apa Projetos Nota 10
1º e 2º anos
o trunfo
da sala
multisseriada
Parlendas na ponta da língua e duplas
produtivas favorecem o avanço de todos
Texto RAISSA PASCOAL • Design JACQUELlNE HAMINE
E
• Edição BEATRIZ VICHESSI
m Santo Antonio do Viradouro, povoado de
Meridiano, a 546 quilômetros de São Paulo,
as crianças brincam pulando corda ao som de Suco Gelado e Salada, Saladinha. Essas parlendas e
outras cantigas atravessam gerações não só lá, mas
em outros cantos do país. Não à toa, é raro encontrar quem nunca as ouviu.
Rosana Gandolphi, professora da EMEF Odair
de Oliveira Silva, se valeu do conhecimento que
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a garotada tem na ponta da língua para ajudar no
avanço da aquisição da leitura e da escrita dos
alunos de 1º e 2º anos de uma sala multisseriada.
Apesar de muitos docentes temerem lecionar
para turmas heterogêneas como a de Rosana, ela
usou essa característica a favor da aprendizagem
de todos. "A docente encara a diversidade de saberes como uma vantagem didática. Para isso,
proporciona momentos de trabalho coletivo, faz
com que as crianças realizem atividades, às vezes
individualmente, às vezes em duplas, colocando
em jogo os conhecimentos que já têm", afirma
Andréa Luize, selecionadora dos trabalhos de alfabetização do Prêmio Educador Nota 10 e coordenadora do Instituto Superior de Educação Vera
Cruz (ISE Vera Cruz), em São Paulo.
A ideia de Rosana foi convidar a meninada para resgatar brincadeiras cantadas e parlendas que
já conheciam, além de aprender novas. Depois, a
turma compilou as mais queridas em um livro. A
escolha de trabalhar com textos memorizados é
urna prática bem-vinda em sala de aula porque
dá ao aluno a oportunidade de ler ao mesmo tempo que tem contato com materiais com propósito
social real. Com eles, as crianças têm a chance de
construir relações entre o texto já memorizado e
a escrita correspondente. E mais: dessa maneira,
é possível se concentrar em como escrever, sem se
preocupar com o conteúdo.
Atenção às hipóteses de escrita
Rosana fez urna avaliação inicial para saber em
qual hipótese estavam os 13 estudantes. "Pedi que
escrevessem o título de algumas cantigas do jeito
que imaginavam ser. Ao analisar os resultados,
concluí que trabalharia com crianças de pré-silãbica a alfabética", diz a professora. Para se organizar, registrou as hipóteses de cada uma a fim de
acompanhar a evolução ao longo do ano. Isso
também serviu como um documento de apoio
para que ela pensasse as duplas produtivas - organização em que o professor agrupa crianças que
têm hipóteses de escrita próximas, de forma que
uma possa contribuir com a outra. "Pensei com
cuidado o que propor para que os alunos mais
avançados não desanimassem e, ao mesmo tempo, que os iniciantes não enfrentassem desafios
maiores do que podiam encarar;'
Depois, ela perguntou às crianças quais eram
as cantigas e as parlendas que mais gostavam e
pediu que conversassem sobre isso com os pais.
"A ideia era aumentar o repertório da classe",conta. No dia da socialização dos resultados, a turma
selecionou as cantigas que mais agradaram e Rosana fez uma lista no quadro. Depois de pronta,
ela foi digitada pela professora e afixada na parede para ser usada como fonte de consulta.
A etapa seguinte consistiu na leitura de cantigas e parlendas. A docente convidou as crianças a
localizar palavras no texto e as incentivou a utilizar referências. "Os alunos não alfabéticos colocavam em jogo as hipóteses que tinham e confrontavam as ideias com os colegas, buscando apoio
na lista de nomes da turma e na lista de títulos
que fizemos", diz. A proposta de Rosana é válida
porque os alunos aprendem a ler e a escrever
quando estão mergulhados em práticas sociais de
leitura e de escrita. "Mesmo quando ainda não são
alfabéticos, o ideal é planejar situações em que
entrem em contato com pequenos textos, conhecidos ou não, e comecem a refletir sobre a escrita
nesse contexto", diz Elisabete Monteiro, formadora do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa
(Icep) e professora da Universidade Estadual da
Bahia (Uneb). Importante: note que Rosana realiza situações de leitura inclusive com crianças
Rosana
Formada em
Letras e Pedagogia
pela Unifev,com
pós-graduação em
Neuropedagogia
e Educação Infantil
pela Faec.
"Trabalhar por
11 anos na Apae
foi importante.
Lá convivi com
grande diversidade
de saberes e de
possibilidades."
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Alfabetização
11 º e 2º anos
que ainda não sabem ler. Atividades dessa natureza não costumam ser valorizadas em projetos
de alfabetização. "Muitos professores fazem os
alunos começarem a trabalhar direto com a escrita, desconsiderando que a leitura também tem
muito a contribuir para que todos os estudantes
avancem", explica Andréa.
"Num projeto didático, devemos seguir uma
sequência lógica de atividades visando o que desejamos que o grupo aprenda e produza", explica
Beatriz Gouveia, coordenadora de projetos do
Instituto Avisa Lá e professora da pós-graduação
em Alfabetização do ISE Vera Cruz. Rosana tomou esse cuidado e outros: as atividades foram
planejadas pensando no agrupamento de alunos
com hipóteses próximas. "Buscar alternativas para que eles interajam é uma vantagem didática.
Um pode desafiar o outro ao fazer uma pergunta
e quem já sabe um pouco mais aprende a sistematizar as informações", diz Elisabete.
Do alfabeto móvel à segmentação
Para alunos com hipótese silábica com e sem valor sonoro, Rosana pediu que escrevessem títulos
das cantigas com letras móveis. Para os silábico-alfabéticos, as tarefas eram colocar as palavras das
cantigas em ordem e completar lacunas de um
texto. "A todo momento, fazia intervenções e percorria a sala para auxiliar", diz a professora.
À medida que as atividades iam sendo realizadas, ela avaliou os avanços e documentou as necessidades de aprendizagem no mapa de sondagem. Nele, descrevia a hipótese de escrita em que
as crianças estavam. "E anotava o estudante que
não estava reagindo como eu gostaria, o porquê
e em que eu tinha de melhorar", conta.
Quando os alunos,já tinham alcançado um
\
conhecimento maior sobre o sistema de escrita,
Rosana propôs a algumas duplas que trabalhassem com a segmentação do texto. Ela entregou
uma cantiga com as palavras escritas sem espaço
e solicitou que as separassem. Outra atividade foi
a escrita de uma parlenda, também em duplas de
um silábico-alfabético e um alfabético.
Ao final do projeto, ela pediu para as crianças
escreverem os mesmos títulos de cantigas da sondagem inicial. A comparação entre as duas mostrou um progresso notável. A evolução também
foi percebida pela turma. "Aprendi a ler e a escrever e a cantar letras que não conhecia", comemora Fernanda da Cruz Garcia, 8 anos.
O livro ilustrado com cantigas e parlendas, resultado de três meses de trabalho - além de muito aprendizado, é claro -, foi dado como presente
para quatro escolas de Educação Infantil da região
do povoado de Santo Antonio do Viradouro.
"Se Rosana tivesse feito que os estudantes do
1º e do 2º ano trabalhassem separadamente, sem
trocar ideias, ou proposto projetos diferentes para cada uma das séries, as crianças certamente
teriam avançado menos", avalia Andréa. _
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