Universidade Federal do Rio de Janeiro A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO Adriana Lopes Rodrigues Coelho 2011 2 A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO Adriana Lopes Rodrigues Coelho Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira Rio de Janeiro Fevereiro de 2011 3 A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO Adriana Lopes Rodrigues Coelho Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa). Examinada por: ____________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Silvia Rodrigues Vieira – UFRJ ____________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte – UFRJ ____________________________________________________________________ Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ ____________________________________________________________________ Professor Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa – UFRJ, Suplente ____________________________________________________________________ Professora Doutora Ângela Marina Bravin dos Santos – UFRRJ, Suplente Rio de Janeiro Fevereiro de 2011 4 Rodrigues Coelho, Adriana Lopes. A ordem dos clíticos pronominais: uma análise sociolingüística da escrita escolar do Rio de Janeiro/ Adriana Lopes Rodrigues Coelho. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2011. xv, 163f.:il.;31cm Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2011 Referências Bibliográficas: f. 160-163 1. Ordem. 2. Clíticos. 3. Colocação Pronominal. 4. Sociolingüística. I. Vieira, Silvia Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. III. Título. 5 A minha família, razão de todas as lutas, motivo de todas as vitórias. 6 AGRADECIMENTOS Em primeiríssimo lugar, agradeço a Deus, presença constante, responsável por todas as maravilhas que acontecem em minha vida, fazendo-me entender cada momento difícil que se apresentou na trajetória acadêmica como um passo importante na construção de uma carreira abençoada; confiando na providência divina, muitas vezes, nos momentos de extrema exaustão, continuei acreditando que a vitória seria certa. A minha mãe, Rosangela, primeira orientadora de minha vida, tendo realizado um EXCELENTE trabalho; agradeço pelo incentivo constante ao progresso na vida acadêmica, pelos ensinamentos e valores repassados, pela confiança em minhas escolhas, pelo carinho imensurável e pelo amor incondicional. O seu apoio é um dos alicerces desta dissertação! A meu pai, Sebastião, que de seu jeito particular, sempre se mostrou orgulhoso de cada vitória alcançada, por reconhecer todo o meu esforço e por estar sempre pronto para qualquer ajuda que lhe fosse possível prestar. A meu marido, Anderson Dimitri, o biólogo que mais sabe sobre clíticos pronominais e sobre a sociolinguística Laboviana neste mundo, por ter, desde a época do vestibular, acreditado em mim, por inúmeras vezes, muito mais do que eu mesma e por estar sempre pronto para falar: “Lembra que você falava que não iria conseguir? Agora, olha só aonde você chegou”. Marido, obrigada por estar ao meu lado e “enlouquecer” junto a mim a cada dia! A minha irmã, Alessandra, pela dedicação que MUITAS vezes tomou traços maternais, por estar sempre presente em minha vida, pelas inúmeras noites de luzes acessas em proveito de meus estudos, pela vibração com as vitórias e apoio nos momentos difíceis e, ainda, pelo valioso auxílio com os gráficos. A meu irmão, Alessandro, por ser o maior divulgador de todas as minhas conquistas e, agora, mesmo morando num “reino tão tão distante”, torcer para o alcance de mais uma vitória. 7 Agradeço a Silvia Rodrigues por todos os ensinamentos e exemplos passados dia-a-dia, por ter me apresentado o universo científico e mostrado, da melhor maneira possível, o brilho da pesquisa linguística; agradeço por toda orientação, compreensão e inúmeras palavras de motivação, principalmente, “nesta reta finalíssima”. Às professoras Maria Eugênia e Christina Abreu por aceitarem compor a banca, assim como ao professor Afrânio Gonçalves e à professora Ângela Bravin pela gentileza de aceitarem se disponibilizar como suplentes. Às professoras Dinah Callou, Maria Cecília Mollica, Violeta Rodrigues, Aparecida Lino, Silvia Rodrigues, Márcia Machado, Lucia Helena e Maria Eugênia, que, ao longo da realização do mestrado, contribuíram com as brilhantes disciplinas ministradas, despertando o interesse por diversos temas que se pudessem relacionar com a presente investigação e, ainda, estando sempre dispostas a qualquer orientação que lhes fosse solicitada. A Maria de Fátima, amiga de todas as horas e companheira de toda esta jornada, desde a iniciação científica, sempre pronta para dizer que “tudo vai dar certo”; uma verdadeira parceira com quem pretendo continuar a compartilhar inúmeras aventuras acadêmicas e diversas experiências de vida. Aos amigos do grupo de pesquisa e àqueles que tomaram rumos diferentes do meu com o fim da graduação, pois fazem parte de cada pedacinho desta conquista; estiveram presentes em viagens, congressos, apresentações etc dando força nos momentos de “tensão” e muitas risadas, até mesmo quando não era adequado! Ciente de que são incontáveis os amigos que fizeram parte minha trajetória acadêmica, agradeço a Priscila Santos, a Cristina Márcia, a Danielly Cassimiro, a Olívia Maia, a Alessandra de Paula, a Maíra Paiva e a Vinícius Maciel que podem representar todos, pelo espírito de companheirismo que pudemos partilhar. 8 A todos os senhores e senhoras “alto padrão” do QT-4/2011, os melhores oficiais da MB; amizade recente, que se constrói no difícil momento em que estamos aprendendo a ser “homens de verdade”; pela compreensão e incentivo diário, por, não deixar “tocar o desespero” nos picos de cansaço, incentivando-me sempre a vencer o combate, continuar a desenvolver o trabalho “na marca” e dar “o pronto” desta dissertação. Agradeço “aos campanhas” por sempre me fazer lembrar que “quando o corpo não aguenta, a moral é que sustenta” e que, logo logo, eu me lembrarei que esta fase é, na verdade, uma “corridinha mixuruca, que não dá nem pra cansar”, pois, no fim das contas, chegarei, até mesmo, a me a perguntar: “que será isso, meu Deus?” Por fim, agradeço a todos os amigos, familiares e colaboradores que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho. 9 Parte desta investigação foi fomentada pelo apoio financeiro do CNPq (março de 2010 a fevereiro de 2011). 10 SINOPSE Investigação sociolinguística Laboviana da ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais na modalidade escrita do Português do Brasil atual. Análise de dados de redações dissertativos escolares, e considerando narrativos de alunos textos com diferenciados níveis de escolaridade, matriculados em turmas regulares das redes pública e privada de ensino do Estado do Rio de Janeiro. 11 RESUMO A ORDEM DOS CLÍTICOS PRONOMINAIS: UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DA ESCRITA ESCOLAR DO RIO DE JANEIRO Adriana Lopes Rodrigues Coelho Orientadora: Silvia Rodrigues Vieira Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de pós-graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas. O presente trabalho caracteriza-se pela investigação dos padrões de ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais complexas na escrita escolar brasileira. Para tanto, vale-se de corpus da modalidade escrita do gênero redação escolar, que compreende textos narrativos e dissertativos, produzidos por alunos de diferenciados níveis de escolaridade, de turmas regulares das redes pública e privada de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Busca-se determinar quais os contextos linguísticos e extralinguísticos que exercem influência na escolha do falante pela colocação pré-complexo verbal ou cl V1 V2 (se pode analisar), intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2 (pode-se analisar), intra-complexo verbal sem hífen ou V1 cl V2 (pode se analisar) ou póscomplexo verbal ou V1 V2-cl (pode analisar-se). A pesquisa segue as orientações teórico-metodológicas da Sociolinguística Laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1978, 1994) e, quanto ao tema da cliticização pronominal, dos parâmetros propostos por Klavans (1985); a respeito da relação que se configura entre a escrita e a oralidade, o estudo conta com as reflexões presentes em Kato (2005), Bortoni-Ricardo (2004) e Pagotto (1998).Para o tratamento estatístico dos dados coletados, lança-se mão do pacote de programas GOLDVARB (versão 2001). Os resultados obtidos por meio desta investigação, em respeito às variáveis linguísticas, demonstraram, independentemente da forma do verbo principal dos complexos verbais, a preferência dos alunos pela variante V1 cl V2. Em complexos formados por infinitivo, em particular, verificou-se a produtiva ligação do clítico indeterminador/apassivador a V1 (em próclise ou ênclise) em contextos de auxiliares modais, além do emprego da variante V1 V2-cl condicionado ao uso do clítico o/a. No âmbito extralingüístico, os textos narrativos mostraram-se favorecedores da variante V1 cl V2; as variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl apresentaram maiores índices de aplicação em textos de alunos da rede privada, sobretudo naqueles produzidos por alunos do 9º ano do ensino fundamental. Tais resultados podem contribuir para o reconhecimento do padrão de ordem do clítico pronominal na variedade brasileira da língua portuguesa, e, ainda, revelar características próprias da escrita escolar, auxiliando, dessa maneira, a atividade docente. Palavras-Chave: Morfossintaxe, clíticos, colocação pronominal, lexias verbais complexas, Sociolinguística, escrita escolar 12 ABSTRACT THE PRONOMINAL CLITICS ORDER: A SOCIOLINGUISTIC ANALYSIS OF THE SCHOOL WRITING IN RIO DE JANEIRO Adriana Lopes Rodrigues Coelho Supervisor: Silvia Rodrigues Vieira Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de pós-graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas. This essay is characterized by the investigation of pronominal clitics order standards in the complex verbal lexias in Brazilian school writing. For this purpose, the research uses a written corpus which includes the narrative and the essay textual typologies. Such school compositions were produced by students from different levels of education who study in regular classes of public and private schools in Rio de Janeiro. We seek to determine the linguistic and extra linguistic factors which exert influence on the choice of the speaker by variant pre-verbal complex or cl V1 V2 (se pode analisar), intra-complex verbal with hyphen or V1-cl V2 (pode-se analisar), intracomplex verbal without hyphen or V1 cl V2 (pode se analisar) or post-verbal complex or V1 V2 -cl (pode analisar-se). The research follows the theoretical and methodological approaches of Sociolinguistics Labovian (Weinreich, Labov & Herzog, 1968; Labov, 1972, 1978, 1994) and, regarding the pronominal clitization issue, parameters proposed by Klavans (1985). The relationship that takes shape between writing and orality, the study relies on the reflections found in Kato (2005), Bortoni-Ricardo (2004) and Pagotto (1998). For the statistical treatment of data collected, throws up hand the package of programs GOLDVARB (version 2001). The results obtained through this investigation, in respect to the linguistic variables, showed that, regardless of the shape of the main verb of the verbal complex, the preference of students for variant cl V1 V2. In complexes formed by the infinitive, in particular, there has been a productive binding of indefinite / passivated clitic V1 (in proclisis or enclitic) in contexts of modal auxiliaries, besides the use of variant V1-V2 cl conditioning the use of the clitic / a. Under extra linguistic factors, the narrative texts proved to be favoring the variant V1 cl V2; variants V1-cl V1 and V2 V2-cl had higher rates of use in texts of students from private, especially those produced by students of the 9th year of elementary school.These results may contribute to the recognition of the pronominal clitics order standards in Brazilian and also reveal characteristics of writing school, helping in this way, the teaching activity. Keywords: Morphosyntax, clitics, Sociolinguistic, complex verbal forms, school writing. 13 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................17 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................................................21 2.1. A abordagem prescritivo-normativa............................................................21 2.2. A abordagem descritiva proposta por PERINI ...........................................26 2.3. A abordagem didática..................................................................................31 2.4. A perspectiva de diversos estudos lingüísticos............................................34 2.4.1. A ordem dos clíticos pronominais sob a ótica da diacronia ou de sincronias passadas ...........................................................................35 2.4.2. A ordem dos clíticos pronominais em estudos sincrônicos ...............47 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...........................................................................57 3.1.Teoria da variação e mudança.......................................................................57 3.2. A cliticização pronominal ...........................................................................65 3.3. A relação oralidade-escrita...........................................................................68 4. METODOLOGIA.....................................................................................................74 4.1. A descrição do corpus...................................................................................74 4.2. Etapas da pesquisa .......................................................................................77 4.3. A descrição das variáveis ............................................................................78 4.3.1. A variável dependente ...................................................................78 4.3.1.1. A concepção de complexo verbal....................................80 4.3.2. As variáveis independentes............................................................84 4.3.2.1. As variáveis independentes extralinguísticas..................84 4.3.2.2. As variáveis independentes linguísticas..........................88 4.3.3. O tratamento dos dados................................................................100 14 5. ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................104 5.1. Produtividade das ocorrências....................................................................104 5.2. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais.........................106 5.2.1. Distribuição dos dados pela variável dependente........................106 5.2.2. Complexos verbais com gerúndio...............................................109 5.2.3. Complexos verbais com particípio..............................................114 5.2.4. Complexos verbais com infinitivo..............................................118 5.2.4.1. Distribuição dos dados pelas variáveis extralinguísticas......................................................120 5.2.4.2. Distribuição dos dados pelas variáveis linguísticas.....131 6. CONCLUSÃO.........................................................................................................152 7. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................160 15 LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E QUADROS TABELAS: 1. Número de ocorrências de clíticos pronominais nos textos, de acordo com o modo de organização discursiva predominante............................................................................104 2. Número de ocorrências de clíticos pronominais a depender da forma do verbo principal.........................................................................................................................105 3. Distribuição geral dos dados pelos fatores da variável dependente....................................................................................................................107 4. Distribuição dos dados pelos fatores da variável dependente de acordo com a forma do verbo principal.........................................................................................................108 5. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais formados por gerúndio – distribuição dos dados de acordo com o modo de organização discursiva dos textos.............................................................................................................................110 6. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com particípio consoante a variável dependente e o modo de organização discursiva......................................................................................................................114 7. Distribuição geral dos dados de infinitivo pelas variantes da variável dependente....................................................................................................................119 8. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a variável dependente e o nível de escolaridade dos alunos............................................................................................................................120 9. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a variável dependente e o sexo dos alunos.............................................................................................................................125 10. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a variável dependente e o tipo de instituição de ensino. .......................................................................................................................................127 11. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o modo de organização discursiva predominante.................129 12. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a presença/ausência de elementos intervenientes no complexo verbal.............................................................................................................................131 13. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de clítico.....................................................................134 14. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a forma do verbo auxiliar.....................................................139 15. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de complexo verbal....................................................143 16 16. Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal .......................................................................................................................................146 GRÁFICOS: 1. Distribuição geral dos dados pelos fatores da variável dependente..........................107 2. Distribuição dos dados de infinitivo pelos fatores da variável dependente...............119 3. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a variável dependente e o nível de escolaridade dos alunos.............................................................................................................................121 4. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a variável dependente e o sexo dos alunos.............................................................................................................................125 5. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a variável dependente e o tipo de instituição de ensino. alunos.............................................................................................................................127 6. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a variável dependente e o modo de organização predominante nos textos.............................................................................................................................129 7. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de clítico.............................................................................135 8. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de complexo verbal.............................................................143 9. Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal.............................................................................................................................147 QUADROS: 1. Pronomes pessoais: retos e oblíquos...........................................................................30 2. Composição do corpus................................................................................................75 17 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho constitui uma análise de cunho variacionista a respeito da colocação pronominal na escrita escolar considerando a variedade brasileira da língua portuguesa. Como objeto de estudo específico desta investigação, tem-se a ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais, em textos do gênero redação escolar. Como complexos verbais, compreendem-se, nesta pesquisa, diversas construções formadas por duas ou mais formas verbais nas quais se observa algum grau de integração sintático-semântica e em relação às quais se pode detectar a mobilidade do clítico pronominal. No que concerne à fundamentação teórico-metodológica, este estudo orienta-se pelos preceitos da Sociolingüística Laboviana (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968) e, quanto ao tema da cliticização pronominal, pelos parâmetros propostos por Klavans (1985). A metodologia adotada, assim como as descrições e as observações feitas a partir da análise dos dados, segue as orientações presentes nessas referências. Ademais, para respaldar a interpretação das questões relativas ao modo de organização textual, o estudo conta com as orientações presentes em Charaudeau (2008) e Marcuschi (2008). O principal objetivo desta pesquisa é averiguar quais os contextos linguísticos e extralinguísticos que estejam relacionados à colocação pronominal em complexos verbais, buscando identificar, portanto, quais são os fatores que exercem influência na escolha do falante pela colocação pré-complexo verbal ou cl V1 V2 (se pode analisar), intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2 (pode-se analisar), intra-complexo verbal sem hífen ou V1 cl V2 (pode se investigar) ou pós-complexo verbal ou V1 V2-cl (pode investigar-se). Para o tratamento do fenômeno em questão, conta-se com corpus especialmente formado para esta investigação, o qual é constituído por uma coletânea de textos narrativos e dissertativos produzidos por alunos matriculados em turmas de ensino regular das redes privada e pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Sendo a ordem dos clíticos pronominais na língua portuguesa tema submetido a ampla discussão, especialmente em se tratando de contextos com formas verbais simples, pretende-se contribuir para o debate privilegiando as ocorrências de clíticos em complexos verbais. Tendo em vista que é necessário aprofundar o conhecimento a respeito do uso da cliticização pronominal em estruturas que comportem mais de uma 18 forma verbal em diversos gêneros textuais, o trabalho vale-se da redação escolar, de modo a oferecer aos docentes informações que fundamentem as diretrizes teóricometodológicas quanto ao referido tema no ensino da língua portuguesa como língua materna. O interesse pelo contexto escolar reveste-se de fundamental importância particularmente em casos como o do Brasil, em que, muitas vezes, a norma adotada se encontra distante da norma praticada cotidianamente. Dessa maneira, o objetivo geral deste estudo é cooperar para o maior conhecimento dos padrões de uso referentes à ordem dos pronomes átonos em relação aos complexos verbais, na variedade brasileira da língua portuguesa, especificamente na escrita escolar. Como objetivos específicos, listam-se (i) descrever a realidade lingüística dos textos escolares no que concerne à ordem dos clíticos pronominais; (ii) atestar os contextos favorecedores da aplicação de cada uma das variantes da ordem dos clíticos pronominais; (iii) verificar se há interferência da educação formal na escrita produzida pelos alunos, buscando evidenciar, no que se refere à posição dos pronomes átonos, a trajetória de implementação dos traços normativos ao longo do curso escolar. Com a análise a ser realizada, busca-se responder aos seguintes questionamentos, motivadores desta investigação: a) Quais são os padrões lingüísticos referentes à ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais, na modalidade escrita do português do Brasil, revelado a partir da análise do corpus? b) Que variáveis lingüísticas apresentam relevância ao condicionamento do fenômeno? Em que medida o contexto morfossintático influencia o fenômeno da colocação pronominal em contextos de complexos verbais? c) Que variáveis extralingüísticas são representativas no condicionamento do fenômeno? Há diferenças significativas na ordem do clítico pronominal no que se refere ao nível escolar do informante? As hipóteses estabelecidas como possíveis respostas aos questionamentos supracitados são as seguintes: a) O padrão lingüístico revelado a partir da escrita escolar demonstraria normas de uso diferentes daquelas prescritas nos manuais consultados, revelando que os textos dos alunos não se restringem a demonstrar as formas implementadas pela tradição gramatical, mas refletem aspectos que advêm da norma vernacular e se inserem inevitavelmente na escrita; acredita-se, ainda, que tal aspecto seja menos evidente nos textos de alunos de nível escolar mais avançado, em virtude de estarem há mais tempo 19 em contato com as formas características do padrão culto idealizado e divulgado em meio escolar. b) quanto ao aspecto estrutural, acredita-se que a forma do verbo principal, a presença de elementos antecedentes ao grupo clítico-complexo verbal e o tipo de clítico possam exercer influência no condicionamento do fenômeno; c) quanto ao aspecto social, o nível de escolaridade do aluno configuraria traços característicos na escrita acerca do tema abordado; as redações de alunos do 3º ano do ensino médio apresentariam maior produtividade das variantes contempladas pela tradição gramatical, o que refletiria uma implementação gradativa dos traços normativos na manifestação lingüística dos alunos. No que concerne à estrutura desta dissertação, o presente estudo está organizado em seis capítulos incluindo-se este de introdução. O capítulo 2 refere-se à revisão bibliográfica, apresentando as obras consultadas, estudos descritivos realizados acerca do tema da cliticização pronominal, compêndios gramaticais e materiais didáticos. Essa revisão permite observar como o tema da ordem dos clíticos pronominais tem sido contemplado em diferentes abordagens. No capítulo 3, apresentam-se os fundamentos teóricos nos quais se baseia esta pesquisa, sendo estes referentes à Sociolinguística Laboviana, linha a partir da qual se desenvolveu a análise relativa a variação e mudança; ao conceito de cliticização pronominal e às reflexões realizadas por alguns autores acerca da relação existente entre a escrita e a oralidade. No capítulo 4, apresenta-se a metodologia empregada para a realização deste trabalho. Nesse capítulo, expõem-se a descrição do corpus de análise, as etapas da realização da pesquisa, a descrição da variável dependente, os fatores linguísticos e extralinguísticos controlados e os procedimentos adotados para a interpretação dos resultados. O capítulo 5 corresponde à descrição dos resultados obtidos, com base na interpretação dos índices absolutos e percentuais, de modo a demonstrar o comportamento da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais e o que se pode observar a respeito do condicionamento do fenômeno por meio dos fatores controlados. 20 O capítulo 6 apresenta as conclusões que se puderam tecer a respeito das normas objetivas do português do Brasil, quanto à ordem dos clíticos pronominais no contexto de lexias verbais complexas, revelando o padrão escrito praticado nos textos dos alunos. Expõem-se, ainda nesse capítulo, as considerações finais, procedendo à retomada de conceitos e resultados para que se possa evidenciar a relevância da investigação realizada e os aspectos que devem ser aprofundados. 21 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. A abordagem prescritivo-normativa Como um dos objetivos desta pesquisa é investigar a interferência, na escrita escolar, dos traços normativos implementados pela escola, faz-se necessário apresentar o tratamento do tema proposto na abordagem de algumas gramáticas consideradas tradicionais, que servem de base à formulação de materiais pedagógicos. Para que se pudesse observar como é proposto o modelo de norma a respeito da colocação do pronome átono, buscaram-se referências como Bechara (1999 [1928]), Cunha & Cintra (2001 [1985]) e Lima (2006 [1972]) – referências tradicionais no que se refere ao estudo da língua portuguesa. Nas obras observadas, a descrição da ordem dos clíticos pronominais em casos de locuções verbais1 dá-se imediatamente após a seção destinada à colocação pronominal em contextos de lexias verbais simples. Observe-se a seguir como o tema da colocação pronominal é apresentado nas referências analisadas. Quando tratam do contexto das lexias verbais simples, Bechara (1999), Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006) apresentam três possibilidades de colocação do pronome átono em relação ao núcleo verbal: próclise – clítico pronominal anteposto ao verbo –, mesóclise – clítico pronominal no interior do verbo, posição recomendada para os casos em que os verbos se encontram nas formas do futuro do presente ou no futuro do pretérito em estruturas sem elemento dito atrator –, e ênclise – clítico pronominal posposto ao verbo. Para ilustrar as referidas posições que o clítico pronominal pode assumir em relação ao verbo, seguem as opções: (i) próclise: (não) se investiga; (ii) mesóclise: investigar-se-ia ; e (iii) ênclise: investiga-se. Os autores concordam ao afirmar que, na língua portuguesa, a ênclise seria a posição normal do pronome átono em relação ao verbo, mas apresentam contextos nos _ 1 Nesta análise, conforme se detalha no capítulo referente à metodologia, foram consideradas não só as estruturas classificadas tradicionalmente como locuções verbais, mas também todas as estruturas nas quais se pôde verificar determinado grau de integração sintático-semântica entre duas ou mais formas verbais, sendo possível a alternância da posição do clítico em relação a qualquer das formas verbais sem que fosse modificado o valor referencial em questão. 22 quais se dê preferência à colocação proclítica, sendo estes: (i) verbos antecedidos por pronomes e advérbios interrogativos, por outros advérbios (como bem, mal, ainda, já, sempre, aqui) e pronomes indefinidos (como tudo, alguém, outro, qualquer), e por palavras negativas, sem pausa, sinalizada ou não por sinal gráfico; (ii) com gerúndio regido da preposição em; (iii) em orações iniciadas por palavras exclamativas ou denotativas de desejo; (iv) em orações subordinadas desenvolvidas, mesmo estando oculta a conjunção subordinativa; (v) em orações optativas; (vi) em orações dispostas em ordem inversa, iniciando-se por objeto direto ou predicativo (caso indicado somente por Cunha & Cintra (2001). Cabe, ainda, destacar que, a respeito das formas nominais, Cunha & Cintra prescrevem que não se adjunge o pronome clítico ao verbo em forma de particípio “quando desacompanhado do verbo auxiliar” (CUNHA & CINTRA 2001; 311); nesse caso, os autores recomendam o uso da forma oblíqua regida por preposição (dada a mim a explicação). Quanto aos contextos nos quais figuram as formas nominais gerúndio e infinitivo, Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006) mencionam a tendência à colocação enclítica, sobretudo quando se trata de infinitivos acompanhados de clíticos acusativos e/ou sendo regidos pela preposição a. Com base no que expõem a respeito dos contextos de lexias verbais simples, os autores apresentam os aspectos que delineiam a ordem dos clíticos pronominais com relação aos complexos verbais, dando atenção às devidas peculiaridades. Para os contextos de mais de uma forma verbal, apresentam, de modo geral, as seguintes posições nas quais pode figurar o clítico pronominal: (i) próclise ao verbo auxiliar: (não) se está investigando; (ii) ênclise ao verbo auxiliar: está-se investigando; e (iii) ênclise ao verbo principal: está investigando-se. De acordo com os autores, quando o verbo principal figura nas formas nominais gerúndio ou infinitivo, pode-se dar, como regra geral, a ênclise ao verbo auxiliar ou ao principal; quando o verbo principal está na forma nominal particípio, a ênclise a este é vetada – nesse caso, prescreve-se que o clítico deve ser posicionado em próclise ou em ênclise ao verbo auxiliar. Em relação à próclise ao verbo auxiliar, Cunha & Cintra (2001) e Bechara (1999) consideram as mesmas condições para as quais se dá preferência a essa 23 colocação em contextos de um único verbo; a colocação enclítica do pronome átono, tanto em relação ao verbo auxiliar como em relação ao verbo principal, ficaria reservada, portanto, aos casos em que não se verificam tais condições. Quanto à anteposição do pronome ao verbo auxiliar, Lima (2006) não apresenta qualquer comentário específico; na seção destinada à colocação dos pronomes átonos em contextos de locuções verbais, apresenta apenas a listagem das diferentes possibilidades de posicionamento do clítico em relação ao tipo de locução verbal, que se diferencia pela forma nominal em que se encontra o verbo principal. O autor não esclarece se considera os mesmos casos de favorecimento da próclise em contextos de lexias simples para os contextos de mais de uma forma verbal, mas apresenta exemplo de colocação pronominal proclítica ao verbo auxiliar, sem que haja, em contexto anterior, qualquer dos elementos tradicionalmente reconhecidos por atrair o pronome, como se verifica nas sentenças “O presidente lhe quer falar ainda hoje” e “as visitas se foram retirando” (Cf. Lima 2006:454). Em todas as referências, constam subseções destinadas a retratar as características próprias que se podem observar quanto à ordem dos clíticos pronominais no Brasil, demonstrando-se que a colocação dos pronomes átonos na variedade brasileira da língua portuguesa apresenta padrões diferenciados daqueles que se observam na variedade européia da língua, principalmente no que se refere ao “colóquio normal”, como afirmam Cunha & Cintra (2001). Observem-se, a seguir, os aspectos, apontados por Bechara (1999) e Cunha & Cintra (2001), que podem ser tomados como características do português do Brasil no âmbito da colocação pronominal: (i) a possibilidade de se iniciarem períodos com pronomes átonos; (ii) a preferência pela colocação proclítica em orações absolutas, principais e coordenadas, iniciadas por palavras diferentes daquelas para as quais se recomenda tal colocação; (iii) a possibilidade de se posporem pronomes a verbos conjugados nos tempos do futuro (do presente ou do pretérito); (iv) em locuções verbais, a colocação proclítica ao verbo principal. A possibilidade de se colocar, na variedade brasileira do português, o pronome antes do verbo principal, sem que se ligue por hífen ao auxiliar, ganha destaque nas referências investigadas. Bechara (1999) e Lima (2006) demonstram a ocorrência da 24 colocação proclítica ao verbo principal; nesse caso, o pronome deixaria de estar ligado ao verbo auxiliar, assim como ocorre na variedade européia, e passaria a se ligar ao verbo principal, sem hífen, quando este, de fato, o rege (vem me dizer). Bechara (1999) acrescenta, ainda, que apesar de tal posição ter se estabilizado no Brasil, tendo sido, em razão disso, mais observada do que a colocação enclítica, a próclise ao verbo principal não foi aceita pela gramática clássica, salvo nos casos em que o infinitivo é precedido de preposição, como exemplifica o próprio autor: Começou a lhe falar (Cf. Bechara, 1999: 590). A fim de justificar a colocação proclítica do pronome átono ao verbo principal, Cunha & Cintra (2001), assim como Bechara (1999), utilizam-se do comentário do Prof. Martins de Aguiar de modo a demonstrar que o que rege a posição dos pronomes átonos é, de fato, um conjunto de fatores: Numa frase como ele vem me ver geral em Portugal, literária no Brasil, o fator lógico deslocou o pronome me do verbo vem, para adjudicá-lo ao verbo ver, por ser ele determinante, objeto direto, do segundo e não do primeiro. Isto é, deixou a língua falada no Brasil de dizer vem-me ver (fator histórico, por ser mera continuação do esquema geral português) para dizer vem me-ver (escrito sem hífen, que também vigia na língua, ligando-se o pronome ao verbo que o rege (fator lógico). (apud BECHARA, 1999: 591) Cabe destacar que Lima (2006) apresenta a possibilidade de colocação proclítica ao verbo principal sem que se faça qualquer observação. Em outras palavras, enquanto, para Bechara (1999) e Cunha & Cintra (2001), existem, em termos gerais, três diferentes possíveis posições do pronome em contextos de complexos verbais, sem que se considerem as peculiaridades que se observam no português do Brasil, para Lima (2006) existem quatro. A respeito da referida próclise ao verbo principal, verifica-se importante ressalva nos manuais consultados; os autores declaram ser tal fenômeno característica do português brasileiro. São relevantes as considerações de Lima (2006) em afirmar que se trata de “sintaxe brasileira que se consagrou na língua literária, a partir (ao que parece) do Romantismo” (LIMA, 2006: 455). O autor destaca, ainda, o fato de que tal colocação “não tem agasalho” (LIMA, 2006: 455) quando se trata do clítico acusativo (o, a, os, as), conferindo razão ao volume fonético deste pronome, que se mostra reduzido quando comparado aos outros clíticos pronominais. Como se pôde observar, a colocação proclítica do pronome ao verbo principal apresenta-se na abordagem tradicional, de modo geral, como característica do “colóquio brasileiro”; nesse discurso, verifica-se a noção da “condescendência com as situações 25 informais”, apresentada por Pagotto (1998). Essa proposta relaciona-se ao fato de que as gramáticas tendem a apresentar aspectos que se revelam no PB por meio da descrição de um português que se permite falar, bastante diferente daquele que se verifica na modalidade escrita, sustentado pela manutenção de um padrão culto idealizado, que serve, na verdade, para acentuar as diferenças que se estabelecem hoje em dia, não somente pelas relações de poder, mas, sobretudo, pela oposição entre grupos sociais, discernindo o falante escolarizado do não escolarizado. Em se tratando do PB, o tema da clíticização pronominal é extremamente produtivo para que se discutam as diferenças que se podem observar entre os padrões de uso praticado pelos falantes e o padrão culto prescrito pelos manuais tradicionais. Cabe destacar que diversos estudos já realizados (Cf. seção 2.4) revelam que o “colóquio” não pode ser considerado um detalhe na realidade linguística do português brasileiro a ponto de chegar à conclusão de que a intenção da instrução formal é fazer com que falantes que freqüentam a escola possam adquirir um padrão de colocação diferente daquele que já dominam. Aos moldes do que se verificou ao longo da história do PE, conforme expõe Pagotto (1998), a postulação de uma norma culta que seja verdadeiramente do PB depende do reconhecimento dos fatos lingüísticos que se revelam no português aqui falado e, assim, a tradição gramatical deixará de preconizar a implementação de uma norma culta no Brasil que se constrói a partir do modelo lusitano. De modo geral, a fim de sintetizar as informações apresentadas, pode-se dizer que, em meio à tradição gramatical, se prescreve como certo – o que, de acordo com os autores, corresponde à colocação “normal” do pronome – os seguintes aspectos: (a) no âmbito das lexias verbais simples: (i) a colocação enclítica do pronome, quando se trata das formas finitas não antecedidas das chamadas partículas atratoras – excetuando-se aquelas em tempos de futuro (prescreve-se a colocação mesoclítica, nesses caso) – e das formas nominais infinitivo e gerúndio, rejeitando-se a adjunção de pronome átono às formas participiais, para as quais se prescreve o uso da forma oblíqua do pronome regida por preposição; e (ii) a colocação proclítica do pronome ao verbo em contextos descritos como propiciadores da anteposição do pronome, em razão de características morfossintáticas da sentença em que figuram (com a presença de partículas atratoras); 26 (b) no âmbito dos complexos verbais: (i) a ênclise ao verbo auxiliar (quando o verbo principal se apresenta em qualquer das formas nominais) ou ao principal (quando este se apresenta nas formas nominais gerúndio e infinitivo, rejeitando-se, assim como o que se recomenda para os contextos de lexias simples, a ligação do clítico ao particípio), e (ii) a colocação proclítica ao verbo auxiliar, restrita aos mesmos contextos morfossintáticos que favorecem a próclise quando se trata de um único verbo. Não se pode deixar de mencionar que as prescrições apresentadas pelos autores acerca da colocação pronominal apresentam determinadas limitações, em virtude de terem por base uma tradição filológica cujas origens se concentram na tradição grega e de não negarem esforços para implementarem uma norma culta que se espelha no padrão europeu. Os resultados com os quais se pode contar atualmente (Cf. seção 2.4) permitem visualizar que, em se tratando do português do Brasil, não se justifica determinar, por exemplo, que “é rejeitada a ligação do clítico ao particípio” ainda que proclítica; ou que a colocação proclítica (ao verbo auxiliar, no caso dos complexos verbais) somente se dá na presença dos elementos listados como favorecedores dessa colocação. Diversos estudos podem mostrar que a colocação pronominal no PB revela um padrão bastante diferenciado desse que se idealiza com base na variedade europeia da língua, atingindo índices de aplicação em contextos amplamente diversificados que extrapolam os limites das prescrições tradicionais. Por fim, cabe dizer que, no âmbito da colocação pronominal em complexos verbais, os resultados já obtidos e os que se apresentam nesta investigação demonstram que o pronome não figura “solto entre os dois verbos, sem ligação por hífen ao auxiliar”; antes, ocorre de fato a próclise ao verbo principal (que não se restringe à oralidade, mas se incorpora na escrita) e é esse um dos fatores que podem caracterizar o padrão de colocação pronominal brasileiro. 2.2. A abordagem descritiva proposta por PERINI Nesta seção, apresenta-se a abordagem descritiva desenvolvida por Mario A. Perini em “Gramática descritiva do português Brasileiro” (2001 [1995]) e “Gramática do português brasileiro” (2010), a respeito dos aspectos lingüísticos que possam caracterizar a norma de uso do português do Brasil acerca dos clíticos pronominais. Na Gramática descritiva do português Brasileiro (PERINI, 2001 [1995]), o enfoque dado ao tema concentra-se no posicionamento dos clíticos pronominais na 27 sentença. Perini deixa claro que não se deve desprezar o exame realizado pelas gramáticas tradicionais, mas também que não se pode abrir mão de uma análise crítica sobre tal exame, considerando-se os aspectos que integram o padrão de uso da língua portuguesa corrente. Em virtude disso, essa gramática descritiva é considerada, pelo próprio autor, uma tentativa de descrição da variedade culta escrita brasileira da língua portuguesa, tomando por base textos jornalísticos e científicos. Segundo Perini (2001 [1995]), há determinada instabilidade a respeito do julgamento realizado acerca da cliticização pronominal em meio aos falantes da variedade brasileira da língua portuguesa. O autor declara que, embora os princípios envolvidos no tema sejam bastante simples, ocorrem grandes discussões a respeito da posição dos pronomes átonos em determinadas construções. Tais discussões, decorrentes da inegável diferença entre os padrões brasileiros e europeus, revelam que os falantes vacilam quando se encontram diante da situação em que a variedade padrão entra em confronto com os traços lingüísticos característicos do uso do português do Brasil. Perini (2001 [1995]) destaca que os clíticos figuram sempre ligados ao verbo, sendo este auxiliar (Aux) ou o próprio núcleo do predicado (NdP), distinguindo duas posições possíveis: próclise e ênclise. De acordo com o autor, “a chamada mesóclise é apenas um caso especial de ênclise, que aparece quando o NdP ou o Aux está no futuro do presente ou do pretérito” (PERINI, 2001: 229). Não se pode deixar de mencionar que o autor destaca a improdutividade da colocação enclítica do pronome, chegando a afirmar que a “ênclise está desaparecendo do português do Brasil” (PERINI, 2001: 230); de acordo com o autor, tende-se a reconhecer que, no português do Brasil, o pronome clítico se coloca sempre antes do verbo. Para mostrar as possibilidades de posicionamento do clítico pronominal em relação ao verbo na escrita brasileira, Perini (2001) apresenta os casos de restrição à próclise e à ênclise. Desse modo, em relação à próclise, o autor aponta como “mal formulada”, nos textos escritos, a oração que contenha o pronome em posição proclítica em início de estrutura oracional não subordinada ou, ainda, logo após elemento topicalizado; quanto à ênclise, aponta a oração que contenha gerúndio precedido da preposição “em”, quando associada a um particípio e, ainda, quando a oração se inicia por um elemento que possa exercer um potencial de atração do pronome; nos demais 28 casos, registra que se dá o uso da próclise ou da ênclise indiferentemente (Cf. Perini, 2001 [1995]: 229-230). Perini (2001 [1995]) reconhece a grande dificuldade em determinar os elementos que efetivamente exercem atração do clítico pronominal e aponta que há diferenças, nesse aspecto, a serem observadas entre os compêndios gramaticais. Segundo o autor, apesar de serem considerados, normalmente, como proclisadores, os pronomes relativos e interrogativos e os itens não, nunca, só, até, mesmo e também, tudo, nada, alguém, ninguém e o que (complementizador), nem sempre o são os SNs acompanhados de prédeterminantes (todos, ambos), os SNs iniciados por qualquer, nenhum, bem, mal ainda, já e sempre. Quanto à lista dos elementos proclisadores, o autor argumenta que devemos deixá-la em aberto, em virtude da falta de estudos detalhados2, mas sugere a aplicação de testes com pessoas que dominam a linguagem padrão e a realização de levantamentos em textos para que se analisem os itens que, aparentemente, se comportam como elementos proclisadores. No que concerne aos complexos verbais, Perini (2001 [1995]) propõe que, no padrão brasileiro, da mesma maneira que se admite a ênclise ao verbo auxiliar (Aux) e ao verbo principal (NdP), é admitida a próclise a ambos os verbos. Então, reproduzindose os exemplos dados pelo autor, as possibilidades de colocação do clítico pronominal no português do Brasil quando se trata de um predicado complexo seriam as que se seguem: (a) Minhas primas se estão comportando bem. (b) Minhas primas estão-se comportando bem. (c) Minhas primas estão se comportando bem. (d) Minhas primas estão comportando-se bem. Das possibilidades de colocação previstas, o autor propõe que a próclise ao verbo principal seja mais freqüente do que a próclise ao verbo auxiliar e, até mesmo, do que a ênclise a qualquer um dos verbos. Com base nessa proposta, postula a seguinte generalização: “... a posição natural do clítico, quando o predicado é complexo, é a próclise ao NdP...” (PERINI, 2001:231). _ 2 A época de publicação da obra (1995), o panorama da pesquisa linguística a respeito do tema poderia ser diferenciado do que se apresenta atualmente; já se pode contar com diversos resultados obtidos por pesquisadores que puderam demonstrar atuação de diferentes elementos como possíveis propiciadores da colocação proclítica, assim como se apresenta na subseção 2.4. 29 A respeito da colocação proclítica ao verbo auxiliar, o autor menciona que essa posição é cada vez mais rara no padrão brasileiro, mas se manifesta em determinados casos que merecem atenção, como aqueles em que o primeiro verbo, mesmo não sendo tradicionalmente considerado auxiliar, abriga o clítico pronominal (Ela me sabe agradar), não se podendo negar a “aceitabilidade mais ou menos reduzida” desse tipo de colocação, quando o auxiliar vem acompanhado de uma preposição, como em Ela se deixou de maquiar/ Ela se continuou a maquiar (Cf. Perini, 2001:232) De modo geral, no que se refere à ordem dos pronomes clíticos tanto nos predicados simples como nos predicados complexos, Perini (2001) deixa claro que se fazem necessários resultados científicos que sirvam a evidenciar o comportamento do padrão brasileiro acerca do tema. Na Gramática do português brasileiro (PERINI, 2010), a descrição realizada pelo autor se faz com base na língua falada, desenvolvendo uma análise dos fenômenos que de fato se verificariam no português do Brasil. Para que melhor seja explicitado o teor da obra à qual se faz referência, observem-se as palavras do autor: ... aqui estou descrevendo a língua falada padrão. Uma variedade uniforme e socialmente aceita em todo o país (...) descrevo uma espécie de compromisso baseado na norma urbana, não na norma ditada pelas gramáticas e ensinada nas escolas, mas na norma tacitamente aceita e praticada pela população do país (...) gramática da língua falada diariamente nas ruas e reproduzida nas novelas de TV, no teatro e no cinema nacional. (PERINI, 2010: 44-45)3. Perini (2010), com base no que identifica como o “português do sudeste do Brasil”, confere ênfase ao tratamento dos pronomes pessoais, devido ao particular comportamento de tais itens no PB, sobretudo no que se refere aos pronomes oblíquos, que, de acordo com o autor, “são um bicho-papão da gramática tradicional do português” (p. 115). Além de observações sobre o posicionamento dos pronomes, o autor faz uma importante apreciação de como se apresenta o quadro pronominal do PB, apontando que determinadas formas pronominais demonstradas pela tradição gramatical _ 3 Apesar do que expõe Perini (2010) a respeito da “língua padrão” que descreve, cabe mencionar que, nesta pesquisa, não se considera a existência de uma variedade linguística que se sobreponha às outras a ponto de ser aceita em todo país, nem ao menos que haja uma única variedade que possa caracterizar o português falado na região sudeste. Acredita-se que as variedades linguísticas são reflexo do universo sócio-cultural em que o falante se insere, sendo, portanto, a realidade linguística heterogênea e diversificada, nos domínios estilísticos, sociais e geográficos, o que não impossibilita a existência de interinfluência de diferentes padrões de uso, favorecendo a identificação de formas entre falantes de diversos grupos. 30 não se manifestam, de fato, nessa variedade da língua; o autor propõe, ainda, que, na atual norma de uso do PB oral, não se manifestam formas oblíquas correspondentes a todas as formas retas dos pronomes pessoais verificados. O autor começa por demonstrar que, na verdade, o quadro dos pronomes oblíquos no PB se encontra bastante reduzido, sendo tais pronomes, além do reflexivo se, formas alternantes de algumas das formas retas. Observe-se, abaixo, a reprodução do quadro apresentado pelo autor (p.116): Quadro 1: Pronomes pessoais: retos e oblíquos (PERINI, 2010:116) Forma Reta Forma Oblíqua Eu Me, mim, -migo Você, (tu) Te, (-tigo), (ti), (lhe) Ele, Ela ― Nós Nos, (-nosco) Vocês ― Eles, elas ― Reflexivo Se Verifica-se que, para os pronomes ele/ela, vocês, eles/elas, não se apresentam as correspondentes formas oblíquas. Dessa maneira, no exemplo dado pelo autor, a seguir reproduzido, pode-se verificar um pronome pessoal em sua forma reta desempenhando a função de complemento do verbo na sentença e não a de sujeito, comportamento não reconhecido tradicionalmente: Eu encontrei ela no cinema. Perini faz, ainda, uma importante ressalva em relação ao clítico te, cujo uso também se manifestaria no PB em concorrência com a forma reta correspondente. Perini (2010) faz, ainda, algumas observações a respeito dos pronomes lhe e vos. Segundo o autor, o pronome átono lhe é usado somente em algumas regiões – dentre as quais não se poderia incluir o sudeste –, mas, geralmente, como equivalente ao clítico te; para o clítico vos, considerando-se tanto a modalidade escrita como a oral, seria demonstrada uma situação de total desuso no PB. 31 Em relação à ordem dos clíticos pronominais na sentença, Perini (2010) declara que, no PB, essas formas sempre aparecem antes do verbo e, com isso, apresenta a seguinte regra para o fenômeno: “O pronome oblíquo (sem preposição) se posiciona sempre antes do verbo principal da oração.” (PERINI, 2010: 119). O autor deixa claro que, ao mencionar o termo verbo principal na regra apresentada, trata também dos casos nos quais há um verbo auxiliar. 2.3. A abordagem didática Considerou-se importante para o desenvolvimento desta pesquisa averiguar como se apresenta o tema da cliticização pronominal em materiais didáticos, já que se investiga, aqui, a escrita escolar. Dessa maneira, recorreu-se à análise do tema nos onze livros didáticos avaliados e aprovados pelo processo de seleção do PNLEM/2009 (Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio), dentre os quais os professores da rede pública deveriam escolher quais obras utilizar como ferramenta de apoio à prática pedagógica; os livros, escolhidos em 2008, passaram a ser entregues às instituições de ensino para utilização a partir de 2009. Para que se pudesse traçar um perfil das obras que compunham o programa, fezse uso, ainda, do próprio Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio: PNLEM/2009. O referido catálogo constitui ferramenta que serve para auxiliar os professores e outros membros da equipe pedagógica das escolas no processo de escolha dos livros a serem utilizados. A opção em utilizar as obras recomendadas pelo PNLEM/2009 para que se pudesse averiguar como o tema é abordado sob a ótica didática justifica-se pelo fato de a avaliação dos livros, nesse programa, ter sido realizada por uma equipe de professores pesquisadores de universidades brasileiras, dentre eles especialistas em língua portuguesa, linguística e literatura brasileira. No catálogo supracitado, apresentam-se as resenhas resultantes da avaliação, sendo salientados aspectos sobre os conceitos, a metodologia empregada na abordagem dos temas gramaticais e os princípios éticos veiculados nas obras. Para que a análise aqui apresentada se fizesse de modo objetivo, optou-se por escolher, dentre as onze obras que compunham o programa, três que, segundo a análise global dos compêndios, podem representar as tendências no tratamento do tema da ordem dos pronomes, sob a ótica didática. Com base nas obras escolhidas – Magalhães 32 & Cereja (2005), Pontara, Abaurre & Fadel (2005) e Terra & Nicola (2004) –, verificam-se diferentes aspectos contemplados na abordagem do tema. De modo geral, pode-se perceber que os compêndios didáticos assumem, em termos teóricos, uma abordagem sociointerativa da língua portuguesa; entretanto, no tratamento efetivo do material lingüístico, terminam por reproduzir, por vezes, a metodologia tradicional, preocupando-se sobremaneira com critérios prescritivos e classificatórios. No caso específico da cliticização pronominal, vale mencionar que o tema constitui, em algumas obras, o conteúdo por meio do qual são abarcados os aspectos referentes à existência de mais de uma norma, desenvolvendo-se comentários acerca da variação linguística. Nas referências analisadas, demonstraram-se, como opções de colocação pronominal, a próclise, a mesóclise e a ênclise, tendo os autores apresentado definições para cada uma delas análogas àquelas que se encontram na gramática tradicional normativa, sendo, portanto, respectivamente, a colocação do pronome antes, no meio e depois do verbo. No que se refere aos casos de atração do pronome indicados na abordagem didática, pode-se afirmar que as obras também não se afastam da proposta prescritivo-normativa. Cabe destacar, entretanto, que em TERRA & NICOLA (2004) não se faz qualquer menção a tais casos; nesse livro, a abordagem do tema limita-se a descrever quais são as posições que os pronomes átonos podem ocupar na oração, declarando-se que “como todos os outros monossílabos átonos, apóiam-se na tonicidade de alguma palavra próxima” (TERRA & NICOLA, 2004: 240). É interessante ressaltar que as referências analisadas ora se aproximam ora se distanciam na maneira pela qual promovem o desenvolvimento do tema em pauta nesta pesquisa. Em Terra & Nicola (2004) e em Pontara, Abaurre & Fadel (2005), trata-se da colocação pronominal em seção destinada à classe de palavras, sendo o assunto tratado, em Pontara, Abaurre & Fadel (2005), em seção independente, próxima à seção de pronomes, e, em Terra & Nicola (2004), em uma subseção daquela em que se desenvolve toda a teoria referente à classe dos pronomes, contemplando-se, dessa maneira, o aspecto morfossintático de tais formas. Nesses compêndios, a colocação pronominal ganha espaço ao se demonstrar o comportamento dos pronomes na oração, quando exercem a função de complemento; nesse contexto, os autores apresentam as formas dos pronomes oblíquos átonos e os aspectos concernentes ao posicionamento de tais elementos na oração. Em Magalhães & Cereja (2005), o capítulo que trata da colocação pronominal compreende uma parte da unidade reservada à sintaxe da língua 33 portuguesa; a abordagem realizada por tais autores faz-se de maneira a considerar o tema inserido em um contexto amplo de colocação, levando-se em conta, de modo geral, a ordem na qual estão dispostos os termos que compõem a oração. Pontara, Abaurre e Fadel (2005) e Magalhães & Cereja (2005) também apresentam pontos semelhantes na abordagem desenvolvida. Em ambas as referências, demonstram-se determinados casos de atração do pronome, sendo estes (i) a ocorrência da preposição em seguida de gerúndio, (ii) a presença de um infinitivo pessoal antecedido de preposição, (iii) casos de orações exortativas, optativas, exclamativas e aquelas que traduzem perguntas diretas e (iv) quando há a presença de elementos atratores (palavra ou locuções negativas, advérbio não seguido de vírgula, pronomes relativos, indefinidos e demonstrativos neutros e conjunções e locuções subordinativas). As duas obras, no tratamento da colocação pronominal, preocupam-se em desenvolver o caráter variacionista envolvido no tema; desse modo, os autores declaram que, em decorrência das diferenças rítmicas existentes entre as variedades européia e brasileira da língua, o uso da próclise se torna cada vez mais generalizado – sobretudo na oralidade – no português do Brasil, diferente daquilo que ocorre no português europeu. Dessa maneira, os autores conferem ênfase ao fato de que, apesar de reconhecidas as características do português brasileiro em relação à cliticização pronominal, as regras e orientações que se observam nos métodos de ensino, para que se estabeleça o padrão culto da língua, ainda se guiam pelo padrão europeu. Em relação à mesóclise, os autores declaram que, de fato, essa colocação do pronome está em desuso na variedade brasileira, mantendo-se restrita a alguns contextos da escrita. A cliticização pronominal em contextos com mais de um verbo não é abordada em Terra & Nicola (2004); é tratada somente por Magalhães & Cereja (2005) e Pontara, Abaurre & Fadel (2005), levando-se em consideração as locuções verbais e os tempos compostos. Em Magalhães & Cereja (2005), apresentam-se três tópicos que demonstram as possíveis colocações do pronome nesse contexto: (i) enclítico ao verbo principal (quando este estiver no infinitivo ou no gerúndio); (ii) proclítico ou enclítico ao verbo auxiliar; (iii) mesoclítico, estando o auxiliar no futuro do presente ou do pretérito. Pontara, Abaurre & Fadel (2005), sem apresentar sistematicamente as possibilidades de colocação dos pronomes em relação às duas formas verbais, desenvolvem o assunto conferindo destaque ao fato de que “a tendência generalizada no português do Brasil é a de colocar o pronome átono depois do verbo auxiliar, ficando ele proclítico ao verbo principal” (PONTARA, ABAURRE & FADEL, 2005:129). 34 Reconhecem, no entanto, que, na escrita, se verifica a opção de ligar o pronome ao verbo auxiliar por meio do emprego do hífen, o que reflete a colocação típica do português de Portugal. Magalhães & Cereja (2005) também fazem referência às construções “tipicamente brasileiras”, nas quais o pronome aparece “solto” entre os dois verbos, não reconhecendo a colocação proclítica do pronome que se liga ao verbo principal. A análise dos livros didáticos foi extremamente importante para a realização desta pesquisa, pois foi possível perceber que os materiais utilizados por professores e alunos apresentam diferentes propostas no que se refere aos aspectos relativos à ordem dos pronomes. Verificou-se, portanto, que a abordagem didática pode se limitar ao caráter expositivo e, assim, apenas demonstrar e conceituar a próclise, a mesóclise e a ênclise como posições do pronome em relação ao verbo, reproduzindo o modelo tradicional de apresentação dos fenômenos gramaticais, o que ocorre em muitos dos manuais didáticos. Nesses manuais, lamentavelmente, o fenômeno é retratado de forma a negar as opções vernaculares brasileiras – de próclise em início de frase e de próclise ao verbo principal, por exemplo. Não se pode negar, entretanto, que se encontram também propostas diferenciadas, que partem da contextualização do tema, evidenciando que o que está em jogo não é simplesmente a relação entre o verbo e o pronome, mas também a relação que se estabelece entre estes e os outros elementos da oração; esses compêndios não deixam, ainda, de abarcar a pluralidade de normas, considerando a variação existente entre o português brasileiro e o português europeu, assim como entre as modalidades escrita e falada da língua. 2.4. A perspectiva de diversos estudos linguísticos Apresenta-se, nesta seção, a síntese dos resultados obtidos por pesquisadores que, em análises diacrônicas ou sincrônicas, desenvolveram estudos científicos específicos acerca da ordem dos clíticos pronominais, contemplando os contextos de lexias verbais simples e/ou complexos verbais. Esses resultados apresentam indubitável relevância para o desenvolvimento da presente investigação por apresentarem descrição do fenômeno na variedade brasileira da língua portuguesa, havendo ou não comparação com o comportamento do fenômeno na variedade européia da língua. Apesar de o presente estudo tratar especificamente da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais, a análise de investigações já realizadas também 35 acerca do tema nos contextos de lexias verbais simples foi extremamente relevante para que se pudesse averiguar a manifestação do fenômeno na ampla realidade linguística do português do Brasil oral e escrito. Todos os estudos contemplados nesta seção contribuíram, direta ou indiretamente, para a definição dos procedimentos teóricometodológicos, como a postulação de hipóteses e a definição de grupo de fatores possivelmente influentes no condicionamento do fenômeno investigado nesta pesquisa. 2.4.1. A ordem dos clíticos pronominais sob a ótica da diacronia ou de sincronias passadas Pagotto (1992), lançando mão do arcabouço teórico-metodológico da chamada sociolingüística paramétrica, investiga o comportamento da ordem dos clíticos pronominais no português brasileiro do século XVI ao XX, com base em cartas pessoais, processos criminais, escrituras e testamentos produzidos no Brasil. A pesquisa apresenta o comportamento do fenômeno em contextos de lexias simples e complexos verbais. Para a realização da análise, o autor distribui os dados em quatro grupos: (a) sentenças com um único verbo; (b) sentenças com grupos verbais; (c) sentenças com verbos sozinhos precedidos de negação ou advérbio; (d) sentenças com grupos verbais precedidos de negação ou advérbio. Em relação aos contextos das lexias verbais simples, o autor atesta que, do século XVI ao XVIII, o comportamento do fenômeno se manifestava de maneira estável, demonstrando tendência à próclise – assim como no PB atual (1992) – e que, somente a partir do século XIX, se pode verificar certa tendência à ênclise. Para o autor, essa tendência seria indicadora de um processo de mudança, processo considerado, no entanto, contraditório, pois “o português vinha de um sistema em que a ênclise não era majoritária” (PAGOTTO, 1992: 100). A respeito dos resultados obtidos para as variáveis estruturais controladas, Pagotto (1992:100) chega à seguinte conclusão: “a posição do verbo na sentença é o fator que mais fortemente condiciona a posição dos clíticos quando se trata de verbos únicos em sentenças finitas”. Para o estudo do fenômeno nos contextos com mais de uma forma verbal, Pagotto (1992) dividiu os grupos verbais em três conjuntos: V + infinitivo, V + Gerúndio e V + Particípio. Com base nos resultados obtidos, o autor demonstra que, no período que vai do século XVI ao XVIII, o padrão observado corresponde à próclise ao 36 primeiro verbo (cl-V V), para todos os tipos de clíticos, atingindo, em alguns casos, resultado categórico. Os contextos de grupos verbais com infinitivo foram os únicos nos quais se pôde verificar a possibilidade de variação no período descrito, tendo-se registrado alto percentual de ênclise ao segundo verbo (V V-cl). Pagotto (1992) aponta a 2ª metade do século XVIII como o período no qual se pode começar a perceber um processo de mudança, sendo demonstrada a preferência pela colocação do pronome em posição proclítica ao segundo verbo (V cl V). De acordo com o autor, esse processo deve ter iniciado nos contextos em que se verificam o clítico reflexivo e o verbo principal em sua forma infinitiva, não chegando a afetar as construções com o clítico acusativo, por razões fonológicas ou sintáticas, “o que deve ter concorrido para o seu desaparecimento” (PAGOTTO, 1992:123). Torna-se relevante sintetizar, ainda, as conclusões às quais pode chegar Pagotto (1992) acerca da cliticização pronominal nos casos de verbos simples e grupos verbais antecedidos por partículas de negação e advérbios. Por meio dos resultados obtidos, o autor demonstra que a cliticização a advérbios pré-verbais se mostrou muito pouco produtiva desde o século XVI, mas, em relação às partículas de negação, foi um processo que se manteve bem forte desde a metade do século XVI até o século XVIII. Dos resultados obtidos, pôde-se perceber, portanto, em relação às partículas de negação, a grande produtividade das variantes cl-NEG V e cl-NEG V V e, no que se refere aos advérbios, a preponderância das variantes ADV cl-V e ADV cl-V V. Comparando os resultados obtidos ao que se podia observar no PB da época de publicação da obra (1992), o autor argumenta que O estatuto categorial dos verbos em grupos verbais, bem como a negação devem ter sofrido algum processo de mudança muito forte, o qual passou a impedir a posição do clítico em pousos distantes do verbo ao qual estaria ligado. (PAGOTTO, 1992:131) Em termos gerais, o autor chega à conclusão de que o PB perdeu o movimento do verbo e o movimento longo dos clíticos, características presentes no português clássico. Pagotto (1992) chega a afirmar que, no que se refere à posição dos pronomes átonos, “estamos diante de um fenômeno de mudança acabado” (PAGOTTO, 1992:158) que demonstra a tendência ao desaparecimento dos clíticos e, se contrariada essa tendência, a posição pré-verbal como a variante padrão do PB. 37 Lobo (2001), no volume IV de sua tese de doutorado, intitulada Sintaxe Portuguesa e Sintaxe Brasileira na Bahia do século XIX, investiga a sintaxe dos clíticos pronominais, buscando averiguar o grau de proximidade/ distanciamento entre a sintaxe de portugueses e brasileiros, no Recôncavo da Bahia, no final da primeira metade do século XIX. A autora desenvolve sua pesquisa com base em cartas escritas por brasileiros integrantes da elite da época ou de grupo imediatamente inferior em termos de hierarquia social e imigrantes portugueses. De acordo com Lobo (2001), a sintaxe dos clíticos pronominais no português do Brasil pode ser encarada como um dos principais aspectos nos quais se pôde materializar a “questão da língua” no Brasil, uma questão de definição de norma linguística, servindo para, na segunda metade do século XIX, alimentar a necessidade de superar um recente passado colonial e, linguisticamente, afirmar a identidade brasileira que se distingue da nacionalidade portuguesa. A autora destaca que, a partir do século XIX, todos os gramáticos brasileiros passaram a dedicar um capítulo especial à colocação dos pronomes átonos, apresentando os aspectos que se mostravam característicos do uso lingüístico na variedade brasileira. Analisando o comportamento da posição dos clíticos pronominais em contextos com verbos simples e grupos verbais, por meio da comparação dos conjuntos de cartas agrupadas de acordo com a nacionalidade dos remetentes, a autora pôde chegar às conclusões que se busca sintetizar nos parágrafos seguintes. A respeito dos contextos com verbos simples, a autora observa que, no domínio das orações não-dependentes, a sintaxe dos clíticos pronominais evidenciou grande proximidade entre os imigrantes portugueses e os brasileiros: a variante pós-verbal mostrou-se mais produtiva tanto na escrita dos brasileiros quanto na escrita dos portugueses; a variante pós-verbal apresentou freqüência maior entre imigrantes portugueses. No âmbito das orações dependentes finitas, o padrão de ordem dos clíticos observado entre os portugueses foi categoricamente pré-verbal; já entre os brasileiros, apesar da grande preferência pela variante pré-verbal (94.9%), foi possível observar um padrão de ordem variável. No que se refere às orações dependentes não-finitas, a colocação pós-verbal foi categórica nas infinitivas não-regidas de preposição entre brasileiros e portugueses, mas, ao se tratar das gerundivas, esse resultado se apresentou somente entre os portugueses, pois, entre os brasileiros, embora tenha se demonstrado larga preferência pela colocação pós-verbal, o posicionamento dos clíticos se mostrou um fenômeno variável. No que se refere às orações regidas por preposição, os 38 resultados obtidos pela autora diferenciam-se de acordo com a preposição que antecede o verbo: nas orações em que estavam envolvidas as preposições para e de, a ordem dos clíticos demonstrou comportamento variável nos dados produzidos por portugueses e brasileiros; em relação às infinitivas regidas pela preposição a, deu-se a colocação pósverbal categórica na escrita dos portugueses, enquanto entre os brasileiros tal fenômeno se demonstrou variável. No que se refere aos contextos com grupos verbais, Lobo (2001) pôde atestar, para os brasileiros e portugueses, o predomínio das construções com elevação do clítico. Nas construções em que não se observou a elevação do clítico, a autora atestou o predomínio da variante na qual o pronome se encontra enclítico ao verbo auxiliar. A autora faz, ainda, uma importante ressalva a respeito da variante que, embora pouco representativa (8.9%), foi encontrada nos dados produzidos pelos brasileiros; trata-se da estrutura em que o pronome se encontra anteposto e proclítico ao verbo não-finito, independentemente da forma nominal apresentada. Esse resultado permitiu a conclusão de que, “entre os brasileiros, é possível cliticizar-se ao particípio; entre os portugueses, não.” (LOBO, 2001: 789). A autora desenvolve uma breve apreciação a respeito da interpolação, apresentando que, entre os portugueses, somente o advérbio de negação não ocorreu interpolado entre o clítico e o verbo e, entre os brasileiros, houve, além da interpolação do advérbio de negação, a interpolação de sujeito. Por fim, a autora declara que, a partir dos resultados obtidos, é possível perceber grande proximidade entre a norma vernácula de colocação dos clíticos de imigrantes portugueses pertencentes à elite da comunidade de imigrantes e a norma escrita socialmente prestigiada da colocação dos clíticos de brasileiros que pertenciam à elite ou ao grupo socioeconômico imediatamente inferior. Lobo (2001) não deixa de mencionar que tratar da história da escrita no Brasil colonial e imperial é, de certa forma, tratar da história das elites, uma vez que o indivíduo que escrevia, principalmente ao se considerar um Brasil com recente passado colonial, se enquadrava em um grupo seleto que integrava estratos socioeconomicamente privilegiados. Em artigo intitulado “Gênero e normas: avós e netos, classes e clíticos no final do século XIX”, PAGOTTO e DUARTE (2005) tratam da ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples e complexos verbais no século XIX, com base no corpus formado pelas cartas da Família Ottoni. A pesquisa exposta no referido artigo 39 tem por objetivo verificar a escrita dos avós Ottoni no século XIX, época de disseminação de arte e cultura no Brasil, com determinada tentativa de elitização da Língua portuguesa. Os autores buscam investigar, ainda, se as opções de uso lingüístico do avô e da avó refletem duas gramáticas distintas e se são motivadas pelos mesmos processos contemporâneos. Cabe destacar que o artigo, que descreve a avó como dona de casa com pouca escolaridade, tem por hipótese que ela apresentaria norma mais próxima à da realidade linguística brasileira da época, e o avô, seu marido, Senador da República, apresentaria padrão mais próximo ao europeu. Quanto às estruturas verbais simples, os autores puderam verificar uma diferença significativa entre os dados da escrita do avô e da avó, tendo encontrado, respectivamente, 93% e 53 % de dados proclíticos. Além disso, a maioria dos dados proclíticos do avô se manifesta na presença de operadores de próclise em contexto anterior, realidade que não se verifica na escrita da avó. Para os contextos em que se verifica a presença de possíveis operadores de próclise, os autores salientam o caso dos infinitivos regidos por preposição, contextos para os quais se dá, na escrita da avó, a preferência pela próclise e, na escrita do avô, a preferência pela ênclise. Tal fato revelaria a preferência da avó pelas formas mais próximas do português do Brasil e, na escrita do avô, a proximidade com o português europeu moderno. Para os contextos em que não constam os possíveis elementos operadores de próclise, os autores verificaram igualmente a preferência da avó pela colocação proclítica e a do avô pela colocação enclítica, tendo sido encontradas apenas uma ocorrência na escrita de cada um que contrariasse a preferência demonstrada; nesse âmbito, os autores puderam verificar tal comportamento em estruturas iniciadas por um SN lexical ou pronominal e em início absoluto, destacando que, em situações de emprego dos clíticos “se” e “lhe”, a avó tenha preferido a ênclise. Em relação aos complexos verbais, os autores destacam, primeiramente, o caráter inovador do português do Brasil no que se refere à colocação proclítica ao verbo principal, construção que não se verifica nem no português clássico nem no português europeu moderno. De acordo com os autores, dos 29 dados de clíticização pronominal em complexos verbais, 6 manifestaram-se proclíticos ao verbo principal, sendo 4 realizados pela avó e apenas 2 pelo avô. Demonstra-se que o avô prioriza a ênclise ao verbo principal, tendo manifestado apenas 6 dados de próclise ao verbo auxiliar, havendo, na maioria das vezes, a presença de um elemento proclisador; a avó manifesta apenas 1 dado de ênclise ao verbo auxiliar sendo este bastante duvidoso, já que a 40 representação gráfica demonstra a ligação do clítico aos dois verbos, permitindo a interpretação de próclise ao verbo principal: “Recebi asua cartinha que me-deo muito prazer, por saber que tense-adiantado no collegio (Carta 37, avó)” (p. 78). Os autores demonstram a influência do contexto sintático na colocação do clítico pronominal em complexos verbais, tendo em vista que a próclise ao verbo auxiliar se manifesta categórica nos contextos em que o verbo principal se encontra no gerúndio e quase categórica quando o verbo principal se encontra no particípio, havendo para este caso a exceção de um dado de ênclise a v1 e outro de próclise a V2. De modo geral, os resultados obtidos pelos autores revelam que a escrita do avô, que demonstra traços de uma norma mais próxima da lusitana, e a escrita da avó, que apresenta características mais próximas do português do Brasil, refletem duas distintas realidades linguísticas, permitindo refletir, ainda, a partir das preferências linguísticas apresentadas, sobre o papel que desempenhavam homens e mulheres no século XIX. Nunes (2009), em sua dissertação de mestrado, analisa a ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais na língua portuguesa, considerando as variedades brasileira e portuguesa. A autora investiga o comportamento do fenômeno nos séculos XIX e XX, a partir de textos jornalísticos e publicitários (notícias, editoriais e anúncios). O estudo realizado pela autora desenvolve-se com base no aporte teórico da Sociolingüística Variacionista e nos parâmetros de cliticização propostos por Klavans (1985)4. A investigação realizada por Nunes (2009) conta com 749 dados (300 de textos brasileiros e 449 de textos europeus), verificando o comportamento do fenômeno a partir das seguintes variantes que compunham a variável dependente estabelecida: (i) pré-complexo verbal, (ii) intra-complexo verbal, e (iii) pós-complexo verbal – a autora chama atenção ao fato de que a variante intra-complexo verbal pode ser desmembrada em duas, levando-se em consideração a possibilidade de o verbo, nesse caso, colocar-se em posição enclítica ao verbo auxiliar (V1-cl V2) ou proclítica ao verbo principal (V1 cl V2). Em síntese, os resultados obtidos pela autora demonstram que, em relação à variável dependente, no século XIX há preferência pela variante pré-complexo verbal _ 4 Assim como na apresente pesquisa, Nunes (2009) leva em consideração apenas o segundo parâmetro proposto por Klavans (1985) denominado o “parâmetro da precedência”, que, na subseção 3.2, será explorado. 41 em ambas as variedades da língua, sendo seguida da variante pós-complexo verbal. No século XX, no PE, mantém-se a preferência pela variante pré-complexo verbal e baixo índice da variante intra-complexo verbal, enquanto, no PB, passaram a ser usadas equilibradamente as variantes pré e pós-complexo verbal. No que se refere às variáveis lingüísticas, os resultados obtidos apontam a presença de possível elemento proclisador, a forma do verbo principal e o tipo de clítico como mais relevantes para o condicionamento do fenômeno. No parágrafo seguinte, observe-se a síntese dos resultados apresentados pela autora a respeito dessas variantes. Quanto aos elementos proclisadores, a autora verifica que, diante daqueles classificados como prototípicos, sobretudo os subordinativos, se deu preferência à colocação proclítica ao complexo verbal, em ambas as variedades, assim como em ambos os séculos investigados. Apesar disso, a autora destaca que a influência dos proclisadores diverge entre os contextos de lexias simples e complexos verbais, uma vez que, naqueles casos, se observam resultados quase categóricos da colocação pré-verbal, diferentemente do que se pode observar para os casos de complexos verbais, principalmente no século XX do PB, período no qual, segundo a autora, o PB estaria “iniciando o processo de assumir seu padrão vernacular, que dá preferência à próclise a v2, mesmo em contextos com elementos proclisadores” (NUNES, 2009:248). Em relação à forma do verbo principal, Nunes (2009) destaca que, em nenhuma das variedades, se verificou a ênclise ao particípio; quanto ao infinitivo, enquanto no século XX, no PE e, principalmente, no PB, se verificou a preferência pela ênclise a V2, no século XIX a colocação pronominal parecia estar intimamente relacionada a um contexto de atração do pronome. No que concerne ao tipo de pronome, os resultados obtidos pela autora demonstram comportamento diferenciado dos clíticos de terceira pessoa: “se” indeterminador ligado predominantemente a V1, “se” reflexivo/inerente e clítico acusativo “o/a(s)” ligados preferencialmente a V2, em ambas as variedades; no século XIX, a colocação ainda estava condicionada à presença de um elemento proclisador, diferentemente daquilo que se verifica no século XX para o PB, que corresponde à preferência pela colocação enclítica a V2 para o clítico acusativo o/a (s) e se relexivo/inerente, “como uma expressão quase fixa” (NUNES, 2009:157). No tocante às variáveis extralingüísticas, Nunes (2009) confere ênfase à influência dos diferentes gêneros textuais para o condicionamento do fenômeno, sobretudo no que se refere aos resultados obtidos para o século XX. Nos anúncios, a 42 variante intra-complexo verbal mostrou-se mais produtiva, resultado próximo do que se percebe no padrão oral usado do PB (o de próclise ao verbo principal), enquanto os editoriais demonstraram maior grau de formalidade, seguindo com mais rigor o “princípio de atração pronominal” (NUNES, 2009:249), o que demonstra favorecimento da variante pré-complexo verbal nesse contexto. As conclusões às quais chega a autora a partir dos resultados obtidos demonstram que, no português europeu, nos dois séculos estudados, há preferência pela variante pré ou pós-complexo verbal, considerando as motivações de cunho morfossintático; em relação ao PB, no século XIX, o comportamento do fenômeno demonstrou-se semelhante àquele observado no PE, mas, no século XX, pôde-se perceber um equilíbrio entre as variantes pré e pós-complexo verbal. Nunes (2009) acrescenta, ainda, que, no PB, a partir do século XX, a escrita padrão começa a revelar uma mudança em relação à colocação pronominal em complexos verbais, pois começa a demonstrar o expressivo registro da variante intra-complexo verbal, sem a existência de hífen, sugerindo a ligação do clítico a V2. Martins (2009), em sua tese de doutorado, investiga a “sintaxe de ordenação dos clíticos” (MARTINS, 2009:18) na escrita catarinense dos séculos XIX e XX a partir de vinte e quatro peças de teatro escritas por catarinenses e de vinte e uma peças escritas por lisboetas, nascidos no período em questão. O autor procede à investigação do fenômeno levando em consideração dados de cliticização com verbos simples e estruturas complexas, privilegiando orações finitas não-dependentes. A investigação realizada pelo autor articula pressupostos da teoria da variação e mudança (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1982, 1994), da mudança sintática via competições de gramáticas (cf. KROCH, 1989, 1994, 2001) e da teoria de princípios e parâmetros, na versão minimalista (cf. CHOMSKY, 1995). Em sua pesquisa, Martins (2009) deixa claro que seu objetivo com a análise realizada não consiste em propor um novo estudo teórico a respeito da próclise nas gramáticas do português, mas sim desenvolver uma análise de maneira a defender a hipótese de que os padrões empíricos verificados na escrita catarinense, em relação à ordem dos clíticos pronominais, são resultado de um processo de mudança que advém da competição entre três gramáticas do Português: PB, PC (Português Clássico) e PE. Quanto aos resultados obtidos, Martins (2009) atesta a ocorrência majoritária de próclise em contextos de orações com operadores de negação predicativa, em orações 43 iniciadas por quantificadores, por determinados advérbios ou por constituintes expressamente focalizados, sendo os dados de ênclise nesses contextos interpretados como hipercorreção. A respeito desse comportamento, com base em resultados obtidos em outros estudos diacrônicos a partir de diferentes corpora, o autor faz a seguinte afirmação: A próclise nesses ambientes é o padrão de ordenação em textos escritos em toda a história do português, mais especificamente na escrita dos séculos 13 a 20. (MARTINS, 2009:303) O autor acrescenta, ainda, que o padrão de próclise é crescente nos textos analisados, não tendo sido encontrado um contexto de ênclise categórica, como se podia verificar em textos do século XII ao XIX, nos casos em que o verbo aparecia em início de oração absoluta; de acordo com o autor, a ocorrência de próclise em contextos nos quais o verbo ocupa a posição inicial da oração em textos brasileiros nos séculos XIX e XX (o que não se verifica nos textos portugueses) pode ser interpretada como uma característica inovadora da gramática do PB. Importante ressalva faz o autor a respeito da variação próclise/ênclise em orações iniciadas por sujeitos não focalizados, advérbios não modais e sintagmas preposicionais, demonstrando que, nos textos portugueses do século 20, há um aumento progressivo da ênclise, diferentemente do que se verifica nos textos brasileiros do século 18 a 20, que demonstram um aumento da próclise. O autor chega a concluir que “...em PB a próclise é o padrão de ordenação nesses e nos demais contextos...” (MARTINS, 2009:305). Sobre as estruturas de interpolação na diacronia do português, Martins (2009) declara que, no PB, tais estruturas não são mais encontradas, salvo em alguns textos do século XIX, defendendo que as poucas ocorrências tenham sido geradas por força do padrão conservador da gramática clássica. Em relação aos resultados concernentes às estruturas complexas, o autor aponta que já no século XIX, aumentando gradativamente no século XX, se verifica a próclise a V1, assim como ao verbo não-finito. Tais contextos, segundo o autor, não foram encontrados em quaisquer outros estágios da língua portuguesa e, por isso, também podem ser considerados como característicos da gramática do PB. Em síntese, Martins (2009) pode chegar às seguintes conclusões acerca da escrita catarinense: (i) no que se refere ao século XIX, há um quadro complexo formado por aspectos implementados por força da gramática conservadora do PC, pelas inovações da gramática do PB e pela “gramática da norma” do PE; (ii) no que se refere 44 ao século XX, demonstram-se padrões mais estáveis, refletindo a influência da gramática do PB; e (iii) a implementação da mudança sintática, concernente à ordem dos clíticos pronominais em textos de catarinenses dos séculos XIX e XX, deu-se por um processo gradual, sendo substituídas formas conservadoras por formas inovadoras. De modo geral, com base em seus resultados, o autor propõe que a sintaxe de ordenação dos clíticos reflete a competição de três gramáticas do português: gramática do português clássico, gramática do português europeu e gramática do português brasileiro. Santos (2010), em sua dissertação de mestrado, estuda a colocação pronominal em lexias verbais simples e complexas nas variedades brasileira (PB) e européia (PE) do português literário, com base na fundamentação teórico-metodológica da sociolingüística variacionista. O estudo se realiza a partir da análise de romances publicados no decorrer dos séculos XIX – fase 1 (1834-1866), fase 2 (1867-1900) – e XX – fase 3 (1901-1933), fase 4 (1934-1966), fase 5 (1967-2000) –, tendo sido reunidas quatro obras correspondentes a cada uma das fases estabelecidas, em ambas as variedades consideradas. A pesquisa investiga os condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos que determinariam, nos contextos de lexias simples, a aplicação das variantes proclítica, mesoclítica ou enclítica e, nos contextos de lexias complexas, a colocação pré-LVC, intra-LVC com hífen, intra-LVC sem hífen ou pós-LVC. Em hipótese, ao iniciar a investigação, Santos (2010) propõe que, nos contextos de lexias simples, PB e PE apresentariam semelhanças no comportamento do fenômeno, o que não ocorreria nos contextos de lexias verbais complexas, nos quais se verificaria maior freqüência distribucional da variante intra-LVC no PB e não no PE. Com seu trabalho, a autora buscou cumprir os objetivos de atestar a norma de colocação pronominal, no âmbito da literatura do PB e do PE, identificando variáveis lingüísticas e extralingüísticas que exerceriam influência no comportamento do fenômeno e, ainda, averiguar o estatuto da ordem dos pronomes átonos no decorrer do período considerado. A respeito dos contextos de lexias verbais simples, a autora pôde verificar 1427 dados do PB e 1538 do PE, atestando uma distribuição equilibrada entre as variantes próclise (50% no PB e 47% no PE) e ênclise (50% no PB e 52% no PE) e um baixíssimo índice de mesóclise (apenas 1 % no PB e no PE). Os resultados obtidos puderam demonstrar que, tanto no PB quanto no PE, no decorrer dos séculos XIX e XX, o comportamento do fenômeno se mostrou intimamente relacionado ao contexto sintático nos quais estão inseridos o pronome e a forma verbal. Dessa maneira, 45 verificou-se que, em contextos de início absoluto, o fenômeno não se configura como variável, pois há a preponderância da colocação enclítica e índices próximos de zero dos demais tipos de colocação pronominal. Tal comportamento é observado em praticamente todas as fases e em ambas as variedades consideradas; no entanto, a autora apresenta importante ressalva a respeito do que se verifica na fase quatro (1934-1966), do PB – período fortemente marcado pelos ideais modernistas – a esse respeito: Exceção a esse comportamento se observa na fase 4 do PB, em que a variedade brasileira registra, ainda que de forma discreta, dados do comportamento considerado vernacular – a variante pré-verbal em início de sentença. (SANTOS, 2010:230) O grupo de fatores “possível elemento proclisador” mostrou-se relevante para o condicionamento do fenômeno, havendo maior freqüência de registros de próclise nesses contextos no PE do que no PB, em quase todas as fases; para o PE, a autora aponta as fases 1 e 5 como fatores favorecedores da aplicação da variante pré-verbal, e para o PB, a segunda fase do século XIX como desfavorecedora dessa variante. Em relação ao tipo de clítico, a autora declara que todos os pronomes, sobretudo os de primeira e segunda pessoas, revelam maior produtividade da variante pré-verbal no PB e no PE, com exceção das formas contraídas do PB, que registram maior produtividade de ênclise. Quanto aos demais grupos que demonstram exercer condicionamento da aplicação da variante pré-verbal, citam-se “tempo e modo das formas verbais” (tempos do indicativo, do subjuntivo – destaque-se para estes a coatuação de proclisadores canôninos), “tonicidade das formas verbais” (especificamente para o PB) e “natureza da oração” (especificamente para o PE – cláusulas subordinadas desenvolvidas/clivadas demonstram favorecer a colocação proclítica). No que concerne aos contextos de lexias verbais complexas, a análise realizada por Santos (2010) conta com 431 dados, divididos em sub-amostras de acordo com a forma do verbo principal (gerúndio, infinitivo, ou particípio). Em relação às estruturas formadas por gerúndio, a autora descreve o comportamento do fenômeno a partir de 23 ocorrências da modalidade brasileira e 15 da modalidade européia. Os resultados apontam como variantes mais produtivas a v1 cl v2, no PB, e a v1-cl v2, no PE. A autora destaca o fato de que, no corpus referente ao PE, não houve qualquer ocorrência da variante intra-LVC sem hífen. Em ambas as variedades, foi a variante v1-cl v2 que figurou em casos de início absoluto, destacandose o fato de que, quando se trata de início de oração não coincidente com o início do 46 período, no PB, as variantes intra-LVC sem hífen e pós-LVC se mostraram como opção preferencial de colocação do pronome. Para as estruturas com gerúndio, a autora destaca que os “operadores de próclise”, com exceção dos elementos subordinativos, não demonstraram relevância para o condicionamento da aplicação da variante pré-LVC, diferentemente do grupo de fatores “tipo de clítico”. Em relação às estruturas formadas por particípio, Santos (2010) procedeu à análise de 29 dados do PB e 39 do PE. Nessas estruturas, as duas variedades apresentaram semelhanças em relação ao comportamento do fenômeno, como a não realização da variante v1 v2-cl e, nos casos de início absoluto, a aplicação exclusiva da variante v1-cl v2. Ao comparar as duas variedades, a autora pôde perceber que, diferentemente do PB, no PE, a variação existente entre as variantes pré-LVC e intraLVC com hífen é mais evidente. Em se tratando dessas estruturas, a autora destaca a atuação dos operadores de próclise, em ambos os corpora, motivando a colocação préLVC. No âmbito da cliticização pronominal em lexias verbais complexas com infinitivo, a análise da autora fez-se com base em 139 ocorrências do PB e 177 do PE, sendo, para esse tipo de estrutura, a variante pós-LVC a mais produtiva em ambas as variedades. Para os casos de início absoluto, registrou-se como opção a variante intraLVC sem hífen no PB (com maiores índices a partir da fase 4 do século XX) e com hífen no PE. No que se refere ao condicionamento lingüístico, a autora destaca que, em nenhuma das variedades, é evidente a atuação dos possíveis elementos proclisadores em estruturas com verbo principal na forma infinitiva; no entanto, declara que, na variedade européia, sobretudo na penúltima fase do século XX, os índices de cl v1 v2 são mais evidentes. O grupo de fatores “tipo de clítico” também mostrou relevância para o condicionamento do fenômeno, uma vez que os clíticos acusativos de terceira pessoa e o se reflexivo/inerente se mostram favorecedores da colocação pós-LVC em ambas as modalidades, mas com índices mais contundentes na amostra brasileira; os clíticos de primeira e segunda pessoa, no PB, favorecem mais a colocação intra verbal sem hífen e, no PE, a variante v1 v2-cl. Quanto ao “tipo de complexo”, a autora verificou que a variante intra-LCV sem hífen ocorre em todos os tipos de complexos; a colocação préLVC, ocorre, em ambas as variedades, com índices percentuais mais altos em construções nas quais se encontram verbos modais ((não) se pode fazer), sendo no PE mais expressiva. 47 Considerando os resultados gerais, Santos (2010) conclui que se verifica determinado grau de incompatibilidade entre a norma subjetiva presente em manuais prescritivos, assumidamente construídos a partir de textos literários, e o material analisado; essa incompatibilidade entre as normas da tradição gramatical e o uso atestado na amostra é maior nos contextos de lexias verbais complexas. A respeito das diferenças observadas em relação às duas variedades analisadas, a autora chega a afirmar que “os dados literários sinalizam normas de uso diferenciadas no Português do Brasil e no Português Europeu” (SANTOS, 2010: 247), no decorrer do período sob análise, destacando, nesse âmbito, as variantes próclise em início de oração e próclise ao verbo principal, verificadas nos romances brasileiros e não atestadas nos europeus. 2.4.2. A ordem dos clíticos pronominais em estudos sincrônicos Vieira (2002), em sua tese de doutorado, investiga a ordem dos clíticos pronominais em contextos de lexias verbais simples e complexas, nas modalidades oral e escrita do português do século XX, considerando-se três diferentes variedades da língua portuguesa: português brasileiro (PB), português europeu (PE) e português moçambicano (PM). A autora valeu-se, para o estudo da modalidade oral, de corpora já constituídos, específicos para cada modalidade, e, para a modalidade escrita, de 90 textos jornalísticos (30 para cada variedade – 15 editoriais e 15 crônicas). A análise conta com um total de 5.196 ocorrências de clíticos pronominais, sendo 4.167 em contextos de lexias verbais simples e 1.029 em contextos de lexias verbais complexas. Buscando averiguar a variante mais utilizada, os condicionamentos lingüísticos e extralingüísticos que favorecem determinada variante e a relevância das características prosódicas, a autora faz uso do arcabouço teórico-metodológico da sociolingüística variacionista, assim como da Fonética acústica. Para os contextos de lexias verbais simples, procedeu à investigação da opção do falante entre as variantes próclise (préverbal), mesóclise (intra-verbal) ou ênclise (pós-verbal) e, para os contextos de lexias verbais complexas, entre a colocação pré-complexo verbal (cl V1 V2), intra-complexo verbal (V1 cl V2)5 ou pós-complexo verbal (VI V2 cl). _ 5 Por tratar fundamentalmente de dados da oralidade – há um número pequeno de dados da escrita – e por desenvolver a análise prosódica, a autora declara apenas na interpretação dos resultados ser a variante intra-CV proclítica ao verbo principal no caso brasileiro. Para tanto, considera especialmente os casos de complexos co m material interveniente, em que o clítico aparece após esse material. 48 No que concerne à análise dos contextos de lexias verbais simples na oralidade, a autora destaca, para as variedades investigadas, a não ocorrência da variante mesóclise e, no corpus escrito, a baixa expressividade dessa variante: Em primeiro lugar, deve-se registrar que, também na modalidade escrita, a mesóclise não ocorre com expressividade. Houve apenas 8 dados da colocação intra-verbal – 4 no PE e 4 no PM (...). (VIEIRA, 2002:144) Dos resultados obtidos, Vieira (2002) pôde verificar que o PE apresenta uma distribuição equilibrada dos dados entre as variantes pré-verbal e pós-verbal, havendo um condicionamento sistemático do fenômeno, tanto na modalidade oral quanto na escrita, diretamente relacionado a elementos de natureza estrutural. De acordo com a autora, sobressaem no referido condicionamento os grupos de fatores “presença de atrator”, “distância entre o atrator e o grupo clítico-verbo”, “tempo e modos verbais”, e “tipo de clítico”, este apenas no PE oral. Excetuando-se tais contextos, a autora pôde verificar a aplicação da variante pós-verbal. Para o PM, os resultados obtidos por Vieira (2002) demonstram a tendência à variante pós-verbal, sendo tal variante expressiva até mesmo em contextos nos quais se espera a anteposição do pronome. Ainda no âmbito da cliticização pronominal em lexias simples, o PB apresenta comportamento bastante diversificado daquele que se pôde observar para o PE e o PM. De acordo com Vieira (2002), a ordem não-marcada no PB é a próclise, ficando a ênclise restrita a contextos muito específicos (cf. VIEIRA, 2002: 203). Os fatores que atuam para o condicionamento do fenômeno são diferenciados de acordo com a modalidade em questão. Dessa maneira, na oralidade, foram observados como favorecedores da colocação pós-verbal os pronomes “o/as” e “se” (indeterminador e apassivador), no âmbito lingüístico, e indivíduos com mais de 55 anos, no âmbito extralingüístico. No corpus escrito, mostraram-se relevantes para a aplicação da colocação pré-verbal os grupos de fatores, “tipo de clítico”, “presença de atrator do pronome na oração”, “tipo de oração” e “distância entre atrator e o grupo clítico verbo”. Nessa modalidade, a colocação pré-verbal tende a não ocorrer na ausência de elemento atrator, quando se trata do clítico o/a e se (indeterminador/apassivador), quando o clítico se encontra precedido por conjunção coordenativa ou locução adverbial – sobretudo quando distantes do grupo clítico verbo –, em orações independentes, coordenadas sindéticas e subordinadas reduzidas de infinitivo. 49 No que se refere aos contextos de complexos verbais, os resultados obtidos por Vieira (2002) apontam a variante intra-complexo verbal como a mais freqüente na modalidade oral das três variedades. Quanto ao PE, a autora destaca o fato de que, quando o pronome se encontra entre as duas formas verbais, tende a se ligar a V1; destaca, ainda, que a variante pré-CV é também produtiva nos dados analisados, mas mantém sua manifestação determinada pela presença de atrator em contexto anterior ao complexo verbal, sendo, ainda, mais provável quando o pronome em questão é o clítico se (indeterminador/ apassivador) e quando a forma de V2 é o particípio. A colocação pós-CV, no PE, mostrou-se ligada aos grupos de fatores “forma do verbo principal” e “tipo de clítico”, relacionando-se, respectivamente, ao infinitivo e ao clítico acusativo de 3ª pessoa ou se (reflexivo/inerente). Tais resultados são comuns àqueles observados para o PM oral, acrescentando-se, para esta variedade, o fato de a colocação pós-CV ser favorecida, também, nos casos em que se tem a presença da preposição a no interior do complexo verbal. Quanto à modalidade escrita, os resultados apontam, para o PE e o PM, a colocação pré-complexo como mais produtiva, comportamento que pode estar relacionado à atuação mais rigorosa dos elementos atratores. Em relação ao PB, Vieira (2002) declara ser, tanto na modalidade oral quanto na escrita, a variante intra-CV a mais produtiva, apresentando haver evidências de que haveria ligação do clítico a V2 e não a V1, diferentemente do que se observou no comportamento do fenômeno no PE e no PM. Nos dados brasileiros, a atuação dos elementos atratores não é relevante para o condicionamento da aplicação da colocação pré-CV e, quanto à colocação pós-CV, os resultados mostram que essa variante se manifesta em contextos específicos, sobretudo quando há a combinação entre V2 infinitivo e o clítico acusativo. Vieira (2002) pôde verificar, ainda, por meio dos resultados obtidos pela análise prosódica, que, no PB, o clítico apresenta as características de uma sílaba pretônica e, no PE, de uma sílaba postônica/pretônica vocabular. Para tanto, a autora procedeu à medição dos parâmetros acústicos do acento referentes a sílabas vocabulares e clíticas, em diversos contextos, em contextos comparáveis (como menino e me nino). Valendose, ainda, do recurso da síntese de fala e de posterior aplicação de testes de percepção com juízes brasileiros, o estudo demonstra que, no PB, a ligação do pronome nas estruturas testadas se dá ao vocábulo da direita; já no PE (e, por hipótese, no PM), ao da esquerda. O que determina acusticamente a ligação do pronome à esquerda, de acordo 50 com a autora, seria, essencialmente, a duração e a intensidade (menores no PE, quando comparadas às do PB). Schei (2003)6 desenvolve estudo sobre a colocação pronominal no PB a partir de seis romances escritos por autores brasileiros no fim do século XX. A autora investiga a ordem dos clíticos pronominais em contextos tanto de lexias simples como de complexos verbais, procedendo à comparação entre o que é descrito em algumas gramáticas7 da língua portuguesa acerca do tema e a realidade dos dados encontrados. Em relação à abordagem do tema nas gramáticas, a autora destaca que, de acordo com a perspectiva tradicional, a ênclise seria a posição normal do pronome átono em relação às formas finitas do verbo, exceto em determinados contextos sintáticos (negação, advérbio, pronome indefinido; as palavras ambos e mesmo, oração interrogativa, exclamativa; optativa; subordinada e coordenada à subordinada) para os quais se recomenda a colocação proclítica. No que concerne às locuções verbais, de acordo com a autora, o que se descreve nas gramáticas analisadas é a possibilidade de o clítico pronominal posicionar-se antes ou depois do verbo auxiliar ou, ainda, depois do verbo principal com exceção das locuções formadas com particípio, forma nominal do verbo com a qual não se admite a ênclise. A autora menciona, ainda, que algumas gramáticas apresentam aspectos típicos da colocação pronominal no PB, quais sejam: (i) preferência pela próclise mesmo nos casos em que se recomenda a ênclise; (ii) colocação proclítica em início de período, principalmente na fala espontânea ou coloquial, (iii) grande variabilidade na ordem dos clíticos; (iv) ausência de mesóclise; e (v) nas locuções, posição proclítica ao verbo principal. A autora constatou que, no PB, a colocação pronominal se distancia do padrão proposto nas gramáticas normativas; Schei (2003) declara que, quanto ao _ 6 A obra corresponde, originalmente, à tese de doutorado intitulada A colocação pronominal do português brasileiro: a língua literária contemporânea, defendida por Schei, em 2000, na Universidade de Estocolmo. 7 Observem-se as referências das gramáticas escolhidas por SCHEI (2003): BECHARA, Evanildo (1967). Moderna gramática portuguesa, 11.ed., p. 398-403. [1961]; CUESTA, Pilar Várgues & LUZ, Maria Albertina Mendes da. (1983). Gramática analítica da língua portuguesa, p. 493-7 [1949]; CUNHA, Celso Ferreira da (1985). Gramática da língua portuguesa, 11. ed., p. 306-13. [1972]; CUNHA, Celso Ferreira da & CINTRA, Luís F. Lindley (1991). Nova gramática do português contemporâneo , 8 ed. , p. 310-8 [1984]; LUFT, Celso Pedro (1985). Moderna gramática brasileira, 6.ed. p. 18-20. [1976]; ROCHA LIMA, Carlos Henrique da (1980). Gramática normativa da língua portuguesa, 21. ed., p. 416-21. [1957] SAID ALI, Manuel (1964). Gramática secundária da língua portuguesa, p. 204-16. [1927] 51 fenômeno estudado, as gramáticas consultadas “não descrevem, muito bem, e muito menos explicam a variação que se observa no PB.” (SCHEI, 2003: 129). Segundo a autora, a escolha por obras literárias como corpus para viabilizar a investigação deu-se por acreditar que esse material constituiria importante objeto de análise, tendo em vista que “a gramática normativa afirma que descreve justamente a língua culta, especialmente a usada na literatura.” (SCHEI, 2003:30). Os resultados obtidos pela autora, com base em mais de 8.000 ocorrências, permitiram-lhe afirmar que a ordem dos clíticos pronominais na escrita literária do Brasil apresenta comportamento diferenciado daquele proposto pelas gramáticas; no entanto, o fato de os romances contemplados na pesquisa apresentarem determinadas particularidades não permite que se estabeleça um modelo que se afirme representar o padrão geral da colocação pronominal na “língua literária” brasileira. Sintetizando-se os resultados mais relevantes obtidos pela autora, apresentam-se os seguintes: ocorrência de próclise em contextos para os quais as gramáticas prescrevem a ênclise e, ao contrário, a manifestação da ênclise em contextos morfossintáticos que propiciariam a colocação proclítica; alto índice de próclise com o pronome me; tendência à colocação enclítica do pronome se, assim como do pronome lhe; nas locuções verbais, colocação proclítica ao verbo principal mais freqüente do que as demais colocações; ausência do clítico acusativo o em posição proclítica ao verbo principal; nos casos de locuções formadas por auxiliar + particípio, tendência à colocação proclítica ao verbo auxiliar, comportamento não tão freqüente em construções formadas com gerúndio ou infinitivo. A autora pôde verificar, portanto, que a colocação pronominal na escrita literária brasileira difere, de fato, do padrão de ordem proposto nas gramáticas analisadas; ademais, alguns traços verificados na escrita literária, muitas vezes, se aproximam de dados observados na modalidade oral do PB. Machado (2006), em sua dissertação de mestrado, vale-se de textos de alunos do 5° e 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, matriculados em escolas das redes pública e privada do Estado do Rio de Janeiro, para analisar não só a ordem dos clíticos pronominais – em contextos de lexias verbais simples –, mas também as estratégias de preenchimento do objeto direto. Para o desenvolvimento das duas etapas de análise, o estudo contou com 360 redações (180 dissertações e 180 narrações). 52 O principal objetivo da autora consiste em determinar, com base nos pressupostos da sociolinguística variacionista, os fatores lingüísticos e extralingüísticos que motivariam o uso de determinados clíticos pronominais e a aplicação da variante pós-verbal, estruturas que seriam pouco utilizadas na oralidade brasileira. Partindo da hipótese de que o processo de ensino-aprendizagem estaria intimamente relacionado ao fenômeno, Machado (2006) propõe que, quanto maior o grau de escolaridade dos alunos, mais produtivo seria o uso de tais estruturas nos contextos idealizados pela tradição gramatical. A autora analisou, primeiramente, a produtividade dos clíticos de terceira pessoa frente a outras estratégias de preenchimento do objeto, com base em amostra de 396 dados, sendo consideradas as seguintes variantes: mesmo SN, outro SN, pronome reto, clítico acusativo e categoria vazia. Os resultados obtidos pela autora demonstraram que o uso do clítico pronominal é predominante nos textos de alunos de escolas públicas e privadas (sendo nestas mais expressivo); destaque-se que o clítico acusativo se mostrou a estratégia mais utilizada pelos alunos (37% dos casos – 147/396). O nível de escolaridade demonstrou também importante influência para o condicionamento do fenômeno, tendo em vista que os índices de utilização do clítico pronominal apresentaram crescimento gradual de acordo com o avanço da escolaridade dos alunos (14% no 5º ano, 31% no 9º ano e 58% no 3º ano). A autora verificou, ainda, que, nos textos dissertativos, o emprego do clítico pronominal é um pouco mais produtivo (41%) do que nos narrativos (36%) e, analisando a relação existente entre as variáveis modo de organização textual e escolaridade, que, na medida em que os alunos vão avançando no processo de escolarização, mais vão se familiarizando com o uso dos clíticos nos diferentes tipos de textos. No que se refere à ordem dos clíticos pronominais, especificamente, Machado (2006) valeu-se de 590 dados e, por meio da análise variacionista, pôde verificar que a ênclise (20% - 118/590) é bem menos produtiva do que a próclise (80% - 472/590), não tendo sido encontrada qualquer ocorrência de mesóclise. Das variáveis lingüísticas investigadas pela autora, mostraram-se relevantes para o condicionamento da colocação enclítica as variáveis presença ou ausência de atrator (a tendência à ênclise é acentuada nos contextos em que não há o elemento atrator), tipo de clítico (o clítico acusativo mostrou-se altamente favorecedor da ênclise, enquanto os clíticos de primeira e segunda pessoas se mostraram mais suscetíveis à próclise), tipo de oração (forte favorecimento à aplicação da variante pós-verbal nas reduzidas de infinitivo, sendo tal favorecimento 53 mediano nas reduzidas de gerúndio e nas orações independentes; as orações dependentes mostraram alto desfavorecimento da ênclise). Quanto às variáveis extralingüísticas, em relação à escolaridade os altos índices de ênclise concentraram-se nos textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, sobretudo neste último nível, e, em relação ao tipo de texto, o textos dissertativos demonstraram favorecimento à aplicação da variante pós-verbal. Em considerações finais, Machado (2006) destaca a confirmação de sua hipótese inicial, atestando que a escrita dos alunos é influenciada pela norma gramatical difundida pela escola a respeito do uso e da ordem dos clíticos pronominais, sendo nítida tal influência ao considerar a progressão dos alunos no processo de escolarização, os modelos estabelecidos para cada tipo de texto e os contextos morfossintáticos que se mostraram relevantes. Peterson (2010), em sua dissertação de mestrado, investiga a ordem dos clíticos pronominais em lexias verbais simples e complexas na escrita do português do Brasil (PB), sob orientação dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista. Para tanto, a autora vale-se de textos de domínio jornalístico do gênero textual carta de leitor, extraídos dos jornais cariocas O Globo, Extra e Meia hora, publicados em 2008/2009, tendo sido consideradas 1.800 cartas (600 de cada jornal). Nos contextos de lexias verbais simples, investiga os fatores de ordem linguística e extralinguística que favoreceriam o uso das variantes pré-verbal e pós-verbal, e, nos contextos de lexias verbais complexas, das variantes pré-complexo verbal, pós complexo verbal e intra-complexo verbal (com hífen e sem hífen). Ao iniciar a investigação, a autora parte da hipótese de que aspectos referentes à tradição discursiva própria do gênero textual carta acarretariam um comportamento da ordem dos clíticos pronominais semelhantes nos diversos textos considerados. Com a realização da pesquisa, a autora busca cumprir os seguintes objetivos: (i) verificar o condicionamento lingüístico e extralingüístico relacionado ao padrão de variação da colocação pronominal; (ii) averiguar se, no gênero carta de leitor, há de fato traços de uma tradição discursiva no âmbito da colocação pronominal; e (iii) determinar a proximidade/ distância entre a norma de uso e a norma idealizada em compêndios gramaticais prescritivos. Em relação à produtividade dos clíticos pronominais no corpus de análise, a autora pôde verificar comportamento diferenciado entre os jornais considerados. Em 54 contextos de lexias verbais simples, foram obtidas 650 ocorrências de clíticos pronominais, sendo 446 do jornal O Globo, 145 do jornal Extra e 39 do jornal Meia Hora. Em contextos de complexos verbais – que, em geral, são estruturas menos produtivas do que as simples -, também é relevante a diferença entre os jornais: do total de 132 dados, 93 são do jornal O Globo, 34 do Extra e 5 do Meia Hora. A respeito da diferença expressiva do quantitativo de dados extraídos de cada jornal em contextos de lexias simples, observe-se a conclusão da autora: Pode-se pressupor que essa discrepância esteja relacionada não só ao tamanho das cartas (que são menores no Meia Hora), mas também ao perfil das cartas presentes nesses jornais e ao próprio perfil dos veículos. (PETERSON, 2010:90) Considerando-se as lexias verbais simples, Peterson (2010) pôde verificar que a variante pré-verbal é a mais produtiva não só no conjunto de dados, mas também em cada jornal, tendo sido O Globo o veículo que apresentou o percentual mais baixo dessa variante (67%, em o Globo, 85 % no Extra e 92% no Meia Hora) e o mais alto da posição pós-verbal (33%, em O Globo, 15% no Extra e 8% no Meia Hora). A autora destaca o fato de o jornal Meia hora ter demonstrado ser o veículo mais favorecedor da variante pré-verbal, atingindo para essa variante .88 de peso relativo, enquanto o jornal Extra, com peso relativo de .72, se encontra, “na linha de um continuum”, entre o jornal O Globo (.38 de próclise) e o Meia Hora. Em relação aos condicionamentos lingüísticos, os grupos de fatores que se mostraram mais influentes foram “presença de possível elemento proclisador” (com próclise categórica quando da aplicação da variante partícula de negação), “tipo de clítico (os pronomes se inerente/ reflexivo e os de primeira e terceira pessoa como variantes favorecedoras da colocação pré-verbal), “tipo de oração” (a oração subordinada desenvolvida apresentou forte favorecimento da colocação proclítica, assim como a coordenada sindética, com favorecimento menos expressivo) e “distância entre o possível elemento proclisador e o V-CL ou CL-V” (tendência à colocação proclítica quando não há elementos intervenientes entre o clítico e o possível proclisador). Para os contextos de lexias verbais complexas, a autora procedeu à análise considerando separadamente cada forma do verbo principal. De modo geral, Peterson (2010) aponta que, independentemente da existência de contextos que desencadeiam a colocação pré-CV, foi mais produtiva em todo o corpus a variante intra-CV sem hífen. Nos contextos em que o verbo principal se encontra no particípio, a autora demonstra 55 que a tendência à colocação intra-complexo verbal sem hífen se altera nos casos de construções passivas, passando a prevalecer a colocação pré-CV. Quanto aos dados em que se tem o verbo principal no gerúndio, sendo a maioria deles construída com o auxiliar estar, a variante mais produtiva foi a colocação intra-CV sem hífen. A autora destaca que os contextos de verbo principal nas formas particípio e gerúndio não apresentaram aplicação da variante pós-CV. No que se refere aos contextos de estruturas formadas por verbos no infinitivo, como nas demais estruturas de lexias verbais complexas, a variante intra-CV sem hífen foi a mais produtiva, sendo os clíticos de primeira e segunda pessoa e o se inerente/ reflexivo os que mais propiciaram a aplicação dessa variante. Em relação à colocação do clítico nas demais posições, a autora destaca os seguintes resultados: (i) para a aplicação da variante pré-CV, dá-se a atuação do possível elemento proclisador – em especial a partícula de negação – especialmente nas estruturas formadas poder + se indeterminador/apassivador; (ii) quanto à aplicação da variante pós-verbal, o clítico acusativo de terceira pessoa manifestou 100% de realização dessa variante; e (iii) para a aplicação da variante intra-CV com hífen (verificada em apenas 6 ocorrências), parecem contribuir os fatores início absoluto de oração e presença do clítico se apassivador/ indeterminador. Com base nos resultados obtidos, Peterson (2010) conclui que o jornal O Globo exibe maior respeito à norma culta padrão e o fato de, algumas vezes, essa norma não ter sido rigorosamente respeitada pode estar relacionado ao gênero textual carta de leitor, cujas características não se limitam ao tipo de carta e/ou perfil do jornal, mas também ao perfil do leitor/escritor. De fato, a ordem dos clíticos pronominais sofre influências do gênero textual e do veículo jornalístico, o que permitiu à autora traçar um contínuo de atendimento ao padrão prescritivo (O Globo > Extra > Meia Hora). O trabalho desenvolvido por Peterson (2010) pode demonstrar que a norma idealizada em compêndios gramaticais, somente em alguns casos, na norma de uso efetivamente praticada nos textos analisados. Tendo em vista a vasta gama de informações que se apresenta a respeito dos estudos descritos anteriormente, torna-se relevante sintetizar as conclusões às quais se pôde chegar a respeito da colocação pronominal no Português do Brasil com base nos trabalhos resenhados. 56 Em relação à ordem dos clíticos pronominais em contextos de lexias verbais simples, os resultados revelam que, até o século XVIII, com exceção dos contextos de início absoluto, se apresentaram maiores índices de colocação proclítica; a colocação enclítica começa a se revelar produtiva nos contextos em que se verifica a variação no século XIX, sendo observada não só em contextos de início absoluto, mas também após o sujeito e outros elementos não proclisadores que viessem a anteceder o grupo clíticocomplexo verbal. A partir do século XX, a colocação proclítica passa a ser demonstrada como preferencial no PB, atingindo índices altíssimos em dados da oralidade (categóricos em muitos contextos) e uso expressivo em dados da escrita (variável principalmente em função do grau de formalidade de cada gênero textual analisado), mesmo em contextos em que seria recomendada tradicionalmente a colocação pósverbal. Torna-se, então, nitidamente diferenciado o padrão de uso observado para as variedades brasileira e europeia da língua portuguesa. No que se refere à ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais, os resultados obtidos pelos autores indicam que a colocação pré-complexo verbal se mostrou predominante até o início da segunda metade do século XVIII. No período que compreende a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX, começou a ser demonstrada a preferência pela colocação proclítica ao verbo principal, passando a ser amplamente expressa a partir do século XX. As interpretações propostas em diversos trabalhos propõem que as mudanças que se puderam verificar no português do Brasil podem ser explicadas (i) pela influência da norma européia, que, a partir da segunda metade do século XIX, passa a ser adotada como norma culta no Brasil, e (ii) pelo fato de a gramática do português clássico ter dado lugar à gramática do português europeu e à gramática do português brasileiro, ocasionando um processo de mudança que teria por origem a competição entre três diferentes gramáticas. Cumpre reafirmar que a consulta aos estudos resenhados neste capítulo se mostraram extremamente relevantes para a definição do tema a ser estudado nesta investigação, assim como para a formulação de hipóteses estabelecidas, para a definição de procedimentos teórico metodológicos e para a análise dos resultados obtidos. 57 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Nesta seção, apresentam-se os fundamentos teóricos dos quais se lançou mão para a realização desta pesquisa, sejam eles (i) o modelo sociolingüístico da teoria da variação e mudança, (ii) os conceitos referentes ao tema da cliticização e a descrição dos parâmetros estabelecidos por Klavans (1985) e (iii) e as reflexões desenvolvidas por alguns autores acerca da influência da oralidade no processo de formação da escrita no PB. Cabe salientar que, na descrição das variáveis (seção 4.3.), outros aspectos teóricos, que fundamentaram as hipóteses de investigação, serão apresentados. 3.1. Teoria da variação e mudança Buscando averiguar o comportamento variável da ordem dos clíticos pronominais na escrita escolar do Rio de Janeiro, este estudo segue as orientações teórico-metodológicas da Sociolingüística de orientação Laboviana, a Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968; LABOV, 1972 e 1994). Dentre os princípios da referida teoria, cabe destacar que esta pesquisa se desenvolve a partir da noção de heterogeneidade e sistematicidade da língua, da relação existente entre variação e mudança, do conceito de regra variável, das orientações metodológicas referentes ao tamanho e à estratificação da amostra, e dos problemas da mudança, quais sejam: o problema das restrições ou dos fatores condicionantes, da transição, do encaixamento lingüístico, da avaliação e da implementação. A Sociolinguística Variacionista se fundamenta, em sentido amplo, no princípio de que a variação é inerente à língua, de forma que, nos estudos de variação e mudança, a heterogeneidade linguística constitui foco da análise. De acordo com o pensamento sociolingüístico, a mudança é um processo contínuo e subproduto da inevitável interação lingüística, processo que deriva necessariamente da variação lingüística e pode ser explicado a partir da descrição dessa variação. A descrição da heterogeneidade linguística, por sua vez, é concebida como ordenada e passível de sistematização; em outras palavras, as diferentes maneiras que se observam de transmitir uma mesma informação não se aplicam por meio de uma variabilidade aleatória, mas sim condicionada por restrições linguísticas e extralingüísticas, o que permite afirmar a existência de uma variabilidade ordenada e sistemática. 58 Na perspectiva sociolingüística adotada, variação e mudança estão intrinsecamente relacionadas, levando-se em consideração o postulado de que nem toda variação acarreta necessariamente mudança (o que se caracteriza como variação estável), mas toda mudança pressupõe variação. A mudança linguística caracteriza-se como resultado da variação sistemática que se observa numa determinada comunidade e que, por pressões internas e externas, acarreta mudanças no padrão de uso observado; de acordo com Weinreich, Labov & Herzog (2006:126), a mudança linguística “não é uniforme nem instantânea; ela envolve a co-variação de mudanças associadas durante substanciais períodos de tempo.” As bases teóricas que sustentam o pensamento sociolingüístico sobre a variação e a mudança linguística, em verdade, configuram um rompimento da identificação de estruturalidade com homogeneidade linguística. No que se refere ao princípio da homogeneidade, a perspectiva sociolinguística opõe-se ao que propõe o modelo gerativista e estruturalista, que se fundamenta no emprego de regras categóricas que podem ser analisadas fora de seu contexto social. A partir da vertente sociolinguística, a língua deixa de ser vista como sistema autônomo e sem história e todas as regras e sistemas passam a ser vistos como passíveis de variação que pode ser sistematizada; a heterogeneidade lingüística está prevista nos conhecimentos gramaticais do falante, o que torna possível a inerente mutabilidade da língua, mas se concretiza na vida social. Considerando que a variação decorre das funções sociais e não individuais, os estudos sociolingüísticos buscam resultados que sejam representativos do padrão de uso dentro de determinado grupo social; assim sendo, cabe ao sociolinguista buscar padrões lingüísticos variáveis que sejam representativos das gramáticas da comunidade de fala. De acordo com Guy (2000), as comunidades de fala assumem características linguísticas compartilhadas pelos falantes; trata-se de um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham sons ou construções gramaticais que são usadas dentro da comunidade, e não fora dela. O autor propõe, ainda, que a comunidade de fala considerada caracteristicamente em estudos sociolingüísticos apresenta densidade de comunicação interna relativamente alta, isto é, os falantes comunicam-se mais entre eles do que com falantes de outros grupos e, o que é mais importante, compartilham normas e atitudes com respeito aos usos lingüísticos, determinando o que seria apropriado para determinado contexto e não para outro. A definição da comunidade de fala nos estudos sociolinguísticos permite verificar a distribuição social 59 de semelhanças e diferenças linguísticas, tornando viável considerar características linguísticas individuais e marcas representativas de um grupo. Dos fatores que servem à identificação do perfil sociolingüístico da comunidade de fala na qual estão envolvidos determinados falantes, tem-se, como mais convencionais, as variáveis extralingüísticas espaço geográfico, idade, sexo/gênero e escolarização. Podem ser elencados, ainda, os seguintes indicadores de estratificação social: nível socioeconômico (origem social, renda familiar, local de moradia); efeitos dos meios de comunicação (da mídia televisiva, escrita ou radiofônica); tipo de ocupação profissional; grau de inserção em redes sociais (família, clubes, igreja, círculos de amizade); grau de formalidade; grau de sensibilidade (diversidade de usos, e adequação destes aos contextos); grau de consciência da forma de prestígio. A análise de um fenômeno lingüístico inserido em determinada comunidade de fala pelos moldes da sociolinguística variacionista deve ser feita com atenção à construção de uma amostra devidamente estratificada, cujos falantes sejam selecionados de maneira aleatória. Os falantes estudados precisam ser representativos do grupo, sendo consideradas, portanto, pessoas que tenham nascido ou desde pequenas sejam integrantes da comunidade de fala; dessa maneira, torna-se interessante adquirir um conhecimento prévio do perfil dos falantes para que não se obtenham dados isolados, sem relevância no grupo em estudo. O número de falantes que se deve considerar para a composição da amostra em estudo sociolingüístico depende, principalmente, do grau de variabilidade do fenômeno em estudo; quanto mais variável for o fenômeno, maior será a necessidade da composição de uma amostra ampliada. Labov (1972:204) declara que amostras pequenas, compostas por 25 falantes, por exemplo, podem revelar “os padrões básicos de estratificação de classes”. Para o autor, são bastante confiáveis dados sociolinguísticos que apresentem, a respeito de determinada variável, quatro ou cinco falantes para cada célula. Nos estudos sociolingüísticos, o controle da variação sistemática descrita corresponde à concepção de regra variável (cf. LABOV, 1978, 2008 [1972]), que se refere à possibilidade de duas ou mais formas variantes transmitirem o mesmo significado referencial num determinado contexto lingüístico, garantindo a transmissão da mesma informação. Essa premissa da manutenção do valor de verdade entre as variantes ensejou produtivo debate entre os estudiosos, especialmente a partir do momento em que os estudos sociolingüísticos, que inicialmente se realizavam 60 unicamente a partir de fenômenos de natureza fonológica, passaram a se aplicar a outros níveis gramaticais. Lavandera (1978) sustenta a inadequação da pesquisa sociolinguística ao estender a outros níveis gramaticais a noção de variável originalmente desenvolvida com base em dados fonológicos. De acordo com a autora, dados não fonológicos não se enquadrariam na concepção de regra variável, uma vez que não deixam clara a estratificação social, são metodologicamente difíceis de se definir e nem sempre transmitem a mesma informação. Diante de um possível enfraquecimento da equivalência semântica necessária para que se afirme a manutenção do valor de verdade entre variantes, a autora propõe a noção de comparabilidade funcional entre fatores que, de acordo com o contexto discursivo, podem traduzir a mesma intenção comunicativa. Dessa maneira, Lavandera (1978) declara que podem ser consideradas variantes de uma mesma variável fatores que revelem a referida comparabilidade funcional, mas não necessariamente transmitam a mesma informação. Labov (1978), em resposta às proposições de Lavandera (1978) a respeito dos limites impostos para o estudo da variável sociolinguística, declara que, no âmbito sociolinguístico, as análises se fundamentam numa visão mais ampla do uso da linguagem, em que diferenças associadas a matizes semânticos ou discursivos podem ser controlados como fatores que se correlacionam ao fenômeno. Segundo o autor, para serem tratadas como variantes de uma mesma variável, é indispensável que se cumpra a exigência de manutenção do mesmo significado referencial expresso pelas formas alternantes. Labov (1978) concorda que, de fato, o resultado de uma análise da variação sintática não é algo facilmente interpretável, pois implica a interpretação de fatores variáveis que leve a conclusões sobre a forma da gramática. Ainda assim, por assumir que a definição da regra variável não constitui por si só uma “teoria da linguagem”, considera a concepção de regra variável como diferentes maneiras de comunicar o conteúdo básico útil para os estudos linguísticos. A respeito do debate instaurado entre Labov e Lavandera, Suzanne Romaine (1981) reforça a importância de um sistema de sentenças contextualizadas, pragmatizadas, de modo que os fatores sociais não sejam relegados a segundo plano. A autora considera válida a extensão da tradicional análise linguística proposta pelo modelo variacionista, considerando adequada a investigação da variação em níveis acima do fonológico e ampliando o conceito de regra variável até o nível do discurso. De acordo com a autora, controlando os fatores que se estabelecem no domínio da 61 comunicação, o modelo sociolinguístico pode dar conta de estruturas variáveis que se correspondam no nível pragmático-discursivo. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais pode, em virtude da variedade de estruturas verbais complexas consideradas, demonstrar-se como fenômeno questionável no que concerne à concepção de regra variável. O clítico pronominal pode se colocar em, no mínimo, quatro posições, sejam elas pré-complexo verbal (pode-se investigar), intra-complexo verbal com hífen (pode-se investigar), intra-complexo verbal sem hífen (pode se investigar) e pós-complexo verbal (pode investigar-se). Embora na maioria dos casos se possa afirmar que se mantém o valor de verdade e o contexto discursivo, determinadas estruturas, como a que figura na sentença ilustrativa O orientador mandou-me analisar os dados, podem traduzir diferenças a respeito do significado referencial quando consideradas as formas alternantes, sejam elas me mandou analisar, mandou me analisar e mandou analisar-me. Percebe-se que nem todas as variantes mantêm o valor referencial que se apresenta na sequência ilustrada. Com isso, conforme se descreve na seção referente à descrição das variáveis, os complexos verbais formados por auxiliares/ semi-auxilares causativos/sensitivos não foram considerados neste estudo. No que se refere aos aspectos metodológicos, a Sociolinguística Laboviana descreve e analisa o processo de variação/mudança que se observa nos fenômenos da língua a partir do controle de variáveis sociais (aspectos externos à língua, como sexo, escolaridade, idade) e linguísticas (aspectos internos à língua), buscando averiguar o favorecimento ou desfavorecimento de determinadas estruturas a depender do contexto no qual se inserem. Por meio do pacote de programas computacionais (GOLDVARB), importante aporte metodológico da Sociolinguística, os pesquisadores conseguem identificar os fatores que condicionam a aplicação de uma ou outra variante. A pesquisa sociolinguística permite averiguar se o fenômeno em estudo se encontra em variação estável ou mudança em progresso, realizando-se os estudos em tempo real – comparação do comportamento linguístico dos mesmos falantes (estudo de painel) ou de falantes diversos com o mesmo perfil (estudo de tendências) em dois ou mais momentos temporais distintos (entrevistas realizadas após, preferencialmente, 20 anos), – ou aparente – estudo de fenômenos variáveis num período discreto, contemplando informantes de diferentes faixas etárias. A soma dos resultados com base em tais procedimentos de análise permite supor, assumindo o chamado princípio do uniformitarismo – que propõe que os dados contemporâneos revelem o que se teria dado 62 em tempos pretéritos –, a trajetória percorrida para a configuração de determinadas estruturas lingüísticas. WEINREICH, LABOV & HERZOG (2006 [1968]) propõem cinco problemas a partir dos quais se postulam princípios empíricos que possam contribuir para a formação de uma teoria da mudança linguística, permitindo que se aliem os fundamentos teóricos aos dados variáveis da investigação sociolinguística. (i) O problema dos fatores condicionantes: O problema dos fatores condicionantes ou das restrições remete à questão de definir os fatores que possam restringir ou favorecer o uso de determinada variante. Consideram-se, portanto, fatores linguísticos e extralinguísticos como possíveis elementos desencadeadores da variação. A investigação a partir dos elementos condicionantes permite verificar o conjunto de mudanças linguísticas possíveis, assim como as condições que desencadeariam ou impediriam o desenvolvimento de tal processo. (ii) O problema da transição: Consiste na tentativa de descobrir o estágio interveniente de uma mudança que se caracteriza pela evolução de uma estrutura A para uma estrutura B. A transição de traços de um estágio a outro pode ocorrer por meio de falantes bidialetais ou de falantes com sistemas heterogêneos caracterizados pela diferenciação ordenada. Dessa forma, considerando o estágio de transição, a mudança lingüística se dá (1) à medida que o falante aprende uma forma alternativa, (2) durante o tempo em que as formas coexistem dentro de sua competência, (3) quando uma das duas formas se mostra em desuso. (iii) O problema do encaixamento: O problema do encaixamento apoia-se no princípio estruturalista de que as mudanças linguísticas devem ser vistas como encaixadas no sistema linguístico como um todo e, ainda, no fato de que uma mudança pode acarretar outra. Com isso, a fundamentação empírica que demanda a teoria da mudança levanta diversas questões sobre a natureza e a extensão desse encaixamento. Dessa forma, a perspectiva sociolinguística desmembra o problema do encaixamento em dois ramos: 63 a) O encaixamento linguístico: A noção de encaixamento na estrutura linguística considera que existem elementos intrínsecos ao sistema da língua que podem acarretar a mudança. Valendo-se do princípio de que o sistema linguístico, na perspectiva sociolinguística, é inerentemente heterogêneo e estruturado, compreende-se que a alteração de um plano na estrutura linguística pode acarretar variação/ mudança em diversos outros planos gramaticais. b) O encaixamento social No âmbito da sociolingüística, a função do pesquisador é, sobretudo, buscar identificar o grau de correlação social existente, mostrando seu peso no processo de mudança linguística em determinado sistema. O encaixamento na estrutura social pressupõe que as mudanças linguísticas podem ser desencadeadas, também, por fatores externos à língua; dessa forma, o sistema linguístico precisa ser definido considerandose toda a comunidade de fala e não somente a fala de um indivíduo. A alteração do sistema linguístico a partir de fatores característicos das redes sociais nas quais se inserem os falantes pode desencadear um processo de mudança. (iv) O processo da avaliação: A teoria da mudança lingüística deve estabelecer, empiricamente, as correlações subjetivas existentes entre os diversos estratos sociais e as variáveis lingüísticas que se apresentam. Não se podem fazer deduções tendo como base apenas o lugar das variáveis dentro do sistema. As características correspondentes ao meio social configuram um fator importante para a investigação da mudança lingüística e, por isso, precisam ser determinadas diretamente. Assim, a investigação das referidas correlações serve a esclarecer o modo como se dá a categorização que se impõe ao processo contínuo da mudança lingüística. Nesse sentido, o juízo de valor referente às variantes em estudo – se desejáveis ou indesejáveis, se prestigiosas ou estigmatizadas, por exemplo – são de fundamental importância para a trajetória sociolingüística do fenômeno variável. (v) O problema da implementação: 64 O problema da implementação provém de questionamentos como “por que determinada mudança linguística não foi ativada mais cedo?” ou “por que não foi ativada, simultaneamente, em todo lugar onde havia as mesmas condições funcionais?”. A dificuldade em responder a tais questões corresponde ao grande número de fatores que podem influenciar na mudança linguística, tendo em vista que esta pode ser caracterizada como uma mudança no comportamento social. A mudança linguística se dá por completa quando uma variável passa ao status de uma “constante”, junto à perda de qualquer significação social própria ao traço. O que se investiga a partir do “problema da implementação” são os critérios e os estágios envolvidos no decurso da variação até a implementação da mudança. Investiga-se, portanto, a difusão de um dos traços característicos da variação através de um subgrupo específico da comunidade; verifica-se, portanto, com base no problema da implementação, a atribuição de significação social a determinada forma, uma vez encaixada a mudança linguística, e, por conseguinte, a gradual generalização a outros elementos do sistema, considerando-se a mudança na estrutura social. Dentre os cinco problemas da mudança supracitados, destaca-se, nesta investigação, o problema dos fatores condicionantes. A discussão acerca do referido problema dá-se na medida em que se busca determinar quais são as condições, em termos linguísticos e sociais, que exercem influência na posição do clítico em relação ao seu hospedeiro verbal. Indiretamente, o trabalho permite observar o problema da avaliação, no sentido de que o caráter de maior ou menor prestígio atribuído pela tradição gramatical e pela escola às variantes em questão se relaciona ao nível de consciência social e linguística da qual dispõem os alunos quando, por vezes, alteram seu comportamento lingüístico vernacular na escrita escolar. Cabe destacar que o objetivo da presente investigação não é verificar especificamente os aspectos que se envolvem diretamente no plano da mudança linguística no que concerne à ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais. De todo modo, este estudo, embora considere apenas dados da atualidade, permite, com base na observação dos resultados quanto às séries escolares/idades dos alunos, supor a trajetória de implementação do padrão escrito via escolarização. Além disso, a trajetória de mudança por que passou o sistema de colocação pronominal na Língua Portuguesa deve ser sempre ponto relevante para a interpretação dos padrões de uso brasileiros de qualquer época. Dada a íntima relação entre os processos de variação e mudança 65 linguística, os problemas propostos por WEINREICH, LABOV & HERZOG (2006 [1968]) são válidos para qualquer estudo de natureza sociolingüística. 3.2. A cliticização pronominal De acordo com o que propõem diversos estudos lingüísticos, são reconhecidas como clíticos formas átonas que são estruturalmente dependentes de outro vocábulo presente no enunciado. Os pronomes átonos pertencem à categoria dos clíticos, pois dependem da existência de um verbo (seu hospedeiro) para que possam figurar na sentença. A colocação dos pronomes átonos, considerando a relação/ligação de tais clíticos com os respectivos verbos de que dependem, constitui o fenômeno identificado como cliticização pronominal. Ocorre que a natureza da referida ligação ou dependência é, por si só, objeto de alta complexidade, uma vez que atribui ao fenômeno caráter misto, eminentemente de interface dos níveis gramaticais. A própria definição de clítico nos dicionários gerais da língua, como a que se segue, associa o nível prosódico ao segmental. Segundo o Dicionário Aurélio (1986: 418), o termo clítico, de origem grega, significa “qualquer monossílabo átono subordinado, por meio de elemento prosódico, ao vocábulo que o precede, ou que o segue, ou no qual se acha inserido”. Os clíticos pronominais, especificamente, costumam ser categorizados em referência à sua posição superficial em relação a seu hospedeiro, como proclítico (antes do verbo), mesoclítico (no interior do verbo) ou enclítico (após o verbo). A estreita relação sintática que se estabelece entre os pronomes átonos e os verbos comprova-se pelo fato de que a existência dos clíticos pronominais não pode prescindir da categoria verbal, à qual os clíticos se adjungem obrigatoriamente.8 Embora os pronomes átonos não apareçam separados das formas verbais, eles apresentam mobilidade em relação a elas. Em função dessa dependência relativa das partículas átonas em relação a outros elementos, diversos estudiosos também se ocuparam, além dos aspectos sintáticos e prosódicos, da categorização morfológica desses elementos. No livro Estrutura da Língua Portuguesa, Câmara Jr. (2002 [1970]) enquadra o pronome átono na categoria de vocábulo formal – “unidade a que chega, quando não é _ 8 Até onde se sabe, não se registra no PB contemporâneo qualquer dado de interpolação. 66 possível nova divisão em duas ou mais formas livres” (p.69). Não sendo forma livre, já que não figura isoladamente como comunicação suficiente, nem presa, uma vez que pode estar separado da forma livre a que se liga, mudando de posição, o autor considera o pronome átono uma forma dependente. Valendo-se de considerações a respeito do perfil fonético-fonológico das partículas átonas, o autor define o termo próclise como inclinação para frente (CÂMARA JR., 1997), posição que considera a mais comum no caso do PB. O caráter de dependência em relação a um hospedeiro, em termos sintáticos e fonético-fonológicos, aproxima o comportamento das partículas átonas ao das formas presas, de tal modo que alguns estudiosos acabaram por promover produtivo debate científico acerca das propriedades caracterizadoras das palavras, dos clíticos e ainda dos afixos. Vieira (2002), valendo-se de trabalhos que se ocupam da delimitação entre clíticos e afixos (cf. ZWICKY & PULLUM, 1983) e entre clíticos e palavras (cf. ZWICKY, 1985), apresenta reflexões acercada natureza dos clíticos em Português. Considerando as semelhanças entre os clíticos e os afixos, costumam ser destacadas duas características: (i) a adjacência do pronome átono ao verbo, assim como ocorre a adjacência de um afixo em relação à raiz; e (ii) o enquadramento dos pronomes portugueses e dos afixos a um grupo relativamente pequeno e fechado. Vieira (2002), observando o comportamento geral dos clíticos pronominais, observa que há, entretanto, duas propriedades que não permitem seu tratamento como afixo, no sentido estrito da palavra: (i) a instância sintática a que os clíticos se ligam, que não são raízes vocabulares; e (ii) a mobilidade. É esse caráter intermediário entre o comportamento de palavra e o comportamento de afixo que faz com que se considere o clítico pronominal uma espécie de afixo do nível sintagmático. Com o objetivo de dar conta do fato de que os clíticos constituem itens marcados por propriedades sintáticas e fonológicas, o que lhe dá um caráter híbrido em termos formais, Klavans (1985) propõe que a atuação dos componentes sintático e fonológico se dê de forma independente no fenômeno da cliticização. Desse modo, o hospedeiro em relação ao qual o clítico se posiciona (o hospedeiro sintático) não precisa ser necessariamente o hospedeiro fonológico desse clítico. Assim, clíticos podem estar ligados a um só tempo sintaticamente a um hospedeiro e fonologicamente a outro (como em que-se pode dar, em que o pronome poderia estar apoiado na partícula que e não no complexo verbal). 67 Para formalizar sua proposta, Klavans estabelece três parâmetros que servem para identificar as línguas em função do comportamento relativo à cliticização pronominal. Valendo-se de pressupostos formalistas, parte do princípio de que, ainda que reguladas por princípios universais, as línguas podem ser categorizadas de acordo com a marcação de alguns parâmetros. Apresentam-se, a seguir, os parâmetros aos quais a autora se refere: P1) Dominância (inicial/final): responsável por determinar o hospedeiro do clítico, indica a possibilidade de o elemento átono encontrar-se ligado ao constituinte inicial ou final dominado por uma estrutura sintagmática. P2) Precedência (antes/depois): revela se o clítico ocorre antes ou depois do núcleo verbal. P3) Ligação fonológica (proclítico/enclítico): estabelece a direção da ligação em termos fonético-fonológicos. Como se pode observar, as características sintáticas são estabelecidas em P1 e P2 e as fonológicas, em P3. Apenas uma investigação de natureza fonético-fonológica, valendo-se de dados oriundos da oralidade criteriosamente coletados – o que não condiz com o corpus do presente trabalho – permitiria conclusões cientificamente fundamentadas a respeito do terceiro parâmetro. A presente pesquisa propõe uma análise do comportamento dos pronomes átonos que se relaciona ao segundo parâmetro, visto que revela se o clítico ocorre antes ou depois do hospedeiro verbal, determinado no primeiro parâmetro proposto por Klavans (1985). Apesar de este trabalho não ter por objetivo específico discutir a manutenção ou a alteração de parâmetros de cliticização em variedades diversas do Português, atestar a disparidade entre o comportamento verificado nos dados da escrita brasileira e o comportamento recomendado na tradição gramatical ou verificado em outras variedades contribui para o reconhecimento das alterações mais profundas que configuram o uso lingüístico vernacular. Nesse sentido, a presente pesquisa ocupa-se do segundo parâmetro, que, aplicado ao contexto de complexos verbais, oferece por possibilidades, na modalidade escrita, a posição anterior (cl v1 v2), posterior (v1 v2 cl) ou interveniente com hífen (v1-cl v2), ou sem hífen (vl cl v2), como se detalhará no capítulo seguinte, referente à metodologia. 68 3.3. A relação oralidade-escrita Nesta seção, apresentam-se as reflexões feitas por alguns autores a respeito da relação existente entre a oralidade e a escrita no que se refere à variedade brasileira da língua portuguesa. As reflexões apresentadas destacam o fato de que, em se tratando do PB, o processo de letramento contribui para a formação da escrita como um meio que busca implementar formas que se afastam das características da norma vernacular dominada pelos falantes, de modo que se codifica uma norma culta idealizada por vezes muito distante do padrão de uso reconhecido pelos alunos. Pagotto (1998), em seu texto intitulado Norma e condescendência; ciência e pureza, com base nas diferenças que se observam entre o português do Brasil e o português de Portugal em relação aos aspectos sintáticos, apresenta relevante reflexão acerca da construção histórica do tratamento tradicional da norma vernacular brasileira. Pagotto (1998) afirma que a norma culta escrita no Brasil foi codificada na segunda metade do século XIX, tendo sido resultado de “um longo e laborioso trabalho executado durante anos a fio por eminentes gramáticos, jornalistas, escritores etc...” (PAGOTTO, 1998:50), acrescentando, ainda, que o discurso científico teria contribuído para a manutenção da suposta “norma culta”. Em sua argumentação, o autor salienta as discrepâncias que se podem observar entre a modalidade escrita e falada do português do Brasil. Os textos utilizados pelo autor para verificar como se revelava a norma culta do PB no século XIX foram a Constituição de 1824 e a Constituição republicana de 1981, caracterizados, respectivamente, pelo registro do português clássico e da norma culta do português moderno; de acordo com o autor, o texto constitucional reflete a expressão mais alta das elites do país. Pagotto (1998) declara que, no que se refere aos clíticos pronominais, os textos contemplados são consideravelmente distintos, tendo em vista que, na constituição de 1824, a próclise é demonstrada como posição preferencial, diferente do que ocorre no texto da constituição Republicana, que revelava a ênclise como colocação mais frequente do clítico pronominal. De acordo com o autor, no texto da constituição de 1824, a aplicação da próclise se mostrou como opção até mesmo em casos extremamente condenados pela prescrição gramatical, como posição inicial da sentença. Segundo Pagotto (1998), a mudança que se pode observar reflete as mudanças ocorridas na gramática do português falado de Portugal, apresentando como fatores que 69 possam ter colaborado para tal mudança: (i) a ascensão da burguesia, na primeira metade do século XIX e, no plano literário, (ii) o romantismo, que marca uma fase em que a literatura se populariza, uma vez que anteriormente a arte era restrita à nobreza. O autor destaca que a ascensão da burguesia faz dessa parcela da sociedade um novo grupo consumidor do mercado literário e, por isso, o escritor passa a se distanciar das formas clássicas de expressão, na intenção de se aproximar de um público maior. Quanto à interferência do romantismo para a formação da norma portuguesa no período descrito, o autor destaca a atuação de José de Alencar, que, caracteristicamente, incluía em seus textos elementos próprios dos falares brasileiros; Pagotto declara que, em relação aos clíticos “Alencar afirmava sem reservas: colocava-os onde mandassem os seus ouvidos”. O autor observou que a escrita brasileira apresentava características que a aproximavam do português moderno. O autor pôde concluir que a norma que se observa para o português de Portugal se manteve como norma culta para o português do Brasil até os meados do século XIX; a partir do século XX, o autor declara que a identidade do português brasileiro com o português de Portugal é construída, principalmente, pelo discurso científico acerca do tema. O autor ressalta que a norma culta do PB fica codificada apenas nas escolas, nos jornais e pelos diversos outros “aparelhos ideológicos do Estado” (p.67) e difere bastante do que configura a oralidade vernacular brasileira. Em “Educação em língua materna: A sociolingüística na sala de aula”, BortoniRicardo (2004) busca retratar a realidade lingüística no Brasil; a autora discorre sobre a educação lingüística, abordando como tema principal a inclusão de alunos de classes sociais menos favorecidas na cultura letrada. Para tanto, a autora, ao longo de toda a obra, sugere atividades que, servindo como instrumentos de análise, podem auxiliar os profissionais que se deparam com diferentes padrões de uso lingüístico na diversificada realidade linguística que se manifesta em sala de aula, decorrente do crescimento da população brasileira e da conseqüente migração do campo para as cidades. No âmbito da sociolingüística educacional, Bortoni–Ricardo (2004) investiga, além dos aspectos lingüísticos, as interações sociais e culturais com as quais estão envolvidos os migrantes rurais (falantes de variedades lingüísticas estigmatizadas), propondo, nesse âmbito, uma ‘linha imaginária’ representada pelo contínuo oralidadeletramento, dispondo em um de seus extremos os eventos de letramento (mediados pela 70 língua escrita) e no outro os eventos de oralidade (sem interferência direta da língua escrita), conforme se representa a seguir. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------Eventos de oralidade Eventos de letramento Observem-se as palavras da autora a respeito da descrição do referido contínuo: (...) os domínios onde predominam as culturas de letramento estão situados na ponta da urbanização, enquanto na outra ponta só vamos encontrar domínios onde predomina a cultura de oralidade. (BORTONI-RICARDO, 2004: 61). Bortoni-Ricardo (2004) deixa claro que não existem fronteiras bem marcadas entre os eventos de oralidade e letramento, podendo haver sobreposições, como se verifica em uma aula, que constituiria um evento de letramento que pode ser permeado por mini eventos de oralidade. Enfatizando tópicos de variação, prestígio e preconceito, a autora declara que a escola não tem promovido efetivo acesso à cultura letrada, pois a formalidade lingüística dos mestres pode estar associada à insegurança dos alunos quanto ao processo de letramento; esse aspecto, de acordo com a autora, inclui-se no fato de que comunidades detentoras de poder administrativo, político e econômico transferem o prestígio social à sua variedade linguística e, com isso, juízos de valores são ideologicamente motivados e geram preconceitos que precisam ser combatidos. Dessa forma, para o efetivo desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, devese eliminar o mito da superioridade de uma variedade linguística em relação à outra na cultura brasileira, pois um dos fatores que garantem a identidade de determinado grupo social é a sua língua. Com isso, o professor de língua portuguesa (língua materna) deve estar apto a conscientizar os alunos das diversas variedades existentes, alertando-os que o uso de tais variedades está condicionado a uma adequação comunicativa. Segundo Bortoni-Ricardo (2004), o processo de socialização do aluno é cerceado por três diferentes domínios sociais: a família, os amigos e a escola. Nesse 71 contexto, os papéis sociais que cada indivíduo desempenha (mãe, filho, professor, aluno etc.) são definidos por normas socioculturais dentro do domínio social no qual as pessoas interagem; os papéis sociais, portanto, são construídos pela própria interação humana e, em virtude disso, num contínuo de letramento, o aluno parte de uma cultura predominantemente oral para uma cultura permeada pela escrita, nos primeiros momentos, sendo comum o seguimento de um roteiro escrito da fala. Com isso, expõe a autora que normalmente surgirão manifestações não pertencentes ao domínio da escola, e, nessas ocasiões, o professor precisa conscientizar o aluno quanto à diversidade lingüística, tornando-o apto a monitorar seu próprio estilo de acordo com a situação comunicativa ou a tipologia cultural do evento (brincadeira, missa, discurso etc). A partir das considerações expostas na obra, a autora nos permite refletir sobre o papel da escola, à qual cabe enriquecer o repertório lingüístico do aluno, fornecendo-lhe recursos para uma competência lingüística diversificada. Entretanto, o aprendizado da variedade padrão não deve implicar a desvalorização da variedade adquirida pelo falante no meio social do qual provém. A inclusão social está inteiramente associada à inclusão lingüística, já que língua é um bem que só se manifesta em sociedade: “... não basta somente descrever e analisar as relações entre língua e sociedade – é preciso também transformá-las.” (Bortoni-Ricardo, 2004: 10). Desenvolvendo importante proposta acerca da gramática dominada por indivíduos brasileiros que têm acesso a meios que favorecem o letramento, KATO (2005), em artigo intitulado “A gramática do letrado: questões para a teoria gramatical”, apresenta reflexões sobre a escrita e sua aprendizagem pelas crianças que se inserem no ambiente escolar. A autora declara que, dado o caráter conservador das normas da escrita, o processo de letramento termina por recuperar o conhecimento gramatical característico de outras épocas do português brasileiro. A autora, valendo-se de trabalho anterior (Kato, Cyrino e Correa, 1994), baseiase na premissa de que “as inovações são criadas para a fala e não para a escrita” (p. 2). No referido trabalho, cruzam-se os dados de diacronia com os dados de aprendizagem escolar, observando-se os seguintes aspectos de mudança linguística no PB: (i) ao longo do século XIX, perda dos clíticos de terceira pessoa, sendo preferida a opção pelo objeto nulo referencial; (ii) perda do sujeito nulo e conseqüentemente do movimento longo do clítico; e (iii) introdução do pronome reto em lugar do pronome acusativo. 72 Os dados analisados pelas autoras revelam que a escola recupera a perda dos clíticos de terceira pessoa do século XVII, mas, em relação à ordem de tais pronomes, mantém as características inovadoras, não se observando a colocação proclítica a verbos auxiliares. As autoras declaram que a escola procura recuperar a gramática do passado, mas o processo que se verifica, de fato, é uma parcial simulação de que apareçam, na gramática do letrado brasileiro, características que não condizem com a gramática de um letrado de tempos passados e, nem mesmo, com a de um letrado português; de acordo com as autoras, a hipótese de que a escrita brasileira se baseia na gramática de um falante português não se sustenta, tendo em vista a existência, na variedade europeia, de clíticos de terceira pessoa com movimentos longos. Para demonstrar a distância entre a escrita brasileira e os padrões do português contemporâneo, Kato (2005) vale-se da escrita de Paulo Coelho, escritor brasileiro cujas obras quando traduzidas em versão portuguesa apresentam objetos nulos, em contextos que se apresentam no original brasileiro preenchidos pelos clíticos correspondentes. A autora demonstra que o texto do escritor incorpora inovações próprias do PB, como o preenchimento do objeto por um pronome reto; no entanto, essa estratégia de preenchimento se faz em variação com o uso do pronome átono. De modo geral, as considerações de Kato (2005) apontam para o fato de que, no PB, o reconhecimento de determinadas estruturas gramaticais, como o movimento dos clíticos e o uso do clítico acusativo, se constrói no contato com eventos de letramento e no processo de aprendizagem da escrita; a autora aponta evidências de que tais estruturas compõem a gramática periférica do falante, gerando uma inevitável competição com os parâmetros de sua gramática nuclear durante a escolarização. Consoante a proposta da autora, a escola implementa, na escrita dos alunos, uma competição de gramáticas, refletindo formas antigas e inovadoras. Os textos resenhados nesta seção permitem observar que a relação entre oralidade e escrita é extremamente relevante para a compreensão das estruturas encontradas em textos escritos, sobretudo no contexto escolar. As reflexões que se fazem a partir da leitura de tais textos contribuem para o amadurecimento da concepção de que a escrita costuma ser um espaço conservador e unificador da multiplicidade de formas e usos lingüísticos verificados na oralidade; o padrão culto idealizado, valorizado no processo de letramento, acaba por tentar codificar o que seria característico dos habitantes de núcleos que representam o centro do poder econômico 73 e/ ou sociocultural predominante em determinada sociedade. Tomando por base a tensão entre o padrão lingüístico idealizado e o padrão de uso do PB escrito, que se constrói sobretudo em contexto de aprendizagem, é possível observar o emprego de formas advindas dos padrões orais, vernaculares, as quais se incorporam inevitavelmente no processo de formação da escrita. Desse modo, a escrita de indivíduos letrados, que se desenvolve por meio do ensino de regras que caracterizam um padrão de uso distinto daquele dominado pelo aluno, termina por gerar uma situação de competição entre as normas recomendadas e as normas naturalmente adquiridas na língua oral. 74 4. METODOLOGIA Neste capítulo, consideram-se os aspectos metodológicos necessários à pesquisa sociolingüística empreendida nesta investigação. Apresentam-se, portanto, (i) a descrição do corpus utilizado para a coleta de dados, (ii) as etapas percorridas na realização da pesquisa, da definição do fenômeno a ser estudado até a interpretação dos resultados, (iii) o estabelecimento da variável dependente, (iv) o detalhamento das variáveis linguísticas e extralingüísticas consideradas para a codificação dos dados, listando-se e exemplificando-se todos os fatores que as compõem, e (v) os procedimentos realizados para o tratamento dos dados. 4.1. A descrição do corpus Ao desenvolver a investigação da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais nos textos escolares, objetiva-se verificar se a gradual implementação das normas prescritas pela tradição gramatical para a colocação pronominal se desenvolve ao longo da progressão do aluno no processo de educação formal Pretende-se, ainda, verificar se o fenômeno se comporta de maneira semelhante nos textos ou se o modo de organização discursiva predominante, aliado a outras variáveis, favorece o uso de determinadas formas. Para a realização da presente pesquisa, recorreu-se à investigação do fenômeno em uma coletânea de quatrocentos e quarenta e oito textos que compõem o corpus Rio acadêmico-escolar9. Os textos podem ser caracterizados, com base em Charaudeau (2008) e Marcuschi (2008)10, em relação ao gênero textual, como redações escolares; no que concerne ao modo de organização discursiva, pode-se dizer que duzentos e vinte e quatro desses textos se caracterizam pela predominância do modo narrativo de organização do discurso e os outros duzentos e vinte quatro pela predominância do modo argumentativo11 de organização do discurso. Cabe ressaltar que os textos, _ 9 Corpus organizado por Vieira e Rodrigues-Coelho; ainda em fase de constituição, já conta com representativa quantidade de redações escolares e acadêmicas diversificadas de acordo com o modo de organização discursiva dos textos, o nível de escolaridade dos alunos e a natureza da instituição de ensino (pública ou particular). 10 Para maior detalhamento da proposta teórica dessas referências, conferir descrição da variável “modo de organização discursiva. 11 Ao longo do trabalho, optou-se por fazer referência a tais textos como dissertativos-argumentativos, nomenclatura utilizada e reconhecida pelos alunos em meio escolar, que corresponde ao modo argumentativo de organização do discurso (CHARAUDEAU, 2008). 75 produzidos em sala de aula, são de autoria de alunos matriculados em turmas diurnas de ensino regular do 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio da rede privada de ensino do Rio de Janeiro. A constituição do corpus deu-se por meio da aplicação e/ou coleta de textos produzidos pelos alunos. Tais textos foram selecionados e distribuídos sistematicamente de acordo com o nível de escolaridade dos alunos/autores (9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio), o tipo de instituição à qual estão vinculados (pública e privada), o sexo (feminino e masculino) e o modo de organização discursiva predominante no texto (narrativo e dissertativo). Observe-se o quadro a seguir, que pode demonstrar como, de acordo com tais aspectos, se organiza o corpus da análise. Quadro 2: Composição do corpus Escolaridade Tipo de instituição Pública 9º ano Particular Pública 3º ano Particular Modo de Sexo organização Totais parciais do discurso Feminino Masculino Narração 28 28 56 Dissertação 28 28 56 Narração 28 28 56 Dissertação 28 28 56 Narração 28 28 56 Dissertação 28 28 56 Narração 28 28 56 Dissertação 28 28 56 Total Geral 448 Observe-se, portanto, que, para cada nível de escolaridade, em cada tipo de instituição, foram reunidos 56 textos narrativos e 56 textos dissertativos, divididos igualmente de acordo com o sexo dos autores (28 de autoria masculina e 28 de autoria feminina), tendo-se reunido um total de 448 textos. A sistematização demonstrada no quadro acima referente à composição do corpus corresponde à distribuição dos textos de acordo com as variáveis extralingüísticas, que, em subseção posterior, serão exploradas. Para a constituição do corpus, não foi possível considerar, de forma estratificada, aspectos como a localização geográfica das escolas e/ou classe social dos alunos, devido às dificuldades que se fizeram presentes. Muitas vezes, o acesso aos 76 textos dos alunos foi dificultado em virtude da hesitação de professores e diretores na colaboração com a realização da pesquisa; assim sendo, tornou-se necessário utilizar as redações que foram disponibilizadas no curso da pesquisa, o que impossibilitou que a região geográfica em que se localizavam as escolas fosse tomada como critério na constituição da amostra. Em relação à classe social dos alunos, ao início da constituição do corpus, junto à proposta de redação, fornecia-se aos alunos um questionário por meio do qual se buscava controlar diversas informações referentes à comunidade de fala na qual estavam inseridos; a intenção era tomar conhecimento de aspectos como nível de escolaridade dos pais, renda familiar, freqüência de viagens realizadas, localidades para as quais costumavam viajar, naturalidade dos pais e outros familiares de convívio diário. No entanto, na maioria das vezes, os alunos não tinham conhecimento sobre tais informações e terminavam por dar respostas que não se baseavam, de fato, na realidade. Dessa maneira, para evitar que os resultados não fossem confiáveis, optou-se por não controlar tais aspectos nesta análise. Cabe destacar, ainda, que a faixa etária dos alunos/autores pôde ser controlada indiretamente; ao contraporem-se os níveis de escolaridade, torna-se possível delimitar que os alunos do 9º ano do ensino fundamental teriam entre 14 e 16 anos e os alunos do 3º ano do ensino médio teriam entre 17 e 19 anos. A escolha das instituições de ensino públicas e privadas baseou-se em dois critérios: (i) deveriam ser escolas que, em meio à sociedade, gozariam supostamente do status de medianas em relação à qualidade de ensino que ofereciam; e (ii) as escolas deveriam se localizar em regiões centrais dos bairros, permitindo o acesso de alunos de diferenciadas classes sociais (não foram consideradas escolas cujo corpo discente se formava por alunos de classe social extremante privilegiada e/ ou carente). No que se refere à produção dos textos, cabe destacar que os textos narrativos foram aqueles para os quais se teve a chance de aplicação de proposta de redação específica, tendo sido, portanto, apresentadas duas opções: (a) precedendo a real produção dos textos, dava-se a oportunidade aos alunos de expressarem-se, contando algum caso de violência ou expondo opiniões a respeito de casos expostos por outros alunos; logo após, pedia-se que os alunos produzissem um texto narrativo, em primeira ou terceira pessoa, em que houvesse um personagem vítima de um ato de violência, eles poderiam, ainda, contar a história de um dos casos expostos; (b) com base em uma adaptação da proposta de redação do vestibular da Unicamp, pedia-se que os alunos redigissem uma narração, em primeira ou terceira pessoa, de maneira a desenvolver a 77 história apresentada. Observe-se a seguir a adaptação da proposta de redação à qual se fez referência: Imagine a seguinte situação: um dia você acorda com o habitual ruído do jornal atirado contra a parede. Abre a porta da rua e o apanha. Ao olhar à sua volta, vê que a placa da rua teve o nome mudado de Rua dos Colibris para Rua YN-15. Você entra em pânico - o que aconteceu? Num primeiro momento, tenta acreditar que a mudança da placa não deveria causar tal reação. Mais tarde, com uma série de outras descobertas que fará, acaba por compreender que sua reação tinha mesmo razão de ser... Os textos dissertativos utilizados nesta investigação foram aproveitados de diversas outras atividades aplicadas pelos professores regentes das turmas dos alunos; dentre os diversos temas abordados, encontram-se a legalização do aborto, o sistema de cotas nas universidades públicas e a importância da música. Destaque-se que não se teve acesso às propostas de redação oferecidas aos alunos. Dos textos reunidos, obtiveram-se 222 ocorrências de clíticos pronominais em complexos verbais. O tamanho da amostra constituída demonstrou-se adequado para descrever a realidade lingüística presente nos textos, no que concerne à ordem dos clíticos pronominais, em contextos de complexos verbais, verificando a influência de fatores lingüísticos e extralingüísticos sobre tal fenômeno variável; ou seja, considera-se a amostra constituída suficiente para identificar tendências a respeito do fenômeno, através da constatação de regularidades no comportamento dos alunos, de acordo com os fatores controlados. 4.2. Etapas da pesquisa A presente investigação perpassa as seguintes etapas concernentes à pesquisa sociolingüística: (i) a definição da variável dependente; (ii) o estabelecimento das variáveis independentes linguísticas e extralingüísticas, que podem exercer condicionamento para o fenômeno; (iii) a coleta de todos os dados de clíticos pronominais em contextos de complexos verbais das 448 redações escolares; (iv) a codificação dos dados coletados, de acordo com o grupo de fatores estabelecidos para cada variável independente considerada; (v) o tratamento computacional dos dados por meio do pacote de programas GOLDVARB (versão 2001); e (vi) análise, interpretação e sistematização dos resultados obtidos. 78 4.3. Descrição das variáveis 4.3.1. A variável dependente De acordo com os princípios apresentados na subseção 3.1, este trabalho adota a noção de regra variável proposta em Labov (2008 [1972]). Considera-se como fatores (variantes) da variável dependente relativa à regra de colocação dos clíticos em complexos verbais a colocação pré-complexo verbal (cl V1 V2), a intra-complexo verbal sem hífen (V1 cl V2), a intra-complexo verbal com hífen (V1-cl V2) e a póscomplexo verbal (V1 V2-cl). Trata-se, portanto, de uma variável eneária, ou seja, aquela que comporta mais de duas formas alternantes como possibilidades de representação do fenômeno. Apresentam-se, a seguir, ocorrências, das quatro variantes mencionadas: (1) Pré-complexo verbal ou cl V1 V2: A vida é feita de escolhas, mas não se pode esquecer suas raízes (2) Intra-complexo verbal sem hífen ou VI cl V2: Porém logo pensei: que bobagem a minha, o nome de uma rua não vai me influenciar em nada (3) Intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2: Partindo de tal princípio, pode-se salvar adolescentes ligados ao espaço criminoso. (4) Pós-complexo verbal ou V1 V2-cl: Sabia que ele poderia tirá-lo. Destaque-se que, neste estudo, não se considerou a colocação mesoclítica do pronome ao verbo auxiliar (poder-se-ia investigar) como fator da variável dependente em virtude de não se ter manifestado em todo o corpus qualquer ocorrência dessa variante. Com base em resultados obtidos por Vieira (2002), Machado (2006), Nunes (2009) e Peterson (2010) e no que se pode observar com esta investigação, supõe-se que a ausência de mesóclise se deva ao fato de tal colocação estar restrita a contextos muito específicos em termos lingüísticos e extralingüísticos. Trata-se de variante exclusiva dos tempos futuros do indicativo, recomendada em estruturas sem tradicionais atratores. De 79 acordo com as autoras supracitadas, o uso de mesóclise no PB configuraria uma escrita de alto padrão culto ou marca característica de determinado gênero textual. Como já explicitado anteriormente, controlam-se, nesta pesquisa, separadamente os contextos em que, no que se refere à colocação intra-complexo verbal, há a presença do hífen, ligando o pronome ao verbo auxiliar, e aqueles nos quais tal marca gráfica não se apresenta. Compreende-se que a determinação do verbo (auxiliar ou principal) com que o pronome se relaciona ultrapassa o nível da representação gráfica, já que, no âmbito sintático, estudos acerca do assunto (cf. Vieira 2002, Peterson, 2010 e Santos, 2010) demonstram que, por exemplo, o clítico se reflexivo tende a se adjungir ao verbo que lhe atribui papel temático e, dessa maneira, a sua colocação estaria intimamente relacionada à função que desempenha; já no âmbito fonológico, deve-se levar em consideração a proposição de Klavans (1985), de acordo com a qual o hospedeiro sintático do pronome pode não ser seu hospedeiro fonológico. Nesta investigação, por se tratar de análise da modalidade escrita, a presença ou ausência de hífen no complexo verbal é controlada como maneira de se verificar a preferência pela ênclise ao verbo auxiliar (V1-cl V2) ou a próclise ao verbo principal (V1 cl V2). Ao se tratar da cliticização pronominal em complexos verbais, foi necessário atentar para diversas peculiaridades que se apresentaram a respeito da realização do fenômeno nesse contexto. No corpus analisado, os complexos verbais cujo verbo principal se encontra no particípio ou no gerúndio não admitem a colocação do pronome nas quatro posições consideradas nesta investigação. Como se descreverá adiante, para os casos de particípio, verificou-se a preferência pela colocação pré-complexo verbal (cl V1 V2) e intra-complexo verbal sem hífen (V1 cl V2); para os casos de gerúndio, verificou-se como opção a colocação intra-complexo verbal sem hífen (V1 cl V2) e a colocação pós- complexo verbal (V1 V2-cl). Desse modo, é de fundamental importância que os dados sejam tratados de forma particularizada consoante a forma do verbo principal. Não se pode deixar de retomar, ainda, o fato de que a noção de regra variável passa a ser um assunto ao qual se deve dar grande atenção, tendo em vista que a manifestação de determinadas estruturas pode romper com a noção de manutenção do valor de verdade. Estruturas como se pode investigar, pode-se investigar, pode se investigar e pode investigar-se são normalmente interpretadas como sinônimas, pois podem figurar no mesmo contexto, com o mesmo sentido representado; no entanto, em determinados tipos de complexos verbais, a mudança de posição do clítico pode 80 comprometer a manutenção do sentido a ser expresso. Tome-se como exemplo a sentença pode-se dirigir (é permitido dirigir, conduzir, interpretando-se o clítico se como indeterminador do sujeito) em contraposição a pode dirigir-se (dirigir-se a, encaminhar-se a, interpretando-se o clítico se como reflexivo/inerente). Como se pode observar, a posição do clítico pronominal na estrutura pode induzir a diferentes interpretações; destaque-se que não se nega a possibilidade de tais estruturas serem consideradas sinônimas, mas o que se deve reconhecer é o fato de que, em se tratando de determinados tipos de complexos verbais e de clíticos, a cliticização pronominal em lexias verbais complexas pode instaurar discussão acerca da equivalência do valor referencial indicado pelas formas variantes. Diante da pluralidade de estruturas que poderiam ser consideradas como complexos verbais e da complexidade que envolve o tema da cliticização pronominal nesses contextos, são consideradas, nesta análise, as diversas estruturas verbais nas quais estão envolvidas mais de uma forma verbal com certo grau de integração sintático-semântica, em que seja possível a alternância do clítico pronominal em qualquer das três (caso dos complexos com particípio) ou quatro posições, com a manutenção do sentido básico expresso pelas formas alternantes. Na subseção que se segue, expõem-se os critérios que norteiam a noção de complexo verbal e permitiram delimitar as estruturas a serem contempladas nesta pesquisa. 4.3.1.1. A concepção de complexo verbal Seguindo a orientação de outros estudos desenvolvidos sobre a caracterização de estruturas verbais complexas no PB, optou-se, nesta pesquisa, por considerar não só os complexos verbais formados pelos auxiliares de uso mais freqüente, como ter, haver, ser, ir e estar – normalmente apresentados em compêndios gramaticais –, mas também aqueles formados por verbos considerados por alguns estudiosos semi-auxiliares e outros que atendam a poucos requisitos de auxiliaridade, também descritos em estudos sobre o tema. De acordo com Cunha & Cintra (2001), Bechara (1999) e Lima (2006), os complexos verbais mais comuns são aqueles formados por estar + gerúndio, ter + particípio, haver + particípio, haver + de/ a + infinitivo, vir e ir + gerúndio e infinitivo. Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006) apresentam diversos exemplos que servem a 81 demonstrar a grande diversidade de estruturas verbais complexas que se verificam no português do Brasil; no entanto, não propõem a caracterização dessas estruturas em termos sintáticos ou semânticos; os autores expõem, apenas, que são consideradas como “locuções verbais” as estruturas formadas por verbo auxiliar mais verbo principal em uma das formas nominais, havendo a possibilidade de figurar entre eles as preposições de, em, para, por e a. Bechara (1999), atribuindo às locuções verbais a mesma definição dada por Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006), divide tais estruturas em quatro diferentes grupos: (i) ter/ haver e ser + particípio – formação de tempos compostos (tenho cantado); (iii) ser, estar, ficar + particípio – formação de voz passiva (é amado); (iii) auxiliares acurativos + infinitivo ou gerúndio (começar a escrever); (iv) auxiliares modais (incluindo entre estes alguns verbos volitivos) + infinitivo ou gerúndio (devo escrever). A respeito dos auxiliares causativos e sensitivos, Bechara (1999) propõe que, “(...) juntando-se a infinitivo ou gerúndio, não formam locução verbal, mas, muitas vezes, se comportam sintaticamente como tal...” (BECHARA, 1999: 233). Para Perini (2001), o verbo auxiliar é aquele que, em um complexo verbal, não é responsável pela seleção de complementos e, portanto, não é responsável pela formação de predicados. De acordo com o autor, estruturas como está escrevendo correspondem a um único predicado, uma vez que o verbo estar não possui atributos referentes à transitividade. A transitividade do predicado corresponde àquela que o verbo principal apresentaria em contextos nos quais figura sozinho, ocorre que estruturas como a demonstrada configuram duas formas verbais que representam um único verbo. Afirmando que são poucos os verbos que podem se comportar como auxiliares no PB, Perini (2001) elenca as possíveis estruturas de complexos verbais: (i) ir +infinitivo; (ii) ter e haver + particípio; (iii) estar, vir, ir e andar + gerúndio; construção passiva com o verbo ser e estar + particípio; verbos tradicionalmente chamados modais” e “aspectuais” + infinitivo: poder, dever, acabar de, deixar de, começar a, continuar a, ter de/ que, haver de/ que + infinitivo. Não se pode deixar de mencionar os critérios expostos por Barroso (apud Vieira, 2002) para identificação dos verbos auxiliares em português; dos oito critérios estabelecidos, observem-se, a seguir os três considerados pelo próprio autor como essenciais: 82 (i) Atribuição da perda sêmica do auxiliar: perda de significado léxico do verbo auxiliar, mantendo-se apenas seu valor instrumental (Eu voltei a dormir – verbo voltar com perda do sema ‘movimento no espaço’) (ii) Unidade significativa: verbo auxiliar desempenhando função gramatical e verbo principal a função lexical; o conjunto configura uma única unidade significativa (está escrevendo) (iii) Sujeito do verbo: os dois verbos compartilham o mesmo sujeito (começou a descansar). Gonçalves (apud VIEIRA, 2002) defende que os verbos ter e haver são os verbos auxiliares prototípicos. O autor estabelece uma hierarquia que, numa escala decrescente, de acordo com as propriedades de auxiliaridade que possuam, pode caracterizar os demais verbos também considerados auxiliares: (i) ser + particípio, andar, ficar, estar, ir e vir + gerúndio; (ii) haver (de), chegar (a), andar (a), chegar (a), começar (a), continuar (a), estar (a), ficar (a), ir (a), tornar (a), vir (a), estar (por), ficar (por), costumar; (iii) poder, dever e ter (de). Machado Vieira (2008) apresenta diversos critérios de acordo com os quais se podem caracterizar os verbos auxiliares; com base em tais critérios, são considerados auxiliares prototípicos os verbos ter e haver12, destacando-se a unanimidade, entre pesquisadores do tema, referente ao caráter auxiliar desses dois verbos. Para os verbos que não atendem a todas as características de um verbo prototipicamente auxiliar, a autora estabelece uma escala de auxiliaridade; tal escala é traçada de acordo com o grau de afastamento dos verbos ‘semi-auxiliares’ da categoria de verbo predicador e o grau de aproximação da categoria de verbo auxiliar. Observem-se a seguir as cinco subclasses de verbos semi-auxiliares estabelecidas por Machado Vieira (2008): (i) 1º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: ser, estar e ficar + particípio (construções de voz passiva). _ 12 De acordo com Machado Vieira, “os verbos têm um papel auxiliar, uma vez que servem de reforço ao sentido definido principalmente pelo elemento não verbal da estrutura perifrástica e de suporte ou apoio para a expressão das categorias gramaticais de tempo, modo, número e pessoa” (MACHADO VIEIRA, 2008:2) 83 (ii) 2º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: estar, vir, ir, ficar, andar (verbos aspectuais) + gerúndio; ir, vir, haver de verbos temporais + infinitivo. (iii) 3º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: poder, dever (verbos modais) + infinitivo; estar, ficar, andar, voltar, tornar, costumar, continuar, permanecer, começar, passar, pôr-se, manter-se, chegar, pegar (verbos aspectuais) + a + infinitivo. (iv) 4º grau de afastamento do pólo de auxiliaridade: ter (de/que) (verbo modal) + infinitivo; estar, ficar, deixar, acabar, parar, terminar, cessar, dar (verbos aspectuais) + de, para ou por + infinitivo. (v) 5º grau de afastamento do polo de auxiliaridade: tentar, querer, esperar, desejar, gostar (de), lograr, conseguir, ousar, atrever-se, parecer, pretender, tencionar + infinitivo; mandar, fazer, deixar, levar (verbos causativos) + infinitivo; ver, olhar, ouvir, sentir, saber (verbos perceptivos/sensitivos) + infinitivo. A partir dos estudos citados, compreende-se que diversas estruturas, além das frequentemente consideradas pela tradição gramatical, podem ser reunidas dentro do conceito de complexos verbais, de acordo com as diversas características que se observem no âmbito da auxiliaridade. Com isso, nesta pesquisa, optou-se por considerar entre as estruturas verbais complexas não somente construções tipicamente reconhecidas, como aquelas formadas com os verbos ter e haver, mas também todas aquelas nas quais se observou qualquer grau de auxiliaridade. As diferentes estruturas contempladas foram controladas nesta investigação por meio da variável independente linguística tipo de complexo verbal, apresentada posteriormente. Cabe destacar que se optou por não considerar, nesta investigação, estruturas formadas com verbos causativos/ sensitivos, em virtude de tais estruturas apresentarem comportamento bastante diferenciado das outras contempladas. Além do baixo grau de auxiliaridade de tais verbos, o que termina por configurar, nos enunciados em que se manifestam, duas orações distintas, estruturas formadas por essas formas verbais não admitem a colocação do clítico pronominal nas quatro posições consideradas fatores da variável dependente em estudo. Salienta-se que, em a deixei comprar, deixei-a comprar, deixei a comprar e deixei comprá-la, não se observam formas sinonímicas, ou seja, o 84 valor de verdade que deve ser mantido entre as formas variantes não se verifica com estruturas desse tipo. 4.3.2. As variáveis independentes 4.3.2.1. As variáveis independentes extralinguísticas Os grupos de fatores de natureza extralinguística analisados nesta pesquisa são os seguintes: (a) Nível de escolaridade dos alunos: Acredita-se que, ao comparar os textos dos alunos do 9º ano do ensino fundamental com os textos dos alunos do 3º ano do ensino médio, estes, por representarem o mais alto nível de escolaridade considerado nesta pesquisa, revelariam o uso das variantes estipuladas em maior consonância com a tradição gramatical a respeito da colocação pronominal, demonstrando a gradativa implementação dos traços normativos na escrita dos alunos, que se realiza ao longo do decurso escolar. Acrescentem-se, ainda, os aspectos considerados no “contínuo de oralidade – letramento” proposto por Bortoni-Ricardo (2004), de acordo com o qual, apesar da inexistência de fronteiras bem marcadas, pode-se reconhecer nos extremos os “eventos de oralidade” e os “eventos de letramento”. (b) Sexo: Essa variável é tradicionalmente controlada em estudos sociolinguísticos com base nas propostas labovianas (cf. LABOV, 2008 [1972]), segundo as quais fica demonstrada a influência dos papéis sociais culturalmente condicionados aos sexos feminino e masculino no repertório linguístico do indivíduo. Estudos anteriormente realizados sobre a ordem dos clíticos pronominais não indicaram a relevância dessa variável para o condicionamento do fenômeno; ainda assim, como o corpus organizado para esta investigação permite o controle do sexo dos alunos/ autores, optou-se pelo estabelecimento desse grupo de fatores a fim de verificar se, em alguma medida, o comportamento lingüístico de homens e mulheres se diferencia na escrita escolar. 85 (c) Tipo de instituição à qual estão vinculados os alunos: A formulação desse grupo de fatores está em consonância com a análise de Morito-Machado (2006), que, observando o fenômeno da cliticização pronominal em contextos de lexias verbais simples, partiu da hipótese de que os alunos das escolas privadas apresentariam comportamento mais próximo do estabelecido na norma padrão idealizada. Segundo a autora, esse tipo de instituição tomaria por base uma proposta mais específica de conhecimento gramatical, preconizando a utilização de nomenclaturas, normas e conceitos tradicionais, diferentemente das instituições públicas, que, com base nos PCN, se voltariam mais para a produção textual. (d) Modo de organização discursiva predominante nos textos: A princípio, cabe esclarecer que o controle do possível condicionamento do fenômeno a partir do modo de organização predominante nos textos se fez por meio de uma variável considerada extralingüística, em virtude de a classificação dos textos como narrativos ou dissertativos não ter sido feita especificamente para esta pesquisa com base em aspectos lingüístico-textuais característicos, que assim os pudessem definir. Antes, acatou-se a classificação feita pelos docentes que colaboraram com a formação do corpus, cedendo os textos. Sem dúvida, as características de caráter textual-discursivo, como a relação existente entre texto e discurso, constituem elementos importantes para esta pesquisa, tendo em vista a natureza do corpus com o qual se trabalha – textos de diferentes modos de organização discursiva. Nesse sentido, levou-se em consideração, exclusivamente no que diz respeito ao tratamento da variável referente ao modo de organização discursiva, a perspectiva científica acerca dos estudos lingüísticos no âmbito do texto. Expõem-se, a seguir, os aspectos que, amplamente desenvolvidos na Linguística Textual e, também, na Análise do discurso, servem a enriquecer a análise aqui realizada, tendo em vista especificamente o material a partir do qual se propõe a investigação da ordem dos clíticos pronominais. Os aspectos supracitados referem-se àqueles envolvidos na atividade de produção textual, numa concepção ampla segundo a qual esse processo corresponde, na verdade, à produção de comunicação verbal. Dessa forma, é relevante para este trabalho a perspectiva sociointerativa adotada por Marcuschi (2008), propondo que 86 ... o uso e o funcionamento significativo da linguagem se dá em textos e discursos produzidos e recebidos em situações enunciativas ligadas a domínios discursivos da vida cotidiana e realizados em gêneros que circulam na sociedade. (MARCUSCHI, 2008: 22). Tendo sido citados os termos domínio discursivo e gênero na perspectiva sob a qual o texto é trabalhado em Marcuschi (2008), cabe ressaltar que, de acordo com esse autor, gênero textual deve ser entendido como a materialização dos textos em situações comunicativas, apresentando padrões sociocomunicativos característicos que podem ser definidos por aspectos funcionais, objetivos enunciativos e estilos determinados histórica, social, e institucionalmente. Como exemplos de tais gêneros, podem ser citados romance, bilhete, piada, edital de concurso, carta de leitor. No que se refere ao domínio discursivo, o autor deixa claro que constitui uma prática discursiva na qual se pode identificar um conjunto de gêneros textuais; ou seja, corresponde a instâncias discursivas, que podem ser ilustradas, por exemplo, pelo discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso. Ainda, de acordo com Marchuschi (2008), os tipos textuais constituem outra categoria extremante relevante no tocante ao estudo do texto; de acordo com o autor, tal categoria designa sequências caracterizadas por aspectos formais de natureza linguística, sejam eles no âmbito lexical, sintático, estilístico etc. (Cf. Marcuschi, 2008) Partindo-se do princípio de que texto não pode ser definido simplesmente por um conjunto de frases em sequência, a distinção entre texto e discurso precisa ser abordada. Para estabelecer uma distinção entre tais categorias, mesmo reconhecendo que, em determinadas situações, texto e discurso têm definições “intercambiáveis”, Marcuschi (2008) declara que o texto está no plano das formas lingüísticas e de sua organização, ao passo que discurso estaria no plano da enunciação, do funcionamento enunciativo e dos efeitos de sentido. Nesta pesquisa, considera-se a noção de texto visto como materialização do discurso, sendo uma unidade interacional que inclui os participantes, o contexto situacional e o processamento de fenômenos linguísticos e interacionais; entende-se que texto e discurso são categorias que se aproximam no estudo do funcionamento da língua a serviço da comunicação. Leva-se em consideração, portanto, que o texto tem por função materializar uma intenção comunicativa que se estabelece com base não só em valores informativos, mas também em valores lingüísticos e extralingüísticos referentes à identidade dos autores e à relação sociointerativa construída. 87 No âmbito propriamente discursivo, em relação ao estudo do texto, leva-se em consideração, nesta pesquisa, a noção de ato de comunicação, definida por Charaudeau (2008) como “um dispositivo cujo centro é ocupado pelo sujeito falante (o locutor, ao falar ou escrever) em relação a outro falante (o interlocutor)” (Cf. Charaudeau, 2008: 68). Esse dispositivo é formado por quatro componentes apresentados a seguir: I) A situação de comunicação: constitui os parâmetros físico e mental dos parceiros do ato de comunicação; são determinados por uma identidade e ligados por um contrato de comunicação. II) Os modos de organização do discurso: constituem os princípios de organização da matéria lingüística e dependem da finalidade comunicativa do sujeito (enunciar, descrever, contar, argumentar). III) A língua: constitui o material verbal nas categorias lingüísticas, possuindo forma e sentido. IV) O texto: é a representação do resultado material do ato de comunicação, sendo o resultado das escolhas do locutor (autor) dentre as categorias de língua e os modos de organização do discurso, em razão das restrições da situação de comunicação. Na presente pesquisa, tem-se por hipótese que a ordem dos clíticos pronominais pode estar, em alguma medida, relacionada aos aspectos discursivos que se apresentem nos textos tomados como base de investigação, pois refletem, de fato, uma situação de comunicação. Nesse sentido, entende-se que se interrelacionam, nos textos, os componentes citados, sendo as diferentes possibilidades de colocação do clítico pronominal nos contextos de complexos verbais reflexo das escolhas conscientes ou inconscientes dos alunos/autores em relação às categorias lingüísticas a depender da relação estabelecida entre os diversos componentes textuais, os quais se submetem à influência dos princípios referentes a cada modo de organização discursiva. Os modos de organização discursiva correspondem aos procedimentos empregados para que, ao utilizar as categorias de língua, estas sejam ordenadas em função das finalidades discursivas do ato de comunicação e, com isso, comportem propriedades lingüístico-comunicativas particulares, que podem ser reveladas por meio de aspectos lexicais, morfossintáticos e semânticos. Dessa maneira, buscou-se averiguar se os modos argumentativo (dissertativo-argumentativo) e narrativo, que cumprem, 88 respectivamente, as finalidades de permitir a construção de explicações sobre asserções feitas sobre o mundo, com finalidade persuasiva, e construir uma sucessão de ações voltadas para o mundo referencial, transformando a história em um universo narrado (CHARAUDEAU, 2008), atuam, em virtude das diferentes intenções comunicativas, como condicionadores da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais. Por hipótese, o modo de organização dissertativo, concretizado em redações escolares, presta-se mais à interação do tipo formal e com maior distanciamento entre os supostos interlocutores; a construção textual segundo o modo de organização narrativo traz à cena maior atividade interlocutiva, o que propicia estruturas lingüísticas condizentes com o perfil do emissor e do receptor em ação na cena discursiva. 4.3.2.2. As variáveis independentes linguísticas Nesta subseção, apresentam-se os grupos de fatores linguísticos postulados para o controle do condicionamento do fenômeno, exemplificados sempre que manifestados no corpus de análise. (a) Número de formas auxiliares Essa variável foi controlada a fim de se verificar se, a depender da quantidade de formas verbais (auxiliares), os clíticos pronominais apresentariam comportamento diferenciado no tocante à posição. ▪ 1 verbo auxiliar As pessoas vão perdendo a sua essência, por conta dessa obceção, acabam se esquecendo que o que realmente importa é a sua personalidade (dissertação, feminino, pública, 9º ano) ▪ 2 verbos auxiliares Todos pensaram. “Ah ele deve ter se formado pela cota”. Nada contra os negros mas eu acho isso ridículo (narração, feminino, pública, 9º ano) 89 (b) Forma do verbo principal Com o controle dessa variável, foi possível verificar as diferenças de comportamento do fenômeno em relação às formas nominais dos verbos, conforme mencionado na subseção 4.3.1. Por hipótese, postulou-se, inicialmente, que as formas infinitivas, que admitem variabilidade em todas as posições, favoreceriam a colocação pós-complexo verbal; as formas participiais, de acordo com as prescrições gramaticais, desfavoreceriam tal variante. ▪ Gerúndio Há tempos vem se discutindo sobre a legalização do aborto, sobre as razões para tal ação (dissertação, feminino, particular, 3º ano) ▪ Particípio Mesmo pela descarga de efeitos especiais que nos é lançada por filmes como Matrix ainda há esperança em filmes mais sérios que mostram a realidade do povo e que são feitos pelo prazer e não pelo dinheiro. (dissertação, masculino, público, 9º ano) ▪ Infinitivo Chorando muito, Sarah foi vê-la e prometeu diante dela que iria sair dessa vida. (narração, feminino, público, 3º ano) (c) Presença de preposição/conector no interior do complexo verbal A partir do controle dessa variável, busca-se verificar se a preposição ou qualquer outro elemento interveniente no complexo verbal poderia funcionar como uma espécie de operador de próclise ao verbo principal, favorecendo a colocação V1 cl V2. ▪ Presença de a Com o Exagero nos doces, refrigerantes e frituras, minhas amigas começaram a preocupar-se comigo.(narração, feminino, público, 3º ano) ▪ Presença de que Tiveram que se refugiar nos piores lugares, muitas vezes passaram perigo. (narração, masculino, particular, 9º ano) 90 ▪ Presença de de Hoje, Temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com os ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) ▪ Presença de advérbios O que não pode é ficar agredindo seu corpo e nem ficar sempre se espelhando em outras pessoas.(dissertação, feminino, público, 3º ano) ▪ Presença de locuções/ sintagmas intervenientes Portanto, se pararmos para analisar este processo, podemos concluir que nossa música vem cada vez mais revelando-se, mostrando assim que não precisamos importar outras culturas para marcar nossa riqueza e nosso valor. (dissertação, masculino, público, 9º ano) ▪ Presença de marcadores discursivos / operadores argumentativos Passaram-se uns dias e Marinete já havia até se esquecido do ocorrido. (narração, masculino, público, 3º ano) ▪ Ausência de elementos Em um mundo cheio de tecnologias pode-se encontrar pessoas perdidas e infelizes. (narração, feminino, particular, 3º ano) (d) Tipo de clítico O controle da variável tipo de clítico permite averiguar se a ordem dos pronomes átonos nos textos dos alunos pode ser determinada pela relação sintática estabelecida entre tal elemento e seu hospedeiro verbal. Dessa maneira, ao iniciar a investigação, supunha-se, com base em outros estudos sobre o tema, que: (i) o clítico se reflexivo/ inerente tenderia a se ligar ao verbo principal, por ser este o responsável pelo papel temático atribuído ao pronome, enquanto o clítico se apassivador/ indeterminador, por exercer funções desempenhadas pelo argumento externo do verbo, ocuparia, preferivelmente, as posições mais à esquerda do complexo verbal e, com isso, estaria posicionado nas adjacências da primeira forma verbal; (ii) o clítico acusativo de terceira 91 pessoa, em razão de seu volume fonético reduzido em relação ao dos outros clíticos pronominais, tenderia à colocação pós-complexo verbal, sobretudo em contextos de complexos verbais formados com verbos no infinitivo. Em relação a esta variável, cabe mencionar que o clítico “vos” não foi registrado no corpus. ▪ Me Com o passar dos anos, fui me tornando mocinha e meus hábitos foram mudando. (narração, feminino, público, 3º ano) ▪ Te Toma aqui Felipe. Mas não posso te dar mais, pois temos que economizar. (narração, feminino, particular, 9º ano) ▪ Se reflexivo/inerente Após cinco minutos de esteira ele para, exausto e vai se pesar. (narração, masculino, público, 3º ano) ▪ Se indeterminador do sujeito Para mudar a precisão em que as escolas se tornam, deve-se pensar no que a escola pode ajudar no futuro. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) ▪ Se apassivador Quando a seca chega ao nordeste é um problema muito grande não se pode plantar milho, arroz e feijão. (dissertação, masculino, público, 9º ano) ▪ O/ A (s) Chorando muito, Sarah foi vê-la e prometeu diante dela que iria sair dessa vida. (narração, feminino, público, 3º ano) ▪ Nos Era uma noite de muita felicidade e todos nós estávamos nos divertindo. (narração, feminino, particular, 3º ano) 92 ▪ Lhe (s) Elas preferem e pretendem seguir suas vidas com a beleza que lhe foi assegurada, concedida pela mãe natureza. (dissertação, masculino, público, 3º ano) (e) Tipo de oração Acredita-se que determinados tipos de orações, devido à presença/ausência de elementos em sua configuração, possam influenciar no condicionamento da ordem dos clíticos pronominais. Supõe-se, por exemplo, que determinados elementos constituintes, como conjunções e/ ou pronomes relativos, atuem como operadores de próclise e, assim, favoreçam a anteposição do pronome ao complexo verbal. Apresentam-se, a seguir, as estruturas oracionais que foram verificadas no corpus. Saliente-se que não houve qualquer ocorrência de clíticos pronominais em complexos verbais nos contextos de orações reduzidas de gerúndio e de particípio e/ ou de estruturas clivadas. ▪ Oração principal ou absoluta/ Oração coordenada assindética A busca pelo corpo escultural vem se tomando extremamente prejudicial e freqüente em nossa sociedade. (dissertação, feminino, público, 3º ano) ▪ Oração coordenada sindética Depois daí, seu mundo parou e ele começou a se arrepender de todo o mal que ele fez para si. (narração masculino, público, 3º ano) ▪ Oração subordinada desenvolvida Sabia que ele poderia tirá-lo. (narração, feminino, particular, 9º ano) ▪ Oração subordinada reduzida de infinitivo O casamento, por exemplo: quando se é solteiro, você pode sair, se divertir, viajar etc sem precisar se preocupar com marido/mulher e filhos. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) 93 (f) Elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal Por meio dessa variável, controlam-se não somente os elementos tradicionalmente reconhecidos como operadores de próclise, mas todo e qualquer elemento que anteceda o grupo “clítico-complexo verbal”; busca-se averiguar se, além dos elementos canônicos, como, por exemplo, a conjunção subordinativa, as partículas de negação, os advérbios, outros elementos exerceriam influência sobre o fenômeno, favorecendo a colocação pré-complexo verbal. Ressalte-se que, nos casos em que constavam dois elementos possivelmente operadores da colocação pré-complexo verbal, um tradicional e outro não tradicionalmente reconhecido por essa função, se optou por, na codificação dos dados, considerar o elemento tradicional. Ademais, nos casos em que constavam dois elementos tradicionais ou dois elementos não tradicionais, a opção foi considerar aquele que se apresentava mais próximo ao grupo clítico-complexo verbal. ▪ Grupo clítico-complexo verbal em posição inicial de oração, mas não de período Tendo em vista os argumentos acima citados, pode-se perceber que a música desempenha muitas e importantes funções nessa fase intermediária da vida. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) ▪ Grupo clítico-complexo verbal em posição inicial de período Isso lhe permite agora começar a explorar outra fronteiras. Vinha sentindo-se um pouco dividido, e que faltava alguma coisa em sua vida. (dissertação feminino, particular, 9º ano) ▪ SN sujeito nominal Quando vi a hora tomei um susto e falei vamos ir embora minha mãe está me procurando (narração, masculino, público, 9º ano) ▪ SN sujeito pronome pessoal Então preocupado e sem saber o que fazer, ele resolve se abrir com seu amigo. (narração, masculino, público, 3º ano) 94 ▪ SN sujeito pronome indefinido Assim, com esse grande número de pessoas indo em busca de um corpo mais bonito e mais “atual”, outras acabam se sentindo excluídas daquele grupo, muitas vezes se sentindo uma pessoa feia e diferente de todas as outras. (dissertação, masculino, público, 3º ano) ▪ SN sujeito pronome demonstrativo Quando chega na terça-feira de manhã repara em mais algumas mudanças e aquilo começa a me incomodar e rapidamente penso em fazer algo contra todos aqueles acontecimentos (narração, feminino, público, 3º ano) ▪ Partícula de negação Sempre achamos que a violência só acontece pela televisão e nunca irá nos acontecer. (narração, feminino, particular, 3º ano) ▪ Advérbio constituído de um único vocábulo Hoje, temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com os ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) ▪ Locução adverbial Mais tarde tentei me convencer que não era tão ruim assim. (narração, masculino, ano púbico, 3º ano) ▪ Preposição para Sinto que as pessoas acabam de certa maneira abrindo mão de suas vidas para tentarem se igualar às estrelas de Celebridade, ou às dançarinas do “É o Tchan” (dissertação, masculino, público, 3º ano) ▪ Preposição de Auxiliou na prevenção contra a aids e em grande parte de sua vida deixou de fazer suas refeições por achar injusto o fato de ela estar se alimentando e uma nação inteira estar passando fome. (dissertação, masculino, particular, 3º ano) 95 ▪ Preposição sem O casamento, por exemplo: quando se é solteiro, você pode sair, se divertir, viajar etc sem precisar se preocupar com marido/mulher e filhos. (dissertação, feminino, público, 9º ano) ▪ Conjunção coordenativa aditiva Com a mão no seu ombro ela voa no pescoço dele e começa a estrangulá-lo (narração, masculino, particular, 9º ano) ▪ Conjunção coordenativa adversativa Eu não estava no local nesse dia, mas vieram me contar o que aconteceu. (narração, masculino, público, 9º ano) ▪ Conjunção coordenativa explicativa Tendo em vista o que já foi dito a cima, pode-se concluir que a música tem extrema importância na vida de um jovem, pois pode o levar à fama ou então apenas ajudá-lo a virar um bom cidadão. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) ▪ Conjunção subordinativa É a droga do amor que quando se é correspondido é a melhor coisa do mundo, mas quando não se é correspondido é a pior coisa mundo. (dissertação, masculino, público, 9º ano) ▪ Pronome relativo que Portanto, os jovens utilizam a música para diversas finalidades, assim essa exerce sobre eles coisas que irão marcá-los por toda sua vida. (dissertação, masculino, 9º ano, particular) ▪ Conjunção integrante que Ela já em prantos disse que iria se tratar e ficar boa. (narração, feminino, público, 3º ano) 96 ▪ Conjunção integrante se sem muito esforço não se importando se lhe vai ocorrer a impotência sexual ou ataque cardíaco. Para eles e para todos isso vale tudo (dissertação, masculino, público, 3º ano) ▪ Palavra QU interrogativa do tipo adverbial Se eu me enquadro no estereótipo de beleza que a sociedade me impôs, então, por que preciso me preocupar com a minha essência? (dissertação, feminino, público, 3º ano) ▪ Elementos de foco – apenas, só, até, mesmo, ainda e também Bandidos que só queriam se divertir que não estavam nem aí para um menino. (narração, feminino, particular, 3º ano) Torna-se relevante mencionar que, com base em Vieira (2002), diversos outros elementos que pudessem anteceder o grupo clítico-complexo verbal foram considerados na investigação desta variável; apesar de não se terem manifestado no corpus, citam-se os referidos fatores: (i) Sprep (objeto indireto), (ii) predicativo do sujeito, (iii) preposição a, (iv) preposição por, (v) preposição em, (vi) pronomes/ advérbios relativos, (vii) “que” em estruturas clivadas, (viii)“que” em locução conjuntiva, (ix) palavra QU interrogativa do tipo pronominal, (x) partícula eis, (xi) outro pronome átono, (xii) elementos discursivos/ fáticos, (xiii) hesitações (eh: ah:) e (xiv) interjeições, truncamentos. (g) Distância entre o elemento antecedente e o grupo clítico-complexo verbal13 Controla-se essa variável com a intenção de averiguar se quanto maior a proximidade entre os elementos antecedentes – possíveis elementos atratores, conforme considerado na variável anterior – e o grupo clítico–complexo verbal maior seria a tendência à colocação do clítico em torno do verbo auxiliar. _ 13 Não se verificaram no corpus contextos em que houvesse distância de duas, três, cinco ou mais de seis sílabas entre o grupo clítico-complexo verbal e o possível elemento proclisador. 97 ▪ Zero sílaba Daqui a pouco as pessoas acordarão e verão que estão se autodestruindo pouco a pouco. (dissertação, feminino, público, 3º ano) ▪ Uma sílaba Salomão mesmo não sabendo a fortuna que o diamante valia, sabia que ele poderia tira-lo dessa pobreza (narração, masculino, particular, 9 º ano) ▪ Quatro sílabas Podemos concluir que, as pessoas tem que se conscientizar que tudo o que a mídia quer é só ganhar dinheiro, e nós somos só mais uns ratinhos de laboratório. (dissertação, masculino, público, 3º ano) ▪ Seis sílabas Acabaria de descobrir que seu melhor amigo estava se envolvendo com drogas (narração, masculino, particular, 9º ano) (h) Tempo e modos verbais do verbo (semi-) auxiliar 1 Controlou-se o tempo e modo dos verbos (semi-) auxiliar 1, buscando averiguar se tais características exercem influência no condicionamento do fenômeno. Supõe-se, inicialmente, que verbos do subjuntivo tenderiam a propiciar a colocação pré-CV, tendo em vista que tais formas verbais se inserem em contextos de subordinação. Destaque-se que não se manifestou qualquer ocorrência de (semi) auxiliares que se apresentassem no pretérito mais que perfeito do indicativo, no futuro do subjuntivo ou no modo imperativo, apesar de tais contextos terem sido fatores considerados para a investigação desta esta variável. ▪ Presente do indicativo E a pessoa for rica, ainda consegue se livrar deste peso, contratando uma babá, que não passa de uma vítima assalariada. (dissertação, masculino, público, 9º ano) 98 ▪ Pretérito imperfeito do indicativo O que lhe permite agora começar a explorar outra fronteiras. Vinha sentindo-se um pouco dividido, e que faltava alguma coisa em sua vida (dissertação, feminino, particular, 9º ano) ▪ Pretérito perfeito do indicativo Uma jovem aluna de uma escola particular nos Estados Unidos começou a se comportar de maneira estranha, disse sua professora. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) ▪ Futuro do presente do indicativo Se isso não acontecer sua consciência irá deixa-la com o sentimento de culpa por ter tirado a vida de seu próprio filho. (dissertação, masculino, particular, 3º ano) ▪ Futuro do pretérito do indicativo Acredito que todos deveriam se importar com o interior, com a personalidade e a essência de cada um. (dissertação, feminino, público, 9º ano) ▪ Presente do subjuntivo Não é só com a beleza, com perfeição que podemos por exemplo, amar alguém que goste da gente e que possa nos trazer a felicidade.(dissertação, feminino, público, 3º ano) ▪ Pretérito imperfeito do subjuntivo Essa era a hora para a fuga, pensou a menina, então ligou para Cassio e pediu para que ele fosse a pegar naquele momento (narração, feminino, particular, 9º ano) ▪ Infinitivo Muitas pessoas ao fazerem cirurgias para a melhora de seu corpo conseguem ficar esquisitas devido a pele ter se esticado demais e se arrependem logo depois. (dissertação, feminino, 3º ano, público) 99 ▪ Gerúndio Quando chegamos lá eu chegava a olhar para o meu cunhado querendo se levantar mas se ele se levantasse poderia se prejudicar.(narração, masculino, público, 9º ano) (i) Tipo de complexo verbal De acordo com os critérios apresentados na subseção 4.3.1.1., destinada a apresentar a delimitação das estruturas contempladas entre os complexos verbais nesta pesquisa, apresentam-se os fatores estabelecidos para o controle dessa variável. Destaque-se que, inicialmente, cada estrutura de complexo verbal encontrada no corpus, de acordo com os diferentes tipos de V1, foi codificada como fator individual; no entanto, devido ao escasso número de ocorrências por fator, optou-se por reunir os fatores em grupos caracteristicamente semelhantes em termos sintáticos e semânticos14. ▪ Passiva de ser (ser + particípio): Conforme avançam as criações dos homens, eles perdem a noção do poder que lhes é permitido e agem como seres onipotentes. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) ▪ Tempos compostos ter + particípio; haver + particípio: A mãe estava indignada como a violência tinha se espalhado. (narração, feminino, particular, 9º ano) ▪ Construções temporais/aspectuais do tipo ir + infinitivo; vir + infinitivo; ir + gerúndio; vir + gerúndio; estar + gerúndio; estar + a + infinitivo: Um dos meninos foi assaltá-la e ela mesmo com medo reconheceu aquela voz e aquele jeito. (narração, feminino, particular, 9º ano) _ 14 Cabe lembrar que estruturas verbais formadas por verbos causativos e sensitivos não foram consideradas nesta investigação. 100 ▪ Construções modais – haver + de/que + infinitivo; ter + de/que + infinitivo; poder + infinitivo; dever + infinitivo; precisar + infinitivo – e aspectuais – acabar + gerúndio; acabar + de/por + infinitivo; chegar + a + infinitivo; começar + a + infinitivo; voltar + a + infinitivo; pôr-se + a + infinitivo; tornar-se + a + infinitivo; continuar + a + infinitivo; costumar + infinitivo; continuar + gerúndio; ficar + gerúndio; andar + gerúndio: Todos gostão de música e por ela pode-se definir gosto, pode-se usar como forma de expressão. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) ▪ Complexos com demais verbos com mesmo referente-sujeito: querer; desejar; tentar; procurar; conseguir; ousar, saber; evitar; prometer; resolver; decidir; pretender; preferir + infinitivo: Mais tarde tentei me convencer que não era tão ruim assim. (narração, masculino, público, 3º ano) Com base em resultados obtidos por diversos pesquisadores a respeito da cliticização pronominal em complexos verbais no PB, acredita-se que, em termos gerais, nos diversos tipos de complexos verbais, a variante V1 cl V2 seria a mais produtiva, ratificando as considerações de Bechara (1999), Cunha & Cintra (2001) e Lima (2006), ao declararem que, no Brasil, a colocação proclítica ao verbo principal já se encontra estabilizada. No entanto, tem-se por hipótese que construções com auxiliares modais, por se tratar de estruturas cristalizadas da modalidade escrita, favoreceriam a colocação enclítica ao verbo auxiliar, conforme atestam Vieira (2002), Nunes (2009) e Peterson (2010). Além disso, supõe-se que as estruturas passivas com o auxiliar ser favoreçam a variante pré-complexo verbal. O controle dessa variável permite, em linhas gerais, averiguar o grau de integração entre a estrutura dos complexos verbais considerados e a ordem dos clíticos pronominais. 4.3.3. O tratamento dos dados Após a coleta dos dados, iniciou-se a codificação de cada ocorrência de acordo com os grupos de fatores apresentados nas subseções anteriores. Após a codificação das ocorrências, procedeu-se ao tratamento computacional do conjunto de dados obtidos e, 101 para tanto, lançou-se mão do pacote de programas GOLDVARB (versão 2001), responsável por fornecer o índice de aplicabilidade da regra variável de cliticização (freqüência absoluta e percentual, e pesos relativos), as variáveis lingüísticas e extralingüísticas estatisticamente relevantes à compreensão do processo de colocação pronominal, as variáveis não relevantes ao processo, e, ainda, o cruzamento entre grupos de fatores. O referido programa é importante para estudos de base sociolingüística, pois, ao ponderar o peso de cada fator investigado no conjunto dos fatores, indica, estatisticamente, a probabilidade de manifestação da variante sob análise em cada contexto considerado. Permite, portanto, estabelecer o grau de influência de determinado elemento, quando significativo, para o condicionamento do fenômeno variável em estudo. Ao iniciar o tratamento estatístico dos dados, constituiu-se o arquivo de células, ou seja, o arquivo que demonstra os primeiros resultados, apresentando os valores percentuais referentes a cada fator constituinte das variáveis investigadas. Nessa etapa da análise estatística, podem ser identificados os contextos nos quais se identificam dados categóricos (knockout) ou variáveis. A partir de então, para dar prosseguimento à análise, o procedimento a ser executado corresponde à recodificação dos dados, procedimento por meio do qual se podem eliminar os fatores que figurem com 100% de representação por uma variante da variável dependente, comportamento que, em termos estatísticos, não propicia o estudo do fenômeno variável. A recodificação dos dados fez-se necessária em virtude da diversidade de fatores estabelecidos ao início da pesquisa, para averiguar quais são aqueles que, de fato, surtem efeito sobre o condicionamento do fenômeno. Conforme postulam GUY & ZILLES (2007), os dados amalgamados devem apresentar traços linguísticos similares e resultados quantitativamente semelhantes; se determinado fator não apresentar identificação com outros nos termos especificados, a ocorrência correspondente não deve ser considerada nas etapas seguintes. A partir de então, procede-se à constituição de novo arquivo de células, obtendo-se novos resultados percentuais, que permitem interpretações mais seguras sobre o fenômeno em estudo. Após a constituição do novo arquivo de células, tendo sido realizadas os amálgamas e as eliminações que se fizeram necessárias, a análise passa a etapa denominada multivariacional. Nessa etapa, a partir da ponderação das variáveis possivelmente influentes no condicionamento do fenômeno, o aparato computacional seleciona as variáveis estatisticamente relevantes, descartando as não significativas e, 102 indicando, ainda, aquelas que possuem maior e menor influência sobre o condicionamento do fenômeno. Nessa etapa, obtêm-se os pesos relativos referentes a cada um dos fatores investigados em relação ao valor de aplicação determinado. Na presente investigação, optou-se por considerar apenas os índices percentuais, não levando a análise até os procedimentos finais por meio dos quais se obtêm os pesos relativos. Em função do reduzido número de ocorrências que se obteve, sobretudo no que concerne aos contextos com particípio e gerúndio, julgou-se improdutiva a análise dos pesos relativos; a grande quantidade de células vazias dificultaria sobremaneira a interpretação dos resultados, induzindo a conclusões inconsistentes e inseguras. No caso dos infinitivos, ainda que fosse possível levar o tratamento dos dados até as etapas finais da análise sociolinguística, escolhendo-se uma das variantes da variável dependente como valor de aplicação e opondo-a às demais, entende-se que o procedimento impediria o que se julga prioritário: visualizar a mobilidade dos clíticos em relação às três ou quatro posições possíveis. As rodadas executadas para análise dos dados foram, portanto, as seguintes: 1ª) geral, obtendo-se resultados absolutos e percentuais sem amálgamas ou eliminações de fatores, estando reunidos os dados de infinitivo, gerúndio e particípio; 2ª) rodada com dados de infinitivo, gerúndio e particípio, juntos, tendo sido realizados amálgamas e eliminações que se fizeram necessários; 3ª) rodadas com dados de infinitivo, gerúndio e particípio, separados, com amálgamas e eliminações necessários. 4ª) cruzamento entre os grupos de fatores Observe-se, a seguir, a lista das variáveis independentes linguísticas consideradas e seus respectivos fatores após a realização dos amálgamas necessários, feitos de acordo com o que se julgou conveniente para conferir clareza e confiabilidade à interpretação dos resultados obtidos. (a) Número de formas auxiliares: (i) um verbo auxiliar; (ii) dois verbos auxiliares. (b) Forma do verbo principal: (i) gerúndio; (ii) particípio; (iii) infinitivo. (c) Presença de preposição/conector no interior do complexo verbal: (i) presença de a; (ii) presença de que; (iii) presença de de; (iv) presença de 103 advérbio; (v) presença de locuções; (vi) presença de marcadores discursivos; (vii) ausência de elementos. (d) Tipo de clítico: (i) clíticos de primeira pessoa (me e nos); (ii) te; (iii) se reflexivo inerente; (iv) se índice de indeterminação/apassivador; (v) o/a (s); (vi) lhe (s). (e) Tipo de oração: (i) oração principal ou absoluta/ oração coordenada assindética; (ii) oração coordenada sindética; (iii) oração subordinada desenvolvida; (iv) oração subordinada reduzida de infinitivo. (f) Elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal: (i) grupo clíticocomplexo verbal em posição inicial de período; (ii) grupo clítico-complexo verbal em posição inicial de oração; (iii) conjunção coordenativa; (iv) conjunção subordinativa; (v) SN sujeito; (vi) Sintagma adverbial; (vii) preposição; (viii) partícula de negação; (ix) pronome relativo; (x) elementos de foco (inclusão). (g) Distancia entre o elemento antecedente e o grupo clítico-complexo verbal: zero sílaba; (ii) 1 sílaba; (iii) 4 sílabas; (iv) de 6 sílabas. (h) Tempo e modo do verbo (semi-) auxiliar 1: (i) presente/pretérito do indicativo;; (ii) futuro do indicativo; (iii) tempos do subjuntivo; (iv) infinitivo; (v) gerúndio (i) Tipo de complexo verbal: (i) estar + gerúndio; (ii) vir/ir + gerúndio; (iii) ser + particípio; (iv) poder/dever + infinitivo; (v) precisar + infinitivo; (vi) tentar/querer + infinitivo; (vii) acabar/ continuar + infinitivo; (viii) começar a + infinitivo; (ix) ir/vir + infinitivo; (x) ter + particípio; (xi) ter de/que + infinitivo. Com base nos índices absolutos e percentuais obtidos com as rodadas realizadas e a observação atenciosa dos dados, procede-se à interpretação dos resultados, que se expõe no capítulo seguinte. 104 5. ANÁLISE DOS DADOS 5.1. Produtividade das ocorrências Antes que se apresente a distribuição total dos dados pelas variantes da variável dependente, considera-se relevante fornecer informações acerca da produtividade das ocorrências de clíticos pronominais em contextos de complexos verbais, com base na coleta feita na amostra sob análise. Cabe destacar que, dos 448 textos selecionados, foram verificados 222 dados de clíticos pronominais em lexias verbais complexas. Observe-se a tabela a seguir, que demonstra o quantitativo de dados coletados diferenciando-se os textos de acordo com o modo de organização discursiva. Tabela 1: Número de ocorrências de clíticos pronominais nos textos, de acordo com o modo de organização discursiva predominante. Modo de organização discursiva Total de dados coletados Dissertativo-argumentativo 124 – 55% Narrativo 98 – 45 % Total de ocorrências 222 Compreende-se que apenas um estudo específico das características estruturais de cada um dos modos de organização discursiva contemplados nesta investigação permitiria averiguar quais seriam os aspectos que, no âmbito discursivo, motivariam, de fato, o uso de clíticos pronominais ou outras estratégias de preenchimento do objeto, assim como os contextos em que a expressão verbal se daria por meio de uma forma simples ou complexa. De toda maneira, com o controle realizado nesta pesquisa, podese perceber que, a depender do modo de organização discursiva predominante nos textos, existe certa diferença no número total de dados coletados: encontraram-se nos textos dissertativos-argumentativos 124 ocorrências, e nos textos narrativos, 98 ocorrências. Nesta seção, cabe ainda mencionar a diferença que se observa entre a produtividade dos dados a depender da forma nominal – gerúndio, particípio ou infinitivo – em que se encontra o verbo principal do complexo verbal. Observe-se a tabela a seguir, que serve para ilustrar como os dados se distribuem em relação à forma do verbo principal. 105 Tabela 2: Número de ocorrências de clíticos pronominais a depender da forma do verbo principal Forma do verbo principal Particípio Gerúndio Infinitivo Total Valores obtidos 15 – 7% 52 – 23% 155 – 70% 222 Observando-se os dados da tabela acima, percebe-se que, no corpus utilizado para esta análise, o maior número de ocorrências se deu em contextos nos quais os complexos verbais são formados por verbos no infinitivo (155), verificando-se o baixo número de ocorrências cujos complexos verbais se formam pelas outras formas nominais do verbo principal – gerúndio (52) e particípio (15). Torna-se relevante destacar, ainda, quanto à constituição das estruturas dos complexos verbais, que a maioria delas é constituída por um único verbo auxiliar e outro principal, tendo sido encontradas apenas quatro ocorrências de complexos verbais formados por duas formas auxiliares. A título de ilustração desse contexto, observem-se os exemplos a seguir. Observem-se, a seguir, exemplos referentes às 4 ocorrências de clíticos pronominais em complexos verbais formados por mais de uma forma auxiliar: (01) Todos pensaram. “Ah ele deve ter se formado pela cota”. Nada contra os negros mas eu acho isso ridículo. (dissertação, masculino, público, 9º ano) (02) A busca incessante, e as vezes até insana, pela beleza, tanto de mulheres como de homens, leva a perda de suas identidades, a medida que todos passaram a tentar se igualar a um padrão único de beleza (dissertação, masculino, público, 3º ano) Observando-se os exemplos acima, percebe-se que, mesmo em se tratando de estruturas com mais de uma forma auxiliar, os textos exibem a preferência por posicionar o pronome antes do verbo principal. Desse modo, pode-se observar que, embora haja mais de uma forma auxiliar, o clítico se vincula a um dos complexos encaixados na estrutura maior, e, conforme a tendência geral observada para os contextos de estruturas constituídas de apenas duas formas verbais, o pronome colocase em posição proclítica ao verbo principal, 106 Feitas algumas considerações acerca da produtividade dos clíticos pronominais no corpus de análise, seguem-se a exposição e a interpretação dos dados obtidos em relação à ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais. 5.2. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais 5.2.1. Distribuição dos dados pela variável dependente Nesta seção, apresenta-se a distribuição geral dos 222 dados obtidos a partir das 448 redações escolares, de maneira que se possa avaliar a posição do pronome átono no complexo verbal, observando-se o comportamento do fenômeno em estruturas formadas pelas três possíveis formas nominais do verbo principal – infinitivo gerúndio e particípio. Como já anteriormente mencionado, cabe relembrar que, nesta investigação, são consideradas quatro possibilidades de colocação do pronome átono em relação aos complexos verbais, sendo elas as quatro variantes da variável dependente, representadas por cl v1 v2, v1-cl v2, v1 cl v2, v1 v2 cl. A título de exemplificação, observem-se, a seguir, realizações das quatro possibilidades de colocação pronominal no contexto analisado, extraídas do corpus: Pré-complexo verbal ou cl V1 V2: (03) Aqueles que são contra o ritual do aborto pensam que não se deve cometer um crime contra vida já que é errado matar um ser humano inocente. (dissertação, masculino, particular 3º ano) Intra-complexo verbal com hífen ou VI-cl V2: (04) Tendo em vista o que já foi dito a cima, pode-se concluir que a música tem extrema importância na vida de um jovem pois pode o levar à fama ou então apenas ajudá-lo a virar um bom cidadão. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) Intra-complexo verbal sem V1 cl V2: (05) Quando vi a hora tomei um susto e falei vamos ir embora minha mãe está me procurando (narração, feminino, público, 9º ano) 107 Pós-complexo verbal ou V1 V2-cl: (06) Mas seis meses depois esse bandido voltou e conseguiu matá-lo (narração, feminino, público, 9º ano) A tabela abaixo pode demonstrar a distribuição geral dos 222 dados pelos fatores da variável dependente, de acordo com a sistematização realizada de acordo com o número de ocorrências e a frequência percentual das variantes. Tabela 3: Distribuição geral dos dados pelos fatores da variável dependente Fatores da variável dependente Valores obtidos cl V1 V2 22 – 9% V1-cl V2 26 – 11% V1 cl V2 134 – 62 % V1 V2-cl 40 – 18% Total 222 – 100% O gráfico abaixo possibilita melhor visualização dos resultados expostos na tabela acima. Gráfico 1: Distribuição geral dos dados pelos fatores da variável dependente 108 Nota-se a alta produtividade da variante V1 cl V2 em comparação à das outras, pois, das 222 ocorrências de pronome átono coletadas, 134 (62%) manifestaram o pronome em posição intra-complexo verbal, proclítico ao verbo principal. Em contrapartida, é igualmente notável a baixa produtividade da variante cl V1 V2, correspondendo a 22 dos 222 dados (9% das ocorrências). A seguir, a fim de demonstrar que o comportamento geral dos dados se manifesta de maneira diferenciada a depender da forma do verbo principal, apresenta-se a distribuição dos dados em relação a cada uma das formas nominais que constituem as estruturas verbais complexas. Tabela 4: Distribuição dos dados pelos fatores da variável dependente de acordo com a forma do verbo principal. Fatores da variável Infinitivo Gerúndio Particípio cl V1 V2 15 – 9% 0 – 0% 7 – 46% V1-cl V2 26 – 16% 0 – 0% 0 – 0% V1 cl V2 83 – 55% 43 – 83% 8 – 54% V1 V2-cl 31– 20% 9 – 17% 0 – 0% Total 155 – 71 % 52 – 23% 15 – 6% dependente Observando-se os resultados apresentados na tabela 4, percebe-se que o comportamento do fenômeno se dá de maneira extremamente diferenciada a depender da forma do verbo principal. Pode-se verificar que os complexos nos quais o verbo principal se encontra na forma infinitiva – os mais produtivos no corpus – constituem o contexto, das três formas nominais, que apresenta distribuição dos dados por todas as variantes da variável dependente; destaque-se, ainda, que, assim como nos contextos com as outras formas nominais, a variante V1 cl V2 ocorre como preferência na escrita dos alunos. A respeito dos complexos verbais formados por gerúndio e particípio, primeiramente, cabe destacar, que tais formas não apresentam a colocação pronominal nas quatro posições consideradas nesta investigação. Foram registradas 52 ocorrências de clíticos pronominais em complexos verbais formados por gerúndio, havendo 43 (83%) dessas ocorrências em posição intra-complexo verbal sem hífen – V1cl V2 – e 9 109 (17%) em posição pós-complexo verbal – V1 V2-cl. A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais formados por particípio – os menos frequentes no corpus, com apenas 15 dados – registraram 7 ocorrências da variante pré-complexo verbal (cl V1 V2) e 8 da intra-complexo verbal sem hífen (V1 cl V2). Em síntese, destaque-se que os complexos verbais formados por gerúndio apresentam como opções de colocação do pronome átono apenas as variantes V1 cl V2 e V1 V2-cl e os complexos formados por particípio, apenas as variantes cl V1 V2 e V1 cl V2. Tendo sido observadas as referidas particularidades a respeito da forma do verbo principal, optou-se por dar continuidade à análise quantitativa dos dados separadamente, formando-se, portanto, três sub-amostras a depender da forma do verbo principal. Acredita-se que esse procedimento permite observar o comportamento da ordem dos clíticos pronominais de maneira mais fiel aos dados, visto que não se trata da mesma regra variável em cada contexto. Nas duas subseções que se seguem, apresenta-se a descrição dos dados de clíticos em estruturas de complexos verbais formadas por gerúndio e particípio, considerando a análise qualitativa das poucas ocorrências dessas estruturas encontradas. Destaca-se, principalmente, o comportamento dos dados em relação aos tipos de complexos e aos tipos de clíticos que se manifestam nos exemplos. Cabe destacar desde então que, no que se refere à sub-amostra de complexos verbais com infinitivo, procede-se por meio de uma análise mais aprofundada em relação às variáveis investigadas, tendo-se em vista, a maior diversificação entre os resultados obtidos. 5.2.2. Complexos verbais com gerúndio Observe-se a tabela a seguir, que permite visualizar a distribuição dos 52 dados dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais formados por gerúndio encontrados no corpus utilizado, demostrando-se, ainda, a distribuição de tais ocorrências de acordo com o modo de organização predominante nos textos: 110 Tabela 5: A ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais formados por gerúndio – distribuição dos dados de acordo com o modo de organização discursiva dos textos Modo de organização predominante Dissertativoargumentativo Narrativo Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total 0 – 0% 0 – 0% 25 – 84% 5 – 16% 30 - 58% 0 – 0% 0 – 0% 18 – 82% 4 – 18% 22 – 42% Os resultados permitem verificar que, em se tratando de ambos os modos de organização, os contextos de complexos verbais com gerúndio – que exibem a realização de apenas duas das quatro variantes contempladas nesta investigação – apresentam comportamento semelhante quanto à distribuição das variantes V1 cl V2 e V1 V2-cl pelos textos dissertativos-argumentativos e narrativos. Desse modo, pode-se supor que essa variável não exerce influência sobre o fenômeno nos complexos com gerúndio. Observando as ocorrências coletadas, verificou-se que, no corpus de análise, todos os dados de complexos verbais com gerúndio se manifestaram por meio de três diferentes tipos de complexos: ir/vir + gerúndio; estar + gerúndio; acabar + gerúndio. Trata-se de construções aspectuais, com forte preferência pela ordem V1 cl V2 (83%) e baixa concretização da variante V1 V2-cl (5 ocorrências nos textos dissertativosargumentativos e 4 nos textos narrativos). Observem-se, a seguir, os 9 exemplos da variante V1 V2-cl encontrados no corpus: (07) E esta “cegueira” acaba expandindo-se mais e mais, pois além de ter o “corpo perfeito”, os cegos querem que todos sejam iguais a eles. (dissertação, masculino, público, 3º ano) (08) O número de abortos realizados no Brasil atinge um percentual assustados. Entendo que as condições de miséria em que vivem muitos brasileiros acabam levando-os ao desespero quando se vêem diante de mais “uma boca” para sustentar. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (09) A música para o jovem de hoje, tem total importância, e cada um escolhe seu ritmo e sua trilha, com isso, acaba descobrindo-se a real identidade que 111 terá para ser um adulto de bem ou não. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (10) Portanto, se pararmos para analisar este processo, podemos concluir que nossa música vem cada vez mais revelando-se, mostrando assim que não precisamos importar outras culturas para marcar nossa riqueza e nosso valor. (dissertação, masculino, público, 9º ano) (11) O que lhe permite agora começar a explorar outra fronteiras. Vinha sentindo-se um pouco dividido, e que faltava alguma coisa em sua vida. (dissertação, feminino, particular, 9ºano) (12) Uma jovem recém casada... mata o seu marido após descobrir que ele estava traindo-a com uma amante. (narração, feminino, particular, 3º ano) (13) Pegou ela pelo braço e foi puxando-a até o portão de saída (narração, feminino, particular, 9º ano) (14) Suas mulheres foram estupradas e mais da metade da população estava procurando-o, pois o exército inglês (narração, feminino, particular, 9º ano) (15) Um dos garotos puxou a filmadora do turista, o mesmo reagiu, puxando a câmera de volta, então o garoto atirou e acabou matando-o (narração, feminino, particular, 9º ano) O comportamento que se pode observar em relação à variante V1 V2-cl nas estruturas complexas formadas por gerúndio já havia sido assinalado em diversos outros estudos sociolinguísticos acerca do comportamento do fenômeno na variedade brasileira da língua portuguesa, como VIEIRA (2002), NUNES (2009), MARTINS (2009), PETTERSON (2010) e SANTOS (2010). Os exemplos evidenciam que, das 9 ocorrências da variante V1 V2-cl, 4 se concretizam pelo tipo de complexo acabar + gerúndio, como retratam os exemplos 07, 08, 09 e 15, tendo sido manifestadas, ainda, 2 ocorrências de estar + gerúndio (exemplos 12 e 14) outras 3 de ir/vir + gerúndio (exemplos 10, 11 e 13). 112 Em relação aos tipos de clíticos que se manifestaram nessas ocorrências, verifica-se que o pronome o/a(s) foi o mais frequente nas representações da variante V1 V2-cl, tendo sido registradas 5 ocorrências, como apontam os exemplos 08, 12, 13, 14 e 15; os outros quatro registros da variante V1 V2-cl caracterizam-se principalmente pelo uso do clítico se reflexivo/ inerente, como demonstram os exemplos 07, 10 e 11 também junto a diferentes tipos de complexos verbais; o exemplo 09 pode demonstrar o uso do se indeterminador/ apassivador. A respeito dos exemplos 08, 10 e 12, cabe salientar o fato de que, apesar da existência de um elemento tradicionalmente reconhecido ‘atrator do pronome átono’ – que conjunção integrante e que pronome relativo – em contexto anterior ao grupo cl- CV, que, em termos formais, propiciaria a colocação cl V1 V2, a variante V1 V2-cl mostrou-se como opção. Em relação à aplicação da variante V1 cl V2 em contextos de complexos com gerúndio, verificaram-se 43 ocorrências, dentre as quais 30 correspondem ao uso do clítico se reflexivo/inerente, conforme se apresenta no exemplo 16: (16) A “lei do belo” parece uma doença das mais contagiosa que vem se alastrando principalmente entre as adolescentes. (dissertação, masculino, público, 3º ano) A respeito do exemplo 16, cabe destacar, mais uma vez, a inoperância dos elementos considerados operadores de próclise pela tradição gramatical em se tratando da cliticização pronominal em complexos verbais, percebendo-se que, mesmo diante do pronome relativo que, se manifesta a preferência dos alunos pela colocação proclítica ao verbo principal. Os outros 13 dados de complexos verbais com gerúndio que se apresentam por meio da variante V1 cl V2 correspondem a 9 ocorrências do clítico de 1ª pessoa me/nos, 2 do clítico o/a (s), 1 do clítico se indeterminador/apassivador e 1 do clítico te. Observem-se os exemplos 17, 18 e 19 que servem a ilustrar tais ocorrências. (17) As brigas de mamãe com papai e a cobrança para emagrecer estavam me matando. (narração, feminino, público 3º ano) 113 (18) Há tempos vem se discutindo sobre a legalização do aborto, sobre as razões para tal ação. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (19) Vou soltar ele porque eu tenho a vida sofrida, daqui a pouco eu vou acabar te ajudando (narração, masculino, particular, 9º ano) Em relação à presença de elementos intervenientes no grupo clítico-complexo verbal, foram encontradas apenas 3 ocorrências que demonstrassem tal situação. Dessas 3 ocorrências, 2 configuram a presença de locuções e 1 a presença de um advérbio. Observem-se os exemplos correspondentes a tais ocorrências: (20) Portanto, se pararmos para analisar este processo, podemos concluir que nossa música vem cada vez mais revelando-se, mostrando assim que não precisamos importar outras culturas para marcar nossa riqueza e nosso valor. (dissertação, masculino, público, 9º ano) (21) Com os seus objetivos mudados, eles tentam se atualizar o mais rápido possível e acabam muitas vezes se prejudicando (dissertação, masculino, público, 3º ano) (22) O que não pode é ficar agredindo seu corpo e nem ficar sempre se espelhando em outras pessoas. (dissertação, feminino, público, 3º ano) Os exemplos de 20 a 22 demonstram a ligação do clítico pronominal a V2, ressaltando-se o fato de que, nos exemplos 21 e 22, em que se verificam, respectivamente, uma locução adverbial e um advérbio no interior do complexo verbal e o uso do clítico se reflexivo/inerente, a variante V1 cl V2 se mostrou como opção dos alunos, diferentemente do que se pode perceber em relação ao exemplo 20, em que se apresenta como opção a variante V1 V2-cl, havendo, da mesma maneira como ocorre no exemplo 21, a interveniência de uma locução adverbial, sendo utilizado, no entanto, outro tipo de clítico – se indeterminador/apassivador. Apesar de não ser possível fazer generalizações a respeito da atuação dos elementos intervenientes no grupo-clítico complexo verbal como propiciadores da próclise a V2 em complexos verbais formados por gerúndio, acredita-se que tais elementos não influenciam na ordem dos clíticos 114 pronominais nesse contexto, tendo em vista que os exemplos demonstram que a preferência dos alunos em relação às variantes utilizadas se manteve de acordo com o tipo de clítico empregado nas sentenças. De modo geral, pode-se perceber que, em complexos verbais formados por auxiliar + gerúndio, o clítico pronominal tende a se ligar a V2, ocupando, sobretudo, a posição proclítica ao verbo auxiliar. Realizadas as considerações acerca dos complexos verbais formados por gerúndio, observe-se, a seguir, a análise das ocorrências de clíticos em complexos verbais formados por particípio. 5.2.3. Complexos verbais com particípio A partir do corpus utilizado nesta pesquisa, verificaram-se apenas 15 dados de clíticos pronominais em complexos verbais formados por particípio. Observe-se a tabela abaixo, que demonstra a distribuição de tais ocorrências de acordo com as variantes da variável dependente e com o modo de organização predominante nos textos. Tabela 6: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com particípio consoante a variável dependente e o modo de organização discursiva. Modo de organização predominante Dissertativoargumentativo Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl 6 – 67% 0 – 0% 3 – 33% 0 – 0% Narrativo 1 – 16% 0 – 0% 5 – 84% 0 – 0% Total 7 – 46 % 0 – 0% 8 – 54% 0 – 0% A tabela acima demonstra que o escasso número de dados de clíticos associados a complexos verbais formados por verbos principais no particípio não permitiu a colocação do pronome nas quatro posições consideradas na investigação. Foi observada apenas a realização das variantes pré-complexo verbal e intra-complexo verbal sem hífen. Das 15 ocorrências de clíticos em complexos verbais com particípio, 7 (46%) se manifestaram pela colocação pré-complexo verbal e 8 (54%) pela posição intra- 115 complexo verbal sem hífen. Cumpre destacar que o não aparecimento da variante V1 V2-cl se mostra em consonância tanto com as prescrições que se puderam observar nos compêndios gramaticais consultados como com os resultados obtidos por outros estudos realizados acerca do tema (Cf. VIEIRA, 2002; NUNES, 2009; MARTINS, 2009, PETTERSON, 2010; SANTOS, 2010). De acordo com Vieira (2002), o fato de não ocorrer a colocação do pronome em posição enclítica à forma participial do verbo está associado ao caráter mais nominal que comporta esta forma em relação às outras formas nominais do verbo; a autora fundamenta sua argumentação com base num continuum de nominalização proposto por Guilhaume (apud VIEIRA 2002), de acordo com o qual o particípio corresponde ao verbo em sua forma totalmente ‘detensiva’, tendo assumido sua forma inteiramente nominal. Observando-se os resultados expostos na tabela acima, percebe-se que a distribuição dos dados se deu de forma equilibrada pelas duas variantes, com cerca de metade dos dados para cada. Destaque-se, ainda, que das 15 ocorrências obtidas, 9 se deram em textos dissertativo-argumentativo e 6 em textos narrativos. Observem-se a seguir os exemplos de 23 a 28 que servem a caracterizar os contextos em que, nos casos de particípio, se realiza a variante cl V1 V2: (23) Elas preferem e pretendem seguir suas vidas com a beleza que lhe foi assegurada, concedida pela mãe natureza. (dissertação, masculino, público, 3º ano) (24) O conceito de beleza que existe em nossa sociedade e nos é passado pelos meios de comunicação e pela mídia, faz muitas vezes as pessoas tomarem atitudes, às vezes impensadas (dissertação, masculino, público, 3º ano) (25) Conforme avançam as criações dos homens, eles perdem a noção do poder que lhes é permitido e agem como seres onipotentes (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (26) Mesmo pela descarga de efeitos especiais que nos é lançada por filmes como Matrix ainda há esperança em filmes mais sérios que mostram a realidade do povo e que são feitos pelo prazer e não pelo dinheiro. (dissertação, masculino, público, 9º ano) 116 (27) ... levaram chicotadas, pauladas de barra de ferro, ficavam dias sem comer e muitas vezes lhe eram cortadas as mãos. (narração, feminino, feminino, particular, 9º ano) (28) É a droga do amor que quando se é correspondido é a melhor coisa do mundo, mas quando não se é correspondido é a pior coisa mundo. (dissertação, masculino, público, 9º ano) Observando-se os exemplos acima, percebem-se estruturas verbais complexas formadas pela voz passiva e em contextos nos quais o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal configura um operador de próclise canônico, como o pronome relativo presente nos exemplos de 23 a 26, a conjunção subordinativa e a partícula de negação no exemplo 28, ou não, como o sintagma adverbial presente no exemplo 27; destaque-se que foram observados os elementos que antecediam o grupo clítico-verbo, mesmo que, como no exemplo 24, tais elementos não figurassem em posição imediatamente anterior ao grupo clítico-complexo verbal. A aplicação da variante cl V1 V2 caracterizou-se como opção dos alunos para os contextos nos quais se verificaram estruturas verbais complexas de voz passiva formadas pelo verbo auxiliar ser, estrutura presente em todas as ocorrências dessa variante. Percebeu-se que independentemente da presença do elemento que se encontra em contexto anterior ao grupo clítico complexo verbal, é a variante pré-complexo verbal que se apresenta como padrão linguístico na escrita dos alunos. No tocante aos tipos de clíticos que se verificaram nas estruturas representadas por cl V1 V2, apontam-se três diferentes tipos de pronomes, sendo tais formas o clítico de primeira pessoa nos, o clítico se indeterminador/apassivador e o clítico lhe. Pode-se observar, então, que, mesmo com a presença de clíticos argumentais – como o nos e o lhe –, a estrutura passiva privilegia a forma pré-complexo verbal. Em relação à aplicação da variante V1 cl V2, verificou-se que, das 8 ocorrências dessa variante no corpus, foram realizadas 5 em textos narrativos e 3 em textos dissertativos. Observem-se, abaixo, alguns exemplos que servem a evidenciar o comportamento dessa variante: 117 (29) Passaram-se uns dias e Marinete já havia até se esquecido do ocorrido. (narração, masculino, público, 3º ano) (30) O aborto e a utilização de células-tronco têm se tornado alvos de grandes debates e polêmicas no mundo contemporâneo. (dissertação, feminino, particular, 3ºano) (31) A mãe estava indignada como a violência tinha se espalhado (narração, feminino, particular, 9º ano) (32) Quando eu cheguei lá eu comecei a chorar, porque eu tinha me machucado e estava doendo (narração, feminino, público, 9º ano) (33) Pedro, então lembrou de tudo o que Luciana havia lhe dito e devolveu tudo o que já tinha pegado dos passageiros (narração, feminino, particular, 9ºano) (34) Muitas pessoas ao fazerem cirurgias para a melhora de seu corpo conseguem ficar esquisitas devido a pele ter se esticado demais e se arrependem logo depois. (feminino, dissertação, público, 3º ano) (35) O primeiro diagnóstico saiu; ele estava com asma, não entendi nada, pois haviam me dito que era HIV. (narração, masculino, público, 3º ano) Os exemplos apresentados acima evidenciam as estruturas verbais complexas que concretizaram a aplicação da variante V1 cl V2, nos casos de particípio. No corpus, registraram-se clíticos na posição intra-complexo verbal sem hífen com complexos verbais formados somente por ter + particípio e haver + particípio. De modo geral, pode-se perceber que, em se tratando da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais formados por particípio, não se mostra efetiva a atuação do elemento que antecede o grupo clítico-complexo verbal, sendo ele um tradicional operador de próclise ou não. Não se pode deixar de mencionar a existência de elementos tradicionalmente reconhecidos como operadores de próclise nos exemplos 29, 31 e 33, que não desempenham o papel de atração do pronome. 118 Cabe fazer, a respeito do exemplo 29, especificamente, duas observações: (i) apesar de o elemento imediatamente antecedente ao grupo clítico verbo ser o advérbio já, indicado por referências tradicionais como um dos contextos nos quais se daria a aplicação da colocação pré-complexo verbal, verificou-se a preferência pela colocação intra-complexo verbal; (ii) de todas as ocorrências de clíticização pronominal nos complexos formados por particípio, essa foi a única que apresentou um elemento interveniente no interior da estrutura verbal complexa – um operador argumentativo; neste exemplo, verifica-se com maior evidência a opção em colocar o clítico pronominal em posição proclítica a V2, após o elemento interveniente, mantendo-se a restrição de colocar o pronome em posição enclítica à forma participial. Em relação aos tipos de clíticos que se verificaram em posição intra-complexo verbal sem hífen, os exemplos demonstram a aplicação de me (clítico de primeira pessoa), se (reflexivo/inerente) e lhe. Os pronomes me e se (reflexivo/inerente) apresentaram comportamento consoante aos resultados obtidos por outros autores, com tendência a se adjungirem aos verbos que os regem As observações dos dados permitem observar que, em se tratando de complexos verbais formados por particípio, o tipo de complexo verbal seria o grupo de fatores que mais contribuiria para condicionamento da ordem dos clíticos pronominais, já que as duas variantes que se concretizaram no corpus se manifestaram cada uma delas por estruturas específicas. Cabe salientar, no entanto, que o número reduzido de dados não permite que se façam generalizações ou que se teçam conclusões categóricas acerca do fenômeno. Considerando-se os resultados de outras pesquisas sobre o tema, observa-se que, em contexto de aprendizagem, os alunos realizam, no caso dos complexos com particípio, a variante mais natural do vernáculo brasileiro, a próclise ao verbo principal, deixando a próclise ao verbo auxiliar para as estruturas de passiva com o auxiliar ser. 5.2.4. Complexos verbais com infinitivo Nesta seção, trata-se dos 155 dados de clíticos pronominais em complexos verbais formados por infinitivo. Nesse contexto, obteve-se um quantitativo de ocorrências bem mais expressivo do que aqueles observados para os contextos de particípio e gerúndio; desse modo, há a oportunidade de melhor explorar os resultados obtidos com base na frequência das variantes investigadas em relação às variáveis linguísticas e extralinguísticas. 119 Para que seja ilustrada a distribuição geral dos dados de complexos verbais formados por infinitivo no corpus a partir da variável dependente, apresenta-se a seguinte sistematização dos dados de acordo com o número de ocorrências e a freqüência percentual das variantes (i) cl-V1 V2, (ii) V1-cl V2, (iii) V1 cl V2 e (iv) V1 V2-cl: Tabela 7: Distribuição geral dos dados de infinitivo pelas variantes da variável dependente cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total 15 – 9% 26 – 13% 83 – 53% 31 – 20% 155 – 100% Observando-se a tabela acima, nota-se a alta produtividade da variante V1 cl V2 em comparação às outras, pois, das 155 ocorrências de pronomes átonos associados aos complexos verbais coletadas nesse contexto, 83 (53%) manifestaram o pronome em posição intra-complexo verbal sem hífen, posição na qual se considera o pronome proclítico ao verbo principal. Em contrapartida, é igualmente notável a baixa produtividade da variante cl V1 V2, correspondendo a 15 dos 155 dados (9% das ocorrências). O gráfico a seguir demonstra a distribuição das ocorrências de clíticos pronominais pelos fatores da variável dependente. 9% 20% 16% 53% cl V1 V2 V1-cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Gráfico 2: Distribuição dos dados de infinitivo pelos fatores da variável dependente 120 Tendo-se optado por exibir os resultados sem contar com a ponderação estatística que fornece pesos relativos dos fatores quanto ao condicionamento do fenômeno, conforme se esclareceu na metodologia, exploraram-se os resultados com base na freqüência – absoluta e percentual – referente a cada fator controlado. Desse modo, foi possível descrever a atuação das variáveis linguísticas e extralinguísticas que demonstraram comportamento evidentemente diferenciado em relação à ordem dos clíticos, privilegiando aquelas que, em investigações afins, demonstraram comportamento relevante. 5.2.4.1. Distribuição dos dados pelas variáveis extralinguísticas Nesta subseção, expõem-se os resultados referentes às variáveis (i) nível de escolaridade dos alunos, (ii) sexo dos alunos/autores, (iii) tipo de instituição à qual estão vinculados os alunos e (iv) modo de organização discursiva predominante nos textos. a) Nível de escolaridade dos alunos Primeiramente, observem-se os valores apresentados na tabela e no gráfico que se seguem, referentes ao comportamento da variável nível de escolaridade dos alunos. Tabela 8: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o nível de escolaridade dos alunos Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total 3º ano E.M 7 – 10% 7 – 10% 41 – 64% 11 – 16% 66 – 42% 9º ano E.F 8 – 8% 19 – 21% 42 – 49% 20 – 22% 89 – 58% 121 100% 80% 64% 49% 60% 40% 21% 20% 10% 16% 10% 22% 8% 0% 3º ano E.M Cl V1 V2 V1–cl V2 9º ano E.F V1 cl V2 V1 V2-cl Gráfico 3: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o nível de escolaridade dos alunos. Inicialmente, vale ressaltar que, das 155 ocorrências de clíticos pronominais no contexto em análise, 89 (58%) foram coletadas em textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental, enquanto se obtiveram, dos textos de alunos do 3º ano do ensino médio, 66 (42%) dados. Os textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental apresentaram, portanto, maior índice de utilização do clítico pronominal. Os resultados representados acima permitem observar que as ocorrências de clíticos pronominais nos contextos de complexos verbais formados por infinitivo apresentam distribuição diferenciada entre os fatores da variável dependente de acordo com o grau de instrução dos alunos. De toda maneira, aponta-se que a variante V1 cl V2 foi a mais utilizada pelos alunos de ambos os níveis de escolaridade contemplados, correspondendo a 49% das ocorrências coletadas nos textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental e 64 % daquelas coletadas em textos de alunos do 3º ano do ensino médio. Os exemplos abaixo demonstram a utilização da variante intra-complexo verbal sem hífen. (36) Também existiam os que tentavam se igualar a esses “super-heróis da beleza” aqueles que faziam de tudo, até imitar a personalidade do outro para tentar ser popular (dissertação, masculino, 3º ano, público) (37) Os policiais deveriam se conscientizar de que o trafico faz o que bem entende nas favelas e os assaltantes fazem o que bem entendem aqui embaixo, nas ruas (dissertação, masculino, 9º ano, público) 122 (38) Então preocupado e sem saber o que fazer, ele resolve se abrir com seu amigo. (narração, masculino, particular, 3º ano) (39) O salto da minha sandália fazia muito barulho, e foi ai que eu vi um cara na outra esquina, eu fiquei assustada porque sabia que ele ia me assustar. (narração, feminino, particular, 9º ano) Os exemplos demonstram a aplicação da variante V1 cl V2 em textos dos dois níveis de escolaridade. Atente-se ao fato de que a variante intra-complexo verbal sem hífen aparece tanto em contextos com elementos tradicionalmente proclisadores, como nos exemplos 36 (pronome relativo que) e 39 (conjunção integrante que), como em contextos nos quais não se verifica a presença de elementos atratores canônicos do pronome. Quanto ao nível de escolaridade, a hipótese postulada inicialmente de que os alunos de nível mais avançado tenderiam a posicionar o clítico pronominal de acordo com as prescrições tradicionais, como reflexo da implementação gradativa dos traços normativos, não se comprovou. A colocação V1 cl V2, não contemplada como opção padrão entre as prescrições acerca do tema e apresentada como característica do português do Brasil, principalmente no “colóquio” dessa variedade da língua (cf. CUNHA & CINTRA, 2001), apresentou maior produtividade entre os alunos do 3º ano do ensino médio (uma diferença de 15% em relação ao nível fundamental). Registraram-se poucas ocorrências da variante cl V1 V2 nos textos de ambos os níveis de escolaridade contemplados; destaque-se o fato de que tal variante apresentou distribuição praticamente equilibrada nos dois níveis considerados, tendo sido coletados apenas 7 dados (10% ) em textos do 3º ano e 8 dados (8%) em textos do 9º ano. Observem-se alguns exemplos da aplicação da referida variante. (40) Esse texto mostrou tudo o que eu acho sobre essa enorme parcela da sociedade, que não vive dignamente como se deve viver, e não recebe respeito das outras parcelas da comunidade. (dissertação, masculino, público, 9º ano) 123 (41) Mas o que se deve analisar em primeiro plano é que um ser humano está sendo impedido de viver. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) Os exemplos acima são representativos da variante pré-complexo verbal, podendo demonstrar que, independentemente do nível de escolaridade dos alunos/autores, a maioria da ocorrências dessa variante se deu em contextos nos quais figuravam um elemento proclisador reconhecido tradicionalmente. A variável intra-complexo verbal com hífen apresentou comportamento expressivamente diferenciado nos dois níveis de escolaridade. Nos textos do 3º ano do ensino médio, registraram-se apenas 7 (10%) ocorrências dessa variante – mesmo índice registrado, nesse nível de escolaridade, para a variante cl V1 V2 – e, nos textos do 9º ano do ensino médio, 19 (21%). Observem-se alguns exemplos: (42) Cerca de 1 milhão e 54 mil mulheres abortam por ano no Brasil, colocando suas vidas em risco, mostrando que essa questão deve-se resolver. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (43) A escola é um ambiente de grande liberdade pois as pessoas estudam por vontade própria, não mais por obrigatoriedade e pode-se fazer o que quiser, porém, com riscos de punições, dependendo do que se faça. (dissertação, feminino, particular, 9° ano) (44) Para mudar a precisão em que as escolas se tornam, deve-se pensar no que a escola pode ajudar no futuro. (dissertação, feminino, particular, 9º ano). A aplicação da variante pós-complexo verbal não diferencia os níveis de escolaridade considerados para o estudo da ordem dos clíticos pronominais nesta investigação de forma expressiva. Nos textos do 9º ano do ensino fundamental, registraram-se 20 (22%) ocorrências dessa variante em contraposição a 11 (16%) coletadas em textos de alunos do 3º ano do ensino médio – o que acarreta uma diferença de apenas 6 pontos percentuais. Cabe destacar que, nos textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental, são semelhantes os resultados referentes às frequências das variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl. Os exemplos a seguir apresentam alguns dados da variante V1 V2-cl. 124 (45) Chorando muito, Sarah foi vê-la e prometeu diante dela que iria sair dessa vida. (narração, feminino, público, 3º ano) (46) Sabia que ele poderia tirá-lo. (narração, feminino, particular, 9º ano) A maioria dos dados da variante pós-complexo verbal foi realizada por meio da aplicação do clítico acusativo de terceira pessoa o/ a. Ressalte-se que diversos outros estudos atestaram que, no PB, a utilização do clítico acusativo de terceira pessoa em contextos de complexos verbais formados por infinitivo, tende à colocação enclítica ao verbo principal. De modo geral, pode-se perceber que, além dos aspectos linguísticos, o nível de escolaridade dos alunos pode estar relacionado à escolha referente ao posicionamento do pronome no complexo verbal. Os resultados obtidos permitem verificar que os textos de alunos do 9º ano do ensino fundamental, com maior número de dados (89/155 ocorrências), apresentaram maior produtividade das variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl costumeiramente associadas a maior atendimento às prescrições presentes nos manuais. Inicialmente, postulou-se que seriam os textos de alunos do terceiro ano do ensino médio que apresentariam comportamento mais próximo do previsto nas prescrições gramaticais, hipótese que não se comprovou. Acredita-se que esse fato se relacione às características não propriamente restritas ao nível de escolaridade no qual se encontram, mas a diversos outros aspectos psicossociais que estejam, mesmo que indiretamente, interinfluenciando o condicionamento do fenômeno. Por hipótese, a faixa etária em que se encontram os alunos do 3º ano do ensino médio, a da adolescência, costuma constituir período em que não se costuma atende a modelos impostos pela sociedade, o que, em alguma medida, pode surtir efeito no comportamento linguístico dos alunos e justificar a alteração do padrão escrito configurado. A interpretação à qual se pôde chegar por meio da interpretação da distribuição percentual da ordem dos pronomes átonos em complexos verbais com infinitivo em relação à escolaridade dos alunos corrobora as considerações de Votre, em Mollica & Braga (2007: p. 56 ), em afirmar que o domínio de maior ou menor prestígio do registro culto da língua depende de muitas variáveis e não somente da escolaridade. Compreende-se, a partir das reflexões feitas com base nos resultados, que, dando 125 continuidade ao desenvolvimento desta pesquisa, precisam ser observados diferentes aspectos sociais que possam estar relacionados ao repertório lingüístico dos alunos. b) Sexo dos alunos: Ao iniciar a análise dos dados obtidos com base na variável sexo dos informantes, cabe relembrar que, em estudos realizados anteriormente acerca da ordem dos clíticos pronominais, esse grupo de fatores não demonstrou relevância para o condicionamento do fenômeno. No entanto, como o corpus utilizado nesta investigação permite o controle dessa variável, optou-se por averiguar se a escrita de alunos e alunas apresenta diferenças que se possam destacar no que concerne à ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais. Observe-se a distribuição das ocorrências: Tabela 9: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o sexo dos alunos Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total Masculino 10 – 12% 12 – 15% 40 – 51% 18 – 22% 80 – 52% Feminino 5 – 6% 14 – 18% 43 – 59% 13 – 17% 75 – 48% 100% 80% 59% 51% 60% 40% 20% 12% 18% 22% 15% 17% 6% 0% Masculino Cl V1 V2 V1–cl V2 Feminino V1 cl V2 V1 V2-cl Gráfico 4: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o sexo dos alunos. De início, verifica-se uma distribuição equilibrada do número de dados em relação à variável sexo, já que, dos 155 dados de ocorrências de clíticos pronominais em complexos verbais formados por infinitivo, 80 se deram em textos de autoria masculina e 75 em textos de autoria feminina. Quanto ao fenômeno variável em estudo, não se 126 observaram diferenças expressivas entre os índices obtidos para cada variante nos textos escritos pelas meninas e pelos meninos. A variável sexo é um grupo de fatores normalmente controlado em estudos sociolinguísticos com base na hipótese laboviana de que as mulheres tendem a apresentar mais traços inovadores do que os homens quando se trata da implementação de formas de prestígio, sendo, no entanto, mais conservadoras quando se trata da implementação de formas desprestigiadas. Nesse âmbito, cabe destacar que a hipótese laboviana não se aplica para o corpus utilizado nesta investigação, tendo em vista o fato de que a variante intra-complexo verbal sem hífen, considerada tradicionalmente como traço característico e inovador do português do Brasil, demonstrou índices percentuais mais altos na escrita das alunas (59%) do que na dos alunos (51%). Em relação às variantes sugeridas pela tradição gramatical para contextos que não se caracterizam como aqueles de atração do pronome, verificou-se distribuição equilibrada nos textos dos autores de sexo masculino e feminino, tendo-se registrado na escrita de alunos e alunas, respectivamente, 15% e 18% da variante V1-cl V2 e 22% e 17% da V1 V2-cl. Em relação à variante cl V1 V2, observou-se maior diferença entre os textos consoante o sexo dos alunos (12% para a escrita de alunos e 6% da escrita de alunas). Cabe destacar que, na escrita de alunos e alunas, todas as ocorrências da colocação préCV se deram em contextos com a presença de elemento proclisador reconhecido tradicionalmente. A título de ilustração da aplicação da variante cl V1 V2 no contexto descrito, observem-se os exemplos a baixo: (47) A vida é feita de escolhas, mas não se pode esquecer suas raízes o que você Fo, o que você é, o futuro sempre é consequência, não se pode deixar levar por influências, você em primeiro lugar sempre. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) (48) A conclusão que se pode tirar é que escolher caminhos faz parte da vida. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) (49) É uma pena... pois o que se deveria achar é que não existe um único e grande culpado nessa história. (dissertação, masculino, particular, 3º ano) 127 (50) A música também traz divertimento, porém, como tudo na vida, não se deve cometer exageros. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) De modo geral, em virtude da pequena diferença de pontos percentuais que se observa entre os fatores da variável sexo dos alunos, os resultados obtidos não permitem afirmar que as mulheres seriam caracteristicamente mais inovadoras que os homens no que se refere ao fenômeno estudado. c) Tipo de instituição de ensino Os resultados obtidos apresentam indícios de que o tipo de instituição ao qual os alunos estão vinculados pode ser uma variável influente, atuando no condicionamento do comportamento da ordem dos clíticos pronominais no corpus analisado. Tabela 10: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de instituição de ensino. Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total Público 7 – 11% 3 – 5% 41 – 69% 9 – 15% 60 – 38% Particular 8 – 8% 23 – 24% 42 – 45% 22 – 23% 95 – 62% 100% 69% 80% 60% 45% 40% 20% 24% 11% 5% 15% 23% 8% 0% Público Cl V1 V2 Particular V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Gráfico 5: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de instituição de ensino. Quanto ao tipo de instituição à qual os alunos estão vinculados, os resultados obtidos indicam que os textos de estudantes matriculados em escolas privadas apresentam distribuição dos dados mais equilibrada entre os fatores da variável dependente. Os resultados apontam, ainda, maior atendimento às recomendações 128 constantes na abordagem tradicional acerca do tema, tendo em vista os maiores índices de aplicação das variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl, que, de acordo com as prescrições gramaticais, constituem as posições que o pronome átono deve assumir na ausência de elementos considerados proclisadores, que demandariam a aplicação da variante cl V1 V2. Considerando-se os tipos de escola controlados, verifica-se a alta produtividade da variante intra-complexo verbal sem hífen, registrando-se 69% em textos de alunos de escolas públicas e 45% em textos de alunos de escolas particulares – uma diferença bastante expressiva, de 24 pontos percentuais. Em relação às variantes V1-cl V2 e V1 V2-cl – posições consideradas como regra geral nos compêndios gramaticais acerca do tema em estudo –, nota-se que possuem maior expressividade entre os alunos da rede privada, correspondendo, respectivamente, a 5% e 15% no âmbito das escolas públicas e 24% e 23% no âmbito das escolas particulares. A variante pré-complexo verbal foi a menos expressiva nos textos de ambos os tipos de escolas, tendo sido encontrado um número bastante aproximado de ocorrências (7 – 11% – em escolas públicas e 8 – 8% – em escolas particulares). Os resultados obtidos acerca do tipo de escola em questão estão em consonância com aqueles obtidos por Machado (2006), na medida em que permitem inferir a tendência à manutenção do status da norma padrão por parte da escola particular. Admite-se que a diversidade de escolas e modelos pedagógicos desenvolvidos requer, para a análise dessa variável, a consideração de outros fatores diversos – como o perfil sociocultural do estudante e de seus familiares15, o material didático específico de cada turma – que extrapolam a especificidade desta investigação, mas que poderiam de fato demonstrar a influência do tipo de escola no comportamento linguístico dos alunos. d) Modo de organização discursiva predominante nos textos Os resultados para a variável modo de organização predominante nos textos sugerem que esse grupo de fatores seja relevante para o condicionamento do fenômeno. Observem-se os resultados ilustrados pela tabela e pelo gráfico que se seguem: _ 15 A esse respeito, apresentam-se, na metodologia deste trabalho, as dificuldades encontradas com a aplicação do questionário sobre o perfil do informante. 129 Tabela 11: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o modo de organização discursiva predominante. Dissertativoargumentativo Narrativo Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total 14 – 16% 24 – 28% 37 – 43% 10 – 11% 85 – 55% 1 – 1% 2 – 2% 46 – 67% 21 – 30% 70 – 45% 100% 67% 80% 60% 43% 40% 20% 30% 28% 16% 11% 1% 2% 0% Dissertativo-argumentativo Cl V1 V2 V1–cl V2 Narrativo V1 cl V2 V1 V2-cl Gráfico 6: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o modo de organização discursiva predominante. Percebe-se que o comportamento da ordem dos clíticos pronominais se manifesta de maneira bastante diferenciada a depender do modo de organização discursiva dos textos. Apesar da predominância da variante intra-complexo verbal em ambos os casos, verifica-se que, no que se refere aos textos dissertativo-argumentativos, a distribuição dos dados se dá de maneira equilibrada entre os fatores da variável dependente, o que não se verifica no que se refere aos textos narrativos, em que se concentram as variantes V1 cl V2 e V1 V2-cl. Com base nos resultados expostos, acredita-se que as características linguísticodiscursivas de fato podem influenciar no comportamento da ordem dos clíticos pronominais na escrita dos alunos. Os textos narrativos, por cumprirem a finalidade de construirem uma sucessão de ações voltadas para o mundo referencial, relativo à realidade ficcional narrada, reproduziria, por hipótese, o maior uso de estruturas empregadas cotidianamente, o que se revela, por vezes, na presença de diálogos. Esse perfil dos textos narrativos favorece o alto índice de frequência da variante V1 cl V2, posição considerada natural no PB vernacular. 130 A respeito dos textos dissertativo-argumentativos, acredita-se que, em se tratando do contexto escolar, as orientações pedagógicas propiciariam o emprego de estruturas consideradas típicas da escrita padrão em textos desse modo de organização discursiva. Além disso, o propósito primordial dos textos dissertativos-argumentativos propiciaria o uso de estruturas lingüísticas que favorecem determinadas variantes da ordem dos clíticos pronominais. A intenção do aluno em construir estruturas que sirvam à exposição de ideias com a finalidade de persuadir o leitor leva-o a empregar, por exemplo, postulados comportamentais a serem defendidos, estruturas que são compatíveis com os complexos com verbos modais poder/ dever, que se combinam frequentemente com o pronome se indeterminador/apassivador, como nos exemplos a seguir: (51) Enquanto alguns grupos pensam que uma vida está sendo retirada, seus pensamentos deveriam se voltar para aqueles que estão em um hospital implorando por uma doação (dissertação, feminino, particular, 9º ano) (52) A conclusão que pode-se tirar é que escolher nossos caminhos é o melhor. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) (53) Para mudar a precisão em que as escolas se tornam, deve-se pensar no que a escola pode ajudar no futuro. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) Desse modo, percebeu-se que o comportamento dos clíticos pronominais nos diferentes modos de organização discursiva também se relaciona a algumas variáveis linguísticas, como o tipo de complexo verbal e o tipo de clítico pronominal. Ao descreverem-se posteriormente os resultados obtidos acerca das referidas variáveis, outros aspectos poderão ser salientados, mas, por ora, cabe destacar o fato de que o clítico apassivador/indeterminador demonstrar tendência a se ligar ao primeiro verbo do complexo verbal, tendo sido esse o tipo de clítico mais frequente nas ocorrências de complexos verbais formados por auxiliares modais. Cruzamentos realizados permitiram verificar que, dos 75 complexos verbais formados por verbos modais associados a clíticos pronominais encontrados no corpus, 61 se manifestaram em textos dissertativos. Como se demonstra na tabela 12, foram coletadas 85 ocorrências de clíticos pronominais em complexos verbais nos textos dissertativo-argumentativos; percebe-se, portanto que a maioria desses dados se refere a 131 complexos formados por auxiliares modais, os quais, por sua vez, apresentam com maior expressividade as variantes V1-cl V2 e cl V1 V2. Nos textos narrativos, observaram-se apenas 14 ocorrências de clíticos associados a complexos verbais formados por auxiliares modais, fato que também pode estar relacionado à baixa expressividade das variantes V1-cl V2 e cl V1 V2 nesses textos. 5.2.4.2. Distribuição dos dados pelas variáveis linguísticas Nesta seção, apresentam-se os resultados percentuais referentes às variáveis linguísticas, considerando-se a distribuição dos dados de acordo com as quatro variantes da variável dependente. a) Presença/ausência de elemento interveniente no interior do complexo verbal Cabe relembrar que o controle dessa variável se deu com a intenção de verificar se a presença de qualquer elemento no interior do complexo verbal poderia funcionar com operador de próclise ao verbo principal, favorecendo a colocação V1 cl V2, com o pronome na posição posterior ao elemento interveniente. Observem-se os resultados obtidos: Tabela 12: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a presença/ausência de elementos intervenientes no complexo verbal. Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total Ausência de elemento 15 – 11% 26 – 20% 64 – 50% 25 – 19% 130 – 86% Preposição 0 – 0% 0 – 0% 12 – 74% 4 – 26% 16 – 9% Advérbio 0 – 0% 0 – 0% 0 –0% 2 – 100% 2 – 1% “Que” 0 – 0% 0 – 0% 7 – 100% 0 – 0% 7 – 4% A princípio, cabe destacar que, das 155 ocorrências de clíticos pronominais em lexias verbais complexas, foram encontradas apenas 25 com elementos intervenientes –somando-se as ocorrências de dados com preposição (16), advérbio (2) e “que” (7) – no complexo verbal. A observação dos resultados expostos na tabela demonstra que, nos 132 casos em que figuram tais elementos, as variantes vinculadas à primeira forma verbal, cl V1 V2 e V1-cl V2, não foram consideradas como opção pelos alunos. Apenas nos casos de ausência de elementos no interior do complexo verbal, registraram-se ocorrências das referidas variantes. Ao que parece, a adjacência do clítico a V1, pouco produtiva no corpus, é ainda menos provável na presença de material interveniente no complexo verbal. Os poucos dados obtidos não permitem generalizações acerca da atuação dos elementos intervenientes na estrutura complexa, mas permitem verificar que, de modo geral, as preposições e a partícula que são elementos que favorecem a aplicação da variante intra-complexo verbal sem hífen. Em relação às preposições, 74% das ocorrências se manifestaram pela variante V1 cl V2; quanto à partícula “que”, essa preferência ocorreu de maneira ainda mais expressiva, já que houve aplicação categórica da variante intra-complexo verbal sem hífen. Os exemplos abaixo ilustram o comportamento descrito. (54) Eu concordo com a proibição do aborto, porque desde a fecundação do óvulo, o ser começa a se formar e pela legislação atual, é crime tirar a vida de um ser humano. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (55) Hoje, temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com os ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) (56) Podemos concluir que, as pessoas tem que se conscientizar que tudo o que a mídia quer é só ganhar dinheiro, e nós somos só mais uns ratinhos de laboratório. (dissertação, masculino, público, 3º ano) (57) Tem que se resolver o problema das escolas. Onde não tem professor, tem greve todo ano, falta verba... ((dissertação, feminino, público, 9º ano) Torna-se relevante salientar que, em se tratando de preposições como elementos intervenientes no complexo verbal, manifestaram-se apenas 4 ocorrências da aplicação da variante V1 V2-cl, todas na presença da preposição a. Observem-se a seguir tais ocorrências: 133 (58) O incentivo por parte do governo a que se formem músicos é importante, já que, de fato, ao identificar-se com tal mundo, o jovem passa a encará-la com outros olhos. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) (59) Com o Exagero nos doces, refrigerantes e frituras, minhas amigas começaram a preocupar-se comigo. (narração, feminino, público, 3º ano) (60) Então eles pediram um retrato falado, ela então começou a descrevê-los. (narração, masculino, particular, 3º ano) (61) Com a mão no seu ombro ela voa no pescoço dele e começa a estrangulá-lo (narração, masculino, particular, 9º ano) Saliente-se que, além de se verificar a presença da preposição a interveniente na estrutura complexa, três dos exemplos citados apresentam a utilização do clítico acusativo de terceira pessoa, fator que, como será demonstrado posteriormente, apresenta indícios de favorecimento da variante V1 V2-cl. De toda maneira, com a observação dos dados obtidos no corpus, percebe-se que as preposições e a partícula “que” podem favorecer a colocação intra-complexo verbal sem hífen. Nas duas ocorrências de advérbios intervenientes no complexo verbal, citadas a seguir, os alunos optaram pela colocação pós-complexo verbal. (62) Um adolescente que mora na favela, que tem muitos sonhos mas que pode não concretizá-los porque se depara com a violência. (narração, feminino, particular, 3º ano) (63) Resolvi então adotá-la, mas escondido do meus pais. (narração, feminino, público, 9º ano) A respeito dos exemplos 62 e 63, vale ressaltar que ambas as ocorrências também apresentam o clítico acusativo o/a, tipo de pronome que demonstra tendência à colocação pós-complexo verbal, sobretudo nos contextos de infinitivo, como será demonstrado a seguir. De todo modo, a ínfima quantidade de dados obtidos, sem a 134 diversidade de tipos de complexos e de clíticos, não permite afirmar que o advérbio no interior do complexo verbal tenha atuação relevante no fenômeno. b) Tipo de clítico Nesta seção, apresentam-se os resultados em relação a cada forma pronominal, com a intenção de averiguar se a ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais estaria condicionada à relação sintática estabelecida entre o clítico e seu hospedeiro verbal. Tabela 13: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de clítico. Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total Se refl/inerente 0 – 0% 1 – 1% 52 – 94% 3–5% 56 – 38% Me/nos 2 – 8% 0 – 0% 22 – 92% 0 – 0% 24 – 15% Lhe 1 – 50% 0 – 0% 1 – 50% 0 – 0% 2 – 1% o/a(s) 1 – 3% 0 – 0% 4 – 12% 28 – 85% 3316 – 21% 11 – 28% 25 – 65% 3 – 7% 0 – 0% 39 – 25% 0 – 0% 0 – 0% 1 – 100% 0 – 0% 1 – 0% Se indet./apass. Te _ 16 Embora o uso das formas pronominais não seja o objeto de estudo específico deste trabalho, é interessante notar que a escola introduz, de fato, formas pronominais que, segundo descrições gramaticais do PB, não pertenceriam ao vernáculo brasileiro, como o clítico acusativo o, a, presente em 33 ocorrências coletadas. 135 100% 92% 100% 85% 80% 94% 65 % 60% 50% 50% 40% 20% 0% 8%0% 0% 0%0% Me/nos Te Cl V1 V2 0% 0% 0% Lhe V1–cl V2 12% 0% 3% O/A (s) 1% % 1 7% 5 0%1% 0% Se Se refle./inerente indeter./apass. V1 cl V2 V1 V2-cl Gráfico 7: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de clítico. Os resultados demonstram que a variante intra-complexo verbal sem hífen, mais recorrente em todo o corpus analisado, não apresentou os maiores índices percentuais de aplicação com todos os tipos de clíticos. Essa variante mostrou-se como opção preferencial dos alunos nos casos em que se empregaram os pronomes de primeira pessoa – singular e plural – me/nos (92%), o de segunda pessoa te (100%) e o clítico se reflexivo/inerente (94%). Assim como se supunha ao início desta investigação, tais pronomes tenderam a se posicionar às margens dos verbos que lhes atribuem papel temático. Esses resultados confirmam a importância do controle da variável tipo de clítico ao se tratar da ordem dos clíticos pronominais, como já observado por outros estudiosos do tema. Observem-se alguns exemplos que podem ilustrar o comportamento dos referidos pronomes no corpus quanto à aplicação da variante V1 cl V2: (64) Se eu me enquadro no estereótipo de beleza que a sociedade me impôs, então, por que preciso me preocupar com a minha essência! (dissertação, feminino, público, 3º ano) (65) Vinícius de Moraes já dizia que beleza é essencial, mas não podemos nos perder na busca por essa beleza (dissertação, masculino, público, 3º ano) 136 (66) Toma aqui Felipe. Mas não posso te dar mais, pois temos que economizar. (narração, feminino, particular, 9º ano) (67) As pessoas, principalmente dessa parcela, devem ser respeitadas dignamente, pois apesar de tudo, somos todos seres humanos, e nos devemos tratar com respeito (dissertação, masculino, público, 9º ano) (68) “Corto os pulsos pro final, saída de emergência” esse trecho da música é bem forte, vários jovens podem se guiar por essa música e até se matarem. (dissertação, feminino, particular, 9ºano) (69) Com as músicas, que atualmente te falam bastante sobre os desejos e aflições do jovem, ele pode sentir-se melhor, encontrar seu estilo, extravasar suas emoções e distrair-se simplesmente ouvindo, dançando ou cantando uma música. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) Os exemplos de 64 a 66 e 68 demonstram a aplicação da variante V1 cl V2. Os exemplos 65 e 66, que apresentam o comportamento de clíticos de primeira e segunda pessoas, permitem visualizar, ainda, a inoperância dos operadores de próclise no corpus, tendo em vista que, mesmo com a presença da partícula de negação não, tradicionalmente reconhecida pelo potencial de atração do pronome, a opção dos alunos se manteve pela colocação intra-complexo verbal sem hífen. Até mesmo no exemplo 67, em que se ilustra uma das ocorrências da colocação do clítico de primeira pessoa em posição pré-complexo verbal, verifica-se que a opção do aluno pelo uso dessa variante não se deu em virtude de tradicional elemento proclisador em contexto anterior. Os exemplos 68 e 69 demonstram o uso do clítico se reflexivo/inerente; como já mencionado, esse pronome teve como posição recorrente a colocação V1 cl V2 (exemplo 68), havendo apenas uma exceção a esse comportamento, em que se deu a colocação V1 V2-cl (exemplo 69). Os índices de frequência do clítico lhe demonstram distribuição equilibrada das variantes cl V1 V2 e V1 cl V2. No entanto, coletaram-se apenas duas ocorrências desse pronome – transcritas abaixo – em todo o corpus, não sendo, portanto, possível fazer qualquer afirmação geral acerca do padrão de ordem observado para o uso desse pronome. 137 (70) Sem muito esforço não se importando se lhe vai ocorrer a impotência sexual ou ataque cardíaco. Para eles e para todos isso vale tudo. (dissertação, feminino, público, 3º ano) (71) Se é que podemos chamar assim a concepta que tem a coragem de cometer um ato desses com um ser que poderia lhe trazer tanta alegria. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) A respeito do clítico acusativo o/a (s), não se pode deixar de mencionar o particular comportamento que se verifica em relação ao alto índice de aplicação da variante V1V2-cl. Esse comportamento, já atestado por diversos estudiosos do tema e, ainda, por gramáticos cujos manuais foram consultados, atribui ao pronome em questão relevância para o condicionamento do fenômeno em estudo. Os exemplos a seguir podem ilustrar o comportamento do pronome o/a (s): (72) Se isso não acontecer sua consciência irá deixá-la com o sentimento de culpa por ter tirado a vida de seu próprio filho. (dissertação, masculino, particular, 3º ano) (73) Salomão mesmo não sabendo a fortuna que o diamante valia, sabia que ele poderia tira-lo dessa pobreza. (narração, masculino, particular, 9º ano) (74) Sem falar no desespero de quem está a sua volta. Desespero porque gosta da pessoa e então não quer vê-la se destruindo... (dissertação, masculino, público, 9º ano) (75) Portanto, os jovens utilizam a música para diversas finalidades, assim essa exerce sobre eles coisas que irão marcá-los por toda sua vida. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) (76) Tendo em vista o que já foi dito a cima, pode-se concluir que a música tem extrema importância na vida de um jovem pois pode o levar à fama ou então 138 apenas ajudá-lo a virar um bom cidadão. (dissertação, masculino, 9º ano, particular) (77) Enfim, quando um dos homens o iria mandar embora outro chegou dizendo que ele teria que varrer marcado. (narração, masculino, particular 3º ano) Os exemplos de 72 a 75 demonstram a aplicação da variante pós-complexo verbal, mesmo quando se trata de estruturas precedidas de elemento proclisador tradicionalmente reconhecido e com diferentes tipos de complexos verbais. Os exemplos 76 e 77 ilustram, respectivamente, ocorrências das variantes V1 cl V2 e cl V1 V2, que, embora apresentem baixos índices de aplicação na colocação do clítico o/a (s) – respectivamente, 3% (uma ocorrência) e 12% (quatro ocorrências) –, também foram registradas. O clítico se indeterminador/apassivador apresentou alto índice de aplicação da variante intra-complexo verbal com hífen (25%), comportamento diferenciado de todos os outros pronomes átonos que figuraram no corpus. Destaque-se que, para esse clítico, não se registraram ocorrências de aplicação da variante pós-complexo verbal. Os resultados demonstram que esse clítico tende a figurar às margens do verbo auxiliar. Observem-se os exemplos: (78) Com programas sociais sendo desenvolvidos, na busca de não só novos talentos, mas também em evitar desvios de jovens para a criminalidade que assola o país, pode-se destacar a música. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) (79) Poderia-se começar com uma radical reforma no ensino básico, evitando o comprometimento do ensino superior e da educação em geral no Brasil, dando boas chances aos negros de camadas mais pobres, além dos outros, a passarem no concurso. (dissertação, masculino, público, 9º ano) Cabe destacar que todas as ocorrências do clítico se indeterminador/apassivador que se manifestaram com complexos verbais são formados por dever/poder + infinitivo e caracterizam-se pela colocação do pronome átono nas adjacências de V1, estando o 139 pronome em posição proclítica (28%) ou enclítica (65%) a tal verbo. Pode-se depreender que a combinação entre esse tipo de complexo e esse clítico propiciaria a colocação intra-complexo verbal com hífen, sendo o condicionamento descrito tão expressivo que faria da variante V1-cl V2 a opção para os alunos até mesmo nos contextos de V1 em tempos do futuro, como no exemplo 79, contextos para os quais a prescrição gramatical recomenda a colocação pronominal mesoclítica. Os resultados obtidos para esse tipo de clítico confirmam a suposição de que, por assumirem função relacionada ao argumento externo do verbo, ocupariam as posições mais à esquerda do complexo verbal, nas adjacências do verbo gramatical, o auxiliar – comportamento que o diferencia dos clíticos argumentais, ligados ao verbo temático, não finito. c) Forma do verbo auxiliar Observe-se, a seguir, a distribuição dos dados pelos fatores da variável dependente em relação à forma de v1. Tabela 14: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante a forma do verbo auxiliar. Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total 13 – 15% 26 – 28% 60 – 45% 23 – 12% 121 – 80% 2 – 9% 1 – 4% 13-60% 6 – 27% 22 – 14% 0 – 0% 0 – 0% 2 – 100% 0 – 0% 2 – 1% Infinitivo 0 – 0% 0 – 0% 5 – 72% 2 – 28% 7 – 4% Gerúndio 0 – 0% 0 – 0% 3 – 100% 0 – 0% 3–1% Pretérito e Presente do indicativo Futuro do indicativo Tempos do Subjuntivo Primeiramente, vale destacar que a maioria dos dados encontrados no corpus se caracteriza por estruturas verbais complexas formadas por auxiliares conjugados em tempos verbais do modo indicativo (80% para os tempos pretérito e presente do indicativo e 14% para o futuro do indicativo). Em contextos de complexos verbais formados por auxiliares no modo indicativo, os pronomes distribuem-se pela aplicação dos 4 fatores considerados para a variável dependente, sendo, nesse âmbito, as únicas estruturas que manifestam a aplicação da variante pré-complexo verbal. Observem-se, a 140 seguir, alguns exemplos que podem demonstrar que o comportamento dos pronomes átonos em relação à posição que ocupam nos complexos verbais com auxiliares em tempos do indicativo admite as tendências verificadas na exploração das demais variáveis: (80) Quando a seca chega ao nordeste é um problema muito grande não se pode plantar milho, arroz e feijão por causa da seca as lagoas secam. (dissertação, masculino, público, 3º ano) (81) Isto mostra que para chamar a atenção, por um positivo, precisa-se ter uma pessoa com o corpo dentro dos padrões exigidos pela sociedade. (dissertação, masculino, público, 3ºano) (82) Eu não estava no local nesse dia, mas meus amigos vieram me contar o que aconteceu. (narração, masculino, particular, 9º ano) (83) O homem vai até a casa de Augusto e revoltado chama pelo pai do menino. Seu Armando vai atendê-lo rapidamente, com o objetivo de acalmá-lo. (narração, feminino, particular, 3º ano) (84) Com isso, muitos sofreram, injustiças, ja que bons alunos perderão a vaga por causa de um negro que irá ocupa-la. (dissertação, masculino, público, 9ºano) (85) Creio que com a legalização do aborto corremos muitos riscos, por exemplo, as doenças sexualmente transmissíveis poderão se proliferar em um alto número de casos. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) Os exemplos 84 e 85 permitem verificar, em especial, o comportamento do clítico pronominal em contextos de complexos verbais cujos auxiliares se encontram no futuro do indicativo. Os exemplos demonstram a aplicação das variantes V1 cl V2 e V1 V2-cl. Cabe lembrar que, nos casos de V1 em tempos de futuro, a colocação recomendada pela tradição gramatical, em contexto sem elemento “atrator”, seria a mesoclítica, colocação que nem sequer se manifestou no corpus. Observando-se os 141 dados expostos na tabela e os exemplos apresentados, percebe-se que, nos contextos de (semi-)auxiliares nos tempos do futuro, o clítico tem por opção preferencial a ligação ao segundo verbo, o que constitui forte evidência da opção tida como natural no PB, a colocação proclítica a V2 (60%). Em relação aos tempos do subjuntivo, cabe mencionar que se esperavam ocorrências da variante cl V1 V2 como decorrência da atuação de elementos subordinativos, que exerceriam atração do pronome. Entretanto, as duas únicas ocorrências de clíticos em complexos verbais com V1 em tempos do subjuntivo aplicaram a variante V1 cl V2, como ilustram os exemplos 86 e 87, reafirmando a produtividade dessa opção no corpus investigado. (86) Essa era a hora para a fuga, pensou a menina, então ligou para Cassio e pediu para que ele fosse a pegar naquele momento (narração, feminino, particular, 9º ano) (87) Não é só com a beleza, com perfeição que podemos por exemplo, amar alguém que goste da gente e que possa nos trazer a felicidade (dissertação, feminino, público, 3º ano) Quanto às poucas ocorrências de V1 expresso por formas nominais (10 dados), os resultados obtidos demonstram que o infinitivo e gerúndio não parecem exercer efeito sobre o condicionamento do fenômeno em estudo. Destaque-se que todas as ocorrências de V1 em gerúndio (3/3 dados) se caracterizam pela aplicação da variante intra-complexo verbal sem hífen, assim como a maioria das ocorrências (5/7 dados) de V1 em infinitivo. Observem-se os seguintes exemplos acerca do comportamento descrito. (88) Ele viu que também não estava em casa tentando se recordar do que havia acontecido. (narração, feminino, público, 3º ano) (89) Sem se preocupar com o que pensam lá fora; só você mesmo tentando o encaixar nos padrões do mundo. (narração, feminino, particular, 3º ano) 142 (90) Quando chegamos lá eu chegava a olhar para o meu cunhado querendo se levantar mas se ele se levantasse poderia se prejudicar.(narração, masculino, público, 9º ano) (91) A violência no Rio de Janeiro segundo algumas autoridades vem crescendo pelo fato de muitos policiais estarem se envolvendo com bandidos e traficantes. (narração, masculino, particular, 3º ano) (92) O bom uso da língua portuguesa, hoje-em-dia, fica restrita àqueles que verdadeiramente sabem as suas particularidades, e também aos que se interessam pelo tema, e isto é preocupante, pois saber usar o português é saber se expressar. (dissertação, masculino, 3º ano, particular) (93) Se esse mero detalhe as pessoas já perderam a personalidade para tentar parecer-se com a personagem perdendo sua essência, o que ocorreria se a rádio, a televisão e a internet influenciasse o uso de anabolizante. (dissertação, masculino, público 3º ano) (94) Muitos autores laçam mão desse recurso para transpor suas idéias e poder espalhá-las, ora porque seja a mesma deles fazê-lo, ora seja porque é mais fácil de entrar na cabeça das pessoas (dissertação, masculino, particular, 9º ano) Com base nos dados obtidos e exemplificados, em se tratando de formas nominais, verbos auxiliares tanto no infinitivo como no gerúndio não demonstram influenciar no condicionamento da ordem do pronome átono nos complexos verbais; registram, na maioria das ocorrências, a variante prototípica do corpus. Nesses contextos, os alunos demonstraram preferência pelas variantes que posicionam o clítico às margens do verbo principal, destacando-se que todas as ocorrências apresentam clíticos que representam argumentos de V2, o que, permite afirmar, mais uma vez, a tendência dos clíticos pronominais a se posicionarem junto aos verbos que lhes atribuem papel temático. 143 d) Tipo de complexo verbal Tabela 15: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de complexo verbal. Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total 0 – 0% 0 – 0% 22 – 81% 8 – 18% 30 – 19% 2 – 8% 0 – 0% 13 – 58% 8 – 34% 23 – 15% Precisar+inf. 0 – 0% 1 – 20% 4 – 80% 0 – 0% 5 – 3% Começar a+ inf. 0 – 0% 0 – 0% 9 – 65% 5 – 35% 4 – 9% Poder/Dever+inf. 13 – 18% 25 – 38% 24 – 34% 7 – 10% 69 – 50% 0 – 0% 0 – 0% 9 – 100% 0 – 0% 9 – 5% Tentar/querer +inf. Vir/ir+inf. Ter de/que+inf. 1 00 % 100% 8 1% 8 0% 80% 5 8% 6 5% 60% 34% 19% 10% V1–cl V2 de /q ue +i nf . /D V1 cl V2 Te r in f 0%0% 0% ev er + in f. a+ eç ar Pr ec is ar +i nf . ir +i nf . V ir / +i nf . ue re r r/Q Te nt a Cl V1 V2 0% 0% % 0 0% 0% Po de r 8% 0% 0% 0% 3 4% 18% % 20 C om 20% % 38 % 35 40% V1 V2-cl Gráfico 8: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o tipo de complexo verbal. A respeito da variável tipo de complexo verbal, inicialmente, torna-se relevante destacar que as estruturas formadas por poder/dever + infinitivo foram as mais frequentes no corpus (50%). Saliente-se, ainda, que essa estrutura foi a única que manifestou a colocação do clítico pronominal por meio das quatro variantes da variável dependente. Em relação aos outros tipos de complexos verbais, os complexos formados por poder/dever + infinitivo manifestaram índices mais expressivos das variantes précomplexo verbal (18%) e intra-complexo verbal com hífen (38%). Expõem-se a seguir 144 algumas ocorrências que podem exemplificar o comportamento da ordem dos clíticos pronominais com tais estruturas. (95) O que não se deve deixar acontecer é se dar atenção demais para o lado de fora, e de menos para o lado de dentro (dissertação, masculino, público, 3º ano) (96) É uma pena... pois o que se deveria achar é que não existe um único e grande culpado nessa história. (dissertação, masculino, público, 3º ano) (97) A comunicação pode-se expandir em várias formas diferentes, podemos dizer que o mundo é o que é hoje por ação do homem (dissertação, masculino, particular, 3º ano) (98) Deixam de conhecer o interior das pessoas que tem ou passaram a ter algum defeito físico, se é que pode-se dizer que existe defeito. (dissertação, feminino, público, 3º ano) (99) Este tipo de coisa se mostra muito mais forte entre as mulheres, pois apesar de ter acontecido a “pseudo-revolução dos sexos” ainda hoje cabe a elas muitas das vezes a valorização pela beleza e só esse caminho pode as fazer melhor ou pior. (dissertação, feminino, público, 3º ano) (100) Sim, você poderia me dizer qual foi o seu aprendizado com essa história toda? (narração, feminino, particular, 9º ano) (101) Acredito que todos deveriam se importar com o interior, com a personalidade e a essência de cada um. (dissertação, feminino, público, 3º ano). (102) Depois disso nunca mais vai esquecer a camisinha, até que poderia disseminar-se por todo o Brasil. (narração, masculino, público, 3º ano) 145 Todas os dados da variante cl V1 V2 em complexos formados por auxiliares modais ocorreram na presença de elementos tradicionalmente reconhecidos como operadores de próclise, conforme podem ilustrar os exemplos 95 e 96, em que figuram respectivamente não (advérbio de negação) e que (pronome relativo). Os exemplos 97 a 101 permitem visualizar manifestações da colocação intra- complexo verbal com hífen e sem hífen. Os resultados expostos na tabela 15 permitem visualizar que a distribuição dos dados, no que concerne aos contextos de poder/dever + infinitivo em relação às variantes V1-cl V2 e V1 cl V2, se deu de maneira semelhante, tendo sido registradas 25 e 24 ocorrências respectivamente. Destaque-se, ainda, para esse tipo de complexo verbal que todas as ocorrências da variante intra-complexo verbal com hífen correspondem à aplicação do clítico se indeterminador/ apassivador, conforme demonstram os exemplos 97 e 98; já as ocorrências da colocação intra-complexo verbal sem hífen demostram o uso de diferentes tipos de clíticos pronominais, assim como se verifica nos exemplos de 99 a 101. Em relação à colocação pós-complexo verbal, pode-se verificar que, dos sete dados obtidos com complexos do tipo poder/ dever + infinitivo, seis demonstram o uso do clítico acusativo o/a e apenas um o clítico reflexivo/inerente, conforme demonstrado no exemplo 102. Todos os outros tipos de complexos exibiram índices percentuais maiores para a variante intra-complexo verbal sem hífen. Destaque-se que as estruturas formadas por ter que/de + infinitivo apresentaram comportamento categórico em relação à aplicação dessa variante. Observem-se alguns exemplos: (104) O pior momento de uma pessoa que recebe o diagnóstico de uma doença de campanha preventiva é quando ela tem que se relacionar socialmente. (narração, masculino, público, 3º ano) (105) Nele pode-se ter casos que realmente precise dessa atitude, mesmo assim sendo errado, mais por outro lado, tem que se pensar na vida que está prestes a ser perdida (dissertação, masculino, particular, 3º ano) (106) Os habitantes da roça muitas vezes não estão atualizados e querem se atualizar mais com as novidades. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) 146 De modo geral, o comportamento que se destaca em relação à variável tipo de complexo verbal consiste no fato de que, no PB, no âmbito da escrita escolar, a colocação pronominal às adjacências de V1 está circunscrita a estruturas específicas, representadas, por complexos verbais formados pelos auxiliares modais poder e dever. Além disso, pode-se destacar o registro categórico da estrutura V1 que cl V2. Por fim, registre-se que os exemplos apresentados sugerem que a variável tipo de clítico interage com a variável tipo de complexo, de modo que, enquanto a variante cl V1 V2 é registrada com o se indeterminador/apassivador, a variante V1 V2 cl é favorecida pelo clítico acusativo o,a(s). e) Elemento antecedente ao grupo clítico complexo verbal Os resultados apresentados a seguir demonstram atuação dos elementos que antecedem o grupo clítico complexo verbal no âmbito de atração do pronome. Tabela 16: Distribuição dos dados da ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal Cl V1 V2 V1–cl V2 V1 cl V2 V1 V2-cl Total 7 – 35% 0 – 0% 11 – 55% 2 – 10% 20 – 13% 4 – 19% 2 – 9% 9 – 42% 6 – 28% 21 – 13% 2 – 16% 1 – 8% 5 – 68% 1 – 8% 12 - 7% SN Sujeito 1 – 2% 2 – 4% 29 – 69% 11 – 25% 43 – 32% Conjunção coordenativa 1 – 5% 1 – 5% 11 – 55% 7 – 35% 20 – 13% Preposição 0 – 0% 3 – 37% 4 – 53% 2 – 10% 8 – 5% 0 – 0% 0 – 0% 3 – 75% 1 – 25% 4 – 2% 0 – 0% 9 – 57% 6 – 37% 1 – 6% 16 – 10% 0 – 0% 6 – 75% 2 – 25% 0 – 0% 8 – 5% Partícula de negação . Elememento subordinativo Advérbios e Locuções adverbiais Elemento de inclusão Inicio Período Inicio oração 147 Gráfico 9: Distribuição dos dados de ordem dos clíticos pronominais em complexos verbais com infinitivo consoante o elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal A colocação pré-complexo verbal ocorreu apenas nos contextos em que se verificou a presença da partícula de negação, elemento subordinativo, advérbios e locuções adverbiais, SN sujeito e conjunção coordenativa como elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal. Desses contextos, a partícula de negação foi o contexto que apresentou os índices mais altos da variante cl V1 V2 (35%), sendo o único que ultrapassou o valor médio de realização para cada variante, que seria de 25%. Em segundo lugar, com produtividade de 19%, aparecem os elementos subordinativos. Verifiquem-se alguns exemplos da próclise ao complexo, que ilustrariam o reduzido efeito de atração nos textos escolares: (106) Tudo o que se quer às vezes não se pode ter, mas mesmo não podendo você continua a querer. (dissertação, feminino, particular, 9º ano) (107) Quando a seca chega ao nordeste é um problema muito grande não se pode plantar milho, arroz e feijão por causa da seca as lagoas secam. (dissertação, masculino, público, 3º ano) 148 (108) Sem muito esforço não se importando se lhe vai ocorrer a impotência sexual ou ataque cardíaco. Para eles e para todos isso vale tudo. (dissertação, feminino, público, 3º ano) (109) A conclusão que se pode tirar é que escolher caminhos faz parte da vida (dissertação, feminino, particular, 9º ano) (110) Enfim, quando um dos homens o iria mandar embora outro chegou dizendo que ele teria que varrer marcado. (narração, masculino, particular 3º ano) De todo modo, é preciso destacar que a variante proclítica ao complexo não constitui a opção preferencial nos contextos com partículas de negação e elementos subordinativos, visto que os índices de realização da colocação V1 cl V2 são os mais altos. Os elementos adverbiais, a conjunção coordenativa e o SN sujeito demonstraram clara preferência pela variante intra-CV sem hífen, tendo apresentado raras ocorrências da próclise ao complexo, como nos dados que se seguem. (111) Hoje, temos de nos preocupar com o que os jovens estão ouvindo, não com os ritmos, pois temos ótimos ritmos com péssimas letras e vice-versa. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (112) Enfim, quando um dos homens o iria mandar embora outro chegou dizendo que ele teria que varrer marcado. (narração, masculino, particular, 3º ano) (113) As pessoas, principalmente dessa parcela, devem ser respeitadas dignamente, pois apesar de tudo, somos todos seres humanos, e nos devemos tratar com respeito (dissertação, masculino, público, 9º ano) Observando-se os contextos em que figurava o grupo clítico-complexo verbal diante de preposições, elementos de inclusão, posição inicial de oração ou posição inicial de período, os alunos não consideraram a variante cl V1 V2 como opção de 149 colocação do clítico pronominal; para esses casos, verificaram-se, também, baixos índices percentuais da colocação pós-complexo verbal. Destaque-se que os casos de posição inicial de período ou de oração constituem os únicos contextos em que a próclise a V2 não é a opção preferencial; nesses contextos, verificaram-se maiores índices da variante V1-cl V2, respectivamente 57 % e 75 %. Apesar de as estruturas em questão corresponderem a casos de poder/dever + cl + infinitivo, como podem representar os exemplos 114 e 115 a seguir, é digno de nota que a escola introduz essa variante na escrita escolar. (114) Pode-se dizer que estilos musicais são formadores de grupos sociais, pois ao escolher um, o adolescente pode se identificar com outros que têm o mesmo gosto. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) (115) Tendo em vista os argumentos acima citados, pode-se perceber que a música desempenha muitas e importantes funções nessa fase intermediária da vida. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) Diante de preposições e elementos de inclusão, os alunos demonstraram preferir a colocação intra-complexo verbal sem hífen, não tendo sido registrada, para os contextos de elemento de inclusão, qualquer aplicação da variante V1-cl V2. Observemse os exemplos que podem ilustrar o comportamento do fenômeno nesses contextos: (116) Sinto que as pessoas acabam de certa maneira abrindo mão de suas vidas para tentarem se igualar às estrelas de Celebridade, ou às dançarinas do “É o Tchan” (dissertação, masculino, público, 3º ano) (117) Se a pessoa for rica, ainda consegue se livrar deste peso, contratando uma babá, que não passa de uma vítima assalariada. (dissertação, masculino, público, 9º ano) Em linhas gerais, para a maioria dos fatores considerados na variável elemento antecedente ao grupo clítico-complexo verbal, observou-se a preponderância da colocação intra-complexo verbal sem hífen, tendo-se registrado para alguns dos fatores não considerados pela tradição gramatical operadores de próclise maior número de 150 ocorrências, sejam eles o SN sujeito, a conjunção coordenativa e os elementos de inclusão. Exceção a esse comportamento se deu nos casos de início de período e de oração, para os quais a variante V1-cl V2 se mostrou como preferência, consoante o que propõe a tradição gramatical. Observem-se a seguir alguns exemplos de uso da variante V1 cl V2: (118) A partir do exposto é possível concluir que a sociedade precisa se informar antes de opinar, pois muitas pessoas são contra, mas não têm argumentos para sustentar sua opinião. (dissertação, feminino, particular, 3º ano) (119) Ela já em prantos disse que iria se tratar e ficar boa. (feminino, narração, público, 3º ano) (120) Porém logo pensei: que bobagem a minha, o nome de uma rua não vai me influenciar em nada. (dissertação, feminino, público, 3º ano) (121) Sempre achamos que a violência só acontece pela televisão e nunca irá nos acontecer. (narração, feminino, particular, 3º ano) Como os exemplos permitem verificar, a aplicação da colocação intra-complexo verbal sem hífen ocorre até mesmo nos contextos em que se dá a presença de elementos proclisadores, o que demonstra que a ação desses elementos não é implementada pela escola de forma geral; antes, ocorre em contextos bem específicos. Nota-se, a partir dos exemplos 118, 119, 120 e 121, que a ordem dos pronomes átonos nos contextos de complexos verbais, de acordo com a realidade do corpus analisado, está antes relacionada com outros aspectos que não o elemento que antecede o grupo clítico complexo verbal, pois se verifica em tais exemplos o uso dos clíticos de primeira pessoa e do clítico reflexivo inerente, pronomes que, como já apresentado anteriormente, demonstram tendência a adjacência a V2. Ratificando tal informação, expõem-se a seguir alguns exemplos que demonstram a aplicação da variante V1 V2-cl em contextos nos quais também se verificam operadores de próclise como elemento imediatamente anterior ao grupo clítico complexo verbal, contextos em que, não fosse a tendência já apresentada em posicionar-se o clítico acusativo de terceira pessoa em posição pós- 151 verbal, em se tratando de verbos no infinitivo, seria esperado, em termos normativos, novamente o emprego da variante cl V1 V2. (122) Com isso, muitos sofreram, injustiças, ja que bons alunos perderão a vaga por causa de um negro que irá ocupa-la. (dissertação, masculino, público, 9ºano) (123) Salomão mesmo não sabendo a fortuna que o diamante valia, sabia que ele poderia tira-lo dessa pobreza. (narração, masculino, particular, 9º ano) (124) Eu gosto muito dele e não quero perdê-lo. (narração, masculino, público, 9º ano) (125) Portanto, os jovens utilizam a música para diversas finalidades, assim essa exerce sobre eles coisas que irão marcá-los por toda sua vida. (dissertação, masculino, particular, 9º ano) Por todo o exposto, pôde-se perceber que a escola não parece conseguir implementar a regra de atração de pronomes no contexto de complexos verbais como um todo, visto que, mesmo na presença de elementos considerados operadores de próclise, há maior número de dados da variante preferencial do corpus – V1 cl V2. No entanto, não se pode negar a introdução, nos textos escolares, de dados que seriam um reflexo da tentativa de respeitar a referida regra de atração, como aqueles em que se dá a anteposição do pronome átono ao complexo verbal. Destaque-se, ainda, que nos casos muito marcados, como os de início de período e de oração, os textos registram a preferência pela variante V1-cl V2. 152 6. CONCLUSÃO Acredita-se que a presente investigação tenha cumprido o objetivo geral de cooperar com o conhecimento das normas de uso que se estabelecem em relação à ordem dos clíticos pronominais em contextos de complexos verbais no Português do Brasil. Cumprindo os objetivos específicos propostos na introdução deste trabalho, os resultados obtidos contribuem para a descrição do fenômeno na modalidade escrita do PB, especialmente no que concerne à escrita escolar, verificando a interferência da aprendizagem formal no comportamento lingüístico dos estudantes. A análise dos dados – com vasta exploração qualitativa das ocorrências e análise da distribuição quantitativa pelos contextos controlados – permitiu averiguar os fatores que influenciam os alunos quanto à escolha pela colocação pré-complexo verbal ou cl V1 V2 (se pode analisar), intra-complexo verbal com hífen ou V1-cl V2 (pode-se analisar), intra-complexo verbal sem hífen ou V1 cl V2 (pode se analisar), e pós-complexo verbal ou V1 V2-cl (pode analisar-se). Com base na exposição dos resultados obtidos por outros pesquisadores (cf, capítulo 2), que tratam do fenômeno não só no âmbito dos complexos verbais, mas também em contextos de lexias verbais simples, este estudo pôde traçar hipóteses de trabalho. De modo a testar tais hipóteses, formulou diversas variáveis lingüísticas (cf. seção 4.3), que foram devidamente tratadas consoante o arcabouço teóricometodológico da Sociolinguística Variacionista de orientação Laboviana (cf. seção 3.1). A fim de dar conta de uma faceta do tema da cliticização pronominal (cf. seção 3.2), que diz respeito ao parâmetro da precedência, conforme proposta de Klavans (1985), o tratamento dos dados valeu-se do instrumental técnico-computacional Goldvarb-2001 (cf. seção 4.2). Considerando todas as ocorrências de clíticos pronominais (222 no total) em complexos verbais coletadas em 448 redações escolares – textos narrativos e dissertativos produzidos em escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro –, foi possível depreender os fatores estruturais e sociais atuantes no comportamento dos dados da ordem dos clíticos pronominais. A análise dos resultados (cf. capítulo 5), que tomou por base os índices percentuais obtidos para os fatores constitutivos de cada uma das variáveis linguísticas e extralinguísticas, considerou três subamostras do conjunto de dados, levando em conta cada forma do verbo principal – particípio, gerúndio ou infinitivo –, em razão da configuração particular da regra variável. 153 A produtividade dos dados obtidos foi diferenciada a depender da forma do verbo principal: das 222 ocorrências de clíticos pronominais, 155 se encontram em complexos formados por infinitivo, 52 em complexos formados por gerúndio e apenas 15 em complexos formados por particípio. Em razão do baixo número de ocorrências de estruturas complexas gerundivas e participiais, optou-se por uma descrição particularizada das ocorrências, buscando depreender o padrão geral da colocação pronominal verificado nas redações em função do tipo de estrutura verbal encontrado. No caso dos infinitivos, foi possível desenvolver uma abordagem quantitativa dos dados em função dos grupos de fatores que mostraram comportamento diferenciado quanto à concretização da regra variável. Considerando-se a distribuição geral dos dados, independentemente da forma do verbo principal dos complexos, a variante V1 cl V2 revelou-se como preferência na escrita dos alunos, configurando uma espécie de variante natural, prototípica, compatível com o que alguns estudos sobre o fenômeno supõem ser a colocação não marcada no vernáculo brasileiro, a próclise ao verbo temático. Analisando-se separadamente os complexos de acordo com a forma do verbo principal, verificaram-se tendências diferenciadas a respeito da ordem dos clíticos pronominais. Quanto aos 52 complexos formados por gerúndio, verificaram-se ocorrências de pronomes átonos em três tipos de estruturas: ir/vir + gerúndio, acabar + gerúndio e estar + gerúndio, sendo esta a que mais ocorreu no corpus. Com as construções gerundivas, os textos escolares não apresentaram uma variável eneária, conforme se estipulou inicialmente; antes, só foram registradas as variantes V1 cl V2 (estavam me matando) e V1 V2-cl (estava procurando-o). O conjunto das estruturas abriga o clítico na maioria das vezes na posição intra-complexo verbal sem hífen, havendo apenas 9 dados da ênclise ao complexo. Em termos de regularidade observada, verificou-se apenas que esses poucos casos de ênclise introduzida pela escola se constroem com os pronomes o,a (s) e se do tipo reflexivo/inerente. As 15 ocorrências de complexos verbais formados por particípio revelaram uma configuração particular da regra variável, também binária, tendo sido distribuídas quase igualmente pelas variantes V1 cl V2, concretizada com o auxiliar ter ou haver (tinha se espalhado, havia lhe dito), e cl V1 V2, concretizada com a estrutura passiva com o auxiliar ser (lhe foi assegurada). Saliente-se que os dados de complexos verbais formados por V2 particípio não manifestaram aplicação da variante V1 V2-cl, o que está de acordo com a proposta das gramáticas prescritivas acerca do tema e confirma o 154 caráter mais nominal / menos detensivo da forma participial (cf. VIEIRA, 2002). Cabe destacar, ainda, que a opção preferencial pela variante V1 cl V2 não se verifica em contextos de voz passiva, sendo para esses casos a colocação pré-complexo verbal a tendência observada, independentemente da presença de elemento proclisador e do tipo de clítico em questão. Desse modo, entende-se ser a construção cl + ser + V2 a opção natural do corpus e, pelo testemunho de outros estudos variacionistas com complexos verbais, a preferencial na variedade brasileira. Não se trata, portanto, da implementação do mecanismo proclisador pela ação da educação formal, mas um tipo específico de estrutura. As 155 ocorrências de clíticos pronominais em estruturas cujo verbo principal se encontra no infinitivo revelaram, de fato, comportamento variável consoante as quatro posições estabelecidas inicialmente para a variável dependente. Pode-se perceber, em tal contexto, que, embora seja expressiva, mais uma vez, a preferência dos alunos pela variante V1 cl V2 (55%), a educação formal acaba por implementar as demais variantes em determinados contextos na escrita escolar. A respeito desses contextos de concretização particular da ordem dos clíticos, os resultados permitem delinear as seguintes tendências: (a) quanto à variante pré-complexo verbal: A variante cl V1 V2 mostrou-se produtiva nos contextos em que se dá o uso do clítico indeterminador/apassivador, especialmente quando associado a auxiliares modais, havendo, ainda que de forma secundária, a influência de um elemento de negação em contexto imediatamente anterior. Desse modo, os alunos por vezes atentariam aos casos mais marcados de atração do pronome, em se tratando do clítico apassivador/indeterminador, clítico que demonstrou tendência a posicionar-se às margens do verbo auxiliar, estando proclítico (não se pode plantar) ou enclítico a V1, como se descreve a seguir. (b) quanto à variante intra-complexo verbal com hífen: A aplicação da variante V1-cl V2 demonstrou estreita relação com os contextos de complexos verbais formados por dever/ poder + infinitivo quando combinados com o uso do clítico indeterminador/apassivador, já que, das 26 ocorrências dessa variante, 25 registraram a ênclise a V1. Saliente-se que, em muitas dessas ocorrências, os pronomes 155 aparecem em posição inicial absoluta de oração/período, o que demonstra um respeito à recomendação tradicional de não se iniciar frase por pronome átono. (c) quanto à variante pós-complexo verbal: A variante V1 V2-cl demonstrou estar condicionada ao uso do clítico acusativo de terceira pessoa, registrado em 28 das 31 ocorrências. Essa tendência mostrou-se expressiva em todos os contextos, inclusive naqueles em que ocorrem elementos considerados operadores de próclise. Delimitados os contextos de concretização particular da ordem, reafirma-se que a posição preferencial verificada nos textos é proclítica ao verbo principal. Essa preferência é confirmada nos contextos em que se verifica elemento interveniente no complexo, especialmente as preposições (como a, em começar a; de, em ter de) e a partícula que (em ter que). Nessas estruturas, o pronome átono, quando interno ao complexo, posiciona-se sistematicamente após o elemento interveniente, como se dá em (o ser) começa a se formar, temos de nos preocupar, (as pessoas) tem que se conscientizar. Quanto ao tipo de pronome, saliente-se que, excetuando-se aqueles que apresentaram comportamento particular, já apresentados, os demais clíticos – os de primeira e segunda pessoa, bem como o se reflexivo/inerente – registraram maiores índices da ordem não marcada, a V1 cl V2. Cabe destacar, ainda, que, embora não se tenha verificado na amostra a ação sistemática da tradicional regra de atração pronominal – visto que, mesmo na presença de elementos considerados operadores de próclise, há maior número de dados da variante preferencial, a V1 cl V2 –, os índices de próclise a V2 se alteram consoante a ação dessa variável. Desse modo, são menos expressivos na presença de alguns atratores tradicionais (em que se aumenta a próclise a V1) e no início absoluto de oração/período (em que se dá a ênclise a V1). Os resultados lingüísticos ora sistematizados permitem caracterizar as opções de cliticização pronominal em complexos verbais tomando por base a escrita escolar de forma acurada e precisa. Nesse contexto, é ingênuo supor que o PB concretize em todo e qualquer tipo de complexo a variante proclítica a V2, que é, sem dúvida, a estrutura preferida no PB vernacular como um todo, como confirmam outros estudos sobre o tema. É preciso atentar para o fato de que determinadas construções – como a voz passiva de ser (“não me é permitido”, e não “não é me permitido”) ou, ainda, estruturas 156 indeterminadoras, especialmente com verbos modais (preferencialmente “pode-se agradar a todos” e não “pode se agradar a todos”; “não se pode agradar a todos”, e não “não pode se agradar a todos”) – chegam a apresentar preferência pela próclise ao complexo verbal. Em casos específicos da escrita padrão, também há contextos de uso natural da ênclise a V1 e da ênclise a V2. Sem dúvida, o contraste com resultados de dados orais contemporâneos será fundamental para testar o caráter mais ou menos geral dessas tendências na variedade brasileira como um todo. No âmbito das variáveis extralinguísticas, merece sistematização o comportamento verificado para os grupos de fatores nível de escolaridade, tipo de instituição e modo de organização discursiva. Embora o tratamento das ocorrências tenha permitido observar que diferenças na distribuição percentual dos dados se aliavam, por vezes, à influência de fatores linguísticos, foi possível verificar maiores índices da variante V1 cl V2 nos seguintes casos: (1) nos textos com predominância do modo de organização narrativa; (2) nos textos produzidos por alunos da escola pública; e (3) nos textos dos alunos do ensino médio. Quanto ao modo de organização discursiva, o resultado confirmou a hipótese de que os textos narrativos seriam favorecedores da colocação V1 cl V2, refletindo características lingüístico-discursivas próprias desse modo de organização textual. Consoante as intenções comunicativas envolvidas, que aproximariam as narrativas das situações mais espontâneas de interação, a próclise a V2 considerada vernacular encontrou espaço para maior manifestação. Os resultados do tipo de instituição escolar também confirmaram a hipótese inicial, visto que os textos produzidos por alunos das escolas privadas apresentaram maiores índices das variantes consideradas “normais” pelos manuais prescritivos – V1cl V2 e V1 V2-cl. Confirma-se, assim, a hipótese, proposta em Machado (2006), de que esse tipo de escola teria por tendência maior compromisso com a divulgação de formas prestigiosas. De todo modo, sublinha-se aqui que a pluralidade de escolas e modelos pedagógicos requer, para a análise dessa variável, a consideração de outros fatores relacionados ao perfil sociocultural do estudante e ao método de ensino empregado. No que se refere ao nível de escolaridade, não se comprovou a hipótese inicial do trabalho, aqui repetida, de que as redações de alunos do 3º ano do ensino médio apresentariam maior produtividade das variantes contempladas nas referências tradicionais, o que refletiria uma implementação gradativa da norma prescrita pela tradição gramatical na manifestação lingüística dos alunos. Aventou-se, na análise dessa 157 variável, a suposição de que esse resultado se relacione a características não propriamente restritas ao nível de escolaridade no qual se encontram os aluno, mas a outros aspectos psicossociais que estejam, mesmo que indiretamente, relacionados à aceitação de modelos por parte dos alunos, hipótese cuja investigação não caberia nos limites do presente trabalho. Em linhas gerais, os resultados obtidos, aliados aos oferecidos pelos demais estudos considerados na pesquisa, permitem verificar que o uso e a ordem dos clíticos pronominais fazem parte do processo de aprendizagem desenvolvido nas escolas. Fica evidente que a educação formal introduz certos clíticos pronominais (como as formas o,a(s) e lhe), que normalmente não fazem parte do conhecimento gramatical adquirido por falantes brasileiros, e, ainda, certas posições que não parecem usuais. Nesse âmbito, os resultados obtidos são fortemente reveladores do processo de aprendizagem de estruturas que configuram uma “gramática” muitas vezes pouco familiar ao aluno brasileiro. É curioso observar que o uso de pronomes pouco registrados na norma vernacular brasileira, como o pronome o, a (s) para a expressão do objeto direto – que costuma ser preenchido por SN, categoria vazia ou pela forma reta (ele, ela, eles, elas) – e a forma se como estratégia de indeterminação – pouco produtiva quando comparada ao uso de você, a gente, e outras formas de indeterminação –, acaba por ser incorporado à escrita do aluno conjuntamente com opções de ordem pronominal que também não são familiares no padrão geral da fala. Os referidos clíticos pronominais introduzidos e/ou treinados pela instrução formal manifestam-se no corpus majoritariamente pela aplicação das variantes que refletem a colocação lusitana, em que se baseiam as prescrições gramaticais. Corrobora a falta de intimidade dos alunos com o uso dos pronomes átonos o reduzido número de clíticos com os quais se pôde contar para a realização desta pesquisa. Ainda assim, é importante sublinhar que, com a experiência de letramento vivenciada na escola, que dá acesso a diversos gêneros textuais, o aluno acaba por reconhecer e às vezes produzir estruturas que não são normalmente tidas como vernaculares, como a ênclise a V1 e a V2. Segundo Kato (2005), a aprendizagem dessas estruturas acabaria por configurar, ao lado da gramática vernacular, o acesso a uma gramática periférica, por assim dizer a gramática do letrado. A título de reflexões sobre o ensino do fenômeno em estudo, acredita-se que a prioridade dos procedimentos escolares deveria ser a capacitação dos alunos de maneira que os fizesse interagir na leitura e na produção de diversos tipos e gêneros textuais, tornando-os verdadeiros atores nas atividades discursivas e textuais. Desse modo, os 158 alunos passariam a reconhecer os clíticos pronominais como meios dos quais os textos lançam mão e dos quais eles próprios também poderiam lançar mão para construir estratégias de comunicação que se mostrassem eficazes em certos gêneros textuais, tanto na modalidade escrita quanto na modalidade falada, na medida em que esses elementos desempenham importante função no processo de referenciação anafórica, por exemplo. A simples apresentação de regras que regem a colocação pronominal, reproduzida por alguns manuais escolares e implementada pela tradição gramatical, não permite que os alunos reconheçam as características estruturais e sociais que se relacionam ao tema. O desenvolvimento de um estudo arbitrário do fenômeno termina por apresentar aos alunos uma norma extremamente diferente daquela que vivenciam. Os resultados obtidos com esta pesquisa puderam evidenciar que diversos fatores estão relacionados à colocação pronominal, sobretudo as diferenças que se estabelecem na construção de textos cujas intenções comunicativas podem ser extremamente diversificadas. Acredita-se que o reconhecimento da influência de fatores externos à língua e a combinação entre estes e os fatores linguísticos façam com que os alunos passem as reconhecer as características que afetam a ordem dos clíticos. Tornase necessário incentivar o aluno a se interessar pelo conhecimento linguístico e a maneira mais adequada de se proceder é não fazer desse procedimento um meio de opressão lingüística, em que os alunos não reconheçam sua própria opção preferencial e que sejam obrigados a considerá-la como erro ou como uma variante de segunda categoria, num discurso que mais se aproxima ao de condescendência com a norma brasileira (cf. Pagotto, 1998). Por fim, espera-se que o presente estudo tenha colaborado com a expansão dos conhecimentos acerca da ordem do clítico pronominal em complexos verbais na variedade brasileira, especialmente em contexto de aprendizagem. Com o tratamento variacionista dos dados da modalidade escrita, tendo como base a produção escolar, o trabalho delineou os contextos de aplicação de cada variante da colocação pronominal em estruturas verbais complexas, consoante variáveis lingüísticas e extralinguísticas. Sem dúvida, as hipóteses interpretativas lançaram novas questões que fugiram aos limites deste trabalho. Acredita-se que, na continuação da pesquisa, não se pode prescindir, dentre outras tarefas, de aprofundar o conhecimento dos fatores sociais que envolvem o perfil dos alunos nas diversas realidades escolares, bem como de ampliar o número de séries escolares para, assim, avaliar melhor a implementação do fenômeno 159 na escrita escolar. Uma comparação detalhada do material produzido em maior número de séries escolares com materiais acadêmicos produzidos por supostos escritores com alto grau de letramento também configura desafio para o avanço da investigação. Por ora, acredita-se que os resultados obtidos possam auxiliar a atividade docente em suas diretrizes teórico-metodológicas, pois apresentam a realidade dos usos lingüísticos correspondentes ao fenômeno estudado em contexto escolar. 160 7. BIBLIOGRAFIA ALKMIM, Tânia Maria & CAMACHO, Roberto Gomes (2005). “Sociolingüística”. In: MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. (orgs.) Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. 5 ed. São Paulo: Cortez. BECHARA, Evanildo (1999). Moderna gramática portuguesa. 37ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna. BORGES, Neto. (2004) A incomensurabilidade e a “compatibilização” de teorias. In: Ensaios de filosofia da lingüística. São Paulo: Parábola. BORTONI-RICARDO, Stella M. (2004). Educação em língua sociolingüística na sala de aula. 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