Universidade Federal do Rio de Janeiro
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE
SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
2011
2
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE
SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2011
3
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE
SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Examinada por:
____________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ
____________________________________________________________________
Professora Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte – UFRJ
____________________________________________________________________
Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ
____________________________________________________________________
Professor Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa – UFRJ, Suplente
____________________________________________________________________
Professora Doutora Ângela Marina Bravin dos Santos – UFRRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2011
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Rodrigues Coelho, Adriana Lopes.
A ordem dos clíticos pronominais: uma análise sociolingüística da escrita escolar do
Rio de Janeiro/ Adriana Lopes Rodrigues Coelho. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2011.
xv, 163f.:il.;31cm
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas, 2011
Referências Bibliográficas: f. 160-163
1. Ordem. 2. Clíticos. 3. Colocação Pronominal. 4. Sociolingüística. I. Vieira, Silvia
Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. Título.
5
A minha família,
razão de todas as lutas,
motivo de todas as vitórias.
6
AGRADECIMENTOS
Em primeiríssimo lugar, agradeço a Deus, presença constante, responsável por
todas as maravilhas que acontecem em minha vida, fazendo-me entender cada momento
difícil que se apresentou na trajetória acadêmica como um passo importante na
construção de uma carreira abençoada; confiando na providência divina, muitas vezes,
nos momentos de extrema exaustão, continuei acreditando que a vitória seria certa.
A minha mãe, Rosangela, primeira orientadora de minha vida, tendo realizado
um EXCELENTE trabalho; agradeço pelo incentivo constante ao progresso na vida
acadêmica, pelos ensinamentos e valores repassados, pela confiança em minhas
escolhas, pelo carinho imensurável e pelo amor incondicional. O seu apoio é um dos
alicerces desta dissertação!
A meu pai, Sebastião, que de seu jeito particular, sempre se mostrou orgulhoso
de cada vitória alcançada, por reconhecer todo o meu esforço e por estar sempre pronto
para qualquer ajuda que lhe fosse possível prestar.
A meu marido, Anderson Dimitri, o biólogo que mais sabe sobre clíticos
pronominais e sobre a sociolinguística Laboviana neste mundo, por ter, desde a época
do vestibular, acreditado em mim, por inúmeras vezes, muito mais do que eu mesma e
por estar sempre pronto para falar: “Lembra que você falava que não iria conseguir?
Agora, olha só aonde você chegou”. Marido, obrigada por estar ao meu lado e
“enlouquecer” junto a mim a cada dia!
A minha irmã, Alessandra, pela dedicação que MUITAS vezes tomou traços
maternais, por estar sempre presente em minha vida, pelas inúmeras noites de luzes
acessas em proveito de meus estudos, pela vibração com as vitórias e apoio nos
momentos difíceis e, ainda, pelo valioso auxílio com os gráficos.
A meu irmão, Alessandro, por ser o maior divulgador de todas as minhas
conquistas e, agora, mesmo morando num “reino tão tão distante”, torcer para o alcance
de mais uma vitória.
7
Agradeço a Silvia Rodrigues por todos os ensinamentos e exemplos passados
dia-a-dia, por ter me apresentado o universo científico e mostrado, da melhor maneira
possível, o brilho da pesquisa linguística; agradeço por toda orientação, compreensão e
inúmeras palavras de motivação, principalmente, “nesta reta finalíssima”.
Às professoras Maria Eugênia e Christina Abreu por aceitarem compor a banca,
assim como ao professor Afrânio Gonçalves e à professora Ângela Bravin pela gentileza
de aceitarem se disponibilizar como suplentes.
Às professoras Dinah Callou, Maria Cecília Mollica, Violeta Rodrigues,
Aparecida Lino, Silvia Rodrigues, Márcia Machado, Lucia Helena e Maria Eugênia,
que, ao longo da realização do mestrado, contribuíram com as brilhantes disciplinas
ministradas, despertando o interesse por diversos temas que se pudessem relacionar com
a presente investigação e, ainda, estando sempre dispostas a qualquer orientação que
lhes fosse solicitada.
A Maria de Fátima, amiga de todas as horas e companheira de toda esta jornada,
desde a iniciação científica, sempre pronta para dizer que “tudo vai dar certo”; uma
verdadeira parceira com quem pretendo continuar a compartilhar inúmeras aventuras
acadêmicas e diversas experiências de vida.
Aos amigos do grupo de pesquisa e àqueles que tomaram rumos diferentes do
meu com o fim da graduação, pois fazem parte de cada pedacinho desta conquista;
estiveram presentes em viagens, congressos, apresentações etc dando força nos
momentos de “tensão” e muitas risadas, até mesmo quando não era adequado! Ciente de
que são incontáveis os amigos que fizeram parte minha trajetória acadêmica, agradeço
a Priscila Santos, a Cristina Márcia, a Danielly Cassimiro, a Olívia Maia, a Alessandra
de Paula, a Maíra Paiva e a Vinícius Maciel que podem representar todos, pelo espírito
de companheirismo que pudemos partilhar.
8
A todos os senhores e senhoras “alto padrão” do QT-4/2011, os melhores
oficiais da MB; amizade recente, que se constrói no difícil momento em que estamos
aprendendo a ser “homens de verdade”; pela compreensão e incentivo diário, por, não
deixar “tocar o desespero” nos picos de cansaço, incentivando-me sempre a vencer o
combate, continuar
a desenvolver o trabalho “na marca” e dar “o pronto” desta
dissertação. Agradeço “aos campanhas” por sempre me fazer lembrar que “quando o
corpo não aguenta, a moral é que sustenta” e que, logo logo, eu me lembrarei que esta
fase é, na verdade, uma “corridinha mixuruca, que não dá nem pra cansar”, pois, no fim
das contas, chegarei, até mesmo, a me a perguntar: “que será isso, meu Deus?”
Por fim, agradeço a todos os amigos, familiares e colaboradores que, direta ou
indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.
9
Parte desta investigação foi
fomentada
pelo
apoio
financeiro do CNPq (março
de 2010 a fevereiro de 2011).
10
SINOPSE
Investigação sociolinguística Laboviana da ordem
dos
clíticos
pronominais
em
contextos
de
complexos verbais na modalidade escrita do
Português do Brasil atual. Análise de dados de
redações
dissertativos
escolares,
e
considerando
narrativos
de
alunos
textos
com
diferenciados níveis de escolaridade, matriculados
em turmas regulares das redes pública e privada de
ensino do Estado do Rio de Janeiro.
11
RESUMO
A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE
SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de pós-graduação
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas.
O presente trabalho caracteriza-se pela investigação dos padrões de ordem dos
clíticos pronominais em lexias verbais complexas na escrita escolar brasileira. Para
tanto, vale-se de corpus da modalidade escrita do gênero redação escolar, que
compreende textos narrativos e dissertativos, produzidos por alunos de diferenciados
níveis de escolaridade, de turmas regulares das redes pública e privada de ensino do
Estado do Rio de Janeiro.
Busca-se determinar quais os contextos linguísticos e extralinguísticos que
exercem influência na escolha do falante pela colocação pré-complexo verbal ou cl V1
V2 (se pode analisar), intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2 (pode-se
analisar), intra-complexo verbal sem hífen ou V1 cl V2 (pode se analisar) ou póscomplexo verbal ou V1 V2-cl (pode analisar-se).
A pesquisa segue as orientações teórico-metodológicas da Sociolinguística
Laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1978, 1994) e,
quanto ao tema da cliticização pronominal, dos parâmetros propostos por Klavans
(1985); a respeito da relação que se configura entre a escrita e a oralidade, o estudo
conta com as reflexões presentes em Kato (2005), Bortoni-Ricardo (2004) e Pagotto
(1998).Para o tratamento estatístico dos dados coletados, lança-se mão do pacote de
programas GOLDVARB (versão 2001).
Os resultados obtidos por meio desta investigação, em respeito às variáveis
linguísticas, demonstraram, independentemente da forma do verbo principal dos
complexos verbais, a preferência dos alunos pela variante V1 cl V2. Em complexos
formados por infinitivo, em particular, verificou-se a produtiva ligação do clítico
indeterminador/apassivador a V1 (em próclise ou ênclise) em contextos de auxiliares
modais, além do emprego da variante V1 V2-cl condicionado ao uso do clítico o/a. No
âmbito extralingüístico, os textos narrativos mostraram-se favorecedores da variante V1
cl V2; as variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl apresentaram maiores índices de aplicação em
textos de alunos da rede privada, sobretudo naqueles produzidos por alunos do 9º ano
do ensino fundamental. Tais resultados podem contribuir para o reconhecimento do
padrão de ordem do clítico pronominal na variedade brasileira da língua portuguesa, e,
ainda, revelar características próprias da escrita escolar, auxiliando, dessa maneira, a
atividade docente.
Palavras-Chave: Morfossintaxe, clíticos, colocação pronominal, lexias verbais
complexas, Sociolinguística, escrita escolar
12
ABSTRACT
THE PRONOMINAL CLITICS ORDER: A SOCIOLINGUISTIC ANALYSIS OF
THE SCHOOL WRITING IN RIO DE JANEIRO
Adriana Lopes Rodrigues Coelho
Supervisor: Silvia Rodrigues Vieira
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de pós-graduação
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro
– UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas.
This essay is characterized by the investigation of pronominal clitics order
standards in the complex verbal lexias in Brazilian school writing. For this purpose, the
research uses a written corpus which includes the narrative and the essay textual
typologies. Such school compositions were produced by students from different levels
of education who study in regular classes of public and private schools in Rio de
Janeiro.
We seek to determine the linguistic and extra linguistic factors which exert
influence on the choice of the speaker by variant pre-verbal complex or cl V1 V2 (se
pode analisar), intra-complex verbal with hyphen or V1-cl V2 (pode-se analisar), intracomplex verbal without hyphen or V1 cl V2 (pode se analisar) or post-verbal complex
or V1 V2 -cl (pode analisar-se).
The research follows the theoretical and methodological approaches of
Sociolinguistics Labovian (Weinreich, Labov & Herzog, 1968; Labov, 1972, 1978,
1994) and, regarding the pronominal clitization issue, parameters proposed by Klavans
(1985). The relationship that takes shape between writing and orality, the study relies on
the reflections found in Kato (2005), Bortoni-Ricardo (2004) and Pagotto (1998). For
the statistical treatment of data collected, throws up hand the package of programs
GOLDVARB (version 2001).
The results obtained through this investigation, in respect to the linguistic
variables, showed that, regardless of the shape of the main verb of the verbal complex,
the preference of students for variant cl V1 V2. In complexes formed by the infinitive,
in particular, there has been a productive binding of indefinite / passivated clitic V1 (in
proclisis or enclitic) in contexts of modal auxiliaries, besides the use of variant V1-V2
cl conditioning the use of the clitic / a. Under extra linguistic factors, the narrative texts
proved to be favoring the variant V1 cl V2; variants V1-cl V1 and V2 V2-cl had higher
rates of use in texts of students from private, especially those produced by students of
the 9th year of elementary school.These results may contribute to the recognition of the
pronominal clitics order standards in Brazilian and also reveal characteristics of writing
school, helping in this way, the teaching activity.
Keywords: Morphosyntax, clitics, Sociolinguistic, complex verbal forms,
school writing.
13
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................17
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................................................21
2.1. A abordagem prescritivo-normativa............................................................21
2.2. A abordagem descritiva proposta por PERINI ...........................................26
2.3. A abordagem didática..................................................................................31
2.4. A perspectiva de diversos estudos lingüísticos............................................34
2.4.1. A ordem dos clíticos pronominais sob a ótica da diacronia ou de
sincronias passadas ...........................................................................35
2.4.2. A ordem dos clíticos pronominais em estudos sincrônicos ...............47
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...........................................................................57
3.1.Teoria da variação e mudança.......................................................................57
3.2. A cliticização pronominal ...........................................................................65
3.3. A relação oralidade-escrita...........................................................................68
4. METODOLOGIA.....................................................................................................74
4.1. A descrição do corpus...................................................................................74
4.2. Etapas da pesquisa .......................................................................................77
4.3. A descrição das variáveis ............................................................................78
4.3.1. A variável dependente ...................................................................78
4.3.1.1. A concepção de complexo verbal....................................80
4.3.2. As variáveis independentes............................................................84
4.3.2.1. As variáveis independentes extralinguísticas..................84
4.3.2.2. As variáveis independentes linguísticas..........................88
4.3.3. O tratamento dos dados................................................................100
14
5. ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................104
5.1. Produtividade das ocorrências....................................................................104
5.2. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais.........................106
5.2.1. Distribuição dos dados pela variável dependente........................106
5.2.2. Complexos verbais com gerúndio...............................................109
5.2.3. Complexos verbais com particípio..............................................114
5.2.4. Complexos verbais com infinitivo..............................................118
5.2.4.1.
Distribuição
dos
dados
pelas
variáveis
extralinguísticas......................................................120
5.2.4.2. Distribuição dos dados pelas variáveis linguísticas.....131
6. CONCLUSÃO.........................................................................................................152
7. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................160
15
LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E QUADROS
TABELAS:
1. Número de ocorrências de clíticos pronominais nos textos, de acordo com o modo de
organização discursiva predominante............................................................................104
2. Número de ocorrências de clíticos pronominais a depender da forma do verbo
principal.........................................................................................................................105
3.
Distribuição
geral
dos
dados
pelos
fatores
da
variável
dependente....................................................................................................................107
4. Distribuição dos dados pelos fatores da variável dependente de acordo com a forma
do verbo principal.........................................................................................................108
5. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais formados por gerúndio –
distribuição dos dados de acordo com o modo de organização discursiva dos
textos.............................................................................................................................110
6. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com particípio consoante a variável dependente e o modo de organização
discursiva......................................................................................................................114
7. Distribuição geral dos dados de infinitivo pelas variantes da variável
dependente....................................................................................................................119
8. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante a variável dependente e o nível de escolaridade dos
alunos............................................................................................................................120
9. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo
consoante
a
variável
dependente
e
o
sexo
dos
alunos.............................................................................................................................125
10. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante a variável dependente e o tipo de instituição de ensino.
.......................................................................................................................................127
11. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o modo de organização discursiva predominante.................129
12. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante a presença/ausência de elementos intervenientes no complexo
verbal.............................................................................................................................131
13. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o tipo de clítico.....................................................................134
14. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante a forma do verbo auxiliar.....................................................139
15. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o tipo de complexo verbal....................................................143
16
16. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
.......................................................................................................................................146
GRÁFICOS:
1. Distribuição geral dos dados pelos fatores da variável dependente..........................107
2. Distribuição dos dados de infinitivo pelos fatores da variável dependente...............119
3. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante a variável dependente e o nível de escolaridade dos
alunos.............................................................................................................................121
4. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo
consoante
a
variável
dependente
e
o
sexo
dos
alunos.............................................................................................................................125
5. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante a variável dependente e o tipo de instituição de ensino.
alunos.............................................................................................................................127
6. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante a variável dependente e o modo de organização predominante nos
textos.............................................................................................................................129
7. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o tipo de clítico.............................................................................135
8. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o tipo de complexo verbal.............................................................143
9. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo
verbal.............................................................................................................................147
QUADROS:
1. Pronomes pessoais: retos e oblíquos...........................................................................30
2. Composição do corpus................................................................................................75
17
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho constitui uma análise de cunho variacionista a respeito da
colocação pronominal na escrita escolar considerando a variedade brasileira da língua
portuguesa. Como objeto de estudo específico desta investigação, tem-se a ordem dos
clíticos pronominais em contextos de complexos verbais, em textos do gênero redação
escolar. Como complexos verbais, compreendem-se, nesta pesquisa, diversas
construções formadas por duas ou mais formas verbais nas quais se observa algum grau
de integração sintático-semântica e em relação às quais se pode detectar a mobilidade
do clítico pronominal.
No que concerne à fundamentação teórico-metodológica, este estudo orienta-se
pelos preceitos da Sociolingüística Laboviana (WEINREICH, LABOV e HERZOG,
1968) e, quanto ao tema da cliticização pronominal, pelos parâmetros propostos por
Klavans (1985). A metodologia adotada, assim como as descrições e as observações
feitas a partir da análise dos dados, segue as orientações presentes nessas referências.
Ademais, para respaldar a interpretação das questões relativas ao modo de organização
textual, o estudo conta com as orientações presentes em Charaudeau (2008) e Marcuschi
(2008).
O principal objetivo desta pesquisa é averiguar quais os contextos linguísticos e
extralinguísticos que estejam relacionados à colocação pronominal em complexos
verbais, buscando identificar, portanto, quais são os fatores que exercem influência na
escolha do falante pela colocação pré-complexo verbal ou cl V1 V2 (se pode analisar),
intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2 (pode-se analisar), intra-complexo verbal
sem hífen ou V1 cl V2 (pode se investigar) ou pós-complexo verbal ou V1 V2-cl (pode
investigar-se).
Para o tratamento do fenômeno em questão, conta-se com corpus especialmente
formado para esta investigação, o qual é constituído por uma coletânea de textos
narrativos e dissertativos produzidos por alunos matriculados em turmas de ensino
regular das redes privada e pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro.
Sendo a ordem dos clíticos pronominais na língua portuguesa tema submetido a
ampla discussão, especialmente em se tratando de contextos com formas verbais
simples, pretende-se contribuir para o debate privilegiando as ocorrências de clíticos em
complexos verbais. Tendo em vista que é necessário aprofundar o conhecimento a
respeito do uso da cliticização pronominal em estruturas que comportem mais de uma
18
forma verbal em diversos gêneros textuais, o trabalho vale-se da redação escolar, de
modo a oferecer aos docentes informações que fundamentem as diretrizes teóricometodológicas quanto ao referido tema no ensino da língua portuguesa como língua
materna. O interesse pelo contexto escolar reveste-se de fundamental importância
particularmente em casos como o do Brasil, em que, muitas vezes, a norma adotada se
encontra distante da norma praticada cotidianamente.
Dessa maneira, o objetivo geral deste estudo é cooperar para o maior
conhecimento dos padrões de uso referentes à ordem dos pronomes átonos em relação
aos complexos verbais, na variedade brasileira da língua portuguesa, especificamente na
escrita escolar. Como objetivos específicos, listam-se (i) descrever a realidade
lingüística dos textos escolares no que concerne à ordem dos clíticos pronominais; (ii)
atestar os contextos favorecedores da aplicação de cada uma das variantes da ordem dos
clíticos pronominais; (iii) verificar se há interferência da educação formal na escrita
produzida pelos alunos, buscando evidenciar, no que se refere à posição dos pronomes
átonos, a trajetória de implementação dos traços normativos ao longo do curso escolar.
Com
a
análise
a
ser
realizada,
busca-se
responder
aos
seguintes
questionamentos, motivadores desta investigação:
a) Quais são os padrões lingüísticos referentes à ordem dos clíticos pronominais
em contextos de complexos verbais, na modalidade escrita do português do Brasil,
revelado a partir da análise do corpus?
b) Que variáveis lingüísticas apresentam relevância ao condicionamento do
fenômeno? Em que medida o contexto morfossintático influencia o fenômeno da
colocação pronominal em contextos de complexos verbais?
c) Que variáveis extralingüísticas são representativas no condicionamento do
fenômeno? Há diferenças significativas na ordem do clítico pronominal no que se refere
ao nível escolar do informante?
As hipóteses estabelecidas como possíveis respostas aos questionamentos
supracitados são as seguintes:
a) O padrão lingüístico revelado a partir da escrita escolar demonstraria normas
de uso diferentes daquelas prescritas nos manuais consultados, revelando que os textos
dos alunos não se restringem a demonstrar as formas implementadas pela tradição
gramatical, mas refletem aspectos que advêm da norma vernacular e se inserem
inevitavelmente na escrita; acredita-se, ainda, que tal aspecto seja menos evidente nos
textos de alunos de nível escolar mais avançado, em virtude de estarem há mais tempo
19
em contato com as formas características do padrão culto idealizado e divulgado em
meio escolar.
b) quanto ao aspecto estrutural, acredita-se que a forma do verbo principal, a
presença de elementos antecedentes ao grupo clítico-complexo verbal e o tipo de clítico
possam exercer influência no condicionamento do fenômeno;
c) quanto ao aspecto social, o nível de escolaridade do aluno configuraria traços
característicos na escrita acerca do tema abordado; as redações de alunos do 3º ano do
ensino médio apresentariam maior produtividade das variantes contempladas pela
tradição gramatical, o que refletiria uma implementação gradativa dos traços normativos
na manifestação lingüística dos alunos.
No que concerne à estrutura desta dissertação, o presente estudo está organizado
em seis capítulos incluindo-se este de introdução.
O capítulo 2 refere-se à revisão bibliográfica, apresentando as obras consultadas,
estudos descritivos realizados acerca do tema da cliticização pronominal, compêndios
gramaticais e materiais didáticos. Essa revisão permite observar como o tema da ordem
dos clíticos pronominais tem sido contemplado em diferentes abordagens.
No capítulo 3, apresentam-se os fundamentos teóricos nos quais se baseia esta
pesquisa, sendo estes referentes à Sociolinguística Laboviana, linha a partir da qual se
desenvolveu a análise relativa a variação e mudança; ao conceito de cliticização
pronominal e às reflexões realizadas por alguns autores acerca da relação existente entre
a escrita e a oralidade.
No capítulo 4, apresenta-se a metodologia empregada para a realização deste
trabalho. Nesse capítulo, expõem-se a descrição do corpus de análise, as etapas da
realização da pesquisa, a descrição da variável dependente, os fatores linguísticos e
extralinguísticos controlados e os procedimentos adotados para a interpretação dos
resultados.
O capítulo 5 corresponde à descrição dos resultados obtidos, com base na
interpretação dos índices absolutos e percentuais, de modo a demonstrar o
comportamento da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais e o que se
pode observar a respeito do condicionamento do fenômeno por meio dos fatores
controlados.
20
O capítulo 6 apresenta as conclusões que se puderam tecer a respeito das normas
objetivas do português do Brasil, quanto à ordem dos clíticos pronominais no contexto
de lexias verbais complexas, revelando o padrão escrito praticado nos textos dos alunos.
Expõem-se, ainda nesse capítulo, as considerações finais, procedendo à retomada de
conceitos e resultados para que se possa evidenciar a relevância da investigação
realizada e os aspectos que devem ser aprofundados.
21
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. A abordagem prescritivo-normativa
Como um dos objetivos desta pesquisa é investigar a interferência, na escrita
escolar, dos traços normativos implementados pela escola, faz-se necessário apresentar
o tratamento do tema proposto na abordagem de algumas gramáticas consideradas
tradicionais, que servem de base à formulação de materiais pedagógicos. Para que se
pudesse observar como é proposto o modelo de norma a respeito da colocação do
pronome átono, buscaram-se referências como Bechara (1999 [1928]), Cunha & Cintra
(2001 [1985]) e Lima (2006 [1972]) – referências tradicionais no que se refere ao estudo
da língua portuguesa.
Nas obras observadas, a descrição da ordem dos clíticos pronominais em casos
de locuções verbais1 dá-se imediatamente após a seção destinada à colocação
pronominal em contextos de lexias verbais simples. Observe-se a seguir como o tema da
colocação pronominal é apresentado nas referências analisadas.
Quando tratam do contexto das lexias verbais simples, Bechara (1999), Cunha &
Cintra (2001) e Lima (2006) apresentam três possibilidades de colocação do pronome
átono em relação ao núcleo verbal: próclise – clítico pronominal anteposto ao verbo –,
mesóclise – clítico pronominal no interior do verbo, posição recomendada para os casos
em que os verbos se encontram nas formas do futuro do presente ou no futuro do
pretérito em estruturas sem elemento dito atrator –, e ênclise – clítico pronominal
posposto ao verbo. Para ilustrar as referidas posições que o clítico pronominal pode
assumir em relação ao verbo, seguem as opções:
(i)
próclise: (não) se investiga;
(ii)
mesóclise: investigar-se-ia ; e
(iii)
ênclise: investiga-se.
Os autores concordam ao afirmar que, na língua portuguesa, a ênclise seria a
posição normal do pronome átono em relação ao verbo, mas apresentam contextos nos
_
1
Nesta análise, conforme se detalha no capítulo referente à metodologia, foram consideradas não só as
estruturas classificadas tradicionalmente como locuções verbais, mas também todas as estruturas nas
quais se pôde verificar determinado grau de integração sintático-semântica entre duas ou mais formas
verbais, sendo possível a alternância da posição do clítico em relação a qualquer das formas verbais sem
que fosse modificado o valor referencial em questão.
22
quais se dê preferência à colocação proclítica, sendo estes: (i) verbos antecedidos por
pronomes e advérbios interrogativos, por outros advérbios (como bem, mal, ainda, já,
sempre, aqui) e pronomes indefinidos (como tudo, alguém, outro, qualquer), e por
palavras negativas, sem pausa, sinalizada ou não por sinal gráfico; (ii) com gerúndio
regido da preposição em; (iii) em orações iniciadas por palavras exclamativas ou
denotativas de desejo; (iv) em orações subordinadas desenvolvidas, mesmo estando
oculta a conjunção subordinativa; (v) em orações optativas; (vi) em orações dispostas
em ordem inversa, iniciando-se por objeto direto ou predicativo (caso indicado somente
por Cunha & Cintra (2001).
Cabe, ainda, destacar que, a respeito das formas nominais, Cunha & Cintra
prescrevem que não se adjunge o pronome clítico ao verbo em forma de particípio
“quando desacompanhado do verbo auxiliar” (CUNHA & CINTRA 2001; 311); nesse
caso, os autores recomendam o uso da forma oblíqua regida por preposição (dada a mim
a explicação). Quanto aos contextos nos quais figuram as formas nominais gerúndio e
infinitivo, Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006) mencionam a tendência à colocação
enclítica, sobretudo quando se trata de infinitivos acompanhados de clíticos acusativos
e/ou sendo regidos pela preposição a.
Com base no que expõem a respeito dos contextos de lexias verbais simples, os
autores apresentam os aspectos que delineiam a ordem dos clíticos pronominais com
relação aos complexos verbais, dando atenção às devidas peculiaridades. Para os
contextos de mais de uma forma verbal, apresentam, de modo geral, as seguintes
posições nas quais pode figurar o clítico pronominal:
(i)
próclise ao verbo auxiliar: (não) se está investigando;
(ii)
ênclise ao verbo auxiliar: está-se investigando; e
(iii)
ênclise ao verbo principal: está investigando-se.
De acordo com os autores, quando o verbo principal figura nas formas nominais
gerúndio ou infinitivo, pode-se dar, como regra geral, a ênclise ao verbo auxiliar ou ao
principal; quando o verbo principal está na forma nominal particípio, a ênclise a este é
vetada – nesse caso, prescreve-se que o clítico deve ser posicionado em próclise ou em
ênclise ao verbo auxiliar.
Em relação à próclise ao verbo auxiliar, Cunha & Cintra (2001) e Bechara
(1999) consideram as mesmas condições para as quais se dá preferência a essa
23
colocação em contextos de um único verbo; a colocação enclítica do pronome átono,
tanto em relação ao verbo auxiliar como em relação ao verbo principal, ficaria
reservada, portanto, aos casos em que não se verificam tais condições.
Quanto à anteposição do pronome ao verbo auxiliar, Lima (2006) não apresenta
qualquer comentário específico; na seção destinada à colocação dos pronomes átonos
em contextos de locuções verbais, apresenta apenas a listagem das diferentes
possibilidades de posicionamento do clítico em relação ao tipo de locução verbal, que se
diferencia pela forma nominal em que se encontra o verbo principal. O autor não
esclarece se considera os mesmos casos de favorecimento da próclise em contextos de
lexias simples para os contextos de mais de uma forma verbal, mas apresenta exemplo
de colocação pronominal proclítica ao verbo auxiliar, sem que haja, em contexto
anterior, qualquer dos elementos tradicionalmente reconhecidos por atrair o pronome,
como se verifica nas sentenças “O presidente lhe quer falar ainda hoje” e “as visitas se
foram retirando” (Cf. Lima 2006:454).
Em todas as referências, constam subseções destinadas a retratar as
características próprias que se podem observar quanto à ordem dos clíticos pronominais
no Brasil, demonstrando-se que a colocação dos pronomes átonos na variedade
brasileira da língua portuguesa apresenta padrões diferenciados daqueles que se
observam na variedade européia da língua, principalmente no que se refere ao “colóquio
normal”, como afirmam Cunha & Cintra (2001). Observem-se, a seguir, os aspectos,
apontados por Bechara (1999) e Cunha & Cintra (2001), que podem ser tomados como
características do português do Brasil no âmbito da colocação pronominal:
(i)
a possibilidade de se iniciarem períodos com pronomes átonos;
(ii)
a preferência pela colocação proclítica em orações absolutas, principais e
coordenadas, iniciadas por palavras diferentes daquelas para as quais se
recomenda tal colocação;
(iii)
a possibilidade de se posporem pronomes a verbos conjugados nos
tempos do futuro (do presente ou do pretérito);
(iv)
em locuções verbais, a colocação proclítica ao verbo principal.
A possibilidade de se colocar, na variedade brasileira do português, o pronome
antes do verbo principal, sem que se ligue por hífen ao auxiliar, ganha destaque nas
referências investigadas. Bechara (1999) e Lima (2006) demonstram a ocorrência da
24
colocação proclítica ao verbo principal; nesse caso, o pronome deixaria de estar ligado
ao verbo auxiliar, assim como ocorre na variedade européia, e passaria a se ligar ao
verbo principal, sem hífen, quando este, de fato, o rege (vem me dizer). Bechara (1999)
acrescenta, ainda, que apesar de tal posição ter se estabilizado no Brasil, tendo sido, em
razão disso, mais observada do que a colocação enclítica, a próclise ao verbo principal
não foi aceita pela gramática clássica, salvo nos casos em que o infinitivo é precedido
de preposição, como exemplifica o próprio autor: Começou a lhe falar (Cf. Bechara,
1999: 590). A fim de justificar a colocação proclítica do pronome átono ao verbo
principal, Cunha & Cintra (2001), assim como Bechara (1999), utilizam-se do
comentário do Prof. Martins de Aguiar de modo a demonstrar que o que rege a posição
dos pronomes átonos é, de fato, um conjunto de fatores:
Numa frase como ele vem me ver geral em Portugal, literária no
Brasil, o fator lógico deslocou o pronome me do verbo vem,
para adjudicá-lo ao verbo ver, por ser ele determinante, objeto
direto, do segundo e não do primeiro. Isto é, deixou a língua
falada no Brasil de dizer vem-me ver (fator histórico, por ser
mera continuação do esquema geral português) para dizer vem
me-ver (escrito sem hífen, que também vigia na língua,
ligando-se o pronome ao verbo que o rege (fator lógico). (apud
BECHARA, 1999: 591)
Cabe destacar que Lima (2006) apresenta a possibilidade de colocação proclítica ao
verbo principal sem que se faça qualquer observação. Em outras palavras, enquanto,
para Bechara (1999) e Cunha & Cintra (2001), existem, em termos gerais, três
diferentes possíveis posições do pronome em contextos de complexos verbais, sem que
se considerem as peculiaridades que se observam no português do Brasil, para Lima
(2006) existem quatro. A respeito da referida próclise ao verbo principal, verifica-se
importante ressalva nos manuais consultados; os autores declaram ser tal fenômeno
característica do português brasileiro. São relevantes as considerações de Lima (2006)
em afirmar que se trata de “sintaxe brasileira que se consagrou na língua literária, a
partir (ao que parece) do Romantismo” (LIMA, 2006: 455). O autor destaca, ainda, o
fato de que tal colocação “não tem agasalho” (LIMA, 2006: 455) quando se trata do
clítico acusativo (o, a, os, as), conferindo razão ao volume fonético deste pronome, que
se mostra reduzido quando comparado aos outros clíticos pronominais.
Como se pôde observar, a colocação proclítica do pronome ao verbo principal
apresenta-se na abordagem tradicional, de modo geral, como característica do “colóquio
brasileiro”; nesse discurso, verifica-se a noção da “condescendência com as situações
25
informais”, apresentada por Pagotto (1998). Essa proposta relaciona-se ao fato de que as
gramáticas tendem a apresentar aspectos que se revelam no PB por meio da descrição de
um português que se permite falar, bastante diferente daquele que se verifica na
modalidade escrita, sustentado pela manutenção de um padrão culto idealizado, que
serve, na verdade, para acentuar as diferenças que se estabelecem hoje em dia, não
somente pelas relações de poder, mas, sobretudo, pela oposição entre grupos sociais,
discernindo o falante escolarizado do não escolarizado.
Em se tratando do PB, o tema da clíticização pronominal é extremamente
produtivo para que se discutam as diferenças que se podem observar entre os padrões de
uso praticado pelos falantes e o padrão culto prescrito pelos manuais tradicionais. Cabe
destacar que diversos estudos já realizados (Cf. seção 2.4) revelam que o “colóquio”
não pode ser considerado um detalhe na realidade linguística do português brasileiro a
ponto de chegar à conclusão de que a intenção da instrução formal é fazer com que
falantes que freqüentam a escola possam adquirir um padrão de colocação diferente
daquele que já dominam. Aos moldes do que se verificou ao longo da história do PE,
conforme expõe Pagotto (1998), a postulação de uma norma culta que seja
verdadeiramente do PB depende do reconhecimento dos fatos lingüísticos que se
revelam no português aqui falado e, assim, a tradição gramatical deixará de preconizar a
implementação de uma norma culta no Brasil que se constrói a partir do modelo
lusitano.
De modo geral, a fim de sintetizar as informações apresentadas, pode-se dizer
que, em meio à tradição gramatical, se prescreve como certo – o que, de acordo com os
autores, corresponde à colocação “normal” do pronome – os seguintes aspectos:
(a) no âmbito das lexias verbais simples: (i) a colocação enclítica do pronome,
quando se trata das formas finitas não antecedidas das chamadas partículas atratoras –
excetuando-se aquelas em tempos de futuro (prescreve-se a colocação mesoclítica,
nesses caso) – e das formas nominais infinitivo e gerúndio, rejeitando-se a adjunção de
pronome átono às formas participiais, para as quais se prescreve o uso da forma oblíqua
do pronome regida por preposição; e (ii) a colocação proclítica do pronome ao verbo em
contextos descritos como propiciadores da anteposição do pronome, em razão de
características morfossintáticas da sentença em que figuram (com a presença de
partículas atratoras);
26
(b) no âmbito dos complexos verbais: (i) a ênclise ao verbo auxiliar (quando o
verbo principal se apresenta em qualquer das formas nominais) ou ao principal (quando
este se apresenta nas formas nominais gerúndio e infinitivo, rejeitando-se, assim como o
que se recomenda para os contextos de lexias simples, a ligação do clítico ao particípio),
e (ii) a colocação proclítica ao verbo auxiliar, restrita aos mesmos contextos
morfossintáticos que favorecem a próclise quando se trata de um único verbo.
Não se pode deixar de mencionar que as prescrições apresentadas pelos autores
acerca da colocação pronominal apresentam determinadas limitações, em virtude de
terem por base uma tradição filológica cujas origens se concentram na tradição grega e
de não negarem esforços para implementarem uma norma culta que se espelha no
padrão europeu. Os resultados com os quais se pode contar atualmente (Cf. seção 2.4)
permitem visualizar que, em se tratando do português do Brasil, não se justifica
determinar, por exemplo, que “é rejeitada a ligação do clítico ao particípio” ainda que
proclítica; ou que a colocação proclítica (ao verbo auxiliar, no caso dos complexos
verbais) somente se dá na presença dos elementos listados como favorecedores dessa
colocação. Diversos estudos podem mostrar que a colocação pronominal no PB revela
um padrão bastante diferenciado desse que se idealiza com base na variedade europeia
da língua, atingindo índices de aplicação em contextos amplamente diversificados que
extrapolam os limites das prescrições tradicionais. Por fim, cabe dizer que, no âmbito da
colocação pronominal em complexos verbais, os resultados já obtidos e os que se
apresentam nesta investigação demonstram que o pronome não figura “solto entre os
dois verbos, sem ligação por hífen ao auxiliar”; antes, ocorre de fato a próclise ao verbo
principal (que não se restringe à oralidade, mas se incorpora na escrita) e é esse um dos
fatores que podem caracterizar o padrão de colocação pronominal brasileiro.
2.2. A abordagem descritiva proposta por PERINI
Nesta seção, apresenta-se a abordagem descritiva desenvolvida por Mario A.
Perini em “Gramática descritiva do português Brasileiro” (2001 [1995]) e “Gramática
do português brasileiro” (2010), a respeito dos aspectos lingüísticos que possam
caracterizar a norma de uso do português do Brasil acerca dos clíticos pronominais.
Na Gramática descritiva do português Brasileiro (PERINI, 2001 [1995]), o
enfoque dado ao tema concentra-se no posicionamento dos clíticos pronominais na
27
sentença. Perini deixa claro que não se deve desprezar o exame realizado pelas
gramáticas tradicionais, mas também que não se pode abrir mão de uma análise crítica
sobre tal exame, considerando-se os aspectos que integram o padrão de uso da língua
portuguesa corrente. Em virtude disso, essa gramática descritiva é considerada, pelo
próprio autor, uma tentativa de descrição da variedade culta escrita brasileira da língua
portuguesa, tomando por base textos jornalísticos e científicos.
Segundo Perini (2001 [1995]), há determinada instabilidade a respeito do
julgamento realizado acerca da cliticização pronominal em meio aos falantes da
variedade brasileira da língua portuguesa. O autor declara que, embora os princípios
envolvidos no tema sejam bastante simples, ocorrem grandes discussões a respeito da
posição dos pronomes átonos em determinadas construções. Tais discussões,
decorrentes da inegável diferença entre os padrões brasileiros e europeus, revelam que
os falantes vacilam quando se encontram diante da situação em que a variedade padrão
entra em confronto com os traços lingüísticos característicos do uso do português do
Brasil.
Perini (2001 [1995]) destaca que os clíticos figuram sempre ligados ao verbo,
sendo este auxiliar (Aux) ou o próprio núcleo do predicado (NdP), distinguindo duas
posições possíveis: próclise e ênclise. De acordo com o autor, “a chamada mesóclise é
apenas um caso especial de ênclise, que aparece quando o NdP ou o Aux está no futuro
do presente ou do pretérito” (PERINI, 2001: 229). Não se pode deixar de mencionar que
o autor destaca a improdutividade da colocação enclítica do pronome, chegando a
afirmar que a “ênclise está desaparecendo do português do Brasil” (PERINI, 2001:
230); de acordo com o autor, tende-se a reconhecer que, no português do Brasil, o
pronome clítico se coloca sempre antes do verbo.
Para mostrar as possibilidades de posicionamento do clítico pronominal em
relação ao verbo na escrita brasileira, Perini (2001) apresenta os casos de restrição à
próclise e à ênclise. Desse modo, em relação à próclise, o autor aponta como “mal
formulada”, nos textos escritos, a oração que contenha o pronome em posição proclítica
em início de estrutura oracional não subordinada ou, ainda, logo após elemento
topicalizado; quanto à ênclise, aponta a oração que contenha gerúndio precedido da
preposição “em”, quando associada a um particípio e, ainda, quando a oração se inicia
por um elemento que possa exercer um potencial de atração do pronome; nos demais
28
casos, registra que se dá o uso da próclise ou da ênclise indiferentemente (Cf. Perini,
2001 [1995]: 229-230).
Perini (2001 [1995]) reconhece a grande dificuldade em determinar os elementos
que efetivamente exercem atração do clítico pronominal e aponta que há diferenças,
nesse aspecto, a serem observadas entre os compêndios gramaticais. Segundo o autor,
apesar de serem considerados, normalmente, como proclisadores, os pronomes relativos
e interrogativos e os itens não, nunca, só, até, mesmo e também, tudo, nada, alguém,
ninguém e o que (complementizador), nem sempre o são os SNs acompanhados de prédeterminantes (todos, ambos), os SNs iniciados por qualquer, nenhum, bem, mal ainda,
já e sempre. Quanto à lista dos elementos proclisadores, o autor argumenta que
devemos deixá-la em aberto, em virtude da falta de estudos detalhados2, mas sugere a
aplicação de testes com pessoas que dominam a linguagem padrão e a realização de
levantamentos em textos para que se analisem os itens que, aparentemente, se
comportam como elementos proclisadores.
No que concerne aos complexos verbais, Perini (2001 [1995]) propõe que, no
padrão brasileiro, da mesma maneira que se admite a ênclise ao verbo auxiliar (Aux) e
ao verbo principal (NdP), é admitida a próclise a ambos os verbos. Então, reproduzindose os exemplos dados pelo autor, as possibilidades de colocação do clítico pronominal
no português do Brasil quando se trata de um predicado complexo seriam as que se
seguem:
(a) Minhas primas se estão comportando bem.
(b) Minhas primas estão-se comportando bem.
(c) Minhas primas estão se comportando bem.
(d) Minhas primas estão comportando-se bem.
Das possibilidades de colocação previstas, o autor propõe que a próclise ao
verbo principal seja mais freqüente do que a próclise ao verbo auxiliar e, até mesmo, do
que a ênclise a qualquer um dos verbos. Com base nessa proposta, postula a seguinte
generalização: “... a posição natural do clítico, quando o predicado é complexo, é a
próclise ao NdP...” (PERINI, 2001:231).
_
2
A época de publicação da obra (1995), o panorama da pesquisa linguística a respeito do tema poderia ser
diferenciado do que se apresenta atualmente; já se pode contar com diversos resultados obtidos por
pesquisadores que puderam demonstrar atuação de diferentes elementos como possíveis propiciadores da
colocação proclítica, assim como se apresenta na subseção 2.4.
29
A respeito da colocação proclítica ao verbo auxiliar, o autor menciona que essa
posição é cada vez mais rara no padrão brasileiro, mas se manifesta em determinados
casos que merecem atenção, como aqueles em que o primeiro verbo, mesmo não sendo
tradicionalmente considerado auxiliar, abriga o clítico pronominal (Ela me sabe
agradar), não se podendo negar a “aceitabilidade mais ou menos reduzida” desse tipo
de colocação, quando o auxiliar vem acompanhado de uma preposição, como em Ela se
deixou de maquiar/ Ela se continuou a maquiar (Cf. Perini, 2001:232)
De modo geral, no que se refere à ordem dos pronomes clíticos tanto nos
predicados simples como nos predicados complexos, Perini (2001) deixa claro que se
fazem necessários resultados científicos que sirvam a evidenciar o comportamento do
padrão brasileiro acerca do tema.
Na Gramática do português brasileiro (PERINI, 2010), a descrição realizada
pelo autor se faz com base na língua falada, desenvolvendo uma análise dos fenômenos
que de fato se verificariam no português do Brasil. Para que melhor seja explicitado o
teor da obra à qual se faz referência, observem-se as palavras do autor:
... aqui estou descrevendo a língua falada padrão. Uma
variedade uniforme e socialmente aceita em todo o país (...)
descrevo uma espécie de compromisso baseado na norma
urbana, não na norma ditada pelas gramáticas e ensinada nas
escolas, mas na norma tacitamente aceita e praticada pela
população do país (...) gramática da língua falada diariamente
nas ruas e reproduzida nas novelas de TV, no teatro e no cinema
nacional. (PERINI, 2010: 44-45)3.
Perini (2010), com base no que identifica como o “português do sudeste do
Brasil”, confere ênfase ao tratamento dos pronomes pessoais, devido ao particular
comportamento de tais itens no PB, sobretudo no que se refere aos pronomes oblíquos,
que, de acordo com o autor, “são um bicho-papão da gramática tradicional do
português” (p. 115). Além de observações sobre o posicionamento dos pronomes, o
autor faz uma importante apreciação de como se apresenta o quadro pronominal do PB,
apontando que determinadas formas pronominais demonstradas pela tradição gramatical
_
3
Apesar do que expõe Perini (2010) a respeito da “língua padrão” que descreve, cabe mencionar que,
nesta pesquisa, não se considera a existência de uma variedade linguística que se sobreponha às outras a
ponto de ser aceita em todo país, nem ao menos que haja uma única variedade que possa caracterizar o
português falado na região sudeste. Acredita-se que as variedades linguísticas são reflexo do universo
sócio-cultural em que o falante se insere, sendo, portanto, a realidade linguística heterogênea e
diversificada, nos domínios estilísticos, sociais e geográficos, o que não impossibilita a existência de
interinfluência de diferentes padrões de uso, favorecendo a identificação de formas entre falantes de
diversos grupos.
30
não se manifestam, de fato, nessa variedade da língua; o autor propõe, ainda, que, na
atual norma de uso do PB oral, não se manifestam formas oblíquas correspondentes a
todas as formas retas dos pronomes pessoais verificados.
O autor começa por demonstrar que, na verdade, o quadro dos pronomes
oblíquos no PB se encontra bastante reduzido, sendo tais pronomes, além do reflexivo
se, formas alternantes de algumas das formas retas. Observe-se, abaixo, a reprodução do
quadro apresentado pelo autor (p.116):
Quadro 1: Pronomes pessoais: retos e oblíquos (PERINI, 2010:116)
Forma Reta
Forma Oblíqua
Eu
Me, mim, -migo
Você, (tu)
Te, (-tigo), (ti), (lhe)
Ele, Ela
―
Nós
Nos, (-nosco)
Vocês
―
Eles, elas
―
Reflexivo
Se
Verifica-se que, para os pronomes ele/ela, vocês, eles/elas, não se apresentam as
correspondentes formas oblíquas. Dessa maneira, no exemplo dado pelo autor, a seguir
reproduzido, pode-se verificar um pronome pessoal em sua forma reta desempenhando a
função de complemento do verbo na sentença e não a de sujeito, comportamento não
reconhecido tradicionalmente:
Eu encontrei ela no cinema.
Perini faz, ainda, uma importante ressalva em relação ao clítico te, cujo uso também se
manifestaria no PB em concorrência com a forma reta correspondente.
Perini (2010) faz, ainda, algumas observações a respeito dos pronomes lhe e vos.
Segundo o autor, o pronome átono lhe é usado somente em algumas regiões – dentre as
quais não se poderia incluir o sudeste –, mas, geralmente, como equivalente ao clítico
te; para o clítico vos, considerando-se tanto a modalidade escrita como a oral, seria
demonstrada uma situação de total desuso no PB.
31
Em relação à ordem dos clíticos pronominais na sentença, Perini (2010) declara
que, no PB, essas formas sempre aparecem antes do verbo e, com isso, apresenta a
seguinte regra para o fenômeno: “O pronome oblíquo (sem preposição) se posiciona
sempre antes do verbo principal da oração.” (PERINI, 2010: 119). O autor deixa claro
que, ao mencionar o termo verbo principal na regra apresentada, trata também dos casos
nos quais há um verbo auxiliar.
2.3. A abordagem didática
Considerou-se importante para o desenvolvimento desta pesquisa averiguar
como se apresenta o tema da cliticização pronominal em materiais didáticos, já que se
investiga, aqui, a escrita escolar. Dessa maneira, recorreu-se à análise do tema nos onze
livros didáticos avaliados e aprovados pelo processo de seleção do PNLEM/2009
(Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio), dentre os quais os professores da
rede pública deveriam escolher quais obras utilizar como ferramenta de apoio à prática
pedagógica; os livros, escolhidos em 2008, passaram a ser entregues às instituições de
ensino para utilização a partir de 2009.
Para que se pudesse traçar um perfil das obras que compunham o programa, fezse uso, ainda, do próprio Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino
Médio: PNLEM/2009. O referido catálogo constitui ferramenta que serve para auxiliar
os professores e outros membros da equipe pedagógica das escolas no processo de
escolha dos livros a serem utilizados.
A opção em utilizar as obras recomendadas pelo PNLEM/2009 para que se
pudesse averiguar como o tema é abordado sob a ótica didática justifica-se pelo fato de
a avaliação dos livros, nesse programa, ter sido realizada por uma equipe de professores
pesquisadores de universidades brasileiras, dentre eles especialistas em língua
portuguesa, linguística e literatura brasileira. No catálogo supracitado, apresentam-se as
resenhas resultantes da avaliação, sendo salientados aspectos sobre os conceitos, a
metodologia empregada na abordagem dos temas gramaticais e os princípios éticos
veiculados nas obras.
Para que a análise aqui apresentada se fizesse de modo objetivo, optou-se por
escolher, dentre as onze obras que compunham o programa, três que, segundo a análise
global dos compêndios, podem representar as tendências no tratamento do tema da
ordem dos pronomes, sob a ótica didática. Com base nas obras escolhidas – Magalhães
32
& Cereja (2005), Pontara, Abaurre & Fadel (2005) e Terra & Nicola (2004) –,
verificam-se diferentes aspectos contemplados na abordagem do tema.
De modo geral, pode-se perceber que os compêndios didáticos assumem, em
termos teóricos, uma abordagem sociointerativa da língua portuguesa; entretanto, no
tratamento efetivo do material lingüístico, terminam por reproduzir, por vezes, a
metodologia tradicional, preocupando-se sobremaneira com critérios prescritivos e
classificatórios. No caso específico da cliticização pronominal, vale mencionar que o
tema constitui, em algumas obras, o conteúdo por meio do qual são abarcados os
aspectos referentes à existência de mais de uma norma, desenvolvendo-se comentários
acerca da variação linguística.
Nas referências analisadas, demonstraram-se, como opções de colocação
pronominal, a próclise, a mesóclise e a ênclise, tendo os autores apresentado definições
para cada uma delas análogas àquelas que se encontram na gramática tradicional
normativa, sendo, portanto, respectivamente, a colocação do pronome antes, no meio e
depois do verbo. No que se refere aos casos de atração do pronome indicados na
abordagem didática, pode-se afirmar que as obras também não se afastam da proposta
prescritivo-normativa. Cabe destacar, entretanto, que em TERRA & NICOLA (2004)
não se faz qualquer menção a tais casos; nesse livro, a abordagem do tema limita-se a
descrever quais são as posições que os pronomes átonos podem ocupar na oração,
declarando-se que “como todos os outros monossílabos átonos, apóiam-se na tonicidade
de alguma palavra próxima” (TERRA & NICOLA, 2004: 240).
É interessante ressaltar que as referências analisadas ora se aproximam ora se
distanciam na maneira pela qual promovem o desenvolvimento do tema em pauta nesta
pesquisa. Em Terra & Nicola (2004) e em Pontara, Abaurre & Fadel (2005), trata-se da
colocação pronominal em seção destinada à classe de palavras, sendo o assunto tratado,
em Pontara, Abaurre & Fadel (2005), em seção independente, próxima à seção de
pronomes, e, em Terra & Nicola (2004), em uma subseção daquela em que se
desenvolve toda a teoria referente à classe dos pronomes, contemplando-se, dessa
maneira, o aspecto morfossintático de tais formas. Nesses compêndios, a colocação
pronominal ganha espaço ao se demonstrar o comportamento dos pronomes na oração,
quando exercem a função de complemento; nesse contexto, os autores apresentam as
formas dos pronomes oblíquos átonos e os aspectos concernentes ao posicionamento de
tais elementos na oração. Em Magalhães & Cereja (2005), o capítulo que trata da
colocação pronominal compreende uma parte da unidade reservada à sintaxe da língua
33
portuguesa; a abordagem realizada por tais autores faz-se de maneira a considerar o
tema inserido em um contexto amplo de colocação, levando-se em conta, de modo
geral, a ordem na qual estão dispostos os termos que compõem a oração.
Pontara, Abaurre e Fadel (2005) e Magalhães & Cereja (2005) também
apresentam pontos semelhantes na abordagem desenvolvida. Em ambas as referências,
demonstram-se determinados casos de atração do pronome, sendo estes (i) a ocorrência
da preposição em seguida de gerúndio, (ii)
a presença de um infinitivo pessoal
antecedido de preposição, (iii) casos de orações exortativas, optativas, exclamativas e
aquelas que traduzem perguntas diretas e (iv) quando há a presença de elementos
atratores (palavra ou locuções negativas, advérbio não seguido de vírgula, pronomes
relativos, indefinidos e demonstrativos neutros e conjunções e locuções subordinativas).
As duas obras, no tratamento da colocação pronominal, preocupam-se em desenvolver o
caráter variacionista envolvido no tema; desse modo, os autores declaram que, em
decorrência das diferenças rítmicas existentes entre as variedades européia e brasileira
da língua, o uso da próclise se torna cada vez mais generalizado – sobretudo na
oralidade – no português do Brasil, diferente daquilo que ocorre no português europeu.
Dessa maneira, os autores conferem ênfase ao fato de que, apesar de reconhecidas as
características do português brasileiro em relação à cliticização pronominal, as regras e
orientações que se observam nos métodos de ensino, para que se estabeleça o padrão
culto da língua, ainda se guiam pelo padrão europeu. Em relação à mesóclise, os autores
declaram que, de fato, essa colocação do pronome está em desuso na variedade
brasileira, mantendo-se restrita a alguns contextos da escrita.
A cliticização pronominal em contextos com mais de um verbo não é abordada
em Terra & Nicola (2004); é tratada somente por Magalhães & Cereja (2005) e Pontara,
Abaurre & Fadel (2005), levando-se em consideração as locuções verbais e os tempos
compostos. Em Magalhães & Cereja (2005), apresentam-se três tópicos que
demonstram as possíveis colocações do pronome nesse contexto: (i) enclítico ao verbo
principal (quando este estiver no infinitivo ou no gerúndio); (ii) proclítico ou enclítico
ao verbo auxiliar; (iii) mesoclítico, estando o auxiliar no futuro do presente ou do
pretérito. Pontara, Abaurre & Fadel (2005), sem apresentar sistematicamente as
possibilidades de colocação dos pronomes em relação às duas formas verbais,
desenvolvem o assunto conferindo destaque ao fato de que “a tendência generalizada no
português do Brasil é a de colocar o pronome átono depois do verbo auxiliar, ficando
ele proclítico ao verbo principal” (PONTARA, ABAURRE & FADEL, 2005:129).
34
Reconhecem, no entanto, que, na escrita, se verifica a opção de ligar o pronome ao
verbo auxiliar por meio do emprego do hífen, o que reflete a colocação típica do
português de Portugal. Magalhães & Cereja (2005) também fazem referência às
construções “tipicamente brasileiras”, nas quais o pronome aparece “solto” entre os dois
verbos, não reconhecendo a colocação proclítica do pronome que se liga ao verbo
principal.
A análise dos livros didáticos foi extremamente importante para a realização
desta pesquisa, pois foi possível perceber que os materiais utilizados por professores e
alunos apresentam diferentes propostas no que se refere aos aspectos relativos à ordem
dos pronomes. Verificou-se, portanto, que a abordagem didática pode se limitar ao
caráter expositivo e, assim, apenas demonstrar e conceituar a próclise, a mesóclise e a
ênclise como posições do pronome em relação ao verbo, reproduzindo o modelo
tradicional de apresentação dos fenômenos gramaticais, o que ocorre em muitos dos
manuais didáticos. Nesses manuais, lamentavelmente, o fenômeno é retratado de forma
a negar as opções vernaculares brasileiras – de próclise em início de frase e de próclise
ao verbo principal, por exemplo. Não se pode negar, entretanto, que se encontram
também propostas diferenciadas, que partem da contextualização do tema, evidenciando
que o que está em jogo não é simplesmente a relação entre o verbo e o pronome, mas
também a relação que se estabelece entre estes e os outros elementos da oração; esses
compêndios não deixam, ainda, de abarcar a pluralidade de normas, considerando a
variação existente entre o português brasileiro e o português europeu, assim como entre
as modalidades escrita e falada da língua.
2.4. A perspectiva de diversos estudos linguísticos
Apresenta-se, nesta seção, a síntese dos resultados obtidos por pesquisadores
que, em análises diacrônicas ou sincrônicas, desenvolveram estudos científicos
específicos acerca da ordem dos clíticos pronominais, contemplando os contextos de
lexias verbais simples e/ou complexos verbais. Esses resultados apresentam indubitável
relevância para o desenvolvimento da presente investigação por apresentarem descrição
do fenômeno na variedade brasileira da língua portuguesa, havendo ou não comparação
com o comportamento do fenômeno na variedade européia da língua.
Apesar de o presente estudo tratar especificamente da ordem dos clíticos
pronominais em complexos verbais, a análise de investigações já realizadas também
35
acerca do tema nos contextos de lexias verbais simples foi extremamente relevante para
que se pudesse averiguar a manifestação do fenômeno na ampla realidade linguística do
português do Brasil oral e escrito. Todos os estudos contemplados nesta seção
contribuíram, direta ou indiretamente, para a definição dos procedimentos teóricometodológicos, como a postulação de hipóteses e a definição de grupo de fatores
possivelmente influentes no condicionamento do fenômeno investigado nesta pesquisa.
2.4.1.
A ordem dos clíticos pronominais sob a ótica da diacronia ou de sincronias
passadas
Pagotto (1992), lançando mão do arcabouço teórico-metodológico da chamada
sociolingüística paramétrica, investiga o comportamento da ordem dos clíticos
pronominais no português brasileiro do século XVI ao XX, com base em cartas
pessoais, processos criminais, escrituras e testamentos produzidos no Brasil. A pesquisa
apresenta o comportamento do fenômeno em contextos de lexias simples e complexos
verbais. Para a realização da análise, o autor distribui os dados em quatro grupos: (a)
sentenças com um único verbo; (b) sentenças com grupos verbais; (c) sentenças com
verbos sozinhos precedidos de negação ou advérbio; (d) sentenças com grupos verbais
precedidos de negação ou advérbio.
Em relação aos contextos das lexias verbais simples, o autor atesta que, do
século XVI ao XVIII, o comportamento do fenômeno se manifestava de maneira
estável, demonstrando tendência à próclise – assim como no PB atual (1992) – e que,
somente a partir do século XIX, se pode verificar certa tendência à ênclise. Para o autor,
essa tendência seria indicadora de um processo de mudança, processo considerado, no
entanto, contraditório, pois “o português vinha de um sistema em que a ênclise não era
majoritária” (PAGOTTO, 1992: 100). A respeito dos resultados obtidos para as
variáveis estruturais controladas, Pagotto (1992:100) chega à seguinte conclusão: “a
posição do verbo na sentença é o fator que mais fortemente condiciona a posição dos
clíticos quando se trata de verbos únicos em sentenças finitas”.
Para o estudo do fenômeno nos contextos com mais de uma forma verbal,
Pagotto (1992) dividiu os grupos verbais em três conjuntos: V + infinitivo, V +
Gerúndio e V + Particípio. Com base nos resultados obtidos, o autor demonstra que, no
período que vai do século XVI ao XVIII, o padrão observado corresponde à próclise ao
36
primeiro verbo (cl-V V), para todos os tipos de clíticos, atingindo, em alguns casos,
resultado categórico. Os contextos de grupos verbais com infinitivo foram os únicos nos
quais se pôde verificar a possibilidade de variação no período descrito, tendo-se
registrado alto percentual de ênclise ao segundo verbo (V V-cl). Pagotto (1992) aponta a
2ª metade do século XVIII como o período no qual se pode começar a perceber um
processo de mudança, sendo demonstrada a preferência pela colocação do pronome em
posição proclítica ao segundo verbo (V cl V). De acordo com o autor, esse processo
deve ter iniciado nos contextos em que se verificam o clítico reflexivo e o verbo
principal em sua forma infinitiva, não chegando a afetar as construções com o clítico
acusativo, por razões fonológicas ou sintáticas, “o que deve ter concorrido para o seu
desaparecimento” (PAGOTTO, 1992:123).
Torna-se relevante sintetizar, ainda, as conclusões às quais pode chegar Pagotto
(1992) acerca da cliticização pronominal nos casos de verbos simples e grupos verbais
antecedidos por partículas de negação e advérbios. Por meio dos resultados obtidos, o
autor demonstra que a cliticização a advérbios pré-verbais se mostrou muito pouco
produtiva desde o século XVI, mas, em relação às partículas de negação, foi um
processo que se manteve bem forte desde a metade do século XVI até o século XVIII.
Dos resultados obtidos, pôde-se perceber, portanto, em relação às partículas de negação,
a grande produtividade das variantes cl-NEG V e cl-NEG V V e, no que se refere aos
advérbios, a preponderância das variantes ADV cl-V e ADV cl-V V. Comparando os
resultados obtidos ao que se podia observar no PB da época de publicação da obra
(1992), o autor argumenta que
O estatuto categorial dos verbos em grupos verbais, bem como
a negação devem ter sofrido algum processo de mudança muito
forte, o qual passou a impedir a posição do clítico em pousos
distantes do verbo ao qual estaria ligado. (PAGOTTO,
1992:131)
Em termos gerais, o autor chega à conclusão de que o PB perdeu o movimento
do verbo e o movimento longo dos clíticos, características presentes no português
clássico. Pagotto (1992) chega a afirmar que, no que se refere à posição dos pronomes
átonos, “estamos diante de um fenômeno de mudança acabado” (PAGOTTO, 1992:158)
que demonstra a tendência ao desaparecimento dos clíticos e, se contrariada essa
tendência, a posição pré-verbal como a variante padrão do PB.
37
Lobo (2001), no volume IV de sua tese de doutorado, intitulada Sintaxe
Portuguesa e Sintaxe Brasileira na Bahia do século XIX, investiga a sintaxe dos clíticos
pronominais, buscando averiguar o grau de proximidade/ distanciamento entre a sintaxe
de portugueses e brasileiros, no Recôncavo da Bahia, no final da primeira metade do
século XIX. A autora desenvolve sua pesquisa com base em cartas escritas por
brasileiros integrantes da elite da época ou de grupo imediatamente inferior em termos
de hierarquia social e imigrantes portugueses.
De acordo com Lobo (2001), a sintaxe dos clíticos pronominais no português do
Brasil pode ser encarada como um dos principais aspectos nos quais se pôde
materializar a “questão da língua” no Brasil, uma questão de definição de norma
linguística, servindo para, na segunda metade do século XIX, alimentar a necessidade
de superar um recente passado colonial e, linguisticamente, afirmar a identidade
brasileira que se distingue da nacionalidade portuguesa. A autora destaca que, a partir
do século XIX, todos os gramáticos brasileiros passaram a dedicar um capítulo especial
à colocação dos pronomes átonos, apresentando os aspectos que se mostravam
característicos do uso lingüístico na variedade brasileira.
Analisando o comportamento da posição dos clíticos pronominais em contextos
com verbos simples e grupos verbais, por meio da comparação dos conjuntos de cartas
agrupadas de acordo com a nacionalidade dos remetentes, a autora pôde chegar às
conclusões que se busca sintetizar nos parágrafos seguintes.
A respeito dos contextos com verbos simples, a autora observa que, no domínio
das orações não-dependentes, a sintaxe dos clíticos pronominais evidenciou grande
proximidade entre os imigrantes portugueses e os brasileiros: a variante pós-verbal
mostrou-se mais produtiva tanto na escrita dos brasileiros quanto na escrita dos
portugueses; a variante pós-verbal apresentou freqüência maior entre imigrantes
portugueses. No âmbito das orações dependentes finitas, o padrão de ordem dos clíticos
observado entre os portugueses foi categoricamente pré-verbal; já entre os brasileiros,
apesar da grande preferência pela variante pré-verbal (94.9%), foi possível observar um
padrão de ordem variável. No que se refere às orações dependentes não-finitas, a
colocação pós-verbal foi categórica nas infinitivas não-regidas de preposição entre
brasileiros e portugueses, mas, ao se tratar das gerundivas, esse resultado se apresentou
somente entre os portugueses, pois, entre os brasileiros, embora tenha se demonstrado
larga preferência pela colocação pós-verbal, o posicionamento dos clíticos se mostrou
um fenômeno variável. No que se refere às orações regidas por preposição, os
38
resultados obtidos pela autora diferenciam-se de acordo com a preposição que antecede
o verbo: nas orações em que estavam envolvidas as preposições para e de, a ordem dos
clíticos demonstrou comportamento variável nos dados produzidos por portugueses e
brasileiros; em relação às infinitivas regidas pela preposição a, deu-se a colocação pósverbal categórica na escrita dos portugueses, enquanto entre os brasileiros tal fenômeno
se demonstrou variável.
No que se refere aos contextos com grupos verbais, Lobo (2001) pôde atestar,
para os brasileiros e portugueses, o predomínio das construções com elevação do clítico.
Nas construções em que não se observou a elevação do clítico, a autora atestou o
predomínio da variante na qual o pronome se encontra enclítico ao verbo auxiliar. A
autora faz, ainda, uma importante ressalva a respeito da variante que, embora pouco
representativa (8.9%), foi encontrada nos dados produzidos pelos brasileiros; trata-se da
estrutura em que o pronome se encontra anteposto e proclítico ao verbo não-finito,
independentemente da forma nominal apresentada. Esse resultado permitiu a conclusão
de que, “entre os brasileiros, é possível cliticizar-se ao particípio; entre os portugueses,
não.” (LOBO, 2001: 789).
A autora desenvolve uma breve apreciação a respeito da interpolação,
apresentando que, entre os portugueses, somente o advérbio de negação não ocorreu
interpolado entre o clítico e o verbo e, entre os brasileiros, houve, além da interpolação
do advérbio de negação, a interpolação de sujeito.
Por fim, a autora declara que, a partir dos resultados obtidos, é possível perceber
grande proximidade entre a norma vernácula de colocação dos clíticos de imigrantes
portugueses pertencentes à elite da comunidade de imigrantes e a norma escrita
socialmente prestigiada da colocação dos clíticos de brasileiros que pertenciam à elite
ou ao grupo socioeconômico imediatamente inferior. Lobo (2001) não deixa de
mencionar que tratar da história da escrita no Brasil colonial e imperial é, de certa
forma, tratar da história das elites, uma vez que o indivíduo que escrevia,
principalmente ao se considerar um Brasil com recente passado colonial, se enquadrava
em um grupo seleto que integrava estratos socioeconomicamente privilegiados.
Em artigo intitulado “Gênero e normas: avós e netos, classes e clíticos no final
do século XIX”, PAGOTTO e DUARTE (2005) tratam da ordem dos clíticos
pronominais em lexias verbais simples e complexos verbais no século XIX, com base
no corpus formado pelas cartas da Família Ottoni. A pesquisa exposta no referido artigo
39
tem por objetivo verificar a escrita dos avós Ottoni no século XIX, época de
disseminação de arte e cultura no Brasil, com determinada tentativa de elitização da
Língua portuguesa. Os autores buscam investigar, ainda, se as opções de uso lingüístico
do avô e da avó refletem duas gramáticas distintas e se são motivadas pelos mesmos
processos contemporâneos. Cabe destacar que o artigo, que descreve a avó como dona
de casa com pouca escolaridade, tem por hipótese que ela apresentaria norma mais
próxima à da realidade linguística brasileira da época, e o avô, seu marido, Senador da
República, apresentaria padrão mais próximo ao europeu.
Quanto às estruturas verbais simples, os autores puderam verificar uma diferença
significativa entre os dados da escrita do avô e da avó, tendo encontrado,
respectivamente, 93% e 53 % de dados proclíticos. Além disso, a maioria dos dados
proclíticos do avô se manifesta na presença de operadores de próclise em contexto
anterior, realidade que não se verifica na escrita da avó. Para os contextos em que se
verifica a presença de possíveis operadores de próclise, os autores salientam o caso dos
infinitivos regidos por preposição, contextos para os quais se dá, na escrita da avó, a
preferência pela próclise e, na escrita do avô, a preferência pela ênclise. Tal fato
revelaria a preferência da avó pelas formas mais próximas do português do Brasil e, na
escrita do avô, a proximidade com o português europeu moderno. Para os contextos em
que não constam os possíveis elementos operadores de próclise, os autores verificaram
igualmente a preferência da avó pela colocação proclítica e a do avô pela colocação
enclítica, tendo sido encontradas apenas uma ocorrência na escrita de cada um que
contrariasse a preferência demonstrada; nesse âmbito, os autores puderam verificar tal
comportamento em estruturas iniciadas por um SN lexical ou pronominal e em início
absoluto, destacando que, em situações de emprego dos clíticos “se” e “lhe”, a avó
tenha preferido a ênclise.
Em relação aos complexos verbais, os autores destacam, primeiramente, o
caráter inovador do português do Brasil no que se refere à colocação proclítica ao verbo
principal, construção que não se verifica nem no português clássico nem no português
europeu moderno. De acordo com os autores, dos 29 dados de clíticização pronominal
em complexos verbais, 6 manifestaram-se proclíticos ao verbo principal, sendo 4
realizados pela avó e apenas 2 pelo avô. Demonstra-se que o avô prioriza a ênclise ao
verbo principal, tendo manifestado apenas 6 dados de próclise ao verbo auxiliar,
havendo, na maioria das vezes, a presença de um elemento proclisador; a avó manifesta
apenas 1 dado de ênclise ao verbo auxiliar sendo este bastante duvidoso, já que a
40
representação gráfica demonstra a ligação do clítico aos dois verbos, permitindo a
interpretação de próclise ao verbo principal: “Recebi asua cartinha que me-deo muito
prazer, por saber que tense-adiantado no collegio (Carta 37, avó)” (p. 78).
Os autores demonstram a influência do contexto sintático na colocação do
clítico pronominal em complexos verbais, tendo em vista que a próclise ao verbo
auxiliar se manifesta categórica nos contextos em que o verbo principal se encontra no
gerúndio e quase categórica quando o verbo principal se encontra no particípio, havendo
para este caso a exceção de um dado de ênclise a v1 e outro de próclise a V2.
De modo geral, os resultados obtidos pelos autores revelam que a escrita do avô,
que demonstra traços de uma norma mais próxima da lusitana, e a escrita da avó, que
apresenta características mais próximas do português do Brasil, refletem duas distintas
realidades linguísticas, permitindo refletir, ainda, a partir das preferências linguísticas
apresentadas, sobre o papel que desempenhavam homens e mulheres no século XIX.
Nunes (2009), em sua dissertação de mestrado, analisa a ordem dos clíticos
pronominais em contextos de complexos verbais na língua portuguesa, considerando as
variedades brasileira e portuguesa. A autora investiga o comportamento do fenômeno
nos séculos XIX e XX, a partir de textos jornalísticos e publicitários (notícias, editoriais
e anúncios). O estudo realizado pela autora desenvolve-se com base no aporte teórico da
Sociolingüística Variacionista e nos parâmetros de cliticização propostos por Klavans
(1985)4.
A investigação realizada por Nunes (2009) conta com 749 dados (300 de textos
brasileiros e 449 de textos europeus), verificando o comportamento do fenômeno a
partir das seguintes variantes que compunham a variável dependente estabelecida: (i)
pré-complexo verbal, (ii) intra-complexo verbal, e (iii) pós-complexo verbal – a autora
chama atenção ao fato de que a variante intra-complexo verbal pode ser desmembrada
em duas, levando-se em consideração a possibilidade de o verbo, nesse caso, colocar-se
em posição enclítica ao verbo auxiliar (V1-cl V2) ou proclítica ao verbo principal (V1 cl
V2).
Em síntese, os resultados obtidos pela autora demonstram que, em relação à
variável dependente, no século XIX há preferência pela variante pré-complexo verbal
_
4
Assim como na apresente pesquisa, Nunes (2009) leva em consideração apenas o segundo parâmetro
proposto por Klavans (1985) denominado o “parâmetro da precedência”, que, na subseção 3.2, será
explorado.
41
em ambas as variedades da língua, sendo seguida da variante pós-complexo verbal. No
século XX, no PE, mantém-se a preferência pela variante pré-complexo verbal e baixo
índice da variante intra-complexo verbal, enquanto, no PB, passaram a ser usadas
equilibradamente as variantes pré e pós-complexo verbal.
No que se refere às variáveis lingüísticas, os resultados obtidos apontam a
presença de possível elemento proclisador, a forma do verbo principal e o tipo de
clítico como mais relevantes para o condicionamento do fenômeno. No parágrafo
seguinte, observe-se a síntese dos resultados apresentados pela autora a respeito dessas
variantes.
Quanto aos elementos proclisadores, a autora verifica que, diante daqueles
classificados como prototípicos, sobretudo os subordinativos, se deu preferência à
colocação proclítica ao complexo verbal, em ambas as variedades, assim como em
ambos os séculos investigados. Apesar disso, a autora destaca que a influência dos
proclisadores diverge entre os contextos de lexias simples e complexos verbais, uma vez
que, naqueles casos, se observam resultados quase categóricos da colocação pré-verbal,
diferentemente do que se pode observar para os casos de complexos verbais,
principalmente no século XX do PB, período no qual, segundo a autora, o PB estaria
“iniciando o processo de assumir seu padrão vernacular, que dá preferência à próclise a
v2, mesmo em contextos com elementos proclisadores” (NUNES, 2009:248). Em
relação à forma do verbo principal, Nunes (2009) destaca que, em nenhuma das
variedades, se verificou a ênclise ao particípio; quanto ao infinitivo, enquanto no século
XX, no PE e, principalmente, no PB, se verificou a preferência pela ênclise a V2, no
século XIX a colocação pronominal parecia estar intimamente relacionada a um
contexto de atração do pronome. No que concerne ao tipo de pronome, os resultados
obtidos pela autora demonstram comportamento diferenciado dos clíticos de terceira
pessoa: “se” indeterminador ligado predominantemente a V1, “se” reflexivo/inerente e
clítico acusativo “o/a(s)” ligados preferencialmente a V2, em ambas as variedades; no
século XIX, a colocação ainda estava condicionada à presença de um elemento
proclisador, diferentemente daquilo que se verifica no século XX para o PB, que
corresponde à preferência pela colocação enclítica a V2 para o clítico acusativo o/a (s) e
se relexivo/inerente, “como uma expressão quase fixa” (NUNES, 2009:157).
No tocante às variáveis extralingüísticas, Nunes (2009) confere ênfase à
influência dos diferentes gêneros textuais para o condicionamento do fenômeno,
sobretudo no que se refere aos resultados obtidos para o século XX. Nos anúncios, a
42
variante intra-complexo verbal mostrou-se mais produtiva, resultado próximo do que se
percebe no padrão oral usado do PB (o de próclise ao verbo principal), enquanto os
editoriais demonstraram maior grau de formalidade, seguindo com mais rigor o
“princípio de atração pronominal” (NUNES, 2009:249), o que demonstra favorecimento
da variante pré-complexo verbal nesse contexto.
As conclusões às quais chega a autora a partir dos resultados obtidos
demonstram que, no português europeu, nos dois séculos estudados, há preferência pela
variante pré ou pós-complexo verbal, considerando as motivações de cunho
morfossintático; em relação ao PB, no século XIX, o comportamento do fenômeno
demonstrou-se semelhante àquele observado no PE, mas, no século XX, pôde-se
perceber um equilíbrio entre as variantes pré e pós-complexo verbal. Nunes (2009)
acrescenta, ainda, que, no PB, a partir do século XX, a escrita padrão começa a revelar
uma mudança em relação à colocação pronominal em complexos verbais, pois começa a
demonstrar o expressivo registro da variante intra-complexo verbal, sem a existência de
hífen, sugerindo a ligação do clítico a V2.
Martins (2009), em sua tese de doutorado, investiga a “sintaxe de ordenação dos
clíticos” (MARTINS, 2009:18) na escrita catarinense dos séculos XIX e XX a partir de
vinte e quatro peças de teatro escritas por catarinenses e de vinte e uma peças escritas
por lisboetas, nascidos no período em questão. O autor procede à investigação do
fenômeno levando em consideração dados de cliticização com verbos simples e
estruturas complexas, privilegiando orações finitas não-dependentes. A investigação
realizada pelo autor articula pressupostos da teoria da variação e mudança (cf.
WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1982, 1994), da mudança
sintática via competições de gramáticas (cf. KROCH, 1989, 1994, 2001) e da teoria de
princípios e parâmetros, na versão minimalista (cf. CHOMSKY, 1995).
Em sua pesquisa, Martins (2009) deixa claro que seu objetivo com a análise
realizada não consiste em propor um novo estudo teórico a respeito da próclise nas
gramáticas do português, mas sim desenvolver uma análise de maneira a defender a
hipótese de que os padrões empíricos verificados na escrita catarinense, em relação à
ordem dos clíticos pronominais, são resultado de um processo de mudança que advém
da competição entre três gramáticas do Português: PB, PC (Português Clássico) e PE.
Quanto aos resultados obtidos, Martins (2009) atesta a ocorrência majoritária de
próclise em contextos de orações com operadores de negação predicativa, em orações
43
iniciadas por quantificadores, por determinados advérbios ou por constituintes
expressamente focalizados, sendo os dados de ênclise nesses contextos interpretados
como hipercorreção. A respeito desse comportamento, com base em resultados obtidos
em outros estudos diacrônicos a partir de diferentes corpora, o autor faz a seguinte
afirmação:
A próclise nesses ambientes é o padrão de ordenação em textos
escritos em toda a história do português, mais especificamente
na escrita dos séculos 13 a 20. (MARTINS, 2009:303)
O autor acrescenta, ainda, que o padrão de próclise é crescente nos textos
analisados, não tendo sido encontrado um contexto de ênclise categórica, como se podia
verificar em textos do século XII ao XIX, nos casos em que o verbo aparecia em início
de oração absoluta; de acordo com o autor, a ocorrência de próclise em contextos nos
quais o verbo ocupa a posição inicial da oração em textos brasileiros nos séculos XIX e
XX (o que não se verifica nos textos portugueses) pode ser interpretada como uma
característica inovadora da gramática do PB. Importante ressalva faz o autor a respeito
da variação próclise/ênclise em orações iniciadas por sujeitos não focalizados, advérbios
não modais e sintagmas preposicionais, demonstrando que, nos textos portugueses do
século 20, há um aumento progressivo da ênclise, diferentemente do que se verifica nos
textos brasileiros do século 18 a 20, que demonstram um aumento da próclise. O autor
chega a concluir que “...em PB a próclise é o padrão de ordenação nesses e nos demais
contextos...” (MARTINS, 2009:305).
Sobre as estruturas de interpolação na diacronia do português, Martins (2009)
declara que, no PB, tais estruturas não são mais encontradas, salvo em alguns textos do
século XIX, defendendo que as poucas ocorrências tenham sido geradas por força do
padrão conservador da gramática clássica.
Em relação aos resultados concernentes às estruturas complexas, o autor aponta
que já no século XIX, aumentando gradativamente no século XX, se verifica a próclise
a V1, assim como ao verbo não-finito. Tais contextos, segundo o autor, não foram
encontrados em quaisquer outros estágios da língua portuguesa e, por isso, também
podem ser considerados como característicos da gramática do PB.
Em síntese, Martins (2009) pode chegar às seguintes conclusões acerca da
escrita catarinense: (i) no que se refere ao século XIX, há um quadro complexo formado
por aspectos implementados por força da gramática conservadora do PC, pelas
inovações da gramática do PB e pela “gramática da norma” do PE; (ii) no que se refere
44
ao século XX, demonstram-se padrões mais estáveis, refletindo a influência da
gramática do PB; e (iii) a implementação da mudança sintática, concernente à ordem
dos clíticos pronominais em textos de catarinenses dos séculos XIX e XX, deu-se por
um processo gradual, sendo substituídas formas conservadoras por formas inovadoras.
De modo geral, com base em seus resultados, o autor propõe que a sintaxe de ordenação
dos clíticos reflete a competição de três gramáticas do português: gramática do
português clássico, gramática do português europeu e gramática do português brasileiro.
Santos (2010), em sua dissertação de mestrado, estuda a colocação pronominal
em lexias verbais simples e complexas nas variedades brasileira (PB) e européia (PE)
do português literário, com base na fundamentação teórico-metodológica da
sociolingüística variacionista. O estudo se realiza a partir da análise de romances
publicados no decorrer dos séculos XIX – fase 1 (1834-1866), fase 2 (1867-1900) – e
XX – fase 3 (1901-1933), fase 4 (1934-1966), fase 5 (1967-2000) –, tendo sido reunidas
quatro obras correspondentes a cada uma das fases estabelecidas, em ambas as
variedades consideradas. A pesquisa investiga os condicionamentos lingüísticos e
extralingüísticos que determinariam, nos contextos de lexias simples, a aplicação das
variantes proclítica, mesoclítica ou enclítica e, nos contextos de lexias complexas, a
colocação pré-LVC, intra-LVC com hífen, intra-LVC sem hífen ou pós-LVC.
Em hipótese, ao iniciar a investigação, Santos (2010) propõe que, nos contextos
de lexias simples, PB e PE apresentariam semelhanças no comportamento do fenômeno,
o que não ocorreria nos contextos de lexias verbais complexas, nos quais se verificaria
maior freqüência distribucional da variante intra-LVC no PB e não no PE. Com seu
trabalho, a autora buscou cumprir os objetivos de atestar a norma de colocação
pronominal, no âmbito da literatura do PB e do PE, identificando variáveis lingüísticas e
extralingüísticas que exerceriam influência no comportamento do fenômeno e, ainda,
averiguar o estatuto da ordem dos pronomes átonos no decorrer do período considerado.
A respeito dos contextos de lexias verbais simples, a autora pôde verificar 1427
dados do PB e 1538 do PE, atestando uma distribuição equilibrada entre as variantes
próclise (50% no PB e 47% no PE) e ênclise (50% no PB e 52% no PE) e um
baixíssimo índice de mesóclise (apenas 1 % no PB e no PE). Os resultados obtidos
puderam demonstrar que, tanto no PB quanto no PE, no decorrer dos séculos XIX e XX,
o comportamento do fenômeno se mostrou intimamente relacionado ao contexto
sintático nos quais estão inseridos o pronome e a forma verbal. Dessa maneira,
45
verificou-se que, em contextos de início absoluto, o fenômeno não se configura como
variável, pois há a preponderância da colocação enclítica e índices próximos de zero dos
demais tipos de colocação pronominal. Tal comportamento é observado em
praticamente todas as fases e em ambas as variedades consideradas; no entanto, a autora
apresenta importante ressalva a respeito do que se verifica na fase quatro (1934-1966),
do PB – período fortemente marcado pelos ideais modernistas – a esse respeito:
Exceção a esse comportamento se observa na fase 4 do PB, em
que a variedade brasileira registra, ainda que de forma discreta,
dados do comportamento considerado vernacular – a variante
pré-verbal em início de sentença. (SANTOS, 2010:230)
O grupo de fatores “possível elemento proclisador” mostrou-se relevante para o
condicionamento do fenômeno, havendo maior freqüência de registros de próclise
nesses contextos no PE do que no PB, em quase todas as fases; para o PE, a autora
aponta as fases 1 e 5 como fatores favorecedores da aplicação da variante pré-verbal, e
para o PB, a segunda fase do século XIX como desfavorecedora dessa variante. Em
relação ao tipo de clítico, a autora declara que todos os pronomes, sobretudo os de
primeira e segunda pessoas, revelam maior produtividade da variante pré-verbal no PB
e no PE, com exceção das formas contraídas do PB, que registram maior produtividade
de ênclise. Quanto aos demais grupos que demonstram exercer condicionamento da
aplicação da variante pré-verbal, citam-se “tempo e modo das formas verbais” (tempos
do indicativo, do subjuntivo – destaque-se para estes a coatuação de proclisadores
canôninos), “tonicidade das formas verbais” (especificamente para o PB) e “natureza da
oração” (especificamente para o PE – cláusulas subordinadas desenvolvidas/clivadas
demonstram favorecer a colocação proclítica).
No que concerne aos contextos de lexias verbais complexas, a análise realizada
por Santos (2010) conta com 431 dados, divididos em sub-amostras de acordo com a
forma do verbo principal (gerúndio, infinitivo, ou particípio).
Em relação às estruturas formadas por gerúndio, a autora descreve o
comportamento do fenômeno a partir de 23 ocorrências da modalidade brasileira e 15 da
modalidade européia. Os resultados apontam como variantes mais produtivas a v1 cl v2,
no PB, e a v1-cl v2, no PE. A autora destaca o fato de que, no corpus referente ao PE,
não houve qualquer ocorrência da variante intra-LVC sem hífen. Em ambas as
variedades, foi a variante v1-cl v2 que figurou em casos de início absoluto, destacandose o fato de que, quando se trata de início de oração não coincidente com o início do
46
período, no PB, as variantes intra-LVC sem hífen e pós-LVC se mostraram como opção
preferencial de colocação do pronome. Para as estruturas com gerúndio, a autora destaca
que os “operadores de próclise”, com exceção dos elementos subordinativos, não
demonstraram relevância para o condicionamento da aplicação da variante pré-LVC,
diferentemente do grupo de fatores “tipo de clítico”.
Em relação às estruturas formadas por particípio, Santos (2010) procedeu à
análise de 29 dados do PB e 39 do PE. Nessas estruturas, as duas variedades
apresentaram semelhanças em relação ao comportamento do fenômeno, como a não
realização da variante v1 v2-cl e, nos casos de início absoluto, a aplicação exclusiva da
variante v1-cl v2. Ao comparar as duas variedades, a autora pôde perceber que,
diferentemente do PB, no PE, a variação existente entre as variantes pré-LVC e intraLVC com hífen é mais evidente. Em se tratando dessas estruturas, a autora destaca a
atuação dos operadores de próclise, em ambos os corpora, motivando a colocação préLVC.
No âmbito da cliticização pronominal em lexias verbais complexas com
infinitivo, a análise da autora fez-se com base em 139 ocorrências do PB e 177 do PE,
sendo, para esse tipo de estrutura, a variante pós-LVC a mais produtiva em ambas as
variedades. Para os casos de início absoluto, registrou-se como opção a variante intraLVC sem hífen no PB (com maiores índices a partir da fase 4 do século XX) e com
hífen no PE. No que se refere ao condicionamento lingüístico, a autora destaca que, em
nenhuma das variedades, é evidente a atuação dos possíveis elementos proclisadores em
estruturas com verbo principal na forma infinitiva; no entanto, declara que, na variedade
européia, sobretudo na penúltima fase do século XX, os índices de cl v1 v2 são mais
evidentes. O grupo de fatores “tipo de clítico” também mostrou relevância para o
condicionamento do fenômeno, uma vez que os clíticos acusativos de terceira pessoa e o
se reflexivo/inerente se mostram favorecedores da colocação pós-LVC em ambas as
modalidades, mas com índices mais contundentes na amostra brasileira; os clíticos de
primeira e segunda pessoa, no PB, favorecem mais a colocação intra verbal sem hífen
e, no PE, a variante v1 v2-cl. Quanto ao “tipo de complexo”, a autora verificou que a
variante intra-LCV sem hífen ocorre em todos os tipos de complexos; a colocação préLVC, ocorre, em ambas as variedades, com índices percentuais mais altos em
construções nas quais se encontram verbos modais ((não) se pode fazer), sendo no PE
mais expressiva.
47
Considerando os resultados gerais, Santos (2010) conclui que se verifica
determinado grau de incompatibilidade entre a norma subjetiva presente em manuais
prescritivos, assumidamente construídos a partir de textos literários, e o material
analisado; essa incompatibilidade entre as normas da tradição gramatical e o uso
atestado na amostra é maior nos contextos de lexias verbais complexas. A respeito das
diferenças observadas em relação às duas variedades analisadas, a autora chega a
afirmar que “os dados literários sinalizam normas de uso diferenciadas no Português do
Brasil e no Português Europeu” (SANTOS, 2010: 247), no decorrer do período sob
análise, destacando, nesse âmbito, as variantes próclise em início de oração e próclise ao
verbo principal, verificadas nos romances brasileiros e não atestadas nos europeus.
2.4.2.
A ordem dos clíticos pronominais em estudos sincrônicos
Vieira (2002), em sua tese de doutorado, investiga a ordem dos clíticos
pronominais em contextos de lexias verbais simples e complexas, nas modalidades oral
e escrita do português do século XX, considerando-se três diferentes variedades da
língua portuguesa: português brasileiro (PB), português europeu (PE) e português
moçambicano (PM). A autora valeu-se, para o estudo da modalidade oral, de corpora já
constituídos, específicos para cada modalidade, e, para a modalidade escrita, de 90
textos jornalísticos (30 para cada variedade – 15 editoriais e 15 crônicas). A análise
conta com um total de 5.196 ocorrências de clíticos pronominais, sendo 4.167 em
contextos de lexias verbais simples e 1.029 em contextos de lexias verbais complexas.
Buscando averiguar a variante mais utilizada, os condicionamentos lingüísticos e
extralingüísticos que favorecem determinada variante e a relevância das características
prosódicas, a autora faz uso do arcabouço teórico-metodológico da sociolingüística
variacionista, assim como da Fonética acústica. Para os contextos de lexias verbais
simples, procedeu à investigação da opção do falante entre as variantes próclise (préverbal), mesóclise (intra-verbal) ou ênclise (pós-verbal) e, para os contextos de lexias
verbais complexas, entre a colocação pré-complexo verbal (cl V1 V2), intra-complexo
verbal (V1 cl V2)5 ou pós-complexo verbal (VI V2 cl).
_
5
Por tratar fundamentalmente de dados da oralidade – há um número pequeno de dados da escrita – e por
desenvolver a análise prosódica, a autora declara apenas na interpretação dos resultados ser a variante
intra-CV proclítica ao verbo principal no caso brasileiro. Para tanto, considera especialmente os casos de
complexos co m material interveniente, em que o clítico aparece após esse material.
48
No que concerne à análise dos contextos de lexias verbais simples na oralidade,
a autora destaca, para as variedades investigadas, a não ocorrência da variante mesóclise
e, no corpus escrito, a baixa expressividade dessa variante:
Em primeiro lugar, deve-se registrar que, também na
modalidade escrita, a mesóclise não ocorre com expressividade.
Houve apenas 8 dados da colocação intra-verbal – 4 no PE e 4
no PM (...). (VIEIRA, 2002:144)
Dos resultados obtidos, Vieira (2002) pôde verificar que o PE apresenta uma
distribuição equilibrada dos dados entre as variantes pré-verbal e pós-verbal, havendo
um condicionamento sistemático do fenômeno, tanto na modalidade oral quanto na
escrita, diretamente relacionado a elementos de natureza estrutural. De acordo com a
autora, sobressaem no referido condicionamento os grupos de fatores “presença de
atrator”, “distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo”, “tempo e modos verbais”, e
“tipo de clítico”, este apenas no PE oral. Excetuando-se tais contextos, a autora pôde
verificar a aplicação da variante pós-verbal. Para o PM, os resultados obtidos por Vieira
(2002) demonstram a tendência à variante pós-verbal, sendo tal variante expressiva até
mesmo em contextos nos quais se espera a anteposição do pronome.
Ainda no âmbito da cliticização pronominal em lexias simples, o PB apresenta
comportamento bastante diversificado daquele que se pôde observar para o PE e o PM.
De acordo com Vieira (2002), a ordem não-marcada no PB é a próclise, ficando a
ênclise restrita a contextos muito específicos (cf. VIEIRA, 2002: 203). Os fatores que
atuam para o condicionamento do fenômeno são diferenciados de acordo com a
modalidade em questão. Dessa maneira, na oralidade, foram observados como
favorecedores da colocação pós-verbal os pronomes “o/as” e “se” (indeterminador e
apassivador), no âmbito lingüístico, e indivíduos com mais de 55 anos, no âmbito
extralingüístico. No corpus escrito, mostraram-se relevantes para a aplicação da
colocação pré-verbal os grupos de fatores, “tipo de clítico”, “presença de atrator do
pronome na oração”, “tipo de oração” e “distância entre atrator e o grupo clítico verbo”.
Nessa modalidade, a colocação pré-verbal tende a não ocorrer na ausência de elemento
atrator, quando se trata do clítico o/a e se (indeterminador/apassivador), quando o clítico
se encontra precedido por conjunção coordenativa ou locução adverbial – sobretudo
quando distantes do grupo clítico verbo –, em orações independentes, coordenadas
sindéticas e subordinadas reduzidas de infinitivo.
49
No que se refere aos contextos de complexos verbais, os resultados obtidos por
Vieira (2002) apontam a variante intra-complexo verbal como a mais freqüente na
modalidade oral das três variedades. Quanto ao PE, a autora destaca o fato de que,
quando o pronome se encontra entre as duas formas verbais, tende a se ligar a V1;
destaca, ainda, que a variante pré-CV é também produtiva nos dados analisados, mas
mantém sua manifestação determinada pela presença de atrator em contexto anterior ao
complexo verbal, sendo, ainda, mais provável quando o pronome em questão é o clítico
se (indeterminador/ apassivador) e quando a forma de V2 é o particípio. A colocação
pós-CV, no PE, mostrou-se ligada aos grupos de fatores “forma do verbo principal” e
“tipo de clítico”, relacionando-se, respectivamente, ao infinitivo e ao clítico acusativo
de 3ª pessoa ou se (reflexivo/inerente). Tais resultados são comuns àqueles observados
para o PM oral, acrescentando-se, para esta variedade, o fato de a colocação pós-CV ser
favorecida, também, nos casos em que se tem a presença da preposição a no interior do
complexo verbal. Quanto à modalidade escrita, os resultados apontam, para o PE e o
PM, a colocação pré-complexo como mais produtiva, comportamento que pode estar
relacionado à atuação mais rigorosa dos elementos atratores.
Em relação ao PB, Vieira (2002) declara ser, tanto na modalidade oral quanto na
escrita, a variante intra-CV a mais produtiva, apresentando haver evidências de que
haveria ligação do clítico a V2 e não a V1, diferentemente do que se observou no
comportamento do fenômeno no PE e no PM. Nos dados brasileiros, a atuação dos
elementos atratores não é relevante para o condicionamento da aplicação da colocação
pré-CV e, quanto à colocação pós-CV, os resultados mostram que essa variante se
manifesta em contextos específicos, sobretudo quando há a combinação entre V2
infinitivo e o clítico acusativo.
Vieira (2002) pôde verificar, ainda, por meio dos resultados obtidos pela análise
prosódica, que, no PB, o clítico apresenta as características de uma sílaba pretônica e,
no PE, de uma sílaba postônica/pretônica vocabular. Para tanto, a autora procedeu à
medição dos parâmetros acústicos do acento referentes a sílabas vocabulares e clíticas,
em diversos contextos, em contextos comparáveis (como menino e me nino). Valendose, ainda, do recurso da síntese de fala e de posterior aplicação de testes de percepção
com juízes brasileiros, o estudo demonstra que, no PB, a ligação do pronome nas
estruturas testadas se dá ao vocábulo da direita; já no PE (e, por hipótese, no PM), ao da
esquerda. O que determina acusticamente a ligação do pronome à esquerda, de acordo
50
com a autora, seria, essencialmente, a duração e a intensidade (menores no PE, quando
comparadas às do PB).
Schei (2003)6 desenvolve estudo sobre a colocação pronominal no PB a partir
de seis romances escritos por autores brasileiros no fim do século XX. A autora
investiga a ordem dos clíticos pronominais em contextos tanto de lexias simples como
de complexos verbais, procedendo à comparação entre o que é descrito em algumas
gramáticas7 da língua portuguesa acerca do tema e a realidade dos dados encontrados.
Em relação à abordagem do tema nas gramáticas, a autora destaca que, de
acordo com a perspectiva tradicional, a ênclise seria a posição normal do pronome átono
em relação às formas finitas do verbo, exceto em determinados contextos sintáticos
(negação, advérbio, pronome indefinido; as palavras ambos e mesmo, oração
interrogativa, exclamativa; optativa; subordinada e coordenada à subordinada) para os
quais se recomenda a colocação proclítica. No que concerne às locuções verbais, de
acordo com a autora, o que se descreve nas gramáticas analisadas é a possibilidade de o
clítico pronominal posicionar-se antes ou depois do verbo auxiliar ou, ainda, depois do
verbo principal com exceção das locuções formadas com particípio, forma nominal do
verbo com a qual não se admite a ênclise.
A autora menciona, ainda, que algumas gramáticas apresentam aspectos típicos
da colocação pronominal no PB, quais sejam: (i) preferência pela próclise mesmo nos
casos em que se recomenda a ênclise; (ii) colocação proclítica em início de período,
principalmente na fala espontânea ou coloquial, (iii) grande variabilidade na ordem dos
clíticos; (iv) ausência de mesóclise; e (v) nas locuções, posição proclítica ao verbo
principal. A autora constatou que, no PB, a colocação pronominal se distancia do
padrão proposto nas gramáticas normativas; Schei (2003) declara que, quanto ao
_
6
A obra corresponde, originalmente, à tese de doutorado intitulada A colocação pronominal do português
brasileiro: a língua literária contemporânea, defendida por Schei, em 2000, na Universidade de
Estocolmo.
7
Observem-se as referências das gramáticas escolhidas por SCHEI (2003): BECHARA, Evanildo (1967).
Moderna gramática portuguesa, 11.ed., p. 398-403. [1961]; CUESTA, Pilar Várgues & LUZ, Maria
Albertina Mendes da. (1983). Gramática analítica da língua portuguesa, p. 493-7 [1949]; CUNHA,
Celso Ferreira da (1985). Gramática da língua portuguesa, 11. ed., p. 306-13. [1972]; CUNHA, Celso
Ferreira da & CINTRA, Luís F. Lindley (1991). Nova gramática do português contemporâneo , 8 ed. , p.
310-8 [1984]; LUFT, Celso Pedro (1985). Moderna gramática brasileira, 6.ed. p. 18-20. [1976]; ROCHA
LIMA, Carlos Henrique da (1980). Gramática normativa da língua portuguesa, 21. ed., p. 416-21. [1957]
SAID ALI, Manuel (1964). Gramática secundária da língua portuguesa, p. 204-16. [1927]
51
fenômeno estudado, as gramáticas consultadas “não descrevem, muito bem, e muito
menos explicam a variação que se observa no PB.” (SCHEI, 2003: 129).
Segundo a autora, a escolha por obras literárias como corpus para viabilizar a
investigação deu-se por acreditar que esse material constituiria importante objeto de
análise, tendo em vista que “a gramática normativa afirma que descreve justamente a
língua culta, especialmente a usada na literatura.” (SCHEI, 2003:30). Os resultados
obtidos pela autora, com base em mais de 8.000 ocorrências, permitiram-lhe afirmar que
a ordem dos clíticos pronominais na escrita literária do Brasil apresenta comportamento
diferenciado daquele proposto pelas gramáticas; no entanto, o fato de os romances
contemplados na pesquisa apresentarem determinadas particularidades não permite que
se estabeleça um modelo que se afirme representar o padrão geral da colocação
pronominal na “língua literária” brasileira.
Sintetizando-se os resultados mais relevantes obtidos pela autora, apresentam-se
os seguintes: ocorrência de próclise em contextos para os quais as gramáticas
prescrevem a ênclise e, ao contrário, a manifestação da ênclise em contextos
morfossintáticos que propiciariam a colocação proclítica; alto índice de próclise com o
pronome me; tendência à colocação enclítica do pronome se, assim como do pronome
lhe; nas locuções verbais, colocação proclítica ao verbo principal mais freqüente do que
as demais colocações; ausência do clítico acusativo o em posição proclítica ao verbo
principal; nos casos de locuções formadas por auxiliar + particípio, tendência à
colocação proclítica ao verbo auxiliar, comportamento não tão freqüente em
construções formadas com gerúndio ou infinitivo.
A autora pôde verificar, portanto, que a colocação pronominal na escrita literária
brasileira difere, de fato, do padrão de ordem proposto nas gramáticas analisadas;
ademais, alguns traços verificados na escrita literária, muitas vezes, se aproximam de
dados observados na modalidade oral do PB.
Machado (2006), em sua dissertação de mestrado, vale-se de textos de alunos do
5° e 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, matriculados em escolas
das redes pública e privada do Estado do Rio de Janeiro, para analisar não só a ordem
dos clíticos pronominais – em contextos de lexias verbais simples –, mas também as
estratégias de preenchimento do objeto direto. Para o desenvolvimento das duas etapas
de análise, o estudo contou com 360 redações (180 dissertações e 180 narrações).
52
O principal objetivo da autora consiste em determinar, com base nos
pressupostos da sociolinguística variacionista, os fatores lingüísticos e extralingüísticos
que motivariam o uso de determinados clíticos pronominais e a aplicação da variante
pós-verbal, estruturas que seriam pouco utilizadas na oralidade brasileira. Partindo da
hipótese de que o processo de ensino-aprendizagem estaria intimamente relacionado ao
fenômeno, Machado (2006) propõe que, quanto maior o grau de escolaridade dos
alunos, mais produtivo seria o uso de tais estruturas nos contextos idealizados pela
tradição gramatical.
A autora analisou, primeiramente, a produtividade dos clíticos de terceira pessoa
frente a outras estratégias de preenchimento do objeto, com base em amostra de 396
dados, sendo consideradas as seguintes variantes: mesmo SN, outro SN, pronome reto,
clítico acusativo e categoria vazia. Os resultados obtidos pela autora demonstraram que
o uso do clítico pronominal é predominante nos textos de alunos de escolas públicas e
privadas (sendo nestas mais expressivo); destaque-se que o clítico acusativo se mostrou
a estratégia mais utilizada pelos alunos (37% dos casos – 147/396). O nível de
escolaridade demonstrou também importante influência para o condicionamento do
fenômeno, tendo em vista que os índices de utilização do clítico pronominal
apresentaram crescimento gradual de acordo com o avanço da escolaridade dos alunos
(14% no 5º ano, 31% no 9º ano e 58% no 3º ano). A autora verificou, ainda, que, nos
textos dissertativos, o emprego do clítico pronominal é um pouco mais produtivo (41%)
do que nos narrativos (36%) e, analisando a relação existente entre as variáveis modo de
organização textual e escolaridade, que, na medida em que os alunos vão avançando no
processo de escolarização, mais vão se familiarizando com o uso dos clíticos nos
diferentes tipos de textos.
No que se refere à ordem dos clíticos pronominais, especificamente, Machado
(2006) valeu-se de 590 dados e, por meio da análise variacionista, pôde verificar que a
ênclise (20% - 118/590) é bem menos produtiva do que a próclise (80% - 472/590), não
tendo sido encontrada qualquer ocorrência de mesóclise. Das variáveis lingüísticas
investigadas pela autora, mostraram-se relevantes para o condicionamento da colocação
enclítica as variáveis presença ou ausência de atrator (a tendência à ênclise é acentuada
nos contextos em que não há o elemento atrator), tipo de clítico (o clítico acusativo
mostrou-se altamente favorecedor da ênclise, enquanto os clíticos de primeira e segunda
pessoas se mostraram mais suscetíveis à próclise), tipo de oração (forte favorecimento à
aplicação da variante pós-verbal nas reduzidas de infinitivo, sendo tal favorecimento
53
mediano nas reduzidas de gerúndio e nas orações independentes; as orações
dependentes mostraram alto desfavorecimento da ênclise). Quanto às variáveis
extralingüísticas, em relação à escolaridade os altos índices de ênclise concentraram-se
nos textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio,
sobretudo neste último nível, e, em relação ao tipo de texto, o textos dissertativos
demonstraram favorecimento à aplicação da variante pós-verbal.
Em considerações finais, Machado (2006) destaca a confirmação de sua hipótese
inicial, atestando que a escrita dos alunos é influenciada pela norma gramatical
difundida pela escola a respeito do uso e da ordem dos clíticos pronominais, sendo
nítida tal influência ao considerar a progressão dos alunos no processo de escolarização,
os modelos estabelecidos para cada tipo de texto e os contextos morfossintáticos que se
mostraram relevantes.
Peterson (2010), em sua dissertação de mestrado, investiga a ordem dos clíticos
pronominais em lexias verbais simples e complexas na escrita do português do Brasil
(PB), sob orientação dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística
Variacionista. Para tanto, a autora vale-se de textos de domínio jornalístico do gênero
textual carta de leitor, extraídos dos jornais cariocas O Globo, Extra e Meia hora,
publicados em 2008/2009, tendo sido consideradas 1.800 cartas (600 de cada jornal).
Nos contextos de lexias verbais simples, investiga os fatores de ordem linguística e
extralinguística que favoreceriam o uso das variantes pré-verbal e pós-verbal, e, nos
contextos de lexias verbais complexas, das variantes pré-complexo verbal, pós
complexo verbal e intra-complexo verbal (com hífen e sem hífen).
Ao iniciar a investigação, a autora parte da hipótese de que aspectos referentes à
tradição discursiva própria do gênero textual carta acarretariam um comportamento da
ordem dos clíticos pronominais semelhantes nos diversos textos considerados. Com a
realização da pesquisa, a autora busca cumprir os seguintes objetivos: (i) verificar o
condicionamento lingüístico e extralingüístico relacionado ao padrão de variação da
colocação pronominal; (ii) averiguar se, no gênero carta de leitor, há de fato traços de
uma tradição discursiva no âmbito da colocação pronominal; e (iii) determinar a
proximidade/ distância entre a norma de uso e a norma idealizada em compêndios
gramaticais prescritivos.
Em relação à produtividade dos clíticos pronominais no corpus de análise, a
autora pôde verificar comportamento diferenciado entre os jornais considerados. Em
54
contextos de lexias verbais simples, foram obtidas 650 ocorrências de clíticos
pronominais, sendo 446 do jornal O Globo, 145 do jornal Extra e 39 do jornal Meia
Hora. Em contextos de complexos verbais – que, em geral, são estruturas menos
produtivas do que as simples -, também é relevante a diferença entre os jornais: do total
de 132 dados, 93 são do jornal O Globo, 34 do Extra e 5 do Meia Hora. A respeito da
diferença expressiva do quantitativo de dados extraídos de cada jornal em contextos de
lexias simples, observe-se a conclusão da autora:
Pode-se pressupor que essa discrepância esteja relacionada não
só ao tamanho das cartas (que são menores no Meia Hora), mas
também ao perfil das cartas presentes nesses jornais e ao
próprio perfil dos veículos. (PETERSON, 2010:90)
Considerando-se as lexias verbais simples, Peterson (2010) pôde verificar que a
variante pré-verbal é a mais produtiva não só no conjunto de dados, mas também em
cada jornal, tendo sido O Globo o veículo que apresentou o percentual mais baixo dessa
variante (67%, em o Globo, 85 % no Extra e 92% no Meia Hora) e o mais alto da
posição pós-verbal (33%, em O Globo, 15% no Extra e 8% no Meia Hora). A autora
destaca o fato de o jornal Meia hora ter demonstrado ser o veículo mais favorecedor da
variante pré-verbal, atingindo para essa variante .88 de peso relativo, enquanto o jornal
Extra, com peso relativo de .72, se encontra, “na linha de um continuum”, entre o jornal
O Globo (.38 de próclise) e o Meia Hora.
Em relação aos condicionamentos lingüísticos, os grupos de fatores que se
mostraram mais influentes foram “presença de possível elemento proclisador” (com
próclise categórica quando da aplicação da variante partícula de negação), “tipo de
clítico (os pronomes se inerente/ reflexivo e os de primeira e terceira pessoa como
variantes favorecedoras da colocação pré-verbal), “tipo de oração” (a oração
subordinada desenvolvida apresentou forte favorecimento da colocação proclítica, assim
como a coordenada sindética, com favorecimento menos expressivo) e “distância entre
o possível elemento proclisador e o V-CL ou CL-V” (tendência à colocação proclítica
quando não há elementos intervenientes entre o clítico e o possível proclisador).
Para os contextos de lexias verbais complexas, a autora procedeu à análise
considerando separadamente cada forma do verbo principal. De modo geral, Peterson
(2010) aponta que, independentemente da existência de contextos que desencadeiam a
colocação pré-CV, foi mais produtiva em todo o corpus a variante intra-CV sem hífen.
Nos contextos em que o verbo principal se encontra no particípio, a autora demonstra
55
que a tendência à colocação intra-complexo verbal sem hífen se altera nos casos de
construções passivas, passando a prevalecer a colocação pré-CV. Quanto aos dados em
que se tem o verbo principal no gerúndio, sendo a maioria deles construída com o
auxiliar estar, a variante mais produtiva foi a colocação intra-CV sem hífen. A autora
destaca que os contextos de verbo principal nas formas particípio e gerúndio não
apresentaram aplicação da variante pós-CV.
No que se refere aos contextos de estruturas formadas por verbos no infinitivo,
como nas demais estruturas de lexias verbais complexas, a variante intra-CV sem hífen
foi a mais produtiva, sendo os clíticos de primeira e segunda pessoa e o se inerente/
reflexivo os que mais propiciaram a aplicação dessa variante. Em relação à colocação
do clítico nas demais posições, a autora destaca os seguintes resultados: (i) para a
aplicação da variante pré-CV, dá-se a atuação do possível elemento proclisador – em
especial a partícula de negação – especialmente nas estruturas formadas poder + se
indeterminador/apassivador; (ii) quanto à aplicação da variante pós-verbal, o clítico
acusativo de terceira pessoa manifestou 100% de realização dessa variante; e (iii) para a
aplicação da variante intra-CV com hífen (verificada em apenas 6 ocorrências), parecem
contribuir os fatores início absoluto de oração e presença do clítico se apassivador/
indeterminador.
Com base nos resultados obtidos, Peterson (2010) conclui que o jornal O Globo
exibe maior respeito à norma culta padrão e o fato de, algumas vezes, essa norma não
ter sido rigorosamente respeitada pode estar relacionado ao gênero textual carta de
leitor, cujas características não se limitam ao tipo de carta e/ou perfil do jornal, mas
também ao perfil do leitor/escritor. De fato, a ordem dos clíticos pronominais sofre
influências do gênero textual e do veículo jornalístico, o que permitiu à autora traçar um
contínuo de atendimento ao padrão prescritivo (O Globo > Extra > Meia Hora). O
trabalho desenvolvido por Peterson (2010) pode demonstrar que a norma idealizada em
compêndios gramaticais, somente em alguns casos, na norma de uso efetivamente
praticada nos textos analisados.
Tendo em vista a vasta gama de informações que se apresenta a respeito dos
estudos descritos anteriormente, torna-se relevante sintetizar as conclusões às quais se
pôde chegar a respeito da colocação pronominal no Português do Brasil com base nos
trabalhos resenhados.
56
Em relação à ordem dos clíticos pronominais em contextos de lexias verbais
simples, os resultados revelam que, até o século XVIII, com exceção dos contextos de
início absoluto, se apresentaram maiores índices de colocação proclítica; a colocação
enclítica começa a se revelar produtiva nos contextos em que se verifica a variação no
século XIX, sendo observada não só em contextos de início absoluto, mas também após
o sujeito e outros elementos não proclisadores que viessem a anteceder o grupo clíticocomplexo verbal. A partir do século XX, a colocação proclítica passa a ser demonstrada
como preferencial no PB, atingindo índices altíssimos em dados da oralidade
(categóricos em muitos contextos) e uso expressivo em dados da escrita (variável
principalmente em função do grau de formalidade de cada gênero textual analisado),
mesmo em contextos em que seria recomendada tradicionalmente a colocação pósverbal. Torna-se, então, nitidamente diferenciado o padrão de uso observado para as
variedades brasileira e europeia da língua portuguesa.
No que se refere à ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos
verbais, os resultados obtidos pelos autores indicam que a colocação pré-complexo
verbal se mostrou predominante até o início da segunda metade do século XVIII. No
período que compreende a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX,
começou a ser demonstrada a preferência pela colocação proclítica ao verbo principal,
passando a ser amplamente expressa a partir do século XX.
As interpretações propostas em diversos trabalhos propõem que as mudanças
que se puderam verificar no português do Brasil podem ser explicadas (i) pela
influência da norma européia, que, a partir da segunda metade do século XIX, passa a
ser adotada como norma culta no Brasil, e (ii) pelo fato de a gramática do português
clássico ter dado lugar à gramática do português europeu e à gramática do português
brasileiro, ocasionando um processo de mudança que teria por origem a competição
entre três diferentes gramáticas.
Cumpre reafirmar que a consulta aos estudos resenhados neste capítulo se
mostraram extremamente relevantes para a definição do tema a ser estudado nesta
investigação, assim como para a formulação de hipóteses estabelecidas, para a
definição de procedimentos teórico metodológicos e para a análise dos resultados
obtidos.
57
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nesta seção, apresentam-se os fundamentos teóricos dos quais se lançou mão
para a realização desta pesquisa, sejam eles (i) o modelo sociolingüístico da teoria da
variação e mudança, (ii) os conceitos referentes ao tema da cliticização e a descrição
dos parâmetros estabelecidos por Klavans (1985) e (iii) e as reflexões desenvolvidas por
alguns autores acerca da influência da oralidade no processo de formação da escrita no
PB. Cabe salientar que, na descrição das variáveis (seção 4.3.), outros aspectos teóricos,
que fundamentaram as hipóteses de investigação, serão apresentados.
3.1. Teoria da variação e mudança
Buscando averiguar o comportamento variável da ordem dos clíticos
pronominais na escrita escolar do Rio de Janeiro, este estudo segue as orientações
teórico-metodológicas da Sociolingüística de orientação Laboviana, a Teoria da
Variação e Mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968; LABOV, 1972 e
1994). Dentre os princípios da referida teoria, cabe destacar que esta pesquisa se
desenvolve a partir da noção de heterogeneidade e sistematicidade da língua, da relação
existente entre variação e mudança, do conceito de regra variável, das orientações
metodológicas referentes ao tamanho e à estratificação da amostra, e dos problemas da
mudança, quais sejam: o problema das restrições ou dos fatores condicionantes, da
transição, do encaixamento lingüístico, da avaliação e da implementação.
A Sociolinguística Variacionista se fundamenta, em sentido amplo, no princípio
de que a variação é inerente à língua, de forma que, nos estudos de variação e mudança,
a heterogeneidade linguística constitui foco da análise. De acordo com o pensamento
sociolingüístico, a mudança é um processo contínuo e subproduto da inevitável
interação lingüística, processo que deriva necessariamente da variação lingüística e
pode ser explicado a partir da descrição dessa variação. A descrição da heterogeneidade
linguística, por sua vez, é concebida como ordenada e passível de sistematização; em
outras palavras, as diferentes maneiras que se observam de transmitir uma mesma
informação não se aplicam por meio de uma variabilidade aleatória, mas sim
condicionada por restrições linguísticas e extralingüísticas, o que permite afirmar a
existência de uma variabilidade ordenada e sistemática.
58
Na
perspectiva
sociolingüística
adotada,
variação
e
mudança
estão
intrinsecamente relacionadas, levando-se em consideração o postulado de que nem toda
variação acarreta necessariamente mudança (o que se caracteriza como variação
estável), mas toda mudança pressupõe variação. A mudança linguística caracteriza-se
como resultado da variação sistemática que se observa numa determinada comunidade e
que, por pressões internas e externas, acarreta mudanças no padrão de uso observado; de
acordo com Weinreich, Labov & Herzog (2006:126), a mudança linguística “não é
uniforme nem instantânea; ela envolve a co-variação de mudanças associadas durante
substanciais períodos de tempo.”
As bases teóricas que sustentam o pensamento sociolingüístico sobre a variação
e a mudança linguística, em verdade, configuram um rompimento da identificação de
estruturalidade com homogeneidade linguística. No que se refere ao princípio da
homogeneidade, a perspectiva sociolinguística opõe-se ao que propõe o modelo
gerativista e estruturalista, que se fundamenta no emprego de regras categóricas que
podem ser analisadas fora de seu contexto social. A partir da vertente sociolinguística, a
língua deixa de ser vista como sistema autônomo e sem história e todas as regras e
sistemas passam a ser vistos como passíveis de variação que pode ser sistematizada; a
heterogeneidade lingüística está prevista nos conhecimentos gramaticais do falante, o
que torna possível a inerente mutabilidade da língua, mas se concretiza na vida social.
Considerando que a variação decorre das funções sociais e não individuais, os
estudos sociolingüísticos buscam resultados que sejam representativos do padrão de uso
dentro de determinado grupo social; assim sendo, cabe ao sociolinguista buscar padrões
lingüísticos variáveis que sejam representativos das gramáticas da comunidade de fala.
De acordo com Guy (2000), as comunidades de fala assumem características
linguísticas compartilhadas pelos falantes; trata-se de um conjunto de pessoas que
interagem verbalmente e que compartilham sons ou construções gramaticais que são
usadas dentro da comunidade, e não fora dela. O autor propõe, ainda, que a comunidade
de fala considerada caracteristicamente em estudos sociolingüísticos apresenta
densidade de comunicação interna relativamente alta, isto é, os falantes comunicam-se
mais entre eles do que com falantes de outros grupos e, o que é mais importante,
compartilham normas e atitudes com respeito aos usos lingüísticos, determinando o que
seria apropriado para determinado contexto e não para outro. A definição da
comunidade de fala nos estudos sociolinguísticos permite verificar a distribuição social
59
de semelhanças e diferenças linguísticas, tornando viável considerar características
linguísticas individuais e marcas representativas de um grupo.
Dos fatores que servem à identificação do perfil sociolingüístico da comunidade
de fala na qual estão envolvidos determinados falantes, tem-se, como mais
convencionais, as variáveis extralingüísticas espaço geográfico, idade, sexo/gênero e
escolarização. Podem ser elencados, ainda, os seguintes indicadores de estratificação
social: nível socioeconômico (origem social, renda familiar, local de moradia); efeitos
dos meios de comunicação (da mídia televisiva, escrita ou radiofônica); tipo de
ocupação profissional; grau de inserção em redes sociais (família, clubes, igreja,
círculos de amizade); grau de formalidade; grau de sensibilidade (diversidade de usos, e
adequação destes aos contextos); grau de consciência da forma de prestígio.
A análise de um fenômeno lingüístico inserido em determinada comunidade de
fala pelos moldes da sociolinguística variacionista deve ser feita com atenção à
construção de uma amostra devidamente estratificada, cujos falantes sejam selecionados
de maneira aleatória. Os falantes estudados precisam ser representativos do grupo,
sendo consideradas, portanto, pessoas que tenham nascido ou desde pequenas sejam
integrantes da comunidade de fala; dessa maneira, torna-se interessante adquirir um
conhecimento prévio do perfil dos falantes para que não se obtenham dados isolados,
sem relevância no grupo em estudo.
O número de falantes que se deve considerar para a composição da amostra em
estudo sociolingüístico depende, principalmente, do grau de variabilidade do fenômeno
em estudo; quanto mais variável for o fenômeno, maior será a necessidade da
composição de uma amostra ampliada. Labov (1972:204) declara que amostras
pequenas, compostas por 25 falantes, por exemplo, podem revelar “os padrões básicos
de estratificação de classes”. Para o autor, são bastante confiáveis dados
sociolinguísticos que apresentem, a respeito de determinada variável, quatro ou cinco
falantes para cada célula.
Nos estudos sociolingüísticos, o controle da variação sistemática descrita
corresponde à concepção de regra variável (cf. LABOV, 1978, 2008 [1972]), que se
refere à possibilidade de duas ou mais formas variantes transmitirem o mesmo
significado referencial num determinado contexto lingüístico, garantindo a transmissão
da mesma informação. Essa premissa da manutenção do valor de verdade entre as
variantes ensejou produtivo debate entre os estudiosos, especialmente a partir do
momento em que os estudos sociolingüísticos, que inicialmente se realizavam
60
unicamente a partir de fenômenos de natureza fonológica, passaram a se aplicar a outros
níveis gramaticais.
Lavandera (1978) sustenta a inadequação da pesquisa sociolinguística ao
estender a outros níveis gramaticais a noção de variável originalmente desenvolvida
com base em dados fonológicos. De acordo com a autora, dados não fonológicos não se
enquadrariam na concepção de regra variável, uma vez que não deixam clara a
estratificação social, são metodologicamente difíceis de se definir e nem sempre
transmitem a mesma informação. Diante de um possível enfraquecimento da
equivalência semântica necessária para que se afirme a manutenção do valor de verdade
entre variantes, a autora propõe a noção de comparabilidade funcional entre fatores que,
de acordo com o contexto discursivo, podem traduzir a mesma intenção comunicativa.
Dessa maneira, Lavandera (1978) declara que podem ser consideradas variantes de uma
mesma variável fatores que revelem a referida comparabilidade funcional, mas não
necessariamente transmitam a mesma informação.
Labov (1978), em resposta às proposições de Lavandera (1978) a respeito dos
limites impostos para o estudo da variável sociolinguística, declara que, no âmbito
sociolinguístico, as análises se fundamentam numa visão mais ampla do uso da
linguagem, em que diferenças associadas a matizes semânticos ou discursivos podem
ser controlados como fatores que se correlacionam ao fenômeno. Segundo o autor, para
serem tratadas como variantes de uma mesma variável, é indispensável que se cumpra a
exigência de manutenção do mesmo significado referencial expresso pelas formas
alternantes. Labov (1978) concorda que, de fato, o resultado de uma análise da variação
sintática não é algo facilmente interpretável, pois implica a interpretação de fatores
variáveis que leve a conclusões sobre a forma da gramática. Ainda assim, por assumir
que a definição da regra variável não constitui por si só uma “teoria da linguagem”,
considera a concepção de regra variável como diferentes maneiras de comunicar o
conteúdo básico útil para os estudos linguísticos.
A respeito do debate instaurado entre Labov e Lavandera, Suzanne Romaine
(1981) reforça a importância de um sistema de sentenças contextualizadas,
pragmatizadas, de modo que os fatores sociais não sejam relegados a segundo plano. A
autora considera válida a extensão da tradicional análise linguística proposta pelo
modelo variacionista, considerando adequada a investigação da variação em níveis
acima do fonológico e ampliando o conceito de regra variável até o nível do discurso.
De acordo com a autora, controlando os fatores que se estabelecem no domínio da
61
comunicação, o modelo sociolinguístico pode dar conta de estruturas variáveis que se
correspondam no nível pragmático-discursivo.
A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais pode, em virtude da
variedade de estruturas verbais complexas consideradas, demonstrar-se como fenômeno
questionável no que concerne à concepção de regra variável. O clítico pronominal pode
se colocar em, no mínimo, quatro posições, sejam elas pré-complexo verbal (pode-se
investigar), intra-complexo verbal com hífen (pode-se investigar), intra-complexo
verbal sem hífen (pode se investigar) e pós-complexo verbal (pode investigar-se).
Embora na maioria dos casos se possa afirmar que se mantém o valor de verdade e o
contexto discursivo, determinadas estruturas, como a que figura na sentença ilustrativa
O orientador mandou-me analisar os dados, podem traduzir diferenças a respeito do
significado referencial quando consideradas as formas alternantes, sejam elas me
mandou analisar, mandou me analisar e mandou analisar-me. Percebe-se que nem
todas as variantes mantêm o valor referencial que se apresenta na sequência ilustrada.
Com isso, conforme se descreve na seção referente à descrição das variáveis, os
complexos verbais formados por auxiliares/ semi-auxilares causativos/sensitivos não
foram considerados neste estudo.
No que se refere aos aspectos metodológicos, a Sociolinguística Laboviana
descreve e analisa o processo de variação/mudança que se observa nos fenômenos da
língua a partir do controle de variáveis sociais (aspectos externos à língua, como sexo,
escolaridade, idade) e linguísticas (aspectos internos à língua), buscando averiguar o
favorecimento ou desfavorecimento de determinadas estruturas a depender do contexto
no qual se inserem. Por meio do pacote de programas computacionais (GOLDVARB),
importante aporte metodológico da Sociolinguística, os pesquisadores conseguem
identificar os fatores que condicionam a aplicação de uma ou outra variante.
A pesquisa sociolinguística permite averiguar se o fenômeno em estudo se
encontra em variação estável ou mudança em progresso, realizando-se os estudos em
tempo real – comparação do comportamento linguístico dos mesmos falantes (estudo de
painel) ou de falantes diversos com o mesmo perfil (estudo de tendências) em dois ou
mais momentos temporais distintos (entrevistas realizadas após, preferencialmente, 20
anos), – ou aparente – estudo de fenômenos variáveis num período discreto,
contemplando informantes de diferentes faixas etárias. A soma dos resultados com base
em tais procedimentos de análise permite supor, assumindo o chamado princípio do
uniformitarismo – que propõe que os dados contemporâneos revelem o que se teria dado
62
em tempos pretéritos –, a trajetória percorrida para a configuração de determinadas
estruturas lingüísticas.
WEINREICH, LABOV & HERZOG (2006 [1968]) propõem cinco problemas a
partir dos quais se postulam princípios empíricos que possam contribuir para a
formação de uma teoria da mudança linguística, permitindo que se aliem os
fundamentos teóricos aos dados variáveis da investigação sociolinguística.
(i)
O problema dos fatores condicionantes:
O problema dos fatores condicionantes ou das restrições remete à questão de
definir os fatores que possam restringir ou favorecer o uso de determinada variante.
Consideram-se, portanto, fatores linguísticos e extralinguísticos como possíveis
elementos desencadeadores da variação. A investigação a partir dos elementos
condicionantes permite verificar o conjunto de mudanças linguísticas possíveis, assim
como as condições que desencadeariam ou impediriam o desenvolvimento de tal
processo.
(ii)
O problema da transição:
Consiste na tentativa de descobrir o estágio interveniente de uma mudança que
se caracteriza pela evolução de uma estrutura A para uma estrutura B. A transição de
traços de um estágio a outro pode ocorrer por meio de falantes bidialetais ou de falantes
com sistemas heterogêneos caracterizados pela diferenciação ordenada. Dessa forma,
considerando o estágio de transição, a mudança lingüística se dá (1) à medida que o
falante aprende uma forma alternativa, (2) durante o tempo em que as formas coexistem
dentro de sua competência, (3) quando uma das duas formas se mostra em desuso.
(iii)
O problema do encaixamento:
O problema do encaixamento apoia-se no princípio estruturalista de que as
mudanças linguísticas devem ser vistas como encaixadas no sistema linguístico como
um todo e, ainda, no fato de que uma mudança pode acarretar outra. Com isso, a
fundamentação empírica que demanda a teoria da mudança levanta diversas questões
sobre a natureza e a extensão desse encaixamento. Dessa forma, a perspectiva
sociolinguística desmembra o problema do encaixamento em dois ramos:
63
a) O encaixamento linguístico:
A noção de encaixamento na estrutura linguística considera que existem
elementos intrínsecos ao sistema da língua que podem acarretar a mudança. Valendo-se
do princípio de que o sistema linguístico, na perspectiva sociolinguística, é
inerentemente heterogêneo e estruturado, compreende-se que a alteração de um plano na
estrutura linguística pode acarretar variação/ mudança em diversos outros planos
gramaticais.
b) O encaixamento social
No âmbito da sociolingüística, a função do pesquisador é, sobretudo, buscar
identificar o grau de correlação social existente, mostrando seu peso no processo de
mudança linguística em determinado sistema. O encaixamento na estrutura social
pressupõe que as mudanças linguísticas podem ser desencadeadas, também, por fatores
externos à língua; dessa forma, o sistema linguístico precisa ser definido considerandose toda a comunidade de fala e não somente a fala de um indivíduo. A alteração do
sistema linguístico a partir de fatores característicos das redes sociais nas quais se
inserem os falantes pode desencadear um processo de mudança.
(iv)
O processo da avaliação:
A teoria da mudança lingüística deve estabelecer, empiricamente, as correlações
subjetivas existentes entre os diversos estratos sociais e as variáveis lingüísticas que se
apresentam. Não se podem fazer deduções tendo como base apenas o lugar das variáveis
dentro do sistema. As características correspondentes ao meio social configuram um
fator importante para a investigação da mudança lingüística e, por isso, precisam ser
determinadas diretamente. Assim, a investigação das referidas correlações serve a
esclarecer o modo como se dá a categorização que se impõe ao processo contínuo da
mudança lingüística. Nesse sentido, o juízo de valor referente às variantes em estudo –
se desejáveis ou indesejáveis, se prestigiosas ou estigmatizadas, por exemplo – são de
fundamental importância para a trajetória sociolingüística do fenômeno variável.
(v)
O problema da implementação:
64
O problema da implementação provém de questionamentos como “por que
determinada mudança linguística não foi ativada mais cedo?” ou “por que não foi
ativada, simultaneamente, em todo lugar onde havia as mesmas condições funcionais?”.
A dificuldade em responder a tais questões corresponde ao grande número de fatores
que podem influenciar na mudança linguística, tendo em vista que esta pode ser
caracterizada como uma mudança no comportamento social.
A mudança linguística se dá por completa quando uma variável passa ao status
de uma “constante”, junto à perda de qualquer significação social própria ao traço. O
que se investiga a partir do “problema da implementação” são os critérios e os estágios
envolvidos no decurso da variação até a implementação da mudança. Investiga-se,
portanto, a difusão de um dos traços característicos da variação através de um subgrupo
específico da comunidade; verifica-se, portanto, com base no problema da
implementação, a atribuição de significação social a determinada forma, uma vez
encaixada a mudança linguística, e, por conseguinte, a gradual generalização a outros
elementos do sistema, considerando-se a mudança na estrutura social.
Dentre os cinco problemas da mudança supracitados, destaca-se, nesta
investigação, o problema dos fatores condicionantes. A discussão acerca do referido
problema dá-se na medida em que se busca determinar quais são as condições, em
termos linguísticos e sociais, que exercem influência na posição do clítico em relação ao
seu hospedeiro verbal. Indiretamente, o trabalho permite observar o problema da
avaliação, no sentido de que o caráter de maior ou menor prestígio atribuído pela
tradição gramatical e pela escola às variantes em questão se relaciona ao nível de
consciência social e linguística da qual dispõem os alunos quando, por vezes, alteram
seu comportamento lingüístico vernacular na escrita escolar.
Cabe destacar que o objetivo da presente investigação não é verificar
especificamente os aspectos que se envolvem diretamente no plano da mudança
linguística no que concerne à ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais. De
todo modo, este estudo, embora considere apenas dados da atualidade, permite, com
base na observação dos resultados quanto às séries escolares/idades dos alunos, supor a
trajetória de implementação do padrão escrito via escolarização. Além disso, a trajetória
de mudança por que passou o sistema de colocação pronominal na Língua Portuguesa
deve ser sempre ponto relevante para a interpretação dos padrões de uso brasileiros de
qualquer época. Dada a íntima relação entre os processos de variação e mudança
65
linguística, os problemas propostos por WEINREICH, LABOV & HERZOG (2006
[1968]) são válidos para qualquer estudo de natureza sociolingüística.
3.2. A cliticização pronominal
De acordo com o que propõem diversos estudos lingüísticos, são reconhecidas
como clíticos formas átonas que são estruturalmente dependentes de outro vocábulo
presente no enunciado. Os pronomes átonos pertencem à categoria dos clíticos, pois
dependem da existência de um verbo (seu hospedeiro) para que possam figurar na
sentença. A colocação dos pronomes átonos, considerando a relação/ligação de tais
clíticos com os respectivos verbos de que dependem, constitui o fenômeno identificado
como cliticização pronominal.
Ocorre que a natureza da referida ligação ou dependência é, por si só, objeto de
alta complexidade, uma vez que atribui ao fenômeno caráter misto, eminentemente de
interface dos níveis gramaticais. A própria definição de clítico nos dicionários gerais da
língua, como a que se segue, associa o nível prosódico ao segmental. Segundo o
Dicionário Aurélio (1986: 418), o termo clítico, de origem grega, significa “qualquer
monossílabo átono subordinado, por meio de elemento prosódico, ao vocábulo que o
precede, ou que o segue, ou no qual se acha inserido”.
Os clíticos pronominais, especificamente, costumam ser categorizados em
referência à sua posição superficial em relação a seu hospedeiro, como proclítico (antes
do verbo), mesoclítico (no interior do verbo) ou enclítico (após o verbo). A estreita
relação sintática que se estabelece entre os pronomes átonos e os verbos comprova-se
pelo fato de que a existência dos clíticos pronominais não pode prescindir da categoria
verbal, à qual os clíticos se adjungem obrigatoriamente.8 Embora os pronomes átonos
não apareçam separados das formas verbais, eles apresentam mobilidade em relação a
elas. Em função dessa dependência relativa das partículas átonas em relação a outros
elementos, diversos estudiosos também se ocuparam, além dos aspectos sintáticos e
prosódicos, da categorização morfológica desses elementos.
No livro Estrutura da Língua Portuguesa, Câmara Jr. (2002 [1970]) enquadra o
pronome átono na categoria de vocábulo formal – “unidade a que chega, quando não é
_
8
Até onde se sabe, não se registra no PB contemporâneo qualquer dado de interpolação.
66
possível nova divisão em duas ou mais formas livres” (p.69). Não sendo forma livre, já
que não figura isoladamente como comunicação suficiente, nem presa, uma vez que
pode estar separado da forma livre a que se liga, mudando de posição, o autor considera
o pronome átono uma forma dependente. Valendo-se de considerações a respeito do
perfil fonético-fonológico das partículas átonas, o autor define o termo próclise como
inclinação para frente (CÂMARA JR., 1997), posição que considera a mais comum no
caso do PB.
O caráter de dependência em relação a um hospedeiro, em termos sintáticos e
fonético-fonológicos, aproxima o comportamento das partículas átonas ao das formas
presas, de tal modo que alguns estudiosos acabaram por promover produtivo debate
científico acerca das propriedades caracterizadoras das palavras, dos clíticos e ainda dos
afixos. Vieira (2002), valendo-se de trabalhos que se ocupam da delimitação entre
clíticos e afixos (cf. ZWICKY & PULLUM, 1983) e entre clíticos e palavras (cf.
ZWICKY, 1985), apresenta reflexões acercada natureza dos clíticos em Português.
Considerando as semelhanças entre os clíticos e os afixos, costumam ser
destacadas duas características: (i) a adjacência do pronome átono ao verbo, assim como
ocorre a adjacência de um afixo em relação à raiz; e (ii) o enquadramento dos pronomes
portugueses e dos afixos a um grupo relativamente pequeno e fechado. Vieira (2002),
observando o comportamento geral dos clíticos pronominais, observa que há, entretanto,
duas propriedades que não permitem seu tratamento como afixo, no sentido estrito da
palavra: (i) a instância sintática a que os clíticos se ligam, que não são raízes
vocabulares; e (ii) a mobilidade. É esse caráter intermediário entre o comportamento de
palavra e o comportamento de afixo que faz com que se considere o clítico pronominal
uma espécie de afixo do nível sintagmático.
Com o objetivo de dar conta do fato de que os clíticos constituem itens marcados
por propriedades sintáticas e fonológicas, o que lhe dá um caráter híbrido em termos
formais, Klavans (1985) propõe que a atuação dos componentes sintático e fonológico
se dê de forma independente no fenômeno da cliticização. Desse modo, o hospedeiro
em relação ao qual o clítico se posiciona (o hospedeiro sintático) não precisa ser
necessariamente o hospedeiro fonológico desse clítico. Assim, clíticos podem estar
ligados a um só tempo sintaticamente a um hospedeiro e fonologicamente a outro (como
em que-se pode dar, em que o pronome poderia estar apoiado na partícula que e não no
complexo verbal).
67
Para formalizar sua proposta, Klavans estabelece três parâmetros que servem
para identificar as línguas em função do comportamento relativo à cliticização
pronominal. Valendo-se de pressupostos formalistas, parte do princípio de que, ainda
que reguladas por princípios universais, as línguas podem ser categorizadas de acordo
com a marcação de alguns parâmetros. Apresentam-se, a seguir, os parâmetros aos quais
a autora se refere:
P1) Dominância (inicial/final): responsável por determinar o hospedeiro do
clítico, indica a possibilidade de o elemento átono encontrar-se ligado ao
constituinte inicial ou final dominado por uma estrutura sintagmática.
P2) Precedência (antes/depois): revela se o clítico ocorre antes ou depois do
núcleo verbal.
P3) Ligação fonológica (proclítico/enclítico): estabelece a direção da ligação em
termos fonético-fonológicos.
Como se pode observar, as características sintáticas são estabelecidas em P1 e P2 e as
fonológicas, em P3.
Apenas uma investigação de natureza fonético-fonológica, valendo-se de dados
oriundos da oralidade criteriosamente coletados – o que não condiz com o corpus do
presente trabalho – permitiria conclusões cientificamente fundamentadas a respeito do
terceiro parâmetro.
A presente pesquisa propõe uma análise do comportamento dos pronomes
átonos que se relaciona ao segundo parâmetro, visto que revela se o clítico ocorre antes
ou depois do hospedeiro verbal, determinado no primeiro parâmetro proposto por
Klavans (1985). Apesar de este trabalho não ter por objetivo específico discutir a
manutenção ou a alteração de parâmetros de cliticização em variedades diversas do
Português, atestar a disparidade entre o comportamento verificado nos dados da escrita
brasileira e o comportamento recomendado na tradição gramatical ou verificado em
outras variedades contribui para o reconhecimento das alterações mais profundas que
configuram o uso lingüístico vernacular. Nesse sentido, a presente pesquisa ocupa-se do
segundo parâmetro, que, aplicado ao contexto de complexos verbais, oferece por
possibilidades, na modalidade escrita, a posição anterior (cl v1 v2), posterior (v1 v2 cl)
ou interveniente com hífen (v1-cl v2), ou sem hífen (vl cl v2), como se detalhará no
capítulo seguinte, referente à metodologia.
68
3.3. A relação oralidade-escrita
Nesta seção, apresentam-se as reflexões feitas por alguns autores a respeito da
relação existente entre a oralidade e a escrita no que se refere à variedade brasileira da
língua portuguesa. As reflexões apresentadas destacam o fato de que, em se tratando do
PB, o processo de letramento contribui para a formação da escrita como um meio que
busca implementar formas que se afastam das características da norma vernacular
dominada pelos falantes, de modo que se codifica uma norma culta idealizada por vezes
muito distante do padrão de uso reconhecido pelos alunos.
Pagotto (1998), em seu texto intitulado Norma e condescendência; ciência e
pureza, com base nas diferenças que se observam entre o português do Brasil e o
português de Portugal em relação aos aspectos sintáticos, apresenta relevante reflexão
acerca da construção histórica do tratamento tradicional da norma vernacular brasileira.
Pagotto (1998) afirma que a norma culta escrita no Brasil foi codificada na segunda
metade do século XIX, tendo sido resultado de “um longo e laborioso trabalho
executado durante anos a fio por eminentes gramáticos, jornalistas, escritores etc...”
(PAGOTTO, 1998:50), acrescentando, ainda, que o discurso científico teria contribuído
para a manutenção da suposta “norma culta”. Em sua argumentação, o autor salienta as
discrepâncias que se podem observar entre a modalidade escrita e falada do português
do Brasil.
Os textos utilizados pelo autor para verificar como se revelava a norma culta do
PB no século XIX foram a Constituição de 1824 e a Constituição republicana de 1981,
caracterizados, respectivamente, pelo registro do português clássico e da norma culta do
português moderno; de acordo com o autor, o texto constitucional reflete a expressão
mais alta das elites do país.
Pagotto (1998) declara que, no que se refere aos clíticos pronominais, os textos
contemplados são consideravelmente distintos, tendo em vista que, na constituição de
1824, a próclise é demonstrada como posição preferencial, diferente do que ocorre no
texto da constituição Republicana, que revelava a ênclise como colocação mais
frequente do clítico pronominal. De acordo com o autor, no texto da constituição de
1824, a aplicação da próclise se mostrou como opção até mesmo em casos
extremamente condenados pela prescrição gramatical, como posição inicial da sentença.
Segundo Pagotto (1998), a mudança que se pode observar reflete as mudanças
ocorridas na gramática do português falado de Portugal, apresentando como fatores que
69
possam ter colaborado para tal mudança: (i) a ascensão da burguesia, na primeira
metade do século XIX e, no plano literário, (ii) o romantismo, que marca uma fase em
que a literatura se populariza, uma vez que anteriormente a arte era restrita à nobreza. O
autor destaca que a ascensão da burguesia faz dessa parcela da sociedade um novo
grupo consumidor do mercado literário e, por isso, o escritor passa a se distanciar das
formas clássicas de expressão, na intenção de se aproximar de um público maior.
Quanto à interferência do romantismo para a formação da norma portuguesa no período
descrito, o autor destaca a atuação de José de Alencar, que, caracteristicamente, incluía
em seus textos elementos próprios dos falares brasileiros; Pagotto declara que, em
relação aos clíticos “Alencar afirmava sem reservas: colocava-os onde mandassem os
seus ouvidos”. O autor observou que a escrita brasileira apresentava características que
a aproximavam do português moderno.
O autor pôde concluir que a norma que se observa para o português de Portugal
se manteve como norma culta para o português do Brasil até os meados do século XIX;
a partir do século XX, o autor declara que a identidade do português brasileiro com o
português de Portugal é construída, principalmente, pelo discurso científico acerca do
tema. O autor ressalta que a norma culta do PB fica codificada apenas nas escolas, nos
jornais e pelos diversos outros “aparelhos ideológicos do Estado” (p.67) e difere
bastante do que configura a oralidade vernacular brasileira.
Em “Educação em língua materna: A sociolingüística na sala de aula”, BortoniRicardo (2004) busca retratar a realidade lingüística no Brasil; a autora discorre sobre a
educação lingüística, abordando como tema principal a inclusão de alunos de classes
sociais menos favorecidas na cultura letrada. Para tanto, a autora, ao longo de toda a
obra, sugere atividades que, servindo como instrumentos de análise, podem auxiliar os
profissionais que se deparam com diferentes padrões de uso lingüístico na diversificada
realidade linguística que se manifesta em sala de aula, decorrente do crescimento da
população brasileira e da conseqüente migração do campo para as cidades.
No âmbito da sociolingüística educacional, Bortoni–Ricardo (2004) investiga,
além dos aspectos lingüísticos, as interações sociais e culturais com as quais estão
envolvidos os migrantes rurais (falantes de variedades lingüísticas estigmatizadas),
propondo, nesse âmbito, uma ‘linha imaginária’ representada pelo contínuo oralidadeletramento, dispondo em um de seus extremos os eventos de letramento (mediados pela
70
língua escrita) e no outro os eventos de oralidade (sem interferência direta da língua
escrita), conforme se representa a seguir.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------Eventos
de oralidade
Eventos
de letramento
Observem-se as palavras da autora a respeito da descrição do referido contínuo:
(...) os domínios onde predominam as culturas de letramento
estão situados na ponta da urbanização, enquanto na outra
ponta só vamos encontrar domínios onde predomina a cultura
de oralidade. (BORTONI-RICARDO, 2004: 61).
Bortoni-Ricardo (2004) deixa claro que não existem fronteiras bem marcadas entre os
eventos de oralidade e letramento, podendo haver sobreposições, como se verifica em
uma aula, que constituiria um evento de letramento que pode ser permeado por mini
eventos de oralidade.
Enfatizando tópicos de variação, prestígio e preconceito, a autora declara que a
escola não tem promovido efetivo acesso à cultura letrada, pois a formalidade
lingüística dos mestres pode estar associada à insegurança dos alunos quanto ao
processo de letramento; esse aspecto, de acordo com a autora, inclui-se no fato de que
comunidades detentoras de poder administrativo, político e econômico transferem o
prestígio social à sua variedade linguística e, com isso, juízos de valores são
ideologicamente motivados e geram preconceitos que precisam ser combatidos. Dessa
forma, para o efetivo desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, devese eliminar o mito da superioridade de uma variedade linguística em relação à outra na
cultura brasileira, pois um dos fatores que garantem a identidade de determinado grupo
social é a sua língua. Com isso, o professor de língua portuguesa (língua materna) deve
estar apto a conscientizar os alunos das diversas variedades existentes, alertando-os que
o uso de tais variedades está condicionado a uma adequação comunicativa.
Segundo Bortoni-Ricardo (2004), o processo de socialização do aluno é
cerceado por três diferentes domínios sociais: a família, os amigos e a escola. Nesse
71
contexto, os papéis sociais que cada indivíduo desempenha (mãe, filho, professor, aluno
etc.) são definidos por normas socioculturais dentro do domínio social no qual as
pessoas interagem; os papéis sociais, portanto, são construídos pela própria interação
humana e, em virtude disso, num contínuo de letramento, o aluno parte de uma cultura
predominantemente oral para uma cultura permeada pela escrita, nos primeiros
momentos, sendo comum o seguimento de um roteiro escrito da fala. Com isso, expõe a
autora que normalmente surgirão manifestações não pertencentes ao domínio da escola,
e, nessas ocasiões, o professor precisa conscientizar o aluno quanto à diversidade
lingüística, tornando-o apto a monitorar seu próprio estilo de acordo com a situação
comunicativa ou a tipologia cultural do evento (brincadeira, missa, discurso etc).
A partir das considerações expostas na obra, a autora nos permite refletir sobre o
papel da escola, à qual cabe enriquecer o repertório lingüístico do aluno, fornecendo-lhe
recursos para uma competência lingüística diversificada. Entretanto, o aprendizado da
variedade padrão não deve implicar a desvalorização da variedade adquirida pelo
falante no meio social do qual provém. A inclusão social está inteiramente associada à
inclusão lingüística, já que língua é um bem que só se manifesta em sociedade: “... não
basta somente descrever e analisar as relações entre língua e sociedade – é preciso
também transformá-las.” (Bortoni-Ricardo, 2004: 10).
Desenvolvendo importante proposta acerca da gramática dominada por
indivíduos brasileiros que têm acesso a meios que favorecem o letramento, KATO
(2005), em artigo intitulado “A gramática do letrado: questões para a teoria gramatical”,
apresenta reflexões sobre a escrita e sua aprendizagem pelas crianças que se inserem no
ambiente escolar. A autora declara que, dado o caráter conservador das normas da
escrita, o processo de letramento termina por recuperar o conhecimento gramatical
característico de outras épocas do português brasileiro.
A autora, valendo-se de trabalho anterior (Kato, Cyrino e Correa, 1994), baseiase na premissa de que “as inovações são criadas para a fala e não para a escrita” (p. 2).
No referido trabalho, cruzam-se os dados de diacronia com os dados de aprendizagem
escolar, observando-se os seguintes aspectos de mudança linguística no PB: (i) ao longo
do século XIX, perda dos clíticos de terceira pessoa, sendo preferida a opção pelo objeto
nulo referencial; (ii) perda do sujeito nulo e conseqüentemente do movimento longo do
clítico; e (iii) introdução do pronome reto em lugar do pronome acusativo.
72
Os dados analisados pelas autoras revelam que a escola recupera a perda dos
clíticos de terceira pessoa do século XVII, mas, em relação à ordem de tais pronomes,
mantém as características inovadoras, não se observando a colocação proclítica a verbos
auxiliares. As autoras declaram que a escola procura recuperar a gramática do passado,
mas o processo que se verifica, de fato, é uma parcial simulação de que apareçam, na
gramática do letrado brasileiro, características que não condizem com a gramática de
um letrado de tempos passados e, nem mesmo, com a de um letrado português; de
acordo com as autoras, a hipótese de que a escrita brasileira se baseia na gramática de
um falante português não se sustenta, tendo em vista a existência, na variedade
europeia, de clíticos de terceira pessoa com movimentos longos.
Para demonstrar a distância entre a escrita brasileira e os padrões do português
contemporâneo, Kato (2005) vale-se da escrita de Paulo Coelho, escritor brasileiro cujas
obras quando traduzidas em versão portuguesa apresentam objetos nulos, em contextos
que se apresentam no original brasileiro preenchidos pelos clíticos correspondentes. A
autora demonstra que o texto do escritor incorpora inovações próprias do PB, como o
preenchimento do objeto por um pronome reto; no entanto, essa estratégia de
preenchimento se faz em variação com o uso do pronome átono.
De modo geral, as considerações de Kato (2005) apontam para o fato de que, no
PB, o reconhecimento de determinadas estruturas gramaticais, como o movimento dos
clíticos e o uso do clítico acusativo, se constrói no contato com eventos de letramento e
no processo de aprendizagem da escrita; a autora aponta evidências de que tais
estruturas compõem a gramática periférica do falante, gerando uma inevitável
competição com os parâmetros de sua gramática nuclear durante a escolarização.
Consoante a proposta da autora, a escola implementa, na escrita dos alunos, uma
competição de gramáticas, refletindo formas antigas e inovadoras.
Os textos resenhados nesta seção permitem observar que a relação entre
oralidade e escrita é extremamente relevante para a compreensão das estruturas
encontradas em textos escritos, sobretudo no contexto escolar. As reflexões que se
fazem a partir da leitura de tais textos contribuem para o amadurecimento da concepção
de que a escrita costuma ser um espaço conservador e unificador da multiplicidade de
formas e usos lingüísticos verificados na oralidade; o padrão culto idealizado,
valorizado no processo de letramento, acaba por tentar codificar o que seria
característico dos habitantes de núcleos que representam o centro do poder econômico
73
e/ ou sociocultural predominante em determinada sociedade. Tomando por base a tensão
entre o padrão lingüístico idealizado e o padrão de uso do PB escrito, que se constrói
sobretudo em contexto de aprendizagem, é possível observar o emprego de formas
advindas dos padrões orais, vernaculares, as quais se incorporam inevitavelmente no
processo de formação da escrita. Desse modo, a escrita de indivíduos letrados, que se
desenvolve por meio do ensino de regras que caracterizam um padrão de uso distinto
daquele dominado pelo aluno, termina por gerar uma situação de competição entre as
normas recomendadas e as normas naturalmente adquiridas na língua oral.
74
4. METODOLOGIA
Neste capítulo, consideram-se os aspectos metodológicos necessários à pesquisa
sociolingüística empreendida nesta investigação. Apresentam-se, portanto, (i) a
descrição do corpus utilizado para a coleta de dados, (ii) as etapas percorridas na
realização da pesquisa, da definição do fenômeno a ser estudado até a interpretação dos
resultados, (iii) o estabelecimento da variável dependente, (iv) o detalhamento das
variáveis linguísticas e extralingüísticas consideradas para a codificação dos dados,
listando-se e exemplificando-se todos os fatores que as compõem, e (v) os
procedimentos realizados para o tratamento dos dados.
4.1. A descrição do corpus
Ao desenvolver a investigação da ordem dos clíticos pronominais em complexos
verbais nos textos escolares, objetiva-se verificar se a gradual implementação das
normas prescritas pela tradição gramatical para a colocação pronominal se desenvolve
ao longo da progressão do aluno no processo de educação formal Pretende-se, ainda,
verificar se o fenômeno se comporta de maneira semelhante nos textos ou se o modo de
organização discursiva predominante, aliado a outras variáveis, favorece o uso de
determinadas formas.
Para a realização da presente pesquisa, recorreu-se à investigação do fenômeno
em uma coletânea de quatrocentos e quarenta e oito textos que compõem o corpus Rio
acadêmico-escolar9. Os textos podem ser caracterizados, com base em Charaudeau
(2008) e Marcuschi (2008)10, em relação ao gênero textual, como redações escolares; no
que concerne ao modo de organização discursiva, pode-se dizer que duzentos e vinte e
quatro desses textos se caracterizam pela predominância do modo narrativo de
organização do discurso e os outros duzentos e vinte quatro pela predominância do
modo argumentativo11 de organização do discurso. Cabe ressaltar que os textos,
_
9
Corpus organizado por Vieira e Rodrigues-Coelho; ainda em fase de constituição, já conta com
representativa quantidade de redações escolares e acadêmicas diversificadas de acordo com o modo de
organização discursiva dos textos, o nível de escolaridade dos alunos e a natureza da instituição de ensino
(pública ou particular).
10
Para maior detalhamento da proposta teórica dessas referências, conferir descrição da variável “modo
de organização discursiva.
11
Ao longo do trabalho, optou-se por fazer referência a tais textos como dissertativos-argumentativos,
nomenclatura utilizada e reconhecida pelos alunos em meio escolar, que corresponde ao modo
argumentativo de organização do discurso (CHARAUDEAU, 2008).
75
produzidos em sala de aula, são de autoria de alunos matriculados em turmas diurnas de
ensino regular do 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio da rede
privada de ensino do Rio de Janeiro.
A constituição do corpus deu-se por meio da aplicação e/ou coleta de textos
produzidos pelos alunos. Tais textos foram selecionados e distribuídos sistematicamente
de acordo com o nível de escolaridade dos alunos/autores (9º ano do ensino
fundamental e 3º ano do ensino médio), o tipo de instituição à qual estão vinculados
(pública e privada), o sexo (feminino e masculino) e o modo de organização discursiva
predominante no texto (narrativo e dissertativo). Observe-se o quadro a seguir, que pode
demonstrar como, de acordo com tais aspectos, se organiza o corpus da análise.
Quadro 2: Composição do corpus
Escolaridade
Tipo de
instituição
Pública
9º ano
Particular
Pública
3º ano
Particular
Modo de
Sexo
organização
Totais
parciais
do discurso
Feminino
Masculino
Narração
28
28
56
Dissertação
28
28
56
Narração
28
28
56
Dissertação
28
28
56
Narração
28
28
56
Dissertação
28
28
56
Narração
28
28
56
Dissertação
28
28
56
Total Geral
448
Observe-se, portanto, que, para cada nível de escolaridade, em cada tipo de
instituição, foram reunidos 56 textos narrativos e 56 textos dissertativos, divididos
igualmente de acordo com o sexo dos autores (28 de autoria masculina e 28 de autoria
feminina), tendo-se reunido um total de 448 textos. A sistematização demonstrada no
quadro acima referente à composição do corpus corresponde à distribuição dos textos de
acordo com as variáveis extralingüísticas, que, em subseção posterior, serão exploradas.
Para a constituição do corpus, não foi possível considerar, de forma
estratificada, aspectos como a localização geográfica das escolas e/ou classe social dos
alunos, devido às dificuldades que se fizeram presentes. Muitas vezes, o acesso aos
76
textos dos alunos foi dificultado em virtude da hesitação de professores e diretores na
colaboração com a realização da pesquisa; assim sendo, tornou-se necessário utilizar as
redações que foram disponibilizadas no curso da pesquisa, o que impossibilitou que a
região geográfica em que se localizavam as escolas fosse tomada como critério na
constituição da amostra. Em relação à classe social dos alunos, ao início da constituição
do corpus, junto à proposta de redação, fornecia-se aos alunos um questionário por meio
do qual se buscava controlar diversas informações referentes à comunidade de fala na
qual estavam inseridos; a intenção era tomar conhecimento de aspectos como nível de
escolaridade dos pais, renda familiar, freqüência de viagens realizadas, localidades para
as quais costumavam viajar, naturalidade dos pais e outros familiares de convívio
diário. No entanto, na maioria das vezes, os alunos não tinham conhecimento sobre tais
informações e terminavam por dar respostas que não se baseavam, de fato, na realidade.
Dessa maneira, para evitar que os resultados não fossem confiáveis, optou-se por não
controlar tais aspectos nesta análise. Cabe destacar, ainda, que a faixa etária dos
alunos/autores pôde ser controlada indiretamente; ao contraporem-se os níveis de
escolaridade, torna-se possível delimitar que os alunos do 9º ano do ensino fundamental
teriam entre 14 e 16 anos e os alunos do 3º ano do ensino médio teriam entre 17 e 19
anos.
A escolha das instituições de ensino públicas e privadas baseou-se em dois
critérios: (i) deveriam ser escolas que, em meio à sociedade, gozariam supostamente do
status de medianas em relação à qualidade de ensino que ofereciam; e (ii) as escolas
deveriam se localizar em regiões centrais dos bairros, permitindo o acesso de alunos de
diferenciadas classes sociais (não foram consideradas escolas cujo corpo discente se
formava por alunos de classe social extremante privilegiada e/ ou carente).
No que se refere à produção dos textos, cabe destacar que os textos narrativos
foram aqueles para os quais se teve a chance de aplicação de proposta de redação
específica, tendo sido, portanto, apresentadas duas opções: (a) precedendo a real
produção dos textos, dava-se a oportunidade aos alunos de expressarem-se, contando
algum caso de violência ou expondo opiniões a respeito de casos expostos por outros
alunos; logo após, pedia-se que os alunos produzissem um texto narrativo, em primeira
ou terceira pessoa, em que houvesse um personagem vítima de um ato de violência, eles
poderiam, ainda, contar a história de um dos casos expostos; (b) com base em uma
adaptação da proposta de redação do vestibular da Unicamp, pedia-se que os alunos
redigissem uma narração, em primeira ou terceira pessoa, de maneira a desenvolver a
77
história apresentada. Observe-se a seguir a adaptação da proposta de redação à qual se
fez referência:
Imagine a seguinte situação: um dia você acorda com o habitual
ruído do jornal atirado contra a parede. Abre a porta da rua e o
apanha. Ao olhar à sua volta, vê que a placa da rua teve o nome
mudado de Rua dos Colibris para Rua YN-15. Você entra em
pânico - o que aconteceu? Num primeiro momento, tenta
acreditar que a mudança da placa não deveria causar tal reação.
Mais tarde, com uma série de outras descobertas que fará, acaba
por compreender que sua reação tinha mesmo razão de ser...
Os textos dissertativos utilizados nesta investigação foram aproveitados de
diversas outras atividades aplicadas pelos professores regentes das turmas dos alunos;
dentre os diversos temas abordados, encontram-se a legalização do aborto, o sistema de
cotas nas universidades públicas e a importância da música. Destaque-se que não se
teve acesso às propostas de redação oferecidas aos alunos.
Dos textos reunidos, obtiveram-se 222 ocorrências de clíticos pronominais em
complexos verbais. O tamanho da amostra constituída demonstrou-se adequado para
descrever a realidade lingüística presente nos textos, no que concerne à ordem dos
clíticos pronominais, em contextos de complexos verbais, verificando a influência de
fatores lingüísticos e extralingüísticos sobre tal fenômeno variável; ou seja, considera-se
a amostra constituída suficiente para identificar tendências a respeito do fenômeno,
através da constatação de regularidades no comportamento dos alunos, de acordo com
os fatores controlados.
4.2. Etapas da pesquisa
A presente investigação perpassa as seguintes etapas concernentes à pesquisa
sociolingüística: (i) a definição da variável dependente; (ii) o estabelecimento das
variáveis
independentes
linguísticas
e
extralingüísticas,
que
podem
exercer
condicionamento para o fenômeno; (iii) a coleta de todos os dados de clíticos
pronominais em contextos de complexos verbais das 448 redações escolares; (iv) a
codificação dos dados coletados, de acordo com o grupo de fatores estabelecidos para
cada variável independente considerada; (v) o tratamento computacional dos dados por
meio do pacote de programas GOLDVARB (versão 2001); e (vi) análise, interpretação
e sistematização dos resultados obtidos.
78
4.3. Descrição das variáveis
4.3.1. A variável dependente
De acordo com os princípios apresentados na subseção 3.1, este trabalho adota a
noção de regra variável proposta em Labov (2008 [1972]). Considera-se como fatores
(variantes) da variável dependente relativa à regra de colocação dos clíticos em
complexos verbais a colocação pré-complexo verbal (cl V1 V2), a intra-complexo
verbal sem hífen (V1 cl V2), a intra-complexo verbal com hífen (V1-cl V2) e a póscomplexo verbal (V1 V2-cl). Trata-se, portanto, de uma variável eneária, ou seja, aquela
que comporta mais de duas formas alternantes como possibilidades de representação do
fenômeno. Apresentam-se, a seguir, ocorrências, das quatro variantes mencionadas:
(1) Pré-complexo verbal ou cl V1 V2:
A vida é feita de escolhas, mas não se pode esquecer suas raízes
(2) Intra-complexo verbal sem hífen ou VI cl V2:
Porém logo pensei: que bobagem a minha, o nome de uma rua não vai me
influenciar em nada
(3) Intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2:
Partindo de tal princípio, pode-se salvar adolescentes ligados ao espaço criminoso.
(4) Pós-complexo verbal ou V1 V2-cl:
Sabia que ele poderia tirá-lo.
Destaque-se que, neste estudo, não se considerou a colocação mesoclítica do
pronome ao verbo auxiliar (poder-se-ia investigar) como fator da variável dependente
em virtude de não se ter manifestado em todo o corpus qualquer ocorrência dessa
variante. Com base em resultados obtidos por Vieira (2002), Machado (2006), Nunes
(2009) e Peterson (2010) e no que se pode observar com esta investigação, supõe-se que
a ausência de mesóclise se deva ao fato de tal colocação estar restrita a contextos muito
específicos em termos lingüísticos e extralingüísticos. Trata-se de variante exclusiva dos
tempos futuros do indicativo, recomendada em estruturas sem tradicionais atratores. De
79
acordo com as autoras supracitadas, o uso de mesóclise no PB configuraria uma escrita
de alto padrão culto ou marca característica de determinado gênero textual.
Como já explicitado anteriormente, controlam-se, nesta pesquisa, separadamente
os contextos em que, no que se refere à colocação intra-complexo verbal, há a presença
do hífen, ligando o pronome ao verbo auxiliar, e aqueles nos quais tal marca gráfica não
se apresenta. Compreende-se que a determinação do verbo (auxiliar ou principal) com
que o pronome se relaciona ultrapassa o nível da representação gráfica, já que, no
âmbito sintático, estudos acerca do assunto (cf. Vieira 2002, Peterson, 2010 e Santos,
2010) demonstram que, por exemplo, o clítico se reflexivo tende a se adjungir ao verbo
que lhe atribui papel temático e, dessa maneira, a sua colocação estaria intimamente
relacionada à função que desempenha; já no âmbito fonológico, deve-se levar em
consideração a proposição de Klavans (1985), de acordo com a qual o hospedeiro
sintático do pronome pode não ser seu hospedeiro fonológico. Nesta investigação, por
se tratar de análise da modalidade escrita, a presença ou ausência de hífen no complexo
verbal é controlada como maneira de se verificar a preferência pela ênclise ao verbo
auxiliar (V1-cl V2) ou a próclise ao verbo principal (V1 cl V2).
Ao se tratar da cliticização pronominal em complexos verbais, foi necessário
atentar para diversas peculiaridades que se apresentaram a respeito da realização do
fenômeno nesse contexto. No corpus analisado, os complexos verbais cujo verbo
principal se encontra no particípio ou no gerúndio não admitem a colocação do pronome
nas quatro posições consideradas nesta investigação. Como se descreverá adiante, para
os casos de particípio, verificou-se a preferência pela colocação pré-complexo verbal (cl
V1 V2) e intra-complexo verbal sem hífen (V1 cl V2); para os casos de gerúndio,
verificou-se como opção a colocação intra-complexo verbal sem hífen (V1 cl V2) e a
colocação pós- complexo verbal (V1 V2-cl). Desse modo, é de fundamental importância
que os dados sejam tratados de forma particularizada consoante a forma do verbo
principal.
Não se pode deixar de retomar, ainda, o fato de que a noção de regra variável
passa a ser um assunto ao qual se deve dar grande atenção, tendo em vista que a
manifestação de determinadas estruturas pode romper com a noção de manutenção do
valor de verdade. Estruturas como se pode investigar, pode-se investigar, pode se
investigar e pode investigar-se são normalmente interpretadas como sinônimas, pois
podem figurar no mesmo contexto, com o mesmo sentido representado; no entanto, em
determinados tipos de complexos verbais, a mudança de posição do clítico pode
80
comprometer a manutenção do sentido a ser expresso. Tome-se como exemplo a
sentença pode-se dirigir (é permitido dirigir, conduzir, interpretando-se o clítico se
como indeterminador do sujeito) em contraposição a pode dirigir-se (dirigir-se a,
encaminhar-se a, interpretando-se o clítico se como reflexivo/inerente). Como se pode
observar, a posição do clítico pronominal na estrutura pode induzir a diferentes
interpretações; destaque-se que não se nega a possibilidade de tais estruturas serem
consideradas sinônimas, mas o que se deve reconhecer é o fato de que, em se tratando
de determinados tipos de complexos verbais e de clíticos, a cliticização pronominal em
lexias verbais complexas pode instaurar discussão acerca da equivalência do valor
referencial indicado pelas formas variantes.
Diante da pluralidade de estruturas que poderiam ser consideradas como
complexos verbais e da complexidade que envolve o tema da cliticização pronominal
nesses contextos, são consideradas, nesta análise, as diversas estruturas verbais nas
quais estão envolvidas mais de uma forma verbal com certo grau de integração
sintático-semântica, em que seja possível a alternância do clítico pronominal em
qualquer das três (caso dos complexos com particípio) ou quatro posições, com a
manutenção do sentido básico expresso pelas formas alternantes.
Na subseção que se segue, expõem-se os critérios que norteiam a noção de
complexo verbal e permitiram delimitar as estruturas a serem contempladas nesta
pesquisa.
4.3.1.1. A concepção de complexo verbal
Seguindo a orientação de outros estudos desenvolvidos sobre a caracterização de
estruturas verbais complexas no PB, optou-se, nesta pesquisa, por considerar não só os
complexos verbais formados pelos auxiliares de uso mais freqüente, como ter, haver,
ser, ir e estar – normalmente apresentados em compêndios gramaticais –, mas também
aqueles formados por verbos considerados por alguns estudiosos semi-auxiliares e
outros que atendam a poucos requisitos de auxiliaridade, também descritos em estudos
sobre o tema.
De acordo com Cunha & Cintra (2001), Bechara (1999) e Lima (2006), os
complexos verbais mais comuns são aqueles formados por estar + gerúndio, ter +
particípio, haver + particípio, haver + de/ a + infinitivo, vir e ir + gerúndio e infinitivo.
Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006) apresentam diversos exemplos que servem a
81
demonstrar a grande diversidade de estruturas verbais complexas que se verificam no
português do Brasil; no entanto, não propõem a caracterização dessas estruturas em
termos sintáticos ou semânticos; os autores expõem, apenas, que são consideradas como
“locuções verbais” as estruturas formadas por verbo auxiliar mais verbo principal em
uma das formas nominais, havendo a possibilidade de figurar entre eles as preposições
de, em, para, por e a. Bechara (1999), atribuindo às locuções verbais a mesma definição
dada por Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006), divide tais estruturas em quatro
diferentes grupos: (i) ter/ haver e ser + particípio – formação de tempos compostos
(tenho cantado); (iii) ser, estar, ficar + particípio – formação de voz passiva (é amado);
(iii) auxiliares acurativos + infinitivo ou gerúndio (começar a escrever); (iv) auxiliares
modais (incluindo entre estes alguns verbos volitivos) + infinitivo ou gerúndio (devo
escrever). A respeito dos auxiliares causativos e sensitivos, Bechara (1999) propõe que,
“(...) juntando-se a infinitivo ou gerúndio, não formam locução verbal, mas, muitas
vezes, se comportam sintaticamente como tal...” (BECHARA, 1999: 233).
Para Perini (2001), o verbo auxiliar é aquele que, em um complexo verbal, não é
responsável pela seleção de complementos e, portanto, não é responsável pela formação
de predicados. De acordo com o autor, estruturas como está escrevendo correspondem a
um único predicado, uma vez que o verbo estar não possui atributos referentes à
transitividade. A transitividade do predicado corresponde àquela que o verbo principal
apresentaria em contextos nos quais figura sozinho, ocorre que estruturas como a
demonstrada configuram duas formas verbais que representam um único verbo.
Afirmando que são poucos os verbos que podem se comportar como auxiliares no PB,
Perini (2001) elenca as possíveis estruturas de complexos verbais: (i) ir +infinitivo; (ii)
ter e haver + particípio; (iii) estar, vir, ir e andar + gerúndio; construção passiva com o
verbo ser e estar + particípio; verbos tradicionalmente chamados modais” e
“aspectuais” + infinitivo: poder, dever, acabar de, deixar de, começar a, continuar a,
ter de/ que, haver de/ que + infinitivo.
Não se pode deixar de mencionar os critérios expostos por Barroso (apud Vieira,
2002) para identificação dos verbos auxiliares em português; dos oito critérios
estabelecidos, observem-se, a seguir os três considerados pelo próprio autor como
essenciais:
82
(i)
Atribuição da perda sêmica do auxiliar: perda de significado
léxico do verbo auxiliar, mantendo-se apenas seu valor
instrumental (Eu voltei a dormir – verbo voltar com perda do
sema ‘movimento no espaço’)
(ii)
Unidade significativa: verbo auxiliar desempenhando função
gramatical e verbo principal a função lexical; o conjunto
configura uma única unidade significativa (está escrevendo)
(iii)
Sujeito do verbo: os dois verbos compartilham o mesmo sujeito
(começou a descansar).
Gonçalves (apud VIEIRA, 2002) defende que os verbos ter e haver são os
verbos auxiliares prototípicos. O autor estabelece uma hierarquia que, numa escala
decrescente, de acordo com as propriedades de auxiliaridade que possuam, pode
caracterizar os demais verbos também considerados auxiliares: (i) ser + particípio,
andar, ficar, estar, ir e vir + gerúndio; (ii) haver (de), chegar (a), andar (a), chegar (a),
começar (a), continuar (a), estar (a), ficar (a), ir (a), tornar (a), vir (a), estar (por),
ficar (por), costumar; (iii) poder, dever e ter (de).
Machado Vieira (2008) apresenta diversos critérios de acordo com os quais se
podem caracterizar os verbos auxiliares; com base em tais critérios, são considerados
auxiliares prototípicos os verbos ter e haver12, destacando-se a unanimidade, entre
pesquisadores do tema, referente ao caráter auxiliar desses dois verbos. Para os verbos
que não atendem a todas as características de um verbo prototipicamente auxiliar, a
autora estabelece uma escala de auxiliaridade; tal escala é traçada de acordo com o grau
de afastamento dos verbos ‘semi-auxiliares’ da categoria de verbo predicador e o grau
de aproximação da categoria de verbo auxiliar. Observem-se a seguir as cinco
subclasses de verbos semi-auxiliares estabelecidas por Machado Vieira (2008):
(i)
1º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: ser, estar e ficar +
particípio (construções de voz passiva).
_
12
De acordo com Machado Vieira, “os verbos têm um papel auxiliar, uma vez que servem de reforço ao
sentido definido principalmente pelo elemento não verbal da estrutura perifrástica e de suporte ou apoio
para a expressão das categorias gramaticais de tempo, modo, número e pessoa” (MACHADO VIEIRA,
2008:2)
83
(ii)
2º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: estar, vir, ir, ficar,
andar (verbos aspectuais) + gerúndio; ir, vir, haver de verbos temporais
+ infinitivo.
(iii)
3º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: poder, dever (verbos
modais) + infinitivo; estar, ficar, andar, voltar, tornar, costumar,
continuar, permanecer, começar, passar, pôr-se, manter-se, chegar,
pegar (verbos aspectuais) + a + infinitivo.
(iv)
4º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: ter (de/que) (verbo
modal) + infinitivo; estar, ficar, deixar, acabar, parar, terminar, cessar,
dar (verbos aspectuais) + de, para ou por + infinitivo.
(v)
5º grau de afastamento do polo de auxiliaridade: tentar, querer, esperar,
desejar, gostar (de), lograr, conseguir, ousar, atrever-se, parecer,
pretender, tencionar + infinitivo; mandar, fazer, deixar, levar (verbos
causativos) + infinitivo; ver, olhar, ouvir, sentir, saber (verbos
perceptivos/sensitivos) + infinitivo.
A partir dos estudos citados, compreende-se que diversas estruturas, além das
frequentemente consideradas pela tradição gramatical, podem ser reunidas dentro do
conceito de complexos verbais, de acordo com as diversas características que se
observem no âmbito da auxiliaridade. Com isso, nesta pesquisa, optou-se por considerar
entre as estruturas verbais complexas não somente construções tipicamente
reconhecidas, como aquelas formadas com os verbos ter e haver, mas também todas
aquelas nas quais se observou qualquer grau de auxiliaridade. As diferentes estruturas
contempladas foram controladas nesta investigação por meio da variável independente
linguística tipo de complexo verbal, apresentada posteriormente.
Cabe destacar que se optou por não considerar, nesta investigação, estruturas
formadas com verbos causativos/ sensitivos, em virtude de tais estruturas apresentarem
comportamento bastante diferenciado das outras contempladas. Além do baixo grau de
auxiliaridade de tais verbos, o que termina por configurar, nos enunciados em que se
manifestam, duas orações distintas, estruturas formadas por essas formas verbais não
admitem a colocação do clítico pronominal nas quatro posições consideradas fatores da
variável dependente em estudo. Salienta-se que, em a deixei comprar, deixei-a comprar,
deixei a comprar e deixei comprá-la, não se observam formas sinonímicas, ou seja, o
84
valor de verdade que deve ser mantido entre as formas variantes não se verifica com
estruturas desse tipo.
4.3.2. As variáveis independentes
4.3.2.1. As variáveis independentes extralinguísticas
Os grupos de fatores de natureza extralinguística analisados nesta pesquisa são
os seguintes:
(a) Nível de escolaridade dos alunos:
Acredita-se que, ao comparar os textos dos alunos do 9º ano do ensino
fundamental com os textos dos alunos do 3º ano do ensino médio, estes, por
representarem o mais alto nível de escolaridade considerado nesta pesquisa, revelariam
o uso das variantes estipuladas em maior consonância com a tradição gramatical a
respeito da colocação pronominal, demonstrando a gradativa implementação dos traços
normativos na escrita dos alunos, que se realiza ao longo do decurso escolar.
Acrescentem-se, ainda, os aspectos considerados no “contínuo de oralidade –
letramento” proposto por Bortoni-Ricardo (2004), de acordo com o qual, apesar da
inexistência de fronteiras bem marcadas, pode-se reconhecer nos extremos os “eventos
de oralidade” e os “eventos de letramento”.
(b) Sexo:
Essa variável é tradicionalmente controlada em estudos sociolinguísticos com
base nas propostas labovianas (cf. LABOV, 2008 [1972]), segundo as quais fica
demonstrada a influência dos papéis sociais culturalmente condicionados aos sexos
feminino e masculino no repertório linguístico do indivíduo.
Estudos anteriormente realizados sobre a ordem dos clíticos pronominais não
indicaram a relevância dessa variável para o condicionamento do fenômeno; ainda
assim, como o corpus organizado para esta investigação permite o controle do sexo dos
alunos/ autores, optou-se pelo estabelecimento desse grupo de fatores a fim de verificar
se, em alguma medida, o comportamento lingüístico de homens e mulheres se
diferencia na escrita escolar.
85
(c) Tipo de instituição à qual estão vinculados os alunos:
A formulação desse grupo de fatores está em consonância com a análise de
Morito-Machado (2006), que, observando o fenômeno da cliticização pronominal em
contextos de lexias verbais simples, partiu da hipótese de que os alunos das escolas
privadas apresentariam comportamento mais próximo do estabelecido na norma padrão
idealizada. Segundo a autora, esse tipo de instituição tomaria por base uma proposta
mais específica de conhecimento gramatical, preconizando a utilização de
nomenclaturas, normas e conceitos tradicionais, diferentemente das instituições
públicas, que, com base nos PCN, se voltariam mais para a produção textual.
(d) Modo de organização discursiva predominante nos textos:
A princípio, cabe esclarecer que o controle do possível condicionamento do
fenômeno a partir do modo de organização predominante nos textos se fez por meio de
uma variável considerada extralingüística, em virtude de a classificação dos textos como
narrativos ou dissertativos não ter sido feita especificamente para esta pesquisa com
base em aspectos lingüístico-textuais característicos, que assim os pudessem definir.
Antes, acatou-se a classificação feita pelos docentes que colaboraram com a formação
do corpus, cedendo os textos.
Sem dúvida, as características de caráter textual-discursivo, como a relação
existente entre texto e discurso, constituem elementos importantes para esta pesquisa,
tendo em vista a natureza do corpus com o qual se trabalha – textos de diferentes modos
de organização discursiva. Nesse sentido, levou-se em consideração, exclusivamente no
que diz respeito ao tratamento da variável referente ao modo de organização discursiva,
a perspectiva científica acerca dos estudos lingüísticos no âmbito do texto. Expõem-se,
a seguir, os aspectos que, amplamente desenvolvidos na Linguística Textual e, também,
na Análise do discurso, servem a enriquecer a análise aqui realizada, tendo em vista
especificamente o material a partir do qual se propõe a investigação da ordem dos
clíticos pronominais.
Os aspectos supracitados referem-se àqueles envolvidos na atividade de
produção textual, numa concepção ampla segundo a qual esse processo corresponde, na
verdade, à produção de comunicação verbal. Dessa forma, é relevante para este trabalho
a perspectiva sociointerativa adotada por Marcuschi (2008), propondo que
86
... o uso e o funcionamento significativo da linguagem se dá em
textos e discursos produzidos e recebidos em situações
enunciativas ligadas a domínios discursivos da vida cotidiana e
realizados em gêneros que circulam na sociedade.
(MARCUSCHI, 2008: 22).
Tendo sido citados os termos domínio discursivo e gênero na perspectiva sob a
qual o texto é trabalhado em Marcuschi (2008), cabe ressaltar que, de acordo com esse
autor, gênero textual deve ser entendido como a materialização dos textos em situações
comunicativas, apresentando padrões sociocomunicativos característicos que podem ser
definidos por aspectos funcionais, objetivos enunciativos e estilos determinados
histórica, social, e institucionalmente. Como exemplos de tais gêneros, podem ser
citados romance, bilhete, piada, edital de concurso, carta de leitor. No que se refere ao
domínio discursivo, o autor deixa claro que constitui uma prática discursiva na qual se
pode identificar um conjunto de gêneros textuais; ou seja, corresponde a instâncias
discursivas, que podem ser ilustradas, por exemplo, pelo discurso jurídico, discurso
jornalístico, discurso religioso. Ainda, de acordo com Marchuschi (2008), os tipos
textuais constituem outra categoria extremante relevante no tocante ao estudo do texto;
de acordo com o autor, tal categoria designa sequências caracterizadas por aspectos
formais de natureza linguística, sejam eles no âmbito lexical, sintático, estilístico etc.
(Cf. Marcuschi, 2008)
Partindo-se do princípio de que texto não pode ser definido simplesmente por
um conjunto de frases em sequência, a distinção entre texto e discurso precisa ser
abordada. Para estabelecer uma distinção entre tais categorias, mesmo reconhecendo
que, em determinadas situações, texto e discurso têm definições “intercambiáveis”,
Marcuschi (2008) declara que o texto está no plano das formas lingüísticas e de sua
organização, ao passo que discurso estaria no plano da enunciação, do funcionamento
enunciativo e dos efeitos de sentido.
Nesta pesquisa, considera-se a noção de texto visto como materialização do
discurso, sendo uma unidade interacional que inclui os participantes, o contexto
situacional e o processamento de fenômenos linguísticos e interacionais; entende-se que
texto e discurso são categorias que se aproximam no estudo do funcionamento da língua
a serviço da comunicação. Leva-se em consideração, portanto, que o texto tem por
função materializar uma intenção comunicativa que se estabelece com base não só em
valores informativos, mas também em valores lingüísticos e extralingüísticos referentes
à identidade dos autores e à relação sociointerativa construída.
87
No âmbito propriamente discursivo, em relação ao estudo do texto, leva-se em
consideração, nesta pesquisa, a noção de ato de comunicação, definida por Charaudeau
(2008) como “um dispositivo cujo centro é ocupado pelo sujeito falante (o locutor, ao
falar ou escrever) em relação a outro falante (o interlocutor)” (Cf. Charaudeau, 2008:
68). Esse dispositivo é formado por quatro componentes apresentados a seguir:
I) A situação de comunicação: constitui os parâmetros físico e mental dos
parceiros do ato de comunicação; são determinados por uma identidade e ligados por
um contrato de comunicação.
II) Os modos de organização do discurso: constituem os princípios de
organização da matéria lingüística e dependem da finalidade comunicativa do sujeito
(enunciar, descrever, contar, argumentar).
III) A língua: constitui o material verbal nas categorias lingüísticas, possuindo
forma e sentido.
IV) O texto: é a representação do resultado material do ato de comunicação,
sendo o resultado das escolhas do locutor (autor) dentre as categorias de língua e os
modos de organização do discurso, em razão das restrições da situação de
comunicação.
Na presente pesquisa, tem-se por hipótese que a ordem dos clíticos pronominais
pode estar, em alguma medida, relacionada aos aspectos discursivos que se apresentem
nos textos tomados como base de investigação, pois refletem, de fato, uma situação de
comunicação. Nesse sentido, entende-se que se interrelacionam, nos textos, os
componentes citados, sendo as diferentes possibilidades de colocação do clítico
pronominal nos contextos de complexos verbais reflexo das escolhas conscientes ou
inconscientes dos alunos/autores em relação às categorias lingüísticas a depender da
relação estabelecida entre os diversos componentes textuais, os quais se submetem à
influência dos princípios referentes a cada modo de organização discursiva.
Os modos de organização discursiva correspondem aos procedimentos
empregados para que, ao utilizar as categorias de língua, estas sejam ordenadas em
função das finalidades discursivas do ato de comunicação e, com isso, comportem
propriedades lingüístico-comunicativas particulares, que podem ser reveladas por meio
de aspectos lexicais, morfossintáticos e semânticos. Dessa maneira, buscou-se averiguar
se os modos argumentativo (dissertativo-argumentativo) e narrativo, que cumprem,
88
respectivamente, as finalidades de permitir a construção de explicações sobre asserções
feitas sobre o mundo, com finalidade persuasiva, e construir uma sucessão de ações
voltadas para o mundo referencial, transformando a história em um universo narrado
(CHARAUDEAU, 2008), atuam, em virtude das diferentes intenções comunicativas,
como condicionadores da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais. Por
hipótese, o modo de organização dissertativo, concretizado em redações escolares,
presta-se mais à interação do tipo formal e com maior distanciamento entre os supostos
interlocutores; a construção textual segundo o modo de organização narrativo traz à
cena maior atividade interlocutiva, o que propicia estruturas lingüísticas condizentes
com o perfil do emissor e do receptor em ação na cena discursiva.
4.3.2.2. As variáveis independentes linguísticas
Nesta subseção, apresentam-se os grupos de fatores linguísticos postulados para
o controle do condicionamento do fenômeno, exemplificados sempre que manifestados
no corpus de análise.
(a) Número de formas auxiliares
Essa variável foi controlada a fim de se verificar se, a depender da quantidade de
formas verbais (auxiliares), os clíticos pronominais apresentariam comportamento
diferenciado no tocante à posição.
▪ 1 verbo auxiliar
As pessoas vão perdendo a sua essência, por conta dessa obceção, acabam se
esquecendo que o que realmente importa é a sua personalidade (dissertação,
feminino, pública, 9º ano)
▪ 2 verbos auxiliares
Todos pensaram. “Ah ele deve ter se formado pela cota”. Nada contra os
negros mas eu acho isso ridículo (narração, feminino, pública, 9º ano)
89
(b) Forma do verbo principal
Com o controle dessa variável, foi possível verificar as diferenças de
comportamento do fenômeno em relação às formas nominais dos verbos, conforme
mencionado na subseção 4.3.1. Por hipótese, postulou-se, inicialmente, que as formas
infinitivas, que admitem variabilidade em todas as posições, favoreceriam a colocação
pós-complexo verbal; as formas participiais, de acordo com as prescrições gramaticais,
desfavoreceriam tal variante.
▪ Gerúndio
Há tempos vem se discutindo sobre a legalização do aborto, sobre as razões
para tal ação (dissertação, feminino, particular, 3º ano)
▪ Particípio
Mesmo pela descarga de efeitos especiais que nos é lançada por filmes como
Matrix ainda há esperança em filmes mais sérios que mostram a realidade do
povo e que são feitos pelo prazer e não pelo dinheiro. (dissertação, masculino,
público, 9º ano)
▪ Infinitivo
Chorando muito, Sarah foi vê-la e prometeu diante dela que iria sair dessa vida.
(narração, feminino, público, 3º ano)
(c) Presença de preposição/conector no interior do complexo verbal
A partir do controle dessa variável, busca-se verificar se a preposição ou
qualquer outro elemento interveniente no complexo verbal poderia funcionar como uma
espécie de operador de próclise ao verbo principal, favorecendo a colocação V1 cl V2.
▪ Presença de a
Com o Exagero nos doces, refrigerantes e frituras, minhas amigas começaram a
preocupar-se comigo.(narração, feminino, público, 3º ano)
▪ Presença de que
Tiveram que se refugiar nos piores lugares, muitas vezes passaram perigo.
(narração, masculino, particular, 9º ano)
90
▪ Presença de de
Hoje, Temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com os
ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa. (dissertação,
feminino, particular, 9º ano)
▪ Presença de advérbios
O que não pode é ficar agredindo seu corpo e nem ficar sempre se espelhando
em outras pessoas.(dissertação, feminino, público, 3º ano)
▪ Presença de locuções/ sintagmas intervenientes
Portanto, se pararmos para analisar este processo, podemos concluir que nossa
música vem cada vez mais revelando-se, mostrando assim que não precisamos
importar outras culturas para marcar nossa riqueza e nosso valor. (dissertação,
masculino, público, 9º ano)
▪ Presença de marcadores discursivos / operadores argumentativos
Passaram-se uns dias e Marinete já havia até se esquecido do ocorrido.
(narração, masculino, público, 3º ano)
▪ Ausência de elementos
Em um mundo cheio de tecnologias pode-se encontrar pessoas perdidas e
infelizes. (narração, feminino, particular, 3º ano)
(d) Tipo de clítico
O controle da variável tipo de clítico permite averiguar se a ordem dos pronomes
átonos nos textos dos alunos pode ser determinada pela relação sintática estabelecida
entre tal elemento e seu hospedeiro verbal. Dessa maneira, ao iniciar a investigação,
supunha-se, com base em outros estudos sobre o tema, que: (i) o clítico se reflexivo/
inerente tenderia a se ligar ao verbo principal, por ser este o responsável pelo papel
temático atribuído ao pronome, enquanto o clítico se apassivador/ indeterminador, por
exercer funções desempenhadas pelo argumento externo do verbo, ocuparia,
preferivelmente, as posições mais à esquerda do complexo verbal e, com isso, estaria
posicionado nas adjacências da primeira forma verbal; (ii) o clítico acusativo de terceira
91
pessoa, em razão de seu volume fonético reduzido em relação ao dos outros clíticos
pronominais, tenderia à colocação pós-complexo verbal, sobretudo em contextos de
complexos verbais formados com verbos no infinitivo. Em relação a esta variável, cabe
mencionar que o clítico “vos” não foi registrado no corpus.
▪ Me
Com o passar dos anos, fui me tornando mocinha e meus hábitos foram
mudando. (narração, feminino, público, 3º ano)
▪ Te
Toma aqui Felipe. Mas não posso te dar mais, pois temos que economizar.
(narração, feminino, particular, 9º ano)
▪ Se reflexivo/inerente
Após cinco minutos de esteira ele para, exausto e vai se pesar. (narração,
masculino, público, 3º ano)
▪ Se indeterminador do sujeito
Para mudar a precisão em que as escolas se tornam, deve-se pensar no que a
escola pode ajudar no futuro. (dissertação, feminino, particular, 9º ano)
▪ Se apassivador
Quando a seca chega ao nordeste é um problema muito grande não se pode
plantar milho, arroz e feijão. (dissertação, masculino, público, 9º ano)
▪ O/ A (s)
Chorando muito, Sarah foi vê-la e prometeu diante dela que iria sair dessa vida.
(narração, feminino, público, 3º ano)
▪ Nos
Era uma noite de muita felicidade e todos nós estávamos nos divertindo.
(narração, feminino, particular, 3º ano)
92
▪ Lhe (s)
Elas preferem e pretendem seguir suas vidas com a beleza que lhe foi
assegurada, concedida pela mãe natureza. (dissertação, masculino, público, 3º
ano)
(e) Tipo de oração
Acredita-se que determinados tipos de orações, devido à presença/ausência de
elementos em sua configuração, possam influenciar no condicionamento da ordem dos
clíticos pronominais. Supõe-se, por exemplo, que determinados elementos constituintes,
como conjunções e/ ou pronomes relativos, atuem como operadores de próclise e,
assim, favoreçam a anteposição do pronome ao complexo verbal.
Apresentam-se, a seguir, as estruturas oracionais que foram verificadas no
corpus. Saliente-se que não houve qualquer ocorrência de clíticos pronominais em
complexos verbais nos contextos de orações reduzidas de gerúndio e de particípio e/ ou
de estruturas clivadas.
▪ Oração principal ou absoluta/ Oração coordenada assindética
A busca pelo corpo escultural vem se tomando extremamente prejudicial e
freqüente em nossa sociedade. (dissertação, feminino, público, 3º ano)
▪ Oração coordenada sindética
Depois daí, seu mundo parou e ele começou a se arrepender de todo o mal que
ele fez para si. (narração masculino, público, 3º ano)
▪ Oração subordinada desenvolvida
Sabia que ele poderia tirá-lo. (narração, feminino, particular, 9º ano)
▪ Oração subordinada reduzida de infinitivo
O casamento, por exemplo: quando se é solteiro, você pode sair, se divertir,
viajar etc sem precisar se preocupar com marido/mulher e filhos. (dissertação,
feminino, particular, 9º ano)
93
(f) Elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
Por
meio
dessa
variável,
controlam-se
não
somente
os
elementos
tradicionalmente reconhecidos como operadores de próclise, mas todo e qualquer
elemento que anteceda o grupo “clítico-complexo verbal”; busca-se averiguar se, além
dos elementos canônicos, como, por exemplo, a conjunção subordinativa, as partículas
de negação, os advérbios, outros elementos exerceriam influência sobre o fenômeno,
favorecendo a colocação pré-complexo verbal. Ressalte-se que, nos casos em que
constavam dois elementos possivelmente operadores da colocação pré-complexo verbal,
um tradicional e outro não tradicionalmente reconhecido por essa função, se optou por,
na codificação dos dados, considerar o elemento tradicional. Ademais, nos casos em que
constavam dois elementos tradicionais ou dois elementos não tradicionais, a opção foi
considerar aquele que se apresentava mais próximo ao grupo clítico-complexo verbal.
▪ Grupo clítico-complexo verbal em posição inicial de oração, mas não de
período
Tendo em vista os argumentos acima citados, pode-se perceber que a música
desempenha muitas e importantes funções nessa fase intermediária da vida.
(dissertação, masculino, particular, 9º ano)
▪ Grupo clítico-complexo verbal em posição inicial de período
Isso lhe permite agora começar a explorar outra fronteiras. Vinha sentindo-se
um pouco dividido, e que faltava alguma coisa em sua vida. (dissertação
feminino, particular, 9º ano)
▪ SN sujeito nominal
Quando vi a hora tomei um susto e falei vamos ir embora minha mãe está me
procurando (narração, masculino, público, 9º ano)
▪ SN sujeito pronome pessoal
Então preocupado e sem saber o que fazer, ele resolve se abrir com seu amigo.
(narração, masculino, público, 3º ano)
94
▪ SN sujeito pronome indefinido
Assim, com esse grande número de pessoas indo em busca de um corpo mais
bonito e mais “atual”, outras acabam se sentindo excluídas daquele grupo,
muitas vezes se sentindo uma pessoa feia e diferente de todas as outras.
(dissertação, masculino, público, 3º ano)
▪ SN sujeito pronome demonstrativo
Quando chega na terça-feira de manhã repara em mais algumas mudanças e
aquilo começa a me incomodar e rapidamente penso em fazer algo contra todos
aqueles acontecimentos (narração, feminino, público, 3º ano)
▪ Partícula de negação
Sempre achamos que a violência só acontece pela televisão e nunca irá nos
acontecer. (narração, feminino, particular, 3º ano)
▪ Advérbio constituído de um único vocábulo
Hoje, temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com os
ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa. (dissertação,
feminino, particular, 3º ano)
▪ Locução adverbial
Mais tarde tentei me convencer que não era tão ruim assim. (narração,
masculino, ano púbico, 3º ano)
▪ Preposição para
Sinto que as pessoas acabam de certa maneira abrindo mão de suas vidas para
tentarem se igualar às estrelas de Celebridade, ou às dançarinas do “É o
Tchan” (dissertação, masculino, público, 3º ano)
▪ Preposição de
Auxiliou na prevenção contra a aids e em grande parte de sua vida deixou de
fazer suas refeições por achar injusto o fato de ela estar se alimentando e uma
nação inteira estar passando fome. (dissertação, masculino, particular, 3º ano)
95
▪ Preposição sem
O casamento, por exemplo: quando se é solteiro, você pode sair, se divertir,
viajar etc sem precisar se preocupar com marido/mulher e filhos. (dissertação,
feminino, público, 9º ano)
▪ Conjunção coordenativa aditiva
Com a mão no seu ombro ela voa no pescoço dele e começa a estrangulá-lo
(narração, masculino, particular, 9º ano)
▪ Conjunção coordenativa adversativa
Eu não estava no local nesse dia, mas vieram me contar o que aconteceu.
(narração, masculino, público, 9º ano)
▪ Conjunção coordenativa explicativa
Tendo em vista o que já foi dito a cima, pode-se concluir que a música tem
extrema importância na vida de um jovem, pois pode o levar à fama ou então
apenas ajudá-lo a virar um bom cidadão. (dissertação, masculino, particular, 9º
ano)
▪ Conjunção subordinativa
É a droga do amor que quando se é correspondido é a melhor coisa do mundo,
mas quando não se é correspondido é a pior coisa mundo. (dissertação,
masculino, público, 9º ano)
▪ Pronome relativo que
Portanto, os jovens utilizam a música para diversas finalidades, assim essa
exerce sobre eles coisas que irão marcá-los por toda sua vida. (dissertação,
masculino, 9º ano, particular)
▪ Conjunção integrante que
Ela já em prantos disse que iria se tratar e ficar boa. (narração, feminino,
público, 3º ano)
96
▪ Conjunção integrante se
sem muito esforço não se importando se lhe vai ocorrer a impotência sexual ou
ataque cardíaco. Para eles e para todos isso vale tudo (dissertação, masculino,
público, 3º ano)
▪ Palavra QU interrogativa do tipo adverbial
Se eu me enquadro no estereótipo de beleza que a sociedade me impôs, então,
por que preciso me preocupar com a minha essência? (dissertação, feminino,
público, 3º ano)
▪ Elementos de foco – apenas, só, até, mesmo, ainda e também
Bandidos que só queriam se divertir que não estavam nem aí para um menino.
(narração, feminino, particular, 3º ano)
Torna-se relevante mencionar que, com base em Vieira (2002), diversos outros
elementos que pudessem anteceder o grupo clítico-complexo verbal foram considerados
na investigação desta variável; apesar de não se terem manifestado no corpus, citam-se
os referidos fatores: (i) Sprep (objeto indireto), (ii) predicativo do sujeito, (iii)
preposição a, (iv) preposição por, (v) preposição em, (vi) pronomes/ advérbios relativos,
(vii) “que” em estruturas clivadas, (viii)“que” em locução conjuntiva, (ix) palavra QU
interrogativa do tipo pronominal, (x) partícula eis, (xi) outro pronome átono, (xii)
elementos discursivos/ fáticos, (xiii) hesitações (eh: ah:) e (xiv) interjeições,
truncamentos.
(g) Distância entre o elemento antecedente e o grupo clítico-complexo
verbal13
Controla-se essa variável com a intenção de averiguar se quanto maior a
proximidade entre os elementos antecedentes – possíveis elementos atratores,
conforme considerado na variável anterior – e o grupo clítico–complexo verbal
maior seria a tendência à colocação do clítico em torno do verbo auxiliar.
_
13
Não se verificaram no corpus contextos em que houvesse distância de duas, três,
cinco ou mais de seis sílabas entre o grupo clítico-complexo verbal e o possível
elemento proclisador.
97
▪ Zero sílaba
Daqui a pouco as pessoas acordarão e verão que estão se autodestruindo pouco
a pouco. (dissertação, feminino, público, 3º ano)
▪ Uma sílaba
Salomão mesmo não sabendo a fortuna que o diamante valia, sabia que ele
poderia tira-lo dessa pobreza (narração, masculino, particular, 9 º ano)
▪ Quatro sílabas
Podemos concluir que, as pessoas tem que se conscientizar que tudo o que a
mídia quer é só ganhar dinheiro, e nós somos só mais uns ratinhos de
laboratório. (dissertação, masculino, público, 3º ano)
▪ Seis sílabas
Acabaria de descobrir que seu melhor amigo estava se envolvendo com drogas
(narração, masculino, particular, 9º ano)
(h) Tempo e modos verbais do verbo (semi-) auxiliar 1
Controlou-se o tempo e modo dos verbos (semi-) auxiliar 1, buscando
averiguar se tais características exercem influência no condicionamento do
fenômeno. Supõe-se, inicialmente, que verbos do subjuntivo tenderiam a
propiciar a colocação pré-CV, tendo em vista que tais formas verbais se inserem
em contextos de subordinação. Destaque-se que não se manifestou qualquer
ocorrência de (semi) auxiliares que se apresentassem no pretérito mais que
perfeito do indicativo, no futuro do subjuntivo ou no modo imperativo, apesar de
tais contextos terem sido fatores considerados para a investigação desta esta
variável.
▪ Presente do indicativo
E a pessoa for rica, ainda consegue se livrar deste peso, contratando uma babá,
que não passa de uma vítima assalariada. (dissertação, masculino, público, 9º
ano)
98
▪ Pretérito imperfeito do indicativo
O que lhe permite agora começar a explorar outra fronteiras. Vinha sentindo-se
um pouco dividido, e que faltava alguma coisa em sua vida (dissertação,
feminino, particular, 9º ano)
▪ Pretérito perfeito do indicativo
Uma jovem aluna de uma escola particular nos Estados Unidos começou a se
comportar de maneira estranha, disse sua professora. (dissertação, feminino,
particular, 9º ano)
▪ Futuro do presente do indicativo
Se isso não acontecer sua consciência irá deixa-la com o sentimento de culpa
por ter tirado a vida de seu próprio filho. (dissertação, masculino, particular, 3º
ano)
▪ Futuro do pretérito do indicativo
Acredito que todos deveriam se importar com o interior, com a personalidade e
a essência de cada um. (dissertação, feminino, público, 9º ano)
▪ Presente do subjuntivo
Não é só com a beleza, com perfeição que podemos por exemplo, amar alguém
que goste da gente e que possa nos trazer a felicidade.(dissertação, feminino,
público, 3º ano)
▪ Pretérito imperfeito do subjuntivo
Essa era a hora para a fuga, pensou a menina, então ligou para Cassio e pediu
para que ele fosse a pegar naquele momento (narração, feminino, particular, 9º
ano)
▪ Infinitivo
Muitas pessoas ao fazerem cirurgias para a melhora de seu corpo conseguem
ficar esquisitas devido a pele ter se esticado demais e se arrependem logo
depois. (dissertação, feminino, 3º ano, público)
99
▪ Gerúndio
Quando chegamos lá eu chegava a olhar para o meu cunhado querendo se
levantar mas se ele se levantasse poderia se prejudicar.(narração, masculino,
público, 9º ano)
(i) Tipo de complexo verbal
De acordo com os critérios apresentados na subseção 4.3.1.1., destinada a
apresentar a delimitação das estruturas contempladas entre os complexos verbais nesta
pesquisa, apresentam-se os fatores estabelecidos para o controle dessa variável.
Destaque-se que, inicialmente, cada estrutura de complexo verbal encontrada no corpus,
de acordo com os diferentes tipos de V1, foi codificada como fator individual; no
entanto, devido ao escasso número de ocorrências por fator, optou-se por reunir os
fatores em grupos caracteristicamente semelhantes em termos sintáticos e semânticos14.
▪ Passiva de ser (ser + particípio):
Conforme avançam as criações dos homens, eles perdem a noção do poder que
lhes é permitido e agem como seres onipotentes. (dissertação, feminino,
particular, 3º ano)
▪ Tempos compostos ter + particípio; haver + particípio:
A mãe estava indignada como a violência tinha se espalhado. (narração,
feminino, particular, 9º ano)
▪ Construções temporais/aspectuais do tipo ir + infinitivo; vir + infinitivo; ir
+ gerúndio; vir + gerúndio; estar + gerúndio; estar + a + infinitivo:
Um dos meninos foi assaltá-la e ela mesmo com medo reconheceu aquela voz e
aquele jeito. (narração, feminino, particular, 9º ano)
_
14
Cabe lembrar que estruturas verbais formadas por verbos causativos e sensitivos não foram
consideradas nesta investigação.
100
▪ Construções modais – haver + de/que + infinitivo; ter + de/que + infinitivo;
poder + infinitivo; dever + infinitivo; precisar + infinitivo – e aspectuais –
acabar + gerúndio; acabar + de/por + infinitivo; chegar + a + infinitivo;
começar + a + infinitivo; voltar + a + infinitivo; pôr-se + a + infinitivo;
tornar-se + a + infinitivo; continuar + a + infinitivo; costumar + infinitivo;
continuar + gerúndio; ficar + gerúndio; andar + gerúndio:
Todos gostão de música e por ela pode-se definir gosto, pode-se usar como
forma de expressão. (dissertação, feminino, particular, 9º ano)
▪ Complexos com demais verbos com mesmo referente-sujeito: querer;
desejar; tentar; procurar; conseguir; ousar, saber; evitar; prometer; resolver;
decidir; pretender; preferir + infinitivo:
Mais tarde tentei me convencer que não era tão ruim assim. (narração,
masculino, público, 3º ano)
Com base em resultados obtidos por diversos pesquisadores a respeito da
cliticização pronominal em complexos verbais no PB, acredita-se que, em termos gerais,
nos diversos tipos de complexos verbais, a variante V1 cl V2 seria a mais produtiva,
ratificando as considerações de Bechara (1999), Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006),
ao declararem que, no Brasil, a colocação proclítica ao verbo principal já se encontra
estabilizada. No entanto, tem-se por hipótese que construções com auxiliares modais,
por se tratar de estruturas cristalizadas da modalidade escrita, favoreceriam a colocação
enclítica ao verbo auxiliar, conforme atestam Vieira (2002), Nunes (2009) e Peterson
(2010). Além disso, supõe-se que as estruturas passivas com o auxiliar ser favoreçam a
variante pré-complexo verbal.
O controle dessa variável permite, em linhas gerais, averiguar o grau de
integração entre a estrutura dos complexos verbais considerados e a ordem dos clíticos
pronominais.
4.3.3. O tratamento dos dados
Após a coleta dos dados, iniciou-se a codificação de cada ocorrência de acordo
com os grupos de fatores apresentados nas subseções anteriores. Após a codificação das
ocorrências, procedeu-se ao tratamento computacional do conjunto de dados obtidos e,
101
para tanto, lançou-se mão do pacote de programas GOLDVARB (versão 2001),
responsável por fornecer o índice de aplicabilidade da regra variável de cliticização
(freqüência absoluta e percentual, e pesos relativos), as variáveis lingüísticas e
extralingüísticas estatisticamente relevantes à compreensão do processo de colocação
pronominal, as variáveis não relevantes ao processo, e, ainda, o cruzamento entre
grupos de fatores. O referido programa é importante para estudos de base
sociolingüística, pois, ao ponderar o peso de cada fator investigado no conjunto dos
fatores, indica, estatisticamente, a probabilidade de manifestação da variante sob análise
em cada contexto considerado. Permite, portanto, estabelecer o grau de influência de
determinado elemento, quando significativo, para o condicionamento do fenômeno
variável em estudo.
Ao iniciar o tratamento estatístico dos dados, constituiu-se o arquivo de células,
ou seja, o arquivo que demonstra os primeiros resultados, apresentando os valores
percentuais referentes a cada fator constituinte das variáveis investigadas. Nessa etapa
da análise estatística, podem ser identificados os contextos nos quais se identificam
dados categóricos (knockout) ou variáveis. A partir de então, para dar prosseguimento à
análise, o procedimento a ser executado corresponde à recodificação dos dados,
procedimento por meio do qual se podem eliminar os fatores que figurem com 100% de
representação por uma variante da variável dependente, comportamento que, em termos
estatísticos, não propicia o estudo do fenômeno variável.
A recodificação dos dados fez-se necessária em virtude da diversidade de fatores
estabelecidos ao início da pesquisa, para averiguar quais são aqueles que, de fato,
surtem efeito sobre o condicionamento do fenômeno. Conforme postulam GUY &
ZILLES (2007), os dados amalgamados devem apresentar traços linguísticos similares e
resultados quantitativamente semelhantes; se determinado fator não apresentar identificação
com outros nos termos especificados, a ocorrência correspondente não deve ser considerada
nas etapas seguintes. A partir de então, procede-se à constituição de novo arquivo de
células, obtendo-se novos resultados percentuais, que permitem interpretações mais seguras
sobre o fenômeno em estudo.
Após a constituição do novo arquivo de células, tendo sido realizadas os
amálgamas e as eliminações que se fizeram necessárias, a análise passa a etapa
denominada multivariacional. Nessa etapa, a partir da ponderação das variáveis
possivelmente influentes no condicionamento do fenômeno, o aparato computacional
seleciona as variáveis estatisticamente relevantes, descartando as não significativas e,
102
indicando, ainda, aquelas que possuem maior e menor influência sobre o
condicionamento do fenômeno. Nessa etapa, obtêm-se os pesos relativos referentes a
cada um dos fatores investigados em relação ao valor de aplicação determinado.
Na presente investigação, optou-se por considerar apenas os índices percentuais,
não levando a análise até os procedimentos finais por meio dos quais se obtêm os pesos
relativos. Em função do reduzido número de ocorrências que se obteve, sobretudo no
que concerne aos contextos com particípio e gerúndio, julgou-se improdutiva a análise
dos pesos relativos; a grande quantidade de células vazias dificultaria sobremaneira a
interpretação dos resultados, induzindo a conclusões inconsistentes e inseguras. No caso
dos infinitivos, ainda que fosse possível levar o tratamento dos dados até as etapas finais
da análise sociolinguística, escolhendo-se uma das variantes da variável dependente
como valor de aplicação e opondo-a às demais, entende-se que o procedimento
impediria o que se julga prioritário: visualizar a mobilidade dos clíticos em relação às
três ou quatro posições possíveis.
As rodadas executadas para análise dos dados foram, portanto, as seguintes:
1ª) geral, obtendo-se resultados absolutos e percentuais sem amálgamas ou
eliminações de fatores, estando reunidos os dados de infinitivo, gerúndio e particípio;
2ª) rodada com dados de infinitivo, gerúndio e particípio, juntos, tendo sido
realizados amálgamas e eliminações que se fizeram necessários;
3ª) rodadas com dados de infinitivo, gerúndio e particípio, separados, com
amálgamas e eliminações necessários.
4ª) cruzamento entre os grupos de fatores
Observe-se, a seguir, a lista das variáveis independentes linguísticas
consideradas e seus respectivos fatores após a realização dos amálgamas necessários,
feitos de acordo com o que se julgou conveniente para conferir clareza e confiabilidade
à interpretação dos resultados obtidos.
(a) Número de formas auxiliares: (i) um verbo auxiliar; (ii) dois verbos
auxiliares.
(b) Forma do verbo principal: (i) gerúndio; (ii) particípio; (iii) infinitivo.
(c) Presença de preposição/conector no interior do complexo verbal: (i)
presença de a; (ii) presença de que; (iii) presença de de; (iv) presença de
103
advérbio; (v) presença de locuções; (vi) presença de marcadores discursivos;
(vii) ausência de elementos.
(d) Tipo de clítico: (i) clíticos de primeira pessoa (me e nos); (ii) te; (iii) se
reflexivo inerente; (iv) se índice de indeterminação/apassivador; (v) o/a (s);
(vi) lhe (s).
(e) Tipo de oração: (i) oração principal ou absoluta/ oração coordenada
assindética; (ii) oração coordenada sindética; (iii) oração subordinada
desenvolvida; (iv) oração subordinada reduzida de infinitivo.
(f) Elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal: (i) grupo clíticocomplexo verbal em posição inicial de período; (ii) grupo clítico-complexo
verbal em posição inicial de oração; (iii) conjunção coordenativa; (iv)
conjunção subordinativa; (v) SN sujeito; (vi) Sintagma adverbial; (vii)
preposição; (viii) partícula de negação; (ix) pronome relativo; (x) elementos
de foco (inclusão).
(g) Distancia entre o elemento antecedente e o grupo clítico-complexo
verbal: zero sílaba; (ii) 1 sílaba; (iii) 4 sílabas; (iv) de 6 sílabas.
(h) Tempo e modo do verbo (semi-) auxiliar 1: (i) presente/pretérito do
indicativo;; (ii) futuro do indicativo; (iii) tempos do subjuntivo; (iv)
infinitivo; (v) gerúndio
(i) Tipo de complexo verbal: (i) estar + gerúndio; (ii) vir/ir + gerúndio; (iii) ser
+ particípio; (iv) poder/dever + infinitivo; (v) precisar + infinitivo; (vi)
tentar/querer + infinitivo; (vii) acabar/ continuar + infinitivo; (viii) começar
a + infinitivo; (ix) ir/vir + infinitivo; (x) ter + particípio; (xi) ter de/que +
infinitivo.
Com base nos índices absolutos e percentuais obtidos com as rodadas realizadas
e a observação atenciosa dos dados, procede-se à interpretação dos resultados, que se
expõe no capítulo seguinte.
104
5. ANÁLISE DOS DADOS
5.1. Produtividade das ocorrências
Antes que se apresente a distribuição total dos dados pelas variantes da variável
dependente, considera-se relevante fornecer informações acerca da produtividade das
ocorrências de clíticos pronominais em contextos de complexos verbais, com base na
coleta feita na amostra sob análise. Cabe destacar que, dos 448 textos selecionados,
foram verificados 222 dados de clíticos pronominais em lexias verbais complexas.
Observe-se a tabela a seguir, que demonstra o quantitativo de dados coletados
diferenciando-se os textos de acordo com o modo de organização discursiva.
Tabela 1: Número de ocorrências de clíticos pronominais nos textos, de acordo com o modo de
organização discursiva predominante.
Modo de organização discursiva
Total de dados coletados
Dissertativo-argumentativo
124 – 55%
Narrativo
98 – 45 %
Total de ocorrências
222
Compreende-se que apenas um estudo específico das características estruturais
de cada um dos modos de organização discursiva contemplados nesta investigação
permitiria averiguar quais seriam os aspectos que, no âmbito discursivo, motivariam, de
fato, o uso de clíticos pronominais ou outras estratégias de preenchimento do objeto,
assim como os contextos em que a expressão verbal se daria por meio de uma forma
simples ou complexa. De toda maneira, com o controle realizado nesta pesquisa, podese perceber que, a depender do modo de organização discursiva predominante nos
textos, existe certa diferença no número total de dados coletados: encontraram-se nos
textos dissertativos-argumentativos 124 ocorrências, e nos textos narrativos, 98
ocorrências.
Nesta seção, cabe ainda mencionar a diferença que se observa entre a
produtividade dos dados a depender da forma nominal – gerúndio, particípio ou
infinitivo – em que se encontra o verbo principal do complexo verbal. Observe-se a
tabela a seguir, que serve para ilustrar como os dados se distribuem em relação à forma
do verbo principal.
105
Tabela 2: Número de ocorrências de clíticos pronominais a depender da forma do verbo principal
Forma do verbo principal
Particípio
Gerúndio
Infinitivo
Total
Valores obtidos
15 – 7%
52 – 23%
155 – 70%
222
Observando-se os dados da tabela acima, percebe-se que, no corpus utilizado
para esta análise, o maior número de ocorrências se deu em contextos nos quais os
complexos verbais são formados por verbos no infinitivo (155), verificando-se o baixo
número de ocorrências cujos complexos verbais se formam pelas outras formas
nominais do verbo principal – gerúndio (52) e particípio (15).
Torna-se relevante destacar, ainda, quanto à constituição das estruturas dos
complexos verbais, que a maioria delas é constituída por um único verbo auxiliar e
outro principal, tendo sido encontradas apenas quatro ocorrências de complexos verbais
formados por duas formas auxiliares. A título de ilustração desse contexto, observem-se
os exemplos a seguir. Observem-se, a seguir, exemplos referentes às 4 ocorrências de
clíticos pronominais em complexos verbais formados por mais de uma forma auxiliar:
(01)
Todos pensaram. “Ah ele deve ter se formado pela cota”. Nada contra
os negros mas eu acho isso ridículo. (dissertação, masculino, público, 9º ano)
(02)
A busca incessante, e as vezes até insana, pela beleza, tanto de mulheres
como de homens, leva a perda de suas identidades, a medida que todos
passaram a tentar se igualar a um padrão único de beleza (dissertação,
masculino, público, 3º ano)
Observando-se os exemplos acima, percebe-se que, mesmo em se tratando de
estruturas com mais de uma forma auxiliar, os textos exibem a preferência por
posicionar o pronome antes do verbo principal. Desse modo, pode-se observar que,
embora haja mais de uma forma auxiliar, o clítico se vincula a um dos complexos
encaixados na estrutura maior, e, conforme a tendência geral observada para os
contextos de estruturas constituídas de apenas duas formas verbais, o pronome colocase em posição proclítica ao verbo principal,
106
Feitas algumas considerações acerca da produtividade dos clíticos pronominais
no corpus de análise, seguem-se a exposição e a interpretação dos dados obtidos em
relação à ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais.
5.2. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
5.2.1. Distribuição dos dados pela variável dependente
Nesta seção, apresenta-se a distribuição geral dos 222 dados obtidos a partir das
448 redações escolares, de maneira que se possa avaliar a posição do pronome átono no
complexo verbal, observando-se o comportamento do fenômeno em estruturas formadas
pelas três possíveis formas nominais do verbo principal – infinitivo gerúndio e
particípio.
Como já anteriormente mencionado, cabe relembrar que, nesta investigação, são
consideradas quatro possibilidades de colocação do pronome átono em relação aos
complexos verbais, sendo elas as quatro variantes da variável dependente, representadas
por cl v1 v2, v1-cl v2, v1 cl v2, v1 v2 cl. A título de exemplificação, observem-se, a
seguir, realizações das quatro possibilidades de colocação pronominal no contexto
analisado, extraídas do corpus:
Pré-complexo verbal ou cl V1 V2:
(03)
Aqueles que são contra o ritual do aborto pensam que não se deve
cometer um crime contra vida já que é errado matar um ser humano inocente.
(dissertação, masculino, particular 3º ano)
Intra-complexo verbal com hífen ou VI-cl V2:
(04)
Tendo em vista o que já foi dito a cima, pode-se concluir que a música
tem extrema importância na vida de um jovem pois pode o levar à fama ou
então apenas ajudá-lo a virar um bom cidadão. (dissertação, masculino,
particular, 9º ano)
Intra-complexo verbal sem V1 cl V2:
(05)
Quando vi a hora tomei um susto e falei vamos ir embora minha mãe
está me procurando (narração, feminino, público, 9º ano)
107
Pós-complexo verbal ou V1 V2-cl:
(06)
Mas seis meses depois esse bandido voltou e conseguiu matá-lo
(narração, feminino, público, 9º ano)
A tabela abaixo pode demonstrar a distribuição geral dos 222 dados pelos
fatores da variável dependente, de acordo com a sistematização realizada de acordo
com o número de ocorrências e a frequência percentual das variantes.
Tabela 3: Distribuição geral dos dados pelos fatores da variável dependente
Fatores da variável dependente
Valores obtidos
cl V1 V2
22 – 9%
V1-cl V2
26 – 11%
V1 cl V2
134 – 62 %
V1 V2-cl
40 – 18%
Total
222 – 100%
O gráfico abaixo possibilita melhor visualização dos resultados expostos na
tabela acima.
Gráfico 1: Distribuição geral dos dados pelos fatores da variável dependente
108
Nota-se a alta produtividade da variante V1 cl V2 em comparação à das outras,
pois, das 222 ocorrências de pronome átono coletadas, 134 (62%) manifestaram o
pronome em posição intra-complexo verbal, proclítico ao verbo principal. Em
contrapartida, é igualmente notável a baixa produtividade da variante cl V1 V2,
correspondendo a 22 dos 222 dados (9% das ocorrências).
A seguir, a fim de demonstrar que o comportamento geral dos dados se
manifesta de maneira diferenciada a depender da forma do verbo principal, apresenta-se
a distribuição dos dados em relação a cada uma das formas nominais que constituem as
estruturas verbais complexas.
Tabela 4: Distribuição dos dados pelos fatores da variável dependente de acordo com a
forma do verbo principal.
Fatores da variável
Infinitivo
Gerúndio
Particípio
cl V1 V2
15 – 9%
0 – 0%
7 – 46%
V1-cl V2
26 – 16%
0 – 0%
0 – 0%
V1 cl V2
83 – 55%
43 – 83%
8 – 54%
V1 V2-cl
31– 20%
9 – 17%
0 – 0%
Total
155 – 71 %
52 – 23%
15 – 6%
dependente
Observando-se os resultados apresentados na tabela 4, percebe-se que o
comportamento do fenômeno se dá de maneira extremamente diferenciada a depender
da forma do verbo principal. Pode-se verificar que os complexos nos quais o verbo
principal se encontra na forma infinitiva – os mais produtivos no corpus – constituem o
contexto, das três formas nominais, que apresenta distribuição dos dados por todas as
variantes da variável dependente; destaque-se, ainda, que, assim como nos contextos
com as outras formas nominais, a variante V1 cl V2 ocorre como preferência na escrita
dos alunos.
A respeito dos complexos verbais formados por gerúndio e particípio,
primeiramente, cabe destacar, que tais formas não apresentam a colocação pronominal
nas quatro posições consideradas nesta investigação. Foram registradas 52 ocorrências
de clíticos pronominais em complexos verbais formados por gerúndio, havendo 43
(83%) dessas ocorrências em posição intra-complexo verbal sem hífen – V1cl V2 – e 9
109
(17%) em posição pós-complexo verbal – V1 V2-cl. A ordem dos clíticos pronominais
em complexos verbais formados por particípio – os menos frequentes no corpus, com
apenas 15 dados – registraram 7 ocorrências da variante pré-complexo verbal (cl V1
V2) e 8 da intra-complexo verbal sem hífen (V1 cl V2). Em síntese, destaque-se que os
complexos verbais formados por gerúndio apresentam como opções de colocação do
pronome átono apenas as variantes V1 cl V2 e V1 V2-cl e os complexos formados por
particípio, apenas as variantes cl V1 V2 e V1 cl V2.
Tendo sido observadas as referidas particularidades a respeito da forma do
verbo principal, optou-se por dar continuidade à análise quantitativa dos dados
separadamente, formando-se, portanto, três sub-amostras a depender da forma do verbo
principal. Acredita-se que esse procedimento permite observar o comportamento da
ordem dos clíticos pronominais de maneira mais fiel aos dados, visto que não se trata
da mesma regra variável em cada contexto.
Nas duas subseções que se seguem, apresenta-se a descrição dos dados de
clíticos em estruturas de complexos verbais formadas por gerúndio e particípio,
considerando a análise qualitativa das poucas ocorrências dessas estruturas encontradas.
Destaca-se, principalmente, o comportamento dos dados em relação aos tipos de
complexos e aos tipos de clíticos que se manifestam nos exemplos. Cabe destacar desde
então que, no que se refere à sub-amostra de complexos verbais com infinitivo,
procede-se por meio de uma análise mais aprofundada em relação às variáveis
investigadas, tendo-se em vista, a maior diversificação entre os resultados obtidos.
5.2.2. Complexos verbais com gerúndio
Observe-se a tabela a seguir, que permite visualizar a distribuição dos 52 dados
dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais formados por gerúndio
encontrados no corpus utilizado, demostrando-se, ainda, a distribuição de tais
ocorrências de acordo com o modo de organização predominante nos textos:
110
Tabela 5: A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais formados por gerúndio –
distribuição dos dados de acordo com o modo de organização discursiva dos textos
Modo de
organização
predominante
Dissertativoargumentativo
Narrativo
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
0 – 0%
0 – 0%
25 – 84%
5 – 16%
30 - 58%
0 – 0%
0 – 0%
18 – 82%
4 – 18%
22 – 42%
Os resultados permitem verificar que, em se tratando de ambos os modos de
organização, os contextos de complexos verbais com gerúndio – que exibem a
realização de apenas duas das quatro variantes contempladas nesta investigação –
apresentam comportamento semelhante quanto à distribuição das variantes V1 cl V2 e
V1 V2-cl pelos textos dissertativos-argumentativos e narrativos. Desse modo, pode-se
supor que essa variável não exerce influência sobre o fenômeno nos complexos com
gerúndio.
Observando as ocorrências coletadas, verificou-se que, no corpus de análise,
todos os dados de complexos verbais com gerúndio se manifestaram por meio de três
diferentes tipos de complexos: ir/vir + gerúndio; estar + gerúndio; acabar + gerúndio.
Trata-se de construções aspectuais, com forte preferência pela ordem V1 cl V2 (83%) e
baixa concretização da variante V1 V2-cl (5 ocorrências nos textos dissertativosargumentativos e 4 nos textos narrativos). Observem-se, a seguir, os 9 exemplos da
variante V1 V2-cl encontrados no corpus:
(07)
E esta “cegueira” acaba expandindo-se mais e mais, pois além de ter o
“corpo perfeito”, os cegos querem que todos sejam iguais a eles. (dissertação,
masculino, público, 3º ano)
(08)
O número de abortos realizados no Brasil atinge um percentual
assustados. Entendo que as condições de miséria em que vivem muitos
brasileiros acabam levando-os ao desespero quando se vêem diante de mais
“uma boca” para sustentar. (dissertação, feminino, particular, 3º ano)
(09)
A música para o jovem de hoje, tem total importância, e cada um escolhe
seu ritmo e sua trilha, com isso, acaba descobrindo-se a real identidade que
111
terá para ser um adulto de bem ou não. (dissertação, feminino, particular, 3º
ano)
(10)
Portanto, se pararmos para analisar este processo, podemos concluir
que nossa música vem cada vez mais revelando-se, mostrando assim que não
precisamos importar outras culturas para marcar nossa riqueza e nosso valor.
(dissertação, masculino, público, 9º ano)
(11)
O que lhe permite agora começar a explorar outra fronteiras. Vinha
sentindo-se um pouco dividido, e que faltava alguma coisa em sua vida.
(dissertação, feminino, particular, 9ºano)
(12)
Uma jovem recém casada... mata o seu marido após descobrir que ele
estava traindo-a com uma amante. (narração, feminino, particular, 3º ano)
(13)
Pegou ela pelo braço e foi puxando-a até o portão de saída (narração,
feminino, particular, 9º ano)
(14)
Suas mulheres foram estupradas e mais da metade da população estava
procurando-o, pois o exército inglês (narração, feminino, particular, 9º ano)
(15)
Um dos garotos puxou a filmadora do turista, o mesmo reagiu, puxando
a câmera de volta, então o garoto atirou e acabou matando-o (narração,
feminino, particular, 9º ano)
O comportamento que se pode observar em relação à variante V1 V2-cl nas
estruturas complexas formadas por gerúndio já havia sido assinalado em diversos outros
estudos sociolinguísticos acerca do comportamento do fenômeno na variedade brasileira
da língua portuguesa, como VIEIRA (2002), NUNES (2009), MARTINS (2009),
PETTERSON (2010) e SANTOS (2010).
Os exemplos evidenciam que, das 9 ocorrências da variante V1 V2-cl, 4 se
concretizam pelo tipo de complexo acabar + gerúndio, como retratam os exemplos 07,
08, 09 e 15, tendo sido manifestadas, ainda, 2 ocorrências de estar + gerúndio
(exemplos 12 e 14) outras 3 de ir/vir + gerúndio (exemplos 10, 11 e 13).
112
Em relação aos tipos de clíticos que se manifestaram nessas ocorrências,
verifica-se que o pronome o/a(s) foi o mais frequente nas representações da variante V1
V2-cl, tendo sido registradas 5 ocorrências, como apontam os exemplos 08, 12, 13, 14 e
15; os outros quatro registros da variante V1 V2-cl caracterizam-se principalmente pelo
uso do clítico se reflexivo/ inerente, como demonstram os exemplos 07, 10 e 11
também junto a diferentes tipos de complexos verbais; o exemplo 09 pode demonstrar o
uso do se indeterminador/ apassivador. A respeito dos exemplos 08, 10 e 12, cabe
salientar o fato de que, apesar da existência de um elemento tradicionalmente
reconhecido ‘atrator do pronome átono’ – que conjunção integrante e que pronome
relativo – em contexto anterior ao grupo cl- CV, que, em termos formais, propiciaria a
colocação cl V1 V2, a variante V1 V2-cl mostrou-se como opção.
Em relação à aplicação da variante V1 cl V2 em contextos de complexos com
gerúndio, verificaram-se 43 ocorrências, dentre as quais 30 correspondem ao uso do
clítico se reflexivo/inerente, conforme se apresenta no exemplo 16:
(16)
A “lei do belo” parece uma doença das mais contagiosa que vem se
alastrando principalmente entre as adolescentes. (dissertação, masculino,
público, 3º ano)
A respeito do exemplo 16, cabe destacar, mais uma vez, a inoperância dos elementos
considerados operadores de próclise pela tradição gramatical em se tratando da
cliticização pronominal em complexos verbais, percebendo-se que, mesmo diante do
pronome relativo que, se manifesta a preferência dos alunos pela colocação proclítica
ao verbo principal.
Os outros 13 dados de complexos verbais com gerúndio que se apresentam por
meio da variante V1 cl V2 correspondem a 9 ocorrências do clítico de 1ª pessoa me/nos,
2 do clítico o/a (s), 1 do clítico se indeterminador/apassivador e 1 do clítico te.
Observem-se os exemplos 17, 18 e 19 que servem a ilustrar tais ocorrências.
(17)
As brigas de mamãe com papai e a cobrança para emagrecer estavam
me matando. (narração, feminino, público 3º ano)
113
(18)
Há tempos vem se discutindo sobre a legalização do aborto, sobre as
razões para tal ação. (dissertação, feminino, particular, 3º ano)
(19)
Vou soltar ele porque eu tenho a vida sofrida, daqui a pouco eu vou
acabar te ajudando (narração, masculino, particular, 9º ano)
Em relação à presença de elementos intervenientes no grupo clítico-complexo
verbal, foram encontradas apenas 3 ocorrências que demonstrassem tal situação. Dessas
3 ocorrências, 2 configuram a presença de locuções e 1 a presença de um advérbio.
Observem-se os exemplos correspondentes a tais ocorrências:
(20)
Portanto, se pararmos para analisar este processo, podemos concluir
que nossa música vem cada vez mais revelando-se, mostrando assim que não
precisamos importar outras culturas para marcar nossa riqueza e nosso valor.
(dissertação, masculino, público, 9º ano)
(21)
Com os seus objetivos mudados, eles tentam se atualizar o mais rápido
possível e acabam muitas vezes se prejudicando (dissertação, masculino,
público, 3º ano)
(22)
O que não pode é ficar agredindo seu corpo e nem ficar sempre se
espelhando em outras pessoas. (dissertação, feminino, público, 3º ano)
Os exemplos de 20 a 22 demonstram a ligação do clítico pronominal a V2,
ressaltando-se o fato de que, nos exemplos 21 e 22, em que se verificam,
respectivamente, uma locução adverbial e um advérbio no interior do complexo verbal
e o uso do clítico se reflexivo/inerente, a variante V1 cl V2 se mostrou como opção dos
alunos, diferentemente do que se pode perceber em relação ao exemplo 20, em que se
apresenta como opção a variante V1 V2-cl, havendo, da mesma maneira como ocorre
no exemplo 21, a interveniência de uma locução adverbial, sendo utilizado, no entanto,
outro tipo de clítico – se indeterminador/apassivador. Apesar de não ser possível fazer
generalizações a respeito da atuação dos elementos intervenientes no grupo-clítico
complexo verbal como propiciadores da próclise a V2 em complexos verbais formados
por gerúndio, acredita-se que tais elementos não influenciam na ordem dos clíticos
114
pronominais nesse contexto, tendo em vista que os exemplos demonstram que a
preferência dos alunos em relação às variantes utilizadas se manteve de acordo com o
tipo de clítico empregado nas sentenças.
De modo geral, pode-se perceber que, em complexos verbais formados por
auxiliar + gerúndio, o clítico pronominal tende a se ligar a V2, ocupando, sobretudo, a
posição proclítica ao verbo auxiliar.
Realizadas as considerações acerca dos complexos verbais formados por
gerúndio, observe-se, a seguir, a análise das ocorrências de clíticos em complexos
verbais formados por particípio.
5.2.3. Complexos verbais com particípio
A partir do corpus utilizado nesta pesquisa, verificaram-se apenas 15 dados de
clíticos pronominais em complexos verbais formados por particípio. Observe-se a tabela
abaixo, que demonstra a distribuição de tais ocorrências de acordo com as variantes da
variável dependente e com o modo de organização predominante nos textos.
Tabela 6: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
particípio consoante a variável dependente e o modo de organização discursiva.
Modo de
organização
predominante
Dissertativoargumentativo
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
6 – 67%
0 – 0%
3 – 33%
0 – 0%
Narrativo
1 – 16%
0 – 0%
5 – 84%
0 – 0%
Total
7 – 46 %
0 – 0%
8 – 54%
0 – 0%
A tabela acima demonstra que o escasso número de dados de clíticos associados
a complexos verbais formados por verbos principais no particípio não permitiu a
colocação do pronome nas quatro posições consideradas na investigação. Foi observada
apenas a realização das variantes pré-complexo verbal e intra-complexo verbal sem
hífen.
Das 15 ocorrências de clíticos em complexos verbais com particípio, 7 (46%) se
manifestaram pela colocação pré-complexo verbal e 8 (54%) pela posição intra-
115
complexo verbal sem hífen. Cumpre destacar que o não aparecimento da variante V1
V2-cl se mostra em consonância tanto com as prescrições que se puderam observar nos
compêndios gramaticais consultados como com os resultados obtidos por outros estudos
realizados acerca do tema (Cf. VIEIRA, 2002; NUNES, 2009; MARTINS, 2009,
PETTERSON, 2010; SANTOS, 2010). De acordo com Vieira (2002), o fato de não
ocorrer a colocação do pronome em posição enclítica à forma participial do verbo está
associado ao caráter mais nominal que comporta esta forma em relação às outras formas
nominais do verbo; a autora fundamenta sua argumentação com base num continuum de
nominalização proposto por Guilhaume (apud VIEIRA 2002), de acordo com o qual o
particípio corresponde ao verbo em sua forma totalmente ‘detensiva’, tendo assumido
sua forma inteiramente nominal.
Observando-se os resultados expostos na tabela acima, percebe-se que a
distribuição dos dados se deu de forma equilibrada pelas duas variantes, com cerca de
metade dos dados para cada. Destaque-se, ainda, que das 15 ocorrências obtidas, 9 se
deram em textos dissertativo-argumentativo e 6 em textos narrativos.
Observem-se a seguir os exemplos de 23 a 28 que servem a caracterizar os
contextos em que, nos casos de particípio, se realiza a variante cl V1 V2:
(23) Elas preferem e pretendem seguir suas vidas com a beleza que lhe foi
assegurada, concedida pela mãe natureza. (dissertação, masculino, público, 3º
ano)
(24) O conceito de beleza que existe em nossa sociedade e nos é passado pelos
meios de comunicação e pela mídia, faz muitas vezes as pessoas tomarem
atitudes, às vezes impensadas (dissertação, masculino, público, 3º ano)
(25) Conforme avançam as criações dos homens, eles perdem a noção do poder
que lhes é permitido e agem como seres onipotentes (dissertação, feminino,
particular, 3º ano)
(26) Mesmo pela descarga de efeitos especiais que nos é lançada por filmes
como Matrix ainda há esperança em filmes mais sérios que mostram a realidade
do povo e que são feitos pelo prazer e não pelo dinheiro. (dissertação,
masculino, público, 9º ano)
116
(27) ... levaram chicotadas, pauladas de barra de ferro, ficavam dias sem comer
e muitas vezes lhe eram cortadas as mãos. (narração, feminino, feminino,
particular, 9º ano)
(28) É a droga do amor que quando se é correspondido é a melhor coisa do
mundo, mas quando não se é correspondido é a pior coisa mundo. (dissertação,
masculino, público, 9º ano)
Observando-se os exemplos acima, percebem-se estruturas verbais complexas
formadas pela voz passiva e em contextos nos quais o elemento antecedente ao grupo
clítico-complexo verbal configura um operador de próclise canônico, como o pronome
relativo presente nos exemplos de 23 a 26, a conjunção subordinativa e a partícula de
negação no exemplo 28, ou não, como o sintagma adverbial presente no exemplo 27;
destaque-se que foram observados os elementos que antecediam o grupo clítico-verbo,
mesmo que, como no exemplo 24, tais elementos não figurassem em posição
imediatamente anterior ao grupo clítico-complexo verbal.
A aplicação da variante cl V1 V2 caracterizou-se como opção dos alunos para os
contextos nos quais se verificaram estruturas verbais complexas de voz passiva
formadas pelo verbo auxiliar ser, estrutura presente em todas as ocorrências dessa
variante. Percebeu-se que independentemente da presença do elemento que se encontra
em contexto anterior ao grupo clítico complexo verbal, é a variante pré-complexo verbal
que se apresenta como padrão linguístico na escrita dos alunos.
No tocante aos tipos de clíticos que se verificaram nas estruturas representadas
por cl V1 V2, apontam-se três diferentes tipos de pronomes, sendo tais formas o clítico
de primeira pessoa nos, o clítico se indeterminador/apassivador e o clítico lhe. Pode-se
observar, então, que, mesmo com a presença de clíticos argumentais – como o nos e o
lhe –, a estrutura passiva privilegia a forma pré-complexo verbal.
Em relação à aplicação da variante V1 cl V2, verificou-se que, das 8 ocorrências
dessa variante no corpus, foram realizadas 5 em textos narrativos e 3 em textos
dissertativos. Observem-se, abaixo, alguns exemplos que servem a evidenciar o
comportamento dessa variante:
117
(29) Passaram-se uns dias e Marinete já havia até se esquecido do ocorrido.
(narração, masculino, público, 3º ano)
(30) O aborto e a utilização de células-tronco têm se tornado alvos de grandes
debates e polêmicas no mundo contemporâneo. (dissertação, feminino,
particular, 3ºano)
(31) A mãe estava indignada como a violência tinha se espalhado (narração,
feminino, particular, 9º ano)
(32) Quando eu cheguei lá eu comecei a chorar, porque eu tinha me machucado
e estava doendo (narração, feminino, público, 9º ano)
(33) Pedro, então lembrou de tudo o que Luciana havia lhe dito e devolveu tudo
o que já tinha pegado dos passageiros (narração, feminino, particular, 9ºano)
(34) Muitas pessoas ao fazerem cirurgias para a melhora de seu corpo
conseguem ficar esquisitas devido a pele ter se esticado demais e se arrependem
logo depois. (feminino, dissertação, público, 3º ano)
(35) O primeiro diagnóstico saiu; ele estava com asma, não entendi nada, pois
haviam me dito que era HIV. (narração, masculino, público, 3º ano)
Os exemplos apresentados acima evidenciam as estruturas verbais complexas
que concretizaram a aplicação da variante V1 cl V2, nos casos de particípio. No corpus,
registraram-se clíticos na posição intra-complexo verbal sem hífen com complexos
verbais formados somente por ter + particípio e haver + particípio.
De modo geral, pode-se perceber que, em se tratando da ordem dos clíticos
pronominais em complexos verbais formados por particípio, não se mostra efetiva a
atuação do elemento que antecede o grupo clítico-complexo verbal, sendo ele um
tradicional operador de próclise ou não. Não se pode deixar de mencionar a existência
de elementos tradicionalmente reconhecidos como operadores de próclise nos exemplos
29, 31 e 33, que não desempenham o papel de atração do pronome.
118
Cabe fazer, a respeito do exemplo 29, especificamente, duas observações: (i)
apesar de o elemento imediatamente antecedente ao grupo clítico verbo ser o advérbio
já, indicado por referências tradicionais como um dos contextos nos quais se daria a
aplicação da colocação pré-complexo verbal, verificou-se a preferência pela colocação
intra-complexo verbal; (ii) de todas as ocorrências de clíticização pronominal nos
complexos formados por particípio, essa foi a única que apresentou um elemento
interveniente no interior da estrutura verbal complexa – um operador argumentativo;
neste exemplo, verifica-se com maior evidência a opção em colocar o clítico
pronominal em posição proclítica a V2, após o elemento interveniente, mantendo-se a
restrição de colocar o pronome em posição enclítica à forma participial.
Em relação aos tipos de clíticos que se verificaram em posição intra-complexo
verbal sem hífen, os exemplos demonstram a aplicação de me (clítico de primeira
pessoa), se (reflexivo/inerente) e lhe. Os pronomes me e se (reflexivo/inerente)
apresentaram comportamento consoante aos resultados obtidos por outros autores, com
tendência a se adjungirem aos verbos que os regem
As observações dos dados permitem observar que, em se tratando de complexos
verbais formados por particípio, o tipo de complexo verbal seria o grupo de fatores que
mais contribuiria para condicionamento da ordem dos clíticos pronominais, já que as
duas variantes que se concretizaram no corpus se manifestaram cada uma delas por
estruturas específicas. Cabe salientar, no entanto, que o número reduzido de dados não
permite que se façam generalizações ou que se teçam conclusões categóricas acerca do
fenômeno. Considerando-se os resultados de outras pesquisas sobre o tema, observa-se
que, em contexto de aprendizagem, os alunos realizam, no caso dos complexos com
particípio, a variante mais natural do vernáculo brasileiro, a próclise ao verbo principal,
deixando a próclise ao verbo auxiliar para as estruturas de passiva com o auxiliar ser.
5.2.4. Complexos verbais com infinitivo
Nesta seção, trata-se dos 155 dados de clíticos pronominais em complexos
verbais formados por infinitivo. Nesse contexto, obteve-se um quantitativo de
ocorrências bem mais expressivo do que aqueles observados para os contextos de
particípio e gerúndio; desse modo, há a oportunidade de melhor explorar os resultados
obtidos com base na frequência das variantes investigadas em relação às variáveis
linguísticas e extralinguísticas.
119
Para que seja ilustrada a distribuição geral dos dados de complexos verbais
formados por infinitivo no corpus a partir da variável dependente, apresenta-se a
seguinte sistematização dos dados de acordo com o número de ocorrências e a
freqüência percentual das variantes (i) cl-V1 V2, (ii) V1-cl V2, (iii) V1 cl V2 e (iv) V1
V2-cl:
Tabela 7: Distribuição geral dos dados de infinitivo pelas variantes da variável dependente
cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
15 – 9%
26 – 13%
83 – 53%
31 – 20%
155 – 100%
Observando-se a tabela acima, nota-se a alta produtividade da variante V1 cl V2
em comparação às outras, pois, das 155 ocorrências de pronomes átonos associados aos
complexos verbais coletadas nesse contexto, 83 (53%) manifestaram o pronome em
posição intra-complexo verbal sem hífen, posição na qual se considera o pronome
proclítico ao verbo principal. Em contrapartida, é igualmente notável a baixa
produtividade da variante cl V1 V2, correspondendo a 15 dos 155 dados (9% das
ocorrências). O gráfico a seguir demonstra a distribuição das ocorrências de clíticos
pronominais pelos fatores da variável dependente.
9%
20%
16%
53%
cl V1 V2
V1-cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Gráfico 2: Distribuição dos dados de infinitivo pelos fatores da variável
dependente
120
Tendo-se optado por exibir os resultados sem contar com a ponderação
estatística que fornece pesos relativos dos fatores quanto ao condicionamento do
fenômeno, conforme se esclareceu na metodologia, exploraram-se os resultados com
base na freqüência – absoluta e percentual – referente a cada fator controlado. Desse
modo, foi possível descrever a atuação das variáveis linguísticas e extralinguísticas que
demonstraram comportamento evidentemente diferenciado em relação à ordem dos
clíticos,
privilegiando
aquelas
que,
em
investigações
afins,
demonstraram
comportamento relevante.
5.2.4.1. Distribuição dos dados pelas variáveis extralinguísticas
Nesta subseção, expõem-se os resultados referentes às variáveis (i) nível de
escolaridade dos alunos, (ii) sexo dos alunos/autores, (iii) tipo de instituição à qual estão
vinculados os alunos e (iv) modo de organização discursiva predominante nos textos.
a) Nível de escolaridade dos alunos
Primeiramente, observem-se os valores apresentados na tabela e no gráfico que
se seguem, referentes ao comportamento da variável nível de escolaridade dos alunos.
Tabela 8: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o nível de escolaridade dos alunos
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
3º ano E.M
7 – 10%
7 – 10%
41 – 64%
11 – 16%
66 – 42%
9º ano E.F
8 – 8%
19 – 21%
42 – 49%
20 – 22%
89 – 58%
121
100%
80%
64%
49%
60%
40%
21%
20%
10%
16%
10%
22%
8%
0%
3º ano E.M
Cl V1 V2
V1–cl V2
9º ano E.F
V1 cl V2
V1 V2-cl
Gráfico 3: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o nível de escolaridade dos alunos.
Inicialmente, vale ressaltar que, das 155 ocorrências de clíticos pronominais no
contexto em análise, 89 (58%) foram coletadas em textos de alunos do 9º ano do ensino
fundamental, enquanto se obtiveram, dos textos de alunos do 3º ano do ensino médio,
66 (42%) dados. Os textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental apresentaram,
portanto, maior índice de utilização do clítico pronominal.
Os resultados representados acima permitem observar que as ocorrências de
clíticos pronominais nos contextos de complexos verbais formados por infinitivo
apresentam distribuição diferenciada entre os fatores da variável dependente de acordo
com o grau de instrução dos alunos. De toda maneira, aponta-se que a variante V1 cl V2
foi a mais utilizada pelos alunos de ambos os níveis de escolaridade contemplados,
correspondendo a 49% das ocorrências coletadas nos textos de alunos do 9º ano do
ensino fundamental e 64 % daquelas coletadas em textos de alunos do 3º ano do ensino
médio.
Os exemplos abaixo demonstram a utilização da variante intra-complexo verbal
sem hífen.
(36) Também existiam os que tentavam se igualar a esses “super-heróis da
beleza” aqueles que faziam de tudo, até imitar a personalidade do outro para
tentar ser popular (dissertação, masculino, 3º ano, público)
(37) Os policiais deveriam se conscientizar de que o trafico faz o que bem
entende nas favelas e os assaltantes fazem o que bem entendem aqui embaixo,
nas ruas (dissertação, masculino, 9º ano, público)
122
(38) Então preocupado e sem saber o que fazer, ele resolve se abrir com seu
amigo. (narração, masculino, particular, 3º ano)
(39) O salto da minha sandália fazia muito barulho, e foi ai que eu vi um cara
na outra esquina, eu fiquei assustada porque sabia que ele ia me assustar.
(narração, feminino, particular, 9º ano)
Os exemplos demonstram a aplicação da variante V1 cl V2 em textos dos dois
níveis de escolaridade. Atente-se ao fato de que a variante intra-complexo verbal sem
hífen aparece tanto em contextos com elementos tradicionalmente proclisadores, como
nos exemplos 36 (pronome relativo que) e 39 (conjunção integrante que), como em
contextos nos quais não se verifica a presença de elementos atratores canônicos do
pronome.
Quanto ao nível de escolaridade, a hipótese postulada inicialmente de que os
alunos de nível mais avançado tenderiam a posicionar o clítico pronominal de acordo
com as prescrições tradicionais, como reflexo da implementação gradativa dos traços
normativos, não se comprovou. A colocação V1 cl V2, não contemplada como opção
padrão entre as prescrições acerca do tema e apresentada como característica do
português do Brasil, principalmente no “colóquio” dessa variedade da língua (cf.
CUNHA & CINTRA, 2001), apresentou maior produtividade entre os alunos do 3º ano
do ensino médio (uma diferença de 15% em relação ao nível fundamental).
Registraram-se poucas ocorrências da variante cl V1 V2 nos textos de ambos os
níveis de escolaridade contemplados; destaque-se o fato de que tal variante apresentou
distribuição praticamente equilibrada nos dois níveis considerados, tendo sido coletados
apenas 7 dados (10% ) em textos do 3º ano e 8 dados (8%) em textos do 9º ano.
Observem-se alguns exemplos da aplicação da referida variante.
(40) Esse texto mostrou tudo o que eu acho sobre essa enorme parcela da
sociedade, que não vive dignamente como se deve viver, e não recebe respeito
das outras parcelas da comunidade. (dissertação, masculino, público, 9º ano)
123
(41) Mas o que se deve analisar em primeiro plano é que um ser humano está
sendo impedido de viver. (dissertação, feminino, particular, 3º ano)
Os exemplos acima são representativos da variante pré-complexo verbal,
podendo demonstrar que, independentemente do nível de escolaridade dos
alunos/autores, a maioria da ocorrências dessa variante se deu em contextos nos quais
figuravam um elemento proclisador reconhecido tradicionalmente.
A variável intra-complexo verbal com hífen apresentou comportamento
expressivamente diferenciado nos dois níveis de escolaridade. Nos textos do 3º ano do
ensino médio, registraram-se apenas 7 (10%) ocorrências dessa variante – mesmo índice
registrado, nesse nível de escolaridade, para a variante cl V1 V2 – e, nos textos do 9º
ano do ensino médio, 19 (21%). Observem-se alguns exemplos:
(42) Cerca de 1 milhão e 54 mil mulheres abortam por ano no Brasil, colocando
suas vidas em risco, mostrando que essa questão deve-se resolver. (dissertação,
feminino, particular, 3º ano)
(43) A escola é um ambiente de grande liberdade pois as pessoas estudam por
vontade própria, não mais por obrigatoriedade e pode-se fazer o que quiser,
porém, com riscos de punições, dependendo do que se faça. (dissertação,
feminino, particular, 9° ano)
(44) Para mudar a precisão em que as escolas se tornam, deve-se pensar no que
a escola pode ajudar no futuro. (dissertação, feminino, particular, 9º ano).
A aplicação da variante pós-complexo verbal não diferencia os níveis de
escolaridade considerados para o estudo da ordem dos clíticos pronominais nesta
investigação de forma expressiva. Nos textos do 9º ano do ensino fundamental,
registraram-se 20 (22%) ocorrências dessa variante em contraposição a 11 (16%)
coletadas em textos de alunos do 3º ano do ensino médio – o que acarreta uma diferença
de apenas 6 pontos percentuais. Cabe destacar que, nos textos de alunos do 9º ano do
ensino fundamental, são semelhantes os resultados referentes às frequências das
variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl. Os exemplos a seguir apresentam alguns dados da
variante V1 V2-cl.
124
(45) Chorando muito, Sarah foi vê-la e prometeu diante dela que iria sair dessa
vida. (narração, feminino, público, 3º ano)
(46) Sabia que ele poderia tirá-lo. (narração, feminino, particular, 9º ano)
A maioria dos dados da variante pós-complexo verbal foi realizada por meio da
aplicação do clítico acusativo de terceira pessoa o/ a. Ressalte-se que diversos outros
estudos atestaram que, no PB, a utilização do clítico acusativo de terceira pessoa em
contextos de complexos verbais formados por infinitivo, tende à colocação enclítica ao
verbo principal.
De modo geral, pode-se perceber que, além dos aspectos linguísticos, o nível de
escolaridade dos alunos pode estar relacionado à escolha referente ao posicionamento
do pronome no complexo verbal. Os resultados obtidos permitem verificar que os textos
de alunos do 9º ano do ensino fundamental, com maior número de dados (89/155
ocorrências), apresentaram maior produtividade das variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl
costumeiramente associadas a maior atendimento às prescrições presentes nos manuais.
Inicialmente, postulou-se que seriam os textos de alunos do terceiro ano do ensino
médio que apresentariam comportamento mais próximo do previsto nas prescrições
gramaticais, hipótese que não se comprovou. Acredita-se que esse fato se relacione às
características não propriamente restritas ao nível de escolaridade no qual se encontram,
mas a diversos outros aspectos psicossociais que estejam, mesmo que indiretamente,
interinfluenciando o condicionamento do fenômeno. Por hipótese, a faixa etária em que
se encontram os alunos do 3º ano do ensino médio, a da adolescência, costuma
constituir período em que não se costuma atende a modelos impostos pela sociedade, o
que, em alguma medida, pode surtir efeito no comportamento linguístico dos alunos e
justificar a alteração do padrão escrito configurado.
A interpretação à qual se pôde chegar por meio da interpretação da distribuição
percentual da ordem dos pronomes átonos em complexos verbais com infinitivo em
relação à escolaridade dos alunos corrobora as considerações de Votre, em Mollica &
Braga (2007: p. 56 ), em afirmar que o domínio de maior ou menor prestígio do registro
culto da língua depende de muitas variáveis e não somente da escolaridade.
Compreende-se, a partir das reflexões feitas com base nos resultados, que, dando
125
continuidade ao desenvolvimento desta pesquisa, precisam ser observados diferentes
aspectos sociais que possam estar relacionados ao repertório lingüístico dos alunos.
b) Sexo dos alunos:
Ao iniciar a análise dos dados obtidos com base na variável sexo dos
informantes, cabe relembrar que, em estudos realizados anteriormente acerca da ordem
dos clíticos pronominais, esse grupo de fatores não demonstrou relevância para o
condicionamento do fenômeno. No entanto, como o corpus utilizado nesta investigação
permite o controle dessa variável, optou-se por averiguar se a escrita de alunos e alunas
apresenta diferenças que se possam destacar no que concerne à ordem dos clíticos
pronominais em complexos verbais. Observe-se a distribuição das ocorrências:
Tabela 9: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o sexo dos alunos
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
Masculino
10 – 12%
12 – 15%
40 – 51%
18 – 22%
80 – 52%
Feminino
5 – 6%
14 – 18%
43 – 59%
13 – 17%
75 – 48%
100%
80%
59%
51%
60%
40%
20%
12%
18%
22%
15%
17%
6%
0%
Masculino
Cl V1 V2
V1–cl V2
Feminino
V1 cl V2
V1 V2-cl
Gráfico 4: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o sexo dos alunos.
De início, verifica-se uma distribuição equilibrada do número de dados em
relação à variável sexo, já que, dos 155 dados de ocorrências de clíticos pronominais em
complexos verbais formados por infinitivo, 80 se deram em textos de autoria masculina
e 75 em textos de autoria feminina. Quanto ao fenômeno variável em estudo, não se
126
observaram diferenças expressivas entre os índices obtidos para cada variante nos textos
escritos pelas meninas e pelos meninos.
A variável sexo é um grupo de fatores normalmente controlado em estudos
sociolinguísticos com base na hipótese laboviana de que as mulheres tendem a
apresentar mais traços inovadores do que os homens quando se trata da implementação
de formas de prestígio, sendo, no entanto, mais conservadoras quando se trata da
implementação de formas desprestigiadas. Nesse âmbito, cabe destacar que a hipótese
laboviana não se aplica para o corpus utilizado nesta investigação, tendo em vista o fato
de que a variante intra-complexo verbal sem hífen, considerada tradicionalmente como
traço característico e inovador do português do Brasil, demonstrou índices percentuais
mais altos na escrita das alunas (59%) do que na dos alunos (51%).
Em relação às variantes sugeridas pela tradição gramatical para contextos que
não se caracterizam como aqueles de atração do pronome, verificou-se distribuição
equilibrada nos textos dos autores de sexo masculino e feminino, tendo-se registrado na
escrita de alunos e alunas, respectivamente, 15% e 18% da variante V1-cl V2 e 22% e
17% da V1 V2-cl.
Em relação à variante cl V1 V2, observou-se maior diferença entre os textos
consoante o sexo dos alunos (12% para a escrita de alunos e 6% da escrita de alunas).
Cabe destacar que, na escrita de alunos e alunas, todas as ocorrências da colocação préCV se deram em contextos com a presença de elemento proclisador reconhecido
tradicionalmente. A título de ilustração da aplicação da variante cl V1 V2 no contexto
descrito, observem-se os exemplos a baixo:
(47) A vida é feita de escolhas, mas não se pode esquecer suas raízes o que você
Fo, o que você é, o futuro sempre é consequência, não se pode deixar levar por
influências, você em primeiro lugar sempre. (dissertação, feminino, particular, 9º
ano)
(48) A conclusão que se pode tirar é que escolher caminhos faz parte da vida.
(dissertação, feminino, particular, 9º ano)
(49) É uma pena... pois o que se deveria achar é que não existe um único e
grande culpado nessa história. (dissertação, masculino, particular, 3º ano)
127
(50) A música também traz divertimento, porém, como tudo na vida, não se deve
cometer exageros. (dissertação, masculino, particular, 9º ano)
De modo geral, em virtude da pequena diferença de pontos percentuais que se
observa entre os fatores da variável sexo dos alunos, os resultados obtidos não permitem
afirmar que as mulheres seriam caracteristicamente mais inovadoras que os homens no
que se refere ao fenômeno estudado.
c) Tipo de instituição de ensino
Os resultados obtidos apresentam indícios de que o tipo de instituição ao qual os
alunos estão vinculados pode ser uma variável influente, atuando no condicionamento
do comportamento da ordem dos clíticos pronominais no corpus analisado.
Tabela 10: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o tipo de instituição de ensino.
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
Público
7 – 11%
3 – 5%
41 – 69%
9 – 15%
60 – 38%
Particular
8 – 8%
23 – 24%
42 – 45%
22 – 23%
95 – 62%
100%
69%
80%
60%
45%
40%
20%
24%
11%
5%
15%
23%
8%
0%
Público
Cl V1 V2
Particular
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Gráfico 5: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o tipo de instituição de ensino.
Quanto ao tipo de instituição à qual os alunos estão vinculados, os resultados
obtidos indicam que os textos de estudantes matriculados em escolas privadas
apresentam distribuição dos dados mais equilibrada entre os fatores da variável
dependente. Os resultados apontam, ainda, maior atendimento às recomendações
128
constantes na abordagem tradicional acerca do tema, tendo em vista os maiores índices
de aplicação das variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl, que, de acordo com as prescrições
gramaticais, constituem as posições que o pronome átono deve assumir na ausência de
elementos considerados proclisadores, que demandariam a aplicação da variante cl V1
V2.
Considerando-se os tipos de escola controlados, verifica-se a alta produtividade
da variante intra-complexo verbal sem hífen, registrando-se 69% em textos de alunos de
escolas públicas e 45% em textos de alunos de escolas particulares – uma diferença
bastante expressiva, de 24 pontos percentuais. Em relação às variantes V1-cl V2 e V1
V2-cl – posições consideradas como regra geral nos compêndios gramaticais acerca do
tema em estudo –, nota-se que possuem maior expressividade entre os alunos da rede
privada, correspondendo, respectivamente, a 5% e 15% no âmbito das escolas públicas
e 24% e 23% no âmbito das escolas particulares. A variante pré-complexo verbal foi a
menos expressiva nos textos de ambos os tipos de escolas, tendo sido encontrado um
número bastante aproximado de ocorrências (7 – 11% – em escolas públicas e 8 – 8% –
em escolas particulares).
Os resultados obtidos acerca do tipo de escola em questão estão em consonância
com aqueles obtidos por Machado (2006), na medida em que permitem inferir a
tendência à manutenção do status da norma padrão por parte da escola particular.
Admite-se que a diversidade de escolas e modelos pedagógicos desenvolvidos requer,
para a análise dessa variável, a consideração de outros fatores diversos – como o perfil
sociocultural do estudante e de seus familiares15, o material didático específico de cada
turma – que extrapolam a especificidade desta investigação, mas que poderiam de fato
demonstrar a influência do tipo de escola no comportamento linguístico dos alunos.
d) Modo de organização discursiva predominante nos textos
Os resultados para a variável modo de organização predominante nos textos
sugerem que esse grupo de fatores seja relevante para o condicionamento do fenômeno.
Observem-se os resultados ilustrados pela tabela e pelo gráfico que se seguem:
_
15
A esse respeito, apresentam-se, na metodologia deste trabalho, as dificuldades encontradas com a
aplicação do questionário sobre o perfil do informante.
129
Tabela 11: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o modo de organização discursiva predominante.
Dissertativoargumentativo
Narrativo
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
14 – 16%
24 – 28%
37 – 43%
10 – 11%
85 – 55%
1 – 1%
2 – 2%
46 – 67%
21 – 30%
70 – 45%
100%
67%
80%
60%
43%
40%
20%
30%
28%
16%
11%
1%
2%
0%
Dissertativo-argumentativo
Cl V1 V2
V1–cl V2
Narrativo
V1 cl V2
V1 V2-cl
Gráfico 6: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o modo de organização discursiva predominante.
Percebe-se que o comportamento da ordem dos clíticos pronominais se
manifesta de maneira bastante diferenciada a depender do modo de organização
discursiva dos textos. Apesar da predominância da variante intra-complexo verbal em
ambos os casos, verifica-se que, no que se refere aos textos dissertativo-argumentativos,
a distribuição dos dados se dá de maneira equilibrada entre os fatores da variável
dependente, o que não se verifica no que se refere aos textos narrativos, em que se
concentram as variantes V1 cl V2 e V1 V2-cl.
Com base nos resultados expostos, acredita-se que as características linguísticodiscursivas de fato podem influenciar no comportamento da ordem dos clíticos
pronominais na escrita dos alunos. Os textos narrativos, por cumprirem a finalidade de
construirem uma sucessão de ações voltadas para o mundo referencial, relativo à
realidade ficcional narrada, reproduziria, por hipótese, o maior uso de estruturas
empregadas cotidianamente, o que se revela, por vezes, na presença de diálogos. Esse
perfil dos textos narrativos favorece o alto índice de frequência da variante V1 cl V2,
posição considerada natural no PB vernacular.
130
A respeito dos textos dissertativo-argumentativos, acredita-se que, em se
tratando do contexto escolar, as orientações pedagógicas propiciariam o emprego de
estruturas consideradas típicas da escrita padrão em textos desse modo de organização
discursiva. Além disso, o propósito primordial dos textos dissertativos-argumentativos
propiciaria o uso de estruturas lingüísticas que favorecem determinadas variantes da
ordem dos clíticos pronominais. A intenção do aluno em construir estruturas que sirvam
à exposição de ideias com a finalidade de persuadir o leitor leva-o a empregar, por
exemplo, postulados comportamentais a serem defendidos, estruturas que são
compatíveis com os complexos com verbos modais poder/ dever, que se combinam
frequentemente com o pronome se indeterminador/apassivador, como nos exemplos a
seguir:
(51) Enquanto alguns grupos pensam que uma vida está sendo retirada, seus
pensamentos deveriam se voltar para aqueles que estão em um hospital
implorando por uma doação (dissertação, feminino, particular, 9º ano)
(52) A conclusão que pode-se tirar é que escolher nossos caminhos é o melhor.
(dissertação, feminino, particular, 9º ano)
(53) Para mudar a precisão em que as escolas se tornam, deve-se pensar no que a
escola pode ajudar no futuro. (dissertação, feminino, particular, 9º ano)
Desse modo, percebeu-se que o comportamento dos clíticos pronominais nos
diferentes modos de organização discursiva também se relaciona a algumas variáveis
linguísticas, como o tipo de complexo verbal e o tipo de clítico pronominal. Ao
descreverem-se posteriormente os resultados obtidos acerca das referidas variáveis,
outros aspectos poderão ser salientados, mas, por ora, cabe destacar o fato de que o
clítico apassivador/indeterminador demonstrar tendência a se ligar ao primeiro verbo do
complexo verbal, tendo sido esse o tipo de clítico mais frequente nas ocorrências de
complexos verbais formados por auxiliares modais.
Cruzamentos realizados permitiram verificar que, dos 75 complexos verbais
formados por verbos modais associados a clíticos pronominais encontrados no corpus,
61 se manifestaram em textos dissertativos. Como se demonstra na tabela 12, foram
coletadas 85 ocorrências de clíticos pronominais em complexos verbais nos textos
dissertativo-argumentativos; percebe-se, portanto que a maioria desses dados se refere a
131
complexos formados por auxiliares modais, os quais, por sua vez, apresentam com
maior expressividade as variantes V1-cl V2 e cl V1 V2. Nos textos narrativos,
observaram-se apenas 14 ocorrências de clíticos associados a complexos verbais
formados por auxiliares modais, fato que também pode estar relacionado à baixa
expressividade das variantes V1-cl V2 e cl V1 V2 nesses textos.
5.2.4.2. Distribuição dos dados pelas variáveis linguísticas
Nesta seção, apresentam-se os resultados percentuais referentes às variáveis
linguísticas, considerando-se a distribuição dos dados de acordo com as quatro variantes
da variável dependente.
a) Presença/ausência de elemento interveniente no interior do complexo
verbal
Cabe relembrar que o controle dessa variável se deu com a intenção de verificar
se a presença de qualquer elemento no interior do complexo verbal poderia funcionar
com operador de próclise ao verbo principal, favorecendo a colocação V1 cl V2, com o
pronome na posição posterior ao elemento interveniente. Observem-se os resultados
obtidos:
Tabela 12: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante a presença/ausência de elementos intervenientes no complexo verbal.
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
Ausência de
elemento
15 – 11%
26 – 20%
64 – 50%
25 – 19%
130 – 86%
Preposição
0 – 0%
0 – 0%
12 – 74%
4 – 26%
16 – 9%
Advérbio
0 – 0%
0 – 0%
0 –0%
2 – 100%
2 – 1%
“Que”
0 – 0%
0 – 0%
7 – 100%
0 – 0%
7 – 4%
A princípio, cabe destacar que, das 155 ocorrências de clíticos pronominais em
lexias verbais complexas, foram encontradas apenas 25 com elementos intervenientes –somando-se as ocorrências de dados com preposição (16), advérbio (2) e “que” (7) – no
complexo verbal. A observação dos resultados expostos na tabela demonstra que, nos
132
casos em que figuram tais elementos, as variantes vinculadas à primeira forma verbal, cl
V1 V2 e V1-cl V2, não foram consideradas como opção pelos alunos. Apenas nos casos
de ausência de elementos no interior do complexo verbal, registraram-se ocorrências das
referidas variantes. Ao que parece, a adjacência do clítico a V1, pouco produtiva no
corpus, é ainda menos provável na presença de material interveniente no complexo
verbal.
Os poucos dados obtidos não permitem generalizações acerca da atuação dos
elementos intervenientes na estrutura complexa, mas permitem verificar que, de modo
geral, as preposições e a partícula que são elementos que favorecem a aplicação da
variante intra-complexo verbal sem hífen. Em relação às preposições, 74% das
ocorrências se manifestaram pela variante V1 cl V2; quanto à partícula “que”, essa
preferência ocorreu de maneira ainda mais expressiva, já que houve aplicação
categórica da variante intra-complexo verbal sem hífen. Os exemplos abaixo ilustram o
comportamento descrito.
(54) Eu concordo com a proibição do aborto, porque desde a fecundação do
óvulo, o ser começa a se formar e pela legislação atual, é crime tirar a vida de
um ser humano. (dissertação, feminino, particular, 3º ano)
(55) Hoje, temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com
os ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa.
(dissertação, feminino, particular, 9º ano)
(56) Podemos concluir que, as pessoas tem que se conscientizar que tudo o que
a mídia quer é só ganhar dinheiro, e nós somos só mais uns ratinhos de
laboratório. (dissertação, masculino, público, 3º ano)
(57) Tem que se resolver o problema das escolas. Onde não tem professor, tem
greve todo ano, falta verba... ((dissertação, feminino, público, 9º ano)
Torna-se relevante salientar que, em se tratando de preposições como elementos
intervenientes no complexo verbal, manifestaram-se apenas 4 ocorrências da aplicação
da variante V1 V2-cl, todas na presença da preposição a. Observem-se a seguir tais
ocorrências:
133
(58) O incentivo por parte do governo a que se formem músicos é importante, já
que, de fato, ao identificar-se com tal mundo, o jovem passa a encará-la com
outros olhos. (dissertação, masculino, particular, 9º ano)
(59) Com o Exagero nos doces, refrigerantes e frituras, minhas amigas
começaram a preocupar-se comigo. (narração, feminino, público, 3º ano)
(60) Então eles pediram um retrato falado, ela então começou a descrevê-los.
(narração, masculino, particular, 3º ano)
(61) Com a mão no seu ombro ela voa no pescoço dele e começa a estrangulá-lo
(narração, masculino, particular, 9º ano)
Saliente-se que, além de se verificar a presença da preposição a interveniente na
estrutura complexa, três dos exemplos citados apresentam a utilização do clítico
acusativo de terceira pessoa, fator que, como será demonstrado posteriormente,
apresenta indícios de favorecimento da variante V1 V2-cl. De toda maneira, com a
observação dos dados obtidos no corpus, percebe-se que as preposições e a partícula
“que” podem favorecer a colocação intra-complexo verbal sem hífen.
Nas duas ocorrências de advérbios intervenientes no complexo verbal, citadas a
seguir, os alunos optaram pela colocação pós-complexo verbal.
(62) Um adolescente que mora na favela, que tem muitos sonhos mas que pode
não concretizá-los porque se depara com a violência. (narração, feminino,
particular, 3º ano)
(63) Resolvi então adotá-la, mas escondido do meus pais. (narração, feminino,
público, 9º ano)
A respeito dos exemplos 62 e 63, vale ressaltar que ambas as ocorrências
também apresentam o clítico acusativo o/a, tipo de pronome que demonstra tendência à
colocação pós-complexo verbal, sobretudo nos contextos de infinitivo, como será
demonstrado a seguir. De todo modo, a ínfima quantidade de dados obtidos, sem a
134
diversidade de tipos de complexos e de clíticos, não permite afirmar que o advérbio no
interior do complexo verbal tenha atuação relevante no fenômeno.
b) Tipo de clítico
Nesta seção, apresentam-se os resultados em relação a cada forma pronominal,
com a intenção de averiguar se a ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
estaria condicionada à relação sintática estabelecida entre o clítico e seu hospedeiro
verbal.
Tabela 13: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o tipo de clítico.
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
Se
refl/inerente
0 – 0%
1 – 1%
52 – 94%
3–5%
56 – 38%
Me/nos
2 – 8%
0 – 0%
22 – 92%
0 – 0%
24 – 15%
Lhe
1 – 50%
0 – 0%
1 – 50%
0 – 0%
2 – 1%
o/a(s)
1 – 3%
0 – 0%
4 – 12%
28 – 85%
3316 – 21%
11 – 28%
25 – 65%
3 – 7%
0 – 0%
39 – 25%
0 – 0%
0 – 0%
1 – 100%
0 – 0%
1 – 0%
Se
indet./apass.
Te
_
16
Embora o uso das formas pronominais não seja o objeto de estudo específico deste trabalho, é
interessante notar que a escola introduz, de fato, formas pronominais que, segundo descrições gramaticais
do PB, não pertenceriam ao vernáculo brasileiro, como o clítico acusativo o, a, presente em 33
ocorrências coletadas.
135
100%
92%
100%
85%
80%
94%
65 %
60%
50%
50%
40%
20%
0%
8%0%
0% 0%0%
Me/nos
Te
Cl V1 V2
0%
0%
0%
Lhe
V1–cl V2
12%
0%
3%
O/A (s)
1%
% 1 7%
5
0%1%
0%
Se
Se
refle./inerente indeter./apass.
V1 cl V2
V1 V2-cl
Gráfico 7: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o tipo de clítico.
Os resultados demonstram que a variante intra-complexo verbal sem hífen, mais
recorrente em todo o corpus analisado, não apresentou os maiores índices percentuais
de aplicação com todos os tipos de clíticos. Essa variante mostrou-se como opção
preferencial dos alunos nos casos em que se empregaram os pronomes de primeira
pessoa – singular e plural – me/nos (92%), o de segunda pessoa te (100%) e o clítico se
reflexivo/inerente (94%). Assim como se supunha ao início desta investigação, tais
pronomes tenderam a se posicionar às margens dos verbos que lhes atribuem papel
temático. Esses resultados confirmam a importância do controle da variável tipo de
clítico ao se tratar da ordem dos clíticos pronominais, como já observado por outros
estudiosos do tema. Observem-se alguns exemplos que podem ilustrar o comportamento
dos referidos pronomes no corpus quanto à aplicação da variante V1 cl V2:
(64) Se eu me enquadro no estereótipo de beleza que a sociedade me impôs,
então, por que preciso me preocupar com a minha essência! (dissertação,
feminino, público, 3º ano)
(65) Vinícius de Moraes já dizia que beleza é essencial, mas não podemos nos
perder na busca por essa beleza (dissertação, masculino, público, 3º ano)
136
(66) Toma aqui Felipe. Mas não posso te dar mais, pois temos que economizar.
(narração, feminino, particular, 9º ano)
(67) As pessoas, principalmente dessa parcela, devem ser respeitadas
dignamente, pois apesar de tudo, somos todos seres humanos, e nos devemos
tratar com respeito (dissertação, masculino, público, 9º ano)
(68) “Corto os pulsos pro final, saída de emergência” esse trecho da música é
bem forte, vários jovens podem se guiar por essa música e até se matarem.
(dissertação, feminino, particular, 9ºano)
(69) Com as músicas, que atualmente te falam bastante sobre os desejos e
aflições do jovem, ele pode sentir-se melhor, encontrar seu estilo, extravasar
suas emoções e distrair-se simplesmente ouvindo, dançando ou cantando uma
música. (dissertação, feminino, particular, 9º ano)
Os exemplos de 64 a 66 e 68 demonstram a aplicação da variante V1 cl V2. Os
exemplos 65 e 66, que apresentam o comportamento de clíticos de primeira e segunda
pessoas, permitem visualizar, ainda, a inoperância dos operadores de próclise no corpus,
tendo em vista que, mesmo com a presença da partícula de negação não,
tradicionalmente reconhecida pelo potencial de atração do pronome, a opção dos alunos
se manteve pela colocação intra-complexo verbal sem hífen. Até mesmo no exemplo 67,
em que se ilustra uma das ocorrências da colocação do clítico de primeira pessoa em
posição pré-complexo verbal, verifica-se que a opção do aluno pelo uso dessa variante
não se deu em virtude de tradicional elemento proclisador em contexto anterior. Os
exemplos 68 e 69 demonstram o uso do clítico se reflexivo/inerente; como já
mencionado, esse pronome teve como posição recorrente a colocação V1 cl V2
(exemplo 68), havendo apenas uma exceção a esse comportamento, em que se deu a
colocação V1 V2-cl (exemplo 69).
Os índices de frequência do clítico lhe demonstram distribuição equilibrada das
variantes cl V1 V2 e V1 cl V2. No entanto, coletaram-se apenas duas ocorrências desse
pronome – transcritas abaixo – em todo o corpus, não sendo, portanto, possível fazer
qualquer afirmação geral acerca do padrão de ordem observado para o uso desse
pronome.
137
(70) Sem muito esforço não se importando se lhe vai ocorrer a impotência
sexual ou ataque cardíaco. Para eles e para todos isso vale tudo. (dissertação,
feminino, público, 3º ano)
(71) Se é que podemos chamar assim a concepta que tem a coragem de cometer
um ato desses com um ser que poderia lhe trazer tanta alegria. (dissertação,
feminino, particular, 3º ano)
A respeito do clítico acusativo o/a (s), não se pode deixar de mencionar o
particular comportamento que se verifica em relação ao alto índice de aplicação da
variante V1V2-cl. Esse comportamento, já atestado por diversos estudiosos do tema e,
ainda, por gramáticos cujos manuais foram consultados, atribui ao pronome em questão
relevância para o condicionamento do fenômeno em estudo. Os exemplos a seguir
podem ilustrar o comportamento do pronome o/a (s):
(72) Se isso não acontecer sua consciência irá deixá-la com o sentimento de
culpa por ter tirado a vida de seu próprio filho. (dissertação, masculino,
particular, 3º ano)
(73) Salomão mesmo não sabendo a fortuna que o diamante valia, sabia que ele
poderia tira-lo dessa pobreza. (narração, masculino, particular, 9º ano)
(74) Sem falar no desespero de quem está a sua volta. Desespero porque gosta
da pessoa e então não quer vê-la se destruindo... (dissertação, masculino,
público, 9º ano)
(75) Portanto, os jovens utilizam a música para diversas finalidades, assim essa
exerce sobre eles coisas que irão marcá-los por toda sua vida. (dissertação,
masculino, particular, 9º ano)
(76) Tendo em vista o que já foi dito a cima, pode-se concluir que a música tem
extrema importância na vida de um jovem pois pode o levar à fama ou então
138
apenas ajudá-lo a virar um bom cidadão. (dissertação, masculino, 9º ano,
particular)
(77) Enfim, quando um dos homens o iria mandar embora outro chegou
dizendo que ele teria que varrer marcado. (narração, masculino, particular 3º
ano)
Os exemplos de 72 a 75 demonstram a aplicação da variante pós-complexo
verbal, mesmo quando se trata de estruturas precedidas de elemento proclisador
tradicionalmente reconhecido e com diferentes tipos de complexos verbais. Os
exemplos 76 e 77 ilustram, respectivamente, ocorrências das variantes V1 cl V2 e cl V1
V2, que, embora apresentem baixos índices de aplicação na colocação do clítico o/a (s)
– respectivamente, 3% (uma ocorrência) e 12% (quatro ocorrências) –, também foram
registradas.
O clítico se indeterminador/apassivador apresentou alto índice de aplicação da
variante intra-complexo verbal com hífen (25%), comportamento diferenciado de todos
os outros pronomes átonos que figuraram no corpus. Destaque-se que, para esse clítico,
não se registraram ocorrências de aplicação da variante pós-complexo verbal. Os
resultados demonstram que esse clítico tende a figurar às margens do verbo auxiliar.
Observem-se os exemplos:
(78) Com programas sociais sendo desenvolvidos, na busca de não só novos
talentos, mas também em evitar desvios de jovens para a criminalidade que
assola o país, pode-se destacar a música. (dissertação, masculino, particular, 9º
ano)
(79) Poderia-se começar com uma radical reforma no ensino básico, evitando o
comprometimento do ensino superior e da educação em geral no Brasil, dando
boas chances aos negros de camadas mais pobres, além dos outros, a passarem
no concurso. (dissertação, masculino, público, 9º ano)
Cabe destacar que todas as ocorrências do clítico se indeterminador/apassivador
que se manifestaram com complexos verbais são formados por dever/poder + infinitivo
e caracterizam-se pela colocação do pronome átono nas adjacências de V1, estando o
139
pronome em posição proclítica (28%) ou enclítica (65%) a tal verbo. Pode-se
depreender que a combinação entre esse tipo de complexo e esse clítico propiciaria a
colocação intra-complexo verbal com hífen, sendo o condicionamento descrito tão
expressivo que faria da variante V1-cl V2 a opção para os alunos até mesmo nos
contextos de V1 em tempos do futuro, como no exemplo 79, contextos para os quais a
prescrição gramatical recomenda a colocação pronominal mesoclítica. Os resultados
obtidos para esse tipo de clítico confirmam a suposição de que, por assumirem função
relacionada ao argumento externo do verbo, ocupariam as posições mais à esquerda do
complexo verbal, nas adjacências do verbo gramatical, o auxiliar – comportamento que
o diferencia dos clíticos argumentais, ligados ao verbo temático, não finito.
c) Forma do verbo auxiliar
Observe-se, a seguir, a distribuição dos dados pelos fatores da variável
dependente em relação à forma de v1.
Tabela 14: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante a forma do verbo auxiliar.
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
13 – 15%
26 – 28%
60 – 45%
23 – 12%
121 – 80%
2 – 9%
1 – 4%
13-60%
6 – 27%
22 – 14%
0 – 0%
0 – 0%
2 – 100%
0 – 0%
2 – 1%
Infinitivo
0 – 0%
0 – 0%
5 – 72%
2 – 28%
7 – 4%
Gerúndio
0 – 0%
0 – 0%
3 – 100%
0 – 0%
3–1%
Pretérito e
Presente do
indicativo
Futuro do
indicativo
Tempos do
Subjuntivo
Primeiramente, vale destacar que a maioria dos dados encontrados no corpus se
caracteriza por estruturas verbais complexas formadas por auxiliares conjugados em
tempos verbais do modo indicativo (80% para os tempos pretérito e presente do
indicativo e 14% para o futuro do indicativo). Em contextos de complexos verbais
formados por auxiliares no modo indicativo, os pronomes distribuem-se pela aplicação
dos 4 fatores considerados para a variável dependente, sendo, nesse âmbito, as únicas
estruturas que manifestam a aplicação da variante pré-complexo verbal. Observem-se, a
140
seguir, alguns exemplos que podem demonstrar que o comportamento dos pronomes
átonos em relação à posição que ocupam nos complexos verbais com auxiliares em
tempos do indicativo admite as tendências verificadas na exploração das demais
variáveis:
(80) Quando a seca chega ao nordeste é um problema muito grande não se pode
plantar milho, arroz e feijão por causa da seca as lagoas secam. (dissertação,
masculino, público, 3º ano)
(81) Isto mostra que para chamar a atenção, por um positivo, precisa-se ter
uma pessoa com o corpo dentro dos padrões exigidos pela sociedade.
(dissertação, masculino, público, 3ºano)
(82) Eu não estava no local nesse dia, mas meus amigos vieram me contar o
que aconteceu. (narração, masculino, particular, 9º ano)
(83) O homem vai até a casa de Augusto e revoltado chama pelo pai do menino.
Seu Armando vai atendê-lo rapidamente, com o objetivo de acalmá-lo.
(narração, feminino, particular, 3º ano)
(84) Com isso, muitos sofreram, injustiças, ja que bons alunos perderão a vaga
por causa de um negro que irá ocupa-la. (dissertação, masculino, público,
9ºano)
(85) Creio que com a legalização do aborto corremos muitos riscos, por
exemplo, as doenças sexualmente transmissíveis poderão se proliferar em um
alto número de casos. (dissertação, feminino, particular, 3º ano)
Os exemplos 84 e 85 permitem verificar, em especial, o comportamento do
clítico pronominal em contextos de complexos verbais cujos auxiliares se encontram no
futuro do indicativo. Os exemplos demonstram a aplicação das variantes V1 cl V2 e V1
V2-cl. Cabe lembrar que, nos casos de V1 em tempos de futuro, a colocação
recomendada pela tradição gramatical, em contexto sem elemento “atrator”, seria a
mesoclítica, colocação que nem sequer se manifestou no corpus. Observando-se os
141
dados expostos na tabela e os exemplos apresentados, percebe-se que, nos contextos de
(semi-)auxiliares nos tempos do futuro, o clítico tem por opção preferencial a ligação ao
segundo verbo, o que constitui forte evidência da opção tida como natural no PB, a
colocação proclítica a V2 (60%).
Em relação aos tempos do subjuntivo, cabe mencionar que se esperavam
ocorrências da variante cl V1 V2 como decorrência da atuação de elementos
subordinativos, que exerceriam atração do pronome. Entretanto, as duas únicas
ocorrências de clíticos em complexos verbais com V1 em tempos do subjuntivo
aplicaram a variante V1 cl V2, como ilustram os exemplos 86 e 87, reafirmando a
produtividade dessa opção no corpus investigado.
(86) Essa era a hora para a fuga, pensou a menina, então ligou para Cassio e
pediu para que ele fosse a pegar naquele momento (narração, feminino,
particular, 9º ano)
(87) Não é só com a beleza, com perfeição que podemos por exemplo, amar
alguém que goste da gente e que possa nos trazer a felicidade (dissertação,
feminino, público, 3º ano)
Quanto às poucas ocorrências de V1 expresso por formas nominais (10 dados),
os resultados obtidos demonstram que o infinitivo e gerúndio não parecem exercer
efeito sobre o condicionamento do fenômeno em estudo. Destaque-se que todas as
ocorrências de V1 em gerúndio (3/3 dados) se caracterizam pela aplicação da variante
intra-complexo verbal sem hífen, assim como a maioria das ocorrências (5/7 dados) de
V1 em infinitivo. Observem-se os seguintes exemplos acerca do comportamento
descrito.
(88) Ele viu que também não estava em casa tentando se recordar do que havia
acontecido. (narração, feminino, público, 3º ano)
(89) Sem se preocupar com o que pensam lá fora; só você mesmo tentando o
encaixar nos padrões do mundo. (narração, feminino, particular, 3º ano)
142
(90) Quando chegamos lá eu chegava a olhar para o meu cunhado querendo se
levantar mas se ele se levantasse poderia se prejudicar.(narração, masculino,
público, 9º ano)
(91) A violência no Rio de Janeiro segundo algumas autoridades vem crescendo
pelo fato de muitos policiais estarem se envolvendo com bandidos e traficantes.
(narração, masculino, particular, 3º ano)
(92) O bom uso da língua portuguesa, hoje-em-dia, fica restrita àqueles que
verdadeiramente sabem as suas particularidades, e também aos que se
interessam pelo tema, e isto é preocupante, pois saber usar o português é saber
se expressar. (dissertação, masculino, 3º ano, particular)
(93) Se esse mero detalhe as pessoas já perderam a personalidade para tentar
parecer-se com a personagem perdendo sua essência, o que ocorreria se a
rádio, a televisão e a internet influenciasse o uso de anabolizante. (dissertação,
masculino, público 3º ano)
(94) Muitos autores laçam mão desse recurso para transpor suas idéias e poder
espalhá-las, ora porque seja a mesma deles fazê-lo, ora seja porque é mais fácil
de entrar na cabeça das pessoas (dissertação, masculino, particular, 9º ano)
Com base nos dados obtidos e exemplificados, em se tratando de formas
nominais, verbos auxiliares tanto no infinitivo como no gerúndio não demonstram
influenciar no condicionamento da ordem do pronome átono nos complexos verbais;
registram, na maioria das ocorrências, a variante prototípica do corpus. Nesses
contextos, os alunos demonstraram preferência pelas variantes que posicionam o clítico
às margens do verbo principal, destacando-se que todas as ocorrências apresentam
clíticos que representam argumentos de V2, o que, permite afirmar, mais uma vez, a
tendência dos clíticos pronominais a se posicionarem junto aos verbos que lhes
atribuem papel temático.
143
d) Tipo de complexo verbal
Tabela 15: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o tipo de complexo verbal.
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
0 – 0%
0 – 0%
22 – 81%
8 – 18%
30 – 19%
2 – 8%
0 – 0%
13 – 58%
8 – 34%
23 – 15%
Precisar+inf.
0 – 0%
1 – 20%
4 – 80%
0 – 0%
5 – 3%
Começar a+ inf.
0 – 0%
0 – 0%
9 – 65%
5 – 35%
4 – 9%
Poder/Dever+inf.
13 – 18%
25 – 38%
24 – 34%
7 – 10%
69 – 50%
0 – 0%
0 – 0%
9 – 100%
0 – 0%
9 – 5%
Tentar/querer
+inf.
Vir/ir+inf.
Ter de/que+inf.
1 00 %
100%
8 1%
8 0%
80%
5 8%
6 5%
60%
34%
19%
10%
V1–cl V2
de
/q
ue
+i
nf
.
/D
V1 cl V2
Te
r
in
f
0%0% 0%
ev
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a
Cl V1 V2
0% 0% %
0
0%
0%
Po
de
r
8%
0%
0%
0%
3 4%
18%
%
20
C
om
20%
%
38
%
35
40%
V1 V2-cl
Gráfico 8: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais
com infinitivo consoante o tipo de complexo verbal.
A respeito da variável tipo de complexo verbal, inicialmente, torna-se relevante
destacar que as estruturas formadas por poder/dever + infinitivo foram as mais
frequentes no corpus (50%). Saliente-se, ainda, que essa estrutura foi a única que
manifestou a colocação do clítico pronominal por meio das quatro variantes da variável
dependente. Em relação aos outros tipos de complexos verbais, os complexos formados
por poder/dever + infinitivo manifestaram índices mais expressivos das variantes précomplexo verbal (18%) e intra-complexo verbal com hífen (38%). Expõem-se a seguir
144
algumas ocorrências que podem exemplificar o comportamento da ordem dos clíticos
pronominais com tais estruturas.
(95) O que não se deve deixar acontecer é se dar atenção demais para o lado de
fora, e de menos para o lado de dentro (dissertação, masculino, público, 3º ano)
(96) É uma pena... pois o que se deveria achar é que não existe um único e
grande culpado nessa história. (dissertação, masculino, público, 3º ano)
(97) A comunicação pode-se expandir em várias formas diferentes, podemos
dizer que o mundo é o que é hoje por ação do homem (dissertação, masculino,
particular, 3º ano)
(98) Deixam de conhecer o interior das pessoas que tem ou passaram a ter
algum defeito físico, se é que pode-se dizer que existe defeito. (dissertação,
feminino, público, 3º ano)
(99) Este tipo de coisa se mostra muito mais forte entre as mulheres, pois apesar
de ter acontecido a “pseudo-revolução dos sexos” ainda hoje cabe a elas
muitas das vezes a valorização pela beleza e só esse caminho pode as fazer
melhor ou pior. (dissertação, feminino, público, 3º ano)
(100) Sim, você poderia me dizer qual foi o seu aprendizado com essa história
toda? (narração, feminino, particular, 9º ano)
(101) Acredito que todos deveriam se importar com o interior, com a
personalidade e a essência de cada um. (dissertação, feminino, público, 3º ano).
(102) Depois disso nunca mais vai esquecer a camisinha, até que poderia
disseminar-se por todo o Brasil. (narração, masculino, público, 3º ano)
145
Todas os dados da variante cl V1 V2 em complexos formados por auxiliares
modais ocorreram na presença de elementos tradicionalmente reconhecidos como
operadores de próclise, conforme podem ilustrar os exemplos 95 e 96, em que figuram
respectivamente não (advérbio de negação) e que (pronome relativo). Os exemplos 97 a
101 permitem visualizar manifestações da colocação intra- complexo verbal com hífen e
sem hífen. Os resultados expostos na tabela 15 permitem visualizar que a distribuição
dos dados, no que concerne aos contextos de poder/dever + infinitivo em relação às
variantes V1-cl V2 e V1 cl V2, se deu de maneira semelhante, tendo sido registradas 25
e 24 ocorrências respectivamente. Destaque-se, ainda, para esse tipo de complexo verbal
que todas as ocorrências da variante intra-complexo verbal com hífen correspondem à
aplicação do clítico se indeterminador/ apassivador, conforme demonstram os
exemplos 97 e 98; já as ocorrências da colocação intra-complexo verbal sem hífen
demostram o uso de diferentes tipos de clíticos pronominais, assim como se verifica nos
exemplos de 99 a 101. Em relação à colocação pós-complexo verbal, pode-se verificar
que, dos sete dados obtidos com complexos do tipo poder/ dever + infinitivo, seis
demonstram o uso do clítico acusativo o/a e apenas um o clítico reflexivo/inerente,
conforme demonstrado no exemplo 102.
Todos os outros tipos de complexos exibiram índices percentuais maiores para a
variante intra-complexo verbal sem hífen. Destaque-se que as estruturas formadas por
ter que/de + infinitivo apresentaram comportamento categórico em relação à aplicação
dessa variante. Observem-se alguns exemplos:
(104) O pior momento de uma pessoa que recebe o diagnóstico de uma
doença de campanha preventiva é quando ela
tem que se relacionar
socialmente. (narração, masculino, público, 3º ano)
(105) Nele pode-se ter casos que realmente precise dessa atitude, mesmo
assim sendo errado, mais por outro lado, tem que se pensar na vida que está
prestes a ser perdida (dissertação, masculino, particular, 3º ano)
(106) Os habitantes da roça muitas vezes não estão atualizados e querem se
atualizar mais com as novidades. (dissertação, feminino, particular, 9º ano)
146
De modo geral, o comportamento que se destaca em relação à variável tipo de
complexo verbal consiste no fato de que, no PB, no âmbito da escrita escolar, a
colocação pronominal às adjacências de V1 está circunscrita a estruturas específicas,
representadas, por complexos verbais formados pelos auxiliares modais poder e dever.
Além disso, pode-se destacar o registro categórico da estrutura V1 que cl V2. Por fim,
registre-se que os exemplos apresentados sugerem que a variável tipo de clítico interage
com a variável tipo de complexo, de modo que, enquanto a variante cl V1 V2 é
registrada com o se indeterminador/apassivador, a variante V1 V2 cl é favorecida pelo
clítico acusativo o,a(s).
e) Elemento antecedente ao grupo clítico complexo verbal
Os resultados apresentados a seguir demonstram atuação dos elementos que
antecedem o grupo clítico complexo verbal no âmbito de atração do pronome.
Tabela 16: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
Cl V1 V2
V1–cl V2
V1 cl V2
V1 V2-cl
Total
7 – 35%
0 – 0%
11 – 55%
2 – 10%
20 – 13%
4 – 19%
2 – 9%
9 – 42%
6 – 28%
21 – 13%
2 – 16%
1 – 8%
5 – 68%
1 – 8%
12 - 7%
SN Sujeito
1 – 2%
2 – 4%
29 – 69%
11 – 25%
43 – 32%
Conjunção
coordenativa
1 – 5%
1 – 5%
11 – 55%
7 – 35%
20 – 13%
Preposição
0 – 0%
3 – 37%
4 – 53%
2 – 10%
8 – 5%
0 – 0%
0 – 0%
3 – 75%
1 – 25%
4 – 2%
0 – 0%
9 – 57%
6 – 37%
1 – 6%
16 – 10%
0 – 0%
6 – 75%
2 – 25%
0 – 0%
8 – 5%
Partícula de
negação .
Elememento
subordinativo
Advérbios e
Locuções
adverbiais
Elemento de
inclusão
Inicio
Período
Inicio oração
147
Gráfico 9: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com
infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal
A colocação pré-complexo verbal ocorreu apenas nos contextos em que se
verificou a presença da partícula de negação, elemento subordinativo, advérbios e
locuções adverbiais, SN sujeito e conjunção coordenativa como elemento antecedente
ao grupo clítico-complexo verbal. Desses contextos, a partícula de negação foi o
contexto que apresentou os índices mais altos da variante cl V1 V2 (35%), sendo o
único que ultrapassou o valor médio de realização para cada variante, que seria de 25%.
Em segundo lugar, com produtividade de 19%, aparecem os elementos subordinativos.
Verifiquem-se alguns exemplos da próclise ao complexo, que ilustrariam o reduzido
efeito de atração nos textos escolares:
(106) Tudo o que se quer às vezes não se pode ter, mas mesmo não podendo
você continua a querer. (dissertação, feminino, particular, 9º ano)
(107) Quando a seca chega ao nordeste é um problema muito grande não se
pode plantar milho, arroz e feijão por causa da seca as lagoas secam.
(dissertação, masculino, público, 3º ano)
148
(108) Sem muito esforço não se importando se lhe vai ocorrer a impotência
sexual ou ataque cardíaco. Para eles e para todos isso vale tudo. (dissertação,
feminino, público, 3º ano)
(109) A conclusão que se pode tirar é que escolher caminhos faz parte da vida
(dissertação, feminino, particular, 9º ano)
(110) Enfim, quando um dos homens o iria mandar embora outro chegou
dizendo que ele teria que varrer marcado. (narração, masculino, particular 3º
ano)
De todo modo, é preciso destacar que a variante proclítica ao complexo não
constitui a opção preferencial nos contextos com partículas de negação e elementos
subordinativos, visto que os índices de realização da colocação V1 cl V2 são os mais
altos.
Os elementos adverbiais, a conjunção coordenativa e o SN sujeito demonstraram
clara preferência pela variante intra-CV sem hífen, tendo apresentado raras ocorrências
da próclise ao complexo, como nos dados que se seguem.
(111) Hoje, temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com
os ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa.
(dissertação, feminino, particular, 3º ano)
(112) Enfim, quando um dos homens o iria mandar embora outro chegou
dizendo que ele teria que varrer marcado. (narração, masculino, particular, 3º
ano)
(113) As pessoas, principalmente dessa parcela, devem ser respeitadas
dignamente, pois apesar de tudo, somos todos seres humanos, e nos devemos
tratar com respeito (dissertação, masculino, público, 9º ano)
Observando-se os contextos em que figurava o grupo clítico-complexo verbal
diante de preposições, elementos de inclusão, posição inicial de oração ou posição
inicial de período, os alunos não consideraram a variante cl V1 V2 como opção de
149
colocação do clítico pronominal; para esses casos, verificaram-se, também, baixos
índices percentuais da colocação pós-complexo verbal. Destaque-se que os casos de
posição inicial de período ou de oração constituem os únicos contextos em que a
próclise a V2 não é a opção preferencial; nesses contextos, verificaram-se maiores
índices da variante V1-cl V2, respectivamente 57 % e 75 %. Apesar de as estruturas em
questão corresponderem a casos de poder/dever + cl + infinitivo, como podem
representar os exemplos 114 e 115 a seguir, é digno de nota que a escola introduz essa
variante na escrita escolar.
(114) Pode-se dizer que estilos musicais são formadores de grupos sociais, pois
ao escolher um, o adolescente pode se identificar com outros que têm o mesmo
gosto. (dissertação, masculino, particular, 9º ano)
(115) Tendo em vista os argumentos acima citados, pode-se perceber que a
música desempenha muitas e importantes funções nessa fase intermediária da
vida. (dissertação, masculino, particular, 9º ano)
Diante de preposições e elementos de inclusão, os alunos demonstraram preferir
a colocação intra-complexo verbal sem hífen, não tendo sido registrada, para os
contextos de elemento de inclusão, qualquer aplicação da variante V1-cl V2. Observemse os exemplos que podem ilustrar o comportamento do fenômeno nesses contextos:
(116) Sinto que as pessoas acabam de certa maneira abrindo mão de suas vidas
para tentarem se igualar às estrelas de Celebridade, ou às dançarinas do “É o
Tchan” (dissertação, masculino, público, 3º ano)
(117) Se a pessoa for rica, ainda consegue se livrar deste peso, contratando
uma babá, que não passa de uma vítima assalariada. (dissertação, masculino,
público, 9º ano)
Em linhas gerais, para a maioria dos fatores considerados na variável elemento
antecedente ao grupo clítico-complexo verbal, observou-se a preponderância da
colocação intra-complexo verbal sem hífen, tendo-se registrado para alguns dos fatores
não considerados pela tradição gramatical operadores de próclise maior número de
150
ocorrências, sejam eles o SN sujeito, a conjunção coordenativa e os elementos de
inclusão. Exceção a esse comportamento se deu nos casos de início de período e de
oração, para os quais a variante V1-cl V2 se mostrou como preferência, consoante o que
propõe a tradição gramatical. Observem-se a seguir alguns exemplos de uso da variante
V1 cl V2:
(118) A partir do exposto é possível concluir que a sociedade precisa se
informar antes de opinar, pois muitas pessoas são contra, mas não têm
argumentos para sustentar sua opinião. (dissertação, feminino, particular, 3º
ano)
(119) Ela já em prantos disse que iria se tratar e ficar boa. (feminino, narração,
público, 3º ano)
(120) Porém logo pensei: que bobagem a minha, o nome de uma rua não vai me
influenciar em nada. (dissertação, feminino, público, 3º ano)
(121) Sempre achamos que a violência só acontece pela televisão e nunca irá
nos acontecer. (narração, feminino, particular, 3º ano)
Como os exemplos permitem verificar, a aplicação da colocação intra-complexo
verbal sem hífen ocorre até mesmo nos contextos em que se dá a presença de elementos
proclisadores, o que demonstra que a ação desses elementos não é implementada pela
escola de forma geral; antes, ocorre em contextos bem específicos. Nota-se, a partir dos
exemplos 118, 119, 120 e 121, que a ordem dos pronomes átonos nos contextos de
complexos verbais, de acordo com a realidade do corpus analisado, está antes
relacionada com outros aspectos que não o elemento que antecede o grupo clítico
complexo verbal, pois se verifica em tais exemplos o uso dos clíticos de primeira pessoa
e do clítico reflexivo inerente, pronomes que, como já apresentado anteriormente,
demonstram tendência a adjacência a V2. Ratificando tal informação, expõem-se a
seguir alguns exemplos que demonstram a aplicação da variante V1 V2-cl em contextos
nos quais também se verificam operadores de próclise como elemento imediatamente
anterior ao grupo clítico complexo verbal, contextos em que, não fosse a tendência já
apresentada em posicionar-se o clítico acusativo de terceira pessoa em posição pós-
151
verbal, em se tratando de verbos no infinitivo, seria esperado, em termos normativos,
novamente o emprego da variante cl V1 V2.
(122) Com isso, muitos sofreram, injustiças, ja que bons alunos perderão a vaga
por causa de um negro que irá ocupa-la. (dissertação, masculino, público,
9ºano)
(123) Salomão mesmo não sabendo a fortuna que o diamante valia, sabia que
ele poderia tira-lo dessa pobreza. (narração, masculino, particular, 9º ano)
(124) Eu gosto muito dele e não quero perdê-lo. (narração, masculino, público,
9º ano)
(125) Portanto, os jovens utilizam a música para diversas finalidades, assim
essa exerce sobre eles coisas que irão marcá-los por toda sua vida. (dissertação,
masculino, particular, 9º ano)
Por todo o exposto, pôde-se perceber que a escola não parece conseguir
implementar a regra de atração de pronomes no contexto de complexos verbais como
um todo, visto que, mesmo na presença de elementos considerados operadores de
próclise, há maior número de dados da variante preferencial do corpus – V1 cl V2. No
entanto, não se pode negar a introdução, nos textos escolares, de dados que seriam um
reflexo da tentativa de respeitar a referida regra de atração, como aqueles em que se dá a
anteposição do pronome átono ao complexo verbal. Destaque-se, ainda, que nos casos
muito marcados, como os de início de período e de oração, os textos registram a
preferência pela variante V1-cl V2.
152
6. CONCLUSÃO
Acredita-se que a presente investigação tenha cumprido o objetivo geral de
cooperar com o conhecimento das normas de uso que se estabelecem em relação à
ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais no Português do
Brasil. Cumprindo os objetivos específicos propostos na introdução deste trabalho, os
resultados obtidos contribuem para a descrição do fenômeno na modalidade escrita do
PB, especialmente no que concerne à escrita escolar, verificando a interferência da
aprendizagem formal no comportamento lingüístico dos estudantes. A análise dos dados
– com vasta exploração qualitativa das ocorrências e análise da distribuição quantitativa
pelos contextos controlados – permitiu averiguar os fatores que influenciam os alunos
quanto à escolha pela colocação pré-complexo verbal ou cl V1 V2 (se pode analisar),
intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2 (pode-se analisar), intra-complexo verbal
sem hífen ou V1 cl V2 (pode se analisar), e pós-complexo verbal ou V1 V2-cl (pode
analisar-se).
Com base na exposição dos resultados obtidos por outros pesquisadores (cf,
capítulo 2), que tratam do fenômeno não só no âmbito dos complexos verbais, mas
também em contextos de lexias verbais simples, este estudo pôde traçar hipóteses de
trabalho. De modo a testar tais hipóteses, formulou diversas variáveis lingüísticas (cf.
seção 4.3), que foram devidamente tratadas consoante o arcabouço teóricometodológico da Sociolinguística Variacionista de orientação Laboviana (cf. seção 3.1).
A fim de dar conta de uma faceta do tema da cliticização pronominal (cf. seção 3.2),
que diz respeito ao parâmetro da precedência, conforme proposta de Klavans (1985), o
tratamento dos dados valeu-se do instrumental técnico-computacional Goldvarb-2001
(cf. seção 4.2).
Considerando todas as ocorrências de clíticos pronominais (222 no total) em
complexos verbais coletadas em 448 redações escolares – textos narrativos e
dissertativos produzidos em escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro –, foi possível
depreender os fatores estruturais e sociais atuantes no comportamento dos dados da
ordem dos clíticos pronominais. A análise dos resultados (cf. capítulo 5), que tomou por
base os índices percentuais obtidos para os fatores constitutivos de cada uma das
variáveis linguísticas e extralinguísticas, considerou três subamostras do conjunto de
dados, levando em conta cada forma do verbo principal – particípio, gerúndio ou
infinitivo –, em razão da configuração particular da regra variável.
153
A produtividade dos dados obtidos foi diferenciada a depender da forma do
verbo principal: das 222 ocorrências de clíticos pronominais, 155 se encontram em
complexos formados por infinitivo, 52 em complexos formados por gerúndio e apenas
15 em complexos formados por particípio. Em razão do baixo número de ocorrências de
estruturas complexas gerundivas e participiais, optou-se por uma descrição
particularizada das ocorrências, buscando depreender o padrão geral da colocação
pronominal verificado nas redações em função do tipo de estrutura verbal encontrado.
No caso dos infinitivos, foi possível desenvolver uma abordagem quantitativa dos dados
em função dos grupos de fatores que mostraram comportamento diferenciado quanto à
concretização da regra variável.
Considerando-se a distribuição geral dos dados, independentemente da forma do
verbo principal dos complexos, a variante V1 cl V2 revelou-se como preferência na
escrita dos alunos, configurando uma espécie de variante natural, prototípica,
compatível com o que alguns estudos sobre o fenômeno supõem ser a colocação não
marcada no vernáculo brasileiro, a próclise ao verbo temático. Analisando-se
separadamente os complexos de acordo com a forma do verbo principal, verificaram-se
tendências diferenciadas a respeito da ordem dos clíticos pronominais.
Quanto aos 52 complexos formados por gerúndio, verificaram-se ocorrências de
pronomes átonos em três tipos de estruturas: ir/vir + gerúndio, acabar + gerúndio e
estar + gerúndio, sendo esta a que mais ocorreu no corpus. Com as construções
gerundivas, os textos escolares não apresentaram uma variável eneária, conforme se
estipulou inicialmente; antes, só foram registradas as variantes V1 cl V2 (estavam me
matando) e V1 V2-cl (estava procurando-o). O conjunto das estruturas abriga o clítico
na maioria das vezes na posição intra-complexo verbal sem hífen, havendo apenas 9
dados da ênclise ao complexo. Em termos de regularidade observada, verificou-se
apenas que esses poucos casos de ênclise introduzida pela escola se constroem com os
pronomes o,a (s) e se do tipo reflexivo/inerente.
As 15 ocorrências de complexos verbais formados por particípio revelaram uma
configuração particular da regra variável, também binária, tendo sido distribuídas quase
igualmente pelas variantes V1 cl V2, concretizada com o auxiliar ter ou haver (tinha se
espalhado, havia lhe dito), e cl V1 V2, concretizada com a estrutura passiva com o
auxiliar ser (lhe foi assegurada). Saliente-se que os dados de complexos verbais
formados por V2 particípio não manifestaram aplicação da variante V1 V2-cl, o que
está de acordo com a proposta das gramáticas prescritivas acerca do tema e confirma o
154
caráter mais nominal / menos detensivo da forma participial (cf. VIEIRA, 2002). Cabe
destacar, ainda, que a opção preferencial pela variante V1 cl V2 não se verifica em
contextos de voz passiva, sendo para esses casos a colocação pré-complexo verbal a
tendência observada, independentemente da presença de elemento proclisador e do tipo
de clítico em questão. Desse modo, entende-se ser a construção cl + ser + V2 a opção
natural do corpus e, pelo testemunho de outros estudos variacionistas com complexos
verbais, a preferencial na variedade brasileira. Não se trata, portanto, da implementação
do mecanismo proclisador pela ação da educação formal, mas um tipo específico de
estrutura.
As 155 ocorrências de clíticos pronominais em estruturas cujo verbo principal se
encontra no infinitivo revelaram, de fato, comportamento variável consoante as quatro
posições estabelecidas inicialmente para a variável dependente. Pode-se perceber, em tal
contexto, que, embora seja expressiva, mais uma vez, a preferência dos alunos pela
variante V1 cl V2 (55%), a educação formal acaba por implementar as demais variantes
em determinados contextos na escrita escolar. A respeito desses contextos de
concretização particular da ordem dos clíticos, os resultados permitem delinear as
seguintes tendências:
(a) quanto à variante pré-complexo verbal:
A variante cl V1 V2 mostrou-se produtiva nos contextos em que se dá o uso do
clítico indeterminador/apassivador, especialmente quando associado a auxiliares
modais, havendo, ainda que de forma secundária, a influência de um elemento de
negação em contexto imediatamente anterior. Desse modo, os alunos por vezes
atentariam aos casos mais marcados de atração do pronome, em se tratando do clítico
apassivador/indeterminador, clítico que demonstrou tendência a posicionar-se às
margens do verbo auxiliar, estando proclítico (não se pode plantar) ou enclítico a V1,
como se descreve a seguir.
(b) quanto à variante intra-complexo verbal com hífen:
A aplicação da variante V1-cl V2 demonstrou estreita relação com os contextos
de complexos verbais formados por dever/ poder + infinitivo quando combinados com o
uso do clítico indeterminador/apassivador, já que, das 26 ocorrências dessa variante, 25
registraram a ênclise a V1. Saliente-se que, em muitas dessas ocorrências, os pronomes
155
aparecem em posição inicial absoluta de oração/período, o que demonstra um respeito à
recomendação tradicional de não se iniciar frase por pronome átono.
(c) quanto à variante pós-complexo verbal:
A variante V1 V2-cl demonstrou estar condicionada ao uso do clítico acusativo
de terceira pessoa, registrado em 28 das 31 ocorrências. Essa tendência mostrou-se
expressiva em todos os contextos, inclusive naqueles em que ocorrem elementos
considerados operadores de próclise.
Delimitados os contextos de concretização particular da ordem, reafirma-se que
a posição preferencial verificada nos textos é proclítica ao verbo principal. Essa
preferência é confirmada nos contextos em que se verifica elemento interveniente no
complexo, especialmente as preposições (como a, em começar a; de, em ter de) e a
partícula que (em ter que). Nessas estruturas, o pronome átono, quando interno ao
complexo, posiciona-se sistematicamente após o elemento interveniente, como se dá em
(o ser) começa a se formar, temos de nos preocupar, (as pessoas) tem que se
conscientizar. Quanto ao tipo de pronome, saliente-se que, excetuando-se aqueles que
apresentaram comportamento particular, já apresentados, os demais clíticos – os de
primeira e segunda pessoa, bem como o se reflexivo/inerente – registraram maiores
índices da ordem não marcada, a V1 cl V2.
Cabe destacar, ainda, que, embora não se tenha verificado na amostra a ação
sistemática da tradicional regra de atração pronominal – visto que, mesmo na presença
de elementos considerados operadores de próclise, há maior número de dados da
variante preferencial, a V1 cl V2 –, os índices de próclise a V2 se alteram consoante a
ação dessa variável. Desse modo, são menos expressivos na presença de alguns atratores
tradicionais (em que se aumenta a próclise a V1) e no início absoluto de oração/período
(em que se dá a ênclise a V1).
Os resultados lingüísticos ora sistematizados permitem caracterizar as opções de
cliticização pronominal em complexos verbais tomando por base a escrita escolar de
forma acurada e precisa. Nesse contexto, é ingênuo supor que o PB concretize em todo
e qualquer tipo de complexo a variante proclítica a V2, que é, sem dúvida, a estrutura
preferida no PB vernacular como um todo, como confirmam outros estudos sobre o
tema. É preciso atentar para o fato de que determinadas construções – como a voz
passiva de ser (“não me é permitido”, e não “não é me permitido”) ou, ainda, estruturas
156
indeterminadoras, especialmente com verbos modais (preferencialmente “pode-se
agradar a todos” e não “pode se agradar a todos”; “não se pode agradar a todos”, e
não “não pode se agradar a todos”) – chegam a apresentar preferência pela próclise ao
complexo verbal. Em casos específicos da escrita padrão, também há contextos de uso
natural da ênclise a V1 e da ênclise a V2. Sem dúvida, o contraste com resultados de
dados orais contemporâneos será fundamental para testar o caráter mais ou menos geral
dessas tendências na variedade brasileira como um todo.
No
âmbito
das
variáveis
extralinguísticas,
merece
sistematização
o
comportamento verificado para os grupos de fatores nível de escolaridade, tipo de
instituição e modo de organização discursiva. Embora o tratamento das ocorrências
tenha permitido observar que diferenças na distribuição percentual dos dados se
aliavam, por vezes, à influência de fatores linguísticos, foi possível verificar maiores
índices da variante V1 cl V2 nos seguintes casos: (1) nos textos com predominância do
modo de organização narrativa; (2) nos textos produzidos por alunos da escola pública;
e (3) nos textos dos alunos do ensino médio.
Quanto ao modo de organização discursiva, o resultado confirmou a hipótese de
que os textos narrativos seriam favorecedores da colocação V1 cl V2, refletindo
características lingüístico-discursivas próprias desse modo de organização textual.
Consoante as intenções comunicativas envolvidas, que aproximariam as narrativas das
situações mais espontâneas de interação, a próclise a V2 considerada vernacular
encontrou espaço para maior manifestação.
Os resultados do tipo de instituição escolar também confirmaram a hipótese
inicial, visto que os textos produzidos por alunos das escolas privadas apresentaram
maiores índices das variantes consideradas “normais” pelos manuais prescritivos – V1cl V2 e V1 V2-cl. Confirma-se, assim, a hipótese, proposta em Machado (2006), de que
esse tipo de escola teria por tendência maior compromisso com a divulgação de formas
prestigiosas. De todo modo, sublinha-se aqui que a pluralidade de escolas e modelos
pedagógicos requer, para a análise dessa variável, a consideração de outros fatores
relacionados ao perfil sociocultural do estudante e ao método de ensino empregado.
No que se refere ao nível de escolaridade, não se comprovou a hipótese inicial
do trabalho, aqui repetida, de que as redações de alunos do 3º ano do ensino médio
apresentariam maior produtividade das variantes contempladas nas referências
tradicionais, o que refletiria uma implementação gradativa da norma prescrita pela
tradição gramatical na manifestação lingüística dos alunos. Aventou-se, na análise dessa
157
variável, a suposição de que esse resultado se relacione a características não
propriamente restritas ao nível de escolaridade no qual se encontram os aluno, mas a
outros aspectos psicossociais que estejam, mesmo que indiretamente, relacionados à
aceitação de modelos por parte dos alunos, hipótese cuja investigação não caberia nos
limites do presente trabalho.
Em linhas gerais, os resultados obtidos, aliados aos oferecidos pelos demais
estudos considerados na pesquisa, permitem verificar que o uso e a ordem dos clíticos
pronominais fazem parte do processo de aprendizagem desenvolvido nas escolas. Fica
evidente que a educação formal introduz certos clíticos pronominais (como as formas
o,a(s) e lhe), que normalmente não fazem parte do conhecimento gramatical adquirido
por falantes brasileiros, e, ainda, certas posições que não parecem usuais.
Nesse âmbito, os resultados obtidos são fortemente reveladores do processo de
aprendizagem de estruturas que configuram uma “gramática” muitas vezes pouco
familiar ao aluno brasileiro. É curioso observar que o uso de pronomes pouco
registrados na norma vernacular brasileira, como o pronome o, a (s) para a expressão do
objeto direto – que costuma ser preenchido por SN, categoria vazia ou pela forma reta
(ele, ela, eles, elas) – e a forma se como estratégia de indeterminação – pouco produtiva
quando comparada ao uso de você, a gente, e outras formas de indeterminação –, acaba
por ser incorporado à escrita do aluno conjuntamente com opções de ordem pronominal
que também não são familiares no padrão geral da fala. Os referidos clíticos
pronominais introduzidos e/ou treinados pela instrução formal manifestam-se no corpus
majoritariamente pela aplicação das variantes que refletem a colocação lusitana, em que
se baseiam as prescrições gramaticais. Corrobora a falta de intimidade dos alunos com o
uso dos pronomes átonos o reduzido número de clíticos com os quais se pôde contar
para a realização desta pesquisa. Ainda assim, é importante sublinhar que, com a
experiência de letramento vivenciada na escola, que dá acesso a diversos gêneros
textuais, o aluno acaba por reconhecer e às vezes produzir estruturas que não são
normalmente tidas como vernaculares, como a ênclise a V1 e a V2. Segundo Kato
(2005), a aprendizagem dessas estruturas acabaria por configurar, ao lado da gramática
vernacular, o acesso a uma gramática periférica, por assim dizer a gramática do letrado.
A título de reflexões sobre o ensino do fenômeno em estudo, acredita-se que a
prioridade dos procedimentos escolares deveria ser a capacitação dos alunos de maneira
que os fizesse interagir na leitura e na produção de diversos tipos e gêneros textuais,
tornando-os verdadeiros atores nas atividades discursivas e textuais. Desse modo, os
158
alunos passariam a reconhecer os clíticos pronominais como meios dos quais os textos
lançam mão e dos quais eles próprios também poderiam lançar mão para construir
estratégias de comunicação que se mostrassem eficazes em certos gêneros textuais,
tanto na modalidade escrita quanto na modalidade falada, na medida em que esses
elementos desempenham importante função no processo de referenciação anafórica, por
exemplo.
A simples apresentação de regras que regem a colocação pronominal,
reproduzida por alguns manuais escolares e implementada pela tradição gramatical, não
permite que os alunos reconheçam as características estruturais e sociais que se
relacionam ao tema. O desenvolvimento de um estudo arbitrário do fenômeno termina
por apresentar aos alunos uma norma extremamente diferente daquela que vivenciam.
Os resultados obtidos com esta pesquisa puderam evidenciar que diversos
fatores estão relacionados à colocação pronominal, sobretudo as diferenças que se
estabelecem na construção de textos cujas intenções comunicativas podem ser
extremamente diversificadas. Acredita-se que o reconhecimento da influência de fatores
externos à língua e a combinação entre estes e os fatores linguísticos façam com que os
alunos passem as reconhecer as características que afetam a ordem dos clíticos. Tornase necessário incentivar o aluno a se interessar pelo conhecimento linguístico e a
maneira mais adequada de se proceder é não fazer desse procedimento um meio de
opressão lingüística, em que os alunos não reconheçam sua própria opção preferencial e
que sejam obrigados a considerá-la como erro ou como uma variante de segunda
categoria, num discurso que mais se aproxima ao de condescendência com a norma
brasileira (cf. Pagotto, 1998).
Por fim, espera-se que o presente estudo tenha colaborado com a expansão dos
conhecimentos acerca da ordem do clítico pronominal em complexos verbais na
variedade brasileira, especialmente em contexto de aprendizagem. Com o tratamento
variacionista dos dados da modalidade escrita, tendo como base a produção escolar, o
trabalho delineou os contextos de aplicação de cada variante da colocação pronominal
em estruturas verbais complexas, consoante variáveis lingüísticas e extralinguísticas.
Sem dúvida, as hipóteses interpretativas lançaram novas questões que fugiram aos
limites deste trabalho. Acredita-se que, na continuação da pesquisa, não se pode
prescindir, dentre outras tarefas, de aprofundar o conhecimento dos fatores sociais que
envolvem o perfil dos alunos nas diversas realidades escolares, bem como de ampliar o
número de séries escolares para, assim, avaliar melhor a implementação do fenômeno
159
na escrita escolar. Uma comparação detalhada do material produzido em maior número
de séries escolares com materiais acadêmicos produzidos por supostos escritores com
alto grau de letramento também configura desafio para o avanço da investigação. Por
ora, acredita-se que os resultados obtidos possam auxiliar a atividade docente em suas
diretrizes teórico-metodológicas, pois apresentam a realidade dos usos lingüísticos
correspondentes ao fenômeno estudado em contexto escolar.
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A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE