OS PORTUGUESES NOS EUA PALCUS Associativismo e Cidadania 10 projectos FLAD para os Açores em 2008 ISSN 1646-883X Presidência portuguesa nos jornais americanos Inverno 2007 01 Fundação Luso-Americana Conselho Directivo: Teodora Cardoso (Presidente) Embaixador dos Estados Unidos da América Jorge Figueiredo Dias Jorge Torgal Luís Braga da Cruz Luís Valente de Oliveira Maria Gabriela Canavilhas Michael de Mello Vasco Graça Moura Conselho Executivo: Rui Chancerelle de Machete (Presidente) Charles Allen Buchanan, Jr Mário Mesquita Secretário-Geral: Fernando Durão DIRECTORes: Maria Idalina Salgueiro, Fátima Fonseca, Paulo Zagalo e Melo, Miguel Vaz Responsável pelos Serviços Financeiros: Maria Fernanda David Responsável pelos Serviços Administrativos: Luiza Gomes Assessores: João Silvério, Rui Vallêra e António Luís Vicente Rua do Sacramento à Lapa, 21 1249-090 Lisboa | Portugal Tel.: (+351) 21 393 5800 • Fax: (+351) 21 396 3358 Email: [email protected] • www.flad.pt Paralelo DIRECTOR: Rui Chancerelle de Machete EDITORA: Sara Pina coordenadora: Paula Vicente secretariado da redacção: Cristina Cambezes e Sofia Roquete Colaboram neste número: Ana Sofia Lopes, Ana Teresa Peixinho, Andreia Aparício, António Oliveira, Bárbara Reis, Carla Maia de Almeida, Carlos Gaspar, Clara Pinto Caldeira, Elisabete Vilar, Gilberta Rocha, Helena Garrido, Joana Loureiro, João Silvério, Jorge Simões, José António Rodrigues, Maria José Garrido, Mónica Ferreira, Nuno Mota Pinto, Patrícia Fonseca, Pedro Granadeiro, Rita Siza, Rui Ochôa e Sónia Lamy Design: José Brandão | Susana Brito [Atelier B2] Impressão: Textype TIRAGEM: 2000 1500 exemplares exemplares [email protected] Depósito legal: 269 114/07 ?????????/?? ISSN 1646-883X © Copyright: Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento Todos os direitos reservados Paralelo é uma publicação institucional o mais próxima possível do jornalismo. Caro leitor P ortugal e os Estados Unidos estão no mesmo paralelo geográfico. A desproporção em termos de poder é evidente, mas a história mostra que os nossos países foram (e são), muitas vezes, aliados na defesa de valores e interesses comuns. Paralelo é a revista da Fundação Luso-Americana. Não se destina ao público em geral, mas a todos os que se interessam pela actividade da FLAD e não querem perder de vista as relações transatlânticas. Por paradoxal que seja, gostaríamos de ser uma publicação institucional o mais próxima possível do jornalismo. Desde o apoio à comunidade luso-americana nos Estados Unidos, através das suas organizações representativas (como o Palcus), à investigação científica na área da saúde, passando pela intensificação dos laços entre a Fundação e a Região Autónoma dos Açores, são vários os temas tratados divulgando actividades da FLAD com vista ao desenvolvimento de uma cooperação voltada para o futuro. Sara Pina Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 índice capa Jorge Martins contracapa Abraão Ortelius Copérnico 1986-1991 150 x 150 cm Theatrum Orbis Terrarum (pormenor da carta) 1579 Imagem gentilmente cedida pelo pintor 5 [Editorial] 11 [Saúde] 20 [Açores] O Português nos EUA: uma aposta estratégica Rui Chancerelle de Machete Investigação em oftalmologia Entrevista com Cunha-Vaz Projectos para os Açores 16 | Do Washington Medical Center ao Hospital de S. João no Porto Entrevista com Filipe Bastos 22 | Investimento em 20 | Conselho Executivo reunido em Angra Formação Profissional 23 [Economia] 26 [Ambiente] 32 [Sociedade] 37 [Opinião] 50 [Crítica de livros] A banca portuguesa e a protecção do ambiente 30 | Alterações Integração dos imigrantes Crónica de Bárbara Reis • Climáticas 62 | Bloco de Notas de Mário Mesquita Tema de capa Os Portugueses nos EUA 47 | Quando Portugal abraçou o mundo – exposição na Smithsonian Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 Vertigem Americana, Bernard Henri-Lévy • Floresta Portuguesa, José Neiva Vieira (org.) • A América e os americanos, John Steinbeck • Tradições Portuguesas, Cota Fagundes e Irene Blayer (org.) • O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX, Núcleo Cultural da Horta • A Reforma das pensões em Portugal, Pedro Rodrigues e Marvão Pereira • Estudar nos EUA, Pedro C. Pinto 6 | Revista da 39 | Carta do Palcus 57 | Mostra FLAD na 60 | Ana Hatherly imprensa americana a George W. Bush Embaixada de Portugal em Washington O Fim da Revolução 38 | A participação 41 | Quando cívica dos luso-americanos Fernando Pessa dava voz ao Plano Marshal 59 | Colecção de Arte da FLAD nos Açores BREVES Aconteceu na FLAD... Geopolítica do português A Língua Portuguesa pode e deve ser vista como um activo no processo de internacionalização da economia do país. Foi neste pressuposto que a Fundação Luso-Americana (FLAD) convidou o Ministério da Educação, o Instituto Camões, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) e outras entidades a debater as linhas estratégicas para a afirmação da Língua Portuguesa no Mundo. A reunião teve como objectivos: analisar as dimensões políticas e económicas da promoção da Língua Portuguesa; aprofundar sinergias entre as entidades que actuam nesta área; avaliar as melhores práticas internacionais e definir indicadores de avaliação do sucesso da Língua Portuguesa no estrangeiro. O debate, orientado por Rui Machete, foi introduzido por conferências de ·Nicholas Ostler (doutor em linguística pelo MIT) e David Graddol (autor do relatório English Next 2006), no âmbito do British Council (informação desenvolvida no próximo número da Paralelo). Câmaras de Comércio Açorianas em Lisboa Os representantes das câmaras do comércio açorianas estiveram na FLAD para abordar o estreitamento de relações entre as câmaras a nível nacional e as possibilidades de articulação com as congéneres americanas. Sandro Paím da Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo, Carlos Costa Martins, Hélder Fialho e Mário Custódio de Ponta Delgada e Fernando Guerra da Horta reuniram com Rui Machete, presidente do Conselho Executivo, Mário Mesquita, administrador, e Fernando Durão, secretário-geral da Fundação. Parceria estratégica Europa-África A V Conferência Internacional FLAD – Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) foi subordinada ao tema “A UE e África: em busca de parceria estratégica”. O evento antecipou a II Cimeira UE-África com as participações de Nuno Severiano Teixeira, ministro da Defesa, António Monteiro, Enviado Especial para a Cimeira UE-África, Aguinaldo Jaime, ministro-adjunto do primeiro-ministro de Angola, e Vítor Borges, ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, entre outros. Entre os especialistas internacionais, destaque para a presença de Roberto Calderisi, autor da obra marcante The Trouble with Africa: Why Foreign Aid Isn’t Working. Com mais de 30 anos de experiência no terreno – Calderisi trabalhou para o Banco Mundial, tendo sido porta-voz em África desta organização –, o autor é bastante crítico em relação às actuais políticas de ajuda internacional. livro intitulado Beyond Suspicion: Rethinking US Turkish Relations, foi organizado um seminário sobre a “Turquia e as relações UE-EUA”. O livro de Lesser é o culminar de um projecto de 18 meses, no qual se analisa os actuais desafios que os EUA e a Turquia enfrentam no seu relacionamento e as formas de reconstruir e reformular vínculos bilaterais entre os dois países. A Turquia na Europa: a visão americana Com a participação de Ian Lesser, especialista em relações internacionais do German Marshall Fund, que apresentou o seu novo A revolta do Amistad evocada em Lisboa A Fundação Luso-Americana (FLAD) promoveu a passagem por Portugal do navio Amistad, uma réplica da embarcação espanhola utilizada no tráfico de escravos que esteve na doca da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa. Durante a sua estadia em Portugal, de quase um mês, o Amistad foi visitado por dezenas de escolas. A bordo do navio e no auditório da FLAD, em Lisboa, foram, também, realizadas conferências sobre a escravatura. O Amistad entrou para a história em 1839, quando 53 escravos africanos tomaram de assalto o navio, numa saga imortalizada pelo filme com o mesmo nome, realizado por Steven Spielberg. Durante a viagem, o navio foi tripulado por estudantes oriundos de diversos portos da bacia do Atlântico. Além dos trabalhos de bordo, os tripulantes estudaram em detalhe o comércio de escravos e os principais desafios na área do ambiente e da cidadania. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 editorial O português nos EUA uma aposta estratégica Rui Chancerelle de Machete O português é a terceira língua mais falada no Ocidente e detém a oitava posição entre as dez línguas mais usadas no mundo. Tal expansão, pelas vantagens potenciais que lhe advêm deveria merecer particular interesse aos seus falantes e esforços significativos aos governos dos seus Estados para desenvolverem uma política concertada de defesa e promoção da língua. É que, no contexto globalizado em que vivemos, os idiomas para além de por natureza serem realidades dinâmicas, sofrem as pressões dos concorrentes que disputam o seu papel cultural e político ou, simplesmente, os benefícios económicos que a sua utilização proporciona. ‘ Foram infelizes as declarações do Presidente Bush ao considerar o ensino do português como segunda língua um gasto inútil. ’ Não são iguais os problemas de aprendizagem e difusão do português como língua materna e do português como segunda língua, ainda que em muitos pontos se interrelacionem. Essa interconexão é particularmente sentida no uso e ensino da língua nas comunidades emigrantes com prolongada ou definitiva permanência no estrangeiro e, mais agudamente, com as suas segundas e posteriores gerações. Os Estados Unidos da América, onde se radicaram e criaram comunidades de um largo número de portugueses e cabo-verdianos e agora, em número cada vez maior, de brasileiros, representa um bom exemplo dessa complexa problemática. Os Estados Unidos são também o Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 país que ocupa o primeiro lugar na investigação científica e na excelência universitária e a economia mais desenvolvida. São, assim, um teatro privilegiado para a experimentação e afirmação das políticas que procurem manter o bilinguismo dos emigrantes e alcançar para o português o estatuto de uma das grandes línguas da cultura e dos negócios. Estes são os grandes objectivos do programa Portuguese Language Initiative criado e prosseguido pela Fundação Luso-Americana desde 2003. É um propósito cheio de ambição mas em que não se tem o irrealismo de pensar que a Fundação deva agir isoladamente. Bem pelo contrário, procurou-se concitar os esforços conjugados das comunidades emigrantes, da sociedade civil e dos governos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP por um lado, e dos Departamentos de Educação dos governos dos Estados federados e das universidades, por outro. O próprio governo federal americano, ao publicar diversa legislação sobre o ensino das línguas estrangeiras e designadamente ao consi derar o português como língua estratégica, cujo ensino deve ser acarinhado entre as próprias Forças Armadas, contribuiu para esse clima favorável. Recentemente, em contracorrente, algumas declarações infelizes do Presidente Bush, no calor de uma discussão política entre a Presidência e o Congresso, introduziram uma nota dissonante ao considerar o ensino do português como segunda língua um gasto inútil de dinheiros públicos. Esperemos que a razão e a ponderação dos dirigentes americanos façam rapidamente esquecer este infausto episódio. REVISTA INTERNACIONAL DE IMPRENSA Viagens do Olhar Americano selecção de Nuno Mota Pinto* Annapolis: o custo do fracasso Optimismo privado, depressão pública (…) Algumas eleições são definidas pelo fosso entre ricos e pobres. Se Annapolis falhar, a probabilidade de Israel voltar a ter um interlocutor palestiniano moderado é perto de zero. Não ape- Outras são definidas pelo fosso entre esquerda e direita. Mas esta nas o futuro de uma liderança palestiniana moderada mas eleição será decidida pelo fosso interno dentro dos eleitores inditambém o compromisso de todos os países árabes em nor- viduais – o fosso entre o seu optimismo privado e a sua depresmalizar relações com Israel após um acordo de paz sairão são pública. feridos. A insistência do Hamas em que a moderação, como (…) é entendida por Israel, é um sinónimo de capitulação pales- Este fosso de felicidade entre o privado e o público cria um tiniana tornar-se-á maioritariamente aceite, e não apenas no vértice político traiçoeiro. Por um lado, significa que os eleimundo árabe. (…) Mais, se Annapolis falhar, as perspectivas de retoma de um processo de paz viável numa qualquer data no futuro serão cada vez menores pela alteração do equilíbrio demográfico na Palestina. Uma maioria árabe clara na A magna carta de Kasparov Palestina histórica, uma situação iminente, irá convencer os palestinianos e os seus líderes que a busca de uma solução de dois estados é uma tarefa insana. Poderão O mundo civilizado está em perigo. O Hezbollah, o Irão, e a concluir que em vez de fechar um acordo por menos Coreia do Norte continuam a existir prestando contas mínimas de 22 por cento da Palestina – isto é, menos de metade pelo perigo que colocam. A terroristas e ditadores são dadas do território que a comunidade internacional confirmou as boas-vindas na arena da polida diplomacia, apesar do seu ser o património legítimo da população árabe da desrespeito total, mesmo ódio, pelo que a civilização ocidenPalestina, na Resolução da ONU de Partição da Palestina tal representa. O compromisso e a transigência estão a falhar de 1947 – talvez seja melhor renunciar a um estado como sempre falharam. Hoje, um novo conceito é necessário palestiniano separado e em vez disso exigir direitos iguais para substituir os conceitos velhos e os acordos que ditam a num estado de Israel que inclua toda a Palestina. Para diplomacia global. quê chegar a acordo por migalhas quando, como resultado da sua decisiva maioria, rapidamente se tornarão (...) na força cultural e política dominante em toda a Nações que valorizam a democracia e a vida humana controlam Palestina? hoje a maior parte dos recursos do mundo bem como do poder (…) militar. Se se unirem e se recusarem a alimentar os regimes [ Henry Siegman, 21 de Novembro de 2007, Annapolis: O Custo do Fracasso ] párias e os patrocinadores do terror, a sua autoridade será Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 REVISTA DE IMPRENSA tores estão desesperados por mudança. Por outro lado, não querem uma mudança que abale as vidas que construíram para si próprios. Por um lado, pretendem que os líderes politicos da sua nação tenham uma acção clara e determinada. Por outro lado, sentem-se extremamente cínicos sobre esses líderes e não estão dispostos a confiar neles em qualquer coisa que pareça vagamente arriscada. (…) As suas casas são maiores. Possuem mais carros. Sentem-se mais prósperos. Numa nação segmentada, criaram nichos de estilo de vida para si onde se sentem optimistas e realizados. Mas também sentem que a felicidade da sua vizinhança está ameaçada por problomas globais que estão para além do seu controle: terrorismo, custos crescentes com a saúde, dívida pública ameaçadora, imigração ilegal, aquecimento global e a ascensão da China e da India. Olham para estes crescentes problemas da mesma forma que as pessoas costumavam pensar a propósito do crime – como intrusões estranhas na sua tranquilidade privada. E o governo parece não estar a fazer nada para tratar deles. Estes eleitores não acreditam que o governo possa elevar o seu nível de vida ou liderar um renascimento ético ou moral. Querem um governo federal que se concentre em poucas ameaças globais – terrorismo, custos dos serviços de saúde, energia, financiamento de pensões e imigração – e que desapareça das dimensões mais íntimas da sua vida. Querem um guarda-nocturno que patrulhe a vizinhança sem entrar nas suas casas. (…) Em 1933, Franklin Roosevelt conseguiu lançar o New Deal porque os eleitores queriam mudar o país e as irresístivel. A sua riqueza combinada pode financiar tecnologias suas vidas. Mas hoje, as pessoas querem que o governovas para curar a adição ao petróleo, que actualmente finan- no mude para que as suas vidas permaneçam na mesma. Os eleitores não querem ser transformados; querem cia a preponderância a terroristas e ditadores. ser defendidos. (...) No seu famoso discurso de 1946 em Fulton, Missouri, Winston Churchill advertiu que as Nações Unidas, então recentemente estabelecidas, deviam ser “uma força para a acção, e não meramente um fórum de palavras.” Podemos perceber hoje que os seus avisos não foram levados em linha de conta. Os líderes do chamado mundo livre falam sobre promover a democracia enquanto tratam os líderes dos regimes mais autocráticos do mundo como iguais. Uma Magna Carta Global proibiria esta hipocrisia e forneceria uma motivação poderosa para a reforma. As políticas de compromisso falharam em toda a linha e em todo o mundo. Já é tempo de reconhecer este falhanço e de tentar um trajecto novo. [ Garry Kasparov, Maio/Junho de 2007 – 21 Soluções para Salvar o Mundo – Problema: Ditadores; Solução:Uma Magna Carta Global ] Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 [ David Brooks, 30 de Outubro de 2007, O Fosso de Felicidade ] O charme solarengo de Portugal Portugal, que detém a presidência rotativa da UE, fez uso de uma mistura de charme solarengo e empenho determinado para terminar meses de disputas técnicas em torno de minudências jurídicas, escritas num jargão técnico incompreensível, que fazem frequentemente com que a UE se assemelhe a um denso nevoeiro aos olhos de muitos dos seus cidadãos. REVISTA DE IMPRENSA Obter um acordo significou resolver impasses, muitas vezes criados por governos nacionais fragilizados que tentavam Sarkozy visto de Washington marcar pontos políticos domésticos, sobre numerosos e obscuros protocolos, declarações, opt-ins e opt-outs. Entre as complicações: Como se contam exactamente os assentos no É Sarkozy um homem sério? Alguns conservadores americanos Parlamento Europeu? Quanto poder devem os Parlamentos nacionais ter para produzir ou vetar legislação ao nível da consideram-no um espírito aparentado e pensam ver na sua UE? E pode um estado-membro congelar legislação desfavo- eleição um sinal aconchegador do seu próprio renascimento vindouro: sucedeu a dois mandatos de um presidente intensarável mesmo se os outros membros maioritariamente o não mente impopular do seu próprio partido (Jacques Chirac), prodesejem? metendo reformas claras. (...) (...) O documento foi assinado, mas isso não significa que a saga tenha terminado de vez. Para que o tratado produza efeitos em 2009 tem de ser ratificado por todos os estados-membros. E pelo menos num país, a Irlanda Multilateralismo nas vilas – e eventualmente nalguns outros – o novo tratado será e cidades submetido ao voto popular através de um referendo. (...) Nenhum novo tratado pode ajudar a UE a superar Esta quarta-feira Robert Zoellick apresentou a sua visão para algumas divisões sérias que fermentarão no curto o Banco Mundial como um “catalizador de um dinamismo prazo. Está pendente a aprovação de legislação fun- de mercado” que utilize as oportunidades da globalização de damental destinada a radicalmente modernizar a estru- uma forma que seja simultaneamente “inclusiva e sustentátura regulatór ia dos sectores da energia e vel”. telecomunicações da UE, incluindo a eventual cisão O discurso – a primeira grande declaração de estratégia do de grandes empresas monopolistas e detidas por Sr. Zoellick desde que se tornou Presidente do Banco Mundial governos nacionais. Na linha da frente da política há 100 dias – posicionou-o como um determinado multilaexterna, movimentações conduzidas pela França para teralista comprometido com o banco mas empenhado em impor sanções económicas mais duras ao Irão encon- promover resultados mais efectivos. traram resistência pela parte de outros estados-mem- “Uma globalização inclusiva e sustentável deve ser promovibros. E a questão de como tratar do Kosovo, em da pelas instituições globais,” disse o Sr. Zoellick. No seu especial se este território declarar a independência melhor, afirmou, o banco poderá mobilizar recursos públicos ainda este ano, poderá causar uma divisão na UE tão e privados, financeiros e humanos para atingir resultados. dolorosa como aquela aquando da guerra no Mas referiu: “Temos de mostrar que o multilateralismo pode Iraque. trabalhar muito mais eficazmente – não apenas em salões e [19 de Outubro de 2007, Líderes da UE assinam novo tratado] salas de conferência ou em comunicados, mas nas vilas e cidades.” Zoellick defendeu que a globalização “oferece oportunidades incríveis” para milhares de milhões arrastados para o mercado global desde que a Guerra Fria terminou. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 REVISTA DE IMPRENSA Sarkozy conhece Adam Smith e Friedrich Hayek, que era um dos heróis intelectuais de Margaret Thatcher. Sarkozy tem, entretanto, afirmado, “eu não acordo todas as manhãs perguntando-me o que Hayek ou Adam Smith fariam.” Isso é, infelizmente, óbvio. Uma fonte de fórmulas suspeitamente opacas (advoga um “liberalismo regulado” e uma “globalização humana”), manifesta contentamento por “a palavra ‘protecção’ não ser mais um tabu.” (quando é que foi tabu em França?). Comprometeu-se a manter as protecções ao grupo francês mais protegido, os agricultores. Quando clama por “uma genuína política industrial europeia” pergunta: “a concorrência como ideologia, como um dogma, o que tem feito pela Europa?” Pior, quer diminuir a independência – politizando – da única instituição que pode salvar a França de si própria, o Banco Central Europeu. (...) No livro Testemunho de Sarkozy, refere que há 30 anos a Grã-Bretanha tinha um PIB 25 por cento mais baixo do que aquele da França. Hoje é 10 por cento mais elevado. O que aconteceu? Margaret Thatcher. (...) A taxa de desemprego da França não esteve abaixo de 8 por cento em 25 anos – pelo menos desde 1982, quando François Mitterrand fez inadvertidamente aquilo que Thatcher fez intencionalmente: matar o socialismo. No entanto, muitos “permanecem à margem e outros estão (...) a atrasar-se cada vez mais”. O esquerdismo francês é perfeitamente reaccionário. (...) Brandindo uma palavra com conotações semi-sagradas Zoellick referiu que uma globalização inclusiva não é apenas em França, os socialistas afirmam ser “a resistência.” um imperativo moral mas uma “matéria de interesse próprio” Não são por qualquer coisa; são contra ceder qualquer para os cidadãos do mundo rico, uma vez que a pobreza tem um dos seus direitos adquiridos. Estão contra três produzido instabilidade, degradação ambiental, imigração e ameaças. Uma é o “neoliberalismo” – o mercado estados falhados. Abraçou os Objetivos de Desenvolvimento suplantar o Estado como o alocador preliminar da do Milénio, um conjunto de objectivos sociais, como os “nos- riqueza e da oportunidade. A segunda é a americanisos objectivos” e deixou bem claro que não poderão ser atin- zação da cultura via importações de produtos medigidos sem uns milhões de dólares extra de ajuda oficial ao áticos americanos (ver a terceira). A terceira é a desenvolvimento. Acrescentou que, além do desenvolvimento globalização (ver a primeira e a segunda). social, os países mais pobres necessitam de ajuda para “cons- (...) truir as infra-estruturas necessárias para um crescimento mais O facto de nos últimos 15 anos o PIB e a produtivielevado”. dade por hora de trabalho em França terem vindo a (...) declinar relativamente aos mesmos indicadores na Proclamou seis prioridades para o Banco: superação da pobre- Grã-Bretanha e nos Estados Unidos está relacionado za e promoção do crescimento nos países mais pobres; esta- certamente com o facto de 60 por cento dos francedos falhados; oferta de serviços mais sofisticados aos países ses responderem positivamente à palavra “burocrata.” de rendimento médio; apoio a questões ambientais e outros Os conservadores americanos devem procurar consobens públicos globais; promoção de um novo dinamismo no los optimistas noutro lugar. mundo árabe; e desenvolvimento do conhecimento. [10 de Outubro de 2007, Atacar a pobreza é uma prioridade para Zoellick] Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 [George Will, 26 de Agosto de 2007, O que Sarkozy não mudará] REVISTA DE IMPRENSA A equivalência americana Hillary Clinton = França (...) É uma ideia fixa entre os americanos que a Europa – a França, em particular – é um terreno de desperdício económico. De acordo com uma fuga de informação relatada pelo Boston Globe, a estratégia de Mitt Romney é baseada na “equivalência Hillary Clinton = França”. O horror, o horror. Mas uma visita a França – e/ou um olhar sobre as suas estatísticas – torna claro que a economia francesa é apenas alvo de maledicência. Não quero exagerar: a França tem muitos problemas. Mas está a comportar-se muito melhor do que a caricatura americano faria supor. A produtividade francesa – produto por hora – é mais ou menos como a nossa. Mais, até durante o período 1995-2005 – os anos em que nós americanos nos gabávamos do nosso crescimento da produtividade – a produtividade francesa cresceu apenas 0,5% menos que a produtividade dos Estados Unidos. E o crescimento da produtividade dos Estados Unidos parece estar agora a terminar. Da mesma forma, as lendas do desemprego maciço são extremamente exageradas. Os franceses nos seus anos de trabalho mais activo, na faixa 25-54 anos, têm tanta probabilidade de se empregarem como os seus congéneres americanos (o rácio emprego-população é de 80 por cento para ambos). De facto, é verdade que o PIB francês per capita é mais baixo do que o nosso. Isso reflecte três coisas: menos horas de trabalho em França; os franceses com menos de 25 anos têm menos possibilidades de arranjar emprego que os jovens americanos, e 10 os franceses tendem muito mais que os americanos a aposentar-se cedo. Menos horas de trabalho são uma escolha – e é pelo menos discutível se os franceses não fizeram uma escolha melhor do que a América, a nação sem férias. O emprego baixo entre os jovens é uma história complicada. Até certo ponto, tal pode representar a falta de criação de novos postos de trabalho. Mas grande parte é o resultado de factores positivos: em média, os jovens franceses permanecem na escola mais tempo que os jovens americanos, e poucos estudantes franceses são forçados pela necessidade financeira a trabalhar em vez de estudar. Finalmente, os franceses aposentam-se cedo. Isto é um problema real: o seu sistema da pensões cria incentivos perversos. Nós, naturalmente, temos este programa fantástico chamado Segurança Social, que faz um trabalho muito melhor. Sim, a França tem problemas. Mas o que CEOs excessivamente bem pagos – ou Hillary Clinton – têm que ver com os erros evitáveis da política de pensões francesa é um mistério para mim. Sobre o futuro? Não estamos nós a adiantar-nos nas tecnologias de informação? Hmmm, Não. De facto, os Estados Unidos estão a ficar para trás na revolução da banda larga. E que tal se parássemos de bater na Europa?” [blogue, Paul Krugman, The Conscience of a Liberal, 3 de Outubro de 2007] * Administrador Substituto do Banco Mundial Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 SAÚDE Por Patrícia Fonseca* FOTografias Rui Ochôa F Um cientista visionário José Guilherme Fernandes da Cunha-Vaz, 68 anos, é Professor Catedrático e Director do Serviço de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Presidente do Instituto Biomédico de Investigação da Luz e Imagem (IBILI), Presidente do Conselho de Administração da Associação para a Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem (AIBILI), Coordenador da Rede Europeia de Centros de Excelência de Ensaios Clínicos do Instituto Europeu da Visão. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 ez a sua formação na Faculdade de Medicina de Coimbra e na Universidade de Londres, onde se doutorou em 1966. Entre 1975 e 1986 mudou-se, por duas vezes, para os Estados Unidos, onde foi investigador e professor na Universidade de Illinois, Chicago, e director do Deicke Eye Center and Retinal Vascular Services, também em Chicago. Regressou a Portugal em 1986 para dirigir o serviço de oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra e fundar o IBILI e o AIBILI – hoje, um caso acompanhado no serviço de oftalmologia pode motivar o início de uma investigação no IBILI e, descoberta a solução, o AIBILI desenvolverá a tecnologia para a aplicar. Tem mais de 400 trabalhos científicos publicados e são vários os contributos que deu para o avanço da medicina na área da visão, nomeadamente a identificação da barreira hemato-retiniana, a invenção de um instrumento designado fluorómetro do vítreo, ou, mais recentemente, de um novo método de mapeamento multimodal da mácula que contribui para o diagnóstico precoce da degenerescência neovascular macular relacionada com a idade. Entre os muitos prémios que já recebeu, foi agraciado, em 1993, com a Ordem da Instrução Pública, pelo Presidente da República Mário Soares, e, este ano, Cavaco Silva atribuiu-lhe a Ordem do Infante D. Henrique. Em Junho foi distinguido, em Viena, com a Medalha Helmohltz, o mais importante prémio que distingue uma carreira científica, atribuído pela Sociedade Europeia de Oftalmologia. Filho de António Manso da Cunha-Vaz, também oftalmologista em Coimbra, foi com naturalidade que seguiu os passos do pai e dedicou a sua vida à investigação. Não se arrepende da escolha, pois adora o que faz – ao ponto de dizer que, não fosse pela mulher, nem iria de férias… 11 SAÚDE ‘ Senti que era um grande desafio conseguir criar uma equipa e uma dinâmica em Portugal que se aproximasse da que tinha tido nos Estados Unidos. E fico feliz por ver que há hoje muita gente nova a conseguir ter carreiras brilhantes sem ter de ir para fora. ’ O que o levou a dedicar a sua vida à investigação nesta área da oftalmologia? Inicialmente pensava seguir a área de imunologia, que foi o tema da minha tese de licenciatura, mas depois prossegui os meus estudos em Londres e fui muito influenciado por Norman Ashton, o meu pai científico. Ele desafiou-me para integrar a sua equipa e não resisti, ele era o melhor a nível mundial, naquela altura. Também acredito que quando nos empenhamos e fazemos bem um trabalho acabamos por nos apaixonar… não sei se estas escolhas se podem atribuir a uma vocação anterior [o seu pai também era oftalmologista], acho que é algo que se constrói. Esteve cerca de quatro anos em Londres mas depois regressou a Portugal. Sim, voltei para Lisboa, estive um ano e meio na Junta de Energia Nuclear, antes de cumprir serviço militar em Angola, entre 1969 e 1971. Fui já como oftalmologista e também dei aulas – as primeiras de oftalmologia na Faculdade de Medicina de Luanda. Em 1971 regressei a Coimbra, onde me mantive como professor auxiliar até 78. Porque decidiu, nessa altura, mudar-se para os Estados Unidos? No pós-25 de Abril era difícil fazer investigação em Portugal. Na altura desenvolvi um método novo, a fluorometria do vítreo, e esse método foi considerado muito interessante no diagnóstico precoce da diabetes. Fui convidado para várias conferências nos EUA e depois surgiram convites de três faculdades americanas. Um deles, para Chicago, era particular- 12 Condições de trabalho:”Era difícil fazer investigação em Portugal.” mente atractivo e decidi ir. Mudei-me com a família toda, comprei casa… mas ao fim de dois anos decidi regressar. Porquê? Estive sempre muito dividido, as condições de trabalho eram óptimas em Chicago mas havia muitas coisas que me ligavam a Portugal. De qualquer forma, três anos depois de ter voltado para Coimbra voltaram a convidar-me e regressei outra vez, à mesma faculdade. Estavam a montar um instituto novo [Deicke Eye Center] e queriam que o dirigisse. Acabou por viver oito anos nos Estados Unidos, voltando definitivamente a Coimbra em 1986. O que o levou a regressar de vez? Nesse ano aconteceram uma série de coi- sas ao mesmo tempo. Tive um convite para dirigir um Departamento de Oftalmologia nos Estados Unidos da América mas Portugal tinha entrado para a União Europeia, o professor Cavaco Silva era primeiro-ministro e havia alguma perspectiva de que o país podia ter algum futuro. Nessa altura o Hospital de Coimbra estava também a acabar de construir-se e falou-se da hipótese de eu voltar. Foi difícil decidir, principalmente na última fase costumava dizer que passava 70% do meu tempo a trabalhar e 30% a pensar se havia de ficar ou partir... Quando se está nos EUA a ideia de voltar para Portugal é agradável mas quando se está em Portugal é agradável a ideia de trabalhar nos Estados Unidos. Mas tudo se conjugou para que regressasse. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 SAÚDE O cientista e o microscópio: “há vinte anos...a América era outro mundo no campo da investigação médica”. Nos Estados Unidos quais foram os seus principais objectos de investigação? Foram sempre dentro da mesma área: as patologias da retina, edema macular, barreira hemato-retiniana, permeabilidade e instrumentação, todas ligadas à prevenção da retinopatia diabética. O que mais lhe agradou nessa experiência de oito anos nos EUA? As condições de trabalho, que eram extraordinárias. A situação é hoje muito diferente, mas há 20 anos… era outro mundo. Ainda hoje, de qualquer forma, não temos as condições ideais e o trabalho e a massa crítica ainda não atingem o volume desejado. Na América tem-se sempre a sensação que se está na frente, que fazemos investigação de ponta a nível mundial, que mais ninguém está fazer o mesmo Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 ‘ Somos pessoas muito imaginativas, com grande capacidade de inovação, o que não temos é o ambiente de trabalho, as equipas, a organização. ’ que nós. Há também mais facilidade para falar com outras pessoas, um pouco como no ténis: cá por vezes temos de jogar sozinhos, contra a parede; lá temos com quem bater a bola. Esse ambiente foi crucial. Quando voltei tinha uma respeitabilidade grande nos Estados Unidos, estava numa das comissões de avaliação do National Institute of Health, mas senti que podia trazer uma experiência importante e conseguir concretizar projectos importantes no meu país. O primeiro projecto na área da saúde de âmbito europeu liderado por um português foi o meu. Senti 13 SAÚDE que era um grande desafio conseguir criar uma equipa e uma dinâmica em Portugal que se aproximasse da que tinha tido nos Estados Unidos. E fico feliz por ver que há hoje muita gente nova a conseguir ter carreiras brilhantes sem ter de ir para fora. Concorda, portanto, que temos investigadores de qualidade, mas muitas vezes essa «massa cinzenta» abandona o nosso país por não ter as condições de trabalho necessárias? Sim, acho que nisso somos um pouco como os italianos: temos os mesmos defeitos e as mesmas qualidades. Na América existem grandes cientistas, inclusive Prémios Nobel, que são de origem italiana. Somos pessoas muito imaginativas, com grande capacidade de inovação, o que não temos é o ambiente de trabalho, as equipas, a organização – que são necessárias e fundamentais. Foi esse ambiente de excelência e capacidade de organização que quis implantar em Coimbra, com a fundação do IBILI e do AIBILI, em sinergia com o serviço de oftalmologia do hospital? Sim, foi uma iniciativa que levou muito tempo a concretizar [quase uma década], era necessário ultrapassar uma série de entraves e garantir os financiamentos… Nessa fase inicial a FLAD foi fundamental, foi o nosso primeiro associado. Depois vieram muitos outros apoios e os fundos europeus, tanto do projecto Ciência como do PEDIP. Hoje dá-me satisfação ver que é uma instituição de referência na Europa e que temos vários contratos com empresas europeias e americanas, quer a nível de desenvolvimento de tecnologia como a nível de ensaios clínicos. ‘ As bases estão lançadas e sinto que temos condições para nos mantermos na vanguarda nos próximos dez ou vinte anos. Mas as empresas têm de se envolver mais na investigação. ’ 14 Está optimista em relação ao futuro? As bases estão lançadas e sinto que temos condições para nos mantermos na vanguarda nos próximos dez ou vinte anos. Mas as empresas têm de se envolver mais na investigação. A nossa dinâmica empresarial ainda é muito fraca, com raras excepções. Os médicos e investigadores, por seu lado, também têm de ser mais sensibilizados para os problemas técnicos e para a sua resolução a breve prazo. Estão pouco habituados a prazos, avaliações económicas… E há uma grande falta de responsabilização. Há culpas dos dois lados, é uma questão antiga já que a Ciência nunca foi muito respeitada em Portugal. Ainda há, portanto, muito trabalho a fazer… E continua disponível para fazê-lo? Estou quase na reforma, sou obrigado a aposentar-me da faculdade aos 70… Mas Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 SAÚDE continuarei na AIBILI e enquanto funcionar vou trabalhar. Costumo dizer que a única altura em que estou realizado é quando estou a trabalhar, porque o que faço dá-me prazer e sinto que tem utilidade. Não me imagino a olhar para o ar… ou a fazer passatempos! Se há expressão que me põe doente é «matar o tempo». A vida é tão curta, não faz sentido. O que faz nas férias? Sabe… tirei férias este ano, pela primeira vez, durante duas semanas. Tenho de devolver à minha mulher muito do tempo que lhe roubei e fomos para Itália. Aprendi italiano, tinha quatro horas de aulas por dia, estive bem. Mas nunca foi meu costume, não… Costumo dizer aos meus colaboradores e é verdade: eu sinto-me de férias todo o ano! Um sonho chamado AIBILI A Associação para a Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem (AIBILI) é uma organização privada sem fins lucrativos, com estatuto de utilidade pública, que foi criada para realizar investigação e desenvolvimento tecnológico na área da Saúde. A AIBILI dispõe de um Centro de Ensaios Clínicos, especializado na área da oftalmologia, centrando-se no estudo da retinopatia diabética, degenerescência macular relacionada com a idade, glaucoma, cirurgia da catarata e inflamação ocular; de um Centro de Estudos de Biodisponibilidade, certificado pelo Infarmed, vocacionado para dar resposta a vários tipos de solicitações da indústria farmacêutica; e de um Centro de Novas Tecnologias para a Medicina que aposta no desenvolvimento de novos instrumentos e técnicas de diagnóstico, com especial ênfase na área da oftalmologia e imagem, tendo como objectivo último a transferência de tecnologia para a indústria. A Fundação Luso-Americana é um dos seus associados fundadores. * Jornalista da revista Visão Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 15 PROJECTO SAÚDE FLAD - SAÚDE O médico Filipe Bastos e a sua equipa do Hospital de São João no Porto O peso certo da Medicina Interna Contributos para uma visão sistémica, humanista e ecléctica da Medicina Por Joana Loureiro FOTOGRAFIAS Pedro granadeiro R eafirmar o valor da Medicina Interna, numa sociedade marcada pela corrida contra o tempo e por valores economicistas, não é tarefa fácil. Recorrer a um programa de parceria com o University of Washington Medical Center, em Seattle – considerado um dos hospitais top ten dos Estados Unidos da América –, revelou-se, para o Hospital de São João, no Porto, uma solução certeira. Segundo Filipe Bas- 16 tos, coordenador do projecto do serviço de Medicina Interna, era essencial ter alguém que «também aprendesse connosco, mas que nos ajudasse a evoluir». Para que fosse dado novo alento à ideia da especialidade enquanto agregadora, capaz de lidar com os novos desafios provocados pela evolução demográfica e social. Apontar soluções para a “melhoria e desenvolvimento da organização dos ser- viços de saúde” era o objectivo principal. Dali resultariam reflexões sobre a formação médica ou o desenvolvimento profissional contínuo, assim como sobre a qualidade e adequação dos serviços médicos prestados. Desde logo, através da realização de um leque variado de conferências, compiladas no livro Ars Medicinae («A Arte de Curar»). Estágios (ver caixa pág. 18) e intercâmbios de internos, além de programas «Visiting Professor», foram outras das medidas abrangidas pelo projecto. Para Filipe Bastos, «o apoio institucional da FLAD foi extraordinariamente importante, tal como a disponibilidade do hospital para embarcar neste projecto, acrescentando-lhe uma dimensão organizacional». Iniciado em 2004, o projecto deverá estender-se até ao próximo ano, culminando no lançamento de mais uma publicação (ver caixa pág. 18). Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 SAÚDE Em entrevista à Paralelo, Filipe Basto analisa a importância da cooperação com a Universidade de Washington. Como surgiu este programa? A medicina tem sofrido grandes transformações. As pessoas têm mais expectativas, querem tudo de forma mais imediata. Os internistas estão habituados a integrar e a reflectir múltiplos factores e a gerir a incerteza, o que pode ser uma enorme mais-valia. Mas o sistema não lhes dá o devido valor, porque apenas valoriza técnicas e invenções muito complicadas e está comandado pela lógica económica. Tudo que seja mais fácil de medir é mais valorizado. No nosso caso, é difícil quantificar a eficácia de certos actos. Daí esta necessidade de encontrar um peso que nos ajude a afirmar a importância da Medicina Interna. Como estabeleceram a parceria com o University of Washington Medical Center, em Seattle? Queríamos ter um parceiro colaborante, capaz de dialogar, aprender e interagir e não só um bom técnico. Tínhamos o contacto do professor David Dale – antigo reitor da Universidade de Seattle e actual presidente do American College of Physicians –, pessoa-chave na construção desta parceria. O seu hospital está entre os 10 melhores dos Estados Unidos. Privilegiam muito a Medicina Interna e têm uma filosofia de ligação entre a actividade clínica e a actividade assistencial. Além do mais, ajudam as pessoas a crescer na sua profissão, encarando a Medicina como algo que se vai desenvolvendo ao longo da vida. Nas conferências falou-se muito em “como ser um bom médico”. É uma noção sujeita a constantes mutações? A medicina mudou muito: na tecnologia, na capacidade de fazer diagnósticos, de prevenir e tratar doenças. Mas há princípios que, mesmo tendo necessidade de evoluir, têm de se manter nesta «arte de curar». É preciso aliar esta essência de ser médico às componentes tecnológicas e científicas. as suas opiniões e relatando aquilo que é a realidade deles. De que forma estão a ser cumpridos os objectivos do projecto? Contactarmos com pessoas de topo do panorama internacional é muito importante. Em relação à organização do hospital, houve mudanças – algumas difíceis de relacionar –, que acompanharam o projecto e beneficiaram a ideia da medicina interna como especialidade agregadora. Estas funções de actividade clínica, de ensino e de investigação do nosso hospital, têm condições extraordinárias de execução, difíceis de encontrar. Muitas vezes, não lhes damos valor. O facto de trazermos pessoas de fora, serve para nos espicaçar e perceber o nosso grande manancial de evolução. Os internos têm tido uma experiência muito construtiva em termos da sua formação. A ideia era pegar na actividade diária da Medicina Interna, nos nossos problemas, e criar uma bolsa de formação, permitindo o contacto com essas realidades através de um ponto de vista não abrangido pelas escolas tradicionais. Lá valorizam muito a perspectiva individual e ajustam o tipo de cuidados à realidade das pessoas. Simplesmente, têm uma realidade muito assimétrica, com uma grande variedade de sistemas de saúde. Logo, é difícil olhar para o país Podemos, analisando a experiência norte-americana, antecipar alguns problemas que poderão surgir em Portugal? Em múltiplos aspectos, estamos a sofrer uma evolução semelhante à dos EUA. Era importante perceber onde eles falharam. Em que se traduziu a parceria? Queríamos permitir, cá e lá, troca de experiências. Começámos por trazer pessoas dos EUA, mais experientes e com um prestígio indiscutível, para visitarem os nossos serviços e partilharem o seu funcionamento diário. Vêem como tratamos os doentes, quais os nossos problemas e vão dando Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 17 SAÚDE Passar a experiência para o papel Além da publicação do livro Ars Medicinae – uma súmula das conferências resultantes da parceria entre o Serviço de Medicina Interna do Hospital de São João e o University of Washington Medical Center – está na forja, para 2008, a edição de um Manual de Internos, uma espécie de livro de introdução à prática da medicina interna. «Uma bíblia que, em termos científicos, de conduta e de lições práticas do dia-a-dia, possa ajudar os internos a prevenir problemas e a resolvê-los», segundo Filipe Bastos. Além dos temas médicos os internistas discutem a melhoria do controlo de qualidade, os seguros de saúde, o marketing como forma de comunicar... como um único modelo. Mas a preponderância dos seguros individuais é grande e ficam a depender da iniciativa de cada pessoa. Quem não tem seguro, não tem acesso a cuidados de saúde, fica num limbo e transforma-se numa parte pesada da sociedade. Essa é uma das experiências más a evitar. Numa altura em que o nosso sistema nacional de saúde está a sofrer vários cortes, estas questões são pertinentes… Algumas das conferências tocam, precisamente, nesse problema. Um dos capítulos do livro invoca o sistema de saúde dos veteranos, muito parecido com o português, que sofreu, nos últimos anos, profundas transformações. Antigamente, era visto quase como marginal, para quem não tinha outras possibilidades. Mas eles conseguiram dar a volta e transformá-lo num caso exemplar. Utilizaram a informática para sistematizar a informação clínica, viraram-se para o ambulatório, tiveram uma actuação preventiva muito mais marcada e conseguiram mostrar resultados difíceis de igualar. Nada disto é mimetizável. Mas, por exemplo, a ligação à informática é importantíssima. Os internistas coleccionam evidências e conseguem ter um potencial de certezas em relação ao tratamento e atitudes preventivas na medida em que sistematizam esta informação. Ora, a informática tem esse potencial de reunir e trabalhar informações. Em Portugal isso ainda não é valorizado. 18 Como foram escolhidos os temas das palestras? Há um denominador comum? Procuramos enquadrar os temas numa visão muito abrangente dos cuidados de saúde, tendo em consideração as mudanças no panorama nacional. E tentamos dar uma perspectiva global do que é a Medicina Interna e de como pode relacionar-se com estas mudanças. Discutimos temas que são essencialmente médicos e outros como a melhoria do controlo da qualidade, os seguros de saúde, o marketing como forma de transmitir valor e de comunicar… Quais foram as conferências que lhe despertaram maior interesse? As que incidiram sobre a essência de um internista e de como ser um bom médico, como a do professor David Dale. Foram particularmente relevantes para criar um patamar de referência daquilo que continua a ser o exercício da Medicina Interna. A voragem dos dias não lhes permite fazer essa reflexão sobre a vossa profissão? Exactamente. Temos uma vida intensa, presa a compromissos e, às vezes, falta-nos tempo para pensar. E essa conferência permitiu uma paragem para perceber quais são os verdadeiros fundamentos da profissão. Equacionar se aquilo que fazemos é realmente útil, se estamos a responder às necessidades das pessoas e se podemos fazê-lo melhor. Fomos buscar estes parceiros para nos ajudarem a parar e ver como funcionam. Talvez nessa interacção surja alguma luz. De malas feitas O programa de bolsas de estudo para o Serviço de Medicina do Hospital pressupõe a apresentação de trabalhos escritos que, segundo o regulamento, «dignifiquem o exercício da Medicina Interna na sua dimensão mais lata e integradora, contribuindo para melhorar a qualidade assistencial no serviço, a humanização dos cuidados aí prestados e a valorização das especificidades da relação médico-doente». Os eleitos terão direito a um mês de estágio no University of Washington Medical Center. Este programa foi instituído com o apoio da FLAD. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 BREVES Transatlânticas Michael Schudson na Católica e na FLAD Michael Schudson, um dos mais prestigiados professores e investigadores da área da comunicação e do jornalismo nos Estados Unidos da América, virá a Lisboa, em Abril de 2008, a convite da Universidade Católica e da FLAD. Na Universidade, orientará seminários no âmbito do Mestrado em Comunicação, dirigido pela professora Isabel Capelôa Gil. Na FLAD, proferirá uma conferência sobre a cidadania e os meios de comunicação social (14 de Abril). Schudson é professor na Universidade de Columbia, em New York e na Universidade da Califórnia, em S. Diego. O ensino do português apesar de Bush Onésimo Almeida, professor da Universidade de Brown, escreve no Jornal de Letras, acerca das declarações do Presidente Bush, sobre o ensino do português nos Estados Unidos: “(...) O piropo de mau gosto do Presidente em nada afecta o crescimento, relativamente pequeno, é certo, mas crescimento apesar de tudo, que tem vindo a acontecer no ensino do Português nos Estados Unidos. Longe, muito longe dos números do Espanhol, cada vez mais a segunda língua da União, as estatísticas do ensino de Português vão engrossando. Naturalmente é o Brasil agora o maior contribuinte e, pelos vistos, continuará a sê-lo na medida em que a imigração ilegal não parece abrandar e, com o tempo, os ilegais vão conseguindo modo de legalizar a sua situação. Para mais, os sistemas escolares têm obrigação de acomodar as necessidades dos filhos, mesmo que os pais sejam imigrantes ilegais. E assim os números vão alargando. A nível universitário, por exemplo, o número de vagas para professores de Português nas suas três vertentes (lusa, africana e brasileira) foi este ano a maior de que me recordo. Duplicou as do ano anterior. Em termos absolutos é pouco, está visto, por serem apenas 15. Mas tudo aponta para que prossiga a tendência a aumentar. Quer dizer, a boca de George W. Bush não afectou qualquer legislação, apenas poleParalelo n.o 1 | INVERNO 2007 mizou a concessão pontual de um apoio a esse college [universidade estadual de Rhode Island] que, apoiado pelo congressista seu representante, Patrick Kennedy, fez o que é costume nestas situações: introduziu no pacote submetido à assinatura presidencial umas migalhas para distribuir por aqui e por ali. Bush, por ter que mostrar aos eleitores que não é esbanjador, resolveu cortar precisamente os centavos destinados ao Institutto protegido pelo dito membro do Congresso.” Cursos de liderança da Kennedy School A FLAD, em parceria com o Governo Regional dos Açores (v. pág. 22 desta edição), está a preparar cursos de liderança e performance organizacional com a John F. Kennedy School of Government, da Universidade de Harvard. Os cursos serão de curta duração e terão lugar na Região Autónoma, sendo apoiados pela Direcção Regional do Trabalho e Qualificação Profissional. Serão abertos a pessoas do sector público, privado e sem fins lucrativos. Os alunos a admitir aos cursos, que terão início em 2008, serão seleccionados segundo critérios a anunciar. Alfredo Mesquita no Diário Insular Escritor, jornalista e diplomata, Alfredo Mesquita (1871-1931) é autor de um livro-reportagem intitulado América do Norte, que foi best-seller no início do século XX. Natural de Angra do Heroísmo, a Parceria A. M. Pereira retirou-o do esquecimento, com apoio da FLAD, ao reeditar, recentemente, a sua digressão literário-jornalística pelos Estados Unidos. Helena Fagundes, escrevendo no Diário Insular (suplemento Domingo), procede a uma releitura do livro: “O estilo é fluido, vivo, mordaz. As ilustrações originais mostram a Estátua da Liberdade, índios sombrios, grandes arranha-céus, a paisagem imponente e árida do Grand Canyon. (...) Dos tempos de diplomata, que o levaram até aos Estados Unidos, nasceu o livro América do Norte, um retrato irónico e, por vezes, deslumbrado, que ainda hoje permanece actual”. Luso-descendente mayor de Fall River Bob Correia, luso-descendente, foi eleito mayor de Fall River. Correia obteve 9.626 votos contra 7.804 do seu oponente e colega, o deputado estadual David Sullivan. Em entrevista ao Açoriano Oriental disse: “A comunidade também está a envolver-se mais na política e isso é muito bom pois esse trabalho deve ser recíproco. Neste sentido penso que os programas de incentivo à cidadania da responsabilidade da FLAD e de outras entidades têm ajudado.” 19 AÇORES Cooperação mais intensa entre a FLAD e os Açores Pela primeira vez, em mais de 25 anos de existência, os administradores da FLAD efectuaram a habitual reunião semanal fora da sede em Lisboa. O Conselho Executivo da FLAD reuniu-se, a 11 de Outubro, em Angra do Heroísmo. Com esta iniciativa pretendeu-se assinalar uma nova fase marcada por uma cooperação mais intensa entre a Fundação Luso-Americana e a Região Autónoma dos Açores. rui ochôa A reunião do CE na ilha Terceira foi precedida de duas iniciativas. No dia 25 de Setembro, realizou-se um encontro na sede da FLAD com as direcções da Federação das Câmaras de Comércio dos Açores e das Câmaras de Comércio de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta. A 27 de Setembro, teve lugar em Ponta Delgada, um seminário com o objectivo de definir as principais linhas estratégicas de um protocolo com vista ao desenvolvimento de estágios e cursos de aperfeiçoamento profissional nos Estados Unidos da América. Foram anunciados à comunicação social, em Angra do Heroísmo, os projectos e apoios relativos à Região Autónoma dos Açores, que se discriminam a seguir. Rui Machete em Angra: “A FLAD pretende intensificar a sua relação com a Região Autónoma dos Açores”. 20 Acordo de mobilidade Antero de Quental, a celebrar entre a Universidade dos Açores, um consórcio de Universidades Norte-Americanas e a FLAD, com vista ao intercâmbio de professores e estudantes. O acordo denomina-se Antero de Quental em homenagem ao escritor, poeta e pensador, personalidade maior da cultura portuguesa e açoriana. Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt, em cooperação com o Governo Regional dos Açores. A denominação visa homenagear a figura de Franklin D. Roosevelt e o seu papel decisivo nas relações euro-atlânticas. O primeiro Fórum terá lugar em Ponta Delgada nos dias 10, 11 e 12 de Julho de 2008, comemorando os 90 anos da escala de Roosevelt nos Açores (São Miguel e Faial), quando viajou rumo à Europa na qualidade de Secretário da Marinha do Governo do Presidente Wilson, em 1918. O primeiro tema escolhido foi o das Relações Transatlânticas na Opinião Pública Europeia e Americana. O Fórum Açoriano Franklin Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 AÇORES D. Roosevelt terá lugar de dois em dois anos. Em 2008, será Ponta Delgada, seguindo-se Angra (2010) e Horta (2012). Programa Alfredo Mesquita para jornalistas Formação de jornalistas açorianos nos EUA (3 jornalistas por ano). Contacto com instituições políticas e culturais norte-americanos e da comunidade portuguesa. Workshops em universidades e centros de formação de jornalistas. A denominação visa homenagear e retirar de um certo esquecimento a figura de Alfredo Mesquita, jornalista e escritor, natural de Angra do Heroísmo, autor de um livro/reportagem intitulado América (reeditado em 2001 com o patrocínio da FLAD). em cooperação com a Universidade de Oxford, no Ohio, EUA, intitulado: “Identificação dos perigos vulcânicos no Arquipélago dos Açores pela caracterização geoquímica das lavas dos respectivos vulcões” (2007-2009). Cooperação entre o Departamento de Economia e Gestão da Universidade dos Açores e a Universidade de Massachussets – Dartmouth. Estudo efectuado em parceria pelas duas Universidades, sob a direcção dos professores Steven White e Mário Fortuna, com vista a aferir a existência de interesse mútuo em áreas económicas dos Açores e da Nova Inglaterra. A FLAD financia a primeira fase da investigação. Exposições da colecção de Artes Plásticas da Fundação Luso-Americana em Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta O programa de três exposições e uma conferência, proferida por Isabel Carlos, foi elaborado pelo curador da colecção da FLAD, João Silvério. Por ordem de inauguração: Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Horta. Apoio à edição da História dos Açores Em cooperação com o Instituto Açoriano de Cultura, a FLAD financia em 50 por cento a primeira história dos Açores organizada e elaborada no âmbito universitário. A obra é dirigida pelos professores Teodoro de Matos, Avelino Meneses (Reitor da Universidade dos Açores) e Reis Leite. Identificação dos perigos vulcânicos no Arquipélago Projecto da Universidade dos Açores, Departamento de Geociências, apresentado pela Prof.ª Zilda França, a realizar Curso de Liderança e Performance Organizacional para Executivos Curso de curta duração a leccionar nos Açores (Junho ou Julho de 2008), de forma intensiva sob a responsabilidade da Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, no âmbito da cooperação entre a Direcção Regional do Trabalho e Aperfeiçoamento Profissional e a FLAD. Estágios na área do Turismo e da Hotelaria Cooperação entre a Johnson and Wales University (Providence, Rhode Island) e a Escola de Formação Turística e Hoteleira dos Açores (EHFT), com vista ao aperfeiçoamento profissional dos professores do estabelecimento de ensino açoriano. Estágios Profissionais nos EUA para Jovens e Quadros da Região Autónoma dos Açores A Direcção Regional do Trabalho e Qualificação Profissional do Governo Regional dos Açores e a FLAD estão a preparar um protocolo com vista ao desenvolvimento de estágios e cursos de aperfeiçoamento profissional nos Estados Unidos da América. Este programa de estágios visa promover o desenvolvimento económico e social da Região através de uma acrescida empregabilidade dos jovens açorianos (facilitando a sua inserção na vida activa) e do reforço do capital humano das empresas da Região (melhorando a competência dos seus activos). Integra-se ainda numa estratégia de reforço dos laços entre os Açores e as comunidades açorianas e luso-descendentes nos EUA. rui ochôa O Conselho Executivo da FLAD na Terceira. Charles Buchanan relembra aos jornalistas o apoio da Fundação à investigação científica sobre o mar desenvolvida pela Universidade dos Açores (DOPA). Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 21 AÇORES Em Ponta Delgada Investimento em formação profissional Por Sara Pina FOTografias José antónio rodrigues Cerca de 40 quadros superiores, membros da direcção e administração de empresas, escolas e do governo açoriano deram um importante contributo na definição de estágios e cursos de aperfeiçoamento profissional de açorianos, nos Estados Unidos da América, com o apoio do Director Regional do Trabalho e Qualificação Profissional, Rui Bettencourt, o Director do Bureau da Organização Internacional do Trabalho em Lisboa, Paulo Bárcia, Vera Sousa Macedo, da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal e, pela FLAD, Mário Mesquita, administrador e Paulo Zagalo e Melo, director. Delineou-se em Ponta Delgada, um programa de iniciativa da Fundação Luso-Americana que se concretizará, a partir do ano que vem, com o apoio da Direcção Regional e parcerias com todos os sectores da região, cujos representantes felicitaram a Fundação. «Tem havido muita expectativa em relação à FLAD. Não somos megalómanos, mas pretendemos estabelecer programas, iniciativas e projectos estruturantes para os Açores, este é um deles», afirmou Mário Mesquita. «Dos 180 milhões de desempregados, 22 ‘ mais de metade são jovens – este é um proEstágios internacionais beneficiam blema mundial que empresas e quadros. denota a dificuldade da transição entre a escola e a vida activa, outro dos grandes problemas as áreas de licenciatura, embora a taxa de actuais é a globalização. A solução passa por selecção fosse de 6% e as áreas mais requecursos e estágios como este», explicou Paulo ridas pelas empresas gestão, economia, Bárcia, referindo-se ao novo plano de engenharia e informática. 70% das pesEstágios e Cursos de Aperfeiçoamento soas voltou com novas competências Profissionais nos Estados Unidos dirigido muito importantes para o desenvolvimenespecialmente aos açorianos. O director da to da sua região. Organização Mundial de Trabalho, agência Paulo Zagalo e Melo, apresentou uma das Nações Unidas, acrescentou ainda que breve antevisão do plano estratégico da para o sucesso do programa é essencial a Fundação Luso-Americana para a formação participação dos vários intervenientes – avançada de executivos em Portugal, nomeempresas, escolas e trabalhadores. adamente no que respeita à realização de Vera Sousa Macedo, da Agência para o cursos de aperfeiçoamento profissional nas Investimento e Comércio Externo de áreas de liderança e ‘performance’ organiPortugal, falou da sua experiência com zacional que poderão arrancar no Verão de um programa similar com a União 2008, sendo o primeiro nos Açores. Europeia: «Com os estágios internacionais empresas e quadros têm muito a ganhar». No Projecto «Contacto», já com 10 anos, Paulo Bárcia (OIT): “Participação entre Portugal e a comunidade europeia de empresas, escolas e trabalhadores houve mais de 25 mil candidatos de todas é essencial para o sucesso dos estágios” ’ Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 ECONOMIA Sustentabilidade no sector financeiro Um olhar para o futuro A sustentabilidade é palavra de ordem hoje em dia. Mas o que quer dizer aplicar a sustentabilidade ao sector financeiro? É sobre esta questão que se debruça o estudo “Sustentabilidade Financeira no sector bancário em Portugal. Os factores ambientais e sociais; riscos e oportunidades”, um projecto lançado pela empresa de consultoria de gestão sustentável, a Sustentare. ©Lusa/EPA-ANDY RAIN Por Clara Pinto Caldeira Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 23 rui ochôa ECONOMIA Energia eólica em Portugal. Incorporar as questões ambientais nas estratégias da banca. O projecto arrancou em Dezembro de 2006 e terminou em Outubro de 2007. Consistiu na realização de um inquérito sobre a oferta e a procura nesta área, pelo Centro de Sondagens da Universidade Católica, e na elaboração de um documento guia, com tendências e directrizes para o sector. «É muito fácil falar do ambiente, mas falar de como os bancos podem de facto incorporá-lo no seu core business ainda não foi feito», afirma Sofia Santos, responsável pelo projecto, juntamente com Rita Almeida. Este estudo levanta o véu sobre as vantagens e os riscos de incorporar a sustentabilidade como factor de gestão. A ideia é traçar caminhos para a criação de produtos e serviços sustentáveis bem como estratégias de gestão de risco que 24 promovam a protecção ambiental e a prosperidade económica. A banca é o sector económico mais relevante, uma vez que é ela o principal agente do mercado: «Toda a gente precisa de dinheiro. Para qualquer tipo de investimento recorre-se à banca, portanto é a banca que pode ter a capacidade de incentivar um conjunto de comportamentos», explica Sofia Santos. É também vantajoso para a banca e para as seguradoras considerarem os riscos ambientais dos seus investimentos, de acordo com uma legislação emergente que cada vez mais penaliza os danos causados ao ambiente. Os riscos ambientais das empresas que recorrem à banca e às seguradoras são também riscos para o sector. Por outro lado, os consumidores estão cada vez mais sensíveis às questões do ambiente e da sustentabilidade. É o que revelam os resultados do inquérito a 1200 consumidores portugueses (ver caixa). Muitas pessoas fariam escolhas sustentáveis, optando por produtos com esse carácter, por exemplo empréstimos com spread diferenciável de acordo com as características ambientais do bem a adquirir, carro ou casa, ou fundos de investimento em empresas com preocupações ambientais. É sabido que uma das questões que afecta o mercado é a necessidade de certificação ambiental, com recurso ao crédito bancário. Esta é uma nova área de negócio para os bancos que podem Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 ECONOMIA estabelecer critérios de concorrência baseados em factores ambientais. Aspectos como a emissão de CO2, o ruído, as descargas, os recursos hídricos devem ser incluídos na gestão das empresas. A oferta de um conjunto de produtos financeiros e seguradores permitirá essa efectivação, com vantagem social e económica para todos. das acções do projecto. A AIP facilitou o local da conferência e forneceu uma base de dados de PME’s para a realização do inquérito. A FLAD, por outro lado, teve uma função fundamental na agilização de contactos internacionais, através do financiamento de viagens ao estrangeiro e na captação de players internacionais relevantes para a conferência ‘ Pensar a sustentabilidade na banca em Portugal responde também a um contexto internacional de mudança, no sentido de integrar as preocupações ambientais no sector financeiro. ’ da banca em Portugal?”, pergunta-se o administrador. A resposta está na parceria entre a FLAD e a Sustentare. Pensar a sustentabilidade na banca em Portugal responde também a um contexto internacional de mudança, no sentido de integrar as preocupações ambientais no sector financeiro. Os Princípios do Equador (PE), estabelecidos em 2003, consequência de um impulso dado pela International Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial, estabelecem directrizes sócio-ambientais para o sector, na área de project finance. Em Portugal, o BES e o Millenium BCP já aderiram. Apesar de dezenas de bancos de todo o mundo já o terem feito, o facto de os PE se aplicarem a investimentos em países fora da OCDE limita o seu alcance. Na União Europeia, aumenta o fluxo de regulamentação ambiental. Exemplos disso são as Directivas para a eficiência energética dos edifícios e para a promoção de co-geração (produção de electricidade e calor a partir de uma fonte energética). Destaca-se a Directiva da Responsabilidade Ambiental que, quando for transposta para as legislações nacionais, terá consequências práticas, nomeadamente na efectivação do princípio do Poluidor-Pagador. Esta e outras medidas, revelam que o ambiente será cada vez mais um factor económico a considerar. O inquérito foi fundamental para averiguar a consciência dos agentes de oferta e procura, em matéria de sustentabilidade. De acordo com a responsável pelo projecto, foi feito um cruzamento de expectativas, por um lado, dos consumidores, PME’s e grandes empresas e, por outro, da banca e das seguradoras. Isso deverá dinamizar o mercado». A dinamização do mercado depende, também, da criação de incentivos, nomeadamente ao nível fiscal. “Muitas vezes, os produtos que têm preocupações ambientais chegam ao consumidor mais caros. Uma maneira fácil de resolver isso é baixar o IVA dos produtos sustentáveis”, diz Sofia Santos, que não acredita em alterações de mentalidade por decreto: “No essencial, tem de ser o mercado a funcionar”. de Novembro, uma vez que o projecto reflecte tendências mundiais, promovidas pelo Banco Mundial e Nações Unidas e postas em prática por várias instituições bancárias do mundo inteiro. «A ideia é chamar para Portugal as tendências internacionais», afirma Sofia Santos. Charles Buchanan, administrador da FLAD vocacionado para as questões ambientais, considera que este projecto foi um grande desafio, por abordar de forma original esta temática em Portugal. “E a banca em Portugal? O que estávamos nós a fazer para estimular a consciência Um projecto aberto Este projecto levou a Sustentare a procurar parceiros e apoios. O BPN e a Soares da Costa são os dois patrocinadores desta iniciativa, «empresas que estão a começar a encarar a sustentabilidade internamente e não pela comunicação», o que foi considerado por Sofia Santos uma mais-valia. Mas não só em termos de financiamento a Sustentare procurou abrir-se ao exterior. A elaboração do documento guia sobre sustentabilidade no sector financeiro ficou a cargo de um Conselho Consultivo composto não só por técnicos desta empresa, mas também por representantes da Fundação Luso-Americana (FLAD), da Associação Industrial Portuguesa, da Associação Portuguesa de Bancos (APB) e da Quercus. Algumas destas instituições forneceram também apoio ao nível da concretização 52% dos consumidores afirmam que 70% da população portuguesa esta- Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 [Os consumidores e a sustentabilidade] as preocupações ambientais de um banco podem ser um factor de preferência sobre outro banco. ria disposta a procurar uma casa ecoeficiente se um banco lhe oferecer um spread mais atractivo. 59% da população portuguesa afir- 71% ma que mudaria de banco se este financiasse uma empresa poluidora. 13% da população portuguesa gostaria de ter mais informação sobre fundos socialmente responsáveis. 74% daqueles que investem em fundos, estariam dispostos a investir em fundos de empresas que têm preocupações ambientais e sociais na sua gestão. da população portuguesa estaria disposta comprar um carro híbrido se o empréstimo fosse mais barato. • Estes dados resultam do inquérito realizado pelo Centro de Sondagens da Universidade Católica a 1220 cons u m i d o r e s . E m c u r s o, n o â m b i to do projecto, está ainda o inquérito a 1200 PME, 100 gr andes empresa s, todos os bancos e seguradoras em Portugal. 25 AMBIENTE Quando o predador do oceano é a principal vítima Os tubarões são conhecidos como os predadores do oceano. Estão no patamar da cadeia alimentar no seu habitat. Mas são os humanos quem está a pôr em risco a existência submarina destes animais essenciais à conservação da fauna e flora de um ambiente tão desconhecido da maioria dos seres humanos. Por Sónia Lamy Barco de pesca no Pacífico 26 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 AMBIENTE Por ano são mortos cerca de 50 milhões de tubarões. O objectivo é a comercialização de produtos provenientes destes animais, com um valor elevado no mercado internacional. Várias organizações internacionais estimam que um terço das espécies esteja em vias de extinção. As barbatanas, a carne, o fígado e a pele deste predador têm utilidades várias para o homem. Cada espécie “vive ao seu próprio ritmo”, como explica Uta Bellion, directora de campanha da coligação de organizações não governamentais Shark Alliance [aliança cujo objectivo é a conservação dos tubarões]: “As diferenças entre os animais são enormes. De género para género de animal alteram-se muitas características deste seres que, apesar de assustadores para a maioria dos humanos, são extremamente sensíveis. Por exemplo, os tubarões têm sistemas reprodutivos muito diferentes das outras espécies.” E sublinha: “Têm períodos de gestação muito mais longos. Há tubarões que apenas engravidam de dois em dois anos.” João Pedro Correia, biólogo marinho do Oceanário de Lisboa, considera o desaparecimento desta espécie uma tragédia. E especifica: “Pode ser muito desastrosa a intervenção do homem. Nos anos 60 e 70, na Califórnia, a pesca desenfreada ao tubarão-branco foi tanta que a população de focas proliferou de forma descontrolada.” A extinção de uma espécie afecta todas as outras. “A população dos pequenos peixes, como a sardinha e a cavala, que fazem parte da alimentação do homem, tinha atingido números muito baixos.” De acordo com um estudo canadiano publicado na edição de Março da revista Science as populações de 11 tubarões de grande porte decaíram drasticamente nos últimos 35 anos. As espécies de peixe por eles caçadas aumentaram rapidamente. Por exemplo na costa atlântica dos EUA, a população da raia gavião-do-mar aumentou oito por cento, arrasando o número de vieiras disponíveis para captura. Só em Portugal são caçadas várias espécies de tubarão como o cação, o barroso, as tremelgas ou os tubarões-anjo apresentam indícios de sobreexploração. Segundo dados da FAO, organismo das Nações Unidas, os navios de pesca portugueses capturaram, em 2005, 15 360 toneladas de tubarões, com destaque para a tintureira (mais de metade do total). Este valor confere o terceiro lugar a Portugal na lista dos países europeus que mais tubarões pescam. Mas os números mundiais conseguem ser mais assustadores. Todos os anos o homem mata cerca de 77 000 toneladas de elasmobrânquios (tubarões e raias), Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 Na maioria são apenas capturados para abastecer o mercado asiático de barbatanas 27 AMBIENTE para fins comerciais, industriais ou meramente em actividades desportivas. Infelizmente a maioria são apenas capturados para abastecer o mercado asiático de barbatanas, sendo deitados ainda vivos ao mar depois de as retirarem. Uta Bellion lamenta que Portugal esteja no topo da lista dos países europeus: “Espanha e Portugal são os que mais tubarões pescam. A França, a Inglaterra também. Com menos relevância estão ainda a Alemanha e a Suécia… mas a situação mais preocupante é mesmo em Portugal e Espanha.” Só às lotas portuguesas de Sesimbra, Peniche e Viana do Castelo chegam entre cinco a seis mil toneladas de tubarões. Algumas espécies, como o anequim têm visto o seu valor comercial aumentar gradualmente. Como explica o biólogo, “o Descarregamento de barbatanas para venda 28 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 AMBIENTE Para Uta Bellion era importante arrancar já no próximo ano de 2008 com um plano estratégico para dar um primeiro passo, numa estratégia conjunta de recuperação e conservação da espécie que defende. Sopa chinesa de barbatana de tubarão anequim e a tintureira, peixes de superfície, são apanhados como pesca acessória do espadarte, não como pesca propriamente dita, enquanto espécies de profundidade como o barroso, a lixa ou o carocho são pesca acessória do peixe-espada preto.” Este é um dos grande problemas de que a dirigente da Alliance aponta, a não tributação desta pesca. Já que a maior parte dos tubarões capturados são pescas acessórias, não é sujeita às mesmas responsabilidades financeiras que a restante captura. “É preciso impor taxas, eles são muito valiosos. Se algo é capturado tem de ser pago, ainda mais em casos em que o produto é tão valioso, tanto do ponto de vista comercial como também ambiental.” A Shark Alliance, que se dedica à conservação dos tubarões, afirma que Portugal tem a possibilidade de assumir um papel de liderança na protecção da espécie. “O Governo português deve usar a sua influência para promover um plano de acção conjunto para garantir a conservação dos tubarões”, diz Bellion. E faz questão de referir que Portugal está muito bem colocado para conseguir “juntar a União Europeia em prol da recuperação destas espécies em risco e de liderança internacional”. O plano de acção deverá, de acordo com a Shark Alliance, garantir a recuperação das populações enfraquecidas de tubarões, restringir a pesca destas espécies, acabar com a prática da remoção das barbatanas de tubarão e proteger o habitat: “É muito importante pôr rapidamente em prática um plano comunitário de conservação dos tubarões. É importante estabelecer limites e impor regras mais rígidas na pesca do tubarão”, salienta a directora. CAPTURA Entre 1990 e 2003, o número oficial de tubarões capturados aumentou 22%. Os países da União Europeia apanharam cem mil toneladas de tubarões. COMÉRCIO A União Europeia é uma potência mundial no comércio global de tubarões. Em 2004, a Europa importou mais de 26 mil toneladas de carne de tubarão. Portugal, em 2006, importou três mil toneladas. A COSTA Curiosamente, na costa portuguesa, aparecem mais de 30 espécies de tubarão, incluindo o temido tubarão-branco, mas são praticamente inexistentes relatos de ataques. OS TUBARÕES Há várias teses sobre o número de espécies de tubarão. Dependendo também da maneira como se classificam existem entre 375 e 475 espécies de tubarões. E destas apenas cerca de 30 correspondem à imagem popular do tubarão. Sacos com barbatanas de tubarões Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 29 AMBIENTE Alterações climáticas Um assunto de todos Criar um centro de informação sobre as alterações climáticas e um espaço de debate que envolva especialistas e toda a sociedade civil no futuro combate a essas alterações – é esta a essência do Fórum Português Pós-Quioto (FPPQ), uma iniciativa da Euronatura. Por Clara Pinto Caldeira ©Lusa/Deutscher Wetter Dienst Para levar a cabo tão complexa missão, o Fórum desenvolve, até 2012, um conjunto de iniciativas visando o acesso à informação e a dinamização do debate público. O site www.forum-posquioto. org é a plataforma central. Aqui encontra-se informação permanentemente actualizada e um fórum de debate aberto a todos. A discussão organiza-se por áreas temáticas sobre as quais é fundamental reflectir, no sentido de encontrar formas de mitigação e adaptação às alte- rações climáticas em curso. Para isso, foram organizados grupos sectoriais de trabalho, formados por especialistas que, sobre cada área, produzem relatórios e estimulam o fórum, lançando tópicos de debate. Mesas-redondas e palestras abertas, bem como iniciativas em colaboração com escolas e municípios são outras formas de levar a questão das alterações climáticas a todos. O Fórum, a par da organização deste debate, faz o acompanhamento do Protocolo de Quioto (ver caixa) e das negociações em Bali. Os cenários para o pós-Quioto são ainda difíceis de prever, por dependerem de complexos factores políticos internacionais, nomea damente a mudança de Administração americana em 2008. É sobre isto que o Fórum se propõe manter o fluxo de informação activo e o debate vivo, Renato Roldão, presidente da Euronatura, explica: “O nosso trabalho é digerir a informação e torná-la acessível de forma mais fácil, incluindo notícias diárias sobre o que se está a passar e sobre as novas tendências. Há uma série de situações que é importante as pessoas irem percebendo e saber que no fórum podem consultar informação sobre alterações climáticas que têm implicações directas para a situação nacional”. Enquadramento institucional e apoios A Euronatura sentiu necessidade de realizar o Fórum, «até porque antes de Quioto, não houve nada no género», afirma Renato Roldão. Contaram, desde o primeiro momento, com a receptividade do Governo português que, quando contactado, mostrou vontade de realizar o mesmo esforço. Uma carta do Secretário Imagem de satélite do Serviço Nacional de Metereologia Alemão mostrando o furacão “Rita” na costa Sul dos EUA, sobre o Golfo do México, a 22 de Setembro de 2005. 30 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 AMBIENTE de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, reconhecendo o interesse público do projecto, abriu portas à angariação dos patrocínios necessários. Com parceria assegurada entre a Euronatura e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a Gulbenkian e a EDP assumiram o patrocínio da iniciativa, que arrancou com uma conferência inaugural a 31 de Janeiro deste ano, na Fundação Calouste Gulbenkian. A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), que se interessou desde o início pelo projecto, formalizou então o seu apoio, vocacionado sobretudo para os eventos exteriores à plataforma web, nomeadamente mesas-redondas internacionais e intercâmbio entre Portugal e os EUA. “A Fundação tem o desafio de oferecer, sempre que interessar ao parceiro português, contacto com os EUA”, defende Charles Buchanan. Prevêem-se outros apoios ao Fórum, da parte de algumas embaixadas de países que são, nesta matéria, players importantes a nível internacional, como a China, a Rússia e a Alemanha. Tal como diz Renato Roldão, «não podemos estar a desenvolver um fórum nacional e ignorar tudo o que se passa à volta». OUTRAS iniciativas Depois de ter sido realizada uma mesa-redonda em Julho sobre biocombustíveis, nas instalações da FLAD, o Fórum prevê a realização de outra conferência em torno do tema «residencial e serviços», ainda por agendar. Em Novembro teve lugar um evento especial, «Countdown to Bali», onde, entre outros tópicos, foi apresentado o índice ACGE (Alterações Climáticas e Gestão de Empresas) sobre o sector público, banca e seguros. Haverá, também, acções de dinamização do debate público na sociedade civil. A articulação com as escolas e os municípios faz parte de uma estratégia de divulgação da iniciativa, adequando localmente a comunicação ao público-alvo. «Por exemplo, numa sessão aberta no Porto falaríamos de residencial e serviços. No Algarve falaríamos sobre organização da orla costeira. No Alentejo, de práticas agrícolas e recursos hídricos». Estas iniciativas envolverão portanto, os diferentes grupos sectoriais por cada tema, procurando adequá-los às regiões. O balanço da participação no Fórum da Internet também exige novas medidas. «A adesão ao Fórum ainda não é muito grande, as pessoas vão participando gradualmente», conta Renato Roldão. O recurso a um jornal de grande circulação gratuito será uma forma de passar informação de forma simples e de divulgar o site, aumentando assim os índices de participação. “A maior dificuldade é identificar o tom das mensagens para cada um dos públicos, porque há pessoas com um nível de conhecimento muito diferenciado. Não pretendemos hierarquizar a comunicação, mas antes esbater barreiras no fluxo de informação. É importante comunicar de cima para baixo e de baixo para cima”, explica o presidente da Euronatura. Em 2012, a apresentação de resultados do Fórum à administração portuguesa deverá integrar recomendações para o período pós-Quioto e reflectir da forma mais consensual possível a participação da sociedade portuguesa numa questão que a todos diz respeito. Os consumidores e a sustentabilidade Em 1992, vários países aderiram à Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, com vista à redução do aquecimento global. Em 1997, o Protocolo de Quioto estabeleceu compromissos para os países do Anexo I (países desenvolvidos), para a redução global de emissões de gases em 5%. As negociações ganham um novo fôlego nos acordos de Marraquexe, em 2001, que estabeleceram regras detalhadas para a implementação de mecanismos concretos. Em Fevereiro de 2005, após a ratificação do Protocolo por parte da Rússia, alcança-se o consenso entre países responsáveis por mais de 55% das emissões mundiais, e o Protocolo entra em vigor. Até agora, 175 nações ratificaram o Protocolo de Quioto, entre as quais Portugal. Para atingir os níveis estabelecidos para o período de 2008-2012, cada país tem ao seu dispor o desenvolvimento de políticas e medidas nacionais, o comércio internacional de emissões, a implementação conjunta de projectos eco-eficientes e os mecanismos de desenvolvimento limpo (contribuição para a redução da emissão de gases nos países fora do Anexo I). Mais informação em www.un.org/climatechange/ [O que é a Euronatura?] A Euronatura – Centro para o Direito Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável – é uma organização sem fins lucrativos fundada em 1997 especializada em investigação sobre ciência, política e direito do Ambiente, vocacionada para matérias internacionais e para a criação de redes com instituições em todo o mundo. Alterações climáticas, Águas Internacionais, Economia e Ambiente, Acesso à Justiça Ambiental são as suas principais áreas de intervenção, em vários projectos. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 No âmbito da comemoração do seu décimo aniversário, a Euronatura planeia organizar uma semana de conferências com Jeffrey Sachs, director do Earth Institute da Columbia University (EUA), mobilizando vários especialistas nacionais e internacionais. Esta iniciativa, prevista (não confirmada) para Maio de 2008, poderá constituir mais um contributo para o Fórum. Mais informação em www.euronatura.pt 31 SOCIEDADE REPORTAGEM Na lei e nos corações rui ochôa Propostas de integração dos imigrantes 32 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 SOCIEDADE A análise e a discussão de medidas contra a discriminação dos imigrantes e de promoção da diversidade nos mercados de trabalho juntaram especialistas de todo o mundo no auditório da FLAD Por Elisabete Vilar “Abrindo [à imigração] as portas, os olhos e as práticas conseguiremos persuadir as pessoas, na mente e no coração, de que a diversidade é positiva”. A exortação do belga Michiel van der Voorde resume bem o tom das intervenções no seminário da Organização para a Coope ração e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre a Integração de Imigrantes no Mercado de Trabalho, que a FLAD acolheu. A iniciativa, contando com a presença, para além dos delegados dos países da OCDE, dos ministros da Presidência e do Trabalho e da Solidariedade Social portugueses bem como de peritos do sector, procurou identificar por que motivo algumas respostas aos desafios das migrações funcionam e outras não; como promover a tolerância e a diversidade no seio dos países da OCDE e como garantir que os imigrantes têm as competências e o capital humano necessário para que o processo funcione. O encontro viveu assim da partilha de diferentes experiências e propostas de diversos organismos e especialistas neste âmbito, embora parte destas informações esteja também a ser reunida em estudos que estão a decorrer em diferentes países, entre os quais Portugal, conforme anunciado. Van der Voorde apresentou o programa belga de promoção da diversidade no mercado de trabalho, que aposta na sensibilização e informação, na articulação das políticas e programas destinados ao sector e num equilíbrio entre sanções e benefícios. Na mesma sessão, dedicada à luta contra a discriminação, Lena Schröder, da Suécia, mencionara já que as manifestações de racismo, xenofobia, rejeição ou resistência ao “outro” são um problema de estereótipos, bem arreigados nas representações sociais, não sendo por isso fáceis de eliminar apenas criando leis. Exemplificando, Schröder lembrou que os empregadores revelam muitas vezes preferência por nomes suecos e reserva face a nomes de origem estrangeira. E que as taxas de sucesso no mercado de trabalho de filhos adoptados por suecos é maior naqueles que têm uma “aparência europeia”. Esta especialista sugere, entre outras medidas, que os Estados detenham um retrato do verdadeiro perfil dos imigrantes para que deixem de imperar ideias preconceituosas. Van der Voorde enunciou a concessão de subsídios a empresas que reservem vagas para trabalhadores de certos grupos-alvo, entre os quais migrantes. 66 por cento dos portugueses consideram que os imigrantes contribuem muito para o desenvolvimento de Portugal, sendo este o segundo valor mais alto detectado pelo Eurobarómetro na União Europeia (UE). O anúncio foi feito no seminário da OCDE pelo ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, que concluiu estarem assim criadas condições favoráveis ao acolhimento e integração de imigrantes em Portugal. O governante, que rematou o encontro, sublinhou que a presidência portuguesa da UE foi intensamente marcada pelo tema da imigração, com as diferentes cimeiras (Brasil, Mediterrâneo e África) e outros eventos. “Portugal traz para a sua política de imigração o que aprendeu na sua experiência como país que emigrou. Não queremos nada menos para os nossos imigrantes daquilo que exigimos para os nossos emigrantes”, disse. Já no painel de abertura, Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, identificando os grandes três fluxos migratórios para Portugal, oriundos dos PALOP, do Brasil e do Leste europeu, sublinhara que um bom acolhimento de imigrantes se contava entre os sinais de “grande progresso cívico e civilizacional”. Portugueses dão nota positiva aos imigrantes Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 33 ©Lusa/ Paulo Cunha SOCIEDADE © Lusa/J. Leiria Contudo, nem todas as medidas eficazes num contexto servem para outro. Por exemplo, a britânica Kay Hampton, da Comission for Racial Equality do Reino Unido, recordou que no seu país não podem ser aplicadas medidas de discriminação positiva, De qualquer modo, sublinhou, “a legislação é importante, mas os corações também têm de ser tocados”. Não é só a sociedade de acolhimento que deve adaptar-se aos trabalhadores que chegam de fora: eles também devem ter os meios para a sua integração. Nos painéis da manhã, havia-se discutido precisamente o reconhecimento e melhoria do capital humano dos migrantes e as ajudas de que podem dispor no acesso ao mercado de trabalho. Steve Davis, da Austrália, e Elizabeth Ruddick, do Canadá, dois países “construídos” por imigrantes, alertaram para a importância do reconhecimento e certificação das credenciais educacionais e laborais dos imigrantes e da aquisição de competências específicas para melhor desempenho de funções, como o ensino da língua centrado na profissão. Rebeca Traldi à janela de sua casa um mês depois de ter chegado a Vila do Rei no grupo das quatro familias de brasileiros que imigraram para Portugal para povoar o Concelho, em Maio de 2006. Dagmar Feldgen, da Alemanha, louvou os benefícios de uma abordagem individualizada dos trabalhadores e de uma acção concertada de todos os sectores sociais. E o francês Patrick Aubert referiu o papel que os sindicatos podem ter na mediação entre o trabalhador imigrante e o mercado de trabalho. FLAD investe na imigração Em 1995, a FLAD iniciou um programa de apoio à investigação na área da imigração – projecto no qual se insere o acolhimento de eventos internacionais, como o seminário da OCDE – tendo integrado o programa Metropolis International, constituído por equipas de investigadores sobre migrações de 20 países. O relevante papel da fundação neste âmbito levou o ministro Silva Pereira a afirmar que a FLAD “tem sido muito mais do que um apoio logístico – é um activista das boas práticas em matéria de imigração e de direitos fundamentais”. Primeira página do Notícias de Leiria com manchete em russo de apelo dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras portugueses para a legalização. 34 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 FUNDAÇÕES Mais cooperação entre fundações O papel e cooperação das fundações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) nomeadamente no apoio a organizações da sociedade civil e execução dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, como o combate à pobreza e auxílio à inclusão social e, ainda, a contribuição para a consolidação da paz e democracia, foram os temas debatidos no 4º Encontro de Fundações de Língua Portuguesa, em Luanda. A próxima reunião será em Maputo, a convite da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade Por Mónica Ferreira O encontro, que contou com a Fundação Sagrada Esperança (Angola) como anfitriã, serviu para Afonso Van-Dúnen “MBinda”, embaixador e presidente da referida instituição, realçar o papel das Fundações na construção e consolidação da democracia. Também Emílio Rui Vilar, Presidente do Centro Português de Fundações, traçou um quadro geral das questões actuais da filantropia e da intervenção das fundações num contexto internacional em mudança. Após dois dias de debate, entre mais de 30 Fundações de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, ficou decidido que é importante continuar a assumir a língua portuguesa como um património comum inalienável e como factor facilitador de desenvolvimento em todas as suas áreas de actuação. Para as Fundações ali reunidas, num mundo globalizado e multipolar, a valorização e a promoção de abordagens mulParalelo n.o 1 | INVERNO 2007 tilaterais e em rede são vistas como as únicas estratégias que poderão ser utilizadas para responder às grandes questões à escala global. Perante tal questão, as Fundações comprometeram-se a reforçar a sua capacidade de estabelecer redes e parcerias de modo a conseguir melhorar a troca de experiências e o entendimento tanto entre si como na sociedade civil em geral, através da criação de um Blogue ou de um Website, com o apoio da Fundação Portuguesa das Comunicações. Concluiu-se, também, que é necessário reconhecer nas Fundações um papel mais activo na difusão do conhecimento sobre as causas dos problemas sociais bem como na identificação de eventuais soluções e no lançamento de projectos educacionais e sociais que possam contribuir para a inclusão e o desenvolvimento humano. A FLAD, representada neste encontro por Rui Machete, Charles Buchanan e Fátima Fonseca, vem, desde o ano 2000, a con- ceder bolsas para estudos superiores em Portugal a estudantes oriundos dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Esta iniciativa que já se estendeu a outros países como Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, faz com que estejam actualmente em Portugal 17 bolseiros a frequentar licenciaturas como Sociologia, Economia ou Gestão. Porém, não é só na área da Educação que a FLAD tem mostrado um papel activo junto dos PALOP. Têm sido desenvolvidos programas na área da saúde e de maior cooperação universitária (realização de cursos de mestrado e doutoramento nos PALOP). Mais recentemente, a FLAD uniu-se ao National Institutes of Health dos EUA na luta contra o VIH/Sida, a Tuberculose e a Malária que resultará na criação de um conjunto de acções e programas concretos para serem desenvolvidos nesta área. 35 OPINIÃO PÚBLICA Europeus mais atentos ao aquecimento global Dependência energética preocupa americanos Mais de metade dos portugueses vêem uma parceria entre a Europa e os EUA como a solução mais eficaz para combater ameaças internacionais, revela o Transatlantic Trends 2007. O objectivo do estudo é avaliar as relações transatlânticas. Por Andreia Aparício Relações Transatlânticas, que futuro? Cerca de 35% dos europeus pensam que as relações transatlânticas vão melhorar e 45% que se vão manter iguais. Os americanos mostram-se mais optimistas, 42% acreditam que as relações vão progredir depois das eleições de 2008 independentemente do Presidente eleito e 37% pensam que vão ser iguais. Questionados sobre qual o factor principal que conduziu ao declínio destas relações, 38% dos europeus responderam a gestão da guerra do Iraque por parte dos EUA, contra 34% que responderam o Presidente Bush propriamente dito. Os europeus foram questionados sobre Bush e os EUA. Os resultados são conclusivos, 77% dos europeus reprovam o Presidente Bush e as suas políticas. O estudo revela que apesar das ideias que os europeus têm dos EUA serem influenciadas pelas opiniões sobre as políticas de Bush, estes distinguem os EUA enquanto país do Presidente Bush. 36 Ameaças externas preocupam os dois lados do Atlântico Europeus e americanos na sua maioria, pensam que mais esforços devem ser reunidos para que o Irão não obtenha capacidade nuclear. Quase metade dos americanos considera que se o aumento da pressão diplomática falhar, a força mili- Medidas de segurança reforçadas no aeroporto de Fiumicino, Roma ©Lusa/EPA-STR Para europeus e americanos, aquecimento global, dependência energética e terrorismo internacional são as ameaças globais mais prováveis. Contudo, o estudo mostra que os europeus estão mais preocupados com o aquecimento global e os americanos ficam mais apreensivos face à dependência energética. Mais de 50% dos portugueses afirmam que a Europa deve assumir maior responsabilidade pelas ameaças globais em conjunto com os EUA. França e Eslováquia são os países da UE que pensam que a Europa deveria tratar das ameaças globais independentemente dos EUA. tar deve manter-se, mas só 18% dos europeus concordam com a opção militar. Europeus e americanos (64%) concordam com a utilização das tropas para a reconstrução do Afeganistão. Mais de 70% dos portugueses apoiam o envio de tropas para a reconstrução do Afeganistão. Quase 70% dos americanos pensam que as tropas devem combater os Taliban e apenas 30% dos europeus aprovam a ideia. Os dois lados do Atlântico mostram-se reticentes face à Rússia. Mais de metade dos europeus estão preocupados com o fornecimento de energia e 75% dos americanos dão mais atenção ao enfraquecimento da democracia russa. Europeus (48%) e americanos (54%) vêem a China com receio, encarando-a como uma forte ameaça económica. O Transatlantic Trends apurou que mais de metade dos portugueses é da mesma opinião. O estudo conclui que os portugueses estão preocupados com a concorrência económica chinesa e com as ameaças globais e apoiam as missões de manutenção de paz. O estudo Transatlantic Trends, é um projecto do German Marshall Fund of the United States e da Compagnia di San Paolo em Turim que questiona cidadãos norte-americanos e de doze países europeus, avaliando as relações transatlânticas. A Fundação Luso-Americana é a instituição portuguesa que apoia esta sondagem internacional. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 CARTA BRANCA O susto Bárbara Reis Estou sentada a trabalhar, concentrada apesar da confusão e disponibilizam factos e informação concreta (segundo na rua. Li os jornais, falei com Lisboa, fiz telefonemas, espanto), que ouvem os gravadores (já no reino do incrível) deixei recados e agora estou a escrever. Uma manhã igual e que, ainda por cima, respondem por sua própria iniciaà de ontem. tiva aos nossos pedidos (totalmente bizarro). Também estou a escrever mais do que uma notícia ao Está tudo explicado: entre os vários telefonemas desta mesmo tempo, como ontem. A técnica é universal, mas manhã, um foi para o gabinete de imprensa da CIA. os jornalistas (e os cozinheiros) conhecem-na bem: estou Depois de falar com a agente americana pousei o telenum texto e recebo um telefonema que me faz ir para fone, lembrei-me do meu primeiro dia em Nova Iorque, outro que estava em repouso. Regresso ao primeiro e vem quatro anos antes, e dei uma gargalhada. De alívio, só pode outra resposta, de novo pelo telefone, e mudo uma vez ter sido. mais de tema para rever o terceiro, e assim a manhã voa. Depois de falar com a agente americana pousei O telefone não pára de tocar, é sempre assim em Nova Iorque. Um editor de o telefone, lembrei-me do meu primeiro dia Lisboa, um colega, um amigo, uma fonte em Nova Iorque, quatro anos antes, e dei uma americana, alguém a responder a uma mengargalhada. De alívio, só pode ter sido. sagem que deixei num gravador, o senhor da lavandaria, um convite para logo à noite Porque o primeiro momento, lembro-me bem, é de e, chamada-sim-chamada-não, um vendedor a empurrar susto. “Estou sozinha e agora já está: sou correspondenuma “novidade”. te em Nova Iorque.” Por onde é que começo? A ONU O telefone toca mais uma vez. é exactamente onde? E o New York Times? Como arranjo – Sim... fontes nesta cidade louca? Qual das dez notícias do dia, – Bom dia, é da Central Intelligence Agency. todas importantes, escolho escrever? Vejo o debate no – ... (fiquei muda, é da quê?) – Fala da CIA (ela leu o meu pensamento, uma mulher Congresso ou escrevo sobre a ex-namorada de Salinger, o escritor-eremita, que revelou mais pormenores íntimos inteligente) Da CIA? O que é que eu fiz? Paguei os impostos e não sobre ele do que eu sei sobre mim própria? Há horas revelei nada do que me contaram há dias no elegante e sentada no chão a recortar jornais, pouso a tesoura e penso: “Não vou conseguir.” Foi assim no primeiro reservado Harvard Club. – Fala da CIA, retomou a voz. – Ligou esta manhã... Estou dia. Hoje, 1460 manhãs depois, sei que em Nova Iorque a responder à sua mensagem. Em que posso ajudá-la? Pois. Ao fim de 1460 manhãs iguais a esta, ainda subs- tudo é possível. Até conseguir. timo a eficácia americana. Nos Estados Unidos, os jornalistas têm interlocutores (primeiro espanto), que sabem coisas A autora foi correspondente do Público em Nova Iorque entre 1995 e 2000. ‘ ’ Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 37 PORTUGAL/EUA António Vicente (FLAD), João de Vallêra (embaixador de Portugal em Washington), Nélia Alves (jornalista) e Phillip Rapoza (Juiz). Comunidade luso-americana tem de aceder ao ensino e envolver-se na política Primeira conferência bianual do Portuguese-American Leadership Council of the United States foi em Washington DC. Por Rita Siza* “Qual é o problema de pregar aos convertidos?”, perguntava Maria Ricardo, depois da apresentação das conclusões da primeira Conferência Nacional das Comunidades promovida pelo Portuguese-American Leadership Council of the United States (PALCUS), em Washington DC. Não foi exactamente uma síntese das intervenções dos diferentes oradores, mas mais um apelo à participação política e cívica dos luso-americanos e a um maior investimento na educação superior e formação profissional. “Há aqui muita gente que vem defendendo isso mesmo há anos. Mas a mim não me importa que repitam a mensagem. Afinal, é preciso começar por algum lado”, resumia Maria Ricardo. Talvez por isso, o novo presidente da PALCUS, John Bento, quis começar por 38 convidar uma série de personalidades cuja experiência permite reflectir sobre os desafios que se colocam à comunidade lusoamericana e cujo percurso pode servir de exemplo – congressistas, professores universitários, empresários, jornalistas; todos eles falaram sobre as respectivas carreiras, problematizando o papel e a importância da sua ascendência portuguesa. “A comunidade luso-americana ainda enfrenta uma série de problemas críticos para o seu desenvolvimento enquanto grupo étnico nacional. O que queremos é identificar, discutir e encontrar soluções para esses problemas”, justificou John Bento, dirigindo-se a uma assistência de mais de uma centena de pessoas, vindas de diferentes estados americanos e ainda do Canadá. O antigo congressista da Califórnia, Richard Pombo, falou dos seus tempos no Capitólio – onde, assinalou, trabalham muitos portugueses –, e recordou assuntos como a dupla-tributação das empresas americanas e portuguesas ou da construção de edifícios permanentes na base das Lajes para ilustrar a importância crítica da organização política das comunidades. “Se não participarem politicamente, deixarão um vazio que inevitavelmente será ocupado por outros”, avisou. Maria Ricardo é das que está perfeitamente convencida dos resultados que podem ser obtidos com a organização e o envolvimento cívico das comunidades: foi pela acção do Portuguese-American Forum de Santa Clara, na Califórnia, que se conseguiu negociar a inclusão da RTP Internacional Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 PORTUGAL/EUA ‘ ’ Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 Da importância da língua portuguesa PALCUS responde a George W. Bush “Muito ofensivo”, foi como o PALCUS, representando mais de um milhão de portugueses que vivem nos Estados Unidos, considerou a declaração do Presidente norte-americano de que o ensino do português era um “projecto inútil”. Através de uma carta aberta, assinada pelo presidente do PALCUS, John Bento, os portugueses reagiram com surpresa às declarações de George W. Bush, numa visita a New Albany, Indiana. Até porque o ensino das línguas estrangeiras é considerado pelo Governo americano “uma componente essencial, para segurança nacional dos Estados Unidos no pós-11 de Setembro (...)”. Enquanto uma das línguas mais faladas no mundo, sendo a mais falada na América do Sul e a maior língua franca em África, o português tem um papel fundamental para a comunicação global e desenvolvimento económico e político, sublinha a carta da PALCUS. S.P. Fernando Rosa (director do PALCUS), Ângela Costa (directora), Carlos César (presidente do Governo Regional dos Açores) e John Bento (presidente do PALCUS). António Oliveira na oferta dos canais de cabo do condado. contraditório com a sua trajectória: não O fórum integra agora o Portuguesepodemos nunca esquecer como aqueles -American Citizenship Project, que promo- que deixaram tudo para vir para cá estave acções de naturalização e cidadania, vam a assumir o maior risco das suas registo de eleitores e informação eleitoral. vidas”, assinalou Phillip Rapoza. Para o professor Onésimo Almeida, da Como se consegue, então, passar de um Universidade de Brown, em Rhode Island, estádio para o outro? Com organização e a chave para a dinamização social e polí- informação, por exemplo, “fóruns na intertica da comunidade luso-americana está net, seminários e workshops”, respondeno acesso à educação. “A solução é o ensi- ram uns. “Com um maior investimento nas no. É preciso ter gente nas universidades. acreditações para o ensino do português Nas melhores”, defende. nas escolas”, sugeriram outros. E também, É preciso, como sublinhou Phillip acrescentaram outros, “com um maior Rapoza, Chief Justice do Tribunal de envolvimento institucional de Portugal”. Apelações do estado do Massachusetts, ultrapassar o antigo ambiente entre a A comunidade luso-americana ainda comunidade portuguesa que, de enfrenta uma série de problemas maneira geral, concríticos para o seu desenvolvimento siderava que “ir para a universidade enquanto um grupo étnico nacional. não valia a pena porque se ia acabar a trabalhar nas No encerramento dos trabalhos, o Pre fábricas, e se se queria estudar não valia a pena candidatar-se às melhores univer- sidente do Governo Regional dos Açores, sidades porque não se ia conseguir entrar, Carlos César, congratulou a PALCUS pela e se se conseguia não valia a pena pedir sua “acção engajada na representação da bolsas porque não se ia passar porque os comunidade luso-americana” e insistiu na portugueses eram uns preguiçosos…”. necessidade de “reforçar a capacidade e o A questão, como notavam vários dos par- peso político dos portugueses nos Estados ticipantes, é ultrapassar os estereótipos que Unidos”. “Ser português nos Estados ainda abundam entre as diferentes “vagas” Unidos não quer dizer que nos preocupade imigrantes chegados de Portugal. Como mos apenas com o nosso bairro ou com as aqueles com que se confrontou Deolinda notícias que vêm de Portugal”, disse. Adão, que depois de emigrar na década de 70 teve de enfrentar a oposição paternal *jornalista do Público, correspondente nos Estados Unidos perante o seu desejo de prosseguir estudos ao nível universitário. “O meu pai dizia que eu devia era casar-me, arranjar um emprego e esquecer os estudos”, lembra. Que foi o que fez, regressando ao ensino depois de ter criado os filhos – actualmente, Deolinda Adão trabalha no seu Ph.D e coordena o programa de Estudos Portugueses na UC Berkeley, Califórnia. Trinta anos depois, Deolinda ainda se depara com as mesmas resistências. Aconteceu recentemente, quando aconselhava um estudante a candidatar-se a uma universidade, e foi recriminada pela mãe do aluno. “Mas quem é que a senhora julga que é para vir desencaminhar o meu filho?” Apesar das anedotas, os diferentes oradores manifestaram um relativo optimismo com os progressos alcançados. “Acredito que estamos na direcção certa. O único problema é que, às vezes, a nossa comunidade não está muito disposta a assumir desafios, o que é completamente 39 Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL #3155 PORTUGAL/EUA Quando Fernando Pessa dava voz ao Plano Marshall “Em 12 horas três homens produzem três sapatos”. Com máquinas, em “12 horas, três homens conseguem produzir nove sapatos”. E as máquinas “criam novos empregos”, salários mais altos e melhor nível de vida. A voz é de Fernando Pessa e vamos vendo cada vez mais sapatos no ecrã com os mesmos homens ao lado. Estamos em 1951 e este é um dos filmes visto em Portugal no quadro do apoio do Plano Marshall. Por Helena Garrido Produzido pela “United States Information Service” vamos vendo e ouvindo as vantagens da mecanização. “Da charrua” puxada por animais ao arado mecânico, da ceifa manual à mecanizada, “do fuso aos teares mecânicos”, da “água do poço à água da torneira”. E vão-se sucedendo imagens de mulheres e homens, ganhando qualidade de vida com este desenvolvimento, num filme a preto e branco em espaços impecavelmente organizados. Este foi um dos filmes exibidos na iniciativa promovida pela Fundação Luso-Americana (FLAD), marcando o 60º aniversário do Plano Marshall, e na qual participaram o então embaixador dos EUA em Portugal Alfred Hoffman, o presidente da instituição Rui Machete e a historiadora Maria Fernanda Rollo que dedicou a sua tese de doutoramento à aplicação desse programa a Portugal. Uma demonstração inequívoca de que Portugal, ainda que o tenha rejeitado na primeira fase, obteve auxílio financeiro do “Programa Carregamento de automóvel de fabrico inglês para exportação. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 de Recuperação da Europa” que a história acabou por designar Plano Marshall em homenagem a quem lançou a ideia. Todos os países da Europa Ocidental, com excepção da Espanha, beneficiaram das verbas do Programa anunciado pelo secretário de Estado do Tesouro norte-americano George C. Marshall a 5 de Junho de 1947 na Universidade de Harvard. Nesse dia nasceu o Plano Marshall, que oferecia apoio a todos os países da Europa atingidos pela II Guerra Mundial mas que apenas foi aceite pelos países ocidentais. Portugal não tem uma estratégia linear em relação ao Plano Marshall. Primeiro recusa o auxílio ainda que participe nas negociações e instituições. Um ano mais tarde, em 1948, Oliveira Salazar muda de ideias e candidata-se ao auxílio financeiro. Mas regressa à posição inicial de recusa no terceiro e último exercício do Plano (1950-1951). Em 1947 o governo de Oliveira Salazar participou nas negociações entre os países europeus e os Estados Unidos para formalizar o Plano Marshall. De tal forma que em 1948 Portugal torna-se mem- 41 PORTUGAL/EUA bro fundador da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE, hoje OCDE), a instituição com sede em Paris criada para garantir uma das condições impostas pelos norte-americanos: que os países europeus gerissem solidariamente e em conjunto com os EUA as verbas de apoio financeiro à Europa destruída pela II Guerra Mundial. Portugal recusa formalmente assistência financeira a 22 de Setembro de 1947, quando os “dezasseis” (a Alemanha só beneficia mais tarde do Plano) assinam o documento que sintetiza a situação económica e social dos seus países. O ministro português dos Negócios Estrangeiros José Caeiro da Mata protagoniza aí a recusa. O próprio ministro português das Finanças Costa Leite escreve, num parecer citado pelo Dicionário do Estado Novo, que se Portugal “orientar devidamente” o seu “comércio externo” não tem necessidade de “enfileirar no número dos ‘famintos do dólar’”. Manter a política externa que seguia antes da guerra, orientada para o Brasil, Espanha, Reino Unido e colónias africanas; uma atitude desconfiada em relação aos Estados Unidos e de cepticismo quanto às possibilidades de cooperação europeia, bem como uma perspectiva optimista da situação económica justificam, segundo historiadores como Maria Fernanda Rollo, esta recusa inicial do Plano. Mais recente- mente é ainda apontada como razão o “ouro nazi” que Portugal acumulou durante a Guerra. A ameaça norte-americana de suspender as ajudas à Holanda, por esta resistir em conceder a independência à Indonésia, é igualmente um acontecimento que poderá ter pesado na decisão inicial de Salazar. Receios e equilíbrios de Salazar Menos de um ano depois Portugal muda de posição. A 20 de Julho de 1948 Oliveira Salazar disponibiliza-se a aceitar a ajuda norte-americana. Em Novembro desse ano é apresentado um programa para obter ajudas no montante de 625 milhões de dólares até 1952. A degradação da situação económica é um dos factores determinantes para esta mudança, considerada por Maria Fernanda Rollo como “uma das mais significativas alterações da política externa portuguesa conduzida pelos governos de Oliveira Salazar”. O “Programa de Recuperação da Europa” transferiu para Portugal uma verba que “rondou os 90 milhões de dólares, 600 milhões de euros em valores actuais, durante 12 a 18 meses, o que correspondeu a 25% da formação bruta de capital fixo nesse período”, afirma Maria Fernanda Rollo. Recursos reduzidos mas que, afirmou no evento na FLAD, permitiram Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL #179 Famílias inteiras participaram na reconstrução de Berlim. 42 “ultrapassar uma crise económica, social e cultural”. Professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a tese de doutoramento de Maria Fernanda Rollo é sobre este tema e está editada no livro Portugal e o Plano Marshall1. “Em 1948 e 1949 o défice externo foi enorme o que suscitou preocupação” ao governo de Salazar, salienta a professora investigadora da UNL e membro do Instituto de História Contemporânea. De acordo com dados do Banco de Portugal, o défice externo em 1948, medido pela Balança de Transacções Correntes, atingiu pouco mais de quatro milhões de contos, o que correspondia a 166 milhões de dólares ao câmbio da altura2. O auxílio financeiro global, ainda que muito inferior ao solicitado, correspondeu a mais de metade deste desequilíbrio externo. António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Uni versidade de Lisboa – e que coordenou um livro com Nuno Severiano Teixeira, actual ministro da Defesa, sobre a posição de Portugal na Europa de 1945 a 1986 (ano da adesão) –, defende que a decisão de Salazar tem, além da dimensão pragmática determinada pelo défice externo, motivações políticas relacionadas com a defesa das colónias. Toda a política do regime salazarista após a II Guerra Mundial estava focada no combate à descolonização, diz, questionado por nós. Os Estados Unidos, pelo contrário, faziam grande pressão sobre os países europeus para a autodeterminação das colónias, gerando em Salazar grande desconfiança. A convicção de que, tal como se verificou com a integração na NATO, poderia defender melhor as colónias africanas dentro das instituições poderá ter igualmente pesado na participação no Plano Marshall. Ainda hoje alguns acreditam que Portugal não beneficiou do Plano de recuperação da economia europeia lançado pelos Estados Unidos, o que pode ser o reflexo do modelo seguido pelo regime de Salazar na divulgação do Plano. Jacinto Nunes, ex-governador do Banco de Portugal e ex-presidente do conselho directivo da FLAD, salientou esse aspecto na iniciativa que marcou os 60 anos do Plano. Maria Fernanda Rollo testemunha igualmente que, durante a sua investigação, encontrou quem não acreditasse que Portugal tivesse beneficiado do Plano. Por nós questionado, António Costa Pinto admite que esta convicção se terá instalado não apenas porque Portugal beneficiou só da segunda fase do programa, mas tamParalelo n.o 1 | INVERNO 2007 Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL# 3067 PORTUGAL/EUA bém porque a oposição ao regime de Salazar cultivou a imagem de isolamento do país. “O que não corresponde à verdade”, já que Portugal integrou-se nas instituições criadas na época, como a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a OECE. O isolamento de Portugal é menos marcado que o da Espanha de Franco. O presidente da FLAD, Rui Machete, no encontro na FLAD, considerou que “Salazar foi prudente e negativo, receoso de novas ideias que pareciam perigosas, mas acabou por ser influenciado por pessoas mais abertas”. Mais importante que o valor das ajudas, diz, o relevante para Portugal foi o que a participação no Plano “permitiu em termos de novas ideias e no campo económico e dos investimentos públicos.” A dimensão da assistência financeira foi limitada mas o Plano Marshall teve em Portugal, esta é a visão unânime dos autores que estudaram esta matéria, um efeito intangível de modernização das mentalidades. Em Roterdão, descarga de trigo fornecido pelos EUA "para a reconstrução europeia", como dizem os cartazes. Alfred Hoffman Jr. As virtudes de ajudar em cooperação 1 O que aprendemos com o Plano Marshall? Aprendemos que, trabalhando em conjunto, podemos estender os mesmos princípios e resultados em termos de oportunidades económicas e liberdade a outros países do mundo devastados, com populações que sofrem em África, Médio Oriente. Eles precisam de ajuda. Nós devemos Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 Um modelo inspirador da CEE As verbas norte-americanas serviram para importar trigo mas foram igualmente investidas na construção de infra-estruturas e na aquisição de equipamentos. Os actuais mecanismos de transferência da União Europeia (UE), salienta Maria Fernanda Rollo, têm semelhanças com os procedimentos exigidos por Washington. Os países tinham de participar com verbas e o programa de apoio era controlado e gerido pela “Economic Cooperation ajudá-los. Actualmente a UE e os Estados Unidos devem trabalhar em conjunto para atingir esses objectivos. 2 Pensa que é possível aplicar uma espécie de Plano Marshall no Médio Oriente? 3 Considera que o Plano Marshall contribuiu para a criação da União Europeia? A União Europeia e os Estados Unidos têm ajudado essa região. Talvez essa cooperação pudesse ser mais formal para atingir esses objectivos de recuperação e desenvolvimento. Com toda a certeza. Assegurou as capacidades das populações para recuperarem da guerra. Sem o Plano Marshall a União Europeia far-se-ia na mesma, mas levaria mais uma geração, a construção europeia seria mais lenta. 43 PORTUGAL/EUA A Produtividade explicada às crianças “O representante da ECA [‘Economic Cooperation Administration’] em Portugal dizia para Washington que mais de metade da população era iletrada e não existiam rádios nas cidades pequenas”, revela Maria Fernanda Rollo. “Para se chegar ao homem da rua a estratégia tinha de ser, por isso, outra” o que passou pela produção de filmes, alguns vindos da Irlanda. Fernanda Rollo diz ainda que chegaram dos “Estados Unidos projectores portáteis” que permitiram “realizar tournées” no país. A imprensa e a rádio contribuíram igualmente para a divulgação do Plano, com mais de cem notícias por dia e programas na Emissora Nacional, segundo Fernanda Rollo. Tal como o Plano Marshall chega a Portugal um ano depois do que se verificou no resto da Europa, também “a 44 publicidade e propaganda foi tardia por comparação com outros países e com um modelo semelhante ao da Irlanda”, afirma a professora e investigadora da Uni versidade Nova. A campanha foi fundamentalmente dirigida às elites e empresários e focada nas vantagens da produtividade, um conceito novo para os portugueses. Salazar enviou dois técnicos aos Estados Unidos para, entre outros aspectos, se familiarizarem com o conceito de produtividade, revela Fernanda Rollo. A preocupação era que a subida da produção por trabalhador desencadeasse o encerramento de empresas. Fernando Pessa fazia a dobragem dos filmes que vinham dos EUA e de outros Courtesy of the George C. Marshall Research Library, Lexington, Virginia. GCMRL # 923 Administration” (ECA) que partilhava com o Departamento de Estado a responsabilidade pela definição das prioridades políticas, conforme escreve Michael Hogan, professor de História da Universidade de Iowa, numa publicação da Administração norte-americana. Uma das orientações políticas baseava-se nos princípios de “auto-ajuda, apoio mútuo e responsabilidade partilhada”, afirma Michael Hogan. A Administração Truman, incluindo o próprio Marshall, insistiram que os países europeus se coordenassem entre si. É por isso que nasce em 1948 a OECE, actual OCDE, com sede em Paris, a capital europeia do Plano Marshall. A OECE será a primeira instituição de iniciativa europeia e que é induzida pelos Estados Unidos. Um facto que leva alguns autores a considerarem que o Plano Marshall lançou uma das primeiras pedras da integração europeia que começa com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951) para em 1958 nascer a CEE. O Governo norte-americano considerava ainda que, “além da assistência financeira, o sucesso da iniciativa dependia da eficácia da comunicação”, afirma Maria Fernanda Rollo. São produzidas várias campanhas para os países que fizeram parte do Plano. Portugal, apesar da resistência, teve de cumprir o acordado e aceitar a divulgação desse apoio. O nível de analfabetismo e o grau de subdesenvolvimento do país impôs estratégias específicas. George C. Marshall (à esquerda) recebe um carro oferecido pelos sicilianos em agradecimento pelo Plano, em Abril de 1951. Com Marshall está o embaixador italiano nos EUA. “O bisavô do euro” “O bisavô do euro é o Plano Marshall, reforçou a cooperação europeia”, afirmou Jacinto Nunes no aniversário dos 60 anos do que se pode considerar o lançamento do “Programa de Recuperação da Europa”, o discurso do secretário de Estado George C. Marshall a finalistas da Universidade de Harvard a 5 de Junho de 1947. O ex-governador do Banco de Portugal trabalhou no Plano Marshall em Portugal e salienta o contributo que deram o ministro Correia de Oliveira e o embaixador Teixeira Guerra para que Salazar o aceitasse. O programa de aplicação a Portugal foi da autoria de Araújo Correia, revela. A assistência norte-americana a 16 países europeus tinha como objectivo aumentar a produtividade, reforçando por esta via o nível de vida, caminho considerado essencial para evitar tensões sociais que criassem tentações revolucionárias com alinhamentos à URSS. “Os americanos permitiram que a Europa recuperasse a sua vida económica”, afirmou Rui Machete, presidente da FLAD. E o então embaixador dos Estados Unidos em Portugal considerou que “o segredo do sucesso do programa está no espírito de cooperação” que o marcou. Cinco anos mais tarde, relembra Hoffman, não se reconheciam as ruas e cidades na Alemanha e em França. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 PORTUGAL/EUA Dados... 16 países europeus beneficiaram do Plano Marshall: Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. A Alemanha Ocidental também integra o Plano, mas apenas em 1949 quando se constitui a República Federal da Alemanha por integração das zonas de ocupação do Reino Unido, França e EUA. O único país da Europa Ocidental que não beneficia deste auxílio é a Espanha. 13 mil milhões de dólares foi o mon- tante de apoio financeiro dos EUA à Europa de 1948 a 1952 o que correspondia a 2% do PIB norte-americano. A Guerra da Correia interrompeu o Plano. países. Mas, sublinha ainda Fernanda Rollo, quando os programas se dirigiam aos trabalhadores mas não aos patrões, a censura actuava. Admite-se que meio milhão de portugueses terão tido contacto com a propaganda associada à aplicação do Plano Marshall. A população portuguesa na altura era de 8,5 milhões de pessoas com 3,1 milhões de empregados. As vantagens do aumento da produtividade são explicitadas com “mais qualidade de vida, com as máquinas a servirem as nossas exigências”. E sem perda de postos de trabalho. “As máquinas criaram novos empregos”, ouve-se no filme. Com mais dinheiro no bolso as pessoas podem comprar outras coisas, como uma bicicleta. E alguém a vai produzir. A subida dos salários é traduzida em bens que se podem comprar. Numa comparação entre o salário médio por hora em 1850 e 1950, vai-se ouvindo Fernando Pessa dizer no filme que enquanto só se podia comprar uma onça de chá e um pão, hoje é possível ter mais chá, mais pão e a ainda… “comprar o jornal”. Com imagens a ilustrarem. Portugal e o Plano Marshall (1994), Maria Fernanda Rollo, Ed. Estampa. 2 Portugal e a Integração Europeia – 1945-1986 (2007), António Severiano Teixeira e António Costa Pinto, Ed. Temas e Debates. 1 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 90 milhões de dólares foi a ajuda recebida por Portugal em 18 meses, mais de metade do seu défice externo em 1948. Mas Portugal candidatou-se para 625 milhões de dólares. ... e datas marcantes 1947, 5 de Junho – Secretário de Estado George C. Marshall anuncia na Universidade de Harvard a intenção do Governo lançar um programa de apoio ao desenvolvimento dos países europeus destruídos pela II Guerra. Só os países europeus ocidentais aceitam. 1947, 22 de Setembro – Conferência Europeia de Cooperação Económica em Paris onde se assina o documento para apresentar aos Estados Unidos. O ministro português dos Negócios Estrangeiros José Caeiro Mata recusa o apoio afirmando: “As felizes condições internas de Portugal permitem-me declarar que o meu país não precisa da ajuda financeira externa”. 1948, 16 de Abril – Nasce a OECE criada para que os países europeus gerissem entre si o programa de ajuda norte-americano tal como queriam os EUA. Portugal participou activamente na sua criação mas recusando as ajudas financeiras. 1948, 20 de Julho – Oliveira Salazar disponibiliza-se para aceitar ajuda financeira do Plano Marshall face à degradação da situação financeira. 1948, Novembro – Portugal apresenta um programa para acesso a ajudas estimadas de 625 milhões de dólares. O que dizem... ...Franco Nogueira... “(...) Desde o início, Portugal alinha claramente no bloco ocidental. Convidado a participar na Organização para a Cooperação Económica Europeia, o governo de Lisboa aceita; e, embora de forma limitada, aceita também algum auxílio económico do Plano Marshall, não obstante indicar a sua preferência por acordos bilaterais que aumentem para os produtos portugueses os mercados de exportação. Não deseja o governo de Lisboa criar excessiva dependência em relação ao exterior, em particular quanto aos Estados Unidos, cujos objectivos, pela experiência adquirida durante a guerra, continua a recear.(...)” Franco Nogueira (MNE nos governos de Salazar) in História de Portugal – 1933-1974, Edição Monumental da Livraria Civilização, Porto, 1981 ...e Maria Fernanda Rollo “A actuação e a decisão protagonizadas pelo Governo português no espaço de tempo que medeia entre o discurso de Marshall e a adesão à OECE pautaram-se essencialmente por uma atitude de cepticismo e de descrença em relação aos movimentos de cooperação internacional e de desconfiança em relação às posições americanas. No entanto, por vontade ou por necessidade, por habilidade diplomática ou instinto, a política externa portuguesa foi sempre conduzida no sentido de ‘não ficar de fora’, não deixar de participar em nenhum dos diversos movimentos ou instituições que se foram manifestando na Europa, evitando a marginalização de Portugal dos assuntos europeus ou mesmo mundiais. (...) Não passaria no entanto mais do que um ano para que as autoridades portuguesas se vissem compelidas a solicitar ajuda financeira, operando-se assim uma das mais significativas alterações da política externa portuguesa conduzida pelos governos de Oliveira Salazar. A verdade é que, apesar de Portugal ter assinado em Lisboa, em 28 de Setembro de 1948, o Acordo Bilateral de Cooperação Económica com os EUA, na qualidade de país não beneficiário de auxílio financeiro Marshall, já se tinham operado algumas alterações na atitude de Portugal face à aceitação desse auxílio o que conduziu a que, precisamente na véspera da assinatura do Acordo, em 27 de Setembro, o Governo português tivesse anunciado informalmente em Paris a intenção de afinal recorrer ao auxílio Marshall.(...)”. Maria Fernanda Rollo (historiadora) in Dicionário de História do Estado Novo, direcção de Fernando Rosas e J. M. Brandão de Brito, Círculo de Leitores, 1996 45 PORTUGAL/EUA GMF 25 anos de Marshall Memorial Fellowship Uma perspectiva mais alargada do mundo Dezenas de jovens líderes europeus viajam todos os anos para os Estados Unidos e o mesmo acontece com grupos de americanos que visitam a Europa através de um programa único – o Marshall Memorial Fellowship (MMF) que este ano comemorou 25 anos de existência. Por Sara Pina GMF Para aprofundar o conhecimento da sociedade, cultura e instituições americanas, o MMF foi criado em 1982, pelo German Marshall Fund of the United States, patrocinando estadias de pequenos grupos em várias cidades. Primeiro começaram por ir apenas jovens de quatro nacionalidades: dinamarqueses, franceses, alemães e holandeses, mas rapidamente o programa se estendeu a toda a Europa abrangendo actualmente 21 países, de Portugal à Albânia, passando pela Bósnia e a Turquia, entre muitos outros. Um dos primeiros portugueses a fazer parte deste programa foi José Lemos, o actual director da RTPN, que fez o programa em 1989. «O programa MMF per- O presidente do GMF Craig Kennedy. 46 mitiu-me conhecer a verdadeira América, encontrar corações e mentes de diferentes regiões e culturas». Os jovens americanos também visitam a Europa, desde 1999, graças ao MMF. Muitos têm passado por Portugal, como Natasha Jones, directora de comunicação no King County, em Seattle, que recorda o “fantástico e informativo almoço” com o presidente da Assembleia da República e membros do Parlamento português. Todos os ano realiza-se o Marshall Forum, um importante acontecimento organizado pelo German Marshall Fund que, por convite, permite o encontro entre líderes europeus e americanos da área das finanças, da política, dos media e outros fellows do programa. Este ano a reunião foi em Atlanta, em Setembro passado, e no Castelo de Elmau, na Alemanha, em Junho, tendo-se discutido as relações transatlânticas no contexto global. No intervalo entre os debates, falámos com Craig Kennedy, o incontornável e dinâmico presidente do GMF. Pode dar-nos alguns esclarecimentos sobre os novos projectos do GMF? Há três ou quatro importantes linhas de trabalho que o GMF está a desenvolver: Uma é na área de política económica. Estamos a dar muito mais atenção à cooperação entre a União Europeia e os Estados Unidos no comércio global que queremos mais transparente e mais coordenado. A segunda é o Black Sea Trust, um fundo para desenvolver toda a área do Mar Negro e sul do Caúcaso. Em terceiro lugar, daremos também ênfase à emigração, tentando saber mais sobre as atitudes europeias e americanas para com emigrantes Alguns membros do Marshall Memorial Fellowship que participaram no encontro em Elmau. e a sua integração. Finalmente estamos a desenvolver uma estratégia mediterrânea de forma a suscitar nos políticos americanos uma compreensão da importância para portugueses, espanhóis, italianos e gregos de países como Marrocos, a Algéria, a Tunísia, a Líbia e outros do Norte de África, por causa das ameças do terrorismo e da emigração. Como descreveria a evolução do GMF?... No princípio o GMF era principalmente uma instituição que concedia bolsas e tinha dois ou três programs – o MMF é o mais conhecido. Agora somos o que chamo uma organização híbrida, continuamos com as bolsas e com outros programas mas temos think tanks e instalações para reuniões e debates que não tínhamos antes... Temos um grupo de cerca de 10 investigadores que trabalham connosco em áreas diferentes. Há uma mudança significativa com mais instrumentos de trabalho que o GMF traz à comunidade transatlântica... ... e do programa MMF que comemora o 25º aniversário? Quando começámos com o MMF tínhamos um objectivo simples: levar algumas pessoas talentosas da Europa e dar-lhes um conhecimento mais alargado dos Estados Unidos. Depois expandimos isso para americanos que levamos para a Europa para fazer o mesmo. É muito satisfatório ver o que atingiram alguns MMFs como, por exemplo, o primeiro-ministro de Portugal – muito do seu conhecimento sobre política nos Estados Unidos veio desta experiência... As pessoas que fizeram este programa e depois vêm a estes encontros mantêm uma perspectiva mais alargada do mundo! Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 CULTURA Quando Portugal Abraçou o Mundo Manifestação cultural e tradição recente: o país que presidiu à Comissão Europeia promoveu uma exposição, em Washington, na Smithsonian Institution, na galeria Arthur M. Sackler e no Museu de Arte Africana. Portugal “Abraçando o Globo”com o patrocínio de diversas instituições públicas e privadas portuguesas, entre as quais a FLAD, representada na inauguração pelo membros do Conselho Executivo. Por Maria José Garrido* FOTografias Rui Ochôa Detalhe de mapa-mundo japonês do século XVII representando as 40 nacionalidades. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 47 CULTURA Rui Machete aprecia um anjo heráldico seiscentista que veio do Convento de Cristo, em Tomar. O mapa Cantino data de 1502 e é um dos primeiros a revelar parte do Brasil, além de mostrar a África devidamente contornada e a Índia já com uma forma triangular. Baseando-se, na sua maior parte, em informações preciosas de viagens dos navegadores portugueses pelo mundo, a sua história está envolta numa trama de espionagem. Cantino era um espião italiano que trabalhava para o Duque de Ferrara em Lisboa. Conseguiu ter acesso a uma cópia do mapa com as informações das descobertas portuguesas e arranjou maneira de fazê-la passar, às escondidas, para Itália. Juntamente com outras cartas geográficas, o mapa Cantino abre a secção dedicada a Portugal e a era das descobertas na exposição “Encompassing the Globe” (Abraçando o Globo) – “Portugal e o Mundo nos Séculos XVI e XVII”. A história do mapa Cantino é reveladora da importância de Portugal na época. “Roubar conhecimentos adquiridos dos descobrimentos portugueses era contra a lei. Na verdade era crime capital”, conta Jay Levenson, comissário da exposição. O espião nunca foi apanhado e o mapa sobreviveu ileso sendo, actualmente, um dos mais importantes mapas do tempo dos descobrimentos. Mas enquanto na Europa, os conhecimentos de Portugal despertavam cobiça, pelo Mundo, os portugueses influenciavam culturas e importavam novas realidades. Ao mesmo tempo que redesenhavam os mapas do planeta, os portugueses negociavam, evangelizavam, guerreavam, partilhavam conhecimentos e, de todos esses encontros, nasciam objectos originais revelando uma influência cultural mútua. Reunindo objectos que surgiram desses contactos, a Smithsonian Institution, responsável por museus em Washington e Nova Iorque, organizou a exposição. “Esta é uma história de mercadores, missionários e monarcas. É uma história 48 de aquisição, de procura de bens, de almas e de terra. Mas é também a história de como se construiu o mundo moderno. O momento em que os oceanos deixaram de dividir a humanidade e se tornaram no principal meio de trocas globais”, Julian Raby, director das galerias Arthur M. Sackler e Freer, iniciou assim a sua apresentação sobre a exposição que reuniu cerca de 300 peças de arte vindas de museus e colecções privadas de todo o Mundo. E são muitos os objectos que ao longo da exibição, dividida por seis secções (Portugal, África, Brasil, Oceano Índico, China e Japão), revelaram a influência mútua, com cur iosidades, por vezes exageradas, que o encontro de culturas trouxe. O rinoceronte de Albrecht Dürer, apresenta um pequeno corno no dorso e parece revestido de uma armadura. É que Dürer nunca viu o animal, desenhou-o a partir de uma gravura rudimentar do rinoceronte oferecido pelo governador de Gujarat ao rei D. Manuel. Mas para a Europa a figura do rinoceronte passou a ser a do pintor alemão. Os portugueses no Japão são representados, em diversos objectos de arte Namban (palavra que significa bárbaros do sul porque assim ficaram conhecidos os nossos compatriotas por terem chegado daquela direcção), como figuras estranhas com vestimentas largas e grandes narizes. Da região do oceano Índico chegam pinturas sobre os hábitos portugueses naquelas paragens. Numa delas, dois casais jantam no meio de um tanque para assim atenuar o forte calor. Dez anos de preparação “Encompassing the Globe” está cheia de histórias em cada objecto exposto. A exposição foi imaginada há dez anos por Jay Levenson que pensou organizá-la na Expo 98. “Acabei por decidir que seria mais importante contar a história das descobertas portuguesas aqui, nos Estados Unidos, porque é uma história pouco conhecida para a maioria das pessoas”, explica. O Presidente da República, que inaugurou a exposição, não podia estar mais de acordo. “Pode ser um contributo para corrigir a ideia que os americanos têm sobre o papel de Portugal na história da globalização”, defende Cavaco Silva enquanto sublinha que “foram os portugueses que criaram uma rede internacional de comércio ligando a Europa com a China, Índia, África e o Brasil”. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 CULTURA ‘ A história do mapa Cantino é reveladora da importância de Portugal na época. “Roubar conhecimentos dos descobrimentos portugueses era contra a lei. Na verdade era crime capital”, conta Jay Levenson, comissário da exposição. ’ De facto, muitos dos objectos expostos foram criados especificamente para o comércio com os portugueses. É o caso das muitas peças de marfim africanas expostas, com destaque para os saleiros de estilo “sapi-português” decorados com símbolos e imagens referentes a Portugal. As artes locais eram, assim, adaptadas ao gosto europeu mas o velho mundo despertava também a curiosidade autóctone pelas ideias trazidas. A presença de jesuítas em Goa captou o interesse do imperador mongol Akbar que chamou padres à sua corte. Muçulmano, o imperador era um homem tolerante e amante do conhecimento e queria entender o cristianismo. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 Não foi convertido mas nas pinturas da sua corte aparecerem referências aos portugueses e à religião cristã, como um menino Jesus num barco colocado nas margens de um manuscrito mongol. O trabalho de evangelização dos jesuítas teve mais sucesso no Japão mas acabou tragicamente. Dos tempos áureos e da perseguição aos cristãos nos conta também a exposição com os muitos medalhões fumi-e, placas com figuras cristãs que as pessoas eram obrigadas a pisar para provar o seu desdém pelo cristianismo. Trágica, heróica e rica a passagem dos portugueses pelo mundo deixa uma marca indelével que “Encompassing the Globe” mostra para, na era da globalização, concluir De Washington para Bruxelas A “Encompassing The World” pode agora ser vista em Bruxelas. Até Fevereiro, no Centro de Belas-Artes, as rotas dos descobrimentos portugueses e a sua influência mundial marcam a Europalia, dedicada à Europa. Para quem não tem oportunidade de ver a exposição foi feito um completíssimo catálogo, com cerca de 400 páginas de imagens do espólio em exibição acrescidas de informações históricas sobre Portugal e as descobertas. que a aldeia global se começou a erguer quando Portugal abraçou o mundo. * Jornalista da TVI Habitante Tapuya no Brasil retratado em 1641. 49 LIVROS Estante FLAD Vertigem americana Bernard-Henri Lévy 2007, Lisboa: Caderno Correspondente estrangeiro Por carlos Gaspar IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais) As relações entre os Estados Unidos e a França oscilam entre uma afinidade única e uma divergência radical. A referência constante dos constituintes norte-americanos foi Montesquieu e a revolução ame- 50 ricana precedeu a revolução francesa, a qual, por sua vez, separou a velha Europa e o Novo Mundo. Alexis de Tocqueville quis ultrapassar essa divisão e reunir as suas duas democracias quando escreveu De la démocratie en Amérique, na sequência da viagem que fez aos Estados Unidos, em 1831, numa missão de estudo sobre as prisões americanas. Em 2004, num momento de crise na aliança ocidental, uma revista americana, The Atlantic Monthly, propos a Bernard-Henri Lévy que repetisse o exercicio do aristocrata normando – a viagem e o livro. O registo de Bernard-Henri Lévy é irónico: faz tudo o que Tocqueville não fez, incluindo a missão de estudo do sistema prisional norte-americano, de Alcatraz a Guantanamo. A sua América é a que ainda não pertencia aos Estados Unidos em 1830 – Seattle, Los Angeles, o Grand Canyon. O que lhe interessa é o que não existia nesse tempo – os arranha-céus e Frank Gehry, a tecnologia e o cosmopolitismo da Microsoft, a aviação, entre os Boeing e os F-16, a música de Hendrix, a literatura de Kerouac e os filmes de Hitchcock (donde o título do livro, como o Vertigo americano do realizador inglês). Os temas relevantes não são a filosofia (excepto um seminário sobre Deleuze na John Hopkins), a religião ou a igualdade, mas os bordéis, o bairro gay de São Francisco e a causa dos índios americanos. Mas o tema de Vertigem Americana também é a democracia. Bernard Henri-Lévy segue a campanha presidencial de 2004, constata o regresso da ideologia no Partido Republicano, condena o puritanismo da esquerda radical, rejeita a confusão entre ética e política, revelada pelo caso Lewinsky. E conversa com três intelectuais – Richard Perle, Bill Kristol e Francis Fukuyama, que apresenta como a linha neoconservadora, anátema para qualquer francês bem-pensante. A conclusão é paternal e positiva. A democracia americana, não obstante todos os seus defeitos e a guerra no Iraque, tem condições para se regenerar e não tem vocação para ser imperial. A conclusão de Tocqueville era diferente, pois entendia que a democracia americana devia ser o modelo para a Europa, se o velho mundo queria ultrapassar o impasse das sucessivas revoluções – e anunciou que a América teria nas suas mãos o destino de metade do mundo e que o seu meio de acção era a liberdade. Floresta Portuguesa. Imagens de tempos idos José Neiva Vieira 2007, Lisboa: Edição Público e FLAD Para conhecer as nossas árvores Por carla Maia de Almeida Jornalista Freelancer Começou por ser uma ideia para um livro sobre o carvalho-português e expandiu-se até se tornar o maior projecto editorial dedicado às questões da floresta que já se fez no nosso país. Em associação com o jornal Público, a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento deu o seu apoio à obra semanalmente publicada entre Abril e Junho, num total de nove volumes de leitura independente. Com coordenação editorial de Joaquim Sande Silva, Árvores e Florestas de Portugal é um ambicioso esforço de síntese e divulgação, assegurado por mais de 70 especialistas que produziram Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 LIVROS os seus textos sob a orientação da Liga para a Protecção da Natureza. Não menos importante é o impacto visual da obra, enriquecida com centenas de fotografias e ilustrações, segundo um trabalho de edição de imagem de Rui Cunha e Dulce Lima. O volume inaugural da colecção constitui-se quase exclusivamente por testemunhos fotográficos – a maioria, da primeira metade do século XX – que nos levam numa viagem nostálgica pelo passado da floresta. Os cinco volumes seguintes analisam as principais formações florestais do território português, na sua relação com a biodiversidade ecológica e com aspectos históricos e socioculturais. A saber: Os Carvalhais, sobre as três grandes espécies de carvalhos; Os Montados, imagem de marca das planuras do sul; Pinhais e Eucaliptais, que constituem cerca de metade da floresta nacional; Do Castanheiro ao Teixo, onde se fala dos soutos e de outras espécies mais representativas; e Açores e Madeira, cujas condições húmidas temperadas favorecem uma vegetação exemplar, com destaque para a ancestral laurissilva. Como a história da floresta se cruza com a história dos homens é o tema do sétimo volume, Floresta e Sociedade. Primórdios, evolução histórica, políticas florestais, perspectivas de futuro, toponímia, plantas mediParalelo n.o 1 | INVERNO 2007 cinais, a árvore urbana, a floresta na arte… São várias as abordagens ao tema, mas talvez se justificasse a inclusão de textos dedicados à literatura e ao mundo do simbólico e do religioso, dada a sua riquíssima ligação à árvore. Outro aspecto discutível é a organização do Guia de Campo, o tomo final, depois do anterior Proteger a Floresta. Embora siga uma classificação prévia de referência, por grupos de famílias de plantas com semente, a leitura do guia não é imediatamente óbvia para um leigo, que se sentiria mais confortável no terreno se pudesse identificar as plantas pelo seu nome corrente, por ordem alfabética. Nada disto, porém, obscurece o valor desta obra, fundamentalmente acessível para todos os que gostam de árvores, e tão meritória no esforço de as compreender e explicar. Porque só se gosta daquilo que se conhece. A América e os Americanos e outros textos O jornalista, o cronista, o homem das terras onde passou, dos amigos que teve, das mulheres que amou, dos filhos que criou – este é o Steinbeck que nos visita nestas páginas, marcadas pela diversidade. Os textos aqui reunidos foram escritos em períodos diferentes, desde a Grande Depres são Americana nos anos 30, até à Guerra do Vietname, nos anos 60, incluindo as suas crónicas de guerra e alguns excertos da conhecida obra Viagens com o Charlie, uma viagem pela América profunda. Neste livro, são abordadas temáticas tão díspares como as condições de vida dos camponeses, os cães, a pesca, o desporto, a crítica literária, os conflitos mundiais, a política, a história dos americanos, seja em género de crónica, reportagem ou carta. Está sempre presente a paixão pelo humano, a atenção ao detalhe e a defesa da liberdade individual (um valor tão americano). Revela-se também um homem comprometido com o seu tempo, afirmativo, polémico e contraditório. O escritor que trouxe a público a voz dos mais desfavorecidos foi também um defensor da Guerra do Vietname, atrevendo-se a enfrentar publicamente o movimento pulsante contra o conflito. John Steinbeck 2007, Livros do Brasil Viagem com Steinbeck Por Clara Pinto Caldeira Jornalista Freelancer Este livro apresenta-nos a face menos conhecida do autor nobelizado em 1962 por ter assinado obras como Vinhas da Ira e A Leste do Paraíso, celebrizadas no grande ecrã. 51 LIVROS Estas páginas deixam pouco espaço a uma visão maniqueísta do homem, do autor e do americano que foi Steinbeck. Embora engajado nas causas tipicamente de esquerda, era ferozmente anticomunista. Embora amante dos Estados Unidos, era também a voz crítica da crescente perda de valores. Embora profundamente ligado às origens, era um viajante incansável. Apaixonado pela escrita, Steinbeck não foi apenas um escritor e um jornalista, tendo, ao longo da vida, recorrido a trabalhos pesados para sobreviver. A ironia marca também as páginas do livro que nos revela o lado mais desconhecido deste mito americano: «Sempre me divertiu a afirmação de que o trabalho mental é mais difícil do que o trabalho manual. Nunca conheci um homem que trocasse uma secretária por uma enxada, a menos que não pudesse evitá-lo». Tradições Portuguesas Francisco Cota Fagundes, e Irene Maria Blayer (Org.) Portuguese Traditions: In Honor of Claude L. Hulet, 2007, Califórnia: Portuguese Heritage Publications of California Estudos da lusofonia Por Ana Teresa Peixinho Instituto de Estudos Jornalísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Numa época em que é reconhecido que tanto o ensino como a investigação nas áreas da literatura e da cultura portugue- 52 sas assistem a uma crise sem precedentes, este livro – Tradições Portuguesas / Portuguese Traditions: in honor of Jean Claude L. Hulet – representa um meritório esforço por manter vivo um certo exercício analítico e crítico em torno de variadas questões relativas à literatura e cultura luso-brasileiras, tanto mais importante quanto resulta de esforços complementares que envolvem essencialmente olhares a partir de universidades estrangeiras. Trata-se de um volume de homenagem ao professor Claude Hulet, reconhecido e prestigiado investigador da UCLA, organizado e editado por antigos discípulos seus, também eles conhecidos académicos, como tributo a um homem que dedicou toda a sua vida à divulgação e ao estudo de questões do mundo lusófono. Neste volume, encontramos 28 artigos da autoria de inúmeros académicos oriundos de variadas universidades portuguesas, canadianas, norte-americanas e brasileiras, todos empenhados em divulgar e promover o estudo e o gosto pela literatura e pela cultura em língua portuguesa. Embora nos pareça que a organização estrutural deste volume pudesse ter sido concretizada em função de critérios mais coerentes e explícitos, o certo é que, reconheça-se, nem sempre é fácil arrumar um conjunto de textos de temáticas tão variadas e heterogéneas – que vão desde os vestígios do medievalismo no Romantismo brasileiro, à problemática da imigração portuguesa no Rio de Janeiro, passando por questões mais específicas, quer do âmbito da análise linguística, quer do domínio da leitura crítica de determinadas obras literárias. Trata-se, portanto, de um livro multifacetado, que se ergue sob o signo da diversidade, como o próprio título perspectiva, onde o leitor encontrará um conjunto diferenciado de olhares sobre as comple- xas relações entre a literatura e a cultura luso-brasileiras. E se a maior parte destes estudos se enriquecem com releituras sobre obras e autores já muito estudados e canonizados, como serão os casos de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Eça ou Pessoa, também é certo que emana destas páginas um louvável esforço por abrir o horizonte de análise a áreas menos exploradas, como, por exemplo, a que problematiza as relações entre género e escrita, trazendo à cena a poesia de Natália Correia, bem como a de outras mulheres escritoras portuguesas (vejam-se os trabalhos de Ana Paula Ferreira e de Debbie Avila); ou a que se dedica a tipos textuais mais marginais, como ilustra o texto de Ricardo Sternberg que se ocupa de correspondência diplomática. Sendo uma obra primordialmente dirigida à academia interessada pelo estudo de temas da literatura e da cultura lusófonas, acreditamos que um público mais alargado poderá encontrar nela interessantes leituras sobre as relações entre cultura, literatura e tradição no campo luso-brasileiro. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 LIVROS Actas do III Colóquio O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX 2004 Núcleo Cultural da Horta Pluralidade e diversidade dos Açores Por Gilberta Pavão Nunes Rocha Universidade dos Açores A temática e a cronologia histórica das Actas do III Colóquio – O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX é abrangente, como o próprio título o indica, objectivo que é claramente assumido pelos seus organizadores, o Núcleo Cultural da Horta. Assim, cingir-nos-emos a uma breve referência dos diversos artigos, procurando configurá-los em eixos temáticos. Sublinhe-se, em primeiro lugar, os artigos relativos à problemática populacional e migratória, nomeadamente a emigração, fenómeno que configura de modo indelével o evoluir da sociedade das várias ilhas açorianas e contribui decisivamente para a diversidade e pluralidade do arquipélago. Para o século XIX ela é analisada por Artur Boavida Madeira e Susana Serpa Silva. O primeiro, com enfoque demográfico, releva as saídas a partir da ilha Terceira tendo como base os registos de passaportes, fonte essencial para o conhecimento aprofundado deste fenómeno e que nos Açores está ainda pouco explorada. A segunda, aborda o fenómeno da clandestinidade, que é decisivo na comParalelo n.o 1 | INVERNO 2007 preensão da dinâmica demográfica e social açoriana da segunda metade de Oitocentos, ou seja, nos primórdios da emigração para os EUA, e que no contexto do arquipélago tem maior expressão nas ilhas do ex-distrito da Horta, nomea damente, do Faial e Pico. Uma caracterização sociográfica da emigração é dada por João Cosme, para um período anterior, o século XVIII, e quando as saídas tinham um outro destino – o Brasil, cuja colonização por açorianos do mais elevado estatuto social, foi o tema escolhido por Maria Beatriz Nizza da Silva. Inseridos na temática mais vasta da emigração, designadamente do relacionamento e da presença açoriana em terras norte-americanas, são também os artigos de João Leal sobre as Festas do Espírito Santo nas comunidades residentes nos EUA, um enfoque antropológico da contemporaneidade; Donald Warrin – “Baleeiros Portugueses no Alasca”, podendo nesta arrumação ser ainda incluída a comunicação então apresentada por Onésimo Teotónio de Almeida “Irmãos Corte-Real – Os Mitos e os Factos e a sua Importância Identitária”. Ainda o relacionamento dos Açores, e em especial da ilha do Faial, com os EUA através do espólio da família Dabney, descrita por João Afonso e Luís Arruda. Compreensivelmente esta ilha, e mais ainda a do Pico, encontram nesta publicação um lugar de destaque, quer no relato da viagem de James Cook, na interpretação que lhe dá José Damião Rodrigues, quer com Paulo Drummond de Andrade, com o título “O Faial e o Perdão Régio”. Os aspectos económicos, nomeadamente, os da vitivinicultura, neste caso a picoense, são tratados por Ricardo Madruga da Costa, actividade que é analisada, com um enquadramento insular mais abrangente, por Rui Carita, enquanto que António dos Santos Pereira analisa a transferência de propriedade numa freguesia da ilha de S. Jorge na transição do século XVI para o XVII. Voltando à perspectiva demográfica, Norberta Amorim evidencia a relação entre a população e os recursos básicos nas ilhas do Pico, Faial, Flores e Corvo, enquanto que Carlota Santos se concentra sobre questões da endogamia e consanguinidade no Concelho da Madalena do Pico, aspectos que associam a importância da interligação dos fenómenos demográficos que compõem os movimentos natural e migratório. Artur Teodoro de Matos e Luís Filipe Vieira tratam o fenómeno demográfico da mortalidade na perspectiva social do seu acontecimento base – a morte, cuja percepção regista diferenças significativas em termos diacrónicos e sincrónicos. O primeiro, através da análise de uma freguesia do Pico em finais do século XVII e o segundo, sensivelmente para a mesma época mas respeitante a Santa Cruz das Flores. 53 LIVROS LIVROS A evolução populacional e a mobilidade enquadram também a temática do povoamento, que José Guilherme Reis Leite aprofunda para a ilha das Flores, enquanto que Elisa Costa aborda a mobilidade de saída do arquipélago, por movimentos internos, com a colonização de zonas ribeirinhas do Tejo em finais do século XVIII. Ainda no que pode ser enquadrado na temática mais geral do povoamento, João Paulo Oliveira e Costa trata das “Doações Régias no Atlântico Quatrocentista”. Uma visão mais ampla da periferia açoriana é dada por Avelino de Freitas de Meneses com base na obra de Gaspar Frutuoso, em especial no que respeita à produção e economia das ilhas. Mas se as questões de cariz demográfico, em sentido amplo, e económico são uma parte significativa desta obra, o mesmo acontece quanto aos aspectos culturais, quer os respeitantes à cultura material e sua relevância na educação, em artigo de José Amado Mendes, como aos do património imóvel nas ilhas do Faial e do Pico, este em trabalho conjunto de Paulus Bruno, João Caldas e José Manuel Fernandes e das colecções de uma família faialense, artigo da autoria de Francisco Costa Martins e de Francisco Martins de Bettencourt. Ainda a educação e a ilha do Faial, com Justino de Magalhães, e, mais especificamente, sobre o Liceu da Horta com Carlos Lobão. João Saramago e José Bettencourt Gonçalves dão continuidade a trabalhos no âmbito da linguística – variação lexical e João Adriano Ribeiro trata de momentos culturais e de lazer no século XIX que os espectáculos sempre propiciam. Uma referência especial ao artigo de Urbano Bettencourt “Pedro da Silveira – a escrita e o mundo”, uma perspectiva e justa homenagem, que se estende a toda a publicação, deste Açoriano da ilha das Flores, que participou no Colóquio mas partiu antes que as Actas fossem editadas. 54 A Reforma das Pensões em Portugal – Uma Análise de Equilíbrio Geral Dinâmico Pedro G. Rodrigues e Alfredo Marvão Pereira 2007, Lisboa: Fundação Luso‑Americana Para uma Segurança Social sustentável Por Helena Garrido Jornalista Freelancer são acessíveis e escritos com linguagem simples e directa, com todos os conceitos explicados de forma que um leigo possa entender. Todo o trabalho visa apontar medidas para garantir que o sistema público de pensões continuará a desempenhar o seu papel no futuro. Alterar a fórmula de cálculo das pensões, avançar mais rapidamente para toda a carreira contributiva no cálculo do salário de referência, aumentar a idade da reforma, tributar o rendimento das pensões em IRS como se faz com o trabalho e estabelecer uma regra de aumento anual das pensões que garanta o seu poder de compra são as propostas feitas para corrigir parcialmente o regime em vigor em que os activos pagam as pensões dos reformados. Mas, alertam os autores, estas medidas não garantem o equilíbrio do sistema. Seria necessário ir muito mais longe o A dimensão e as causas da insustentabilidade financeira da Segurança Social, propostas para uma reforma que resolva o problema e avaliação quantitativa das medidas adoptadas de 2002 a 2006 assim como uma análise qualitativa das mudanças introduzidas em 2007 e ainda em concretização por este Governo fazem a síntese do livro de Pedro Rodrigues e Alfredo Marvão Pereira. Um trabalho que usa como instrumento um modelo de equilíbrio geral dinâmico para a economia portuguesa, poucas vezes foi realizada em Portugal dada a sua complexidade, mas que dá maiores garantias nos resultados. Uma pequena parte do livro, os capítulos quatro a seis dos 11 que tem, não é fácil para quem não é economista e segue estas áreas, devido à sofisticação matemática. Mas a maioria dos capítulos Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 LIVROS que reduziria o rendimento dos pensionistas de forma irresponsável. Daí que proponham a criação de um segundo pilar público de capitalização, sugerindo o aumento das contribuições ou a subida do IVA, que preferem, para uma taxa próxima dos 25%. Usando o modelo os autores concluem quantitativamente que as mudanças realizadas em 2001/2002 e até 2006 agravaram a sustentabilidade financeira da segurança social e melhoraram a da segurança social. A reforma realizada pelo Governo do Partido Socialista e que entrou já parcialmente em vigor este ano é analisada apenas qualitativamente mas olhando pormenorizadamente para cada medida. Sobre esta reforma os autores concluem que “constitui um passo (se bem que tímido e tardio) no sentido certo, mas é manifestamente insuficiente para garantir a sustentabilidade financeira a longo prazo do sistema público de pensões”, como aliás, referem os autores, o próprio Governo o reconhece. Marvão Pereira, doutorado em Stanford e professor no College of William end Mary nos EUA, tem um modelo para a economia portuguesa com o qual também já analisou o impacto do investimento público também publicado pela FLAD. Pedro Rodrigues, doutorado pela Universidade Nova de Lisboa, é actualmente adjunto do secretário de Estado Adjunto e do Orçamento. Este é um livro imprescindível para políticos que querem avançar com reformas e todos quantos estudam esta matéria. E é importante para qualquer pessoa que queira perceber até que ponto os compromissos assumidos pelo Estado com as pensões podem estar em causa e possuir instrumentos que lhe permitam analisar criticamente as propostas de reforma dos governos. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 Estudar nos Estados Unidos da América: Guia para candidaturas a Mestrado e Doutoramento Pedro C. Pinto 2007, Lisboa Fundação Luso‑Americana Guia para estudar nos eua Por Paula Vicente FLAD Este trabalho de Pedro Correia Pinto é uma valiosa ajuda para quem pretender candidatar-se a programas de mestrado ou doutoramento em universidades norte-americanas. O seu autor, actualmente doutorando no Laboratory for Information and Decision Systems do MIT – Massachusetts Institute of Technology, inspirado pela sua própria experiência junta uma série de informação, que sistematizou de forma simples e directa. Com pragmatismo e sentido prático, Pedro Correia Pinto desmistifica o processo de candidatura a programas pós-graduados nos EUA, apontando dificuldades e soluções, e enumerando os vários passos das etapas a percorrer em fases distintas do processo, através de uma linguagem actual e realista, ao longo de cerca de cinquenta páginas. A consulta deste Guia permite aceder a um panorama antecipado do que espera um candidato a uma universidade americana e facilita a sua ambientação pois indica desde normas a referências. O seu autor dá conselhos e ensina truques que evitarão perdas de tempo desnecessárias e esclarece dúvidas, contribuindo para uma maior garantia de sucesso no que respeita à instrução do processo de candidatura. Em suma, desde a selecção da universidade, até à obtenção do necessário apoio financeiro, dos vistos e outros aspectos burocráticos, este Guia – em jeito de manual de boas práticas – apresenta uma relação exaustiva de requisitos, contemplados num universo cada vez mais exigente. 55 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Revista Trimestral de Política Externa e Assuntos Internacionais Teoria das Relações Internacionais 16 editada pelo INSTITUTO PORTUGUÊS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS da Universidade Nova de Lisboa Rua de D. Estefânia, 195 - 5º, D.to 1000-155 Lisboa | PORTUGAL Tel.: +351 21 314 1176 Fax: +351 21 314 1228 Email: [email protected] www.ipri.pt �12,50 DEZ : 2007 : TRIMESTRAL Luís Lobo-Fernandes Vasco Rato Nuno Santiago de Magalhães Ricardo Jorge Pereira José Pedro Teixeira Fernandes Maria do Céu Pinto Cláudia Ramos e Paulo Vila Maior Isabel Camisão Pedro Emanuel Mendes Diogo Moreira Raquel Vaz-Pinto COLECÇÃO FLAD Arte portuguesa na chancelaria de Washington D.C. A embaixada de Portugal nos Estados Unidos foi o palco escolhido para a mostra de algumas das obras que integram a colecção de arte contemporânea portuguesa da Fundação Luso-Americana. Por Ana Sofia Lopes A colecção de arte contemporânea tem sido uma das apostas culturais da Fundação para mostrar a produção artística nacional em Portugal e no estrangeiro. Durante esta temporada, a Fundação espera estreitar ligações culturais entre portugueses e americanos. É esta uma das razões apontadas pelo responsável da mostra, João Silvério, para esta exibição que “pretende dar a ver obras de autores contemporâneos portugueses a um público diversificado, António Palolo, Sem título, 1995, acrílico sobre tela, 172 x 116 cm Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 57 COLECÇÃO FLAD ‘ Esta mostra (...) “pretende dar a ver obras de autores contemporâneos portugueses a um público diversificado, não apenas diplomatas das diversas áreas, que frequentam a chancelaria, mas também à população de Washington.” ’ não apenas diplomatas das diversas áreas, que frequentam a Chancelaria, mas também à população de Washington.” As obras pertencentes à colecção da Fundação têm sido mostradas no estrangeiro, em espaços diversificados e dirigidos ao grande público, como forma de contribuir para uma maior difusão e produção artística contemporânea nacional. A exibição destas obras fora de Portugal acontece na sequência de um convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a colaboração e empenho da Embaixada de Portugal na capital norte-americana que permitiram realizar este projecto. Esta mostra em Washington D.C. conta com 28 obras de 19 artistas que têm marcado as últimas três gerações de arte contemporânea portuguesa: António Areal, Michael Biberstein, Joaquim Bravo, Pedro Cabrita Reis, Fernando Calhau, Pedro Casqueiro, Lourdes Castro, Rui Chafes, José Pedro Croft, Gaetan, Ana Hatherly, Ana Jotta, Álvaro Lapa, Jorge Martins, António Palolo, João Queiroz, Jorge Queiroz, Julião Sarmento, António Sena. Escultura, pintura, fotografia e maioritariamente desenho podem ser vistos até ao final do ano. O desenho é o meio comum a todos os artistas expostos independentemente das obras apresentadas como é o caso de António Sena, Fernando Calhau ou João Queiroz. Esta mostra tem sido bem recebida por todos aqueles que visitam a Chancelaria que só no primeiro dia (open house) recebeu mais de quatrocentas pessoas. António Sena, Sem título, 1978, Acrílico e pastel de óleo, 195 x 130 cm 58 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 COLECÇÃO FLAD Ana Jotta, Achtung!, 1986, Óleo sobre tela, 60 x 200 cm COLECÇÃO DA FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA NOS AÇORES Ponta Delgada Museu Carlos Machado desde Novembro. Angra do Heroísmo Primeiro trimestre de 2008. Horta O museu regional da Horta e a Biblioteca Pública e Arquivo Regional da Horta receberão também as obras da FLAD, a partir do segundo semestre de 2008. António Areal, Sem título, 1966, tinta-da-china e aguada sobre papel Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 59 COLECÇÃO FLAD Ana Hatherly O fim da revolução A obra visual de Ana Hatherly compreende uma vasta proA obra O fim da revolução, de 1975, aparenta uma surpredução que atravessa diversos meios da expressão artística endente simplicidade de meios. É uma assemblage de tecido contemporânea, de que são exemplo a performance Rotu- vermelho quase a desfazer-se, com as pontas queimadas, ra, realizada na Galeria Quadrum em 1977; a instalação cravado de alfinetes e colado sobre um rectângulo geometriDesenho no Espaço, na Galeria Tempo, em 1979; a realiza- camente tosco, de vínil verde translúcido. Esta obra foi feita ção de filmes de animação, a produção de objectos, e uma longe do espaço público, é um trabalho executado no silêncio prática sistemática do desenho e da escrita ao longo de da casa, com os restos disponíveis do quotidiano da autora. mais de três décadas. Os seus desenhos também deram Os alfinetes, ferramenta essencial da costura, trespassam a corpo a livros, em que reuniu várias séries, como Mapas cor escarlate sustendo e ferindo a massa esfarrapada e sem da Imaginação e da Memória, A Reinvenção da Leitura, vigor. Para Ana Hatherly, esta obra é, de certa forma, um Anagramático ou O Escritor. poema que evoca o entardecer, o ocaso da luz brilhante e O seu trabalho foi sempre pautado por uma atitude ousa- transformadora da revolução. Este era já um outro momento, da e uma prática experimentalista1. É uma artista atenta o movimento revolucionário tinha ficado para trás. ao pulsar do mundo que a rodeia, e é neste contexto de João Silvério interesse e sedução pelo seu tempo que produz a série de colagens As Ruas de Lisboa, de 1977. Realizadas a partir 1 No final da década de sessenta, torna-se uma das figuras mais activas da poesia. de pedaços e fragmentos descolados, ou arrancados, dos cartazes políticos que cobriam as paredes da cidade, durante o período revolucionário que se seguiu ao Nasceu em 1929, no Porto. Vive e trabalha tes destacam-se Ana Hatherly, Anos 60-70 no fim do Estado Novo. Na esteira dos Nouem Lisboa. Licenciou-se em Filologia GerCAMJAP – Fundação Calouste Gulbenkian, veau Réalistes, Ana Hatherly transformou mânica e doutorou-se em Literaturas HisLisboa (2005); Dessins, collages et papiers peints os cartazes políticos, expressão pública pânicas do Século de Oiro na Universidade no Centre Culturel Calouste Gulbenkian, da revolução flamejante, em assemblages Paris (2005); Ana Hatherly/Obras Várias na da Califórnia em Berkeley. Estudou cinema pictóricas que sobrepõem signos e imagaleria Lisboa 20 Arte Contemporânea, na London International Film School. Tem gens de linguagens muito diferentes. A construído uma carreira múltipla enquanto Lisboa (2005); e Entre a palavra e a imagem na revolução de 1974 viria ainda a ser a forja poeta, pintora, cineasta, ensaísta e professoFundación Luis Seoane, A Coruña (2006) e para o documentário Revolução, exibido ra universitária. Das suas exposições recenno Museu da Cidade, Lisboa (2007). na Bienal de Veneza em 1976. 60 Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 Laura Castro Caldas/ Paulo Cintra COLECÇÃO FLAD O fim da revolução 1975, Vinil de cor verde translúcido, tecido colado e alfinetes, 25,8 x 29,7 cm. Colecção da Fundação Luso-Americana. Depósito no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto. Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 61 BLOCO DE NOTAS As orquídeas selvagens de Richard Rorty As orquídeas selvagens fascinavam Richard Rorty (1931–2007), quando, ainda adolescente, percorria as montanhas a nordeste de New Jersey. Rorty pertencia a uma família americana atípica que lhe proporcionou uma “educação trotsquista”. O sonho do (futuro) filósofo era “conciliar Trotsky e as orquídeas”. Unificar, numa só perspectiva, o prazer estético e a esperança numa sociedade mais justa. Com o andar dos tempos, os projectos revolucionários cederam lugar às reformas da social-democracia. Jovem universitário, Rorty passou a admitir que “Lenine e Trotsky causaram mais danos do que benefícios” e que Kerensky tinha sido injustamente apreciado. As obras de Hegel e Proust, Dewey e Whitman substituíram, na sua mente, o revolucionário russo de 1917 e as orquídeas de New Jersey. A linguagem de Richard Rorty ultrapassa as limitações do jargão filosófico. “A admirável criatividade (de Rorty) deve muito ao espírito romântico do poeta que deixou de se esconder por detrás do filósofo universitário”, escreveu Habermas, por ocasião do seu desaparecimento. Nas “onze teses” sobre o “intelectual humanista”, Rorty define como “principal função” dos professores universitários 62 “levar os estudantes a duvidar acerca da imagem que cobram de si próprios e da sociedade a que pertencem”. Esta estratégia nem sempre será popular. Por isso o filósofo previne, com ironia, que os académicos terão dificuldade em “explicar aos contribuintes que lhes pagam para terem a certeza de que os seus filhos serão diferentes deles próprios”. Apesar desta prevenção, Rorty seria, para alguns, o professor de humanidades que desejariam para os seus filhos. Não por concordarem com as teses do pragmatismo, mas por reconhecerem que os ensaios do filósofo norte-americano abrem novos caminhos, rompem fronteiras artificiais entre “disciplinas” e, afinal, reconciliam, numa linguagem inovadora, as orquídeas e as teorias. Por tudo isso se propôs aproximar o campo filosófico do domínio literário. Mário mesquita lítica, dominante nas universidades anglo-americanas, para, mais tarde, dedicar o essencial da sua obra a reabilitar o pragmatismo americano do início do século XX, construindo o seu “herói” na figura de John Dewey. Rorty postula que a linguagem não distorce a realidade, visto que “não é um médium de representação”. Sustentar que O pragmatismo recuperado O que motiva o leitor não especializado a escrever sobre o legado de Richard Rorty é a forma como as suas propostas aparecem formuladas em termos susceptíveis de alargar o seu entendimento fora da área académica. Tal como os seus colegas de geração, passou pela filosofia anaParalelo n.o 1 | INVERNO 2007 BLOCO DE NOTAS ‘ Além disso, constitui a história da esquerAo contrário de pensadores que da reformista amerise referem ao “dever de pessimismo”, cana, nascida na primeira metade do Rorty defendia um compromisso século XX, e o ajusde “esperança social”, mantendo-se fiel te de contas com a ao propósito de conjugar a admiração esquerda ultra-radipelas orquídeas selvagens de New Jersey cal e universitária, constituída a partir e o combate pela justiça. dos anos 60 e da contestação à guerra do Vietname. determinada afirmação é mais “objectiva” A “nova esquerda”, nascida por volta de do que outra significaria apenas que é 1964, nega a possibilidade de defender a mais fácil constituir um acordo ou um justiça social no âmbito do sistema políconsenso à sua volta. O pragmatismo tico americano. A esquerda reformista substitui, nas palavras do próprio Rorty, abrange todos os que, desde o prina dicotomia aparência versus realidade por cípio do século XX, lutaram por uma “definição do mundo menos útil” reformas sociais, no interior do ou “mais útil”. Na perspectiva pragmá- sistema americano, desde Eugene tica, a verdade é entendida como criação Debs a Eleanor Roosevelt, de dos seres humanos na luta para se adap- John K. Galbraith a Arthur tarem ao meio circundante. Schlesinger, do New Deal, No plano ético, Rorty não aceita a exis- de F.D.Roosevelt, à tência de “princípios universais” ou do “Nova Fronteira”, “imperativo categórico”, mas rejeita a de John F. Kennedy. acusação de “relativista”, se por tal se Rorty situa-se na “esquerentende que “toda a perspectiva moral é da reformista”, a que também tão boa como qualquer outra”. Pode-se chama “participativa”, visto que sempre escolher uma solução melhor ou aceita agir no interior do sistema menos má – argumenta o filósofo – sem político americano, atribuir essa opção a normas eternas e por contraposição a imutáveis. uma “esquerda espectadora” que confina a sua actuação ao campus ou As duas esquerdas ao departamento universiEntre as obras de Rorty conta-se o polémi- tário. Para o filósofo, a co Achieving our country – Leftist Thought in “nova esquerda”, por vezes Twentieth-Century America (1999). Não é um designada pós-moderna, resigna-se a ser apelivro de Rorty filósofo profissional, cate- nas “cultural”, renunciando à “política”, goria que, simultaneamente, respeita, cul- na medida em que se demite de participar tiva e abomina. É o seu preito à América, activamente na vida democrática e instituenquanto projecto sonhado e inacabado. cional. ’ Paralelo n.o 1 | INVERNO 2007 O autor de Achieving our country não pertencia ao clube dos optimistas ingénuos. Reconhecia que não seria fácil, ao longo do século XXI, evitar o confronto nuclear ou diminuir a distância entre países ricos e países pobres. Mas, ao contrário de pensadores que se referem ao “dever de pessimismo” (Bobbio, por exemplo), defendia um compromisso de “esperança social”, baseada na “constante vigilância contra as previsíveis tentativas dos ricos e fortes tirarem vantagem dos pobres e fracos”. Richard Rorty manteve-se fiel ao propósito de conjugar a admiração pelas orquídeas e o combate pela justiça social. 63 Inverno 2007 01