Ministério da Justiça
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE
Averiguação Preliminar nº 08012.005335/2002-67
Representantes:
Editora Nova Atenas Ltda. e Ponto da Arte Editora Ltda.
Representado:
Ediouro Publicações S/A
Advogados:
Caio Mário da Silva Pereira Neto e outros
Relator:
Conselheiro Luis Fernando Schuartz
RELATÓRIO
I – Da Instauração da Averiguação Preliminar
1. Trata-se de averiguação preliminar instaurada em 25 de novembro de 2002 e que teve
origem em representação apresentada em 5 de agosto de 2002 pela Editora Nova Atenas
Ltda. (“Editora Nova Atenas”) em desfavor da Ediouro Publicações S/A (“Ediouro”). A
SDE entendeu pela necessidade de investigar as alegadas condutas da Ediouro, pois
poderiam ter como objeto dificultar a constituição, o funcionamento ou
desenvolvimento da representante na produção e comercialização de publicações de
passatempos, bem como bloquear a iniciativa comercial da representante através do
incentivo à interrupção dos meios de distribuição de mencionadas publicações de
passatempos. Em 19 de fevereiro de 2004, a Ponto da Arte Editora Ltda. (“Ponto da
Arte”) protocolizou representação em face da Ediouro, a qual a SDE juntou aos autos da
presente averiguação preliminar, em função da semelhança das alegações e da conexão
entre as matérias em discussão em ambas as representações.
II – Da Representação
2. Em 5 de agosto de 2002, a Editora Nova Atenas apresentou ao Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência representação pelas práticas das infrações previstas no arts. 20,
I e 21, V e VI em desfavor da Ediouro. Em síntese, alegou o seguinte:
(i) a representante fora constituída em dezembro de 2000, com o objetivo de
publicar e comercializar revistas de passatempos, do tipo passatempos,
palavras cruzadas, criptogramas e caça palavras;
(ii) estimou que no ano da infração, 2001, o mercado de revista de passatempos
movimentava cerca de R$ 35.000.000,00 ao ano e era dominado pela
representada, a Ediouro. Informou ainda que, na tentativa de entrar neste
mercado, a Ediouro iniciou uma política ameaçadora;
(iii) a suposta prática começou com uma notificação extrajudicial, na qual a
representada dizia estar disposta a adotar medidas judiciais se a representante
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introduzisse seus exemplares no mercado, já que estes teriam conteúdo e
características idênticas às suas revistas de passatempos;
(iv) em referida notificação, a representada alegou que as publicações da
representante seriam editadas com possível utilização de informações
privilegiadas e confidenciais, objeto de segredo de negócios, a que tiveram
acesso por meio de funcionários da Ediouro, que foram dispensados, o que
segundo a mesma constituiria crime de concorrência desleal, na forma do
artigo 195, inciso XI, da Lei de Propriedade Intelectual;
(v) a representante, por sua vez, contra-notificou a representada informando que
era detentora de direitos autorais da marca que utilizava, ENIGMA, e que
estaria fazendo uso somente desta. Quanto ao estilo, a Representante
informou que a revista de passatempos ENIGMA tinha estilo e layout
distintos;
(vi) a representante informou que a representada é reincidente na tentativa de
intimidar suas concorrentes a não editarem revistas semelhantes às suas;
(vii) alegou a representante, ainda, que a representada, por vias transversas,
obrigou a distribuidora das revistas DINAP a romper o contrato
anteriormente firmado, para que a primeira ficasse sem condições de escoar
suas publicações1; e
(ix) não tendo como distribuir suas revistas, a representante paralisou
completamente suas atividades.
III – Da Instrução
5. Prestaram esclarecimentos a representada, a Associação Nacional dos Editores de
Revistas – ANER, bem como empresas distribuidoras de revistas e periódicos citadas
nos autos.
6. A representada apresentou esclarecimentos antes e após a instauração da presente
averiguação, alegando em síntese:
(i) que atua no mercado de passatempos e palavras cruzadas, juntamente com
um número expressivo de concorrentes;2
(ii) que sua interpelação extrajudicial foi motivada pela suspeita –
posteriormente confirmada – de que um seu ex-funcionário estaria envolvido
na nova publicação da representante. Tratou-se, portanto, segundo a
representada, de uma interpelação preventiva, e que poderia inclusive ter
sido desencadeada judicialmente, como lhe assegura o art. 867 do CPC. A
1
Posteriormente informou ter apresentado à 7a Vara Cível da Comarca de Osasco, nos autos da ação
ordinária que promove em face da DINAP, disco digital e respectiva transcrição contendo dois diálogos:
(i) um entre o representante legal da Nova Atenas e da DINAP, e (ii) outro entre o primeiro e o diretor
comercial da distribuidora Fernando Chinaglia. A representada, por sua vez, alegou a nulidade da prova
apresentada pela Nova Atenas por não ter sido objeto de perícia judicial e por representar cerceamento
das garantias constitucionais de ampla defesa e do devido processo legal. As gravações de referidos
diálogos também foram juntados aos autos da presente averiguação preliminar em dois CDs às fls. 827,
sendo que as respectivas transcrições encontram-se acostadas às fls. 726 a 740.
2
Acosta aos autos exemplares de 8 concorrentes, a saber: Gryphos, da Editora Litterae; High Cruzadas,
da editora RT Edições; Talento, da Edigrama S.A; A Recreativa QI, da A Recreativa Ltda.; Lei Cruzada,
da Editora Ruiz; Enigmística, da Labirinto Publicações; Caras Lazer, Editora Abril e Enigma, da RG
Santoro.
2
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representada também informa que possui concorrentes no mercado contra as
quais nunca demandou judicialmente, justamente por não incorrerem em
práticas que podem ser interpretadas como “concorrência desleal”;
(iii) que não exerceu qualquer coação para a distribuidora DINAP rompesse seu
contrato com a representante. Acrescentou que não possuía poder de
mercado suficiente para exercer esse tipo de pressão, dado que suas
publicações contavam com pequena participação no faturamento da
distribuidora, além desta ter um âmbito nacional de atuação e operar com
outros concorrentes; e
(iv) que existiam diversas estratégias de distribuição de revistas que não apenas
as que envolviam as duas distribuidoras mencionadas pela representante
(DINAP e Fernando Chinaglia). Mencionou a existência de várias
distribuidoras com atuação regional, nos diversos estados da federação,
capazes de viabilizar uma entrada competitiva no mercado de revistas de
passatempos.
7. Questionada, a DINAP apresentou as seguintes informações aos autos:
(i) comercializou as publicações da Nova Atenas no período de 15/08/2001 a
05/11/2001;
(ii) ao rescindir o contrato com a Nova Atenas, utilizou-se de prerrogativa ali
prevista na cláusula 13ª, qual seja, que o contrato poderia ser rescindido com
60 (sessenta) dias de antecedência, imotivadamente. Alegou que o
rompimento se deu tendo em vista os maus resultados das vendas. Como a
DINAP recebia como retribuição pela distribuição em todo Brasil uma
porcentagem das vendas realizadas, viu-se impedida de continuar a proceder
esta distribuição, tendo em vista que os valores que percebia não pagavam
seus custos, tornando o negócio inviável;
(iii) em momento nenhum sofreu pressão da Ediouro, pois se assim fosse não
distribuiria revistas de outros editores neste segmento (passatempos); e
(iv) a distribuição das revistas da Ediouro representava 5,5% de seu faturamento
total e 30% do faturamento obtido com revistas do gênero/segmento.
8. Questionada, a Fernando Chinaglia apresentou as seguintes informações:
(i) além das revistas de passatempos editadas pela Ediouro, comercializava
também publicações editadas por outras editoras, tais como da Editora A
Recreativa, denominadas “Palavras Cruzadas A Recreativa” e publicações
editadas pela Editora Van Blad, denominadas “Palavras Cruzadas Colméia”;
e
(ii) as revistas de passatempos editadas pela Ediouro representavam 2,56% do
faturamento da Fernando Chinaglia. Dentro do gênero “passatempo”, as
publicações Ediouro representavam 68% do faturamento da empresa.
9. Foi encaminhado ofício à Associação Nacional dos Editores de Revistas – ANER
questionando quais as publicações e respectivas editoras concorreriam com a Ediouro
no mercado de revista de passatempos. A ANER apresentou extensa lista de títulos
editados pela Ediouro e suas concorrentes.
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10. Ademais, foram encaminhados ofícios às empresas Varig Log, Empresa de Correios
e Telégrafos (ECT) e a S. Paulo Distribuição e Logística Ltda (SPDL), citadas nos autos
como alternativas à DINAP e Fernando Chinaglia, questionando se tais empresas
atuavam no mercado brasileiro na distribuição de revistas e jornais e em que condições.
11. A SPDL esclareceu que distribui apenas jornais na cidade de São Paulo e alguns
municípios da grande São Paulo, e que não distribui revistas de passatempos.
12. A Varig Log, por sua vez, esclareceu que distribui as publicações das Editoras Abril
e Globo, mas que não tem contrato de distribuição de revistas de passatempos.
13. A ECT, por fim, esclareceu que em dezembro/2004 lançou o serviço Correios
Entrega Direta, que é destinado à distribuição de periódicos. O serviço destina-se à
distribuição de revistas para a entrega a assinantes em domicílio. Esclareceu que as
revistas destinadas a passatempo geralmente são vendidas em bancas, segmento em que,
na época, a ECT não atuava.
14. Foram, ainda, encaminhados, no âmbito de instrução complementar pelo CADE,
ofícios à DINAP, Fernando Chinaglia, Ediouro, Editora Nova Atenas e Ponto da Arte a
fim de averiguar a alegada existência de poder de mercado por parte da Ediouro no
mercado de revistas de passatempos à época da suposta infração, 2001.
IV – Do Parecer da SDE/MJ
15. Em 16 de novembro de 2005, a SDE/MJ emitiu Nota Técnica a respeito da presente
averiguação preliminar. Concluiu que, em face das representações da Editora Nova
Atenas e Ponto da Arte, as condutas da representada a serem investigadas seriam as
seguintes:
(i) envio de notificações extrajudiciais ameaçando adoção de medidas judiciais
caso as Representantes introduzissem no mercado publicações nos mesmos
moldes e com as mesmas características da revista Coquetel, de propriedade
da representada; e
(ii) “bloqueio” à iniciativa comercial das representantes através do incentivo à
interrupção dos meios de distribuição de suas publicações de passatempos.
16. Tais fatos podem ser resumidos no objeto da presente averiguação preliminar que
consiste na “apuração de possível prática anticoncorrencial consistente em criar
dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa
concorrente e impedir o acesso de concorrente aos canais de distribuição, nos termos do
artigo 21, incisos V e VI , da Lei nº 8.884/94.”
17. Tendo em vista as informações colhidas nos autos, a SDE/MJ considerou a
dimensão produto do mercado relevante como sendo o de publicações do gênero
passatempos, incluindo-se publicações com atividades do tipo jogos, palavras cruzadas,
problemas de lógica e caça palavras. Quanto à dimensão geográfica, foi considerado o
mercado relevante como sendo nacional, visto que os concorrentes atuam em todo
território brasileiro.
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18. A SDE opinou pelo arquivamento da averiguação preliminar, com base nos
seguintes fundamentos principais:
(i) relativa pulverização de agentes no mercado em questão, tendo em vista a
existência de, aproximadamente, 30 (trinta) editoras que publicam revistas
de passatempos, distribuídas pelas distribuidoras Fernando Chinaglia e
DINAP;
(ii) inexistência de capacidade da representada para bloquear o acesso aos canais
de distribuição das demais editoras, uma vez que as publicações do tipo
passatempos editadas pela Ediouro representam baixo percentual de vendas
no faturamento total das distribuidoras Fernando Chinaglia (2,56%) e
DINAP (6%);
(iii) o fato de a própria DINAP ter declarado às fl. 802 que não sofreu qualquer
tipo de pressão por parte da Ediouro para que rescindisse o contrato com a
Nova Atenas, rescindindo o mesmo em razão da inviabilidade econômica de
sua manutenção;
(iv) inexistência de significativas barreiras à entrada no mercado em questão,
não se verificando fatores relevantes que impeçam o surgimento de novos
concorrentes;
(v) inexistência de qualquer racionalidade econômica na eventual realização de
acordos entre a representada e as referidas distribuidoras para excluir as
representantes e/ou outras editoras de revistas de passatempos. O interesse
das distribuidoras seria justamente possuir mais fornecedores, reduzindo
eventual dependência a um único fornecedor, bem como distribuir produtos
com maior valor agregado, que apresentem maior taxa de retorno; e
(vi) mesmo que, por hipótese, se admitisse um comportamento irracional por
parte das distribuidoras, a SDE/MJ considerou que a pulverização do
mercado relevante, bem como a irrelevância de quaisquer barreiras à entrada
no presente mercado, afastaria qualquer conclusão pela existência de
prejuízo concorrencial.
V – Do Parecer da ProCADE
19. A ProCADE emitiu parecer em 26 de dezembro de 2005, concluindo pela
inexistência de condições para dominação pela Ediouro do mercado relevante de
revistas de passatempos, tendo em vista que a SDE/MJ verificou que (i) trata-se de
mercado relativamente pulverizado, (ii) o percentual de vendas das revistas da
representada no faturamento da DINAP e Fernando Chinaglia era reduzido, não
podendo-se admitir poder de mercado por parte da representada, e (iii) as declarações da
DINAP constantes nos autos esclarecem que esta rescindiu o contrato com a
representante Editora Nova Atenas em razão da inviabilidade econômica de sua
manutenção. Por fim, opinou pelo arquivamento da presente averiguação preliminar, em
consonância com o parecer da SDE/MJ.
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VI – Do Parecer do Ministério Público Federal
20. O MPF proferiu parecer em 3 de abril de 2006 e, assim como a ProCADE, opinou
pelo arquivamento do feito, fundamentalmente nos mesmos termos levantados pela
SDE/MJ e ProCADE.
É o relatório.
Brasília, 3 de abril de 2007.
LUIS FERNANDO SCHUARTZ
Conselheiro-Relator
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