Lean no agronegócio – a próxima “revolução verde”?
Bruno Battaglia
A partir da década de 1960, a produção agrícolavem passando por
grandes transformações. Com a intensificação da mecanização no campo, o
uso de insumos agrícolas industriais e o advento da biotecnologia no
melhoramento genético de espécies de plantas e animais, abriu-se
definitivamente um novo horizonte para a produção de alimentos e outros
produtos do setor primário.
Agora, juntamente com as primeiras iniciativas de aplicação do pensamento
lean no agronegócio, começam a surgir resultados extremamente promissores,
indicando que essa filosofia de gestão tem também muito a contribuir para as
operações do campo, e pode ser uma peça importante para complementar os
grandes avanços alcançados até aqui pelo setor, levando-o a um novo patamar
em qualidade, produtividade, custos e eficiência, de modo geral.
O Lean Post de março de 2014, publicado pelo Lean Enterprise Institute,
dos EUA, é um dos exemplos que abordam justamente esta questão. Com
título “Usando Lean para Levar a Agricultura ao Próximo Nível na Dinamarca”,
de Susanne Pejstrup destaca, entre outros pontos, o efeito positivo da
introdução de conceitos básicos do pensamento lean aos produtores com os
quais ela vem trabalhando. “Trabalhar com os princípios e ferramentas lean
motiva as pessoas a serem melhores e cria um novo nível de engajamento”,
disse.
Através da definição de valor sob a ótica do cliente, por exemplo,esses
agricultores começaram a enxergar inúmeros desperdícios que antes
passavam despercebidos. Outros desperdícios, segundo Susanne, ainda que
fossem facilmente reconhecidos, eram vistos e abordados de maneira errônea:
“Desperdício é fácil de enxergar quando há mofo na silagem ou sementes de
milho germinadas em um campo após a colheita. Quando isso acontece, o
agricultor normalmente pensa que seus colaboradores estão fazendo um mau
trabalho e apenas os pede para fazerem um trabalho melhor. Como se fosse
tão fácil”.
Com as técnicas lean de análise e resolução de problemas, os
produtores deixaram de conviver com problemas crônicos e recorrentes, e
passaram a estudá-los com um método estruturado para encontrar suas
causas raízes, em vezde sempre remediar os sintomas com ações paliativas e
de contenção, como antes faziam.
No pensamento lean, problemas e desperdícios deixam de ser “tabus”,
oude estarem atrelados a medidas sem prévia investigação de causa. Em vez
disso, cria-se um ambiente onde os colaboradores sintam-se à vontade para
expor suas dificuldades e problemas, e em que a liderança esteja apta a
reconhecê-los como oportunidades de melhorias e de aprendizado para a
empresa como um todo.
Ferramentas e conceitos como estes, aplicados à rotina de trabalho nas
fazendas e propriedades rurais, mesmo naquelas em que já há elevado
desempenho, estão trazendo benefícios expressivos no aproveitamento de
diversos recursos como máquinas, materiais e também do trabalhado das
pessoas, melhorando significativa e progressivamente os fluxos de valor.
Outro caso internacional de aplicação do lean em agronegócio, e talvez
um dos melhor documentadosde que temos conhecimento até agora - é o da
gigante russa Kuban Agroholding uma das maiores companhias do setor no
país, e que está entre as 5 mais eficientes, apresentado no Lean Summit da
Turquia em dezembro de 2013.
O grupo integra 30 empresas de segmentos diversos do agronegócio,
indo desde a agricultura e pecuária, a silagem de grãos, refinarias de açúcar
eatémesmo um centro de serviços de reparos e revisões de máquinas e
equipamentos agrícolas. No total, possui uma área de 86.000 hectares
cultivados e emprega mais de 5.000 pessoas.
Entre 2003 e 2012 a empresa acumula resultados impressionantes:
- o crescimento da receita foi de 17,4 vezes
- o lucro líquido cresceu 3,6 vezes (de 2007 a 2012)
- produtividade aumentou 18 vezes
Segundo a própria empresa,parte fundamental de seu diferencial está
em sua estratégia de desenvolvimento que visa a agregação de valor e alta
eficiência nos processos e operações que desenvolve, suportada e orientada
pelo pensamento lean.
Como acontece com muitas companhias, o “momento da virada” para
esta empresa se deu em função das necessidades e contexto do mercado, tais
como:
- Necessidade de aumentar produtividade, através de um sistema de gestão
eficiente.
- Necessidade de elevar os padrões de qualidade, para atender os níveis
crescentes de exigências dos clientes.
- Busca por vantagem competitiva, ao reduzir os custos e desperdícios e
produzir com maiores margens de lucro.
Além destes, outros fatores externos estimulavam a empresa a
empreender uma mudança, tais como os rígidos requisitos de qualidade da
OMC, com os quais ela deveria cumprir para atuar com exportação, a
instabilidade
no
mercado
de
commodities
subsídiosgovernamentais para a produção agrícola.
e
a
redução
dos
A partir de então, os objetivos principais da administração da empresa
passaram a ser:
- Produzir em conformidade com as necessidades do mercado. O que é
necessário? Quando? Em que quantidade?
- Com custo de produção que seja o menor possível, através de bom
planejamento da produção, prevenção de paradas de máquinas, eliminação de
atividades redundantes e através de um bom sistema de melhorias, de forma
geral.
- Produzindo e entregando qualidade, em não utilizar matéria-prima e recursos
para fazer rejeitos e outros desperdícios.
Esse grande projeto, em boa parte foi sustentado através da adoção de
práticas e medidas simples, mas muito poderosas como ambientes e
processos bem organizados e padronizados,além da frequente utilização
deelementos visuais para a gestão de informações e controle dos fluxos de
valor, tornando-os mais estáveis, confortáveis, produtivos e seguros.
Imagem 1. Documentos de trabalho padronizado com auxilio de elementos visuais para
facilitar o uso pelos colaboradores.
Outro ponto fundamental para o sucesso do projeto foi estimular a
presença dos gestores no gemba, de modo a potencializar a compreensão e
análise da situação e dos problemas onde, de fato, eles ocorrem, e onde se
cria valor para o cliente.
Seguindo este princípio, gerentes e chefes de projetos participaram
ativamente do mapeamento dos diversos fluxos de valor do projeto piloto (que
compreendia 12 áreas no total, abrangendo quase todas as frentes de negócio
da companhia), observando e coletando informações “in loco” do trabalho de
leiteiros, serralheiros, tratoristas e outros funcionários das fazendas, com
intenção de identificar etapas e processos de produção que representassem
desperdícios como perdas, subutilizações, riscos à segurança, etapas
desnecessárias, etc.
Imagem 2 . Gestores elíderes de projetos fazendo levantamento de informações e oportunidades
de melhorias.
Como em muitas empresas, esta “ida ao gemba” com a ótica lean
despertou a necessidade de mudanças, e hoje a empresa utiliza de maneira
consolidada muitas ferramentas e princípios do pensamento lean em seu
negócio.
Sobre o sistema de gestão da empresa, o presidente do Lean Institute
da Turquia, Yalcin Ipbuken, declarou, em visita: “Os resultados da
implementação do sistema de produção na Kuban Agro podem ser vistos
imediatamente - tudo é organizado de forma racional e pensada.”
A experiência da empresa tem sido inclusive compartilhada com outros
países e organizações, tornando-se fonte de aprendizado e inspiração em
outros projetos. Para Svetlana Sotova, Diretor Geral Adjunto de Economia e
Finanças da AK Bars – também uma holding russa do agronegócio - o sistema
de gestão que conheceu na empresa o fez refletir: “sua abordagem mudou
completamente os estereótipos que tinha antes”.
Entre outros benefícios que os projetos estão trazendo à empresa,
esperam-se cerca de 4,5 milhões de reais (RUR 70 mi) como resultado
financeiro dos projetos em andamento atualmente.
Casos como estes são o início de um movimento que tem terreno
bastante fértil para se propagar. Enquanto em termos agronômicos e
tecnológicos o setor já se encontra muito bem paramentado, há dificuldades e
desafios tremendos na gestão das operações e na visão sistêmica dos fluxos
de valor no agronegócio. Os desperdícios e as oportunidades, com isso, ainda
são inúmeros, mas como em muitos outros setores já vem se comprovando, o
pensamento lean parece ser a maneira mais eficaz de transformá-los em
ganhos de capacidade, redução de custos e melhor desempenho.
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