidade, Lisboa (2007).
na Bienal de Veneza em 1976.
60
Paralelo n.o 1
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Laura Castro Caldas/ Paulo Cintra
COLECÇÃO FLAD
O fim da revolução 1975, Vinil de cor verde translúcido, tecido
colado e alfinetes, 25,8 x 29,7 cm. Colecção da Fundação Luso-Americana.
Depósito no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto.
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
61
BLOCO DE NOTAS
As orquídeas selvagens
de Richard Rorty
As orquídeas selvagens fascinavam Richard
Rorty (1931–2007), quando, ainda adolescente, percorria as montanhas a nordeste de New Jersey. Rorty pertencia a uma
família americana atípica que lhe proporcionou uma “educação trotsquista”. O
sonho do (futuro) filósofo era “conciliar
Trotsky e as orquídeas”. Unificar, numa
só perspectiva, o prazer estético e a esperança numa sociedade mais justa.
Com o andar dos tempos, os projectos
revolucionários cederam lugar às reformas da social-democracia. Jovem universitário, Rorty passou a admitir que
“Lenine e Trotsky causaram mais danos
do que benefícios” e que Kerensky tinha
sido injustamente apreciado. As obras de
Hegel e Proust, Dewey e Whitman substituíram, na sua mente, o revolucionário
russo de 1917 e as orquídeas de New
Jersey.
A linguagem de Richard Rorty ultrapassa as limitações do jargão filosófico. “A
admirável criatividade (de Rorty) deve
muito ao espírito romântico do poeta que
deixou de se esconder por detrás do filósofo universitário”, escreveu Habermas,
por ocasião do seu desaparecimento. Nas
“onze teses” sobre o “intelectual humanista”, Rorty define como “principal
função” dos professores universitários
62
“levar os estudantes a duvidar acerca da
imagem que cobram de si próprios e da
sociedade a que pertencem”. Esta estratégia nem sempre será popular. Por isso
o filósofo previne, com ironia, que os
académicos terão dificuldade em “explicar aos contribuintes que lhes pagam para
terem a certeza de que os seus filhos
serão diferentes deles próprios”.
Apesar desta prevenção, Rorty seria,
para alguns, o professor de humanidades
que desejariam para os seus filhos. Não
por concordarem com as teses do pragmatismo, mas por reconhecerem que os
ensaios do filósofo norte-americano
abrem novos caminhos, rompem fronteiras artificiais entre “disciplinas” e,
afinal, reconciliam, numa linguagem inovadora, as orquídeas e as teorias. Por tudo
isso se propôs aproximar o campo filosófico do domínio literário.
Mário mesquita
lítica, dominante nas universidades
anglo-americanas, para, mais tarde, dedicar o essencial da sua obra a reabilitar o
pragmatismo americano do início do
século XX, construindo o seu “herói” na
figura de John Dewey.
Rorty postula que a linguagem não distorce a realidade, visto que “não é um
médium de representação”. Sustentar que
O pragmatismo recuperado
O que motiva o leitor não especializado
a escrever sobre o legado de Richard
Rorty é a forma como as suas propostas
aparecem formuladas em termos susceptíveis de alargar o seu entendimento fora
da área académica. Tal como os seus colegas de geração, passou pela filosofia anaParalelo n.o 1
| INVERNO 2007
BLOCO DE NOTAS
‘
Além disso, constitui
a história da esquerAo contrário de pensadores que
da reformista amerise referem ao “dever de pessimismo”,
cana, nascida na
primeira metade do
Rorty defendia um compromisso
século XX, e o ajusde “esperança social”, mantendo-se fiel
te de contas com a
ao propósito de conjugar a admiração
esquerda ultra-radipelas orquídeas selvagens de New Jersey cal e universitária,
constituída a partir
e o combate pela justiça.
dos anos 60 e da
contestação à guerra
do Vietname.
determinada afirmação é mais “objectiva”
A “nova esquerda”, nascida por volta de
do que outra significaria apenas que é 1964, nega a possibilidade de defender a
mais fácil constituir um acordo ou um justiça social no âmbito do sistema políconsenso à sua volta. O pragmatismo tico americano. A esquerda reformista
substitui, nas palavras do próprio Rorty, abrange todos os que, desde o prina dicotomia aparência versus realidade por cípio do século XX, lutaram por
uma “definição do mundo menos útil” reformas sociais, no interior do
ou “mais útil”. Na perspectiva pragmá- sistema americano, desde Eugene
tica, a verdade é entendida como criação Debs a Eleanor Roosevelt, de
dos seres humanos na luta para se adap- John K. Galbraith a Arthur
tarem ao meio circundante.
Schlesinger, do New Deal,
No plano ético, Rorty não aceita a exis- de F.D.Roosevelt, à
tência de “princípios universais” ou do
“Nova Fronteira”,
“imperativo categórico”, mas rejeita a de John F. Kennedy.
acusação de “relativista”, se por tal se
Rorty situa-se na “esquerentende que “toda a perspectiva moral é
da reformista”, a que também
tão boa como qualquer outra”. Pode-se
chama “participativa”, visto que
sempre escolher uma solução melhor ou aceita agir no interior do sistema
menos má – argumenta o filósofo – sem político americano,
atribuir essa opção a normas eternas e por contraposição a
imutáveis.
uma “esquerda espectadora” que confina a
sua actuação ao campus ou
As duas esquerdas
ao departamento universiEntre as obras de Rorty conta-se o polémi- tário. Para o filósofo, a
co Achieving our country – Leftist Thought in “nova esquerda”, por vezes
Twentieth-Century America (1999). Não é um designada pós-moderna, resigna-se a ser apelivro de Rorty filósofo profissional, cate- nas “cultural”, renunciando à “política”,
goria que, simultaneamente, respeita, cul- na medida em que se demite de participar
tiva e abomina. É o seu preito à América, activamente na vida democrática e instituenquanto projecto sonhado e inacabado. cional.
’
Paralelo n.o 1
| INVERNO 2007
O autor de Achieving our country não pertencia ao clube dos optimistas ingénuos.
Reconhecia que não seria fácil, ao longo
do século XXI, evitar o confronto nuclear ou diminuir a distância entre países
ricos e países pobres. Mas, ao contrário
de pensadores que se referem ao “dever
de pessimismo” (Bobbio, por exemplo),
defendia um compromisso de “esperança social”, baseada na “constante vigilância contra as previsíveis tentativas dos
ricos e fortes tirarem vantagem dos
pobres e fracos”. Richard Rorty manteve-se fiel ao propósito de conjugar a admiração pelas orquídeas e o combate pela
justiça social.
63
Inverno
2007
01
Download

OS PORTUGUESES NOS EUA