UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE FRANCISCO BELTRÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA
CAMPONESA NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO
NOVO/MS
IVANILDO VIEIRA LIMA
Francisco Beltrão-PR
2009
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IVANILDO VIEIRA LIMA
PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA
CAMPONESA NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO
NOVO/MS
Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação
Mestrado
em
Geografia
da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná como
requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. João Edmilson Fabrini
Francisco Beltrão-PR.
2009
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PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA
CAMPONESA NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO
NOVO/MS
Defesa de Dissertação apresentada como
requisito para a obtenção do título de Mestre
em Geografia, junto ao Programa de PósGraduação
Mestrado
em
Geografia
Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
da
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca da UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil)
L732p
Lima, Ivanildo Vieira
Produção de subsistência/autoconsumo e resistência
camponesa no Assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS /
Ivanildo Vieira Lima. – Francisco Beltrão, 2010
142 p.
Orientador: Prof. Dr. Joao Edmilson Fabrini
Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Francisco Beltrão,
2010.
1. Mundo Novo (MS) - Assentamento Pedro Ramalho. 2.
Assentamentos rurais – Autoconsumo. 3. Assentamentos
rurais – Produção. 4.Movimentos sociais. 5. Resistência
camponesa. I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
II. Título.
CDD 21.ed. 333.318171
CIP-NBR 12899
Ficha catalográfica elaborada por Marcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB-9/539
5
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. João Edmilson Fabrini (Orientador)
__________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Dornelis Carvalhal
________________________________________
Profª Drª Marisa de Fátima Lomba Farias
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AGRADECIMENTOS
A realização dessa pesquisa só foi possível com a colaboração de muitas pessoas e
de algumas instituições, sendo esse o momento de publicamente declarar meu apreço a
todas.
Agradeço a toda minha família que de maneira direta ou indireta esteve sempre ao
meu lado, apoiando-me na busca de conhecimento. Em especial aos meus pais Manoel e
Helena que carinhosamente trato de “Negão e Dona Nenê”, que nos momentos mais
difíceis estiveram com as mãos e os braços estendidos para me acolher.
Ao orientador João Edmilson Fabrini, pelos conhecimentos repassados e ao tempo e
muita atenção dedicada à realização dessa pesquisa.
A CAPES pelo apoio financeiro na forma de bolsa, a qual foi de extrema
importância a realização do mestrado e principalmente dessa pesquisa.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia da
UNIOESTE e a secretária Andréia por sua grande dedicação nos afazeres burocráticos.
A professora Roseli Alves por nos aceitar e acompanhar no estágio de docência e
também participar de nossa banca de qualificação.
Aos amigos e companheiros do Geolutas, João, Marcelo, Terezinha, Djoni, Gabriel,
Márcio, Irma, Leandro, Tereza, Solange, Diane, Erwin e aos primos Ferrari (Carlos e
Walter).
A todos os colegas do mestrado pelos momentos compartilhados, sem distinção,
dentre esses cabe citar o nome de Ricardo, Pecinatto, Andrei, Luís Carlos e Gilberto pelos
grandes favores prestados.
A todas as famílias do assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS que nos
recebeu e deu toda a atenção necessária na obtenção das informações para essa pesquisa.
Nessa mesma oportunidade agradeço também as famílias e pessoas de Mundo Novo que
fizeram parte do Projeto Iguatemi e se dispuseram a dialogar conosco.
Aos funcionários de órgãos e entidades que contribui com nossa pesquisa a campo
no município de Mundo Novo.
Agradecemos principalmente a Deus por nos conceber saúde e vida.
7
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do trigo
Forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da terra
Cio da terra a propícia estação e fecundar o chão
Milton Nascimento e Chico Buarque de Holanda
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PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA CAMPONESA NO
ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS
RESUMO
Nessa pesquisa analisamos as formas de resistência camponesa, partimos do
pressuposto que além das lutas nos movimentos sociais, os camponeses desenvolvem
outras formas de resistência para garantir a sua existência num sistema adverso como o
capitalismo. Resultante das experiências na luta pela terra, os camponeses assentados têm
procurado organizar a produção nos assentamentos em mutirões, cooperativas, grupos
coletivos, etc. Tem também procurado implementar uma agricultura de subsistência e
autoconsumo para garantia de sua existência, buscando assim, aliviar a subordinação que o
domínio das regras capitalistas lhe impõe. Esta produção voltada para o autoconsumo e
subsistência é verificada no assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo - MS como
uma estratégia de resistência para garantir a sua existência enquanto classe camponesa.
Nesse estudo procuramos demonstrar que os camponeses têm buscado cultivar espécies que
permitem uma flexibilidade, ou seja, uma produção que pode ser destinada ao mercado e
ainda ser direcionada para o consumo, sendo a produção de autoconsumo uma atividade
genuína do campesinato e fazendo parte da essência deste sujeito. Ainda hoje esta produção
de autoconsumo é elemento fundamental na reprodução e resistência camponesa às
imposições do sistema capitalista. Esta flexibilidade entre o autoconsumo e subsistência é
muito forte nos assentamentos rurais de reforma agrária, como é o caso do assentamento
Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS.
PALAVRAS – CHAVE: Assentamentos Rurais, Autoconsumo, Movimentos Sociais,
Produção, Resistência Camponesa.
9
Subsistence production and consumption and peasant resistance in the settlement
Pedro Ramalho in Mundo Novo/MS
ABSTRACT
In that research we analyzed resistance peasant's forms, we left of the
presupposition that besides the fights in the social movements the peasants develop other
resistance forms to guarantee its existence in an adverse system as the capitalism. Resultant
of the experiences in the fight for the earth, the seated peasants have been trying to organize
the production in the establishments in mutirões, cooperatives, collective groups, etc. It has
also been trying to implement a subsistence agriculture and autoconsumo for warranty of its
own existence, looking for like this, to alleviate the subordination that the domain of the
capitalist rules imposes it. This production gone back to the autoconsumption and
subsistence is verified in the establishment Pedro Ramalho in Mundo Novo-MS as a
resistance strategy to guarantee its existence while class peasant. However, in that study we
tried to demonstrate that the peasants have been looking for to cultivate species that allow a
flexibility, that is to say, a production that can be destined to the market and still to be
addressed for the consumption. Being the autoconsumo production a genuine activity of the
peasant and it is part of the essence of this I subject. This autoconsumption production is
still today fundamental element in the reproduction and resistance peasant to the
impositions of the capitalist system. This flexibility between the autoconsumo and
subsistence is very strong in the rural establishments of agrarian reform, as it is the case of
the establishment Pedro Ramalho in Mundo Novo/MS.
WORDS - KEY: Rural Establishments, Autoconsumption, Social Movements, Production,
Peasants Resistance.
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................10
CAMPESINATO: SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO.................................................16
A QUESTÃO AGRÁRIA EM MATO GROSSO DO SUL..................................................34
APROPRIAÇÃO DA TERRA E LUTAS NO CAMPO EM MUNDO NOVO....................55
A PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO NO ASSENTAMENTO
PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS..................................................................89
CONSIDERAÇÃOES FINAIS...........................................................................................121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................125
1
INTRODUÇÃO
A expansão das relações capitalistas de produção no campo é responsável pela
expropriação, subordinação e exploração dos camponeses e trabalhadores da agricultura.
Neste mesmo contexto, erguem-se lutas e resistências diversas, principalmente aquelas
vinculadas aos movimentos sociais, das quais se destacam as ocupações de terra
latifundiária e os acampamentos. Mas, além da luta para entrar na terra existe também a
luta para permanecer na terra, principalmente na terra de assentamento.
Resultante das experiências na luta pela terra, os camponeses assentados têm
procurado organizar a produção nos assentamentos em mutirões, cooperativas, grupos
coletivos, etc. Tem também procurado implementar uma agricultura de subsistência e
autoconsumo para garantia de sua própria existência, buscando assim, aliviar a
subordinação que o domínio das regras capitalistas lhe impõe. Esta produção voltada para o
autoconsumo e subsistência é verificada no assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo
- MS como uma estratégia de resistência para garantir a existência da classe camponesa.
Historicamente, na evolução da civilização, foram criados diversos modos de
produção. Nesse processo evolutivo da sociedade assentado na divisão social do trabalho os
camponeses têm combinado suas atividades agrícolas no tripé: cultivos que possam ser
comercializados; cultivos que possam ao mesmo tempo ser comercializados e convertidos
para o consumo; e cultivos de autoconsumo, ou seja, aqueles que são destinados consumo
interno na unidade de produção.
A produção de autoconsumo verificada no assentamento é aquela destinada ao uso
(consumo) pela própria família camponesa. A produção de subsistência possui uma
dimensão mais ampla e além do uso pela família implica na comercialização da produção.
Nem todo produto agrícola comercializado pode ser considerado como parte da “agricultura
comercial” pautada pelo lucro/renda, como o agronegócio, por exemplo. Existe uma
produção camponesa vinculada ao comércio que não está pautada pelo lucro/renda, mas
1
destina-se à garantia da subsistência da família.
Neste sentido, é possível afirmar que a agricultura de subsistência envolve o
comércio da produção dos camponeses assentados, embora não possa ser considerada uma
agricultura capitalista. Mas, esta agricultura de subsistência e autoconsumo se relacionam
com a produção capitalista, pois não se trata de produção à parte do processo geral de
produção, ou seja, do modo de produção capitalista.
Assim, a produção comercial camponesa de subsistência que tem como base o
trabalho familiar não deve ser confundida ou interpretada como a que é desenvolvida ao
modelo do agronegócio objetivada pelo lucro, pois a circulação de sua produção faz se
necessária para a reprodução da vida camponesa. O que está colocado no centro da
agricultura camponesa não é o lucro, mas sim a sua subsistência que é obtida com a renda
provinda da venda da sua produção.
Existem interpretações de que a expansão das relações capitalista leva os
camponeses a se integrar cada vez mais ao mercado capitalista. Nesta interpretação, os
camponeses vão deixando de produzir para autoconsumo, direcionando prioritariamente sua
produção para o mercado, o que comprometeria a sua existência. Esta é a tese da
diferenciação social, pois os camponeses se tornariam proprietários capitalistas ou
proletários.
Entretanto, nesse estudo procuramos demonstrar que os camponeses têm buscado
cultivar espécies que permitem uma flexibilidade, ou seja, produção que pode ser destinada
ao mercado ou ser direcionada para o consumo. Verifica-se que a produção de autoconsumo
é uma atividade genuína do campesinato, ou seja, faz parte da essência deste sujeito. Ainda
hoje esta produção de autoconsumo é elemento fundamental na reprodução e resistência
camponesa às imposições do sistema capitalista. Esta flexibilidade entre o autoconsumo e
subsistência é muito forte nos assentamentos rurais de reforma agrária, como é o caso do
assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS.
Esta pesquisa sobre a produção de subsistência e autoconsumo como resistência
camponesa no assentamento Pedro Ramalho está dividida em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, intitulado de “Campesinato: subsistência/autoconsumo” foi
destacada a partir das obras de Chayanov (1974) de Wolf (1970) a forma como o camponês
garante a sua subsistência, que está na capacidade de produzir diretamente grande parte dos
1
seus meios de vida, sobretudo com os cultivos de gêneros alimentícios para o consumo. A
partir destes autores procurou-se interpretar a concepção de subsistência e autoconsumo e
de que forma isto se relacionada às demais dimensões da vida camponesa.
Para Chayanov, por exemplo, a existência camponesa está norteada principalmente
pelo núcleo familiar, quando são considerados os aspectos relacionados à composição e
tamanho da família, número de consumidores, número de trabalhadores, sexo e idade.
Considera que a partir do balanço trabalho e consumo, o objetivo é atender as necessidades
de consumo da família. Dessa forma, a força de trabalho familiar camponês é direcionada
para as diversas atividades que proporcionam maiores rendas e menor grau de autoexploração de seu trabalho.
Assim, a obra de Chayanov tem nos revelado os elementos internos da família
camponesa como as relações de gêneros, diferenciação biológica, idade, sexo, tamanho, que
servem como elementos explicativos na compreensão do trabalho e do consumo familiar, o
que indica também o papel desempenhado pela produção de autoconsumo nessa relação.
Diferente dessa perspectiva chaynoviana do balanço-consumo, porém concebendo a
produção de autoconsumo como característica e estratégia camponesa de existência, há a
compreensão de Wolf (1970), com sua obra “Sociedades Camponesas”.
Wolf (1970), ao tratar da produção camponesa refere-se à concepção de mínimo
calórico e excedente sociais. Para esse autor os camponeses realizam uma produção de
autoconsumo que tem como objetivo atender suas necessidades físicas que seria o mínimo
calórico. Porém, compreende que os camponeses não produzem apenas para a sua
existência física, mas também para garantir a sua existência social. Para isso os camponeses
devem produzir os seus excedentes sociais que é composto pelo fundo de manutenção,
fundo cerimonial e o fundo de aluguel.
Os elementos da produção camponesa são tratados em várias obras clássicas das
quais se destacam Chayanov (1974) e Wolf (1970). Entretanto, nos estudos do campesinato
brasileiro, alguns autores contemporâneos, mas considerados também clássicos, procuram
sintetizar esses elementos partindo da realidade vivida pelos camponeses daqui.
Portanto, ainda nesse primeiro capítulo, foi tratado sobre as interpretações dos
elementos da produção camponesa considerando a obra de Tavares dos Santos (1978)
“Colonos do Vinho” que trata da subordinação do trabalho camponês a partir dos vínculos
1
que estabelecem com as indústrias vinícolas. Outro autor utilizado para elaborar
caracterização do campesinato foi Martins (1981) que trata da subordinação da renda da
terra camponesa ao capital. Assim, enquanto Tavares dos Santos (1978) atenta-se para a
subordinação do trabalho, Martins (1990) atenta-se para a subordinação da renda da terra ao
capital. Oliveira (2007) também é outro autor importante na caracterização do campesinato
brasileiro.
Diante deste processo de subordinação, seja pelo trabalho ou da renda da terra, os
camponeses criam resistências diversas dentre as quais se destacam a produção de
subsistência e autoconsumo. O caso estudado foi o assentamento Pedro Ramalho no
município de Mundo Novo no Estado de Mato Grosso do Sul.
Para tratar das estratégias dos camponeses Heredia (1979) e Garcia Jr. (1983)
indicam práticas adotadas por eles para viabilizar sua seguridade alimentar e comercial, ou
seja, esses autores expõem as possibilidades de flexibilidade e alternatividade contida em
alguns cultivos.
No segundo capítulo, intitulado “A questão agrária em Mato Grosso do Sul”,
apontamos para concentração fundiária como a principal característica do espaço
geográfico de Mato Grosso do Sul. A apropriação desigual da terra, e não necessariamente a
exploração do trabalho na terra, se constitui no centro do problema agrário no Mato Grosso
do Sul, ou seja, se constitui no centro da “questão agrária”.
A concentração de terras em Mato Grosso do Sul não é recente, pois vem desde
disputa travada por Portugal e Espanha que tinha por finalidade ampliar seus territórios. O
domínio destas terras do Mato Grosso do Sul também foi disputado entre Brasil e Paraguai.
No entanto, foi no período republicano que as terras do sul de Mato Grosso do Sul foram
monopolizadas pela Cia Mate Laranjeira o que dificultou a difusão da pequena propriedade
nesse período do monopólio da Cia Laranjeira.
A possibilidade de desenvolvimento da atividade pecuária também contribuiu para a
procura por terras do sul de Mato Grosso do Sul por fazendeiros paulistas principalmente, o
que impulsionou a apropriação concentrada da terra nessa região. Mas, há que se considerar
também a modernização da agricultura a partir da década de 1970, que expulsou pequenos
agricultores proprietários e arrendatários/parceiros, trazendo distintas conseqüências para o
campo em Mato Grosso do Sul.
1
A resposta dos camponeses foi a luta pela terra nesse Estado, das quais muitas
resultaram nos assentamentos rurais de reforma agrária. Os assentamentos têm segurado a
existência e manutenção dos índices de pequenos estabelecimentos rurais.
Neste contexto de lutas, no terceiro capítulo, foi tratado sobre as lutas e apropriação
das terras no município de Mundo Novo. Na primeira parte do capítulo foi abordada sobre a
chegada dos colonos na região e a luta camponesa pautada pela sobrevivência num
território onde “reinavam” os latifundiários.
Foi tratado também sobre o projeto de colonização “dirigida” implantada pelo
governo militar a partir de 1967. Com a implantação do “Projeto Integrado de Colonização
Iguatemi” os camponeses foram submetidos a rígidas regras sociais como a obrigatoriedade
de comercializarem sua produção agrícola com a empresa cooperativa imposta por esse
projeto. As resistências camponesas nos movimentos sociais neste momento eram limitadas
e praticamente não se realizavam em Mundo Novo, assim como em todo o Brasil.
A história das lutas nesse município se relaciona com o cenário nacional das lutas
camponesas, pois aí foram (re) assentados pelo “Projeto Iguatemi”, camponeses expulsos
nos Estados do Paraná e São Paulo pelo processo de modernização da agricultura. Eram
camponeses dos movimentos vinculados aos arrendatários de Santa Fé do Sul-SP e os
atingidos por barragem no Rio Grande do Sul.
Neste município de Mundo Novo ainda se fez uma importante manifestação dos
camponeses na década de 1980, ou seja, com o inicio do retorno dos brasiguaios do
Paraguai para o Brasil. O regresso desses trabalhadores veio a fortalecer a luta pela terra no
Estado de Mato Grosso do Sul, principalmente através do processo de ocupações de terra.
No desenvolvimento do processo de ocupação de terra encontra-se a ocupação da fazenda
Mambaré, em 1999, a qual originou o assentamento Pedro Ramalho.
No quarto capítulo, foi tratado sobre o assentamento Pedro Ramalho e a força da
produção de subsistência e autoconsumo nele presente. Foram demonstradas a importância
da produção de autoconsumo e subsistência enquanto estratégia de resistência dos
camponeses assentados à imposição das relações capitalistas de produção. Esta produção
assume importância na garantia da existência camponesa.
Os assentamentos de reforma agrária, dos quais se inclui o assentamento Pedro
Ramalho, surgem com resultado de lutas dos trabalhadores rurais sem-terra. O
1
assentamento pode ser considerado um pré-requisito para a territorialização do camponês e
espacialização das lutas, pois a partir da terra conquistada se desdobram novas lutas e
conquistas.
Diante da condição de assentado, as lutas de resistência dos camponeses foram
direcionadas para garantir a sua sobrevivência na terra através, ou seja, a preocupação é
garantir a sua existência na esfera da produção. Nestas lutas mesclam-se as ações políticas e
aquelas vinculadas á produção no assentamento. Mas, nem toda a produção é produção de
resistência. Neste sentido, a atividade agrícola, não exclusiva, foi a principal atividade de
subsistência e autoconsumo para o camponês.
Embora os assentados tenham se organizado e conquistado a terra por meio de lutas
coletivas em torno do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mundo Novo, não é
necessariamente nas entidades e movimentos sociais que os camponeses expressam a sua
resistência e luta no assentamento Pedro Ramalho. Mesmo considerando que haja diversos
vínculos com entidades de classe, movimentos, associação, poder público, dentre outros, a
resistência dos camponeses se realiza na esfera produtiva de autoconsumo e subsistência.
1
CAPÍTULO I
CAMPESINATO: SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO
1 - Subsistência e autoconsumo
O termo subsistência indica uma existência abaixo e inferior, mas geralmente é
interpretado como sendo o atendimento de um conjunto de necessidades para sustentar a
vida física e social das pessoas. Será neste segundo sentido, de sustentação da vida, a
abordagem adotada nesta pesquisa.
Para sustentar a vida física e social há necessidade de elementos materializados nos
objetos, dentre os quais se destaca a casa de moradia, utensílios domésticos, gêneros da
alimentação, enfim, bens de uso e consumo. A sustentação da vida demanda também de
necessidades imateriais como, por exemplo, os laços afetivos como os familiares, amizade,
educação, lazer, entretenimento, sentimentos, enfim, o relacionamento social.
Há que se destacar ainda que os bens necessários para a sobrevivência das pessoas
precisam ser produzidos pelo trabalho. Marx (2008, p.199) afirma que “desde que apareceu
nesse planeta, tem o homem que consumir todos os dias, antes de produzir e durante a sua
produção”. Porém, há modos distintos de produzir para garantir a subsistência humana,
como por exemplo, o modo capitalista de produzir em que uma classe de operários
despossuídos dos instrumentos e meios de produção vende a sua força de trabalho para
obter meios para garantir sua subsistência. Já o capitalista, possuidor dos meios de
produção, para garantir sua existência e reprodução explora o trabalho excedente do
operário, isto é, a mais-valia, o trabalho não pago ao operário. O objetivo do capitalista não
é somente a garantia da subsistência, mas acumular riquezas produzidas socialmente para
além das suas necessidades; o lucro ampliado.
O proprietário de terra, o latifundiário, também é uma classe do modo de produção
1
capitalista. O proprietário de terra garante a sua existência com a extração da renda da terra,
ou seja, da mais-valia social, que pode ser diferencial, relacionada diretamente a capacidade
de produzir da fertilidade do solo, proximidade de mercado, como também, a renda
absoluta, que proporciona renda através do aluguel ou da venda dessa terra. Esse
proprietário se reproduz da renda e mais-valia (lucro) juntas, quando faz a terra produzir
empregando a mão-de-obra assalariada.
Para o camponês, a sua existência (subsistência) tem como base as atividades
agrícolas, sendo o trabalho na terra com os instrumentos de trabalho, a principal forma de
garantir a sua sobrevivência. Entretanto, o que diferencia o camponês dos demais sujeitos
(classe social) é sua capacidade de produzir diretamente grande parte dos meios de
subsistência, a exemplo, os instrumentos e ferramentas feitas por ele mesmo, o cultivo de
gêneros alimentícios necessários ao consumo de sua família.
Existe uma diferença substancial do camponês com outras classes (capitalistas,
operários e proprietários de terra) na forma de garantir sua existência, pois a organização
social e trabalho dele são realizados com o objetivo principal de garantir necessidades de
consumo da família, ou seja, a subsistência.
2 - A subsistência nos estudos da agricultura.
Quando empregado nos estudos da agricultura, o termo subsistência se apresenta
com diversos significados: a) produtos agrícolas ou objetos que são elaborados e
consumidos na mesma unidade que os produziu, isto é, produtos que não passam pelo
processo de circulação e que não são convertidos em dinheiro e mercadorias; b) gêneros
agrícolas (alimentícios ou não) produzidos nas unidades de produção familiar, tendo o
objetivo o abastecimento de centros urbanos. Neste caso, a agricultura de subsistência se
contrapõe à agricultura de exportação, c) conjunto de atividades agrícolas e extra-agrícolas
realizados pelos membros da família camponesa, sendo o objetivo satisfazer as
necessidades de consumo.
Uma interpretação equivocada sobre a produção de subsistência pode surgir quando
se coloca em oposição a uma agricultura voltada para o mercado. Esta oposição privilegia o
segundo termo em detrimento o primeiro, gerando uma interpretação da qual só há leis
1
econômicas quando há mercado. Esse é o caso típico ocorrido nas fazendas de engenho no
Brasil colonial, quando havia o cultivo da cana de açúcar, matéria-prima na produção
açucareira para a exportação, como também, o cultivo de gêneros alimentícios para
manutenção interna das fazendas. No período do Brasil colonial, já era visto a presença dos
pequenos produtores camponeses que praticavam tanto a agricultura de subsistência com a
agricultura de mercado, situação essa que continua nos dias atuais.
Para Sandroni (1999, p.190), subsistência é definida como sendo a “produção
agrícola de bens de consumo imediato e para o mercado local. Ao contrário do que a
designação possa sugerir, ela tem algum caráter mercantil”. Por isso, com base em Sandroni
(1999), a agricultura de subsistência difere de economia natural, pois nesta, a produção é
destinada à sobrevivência do produtor e praticamente não existe excedente.
Nesta definição de subsistência, uma parte da produção é destinada ao consumo
direto do produtor e outra parte é ao mercado. Assim, subsistência não é aquela produção
destinada
exclusivamente
para
o
autoconsumo,
pois
implica
também na
sua
comercialização, sendo que ambas (subsistência e autoconsumo), são destinadas à
satisfação das necessidades físicas e sociais de quem produz.
Na produção de subsistência, típica do campesinato, há produção para o comércio e
há produção para o autoconsumo. No caso do comércio, não se trata de uma agricultura
capitalista que tem como objetivo principal o acúmulo, mas um comércio em que o centro é
o atendimento das necessidades. Portanto, os camponeses realizam uma produção de
subsistência e uma produção de autoconsumo.
Admitindo a oposição existente entre a agricultura de subsistência e agricultura
comercial, Garcia Jr. (1983, p.16) ressalta que por falta de uma melhor nomenclatura
“usamos a oposição ‘lavouras comerciais’ x ‘lavouras de subsistência’”. Garcia Jr. (1983)
aponta ainda que os camponeses produzem gêneros que necessitam ser levados ao mercado
para que possam ser convertidos em dinheiro para adquirir outros produtos que não seu
elaborados na unidade de produção, ou seja, para a sua subsistência. Assim, ao mesmo
tempo, os camponeses produzem gêneros que são consumidos diretamente sem passar pela
circulação no mercado (autoconsumo) e gêneros de subsistência que possui alguma
passagem pelo mercado.
Ainda sobre a oposição agricultura de subsistência e comercial o autor é mais direto
2
quando esclarece que:
Não pressupõe que haja negação da circulação mercantil nas
“lavouras de subsistência”, muito pelo contrario. Usou-se a
oposição porque ela servia para designar o fato de que formas
específicas de circulação dos produtos têm conseqüências sociais
diferenciadas. (Garcia Jr. 1983, p.16).
Não se trata de criar uma dicotomia entre o que passa ou não pela circulação
(mercado). Porém, ir ou não ao mercado, traz conseqüências sociais distintas ao produtor
camponês. Se sua produção está totalmente direcionada ao mercado, este sujeito produtor
está vulnerável às oscilações dos preços e a subordinação capitalista. “A utilização mais
intensa de elementos materiais que sejam produto do próprio trabalho familiar permite um
maior controle da própria unidade sobre a reposição de suas condições matérias de
produção” (GARCIA Jr. 1983, p.119). A produção de autoconsumo proporciona maior
controle da unidade produtiva pelos camponeses.
Não é pelo fato da produção de autoconsumo fazer parte da subsistência camponesa
que se deve considerá-la como inferior. Garcia Jr. (1983) em sua obra Terra de Trabalho
afirma.
Subsistência, aqui, tenta voltar à acepção clássica, sobretudo em
Marx e Ricardo, isto é, aquilo que é necessário para a reprodução
física e social do trabalhador e de sua família. Subsistência, não é,
portanto, um dado, um mínimo abaixo do qual a existência física
não seria possível, mas uma categoria social que permite
estabelecer que padrões e normas de reprodução que são
socialmente aceitáveis; por conseguinte, um conceito que também
se move de sistema para sistema e que está tão submetido às leis de
um sistema determinado como qualquer outro. (GARCIA Jr. 1983,
p.16) (grifo do autor)
Nessa definição de subsistência, está implícito um conjunto de necessidades para
sustentar a vida, isto é, aquilo que é necessário para a reprodução física e social do
trabalhador e de sua família. No caso do produtor camponês que realiza as atividades
agrícolas para garantir a sua existência, ele coloca em circulação no mercado produtos de
sua lavoura, ou nega a circulação em determinados momentos, quando os produtos são
canalizados para o autoconsumo.
2
3 - A presença da subsistência e autoconsumo na unidade de produção camponesa.
A partir das obras de Chayanov (1974) de Wolf (1970) buscaremos interpretar a
concepção de subsistência e autoconsumo desses autores, e de que forma isto se relacionada
às demais dimensões da vida camponesa.
A produção direta para o autoconsumo é uma característica que deve ser
interpretada como uma genuína forma de produção familiar, sendo esta produção uma
dimensão constitutiva do campesinato que o define e o caracteriza em todas as sociedades,
do passado, quanto da contemporânea.
3.1 - Subsistência e autoconsumo em Chayanov
Embora Chayanov tenha estudado o campesinato russo no período que compreende
o final do século XIX e início XX, com algumas ressalvas o seu legado tem sido subsídio
para interpretar o campesinato na atualidade. Várias das questões levantadas por ele estão
cristalizadas no cotidiano dos atuais camponeses no Brasil, principalmente, quando se
refere aos camponeses organizados nos assentamentos rurais de sem-terra.
Isso
fica
evidente
quando
se
observam alguns aspectos existentes no
desenvolvimento produtivo das famílias camponesas nos assentamentos. Para entender a
produção camponesa nos assentamentos, serão utilizadas importantes questões levantadas
por Chayanov (1974), tais como: o fator biológico que reflete diretamente na organização e
disposição da força de trabalho familiar; nas estratégicas desenvolvidas para equilibrar a
força de trabalho; na organização dos cultivos e das atividades presentes e principalmente
na objetividade da produção.
Em sua obra “La organización de la unidad económica campesina” (1974 [1925]),
Chayanov
nos
fornece
contribuições
significativas
em
relação
ao
estudo
da
subsistência/autoconsumo no campesinato, sendo essa uma característica típica das formas
familiares de trabalho e produção na agricultura. Nessa obra, Chayanov procura
compreender a morfologia e as leis de funcionamento da unidade camponesa. Ao analisar
os elementos internos da produção camponesa, concebe esta unidade econômica, ao mesmo
tempo como unidade de trabalho e consumo.
Para Chayanov (1974), o trabalho camponês tem por finalidade atender as
2
necessidades de consumo da família, sendo o ponto central de sua teoria a existência do
balanço entre o trabalho e o consumo. Para isso, o autor leva em conta o desenvolvimento
biológico da família, principalmente os aspectos relacionados à composição e tamanho
como número de consumidores, número de trabalhadores, sexo e idade.
Considera dessa forma que:
De hecho, la composición familiar define ante todo los límites
máximo y mínimo del volumen de su actividad económica. La
fuerza de trabajo de la unidad de exploración doméstica está
totalmente determinada por la disponibilidad de miembros
capacitados en la familia. (CHAYANOV, 1974, p.47)
Partindo desse pressuposto, Chayanov faz uma correlação entre a unidade de
trabalho que é composta pelos membros da família que estão em plenas condições de
trabalho e unidade de consumo, composta pelos membros da família. Explica que a
racionalidade camponesa caminha no sentido de atingir o equilíbrio ótimo entre o consumo
e o trabalho da família.
Chayanov expõe essa relação entre trabalhador e consumidor admitindo-se que uma
família recém formada venha a ter filhos; nos primeiros anos terá um número maior de
consumidores em relação aos trabalhadores. Assim, será maior o grau de auto-exploração
dos trabalhadores. Porém, à medida que os filhos começam a trabalhar, menor esforço
deverão desprender os membros da família e gradativamente chegará o ponto mais baixo da
relação consumo/trabalho. (figura 1).
A partir de dados estatísticos do campesinato russo, Chayanov formula um gráfico
da relação consumo/trabalho (figura 1) demonstrando que no início da formação da família
há forte presença do número de consumidores (C). O número de trabalhadores (T)
permanece instável em um determinado tempo. No entanto, essa quantidade de trabalhador
vai se alterar na medida em que o filho mais velho, no caso com a idade aproximada de 15
anos, passa a ajudar no trabalho. Enquanto isso não ocorre, a relação consumo/trabalho
(C/T) torna-se elevada, ou seja, existe mais consumidores do que trabalhadores, fazendo
com que os trabalhadores despenda mais esforço físico para atender as necessidade de
consumo familiar.
2
Figura 1 - RELAÇÃO CONSUMIDOR/TRABALHADOR
Reportando-se à relação consumo/trabalho, Chayanov (1974) destaca que “El
volumen de la actividad de la familia depende totalmente del número de consumidores y de
ninguna manera del número de trabajador” (p.81). Chayanov diz que a quantidade de
energia gasta pelo trabalhador é determinada pela quantidade de consumidor existente na
família, isto é, “la energía desarrollada por un trabajador en una unidad doméstica de
explotación agraria es estimulada por las necesidades de consumo de la familia” (p.84),
pois à medida que aumenta as necessidades de consumo, conseqüentemente aumentará a
taxa de auto-exploração.
É a partir da relação existente entre a quantidade de energia gasta pelos membros da
família camponesa em seu trabalho durante o ano agrícola e a satisfação das necessidades
de consumo da família, que Chayanov elabora a sua teoria do balanço entre o trabalho e
consumo, definindo assim, o ponto de equilíbrio.
Considerando que:
Cualquier unidad doméstica de exploración agraria tiene así un
límite natural para su producción, el cual esta determinado por las
proporciones entre la intensidad del trabajo anual de la familia yo
grado de satisfacción de sus necesidades. (CHAYANOV, 1974, 85)
2
Através de uma sucessão de gráficos (figura 2) Chayanov explica a lógica do
balanço entre a intensidade (fadigas) do trabalho e as necessidades do consumo,
demonstrando as diferentes situações que se apresenta o ponto de equilíbrio no balanço
consumo/trabalho da família camponesa.
No gráfico -1 da figura 2, diante de um sistema de coordenadas, temos o seguimento
A – B que representa o grau de intensidade do trabalho da família camponesa para
conseguir uma determinada quantidade subjetiva de valor, nesse caso em rublos1,. Já o
seguimento C – D representa em valor, a medida da satisfação das necessidades de
consumo para essa família. Note-se que para adquirir uma quantia baixa de rublos (A-B)
entre o décimo, vigésimo rublos, não é necessário muito esforço dos trabalhadores. Na
medida em que vai aumentando a quantidade de rendimentos, maior será o desgaste físico.
Porém, é ainda um estímulo para o trabalho do camponês até que esse atinja uma quantia de
67 rublos, chamado por Chayanov de ponto de equilíbrio (x). Esse é o momento em que a
fadigas do trabalho se equipara com o valor de sua utilidade isto é, o trabalho despendido
até esse momento é equivalente às necessidades de consumo. A partir desse ponto, não seria
mais interessante para o camponês um esforço no trabalho.
Figura 2 - BALANÇO TRABALHO/CONSUMO
Esse ponto de equilíbrio é a soma na qual se detém naturalmente a produção desse
trabalhador. No entanto, é evidente que as trajetórias das curvas (A-B e C-D) são de caráter
subjetivo e estão sujeitas as trocas, que automaticamente modifica o ponto de equilíbrio
2
entre as fadigas do trabalho e as necessidades de consumo.
Suponhamos, por exemplo, que duplique os preços dos produtos agrícolas desse
camponês, cada rublo será obtido com a metade do esforço físico exigido antes. Portanto, o
seguimento A-B mudará para A-B1(gráfico - 2, figura -2) e o equilíbrio se produzirá em um
outro novo ponto (x1), havendo assim, um aumento na capacidade de consumo, porém não
indica que crescerá em dobro a sua capacidade de consumo. Com isso, Chayanov conclui
que “um aumento na remuneração de uma unidade de trabalho na exploração doméstica
produz um aumento no rendimento anual e no bem estar familiar com uma menor
intensidade de trabalho no ano” (CHAYANOV, 1974, p.86) (grifo e tradução nossos)
O ponto de equilíbrio pode mudar com um efeito contrário. Um adicional nas
necessidades de consumo da família provocado, por exemplo, por algum imprevisto interno
ou externo (doença, acidente, mudança na composição da família, perda da produção, baixa
no preço da produção, etc.). Isso faz com que o seguimento C-D se eleve para C1 – D1, C2 –
D2 e assim por diante, conforme demonstra o gráfico -3 na figura 2, surgindo novos pontos
de equilíbrio (x1
e
x2), sendo que para conseguir o mesmo grau de satisfação das
necessidades demanda de um aumento na sua produtividade, ou seja, necessitará de uma
intensificação nas suas atividades de trabalho.
Alicerçado nessa teoria do balanço trabalho-consumo, Chayanov procura desvendar
o cálculo camponês a fim de apreender a racionalidade camponesa e diferenciá-lo do
comportamento capitalista. Propunha, assim, a convivência e a permanência camponesa de
forma insular à lógica capitalista de reprodução e homogeneização das relações sociais
rumo à acumulação.
Utilizando a teoria da Diferenciação Demográfica, Chayanov afirma que os
princípios básicos da produção camponesa se ampliam ou contrai segundo o número de
trabalhadores e consumidores existente na unidade de produção. Dessa forma, se contrapõe
à teoria trabalhada por Lênin (1982) da Diferenciação Social do campesinato.
Ao estudar sobre o desenvolvimento do capitalismo Rússia, Lênin admitiu a teoria
da diferenciação social, partindo de um pressuposto básico ao qual o campesinato tenderia a
desaparecer, ou seja, comporia, de um lado a burguesia rural, formada pelos camponeses
ricos, ou de outro lado, os camponeses pobres que tornaria proletários rurais.
1
Moeda vigente na Rússia para época dessa analise, final século XIX inicio século XX.
2
Quanto a esse embate teórico entre marxista e chayanoviano, Almeida (2006, p.73)
afirma: “para Chayanov essa diversidade, essa heterogeneidade do campesinato, era parte
de uma lógica interna à sua reprodução”, ou seja, a diferenciação, para Chayanov, não era a
possibilidade de descampenização, mas sim, uma estratégica de manutenção da condição
camponesa.
Para o autor, o que estava em curso no campo russo não era um
processo de desigualdade e antagonismo crescente no seio do
campesinato, numa competição própria da lógica capitalista que
levaria à desintegração do mundo camponês, mas um conjunto de
estratégicas orientadas por uma racionalidade que partia da família
para a terra, portanto, da avaliação subjetiva das necessidades
núcleo familiar. Assim sendo, a diferenciação não era resultado da
proletarização ou da acumulação como lógica capitalista, mas de
mecanismos internos relativos ao (des) equilíbrio da família.
(ALMEIDA, 2006, p.73)
Como exemplo dessa complexa lógica camponesa, Chayanov explica a suposta
proletarização não como um fim em si mesma, mas, paradoxalmente, como possibilidade
de reprodução, ou seja, o atendimento de sua subsistência, como destacado anteriormente.
Esse autor ressalta que para atingir o ponto de equilíbrio entre o trabalho e as necessidades
de consumo, o camponês em determinados momentos e circunstâncias destina a sua força
de trabalho e de sua família em outras atividades extra-agrícolas, como artesanais e
comerciais para garantir a sua subsistência.
Uma das situações é quando a família camponesa dispõe de pouca terra e pouco
capital, encontra-se aí uma condição prejudicial para o desenvolvimento da atividade
agrícola, tendo assim que reduzi-la. Frente a essa situação, Chayanov (1974, p.110) alega
que “además, la familia deriva su fuerza de trabajo inutilizada hacia el trabajo artesanal,
el comercio y otros medios de subsistencia extra agrícolas”. Dessa forma, é na junção
dessas atividades agrícola e não-agrícola que o camponês busca atingir o equilíbrio entre a
sua força de trabalho e as necessidades de consumo.Chayanov afirma:
La familia campesina trata de cubrir sus necesidades de la manera más
fácil y, por lo tanto, pondera los medios efectivos de producción y
cualquier otro objeto al cual puede aplicarse su fuerza de trabajo, y la
distribuye de manera tal que pueden aprovecharse todas las oportunidades
2
que brindan una remuneración elevada. (CHAYANOV, 1974, p.120).
Não é pelo fato do camponês desviar a sua força de trabalho para as atividades mais
rendosas que deva ser confundido com a lógica capitalista, tendo em vista que a empresa
capitalista investe nos setores mais lucrativos visando ao máximo de retorno (lucro)
possível. A família camponesa destacada por Chayanov cessa imediatamente o
sobretrabalho ao alcançar o seu equilíbrio da relação trabalho-consumo, já que seu objetivo
é reproduzir como unidade econômica de produção camponesa pautada nas necessidades.
Ao tratar sobre El plan organizativo de la unidad económica campesina, Chayanov
explica mais detalhadamente sobre a organização e funcionalidade a unidade econômica
camponesa. Admite que ascensão econômica entre a unidade exploração capitalista e as
unidades de exploração familiar são diferenciadas.
En una unidad económica basada en la trabajo asalariado esta
tendencia a la expansión infinita está limitada por la disponibilidad
de capital y, si está aumenta, resulta prácticamente infinita. Pero en
la unidad de exploración doméstica, aparte del capital disponible
expresado en medios de producción, esta tendencia está limitada
por la fuerza de trabajo familiar y por las fatigas crecientes del
trabajo si su intensidad se aumenta forzadamente. (CHAYANOV,
1974, P.133)
Mesmo admitindo que a expansão da unidade econômica camponesa esteja limitada
pela força de trabalho, esse autor alega que “com uma alta produtividade de sua força de
trabalho a família camponesa tenderá naturalmente não apenas cobrir suas necessidades
pessoais, mas também ampliar a renovação de capital” (p.133, tradução nossa).
Compreende assim, que existem diversas formas organizativas entre a unidade de
exploração, sendo influenciada pelos mais variados aspectos geográficos e econômicos, tais
como localização, forma de relevo, tipo de solo, disponibilidade de terra e de capital,
composição da familiar, áreas econômicas, entre outros. Estes fatores vão determinar o
caráter da estrutura da unidade de exploração e o grau de vinculação desta com o mercado,
isto é, o desenvolvimento da produção de mercadoria na unidade econômica de produção.
Ele observa dois tipos que a exploração chamada por ele de monetária (produtor de
mercadoria) e não-monetária. O produtor de mercadorias se distinguia dos produtores não
monetários por diferenças reais no caráter de seus cálculos a partir de seus planos
organizativos, pois as explorações não-monetárias eram direcionadas a uma série de
2
necessidades de consumo, ou seja, tinha-se um matiz “qualitativo” onde era necessário
obter tais e quais produtos para o consumo familiar.
Mas, Chayanov reconhece a existência das unidades de exploração que não
produzem todos os seus produtos de consumo e também as que produzem uma quantidade
maior de um determinado produto com o objetivo de trocá-lo no mercado, por outros
produtos da necessidade familiar. Porém, se teóricos marxistas alegavam que a subsistência
camponesa estaria comprometida e sujeita ao desaparecimento a partir do envolvimento do
camponês com o mercado, para Chayanov, isso não ocorre. Partindo da maneira como os
camponeses organizavam a sua unidade produtiva com precauções relacionadas ao
consumo de energia, o mercado é um meio pelo qual o camponês pode se utilizar para obter
maiores rendimentos com menores esforços.
Gracias a su contacto con el mercado, la exploración pude puede
eliminar ahora de su plan organizativo todos los sectores que
proporcionan pocos ingresos e en los cuales el producto se obtiene
con un esfuerzo mayor que el requerido para obtener su equivalente
en el mercado mediante otras formas de actividad económica que
producen ingresos mayores. En el plan organizativo sólo subsiste lo
que proporciona una alta remuneración para la fuerza de trabajo o
constituya un elemento de producción por razones técnicas.
(CHAYANOV, 1974, p.142) ( grifo do autor)
Uma produção analisada por Chayanov na unidade camponesa foi a criação animal,
principalmente a bovina, pois o gado, além de poder ser facilmente destinado ao mercado,
também fornece carne, tração, esterco e principalmente o leite, muitas vezes em derivados
úteis na dieta alimentar do consumo familiar.
Essa atividade também era viável devido ao fato de não despender de muita mão-deobra ou de altos recursos econômicos com a alimentação destes animais, pois é muito
comum nas unidades de exploração camponesa encontrar resíduos dos cultivos agrícolas,
por exemplo, a palha, sobras da cozinha e áreas de terra que serve apenas para pastagem.
Chayanov (1974, p. 202) esclarece.
“Isto basta para manter, a parte dos animais de tiro, pelo menos
uma vaca que produza o abono essencial, deste modo essa produção
incidental é vantajosamente convertida em leite, ainda mesmo que
2
seja só para o consumo familiar” .(tradução nossa)
Alem da criação animal, Chayanov chama atenção também para o uso de
maquinários. Expõe a importância dos equipamentos e suas vantagens para a força de
trabalho familiar. Porém, a aquisição desses equipamentos é regulada pelo cálculo do custo
benéfico em relação à força de trabalho familiar, o tempo de utilização da máquina e o
recurso econômico investido.
Neste sentido, é possível relacionar a abordagem de Chayanov sobre as
necessidades da família camponesa, principalmente o balanço trabalho-consumo, ao tema
proposto, ou seja, verificar como se apresentam subsistência e autoconsumo no
assentamento. Verifica-se assim, que a subsistência camponesa está norteada por um
conjunto de atividades, agrícolas e não-agrícolas, sendo essas, produto de sua organização
econômica e social que tem por objetivo principal a satisfação das necessidades de
consumo.
Mesmo sendo o produto final das atividades de subsistência a satisfação das
necessidades, alguns produtos são adquiridos no mercado e outros produzidos diretamente
pelos camponeses. Entre os que vão ou não, ao mercado, o que está colocado por Chayanov
é o cálculo entre o gasto de energia que se emprega em determinados produtos, o valor
deles no mercado e o seu aproveitamento na unidade de exploração. Alguns produtos que
não apresentam vantagem comercial são cultivados para o auto-abastecimento como é caso
do cultivo de plantas medicinais, dentre outros. Conclui-se que na produção agrícola
camponesa está presente o caráter mercantil e não mercantil (de autoconsumo) que resulta
na subsistência da família.
Quando Chayanov menciona que ao atingir o ponto de equilibro trabalho-consumo,
o camponês cessa o sobre-trabalho. Isso não deve ser interpretado como um sujeito
acomodado e que não procura maiores rendas monetárias. Este alívio do trabalho deve ser
compreendido como um limite natural em que se busca o equilíbrio entre o desgaste físico
e as necessidades de consumo. Mas, há de se observar que as necessidades de consumo
oscilam de uma família para a outra, sendo regulado por fatores biológicos (idade, números
de pessoas) e sociais, fazendo com que o ponto de equilíbrio diferencie uma da outra.
Isso se aproxima da realidade vivida nos assentamentos rurais de sem-terra recém
constituídos, pois os camponeses despendem de uma quantidade elevada de energia
3
(trabalho) até que organizem a sua unidade produtiva. Ao passar dos anos isso tende a se
amenizar.
Nesse sentido, deve ser considerado que a produção de autoconsumo camponesa
não restringe apenas aos produtos da alimentação humana. Os camponeses também
produzem os alimentos para os animais, parte de seus instrumentos de trabalho e utensílios
domésticos, negando a circulação com essa produção como ocorre no assentamento
estudado.
Assim, a obra de Chayanov tem nos revelado os elementos internos da família
camponesa como as relações de gêneros, diferenciação biológica, por idade, sexo, tamanho,
que servem como elementos explicativos na compreensão do trabalho e do consumo
familiar, o que indica também o papel desempenhado pela produção de autoconsumo nessa
relação.
Diferente dessa perspectiva chaynoviana do balanço-consumo, porém concebendo a
produção de autoconsumo como característica e estratégia camponesa de existência, há a
compreensão de Wolf (1970), com sua obra “Sociedades Camponesas”, analisada no
próximo item.
3.2 - Subsistência e autoconsumo na interpretação de Wolf.
Em “Sociedades Camponesas”, Wolf (1970) aponta para elementos que identificam
subsistência e o autoconsumo na produção familiar. Esse autor interpreta que há uma
distinção da produção entre povos primitivos e camponeses afirmando que para os
primeiros, a subsistência se pautava principalmente pela produção de autoconsumo. Já para
os camponeses, além do autoconsumo, definido pelo autor como mínimo calórico, eles
produzem excedentes sociais, para garantir sua subsistência.
Para Wolf, os camponeses são entendidos como cultivadores rurais cujos excedentes
são transferidos para um grupo dominante, constituído pelos que governam, o qual se
encarrega de realizar a distribuição desse excedente dos camponeses entre os que não
cultivam a terra. No seu entendimento estaria implícito o desenvolvimento de uma ordem
social complexa, baseada na divisão entre os que governam e os que cultivam e produzem
alimentos.
Esse é um ponto que Wolf se diferencia de Chayanov. Para Chayanov, a concepção
3
teórica sobre a unidade econômica camponesa está assentada no balanço consumo/trabalho.
Para Wolf, os camponeses estabelecem relações interna e externas ao seu grupo,
características essa que não está colocada como central na obra de Chayanov.
Admitindo o processo evolutivo da sociedade, esse autor relata que os camponeses
devem ser visto como cultivadores e criadores, diferente de explorações comerciais
semelhantes a fazendas do tipo de agronegócio dos dias atuais. Entende que a família não é
uma empresa.
Mas ao mesmo tempo não podemos chamá-los de fazendeiros ou
empresários agrícolas, pelo menos no sentido em que são
conhecidos nos Estados Unidos. Fazenda norte-americana é
fundamentalmente uma empresa de negócios, que combina fatores
de produção comprados no mercado para obter lucro. O camponês,
entretanto não realiza um empreendimento no sentido econômico,
ele sustenta uma família e não uma empresa. (WOLF, 1970, p. 14;
grifo do autor)
A compreensão de “sociedade camponesa” não implica necessariamente numa
ordem econômica como um empreendimento, como é possível observar na citação feita
anteriormente. Mas, existe na “sociedade camponesa” uma ordem econômica voltada para a
subsistência da família pautada no consumo, diferente do que ocorre com um negócio.
Embora Wolf não compreenda os camponeses pela dimensão econômica, existe entre ele e
Chayanov um importante ponto em comum. Para ambos, a dimensão do consumo perpassa
o entendimento de campesinato. Isso fica evidente quando esse autor explana o seguinte
sobre o camponês:
Sua propriedade tanto é uma unidade econômica como um lar. A
unidade camponesa não é, portanto, somente uma organização
produtiva formada por um determinado número de “mãos” prontas
para o trabalho nos campos; ela é também uma unidade de
consumo, ou seja, ela tem tanto “bocas” para alimentar quanto
“mãos” para trabalhar. (WOLF, 1970, p. 28 - grifo do autor)
Wolf (1970), ao referir-se a alimentação, adverte que o camponês precisa produzir o
mínimo calórico, que “esse pode ser definido com bastante rigor, em termos fisiológicos,
3
como o consumo diário de calorias alimentares2 exigidas para compensar o desgaste de
energia que o homem despende em seu rendimento diário de trabalho” (p. 17). A produção
desse mínimo calórico definido por Wolf, corresponde, portanto, no que podemos
denominar de produção direta para o autoconsumo.
Entretanto, o autor entende que os camponeses não produzem apenas para o mínimo
calórico, ou seja, deverão também providenciar alimentos acima desse mínimo. Para isso,
necessita aprovisionar uma quantidade suficiente de sementes que possibilitarão uma nova
safra e uma quantia para a alimentação dos animais. Além dessa quantia a mais, os
camponeses também realizam outros afazeres, isto é, destinam uma quantidade de tempo e
esforço no reparo dos instrumentos de trabalho: para afiar as ferramentas, cercar o curral,
construir um espantalho. Este tempo e energia também são destinados ao conserto dos
utensílios domésticos: de uma cadeira, do telhado, das roupas que se rasgam, entre outras
obrigações.
No entanto, esse montante de alimentos adquiridos acima do mínimo calórico, num
primeiro plano não pode ser considerado como excedente, uma vez que se destina à
manutenção dos instrumentos de produção, pois os gastos necessários para a manutenção
desse equipamento mínimo, tanto para a produção como para o consumo, isso é
considerado como um fundo de manutenção.
A esse respeito, Wolf coloca que existem casos que o cultivador pode paralisar seus
esforços de produção desde que esteja assegurado o seu mínimo calórico e o seu fundo de
manutenção. Numa situação específica como essa não existem razões técnicas e sociais que
justificam um esforço adicional a essa quota diária. Produzir além do mínimo de calorias
necessárias e do nível exigido pelo fundo de manutenção ocorre somente quando existem
regras ou incentivos sociais nesse sentido, dando origem a produção de excedente.
Wolf destaca que a produção camponesa é expandida acima do fundo de
manutenção com a necessidade de se obter outros fundos, tais como, o fundo cerimonial e o
fundo de aluguel que compõe o que ele denomina de “excedentes sociais”. Partindo do
princípio, mesmo em lugares onde o homem é auto-suficiente para conseguir seus bens e
2
Esse montante pode ser avaliado, aproximadamente, entre 2.000 a 3.000 calorias por pessoa em cada dia
de trabalho. É correto afirmar que esse mínimo ainda não alcançado na maior parte do mundo. Cerca da
metade da população mundial tem, em média, uma ração per capita diária de menos de 2.250 calorias.
(WOLF, 1970, p.17)
3
alimentos, ele deve manter relações sociais. Considerando os camponeses como seres
sociais que estabelecem relações comunitárias, seja com parentes, vizinhos e outros grupos
sociais que se enquadram nas realizações culturais, econômicos e biológicos, eles carecem
de excedentes sociais.
As relações sociais da vida camponesa estão permeadas por um conjunto de rituais e
tradições culturais, que vão desde as celebrações como as festas religiosas, batizados,
casamentos ou outros cerimoniais desejáveis ou indesejáveis. Tais relações sociais como
estas são pagas por meio de trabalho, bens ou dinheiro. Portanto, se estes têm pretensão de
participar das relações sociais deverão trabalhar para a criação de um fundo Cerimonial
visando às despesas por tais atividades. No entanto, tais eventos dependem de produção
excedente acima do fundo de manutenção.
O autor entende que o campesinato sempre existe dentro de um sistema maior.
Sendo assim, em algumas sociedades, a quantidade de esforço para o camponês adquirir o
necessário, é pequeno, principalmente naquelas que estão presentes as relações simétricas,
quando as relações de troca são mais diretas (produtor-consumidor). Entretanto, nas
sociedades mais complexas, existem relações assimétricas baseadas de certa forma no
exercício do poder, acarretando para o camponês um ônus em sua produção. Este terá que
produzir um fundo de aluguel.
Esse fundo de aluguel é também um excedente acima do mínimo calórico e do nível
de manutenção. Wolf interpreta que esse fundo pode ser transferido através de bens, de
trabalho ou de dinheiro. Estes seriam os tributos e encargos que cabem aos camponeses na
condição de produtor.
Wolf considera que há distinções no exercício do poder e surtem efeito na forma da
organização do campesinato, justificando que “há vários tipos de campesinatos e não
somente uma forma de vida camponesa” (24). No entanto, na sociedade complexa na qual o
camponês está inserido, são obrigados a manter o equilíbrio entre as suas próprias
necessidades e as exigências de fora.
O eterno problema da vida camponesa consiste, portanto, em
contrabalançar as exigências do mundo exterior, em relação às
necessidades que ele encontra no atendimento as necessidades de
seus familiares. Ainda em relação a esse problema básico, o
camponês pode seguir duas estratégicas diametralmente opostas. A
3
primeira delas é incrementar a produção; a segunda reduzir o
consumo. (WOLF, 1970, 31)
O camponês, optando pela primeira estratégica (incremento da produção), deverá
elevar o rendimento do trabalho às suas próprias custas para entrar no mercado. Para isso,
terá que mobilizar os fatores de produção necessários (terra, trabalho e capital) e dependerá
das condições de mercado.
Apesar dessas implicações na análise de Wolf, há situações em que os camponeses
seguem essa estratégica do incremento na produção. Porém há, assim, duas hipóteses
distintas: a mais favorável seria a hipóteses da possibilidade no relaxamento das hipotecas
sobre os fundos de aluguel, que a estrutura do poder absorve3. A segunda proposição
implica na seguridade dos laços sociais que o unem aos seus companheiros, o que
implicaria na recusa de empregar seus excedentes em fundo cerimoniais, utilizando-se deste
meio para a sua ascensão econômica.
A outra estratégica que se apresenta como alternativa para o camponês em
solucionar o problema básico entre as exigências do mundo exterior e as necessidades de
sua família está na redução do consumo de produtos que são adquiridos no mercado. Por
isso, recorre à sua capacidade de produzir para o autoconsumo conforme indica Wolf.
O camponês pode reduzir seu consumo de calorias restringindo sua
alimentação apenas aos alimentos mais básicos; pode limitar suas
compras no mercado ao essencial e, em vez disso, pode confiar
tanto quanto possível na capacidade de seu grupo doméstico de
produzir tanto os alimentos como objetos necessários, sem sair dos
limites de sua terra. (WOLF, 1970, p.33)
A predominância de incremento da produção ou a de produzir para o autoconsumo
depende muito do contexto social em que o camponês vive, da sua geografia, ou seja, de
onde deve extrair os meios para sobrevivência. Apesar das duas estratégias apontarem para
direções diferentes, segundo Wolf, elas não se excluem mutuamente, pois o camponês
3
O fundo de aluguel mencionado por Wolf é a renda da terra camponesa que é subjugada por setores do
capitalista. Uma das possibilidades, nesse caso, seria quando os camponeses realizam boas colheitas e
vende-as por um preço equivalente. Outra situação possível é quando o seu produto tem um caráter
exclusivo, ou seja, o monopólio pelo determinado produto, ou quando ele flexibiliza a sua produção frente
ao mercado.
3
poderá incrementar sua produção e ao mesmo tempo produzir os alimentos que são
adquiridos no mercado, sem interromper o estabelecimento de suas relações sociais.
(WOLF, 1970, p. 33-34)
Além das relações sociais, o homem necessita das fontes de energia para a sua
sobrevivência, que são derivadas dos alimentos de base vegetal e animal. Além destas
fontes mais diretamente vinculadas à alimentação humana, existem outras, necessárias para
produção de energia aos processos produtivos. Estas fontes energéticas são denominadas
por Wolf de ecótipo.
Na consideração de Wolf, há dois tipos de ecótipos. Um é caracterizado pela
utilização dos meios naturais e o emprego do trabalho humano e animal (ecótipo
paleotécnico) e o outro é caracterizado pela crescente confiança na energia proporcionada
pelos combustíveis e os aperfeiçoamentos garantidos pela ciência (ecótipo neotécnico). No
primeiro sistema, o camponês aproveita ao máximo os meios naturais, ou seja, situação na
qual uma família camponesa produz a maior parte dos serviços agrícolas e especializados
por ela, com ligações (relações) mínimas com o exterior. No segundo modelo, o camponês
está mais dependente quanto ao mercado, seja na aquisição ou na circulação de produtos.
Dessa forma, o grau de complexidade de integração ao mercado defronta-se,
principalmente, com o sistema pelo qual o próprio camponês está operando.
Há compreensões elaboradas dentro do modo de vida camponês,
para limitar a capacidade de participar de maneira flexível de um
mercado que determina preços como este. Se ele opera dentro de
um sistema paleotécnico no qual se alimenta de parte do que
produz, continuará produzindo para subsistência apesar de outros
tipos de determinantes que apareçam no mercado. (WOLF, 1970,
p.67)
Operando no sistema paleotécnico, o camponês pode flexibilizar a sua subordinação
frente ao mercado alimentando-se do que produz. No sistema neotécnico, faz com que o
camponês produza comercialmente, tornando-o mais vulnerável a flutuação dos preços.
Wolf ilustra essa situação supondo que o camponês venha a produzir café comercialmente e
o preço do tabaco esteja melhor no mercado. Ele não poderá mudar prontamente de café
para tabaco, porque fazendo isso, perde consideravelmente, ao derrubar os pés de café que
representam um investimento de longo prazo.
3
Assim, o autor entende que campesinato se expõe continuamente a toda uma gama
de pressões que desafiam a sua existência, sejam essas derivadas do ecótipo específico, por
exemplo, as pressões que são produzidas pelos fenômenos naturais (secas, enchentes,
pragas), sejam às pressões que emanam do sistema social como a sobrevivência da família
e a demanda por terra, Há também as pressões vindas do sistema econômico global (de todo
sistema opressor).
Ao mesmo tempo em que os camponeses sofrem pressões seletivas, eles tendem a
desenvolver estratégicas defensivas. Para os mais diversos problemas que os aflige, os
camponeses buscam uma solução específica. Em circunstancia de catástrofes que
compromete as colheitas, são empenhadas as ações de ajuda mútua entre os vizinhos. Tais
alianças que ocorrem em situações circunstanciais são tratadas por Wolf (1970, p.112) de
Coalizões4 “entendo por isso, ‘uma combinação ou ligação entre pessoas, facções e Estado,
em geral temporária’”.
As coalizões são formadas pelos camponeses com seus companheiros. Elas não
correm somente para neutralizar as pressões seletivas que recaem sobre os camponeses,
mas também com a finalidade de neutralizar as pressões do tipo individual, que partem dos
indivíduos ou grupos de posição elevada, seja militar, político ou econômico. Existem os
mais variados graus e formas de coalizões, criadas por interesses pessoais e coletivos. São
exemplos de coalizão aquelas existentes entre vizinhos; camponês com um comerciante;
criação de um grupo de produtores, cooperativa ou mesmo um movimento de luta pela
terra.
Essas alianças são estratégicas, e na maioria das vezes ocorrem de forma
temporárias e podem acontecer pelos mais variados interesses. Este é ocaso da situação
quando os trabalhadores rurais engajam nos movimentos sociais de luta pela terra, sendo o
objetivo dessa coalizão a conquista da terra. Após a consumação desse ato, o camponês
torna-se menos coeso com o movimento, porém surgem novas coalizões, neste caso, nos
4
As coalizões são dispostas em graus diferentes: multilinear entre pessoas que compartilham muitos
interesses; unilinear entre pessoas ligadas por um único interesse; se diferencia também em número sendo
diádica quando envolve duas pessoas ou dois grupos e polidiádica quando há muitas pessoas ou muitos
grupos envolvidos. Elas também possuem grau de formação diferenciado que tanto pode ser por pessoas de
mesma oportunidade de vida quanto por pessoas que ocupam diferentes posições na ordem social, por
exemplo, as que envolvem os camponeses, são chamadas de coalizões horizontais e as que envolvimento do
camponês é com outras pessoas fora do grupo é chamada de coalizões verticais.(WOLF, 1974, p.113-114)
3
assentamentos, que tem por finalidade garantir a sua subsistência na terra.
4 - As interpretações sobre os elementos da produção camponesa
Os elementos da produção camponesa são tratados em várias obras clássicas e
contemporâneas, dentre essas se encontram a de Chayanov (1974) e Wolf (1970), as quais
foram examinadas anteriormente. Entretanto, nos estudos do campesinato brasileiro alguns
autores que procuram sintetizar esses elementos partindo da realidade aqui vivida pelos
camponeses.
Dentre estes autores destacam-se Tavares dos Santos (1978) que aborda a
subordinação do trabalho camponês a partir dos vínculos que estabelecem com as indústrias
vinícolas ao tratar dos Colonos do Vinho. Outro autor que aborda sobre o campesinato é
Martins (1990) que trata da subordinação da renda da terra camponesa ao capital. Enquanto
Tavares dos Santos (1978) atenta-se para a subordinação do trabalho, Martins (1990)
atenta-se para a subordinação da renda da terra ao capital. Diante deste processo de
subordinação, seja pelo trabalho ou da renda da terra, os camponeses criam resistências
diversas dentre as quais se destacam a produção de subsistência e autoconsumo, neste caso
estudado, o assentamento Pedro Ramalho no município de Mundo Novo no Estado de Mato
Grosso do Sul.
Apesar das sinalizadas acima algumas características de campesinato, outros
elementos são necessários para compreender a produção camponesa. Tavares dos Santos
(1978) em sua obra Colonos do Vinho aponta para outros elementos estruturais da produção
camponesa:
a) a força de trabalho familiar - é a força motriz para o desenvolvimento na unidade
camponesa; sendo essa constituída de forma coletiva que na maioria dos casos é composta
por todos os membros do grupo familiar;
b) a ajuda mútua - acontece nos momentos de necessidades e se realiza em forma de
mutirão ou pela permuta de dias de trabalho entre eles. Essa é uma forma pelo quais os
camponeses não dispõem de rendimentos monetários;
c) o trabalho acessório - é a transformação, periodicamente, do camponês em trabalhador,
a qual também torna-se uma fonte de renda monetária extra;
d) a força de trabalho assalariada - é a contratação temporária de força de trabalho pelo
3
camponês em momento críticos do ciclo agrícola;
e) a socialização do camponês - sobre esse item o autor enfatiza a transferência de
conhecimento e saberes das pessoas mais velhas para as mais novas, isto é, a preparação
das crianças para as determinadas funções existentes no interior da unidade de produção;
f) a propriedade da terra - a terra é o elemento fundamental para o camponês realizar sua
produção, sendo que a propriedade lhe proporciona maior autonomia;
g) a propriedade dos meios de produção - parte destes meios é produzido pelos próprios
camponeses, no entanto, é na aquisição que é percebível a sua subordinação do camponês
ao capital;
h) a jornada de trabalho - é um dos fatores que caracteriza o camponês como trabalhador
livre, pois sua jornada varia conforme a época do ano. Além disso, a jornada de trabalho
geralmente é determinada pela própria organização dos camponeses.
Embora Tavares dos Santos (1978) tenha sinalizado para esse conjunto de elementos
fundamentais e estruturais do campesinato, isso não indica que todos esses elementos
estejam presentes em uma mesma unidade de produção camponesa. De modo geral, a força
de trabalho familiar e a posse/propriedade da terra são centrais na comunicação com os
outros elementos, os quais condicionam a forma de produzir e circular da produção
camponesa.
Dentre esses elementos fundamentais ou estruturais, a força de trabalho familiar se
constitui como “fator” principal no entendimento da produção camponesa, sendo ele um
dos itens que distingue a produção agrícola camponesa da produção agrícola capitalista.
Assim, toda agricultura camponesa é familiar, mas nem toda agricultura que se utiliza a
força de trabalho familiar é camponesa.
Na agricultura camponesa, a própria família realiza e decide sobre a produção, isto
é, ela mesma toma as decisões sobre o que será cultivado. Também tem a “liberdade” de
escolha no destino dessa produção. Porém, devem ser consideradas as pressões internas e
externas ao grupo familiar.
A força de trabalho familiar camponesa se comunicada diretamente com a unidade
de produção camponesa. Nessa comunicação ela pode estar em equilíbrio ou em
desequilíbrio com a quantidade de terra e os recursos econômicos, mediante tais situações
que constantemente os camponeses lançam mão de outros elementos estratégicos, por
3
exemplo, como a troca de dias, os mutirões, a contração temporária e o trabalho acessório 5
tendo estes por finalidade buscar o equilíbrio entre as necessidades e o excedente da força
de trabalho familiar.
Segundo Abramovay (1992), nesta lógica interna das unidades familiares Jerzy
Tepicht, baseando-se nas reflexões de Chayanov, procurou explicar a permanência do
campesinato através da teoria das forças marginais ou não transferíveis que o camponês
possui no interior da unidade de produção. Entende que existem as forças marginais é o
trabalho de crianças, idosos e mulheres que não são contados como trabalhadores plenos na
unidade de produção, e por isso são “marginais”. São intransferíveis, pois só podem ser
utilizadas na agricultura enquanto setor econômico.
A produção camponesa necessita fundamentalmente da terra e instrumentos, porém
nem sempre os camponeses são proprietários da terra e destes instrumentos de trabalho. No
caso da terra, mesmo não sendo proprietários, tais como, parceiros, posseiros e os
arrendatários, também podem se configurar como formas de produção camponesa.
A existência da parceira pode decorrente do motivo de ausência de condições
financeiras, seja esse para ampliar sua área de trabalho ou pela ausência de força de
trabalho. Dessa maneira, o camponês escolhe um parceiro (proprietário ou não de terra)
para dividir os custos e os ganhos da produção. Essa relação de parceria pode acontecer
também entre proprietários de grande área de terras com trabalhadores camponeses
despossuídos da terra. Entretanto, a parceria é uma situação instável ao término do contrato,
esses trabalhadores têm que buscar outra forma de garantir a sua subsistência.
Outra condição instável é a do camponês arrendatário, porém durante a vigência de
seu contrato ele usará a terra como se fosse sua, mediante o pagamento do aluguel, isto é,
da renda da terra que pode ser paga na forma de renda em trabalho, em produto ou e
dinheiro. Esses três tipos de pagamento de renda tem sido a forma de acesso a terra pelos
5
Esse trabalho assessório pode ser compreendido pelas atividades agrícolas e não-agrícolas realizadas pelos
camponeses, por exemplo, o assalariamento temporário que pode ocorrer de diversa maneira em diferentes
escala, numa escala local onde alguns integrantes da família trabalham para os vizinhos na agricultura ou
em ofícios tanto do campo como da cidade, porém é muito comum esse trabalhador migrarem
temporariamente para lugares distantes a exemplo os cortadores de cana que desloca do Nordeste para o
Centro-Sul do país. Podem ser encontrados casos que essa migração tem um tempo de duração extensa, o
qual esse prolongamento pode durar anos, essa saída temporária pode até mesmo ser para outro país
chegando a ser tratado como “um campesinato internacional em sua natureza” (SHANIN, 2008, p.25).
Cabe aqui destacar que não é raro encontrar membros da família que possui emprego permanente, alguns
residem com essa outros não, mas estão ligadas diretamente por laços econômicos.
4
camponeses na condição de inquilino.
Negando qualquer forma de pagamento para acessar a terra encontram-se os
camponeses posseiros que, historicamente, no Brasil tem avançado sobre as terras
desocupadas, sendo essa uma medida de garantir a sua sobrevivência através de sua
produção. Entretanto, o camponês posseiro se diferencia em um aspecto de outros
camponeses, pois ele não precisa pagar a renda da terra. Mas, também como os demais, este
camponês não está livre de ser pressionado pelo capital, fazendeiros ou pelo Estado.
A condição de proprietário ou de posse definitiva da terra para o camponês
representa a sua liberdade e maior autonomia sobre o produto de seu trabalho. Assim, a
propriedade da terra é um meio necessário para a existência da produção camponesa, como
também é a garantia de trabalho e subsistência da família camponesa. Marx (1984) citado
por Oliveira (1991) afirma:
A propriedade livre do camponês que cultiva a própria terra é sem
duvida, a forma mais normal de propriedade da terra para a
exploração em pequena escala; isto é, para um modo de produção
em que a posse do solo é uma condição para a propriedade, por
parte do trabalhador, sobre o produto do seu próprio trabalho, e é
através do qual, seja já proprietário livre ou vassalo, o agricultor
sempre deve produzir seus próprios meios de subsistência,
independentemente, como trabalhador isolado com a sua família. A
propriedade da terra é tão necessária para o completo
desenvolvimento desse modo de exploração como o é a propriedade
do instrumento para o livre desenvolvimento da atividade artesanal.
Essa propriedade mesma, constitui aqui a base para o
desenvolvimento da independência social. (Marx apud Oliveira,
1991, p.50) (grifo nosso).
Para o produtor familiar camponês, a propriedade dos meios e instrumentos de
trabalho, é fundamental no desenvolvimento de sua forma de trabalho. Existem distintos
regimes de propriedades. A propriedade capitalista, por exemplo, baseia-se no principio de
exploração do trabalhador pelos capitalistas, sendo nesse caso, a propriedade capitalista
uma das variantes da propriedade privada, que dela se distingue porque é propriedade que
tem função assegurar ao capital o direito de explorar o trabalho.
Há assim, uma distinção entre propriedade capitalista e propriedade familiar da
terra. Ainda que seja propriedade privada, são apropriações completamente diferentes que
4
não devemos confundir, conforme afirma Martins (1980).
A propriedade familiar não é propriedade de quem explora o
trabalho de outrem; é propriedade direta de instrumentos de
trabalho por parte de quem trabalha. Não é propriedade capitalista;
é propriedade do trabalhador. Seus resultados sociais são
completamente distintos, porque nesse caso a produção e
reprodução das condições de vida dos trabalhadores não é regulada
pela necessidade do lucro do capital, porque não se trata de capital
no sentido capitalista da palavra... Os seus ganhos são ganhos do
seu trabalho e do trabalho de sua família e não ganhos de capital,
exatamente porque esses ganhos não provêm da exploração de um
capitalista sobre o trabalhador expropriado dos instrumentos de
trabalho... Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma
em terra de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio;
quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em terra
de trabalho. São regimes distintos de propriedade, em aberto
conflito um com outro. (MARTINS, 1980, p.59-60)
Da mesma forma que a propriedade da terra, os instrumentos de trabalho representa
para a família camponesa maior controle sobre o seu trabalho. Entretanto, é muito comum a
família camponesa não possuir todos os instrumentos de trabalho. Porém, esse é um ponto
que não deve ser visto separadamente de outros elementos da produção camponesa, pois o
acesso a determinados instrumentos por parte dos camponeses depende muito na escolha
das atividades que este tende a praticar.
Em determinados cultivos, as sementes e defensivos produzidos em laboratórios
devem ser todos adquiridos através da compra. Há também a dependência de maquinários
específicos no plantio e na colheita. Outra dependência é a impossibilidade de
processamento ou aproveitamento desse produto na unidade de exploração que o produziu.
Existem unidades que diversificam as suas atividades, tanto na quantidade como nas
diferentes formas de manejo destes cultivos. Este é o caso dos cultivos que podem ser
semeados com tração mecânica e/ou tração animal, utilizados fertilizantes químicos e
orgânicos, sementes que podem ser obtidas através da compra ou armazenadas para o
próximo plantio, enfim há cultivos que possibilita um maior aproveitamento na unidade
camponesa que as produziu, principalmente na alimentação humana e animal.
Diante dessa diversidade e flexibilidade nas atividades agrícolas, acreditamos que a
dependência e/ou submissão do pequeno produtor camponês com os instrumentos de
4
trabalho e a circulação de seus produtos está condicionada pela atividade que esteja sendo
praticada, pois há cultivos que o agricultor depende menos e outros que o agricultor
depende mais dos instrumentos externo a sua unidade exploração. Nos que depende menos
parte dos instrumentos podem ser fabricados na própria unidade de exploração.
Para ambos os casos, tanto para quem depende menos como quem depende mais de
instrumentos externos para produzir, pouco ou muito de sua produção se sujeita a passar
pela esfera da circulação. Porém, determinadas atividades agrícolas trazem conseqüências
sociais diferenciadas para o produtor, situação essa que fica evidente na exposição de
Tavares do Santos (1978) em sua obra Colonos do vinho. O autor expõe duas atividades
agrícolas definidas por de produção dos meios de vida a qual se produzia tudo o que era
consumido e a produção de mercadorias que tinha com principal destino a
comercialização.
Devido a combinação dessas atividades nos assentamentos rurais, faz-se necessário
para essa pesquisa uma explanação mais detalhada sobre essa discussão de levanta por
Tavares dos Santos, pois essa contribui no entendimento do processo de produção e
circulação nas unidades de exploração camponesa.
Na comunidade de São Pedro no Rio Grande do Sul formada por colonos
camponeses investigados por Tavares dos Santos, ocorria a combinação de duas atividades
econômicas: uma é a produção dos meios de vida a que podemos chamar de subsistência
voltada para o autoconsumo a qual se produzia os alimentos da dieta familiar sendo
comercializado o que excedia dessa produção.
A dieta alimentar desses camponeses constitui-se, basicamente, da
polenta, das massas e do pão. Incluem-se, ainda o feijão, arroz,
mandioca, legumes, hortaliças, amendoim, complementados pelos
produtos de origem animal, como o leite, queijo, manteiga, carne de
galinha e porco, lingüiça etc. Em todas as refeições está presente o
vinho feito em casa, componente indispensável da dieta do grupo.
Todos esses alimentos são produzidos na própria unidade produtiva
camponesa... Parte dessa produção é comercializada... Por outro
lado, os meios de vida dos camponeses são complementados pela
compra de mercadorias... (Tavares dos Santos, 1978, p.70) (grifo
nosso)
Além dessa produção dos meios de vida, a produção de mercadorias foi outra
4
atividade econômica desenvolvida, o que consistia no cultivo de uva. No entanto, na
medida em que os camponeses foram intensificando o trabalho no cultivo de uva,
progressivamente, a produção deles foi sendo subjugada pelos comerciantes e industriais de
vinho, apoiados por medidas governamentais.
Da pequena indústria caseira de vinho, estes produtores passaram a fornecer para
setor industrial vinícola. Na medida em que o capital se intensificou sobre esse setor,
passou a existir toda uma formalidade na comercialização da uva, surgindo assim todo um
processo de subordinação da produção dos camponeses ao capital.
Esse circuito da subordinação camponesa abrangia todo o processo produtivo até o
seu final, na circulação da produção. Esta subordinação ocorria de várias formas: nos
contratos firmados entre os produtores e compradores que davam exclusividade no
fornecimento da matéria- prima (a produção de uva) para determinados compradores, na
intervenção do Estado que passou a tabelar o preço da uva, na forma de pagamento que
ocorria meses depois da entrega da produção, na burla da indústria referente à graduação da
qualidade do produto, no custo com os insumos, nas dívidas contraídas com os
empréstimos para a garantia da produção, ou mesmo, nas crises provindas de fatores
ecológicos e econômicos.
Diante dessa complexidade com a produção de uva, no caso da comunidade São
Pedro, Tavares dos Santos (1978, p.133) conceituou “o processo de trabalho camponês
como um caso de subordinação formal ao capital”, tendo em vista que esses eram
proprietários dos meios de produção, isto é, todos eram proprietários da terra, dos
instrumentos de trabalho e produziam grande parcela dos meios de vida. Porém, a indústria
vinícola estava apropriando-se do sobretrabalho desses camponeses, cristalizado no produto
uva.
Acima mencionamos que a submissão do camponês referente aos instrumentos de
trabalho e a circulação de sua produção estão condicionadas à atividade desenvolvida pela
família camponesa. No caso detalhado por Tavares dos Santos (1978), a produção de uva
era o fator condicionante dessa sujeição. Entretanto, levando em conta que esses
camponeses tinham uma forte produção dos meios de vida¸ isto é, a produção de
autoconsumo, sendo que era a produção de uva que subjugava esses camponeses ao capital
industrial, então o porquê que eles não paravam com essa atividade? Vejamos a seguir.
4
Tavares dos Santos (1978) compreende que a subordinação do camponês ao capital
está na sujeição do seu trabalho. Para essa conclusão de subordinação, se utiliza o
referencial teórico de Marx. Utilizando o mesmo referencial de Marx temos Martins (1981)
que também trata da subordinação camponesa ao capital, no entanto, na sua compreensão
esta pela renda da terra. Conclui que:
Na medida em que o produtor preserva a propriedade da terra
e nela trabalha sem o recurso do trabalho assalariado, utilizando
unicamente o seu trabalho e o de sua família, ao mesmo tempo em
que cresce a sua dependência em relação ao capital, o que temos
não é sujeição formal do trabalho ao capital. O que essa relação nos
indica é outra coisa, bem distinta: estamos diante da sujeição da
renda da terra ao capital. Esse é o processo que se observa hoje
claramente em nosso país, tanto em relação à grande propriedade,
quanto em relação à propriedade familiar, de tipo camponês.
(MARTINS, 1981, p. 175) (grifo do autor)
Assim, Martins (1981) interpreta que há uma subordinação da renda da terra e não
do trabalho ao capital. No caso do camponês não há separação do trabalhador dos seus
meios de produção, nem há sujeição formal e nem sujeição real do trabalho ao capital, pois
uma análise centrada unicamente na sujeição do trabalho ao capital está fortemente
comprometida com a concepção de que o capitalismo no campo é estritamente dominação
do trabalho pelo capital.
Martins (1981) compreende também que a expansão das relações capitalista de
produção não se dá necessariamente em todos os setores da agricultura, sendo que o capital
apropria da terra onde a renda é mais elevada. Em outros setores, como na produção de
alimentos, por exemplo, em que a renda da terra é baixa, o capital não torna
necessariamente proprietário da terra. Porém, cria mecanismo para extrair o excedente
econômico, isto é, a renda da terra.
Um dos mecanismos é estabelecer a dependência do produtor em relação ao sistema
de crédito bancário, sendo essa uma forma encontrada pelo capital para se apropriar da
renda diferencial no momento da circulação. Martins (1981) afirma:.
É um fato claro que toda a renda diferencial tem sido
sistematicamente apropriada pelo capital no momento da circulação
da mercadoria de origem agrícola. O que hoje acontece com a
4
pequena lavoura de base familiar é que o produtor esta sempre
endividado com o banco, a sua propriedade sempre comprometida
como garantia de empréstimos para investimento e sobretudo para
custeio de lavouras. Sem qualquer alteração aparente na sua
condição, mantendo-se proprietário, mantendo o seu trabalho
organizado com base na família, o lavrador entrega ao banco
anualmente os juros dos empréstimos que faz, tendo como garantia
não só os instrumentos, adquiridos com os empréstimos, mas a
terra. Por esse meio, o banco extrai do lavrador a renda da terra,
sem ser o proprietário dela. O lavrador passa imperceptivelmente da
condição de proprietário real a proprietário nominal, pagando ao
banco a renda da terra que nominalmente é sua. (MARTINS, 1981,
p.176)
Nessa citação, fica evidente no entendimento de Martins, a sujeição do produtor
familiar pela renda da terra. Ainda, essa mesma citação, contribui em responder outra
questão tratada anteriormente na discussão da produção vinícola, ou seja, por que os
produtores de uva não suspendiam o cultivo, pois eram esses camponeses proprietários da
terra e de parte dos meios de produção.
Mesmo sendo proprietários da terra, os outros meios de produção, tais como, as
instalações dos parreirais e principalmente os insumos industrializados (corretivos,
defensivos e fertilizantes) precisavam ser repostos a cada ano agrícola. Encontra-se aí o
motivo que dificultava aos camponeses suspender o cultivo da uva.
Ora, essa reposição se realiza por intermédio do crédito bancário:
os camponeses anualmente fazem empréstimos, adquirem os
insumos e pagam com o rendimento advindo da venda da uva.
Deste modo, a reposição das matérias-primas intermediárias se faz
externamente à unidade produtiva camponesa, por uma
transferência de dinheiro, virtualmente direta, da indústria vinícola
para o estabelecimento financeiro, de cuja união resultam a
reposição do ciclo produtivo camponês e a garantia do fornecimento
de matéria-prima à industria. (TAVARES dos SANTOS, 1978, 131)
(grifo nosso)
Um dos motivos da não suspensão do cultivo da uva se encontrava nos empréstimos
adiantados para adquirir os insumos, que tinha como finalidade incrementar a sua produção,
deixando sempre esses camponeses endividados antes mesmo da venda de sua produção.
Ao vender a produção de uva, o dinheiro era transferido diretamente ao estabelecimento
financeiro. Outra questão é que essa produção tinha que ser praticamente toda entregue para
4
as empresas a qual eram fechados os contratos. Além disso, não era tão simples substituir
esse tipo de cultivo por outro. Para isso, deve-se levar em conta o investimento empregado
no estabelecimento camponês.
Das 22 unidades produtivas camponesas pesquisadas por Tavares (1978, p.65)
“apenas três apresentaram um saldo positivo”. O restante apresentava um saldo equivalente
ou inferior ao que se tinha no início do ano agrícola. Tal situação levou Tavares do Santos a
concluir que esse “camponês realiza a reprodução simples” e “a força de trabalho familiar é
coberta em sua maior parte pela produção direta dos meios de vida, o que dispensa o gasto
monetário com a subsistência da família camponesa”. (TAVARES dos SANTOS, 1978
p.66).
Independente da compreensão de sujeição, Martins (1981) e Tavares (1978)
interpretam que na circulação de mercadorias o capital industrial e financeiro busca
subjugar a produção camponesa. Porém, na medida em que o produtor entra no sistema
financeiro através do crédito bancário para incrementar a sua produção aumenta o grau de
risco de ser subordinado pelo sistema capitalista.
Quanto a esse risco de sujeição da produção camponesa ao sistema capitalista, uma
das medidas preventivas por parte dos camponeses seria, sempre que possível, evitar a sua
entrada no sistema de crédito financeiro, pois a sua inserção poderá comprometê-lo. O
outro procedimento seria a seleção de determinados cultivos que não o deixasse tão
dependente do ponto de vista técnico ou comercial.
5 – A flexibilidade/alternatividade da produção como estratégia camponesa
Heredia (1979) e Garcia Jr. (1983) ao tratar da possibilidade de seleção dos cultivos
pelo campesinato marginal ao sistema de plantation no nordeste brasileiro, também
indicam estratégias e práticas adotadas por esses camponeses para viabilizar sua seguridade
alimentar e comercial.
Heredia (1979) fez uma análise sobre a representatividade e classificação dos
cultivos que para os pequenos agricultores assumem diversas formas, isto é, “quando estão
no pé, cumprindo seu ciclo de crescimento; outra forma é quando são considerados como
produtos em condições de serem consumidos”. Cada momento do processo produtivo
existe uma modalidade de consumo, ou seja, alguns produtos podem ser consumidos verdes
4
ou maduros, como também nessa mesma condição podem ser levados para feira (local de
comércio)6. Há assim, por parte das famílias camponesas, estrategicamente, um processo de
escolha e classificação dos produtos que tem como objetivo assegurar necessidades da
família durante todo o ano.
Nesse processo de escolha dos produtos, Heredia (1979) menciona sobre
determinadas características que há em certos produtos, a qual foi caracterizado por ela de
flexibilidade:
A flexibilidade de alguns produtos possibilita ao pequeno produtor
optar entre seu consumo direto e sua venda, nos diferentes
momentos do ano agrícola. Dentre todos os produtos, a mandioca é
que dispõe de maior flexibilidade já que pode ser conservada no
roçado durante um período de tempo maior do que os demais
cultivos. (HEREDIA, 1979, p. 52)
Mais adiante a autora torna a afirmar que:
A possibilidade de consumo e/ou venda dos diferentes produtos,
aliada à possibilidade de armazenamento para aproveitamento nos
diferentes momentos do ano agrícola, são elementos de grande
relevância na hora da escolha dos cultivos a serem realizados,
determinado, em conseqüência, a associação e a sucessão que se
estabelecerão entre eles. Por outro lado, o conjunto desses produtos
permitirá ao pequeno produtor atender ao consumo familiar durante
o ano agrícola. (HEREDIA, 1979, p. 53)
Estudando também os pequenos agricultores periféricos à grande plantação
canavieira de Pernambuco temos Garcia Jr. (1983), aponta que os cultivos agrícolas estão
dispostos em duas categorias, “lavouras comerciais” e “lavouras de subsistência”. A
predominância dessa segunda lavoura pode “servir ao consumo doméstico tem levado uma
grande quantidade de autores a classificar esse tipo de pequena produção como 'agricultura
de subsistência” (GARCIA Jr., 1983, p.126, grifos do autor). Nesse sentido, o autor se opõe
a essa classificação7. No entanto, ressalta que a “lavoura de subsistência” é o cultivo cujo
6
7
Heredia aponta que os produtos são classificados pelos camponeses estudados em dois grupos: verduras e
legumes, cita como exemplo, o milho e o feijão que “podem ser consumidos e/ou vendidos como verduras
enquanto estão verdes, ou então podem ser armazenados para serem, posteriormente, utilizados secos,
sendo nesse caso considerados como legumes. (HEREDIA, 1979, p. 52)
“Estas classificações do mundo científico supõem que a categoria 'mercado' define o campo de relações
4
produto tem a propriedade definida pelo autor como “alternatividade” (p.126), ou seja, a
produção que pode ser vendida ou consumida diretamente.
Enquanto Heredia (1979) refere-se à flexibilidade, Garcia JR (1983), refere-se a
alternatividade, estes termos possuem significado semelhantes. Porém, a flexibilidade está
mais próxima da possibilidade de armazenar os alimentos para os mais diferentes
momentos do ano agrícola sem perca maior de sua propriedade, o que ocorre com alguns
tubérculos como a mandioca, batata-doce e inhame que ficam armazenados dentro da terra.
No entanto, determinados cultivos podem ter a alternatividade entre o consumo e a venda,
mas não são flexíveis no armazenamento sem perder a sua propriedade natural, os que
ocorrem com as hortaliças e as frutas.
Neste
caso,
dos
cultivos
que
possuem
essa
propriedade
de
flexibilidade/alternatividade, o produto do cultivo é valor de uso para a unidade camponesa
que o produz. Já para a “lavoura comercial” cujo produto é destinado à venda.
Com o tipo de cultivo que possui a propriedade de alternatividade, o produtor pode
obter certa segurança, tanto no que diz respeito ao seu consumo familiar como também
frente às flutuações do mercado. Garcia Jr. (1983, p.129) afirma o seguinte:
A alternatividade das “lavouras de subsistência”, entre ser vendida
ou consumida, permite atuar diante das flutuações dos preços de
mercado de forma a maximizar as chances de se atender aos
requisitos do consumo familiar. Se os preços dos produtos estão
altos, o pequeno produtor pode vender sua produção, guardando o
dinheiro para as épocas em que baixarem os preços. Consumirá de
sua própria produção apenas o necessário na época em que está
vendendo. Se os preços estão baixos e tiver dinheiro, o pequeno
produtor adquire o produto necessário ao consumo familiar. Com os
preços baixos, caso não tenha dinheiro, lança mão do próprio
produto na obtenção do necessário ao consumo familiar. Assim,
tanto a comercialização da própria produção quanto ao
autoconsumo destes produtos levam em consideração a flutuação
dos preços de mercado, não havendo nenhuma falta de
sensibilidade a estas flutuações, mas uma forma própria de fazer
face a elas.
propriamente econômicas, e a ausência de relações consideradas 'mercantis' é confundida com a ausência
de leis econômicas” (GARCIA Jr., 1983, p.16). Por isso Garcia Jr. “não pressupõe que haja negação da
circulação mercantil nas 'lavouras de subsistência' muito pelo contrário”(p.126) por falta de nomenclatura
melhor usa a oposição “lavouras de subsistência x lavouras comerciais”
4
Nessa forma de cultivo a impossibilidade de realizar o seu valor no mercado, que é
contrabalançada como possibilidade de ser autoconsumido. No caso dos cultivos que não
possui essa propriedade de alternatividade “ha sempre um risco que todo trabalho concreto
cristalizado nas mercadorias se torne inútil, caso as mercadorias não sejam vendidas por um
preço compensador” (GARCIA Jr., 1983, p.128) isto é, a realização do valor das
mercadorias tem que cobrir necessariamente as despesas da produção, ou, ao menos, com o
equivalente da reprodução familiar.
Assim, verifica-se que a produção de autoconsumo e subsistência possuem um
conteúdo de alternatividade e flexibilidade o que confere ao campesinato capacidade de
esquivar-se de esquemas de subordinação do trabalho e da renda da terra. Portanto, a
produção de subsistência e autoconsumo se constituem como estratégias de existência
camponesa, como se verifica no assentamento Pedro Ramalho, objeto principal deste
estudo dissertativo.
5
CAPÍTULO II
A QUESTÃO AGRÁRIA EM MATO GROSSO DO SUL.
O estudo do assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS, onde os
camponeses constroem estratégias de existência e resistência, como é o caso da produção
de autoconsumo e subsistência, destacadas no capítulo I, surgiu do resultado da luta dos
sem-terra. Trata-se de luta de trabalhadores despossuidos da terra que se organizaram para
reconstruir a sua condição de camponês erodida com a expansão das relações capitalistas de
produção, assentada não somente na produção, mas também acumulação rentista e
apropriação concentrada da terra.
A concentração fundiária é uma característica do espaço geográfico brasileiro e
Mato Grosso do Sul se constitui no segundo Estado em que as terras estão mais
concentradas e desigualmente distribuídas no Brasil. A apropriação desigual da terra, e não
necessariamente a exploração do trabalho na terra, se constitui no centro do problema
agrário no Brasil e Mato Grosso do Sul, ou seja, se constitui no centro da Questão Agrária.
1 - Origem da concentração de terras no sul de Mato Grosso do Sul.
A concentração de terra no sul do Mato Grosso do Sul não é recente, tendo sua
origem em passado distante, desde a chegada dos europeus ao continente americano,
principalmente, Portugal e Espanha. Estes países passam a disputar entre si o domínio desta
terra, procurando deslocar a linha divisória de Tordesilhas, a fim de ampliar seu território.
De início, essa disputa foi regulada pelos Tratados, em 1750, o Tratado de Madri,
que levou em consideração o princípio de usucapião, garantindo a posse da terra aquele que
tivesse efetivamente ocupado. Já no Tratado de Santo Idelfonso, em 1777, portugueses e
5
espanhóis chegaram a um acordo sobre a fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai.
Apesar deste acordo, continuou havendo conflito entre as partes pela posse das
terras da fronteira, como descreve Fabrini (2008), que para assegurar o direito de posse das
terras do sul de Mato grosso do Sul ao domínio Portugal, o Morgado Mateus mandou
fundar na cabeceira do Rio Iguatemi, em 1766, a Praça de Nossa Senhora dos Prazeres do
Rio Iguatemi. A Colônia Militar de Iguatemi resistiu até 1777, quando foi atacada e
destruída por forças espanholas vindas de Asunción e comandadas por Agostinho de
Pinedo.
Mesmo com a independência do Brasil e Paraguai de suas metrópoles Portugal e
Espanha, respectivamente, houve a continuidade das disputas pela posse das terras, sendo
também um dos motivos a corrida pela ampliação dos territórios. Em 1815, com a
independência do Paraguai do Vice-Reino do Prata, entrou em vigor naquele País, uma
política de isolamento que permitiu desenvolver das suas forças produtivas e militares.
Graças aos investimentos do Estado paraguaio, houve grande desenvolvimento da
manufatura, principalmente da indústria têxtil, papel, tinta, pólvora. O desenvolvimento dos
transportes, com a construção de uma ferrovia e o monopólio da navegação interior
permitiram ao Estado controlar todo o comércio de exportação e importação. (Alves, 1984,
p.07)
Entretanto, com chegada de Carlos Antônio Lopes no Governo Paraguaio, tal
política de isolamento foi abandonada quando se procurou criar condições para que as
mercadorias paraguaias pudessem entra no Uruguai, Argentina e Brasil, principalmente na
província de Mato Grosso. Para isso, foi necessário controlar as vias fluviais e a ocupar as
terras do sul de Mato Grosso do Sul. A Tríplice Aliança entre Uruguai, Argentina e Brasil,
financiada por banqueiros ingleses, tomou providências, em lugar da Inglaterra, para
impedir a expansão do Paraguai.
Dessa forma, a partir de 1865, a fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai
transformou-se em campo de operações de guerra, onde praticamente não existia resistência
brasileira, a não ser o pequeno destacamento da Colônia Militar de Dourados, composta
apenas por 16 homens, atacado por forças paraguaias com o objetivo de ocupar a província
de Mato Grosso. O destacamento foi destruído neste mesmo ano de 1865 e restabelecido
somente com o final da guerra.
5
Com a derrocada temporária da força militar de Dourados, as terras do sul de Mato
Grosso do Sul foram apropriadas por Martins Urbieta em nome do governo paraguaio, e
logo transferidas à Madame Lynch, conforme destaca Fabrini (1996, p.30) “adquiriu por
uma quantia de 155.000 pesos entre outros bens” assistida por um pelotão de cavalarianos
“a cerimônia da imissão de posse foi realizada em 27 de dezembro de 1865, quase um mês
a queda de Dourados, à margem direita do Rio Ivinhema. ‘a ocupação efetiva, iniciada em
fevereiro, não perduraria diante das hostilidades naturais possuidores daquelas paragens,
onde não admitiram condomínio.” (Figueiredo, 1968, p.223).
A Guerra do Paraguai desdobrou-se em várias batalhas em diversos lugares no Sul
do Brasil e nos países envolvidos, que teve a sua duração compreendida entre os anos de
1865 a 1870, sendo o seu final neste último ano com a morte de Francisco Solano Lopez.
Entretanto, as terras brasileiras que formam adquiridas por Elisa Lynch no início da guerra
foram solicitadas, a partir de 1892, pelo seu filho, Enrique Venâncio Solano Lopez, que se
dirigiu ao cartório de imóveis de Corumbá com documentos, dessa forma:
[...] Pretendia reivindicar as terra situadas entre os Rios Ivinhema ao
norte, Paraná a leste, Iguatemi ao sul, e serra Amambaí ao oeste,
num total de 33.175,30 Km (...) pretendia o requente provara seu
domínio privado e pedia restituição de todo território ocupado pelo
Estado, pagamento de sua utilização e indenização dos danos
causados. Subindo os autos à instância do Superior Tribunal
Federal, este proferiu sentença em dezembro de 1902, considerando
que as referidas terras eram devolutas e como tais faziam parte do
patrimônio da nação. (Rosa, 1962, p.41 Apud Fabrini, 1996, p.31).
Diferente do caso “Madame Lynch” que a posse de terra era proveniente da disputa
de território entre Brasil e Paraguai, outra pretensão de apossar-se privadamente de imensa
área de terra (90.000 Km2), sendo essa, empreendida pelos herdeiros do Barão de Antonina,
1901. Considerando que até a primeira metade do século XIX, as terras do sul de Mato
Grosso do Sul eram habitadas por indígenas e poucos não-índios haviam penetrado nesta
região. Sendo todas as terras devolutas, o primeiro desbravador tomava posse.
O Barão de Antonina, Senador do Império, sabendo da elaboração da Lei de Terras
organizou plano com objetivo de garantir a posse de terras devolutas depois de 1850.
Incumbiu, então o sertanista Francisco Lopes, com uma equipe para fazer o reconhecimento
da região, obter informações e justificar a posse. Após o reconhecimento, Francisco Lopes
5
seguiu para Miranda e mandou fazer as escrituras nas quais os supostos posseiros vendiam
as terras para o Barão de Antonina.
Em 1901, os herdeiros do Barão requeriam o registro das terras, o que foi feito e as
terras vendidas a João Abbott, sendo a demarcação do imenso latifúndio impedida por
moradores, posseiros, proprietários, políticos da região, etc. Muito se debateu sobre a
questão, que chegou ao Superior Tribunal Federal, onde foi vencida. Assim, não tiveram
êxito as pretensões dos herdeiros do Barão Antonina em apossar-se da imensa área de terra.
2 - As terras monopolizadas na mão das oligarquias regionais.
Ao término do período Brasil Imperial “com a proclamação da república, em 1889,
as terras devolutas e a questão de terras passaram para a alçada dos governos estaduais”
(MARTINS, 1985, p.20). Dessa forma, a política fundiária passou para competência dos
Estados. A república transferiu o poder sobre a terra para as oligarquias regionais, que
passou a decidir sobre a sua propriedade dentro do domínio estadual, monopolizando a sua
posse e colocando em prática a política de concentração. Neste contexto, ocorreu a
transferência das terras devolutas do Estado através da venda e arrendamento a grandes
fazendeiros e empresas capitalistas que atuavam no setor, ponto esse que enfatiza Alves
(1984).
Disso se aproveitou a burguesia mato-grossense para estabelecer,
segundo suas conveniências, a regulamentação da venda,
arrendamento e doação de terras. Foi sensível, então, formulação de
uma política fundiária que se desenvolveu sob a égide da
concentração. O Estado (...) passou a doar aos colonos,
gratuitamente, área de no máximo 50 hectares, quando destinadas à
agricultura, e de 200 hectares, quando destinadas a pecuária. A
compra e o arrendamento, porém, livres de qualquer cerceamento,
incidiam sobre áreas gigantescas. Os ervais do sul mato-grossense,
por exemplo, tiveram sua exploração monopolizada pela
Companhia Mate-Laranjeira, ligada ao Banco Rio e Mato Grosso.
(Alves, 1984, p.30).
Referente à doação de terras para esse período, a história fundiária desse Estado nos
revela que era remota a intenção dos “poderosos” em realizar concessões de terra, pois a
notícia da concessão gratuita de terras soaria com uma atração para trabalhadores
5
despossuídos de terra de outras regiões, política que o Estado não adotou, como demonstra
os dados do ano de 1921, quando foram concedidos, através de compra, 223 títulos
provisórios e permanentes, abrangendo uma área total de 789.094 ha, enquanto que as
concessões gratuitas, que desencadeavam um ação contraria a concentração fundiária, são
51, para uma área total de 2.950 ha, bem menos expressivas que a aquisição através da
compra. (FABRINI, 1996, p.34).
Além da venda, outra prática adotada pelo Estado foi o arrendamento que trouxe
impacto no ordenamento fundiário, causando conseqüências nas relações de vida da
população agrária sul-mato-grossense. O caso do arrendamento refere-se à Cia. Mate
Laranjeira de propriedade Tomaz Laranjeira, o qual era ex-funcionário de uma empresa do
Rio Grande do Sul, Estado de sua origem, que abastecia a Comissão de Demarcação8.
Ao término dos trabalhos de demarcação Laranjeira permaneceu na região, decidiu
explorar os ervais cuja espécie era abundante. De início os trabalhos foram modestos, no
entanto, em dezembro de 1882,conseguiu o monopólio de exploração dos ervais dos
terrenos devolutos entre os marcos Rincão do Júlio e Cabeceira do Rio Iguatemi, graças a
influência do Barão de Maracaju no Império. Contribuiu também para a concessão do
monopólio, os favores e proteção do General Antônio Maria Coelho (primeiro governador
de Mato Grosso), amigo de Laranjeira desde a época da demarcação da fronteira.
Entretanto, aliado a burguesia da época, foi no início do século XX que a Cia Mate
Laranjeira expandiu os negócios e o monopólio sobre as terras sul-mato-grossenses, nessa
conjuntura.
Vieram a associar à empresa os irmãos Murtinho, personagem de
grande influencia na política do Estado. Para um empreendimento
de tamanho vulto era necessário grande montante de recursos, que
foram conseguidos com a junção da empresa monopolista ao Banco
Rio-Mato Grosso, dirigido por Joaquim Murtinho. Mais tarde
associou-se à Companhia Laranjeira, Francisco Mendes Gonçalves,
de Buenos Aires, comprador exclusivo da erva-mate da Laranjeira,
constituindo-se, assim, a empresa Mendes Laranjeira & Cia que, em
1902, monopolizava a exploração de erva-mate numa área
arrendada superior a 3 milhões de hectares, que ia do Ivinhema ao
Iguatemi, alem de 271.026 ha adquiridos através de compra nos
município de Bela vista e Ponta Porã. (FABRINI, 1996, p. 36)
8
Após o termino da Guerra do Paraguai, fica essa encarregada dos trabalhos de demarcação do tratado de
limites fronteiriços entre Brasil e Paraguai.
5
O gigantesco poderio da Empresa Laranjeira Mendes & Cia veio despertar certo
interesse de forças políticas opositoras que também queria se beneficiar dessas concessões,
a exemplo, a lei 725 de 1915, que reduzia a área de arrendamento. Este fato não provocou
abalo para empresa, sendo que, em 1922, possuía uma receita bruta cinco vezes maior que a
arrecadação do Estado.
A indústria ervateira estimulou a migração de sulistas9, principalmente do Rio
Grande do Sul, que se organizavam em comitivas foram adentrando o país vizinho
(Paraguai) onde alguns se instalaram e outros seguiram rumo às terras mato-grossense que
na maioria constituíam suas posses nas terras devolutas.
O monopólio da empresa Laranjeira pode ser compreendido por dois momentos
distintos, ou seja, o da terra e o da produção. No caso do monopólio da terra, a exploração
da erva-mate (desde a sua colheita como o seu preparo) predominantemente a mão-de-obra
amplamente empregada foi a de pessoas que cuja nacionalidade era paraguaia, aonde mais
de três mil trabalhadores que chegavam próximo a margem do Rio Paraná coletando esse
produto. Além desses, ressalta Brand etal.(2008), que em várias regiões houve o
recrutamento da mão-de-obra indígena tendo como referência o relatório de Barboza (1927
In. MONTEIRO, 2003). Esse autor expõe que a “proporção de índios Caiuás empregado na
elaboração da herba, sobre o operário (não-indígena), é, em média, de 75%, na região de
Iguatemi”(BRAND etal., 2008, p.32.). Isso demonstra que era quase extinta a utilização de
mão-de-obra não-indígena brasileira.
Mesmo como o monopólio sobre as terras, proprietários e posseiros também
praticavam a exploração da erva. Mas, com a redução do arrendamento de Laranjeira
pensava-se que seria favorável a esses outros produtores particulares. Porem “estes
passaram agiram sob a órbita da influência da Empresa Laranjeira Mendes & Cia., que lhes
comprava toda a produção de erva-mate com base em preços que ela própria fixava [...],
pois a empresa dominava os transportes e, como decorrência, o escoamento da produção”
(Alves, 1984, p.53).
9
Bem que esse processo migratório e a povoação sul-mato-grossense é mais complexa do se imagina,
envolve, por exemplo, ex-combatentes da Guerra do Paraguai que se estabeleceram no local, os fugitivos
da chamada Revolução Federalista que ocorreu no Sul do Brasil e principalmente a pecuária que
estimulou a vinda dos gaúchos.
5
Isso demonstra que o monopólio, quanto da terra como o da produção, não permitiu
que desenvolvesse a pequena propriedade ou ao menos que esse servisse de mão-de-obra.
3 – Pecuária e a ocupação capitalista da terra em Mato Grosso do Sul.
Um dos marcos da expansão capitalista sob as terras de Mato Grosso do Sul foi a da
Empresa Mate Laranjeira, que avançou sob as terras indígenas como também dificultou o
avanço da pequena propriedade. No entanto, cabe ressaltar que a pecuária é uma das
atividades que desde o século XIX esteve presente na historia econômica de Mato Grosso
do Sul, mas foi no século XX que ela ganhou mais destaque, principalmente, com a crise do
café, que atraiu o interesse de fazendeiros paulistas.
No fim do século XIX, a grande produção mato-grossense girava entorno da
indústria açúcar e a de charque, no caso da atividade açucareira as indústrias matogrossense não conseguiu acompanhar a modernização das usinas de São Paulo e passou a
sofrer barreiras na exportação, o que provocou sua decadência. O mesmo ocorreu com a
indústria de charque que se expandiu com a instalação de frigoríficos em São Paulo, além
da concorrência com produção da região platina (Argentina e Uruguai).
Entretanto, com o melhoramento dos rebanhos, os pecuaristas viram mais
rentabilidade em vender gado para os frigoríficos paulistas, impondo fracasso das indústrias
saladeiras e charqueadas. No entanto, como aponta Fabrini (1996. 43) “mas o golpe fatal
nas indústrias de charque seria a construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil, que
levou essa indústria a estagnação, após 1925”. A ferrovia facilitou e barateou o transporte
passando a ter o monopólio os frigoríficos de São Paulo.
A ferrovia violou a função econômica que foi atribuída pelo capitalismo ao Mato
Grosso do Sul na divisão regional do trabalho, pois o gado era transportado vivo, como não
podia e não possui infra-estrutura para o transporte de gado abatido, eliminando a indústria
de carne sul-mato-grossense. Quanto à construção da Ferrovia Fabrini (1996, 45) alega que
“Mato Grosso do Sul assume sua verdadeira ‘vocação’, que, em vez de diversificar a sua
produção, exportaria gado bovino em pé”. Essa especialização criou centros de compra de
gado nas suas imediações, como Campo Grande, Miranda e Aquidauana, o que provocou à
valorização das terras próximas a ferrovia, passando a desenvolver com a pecuária a
concentração de terras.
5
Nas áreas mais distantes da linha férrea, como nas florestas do sul do Estado,
sofreram influencia indireta, e foram ocupadas mais tarde pela “frente pioneira” (1950/60).
Também se deu pela prática da pecuária, ficando responsável pela engorda de gado magro
trazidos do Noroeste da região pantaneira.
A ocupação do sul de Mato Grosso do Sul realizada, principalmente, por paulistas e
paranaenses, deve ser interpretada a luz da expansão da pecuária, apesar da cultura de café
ter desfrutado de uma posição privilegiada na economia brasileira chegando a expandir ao
noroeste do Paraná e Mato Grosso do sul10. Porém, no o ano de 1929, essa lavoura passou
por uma acentuada crise, fazendo que muitos produtores substituíssem essas lavouras por
pastagem.
A atividade pecuária foi um forte um atrativo para investimentos, fazendo com que
despertasse a procura por terras no extremo sul desse Estado, tanto por empresas
imobiliárias como por fazendeiros, impulsionando a apropriação da terra dessa região.
A incorporação de novas áreas ao processo produtivo visava dar sustentação ao
desenvolvimento urbano-industrial do país, para isso era necessário que o governo tomasse
medidas que garantisse a ocupação e inserção produtiva dessas novas áreas, por exemplo,
essa de Mato Grosso do Sul que tinha sua economia passeada na exploração de erva-mate,
foi sendo substituída pela criação de um espaço econômico nacional, objetivando a
expansão do capitalismo.
Dessa maneira houve a intervenção do Governo Federal, através da concepção do
Estado Novo (1937), implantou primeiramente uma política que se desdobrou na
configuração territorial de Mato Grosso do Sul.
Dentre as ações despendidas pelo governo cabe destacar a criação do Território
Federal de Ponta Porã (Decreto-Lei nº 5.812, em 13/09/1943); a criação da CAND (Colônia
Agrícola Nacional de Dourados); mais tarde na década de 1960/70 pelos governos militares
é instituído o Projeto Integrado de Colonização Iguatemi (pelos Decretos-Lei 60.310 em
07/03/1967; 63.631 em 18/11/1968 e o 67.870 em 17/12/1970) é também criado pelos
militares o Projeto Integrado de Colonização Sete Quedas (Decreto-Lei 70.356 em
10
Quando a “frente pioneira” paulista chegou as terras próximas a Mato Grosso do Sul, ainda no Estado de
São Paulo, a margem esquerda do Rio Paraná, a marcha para o oeste não era exclusivamente do café, pois
este já havia passado por crises de superprodução e muitos fazendeiros já se dedicavam a atividade
pecuária. (FABRINI, 1996, p. 48)
5
03/04/72).
A iniciativa desenvolvida pelo “Estado Novo” de criar o Território Federal de Ponta
Porã, fez parte da política de colonização e nacionalização das fronteiras, rebatia
diretamente na presença da Companhia Mate Laranjeira, já em decadência, favorecia a
presença constante de estrangeiros e conflitos armados na região. Assim, criação desse
Território que ficaria na tutela do Governo Federal11, facilitaria a ação do Estado a qualquer
problema que viesse a prejudicar a sua política de desenvolvimento.
Com base na política de nacionalização das terras, em 1941, o Governo Vargas,
implanta as Colônias Agrícolas Nacionais (CAND), através do Decreto-Lei 3.059, de
fevereiro de 1941. Esse Decreto tinha como objetivo fixar o homem no campo, por meio da
pequena propriedade, a qual estaria voltada para a produção de bens agrícolas em escala
capitalista para outros mercados, além de produzir para sua auto-suficiência (PONCIANO,
2001, p. 98)
É nesse contexto, que se implantou a Colônia Agrícola de Dourados (CAND),
apesar de ser regulamenta em 1943, conforme Ponciano, (2001, p.99) “é somente a partir de
1948, que os limites dessa Colônia são demarcados pelo Presidente da República Eurico
Gaspar Dutra”. Tinha sido assim pré-estabelecido uma área de 300.000 ha, mais tarde
reduzida para 267.000 ha, onde parte dessa área foi distribuída a famílias de camponeses.
Outra ação governamental de colonização ocorreu no extremo sul de Mato Grosso
do Sul, em 1967 e 1972, chamados de Projeto Integrado de Colonização (Iguatemi e Sete
Quedas) implantado pelos governos da ditadura militar, abrangendo uma área de total de
160.000 ha que também foi distribuído terras a camponeses.
Apesar de ocorrer tais distribuições de terra nessas épocas destacadas, essas
políticas e projetos de colonização oficial não devem ser interpretados como estímulo a
propagação da pequena propriedade ou coisa desse gênero, tendo em vista as implantações
destes projetos de colonização esteve ligada a idéia de ocupar esse território com
contingente humano, isto é, por ser uma área fronteiriça considerada de Segurança
Nacional. Porém, a sua implantação ao mínimo se liga outros objetivos, ou seja, ao mesmo
tempo em que atrairia trabalhadores seria ela fornecedora de produtos para o setor
industrial principalmente para o sudeste. Além disso, essa região se projetaria cada vez
11
O que também colocaria o território de exploração de erva-mate sobre a fiscalização do Governo Federal.
5
mais para o avanço capitalista.
Referente à política estatal de colonização pregoada em estimular a formação de
pequenas propriedades instituída nas colônias agrícolas nacionais Almeida (2003) ressalta
que veio a fracassar, devido ao isolamento e a falta de recursos financeiros, fazendo com
que o governo não mais visse no estímulo a pequena propriedade o caminho da conquista
da fronteira. “É, portanto, nesse ambiente de crise da colonização estatal voltada a pequena
propriedade que vamos ter o florescimento da colonização privada” (ALMEIDA, 2003,
p.115) gerando um mercado de terras.
Como se verifica a partir de 1950, atuação de uma série de iniciativas privadas
como a Companhia Viação São Paulo - Mato Grosso, Companhia Moura Andrade e
Companhia Melhoramentos e Colonização S.A. (SOMECO), que adquiram terras, ora do
Estado ora de particulares, com vista à colonização por meio de loteamentos. Assim, foram
vendidas grandes áreas de terra “que mais tarde serão transferidos a fazendeiros pecuaristas
de São Paulo e Paraná, dando-se origem a elevada concentração fundiária existente no sul
desse Estado” (FABRINI, 1996, p.50).
A respeito da implantação dos projetos de colonização em Mato Grosso do Sul
Almeida (2006) acrescenta que:
Desse modo, perpetuou também no Sul de Mato Grosso uma
estrutura fundiária concentradora a despeito dos projetos de
colonização impetrados no passado. Esses projetos não abriram
possibilidade; longe disso, apenas cumpriram a sua função histórica
de camuflar a necessidade de redistribuição da propriedade privada
da terra no país. (ALMEIDA, 2006, p. 115)
Essa autora destaca que esse processo de colonização no sul do antigo Mato Grosso
privilegiou a grande propriedade e a atividade pecuária, que gerou uma classe de grandes
proprietários de terra que dominou e dirigiu o Mato Grosso do Sul desde a sua criação, em
1977, derivado do Estado de Mato Grosso, garantindo a presença da tradicional oligarquia
no legislativo desse Estado.
4 - A concentração fundiária e contradição nas relações sociais de produção no campo
em Mato Grosso do Sul.
6
A concentração fundiária em Mato Grosso do Sul tem sido historicamente um dos
maiores “nós” na questão agrária do Estado. Ao analisarmos os dados do Censo
Agropecuário 1995/96 (tabela -1), podemos verificar que 54,6 % dos estabelecimentos com
menos de 100 hectares ocupam apenas 2,2% da área total. Os estabelecimentos acima de
1000 ha representam 14 % , porém controlam 78,4% da área total dos estabelecimentos.
Tabela 1 - Estrutura Fundiária do Brasil e de Mato Grosso do Sul (1995/96)
Brasil
Estrato de
Nº de Estab.
%
Área (ha)
Mato Grosso do Sul
%
Área
-10 ha
Nº de
%
Área (ha)
%
18
39.681
0,1
Estab
2.402.374
49,66
7.882.194
2,24
9.170
,6
10 a -100 ha
1.916.487
39,61
62.693.586
17,7
17.753
36
637.163
2,1
15.423
31
5.992.676
19,4
3
100 a –
469.964
9,71
123.541.517
1.000 ha
1.000 a
3
49.358
1,02
159.493.949
mais ha
TOTAL
34,9
45,1
,4
6.902
14
24.273.252
78,4
49.248
10
30.942.722
100
0
4.838.183
100
353.611.246
100
0
Fonte: Censo Agropecuário 1995/96
Entretanto, as distorções não param por aí, conforme já foi sinalizado por Silva
(2004) que se compararmos a estrutura fundiária do Estado com a do Brasil, vemos que os
imóveis rurais no Mato Grosso do Sul têm uma área média de 628,3 ha, o que significa
mais de oito vezes a área média dos imóveis do Brasil que se aproxima de 73,1 ha.
Não apenas a história agrária, mas também os dados nos mostram o monopólio e a
presente concentração das terras nas mãos dos latifundiários em Mato Grosso do Sul, tendo
estes como objetivos extrair a renda da terra, sejam na venda da terra como foi o caso das
empresas colonizadoras particulares, na cobrança de aluguel pelo seu uso. Este é o caso
também dos arrendatários que lança mão das relações não-capitalistas como o trabalho
familiar camponês representado pelas atividades de parceria.
Tais aspectos que acontecem no campo sul-mato-grossense e de modo geral no
campo brasileiro levam alguns autores como Oliveira (1996, p.18) a interpretar que “o
6
desenvolvimento capitalista se faz presente pelas suas contradições. Ele é, portanto, em si,
contraditório e desigual”, pois na medida em que o capitalismo se expande pelo processo de
expropriação, isto é, de torna o trabalhador despossuídos dos meios de produção, ele
“possibilita” o acesso dos trabalhadores rurais a esses determinados meios, como o quê
ocorre com algumas formas de acesso a terra praticada pelos trabalhadores camponeses
despossuídos.
Essa situação pode ser verificada quando se analisa os dados censitários da condição
dos produtores sul-mato-grossense. Considerando que o trabalho familiar camponês possui
suas limitações naturais, não é regra, mas os camponeses tendem a praticarem suas
atividades agrícolas em áreas inferiores a 100 hectares. Com base nesse pressuposto, a
tabela - 2 nos permite demonstrar que mesmo apresentando um alto grau de concentração
de terra em Mato Grosso do Sul é possível verificar a existência das atividades de parceria,
arrendatário e os ocupantes que também constituem como formas de reprodução do
trabalho familiar camponês.
Os dados de 1975 demonstram que 99% dos produtores na condição de parceiros
estão no extrato inferior a 100 ha, principalmente em áreas menor de 10 ha, o que nos
indica a presença do latifúndio proprietário e do trabalhador camponês despossuído.
Entretanto, a presença do latifúndio pecuarista e do camponês nesse mesmo espaço torna
mais nítida quando se observa pelo processo de formação da pastagem melhorada
desenvolvida no Sul do Estado entre os anos 1950-60. Misuzaki (2003, p, 53) citando
(SILVA, 1992), descreve que para o desmatamento os fazendeiros terceirizavam essa tarefa
aos empreiteiros, já na formação de pastagem o proprietário contratava o serviço do meeiro,
o qual “recebia a cedência da terra por 2 ou 3 anos para cultivar suas roças de milho, feijão,
arroz e, menos freqüentemente, algodão. O resultado da colheita era dividido com o
proprietário”.
Nota-se que, para esses camponeses despossuídos, uma atividade que se destaca
nesta forma de acesso a terra é o cultivo de subsistência. Entretanto, quando não na
condição de parceiro, os camponeses têm buscado outras maneiras, tais como, ocupantes ou
arrendatários.
Ainda, sobre essas categorias os dados estatísticos de 1975 a 1995, têm
demonstrado que em alguns desses três modos de acesso a terra, o número estabelecimentos
6
com áreas menores de 100 ha é superior a 90% do total de estabelecimentos. Mas, ocorre
também que menos de 10 % dos grandes estabelecimentos concentrarem entorno de 90%
da área total das terras, principalmente, os da categoria de arrendatários.
Isso indica que a parceria, arrendamento e “ocupação” são formas de acesso a terra
que não é exclusiva do trabalhador familiar camponês despossuído, ou seja, de maneira
desigual e contraditória o modo capitalista de produzir tem se expandido utilizando desse
mesmo viés. Entretanto, com diferenças básicas na produção, o camponês, ao acessar a
terra através desse caminho tem buscado desenvolver uma agricultura de subsistência
diversificada voltada para o autoconsumo e subsistência, enquanto que o produtor
capitalista tem intensificado sua atividade agrícola na monocultura de grãos, na criação de
gado ou em outros produtos destinados à obtenção de lucro e exploração dos trabalhadores.
Os dados da tabela a seguir (tabela 2) demonstram a participação de não-proprietários
(parceiros, ocupante e arrendatários) na concentração de terras no Estado de Mato Grosso
do Sul. Assim, se de um lado, a terra está concentrada nas mãos de proprietários, de outro, a
concentração se intensifica, pois os não-proprietários, ou seja, grandes arrendatários,
ocupantes e parceiros contribuem para a intensificação desta concentração.
A partir de 1970, com o processo de modernização da agricultura essas diferentes
relações sociais de produção, vão redesenhar novos traços na estrutura fundiária, trazendo
conseqüências distintas para o campo em Mato Grosso do Sul.
Tabela 2 Condição do produtor em Mato Grosso do Sul (1975-1995)
PARCEIROS
1975
1980
1985
1995/96
Extrato
área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
- 10
4.074
22.147
2.128
11.779
1.951
10.122
221
1.001
10 -100
1.774
34.077
854
17.481
681
15.974
131
3.958
100-1000
40
13.425
101
30.920
100
28.423
78
24.603
1000 a +
16
50.149
30
198.722
13
78.171
28
99.678
TOTAL
5.904
119.798
3.113
258.902
2.745
132.690
458
129.240
OCUPANTES
Extrato
6
área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
- 10
6.680
29.218
4.193
16.006
4.964
16.153
3.576
10.195
10 -100
3.371
91.728
1.231
35.135
1.430
39.344
777
22.767
100-1000
568
151.440
344
87.991
382
113.616
190
61.728
1000 a +
109
277.581
95
275.015
114
301.332
153
104.496
TOTAL
10.728
5.863
414.147
6.890
470.445
4.696
199.186
549.967
ARRENDATÁRIOS
Extrato
área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
- 10
6.297
31.455
3.088
15.757
2.754
12.631
610
3.018
10 -100
1.873
42.258
1.587
43.208
2.170
74.072
988
37.283
100-1000
579
189.466
839
260.660
1.328
387.879
1.017
347.039
1000 a +
196
770.236
203
773.292
259
771.819
259
614.833
TOTAL
8.945
1.033.415
5.717
1.092.917
6.511
1.246.401
2.874
1.002.173
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
PROPRIETÁRIOS
Extrato
área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab.
Área (ha)
Estab
- 10
5.228
27.297
3.773
20.459
5.247
25.582
4.763
25.467
10 -100
13.805
469.411
13.124
482.798
14.469
541.184
15.857
573.155
100-1000
8.539
3.194.907
10.750
4.099.666
12.864
5.376.390
14.138
5.559.013
1000 a +
4.704
23.297.790
5.494
24.364.835
5.905
23.816.109
6.637
23.454.246
TOTAL
32.276
26.989.405
33.141
28.967.758
38.485
29.759.265
41.395
29.611.981
Fonte: Censos Agropecuários
A expansão das relações capitalistas no campo não está relacionada apenas á
acumulação rentista e concentração de terras em Mato Grosso do Sul. O campo de Mato
Grosso do Sul também é decorrente da expansão das relações capitalista que tem
fundamentos no modo industrial de produzir. Ao incorporar um conjunto de insumos
modernos, esse novo modo industrial de produzir alterou a base do processo produtivo,
fruto das alianças entre Estado, capital e propriedade fundiária os quais, atualmente,
encontram-se sob comando do capital industrial e financeiro. (MIZUSAKY, 2005, p.83)
Esse processo ocorreu no Estado a partir da década de 1970, através da introdução
do binômio trigo/soja e da prática de uma pecuária melhorada que alteraram as relações de
trabalho e produção no campo sul-mato-grossense, provocando um processo de
6
reestruturação produtiva12.
Com a expansão das relações capitalista de produção, aumentou também o interesse
pela terra. Entretanto, ao mesmo tempo em que a terra passava a ser a mercadoria
procurada, foram sendo expulsos os produtores camponeses e os povos que adquiram sua
subsistência através da terra.
Conforme aponta Mizusaki (2003) os índios foram sendo confinados em parcelas de
seus territórios demarcados, denominados de aldeias, “Confinados, os índios já não
dispõem de rios, nem mata (com sua flora e fauna) que lhes permitam à caça, a pesca, a
coleta, o uso de lenha para se aquecerem no inverno, enfim, a realização do seu modo de
vida” (MIZUSAKI, 2003, p. 53).
Assim foi perdendo os mecanismos de sua economia natural e para sobreviverem,
os indígenas sujeitam-se a peonagem nas agroindústrias ou a busca de alimentos nas
cidades, nas casas e latas de lixo, isto é, restando-lhes uma condição subumana que muitas
vezes tem seu fim no alcoolismo e o suicídio.
Não apenas os povos indígenas, mas também os pequenos produtores despossuídos
sofreram as conseqüências na medida em o território ia sendo apropriado privadamente. Os
efeitos são verificados ao comparar dos dados referentes á condição de não proprietários da
tabela 2, visto que no período entre 1975 a 1995, diminui acentuadamente o número de
estabelecimentos menos que 100 que se encontram na condição de parceiro, arrendatário e
ocupantes.
O número de parceiros reduziu a menos de 10% da quantidade existente na década
de 1970, tanto em quantidade como em área de terra, ao contrário dos estabelecimentos
maiores que 100 ha que aumentou em número e em área territorial. Isso indica que na
década de 1990 a parceira se volta para as atividades com relação de produção capitalista.
A mesma situação ocorre com a categoria de arrendatários, porém a maior
defasagem foi com os estabelecimentos inferiores a 10 ha. O inverso ocorre com os
estabelecimentos compreendidos no extrato entre 100 e 1000 hectares, que aumentou tanto
em número e área.
12
Misuzaki (2009) ao mencionar sobre reestruturação produtiva, faz referências as mudanças ocorridas
nos elementos que compõem a realização do processo produtivo devido a rearticulação das formas de
acumulação do capital industrial. Como esse “novo” modo industrial de produzir territorializa-se no
espaço, traz, também, profundas transformações no seu ordenamento territorial. (MISUZAKI, 2009,
6
Quanto à condição de ocupantes, pode ser considerado que a redução foi equilibrada
para os dois lados, isto é, tanto os grandes como os pequenos estabelecimentos reduziram
na mesma proporção, até por que a área total terras utilizadas por essa categoria foi
reduzida a menos da metade nesse intervalo de tempo.
Assim, verifica-se que em todas as categorias diminuíram o número dos pequenos
estabelecimentos, pois se essas são formas dos camponeses despossuídos acessarem a terra,
o desenvolvimento das relações capitalista produção no campo sul-matogrossense de certa
maneira não tem permitido a ampliação por essas vias de acesso.
Isso fica evidente na tabela-2 quando se observa a categoria de produtor
proprietário, pois essa demonstra que com exceção dos estabelecimentos menores de 10 ha,
todos os outros tiveram um crescimento no que diz respeito ao número de estabelecimentos
como também em área total. Porém, é clara a concentração de terras.
Esse crescimento no número de estabelecimentos de propriedade privada que
possuem grandes áreas de terra como os de pequenas áreas, podem ser compreendidos por
dois motivos distintos. No caso dos grandes áreas de terra um dos motivos seria a condição
do latifundiário extrair a renda da terra. Quando a terra não é produtiva, assume o caráter
especulativo, e quando é produtiva tem sua ligação com a produção das commodities para
exportação. Enfim, a produção nas grandes áreas de terra em Mato Grosso do Sul está,
principalmente, assentado no tripé, criação de gado, cultivo da soja mais recente a cana-deaçúcar. Mas, há que se considera também a acumulação com base na especulação
imobiliária.
Além da renda da terra, extraída da especulação ou produção, a propriedade privada
tem sido um dos mecanismos para os capitalistas obterem os incentivos fiscais fornecidos
pelo Estado, sendo essa também a garantia da inserção facilitada no sistema financeiro. Por
meio da concessão de grandes empréstimos a juros baixos, longo prazo e até perdão de
dívidas, os proprietários obtém vantagens financeiras na posse de grandes áreas de terra.
A migração de agricultores do sul so Brasil para Mato Grosso do Sul implicou numa
série de transformações no campo, desdobrando-se na apropriação da terra e mecanização
da agricultura, a partir da década de 1970, principalmente. Pequenos e médios proprietários
dos Estados do Sul do Brasil vendiam determinada quantidade de terra e compravam uma
p.177;a)
6
quantidade bem maior no Estado sul-mato-grossense.
Essa migração tinha com objetivo dar continuidade na reprodução de suas
atividades econômicas utilizando o trabalho familiar nos cultivos comerciais e nos de
autoconsumo. Nesta época a soja se constituiu como a principal atividade econômica de
Mato Grosso do Sul, conforme descreve Mizusaki (2009).
Na década de 1970, a soja torna-se uma das principais atividades
econômicas. Dentre os fatores que contribuíram para sua expansão
podemos citar a conjuntura econômica e as condições geográficas
favoráveis, o escoamento da fronteira agrícola no Sul do país, e os
incentivos do Estado (por meio de políticas créditicas, isenção
fiscal, infra-estrutura), atraindo, principalmente, granjeiros gaúchos.
(MIZUSAKI, 2009, p.57;b)
Apesar do feijão soja nos dias atuais ser um cultivo mecanizado, na década de 1960-1970,
empregava importante mão-de-obra humana na sua produção. O dado do Censo
Agropecuário de 1970 indica um número de 933 colhedeiras em Mato Grosso do Sul13,
sendo o município de Ivinhema com a maior quantidade, num total de 200 máquinas. Na
medida em que se ia introduzindo a mecanização e a utilização de insumos modernos, a
agricultura ganhou, no Estado, característica de monocultura, baseada, principalmente, nas
grandes lavouras de soja e áreas de criação de gado. Juntamente com a política econômica
dos governos militares que privilegiava a grande propriedade, houve dificuldade, dessa
forma, da sobrevivência das pequenas propriedades. Isso fez com que na década de 1980,
muitos dos pequenos agricultores migrassem para a região Norte do país.
Dessa maneira houve uma redução na quantidade dos pequenos estabelecimentos e
das pequenas propriedades. Estas propriedades foram adquiridas por vizinhos mais
avantajados, por comerciantes e ou por profissionais liberais. No gráfico a seguir (gráfico 1) podemos observar as transformações ocorridas nos pequenos estabelecimentos,
tornando-se nítida a redução em número e área dos pequenos estabelecimentos compostos
por produtores não-proprietários de terra (parceiros, posseiros, arrendatários).
13
Esses dados foram extraídos do Censo Agropecuário do Estado de Mato Grosso1970, porém foram
contabilizados dos municípios que compreende o Estado de Mato Grosso do Sul.
6
Gráfico 1- Distribuição dos estabelecimentos com menos de 100 ha em Mato
Grosso do Sul.
Fonte: Censos Agropecuários
A existência de pequenos produtores na condição de proprietário em Mato Grosso
do Sul é compreendida por processos distintos: os projetos governamentais de colonização
na década de 1940 como a CAND e os da década de 1960-70, o PIC Iguatemi e Sete
Quedas, que abrangeram aproximadamente uma área 400.000 hectares, distribuída aos
camponeses despossuídos. Outra forma de existência de pequenos proprietários foi por
meios da aquisição através da compra de terras.
O que tem segurado também a possibilidade de pequenos agricultores em Mato
Grosso do Sul, a partir da década de 1980, foi a luta dos trabalhadores rurais sem terra.
Segundo os dados do Dataluta (banco de dados da luta pela terra) no período de 1985 a
1995, foram realizados 23 projetos de assentamentos e reassentamentos, os quais serviram
para assentar 4.873 famílias sobre numa área de 140.520 hectares.
Considerando que cada família corresponde a um estabelecimento, se compararmos
esse número com a quantidade de estabelecimentos identificados em 1995 pelo Censo
Agropecuário, vemos os assentados representam entorno de 25% dos estabelecimentos.
Pode-se, assim concluir que na medida em que o capitalismo foi expandindo sobre o
campo sul-mato-grossense, expulsando e expropriando os pequenos produtos e
introduzindo novas relações de produção, de forma contraditória, também se intensificou a
luta dos trabalhadores rurais despossuídos pelo direito a terra. Esta luta permitiu a
reprodução dos pequenos agricultores e suas relações sociais de produção, tais como, o
6
trabalho familiar, além de outros elementos característicos da produção camponesa.
A esse respeito interpretamos que quando expropriados, os trabalhadores buscam
através da migração uma forma de continuar existindo. No entanto, essa possibilidade é
mediada principalmente pela intensidade das relações capitalista existente em determinado
espaço. Assim, o latifundiário ao beneficiar pela venda ou pelos arrendamentos de terras,
também lança mão de relações não-capitalista (parceria, trabalho familiar) para produzir o
capital. Nesse caso essa possibilidade é viabilizada principalmente pelo interesse do
capitalismo.
Mas, uma produção não-capitalista surge com a migração que se ergue como uma
possibilidade de manutenção da produção camponesa. Além dessa reprodução, há também
as lutas dos sem-terra que se negam a proletarização e o trabalho precário urbanos com
ocupações de terras de grandes proprietários, surgindo grande número de conflitos e
pedidos de reintegração de posse.
5 - Luta pela terra em Mato Grosso do Sul.
A luta pela terra é uma característica do campo brasileiro e vem desde um passado
distante quando os escravos se recusavam a servir de mão-de-obra na produção de cana-deaçúcar e criavam os quilombos na busca de liberdade. São exemplares também as lutas de
Canudos, Ligas Camponesas no Nordeste, Trombas e Formoso, dentre outras. No final da
década de 1970, surgiram as lutas do sem-terras, ou seja, uma categoria formada por
trabalhadores excluídos e expropriada com o processo de modernização da agricultura e
apropriação concentrada da terra.
Estes trabalhadores, através de ações de resistência passaram a promover ocupações
de grandes propriedades, negando a proletarização e migração para outras regiões. As
primeiras ações dos sem-terras ocorreram nos Estados de Rio Grande do Sul, Paraná, Santa
Catarina, São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Em Mato Grosso do Sul, o marco das ações de resistência desenvolvida pelos semterra foi o movimento dos arrendatários no município de Naviraí em 1979, motivado por
irregularidades contratuais feito com os grandes fazendeiros. Esses arrendatários
derrubavam a mata e formava a pastagem nas fazendas Ente Rios, Água Doce e Jequitibá.
Esse movimento contou com forte participação da CPT, do Sindicato dos
6
Trabalhadores Rurais de Naviraí. Os arrendatários tinham como representante na questão
judicial o advogado Joaquim das Neves Norte que em 1980 ganhou a causa em questão em
favor dos arrendatários. No entanto, o desfecho foi drástico e dramático, com a destruição
da plantação dos arrendatários pelo gado do fazendeiro e o assassinato de Joaquim N. Norte
em 12 de Junho de 1982.
O movimento dos arrendatários de Naviraí foi a gêneses das lutas pela terra em
Mato Grosso do Sul, que teve importante participação da CPT e Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Naviraí.
A luta dos sem-terra derivou uma série de conquistas dentre as quais se destaca a
terra de assentamento. O gráfico e mapa a seguir permitem o verificar o número e os
municípios em que foram realizados os projeto de assentamentos no período de 1984 a
2008 em Mato Grosso do Sul.
7
O assentamento Pedro Ramalho, objeto principal deste estudo, se constitui numa das
conquista dos sem-terra e foi realizado com a desapropriação da Fazenda Mambaré no
município de Mundo Novo. O projeto assentou 84 famílias numa área de 1.700 hectares.
A seguir (no capítulo III) será tratado sobre as lutas do sem-terra em Mundo Novo
bem como o processo de apropriação e ocupação da terra neste município.
7
CAPÍTULO III
APROPRIAÇÃO DA TERRA E LUTAS NO CAMPO EM MUNDO NOVO
O município de Mundo Novo está localizado no sul de Mato Grosso do Sul na
divisa do Estado do Paraná. Internacionalmente Mundo Novo limita-se com o Paraguai ao
Sul e Oeste.
Os primeiros colonos chegaram a Mundo Novo no início da década de 1950 para
amansar as terras “inexploradas”, período marcado também por enfrentamentos pela
garantia da subsistência em terras de domínio do latifúndio. Desde este período a produção
de subsistência e autoconsumo assumiram importante papel na manutenção das famílias.
Acrescenta-se ainda que presença forte de camponeses deu base para o surgimento mais
tarde de importantes lutas no campo do município de Mundo Novo.
No final da década de 1960 a área territorial do município passou por importantes
transformações com a instalação de projeto de colonização desenvolvido pelos governos
militares nesta área de fronteira; o Projeto de Colonização Iguatemi. O Projeto Iguatemi
possuía fins geopolíticos de ocupação mais intensa de áreas “vulneráveis” da fronteira do
Paraguai, momento que houve o afluxo de camponeses despossuídos da terra das mais
variadas regiões brasileiras.
1 - A formação territorial do município de Mundo Novo.
A história do município nos conta que em 1953, chegou à região desse o migrante
chamado Bento José Luís, mais conhecido pelo codinome Betinho. Um dos aspectos
marcantes a seu respeito é a devoção religiosa. Betinho veio acompanhado de uma imagem
de Nossa Senhora de Fátima de um metro de altura, que serviu para fundar uma capelinha
de estuque.
7
Começou a desenvolver sua roça, depois de desmatar uma pequena área de terra,
passando por imensas dificuldades. Enfrentou o sertão de Mato Grosso e perigos existentes
como a muitas onças e inúmeras serpentes venenosas que viviam na região.
A mata fechada era um dos obstáculos, sendo que a sua locomoção por meio de
picadas na mata com auxilio de animais (eqüinos) empregado no transporte. Na companhia
de Bentinho havia apenas um aldeamento indígena (índios Caiuás) estimado em 600
famílias próximo a sua morada.
Entretanto, apesar de lento, o povoamento de Mundo Novo teve como marco o ano
de 1955, sendo impulsionado pela iniciativa do fazendeiro Adjalmo Saldanha, o qual, sua
família possui uma grande área de terra nessa região. Conforme relato do pioneiro Sr.
Sebastião Ferreira da Silva14, existia nesse local quatro fazendas: “Santa Isabel de Nicolau
Zaiffer; Tapui - Porã de Sérgio Saldanha; Tapui-Cuê de Adjalmo Saldanha; e Eterna
Vigilância de Eraldo Saldanha”.
Essas fazendas eram para ser destinadas á exploração pecuária, no entanto, os
proprietários optaram por colonizar. Para isso o fazendeiro Saldanha contou com a
colaboração de seu administrador Oscar Zandavalle, o qual passou a ter a posse de 901
alqueires15. Dessa forma, passou a efetuar a venda de lotes a famílias que vinha do Estado
São Paulo e Paraná, principalmente. No entanto, a pessoa de Oscar Zandavalle atuou
durante o período de 1955 a 17 de junho de 1962, data em que foi assassinado em plena rua
principal da vila (atualmente avenida Adjalmo Saldanha).
Através da compra, muitas famílias adquiram pequenos lotes de terra em Mundo
Novo nesse período. A família de José Furtuoso foi a primeira a se instalar na área onde
hoje é município, conforme relata Silva (2008)“o primeiro sitiante que eu derrubei o mato
para ele fazer a casa foi o Zezinho Furtuoso... isso foi de 1956 pra 57”. Outras famílias
também se instalaram como a de “José Mesquita, Bento Muniz, Tatá, José Germini,
Vilarino, Massu, João Mota, Simão de Jacarei, Narciso, Sebastião Pinto, Lurenço
14
15
O sr. Sebastião Ferreira da Silva, nascido em 15 de setembro de 1925, foi um pioneiro que nos prestou
informação sobre o passado de Mundo Novo, pois ele se instalou nesse lugar em 04 de fevereiro de 1956.
Apesar de ser originário de Estado de Minas Gerais, antes de sua vinda residia no município de Iporã-PR,
ao chegar em Mundo Novo trabalhou como “picadeiro” para o fazendeiro Adjalmo Saldanha, atividade
essa que já tinha experiência de outros lugares, com isso auxiliou nos trabalhos de demarcação das terras
que foram loteadas, como também nas derrubadas, sejam essas para abertura de estradas ou para roças.
(Entrevista Gravada em 17/09/2008).
Conforme Sebastião F. Silva a unidade de medida dessa época era o alqueire mineiro “alqueirão”, ou seja,
7
Germano Klei, Vidal Damazio e João Cunha Bueno”16.
A primeira atividade realizada por esses pioneiros fui a derrubada do mato, etapa
motivada pela determinação, pois os instrumentos eram rudimentares tais como facão,
foice, machado, traçador e principalmente a força de trabalho humana. A força de trabalho e
a determinação foram determinantes para esse período. Para o trabalho havia muitas vezes a
ajuda mútua e trabalho em equipe, pois não tinham recursos financeiros, prevalecendo a
prática de troca de dias.
[...] nós trocávamos dias era bonita a união naquele tempo, eu
pegava empreitada e não pagava peão a gente trocava dia, naquele
tempo não tinha moto-serra o primeiro que chegou aqui foi em
1967, quem trouxe foi o Pelico Boeira aqueles situante dali ficou
'todo mundo assim' para ver esse moto-serra. Aqui, onde é hoje a
Avenida Adjalmo Saldanha, fizemos uma estrada que foi “tudo a
unha”, depois foi enlarguecida e virou um campo de avião, teve um
toco ali que demorou 8 dias para tirar[...] foi feito “tudo a unha”,
depois veio o finado Otaviano a turma dos Mendes, e a gente
juntamos, se ia fazer tal coisa, como arrumar as estrada, a gente
marcava o dia e ia todo mundo. Era difícil, até o campo de bola foi
feito a unha.17
Depois da derruba, iniciavam-se as roças, quando eram cultivados gêneros de
primeira necessidade, ou seja, voltados para o autoconsumo. A produção de subsistência e
autoconsumo se fizeram presente na vida dos camponeses de Mundo Novo desde o inicio
da ocupação e apropriação da terra. Assim, cultivavam arroz, feijão, hortaliças, amendoim,
café e a criação de pequenos animais. As variedades e características destes cultivos estão
relacionadas à origem e ao modo de vida dessas pessoas, pois na maioria eram oriundas dos
Estados de São Paulo com tradição no trabalho em fazendas de café, sob o sistema de
colonato18.
A experiência no cultivo do café sérvio para esta prática na área que se instalaram.
Havia duas variedades de cafeeiros; a Sumatra e a Mundo Novo, cujas sementes tinham
16
17
18
era equivalente a 48.800 m2, o dobro do alqueire utilizado atualmente.
Informação disponível na pagina 2 de <http://www.mundonovo.ms.gov.br/historia.htm>
Trecho extraído da entrevista realizada em 17/09/2008.
A maioria desses pioneiros eram agricultores despossuídos da terra que trabalhavam nas fazendas de café
no Estado de São Paulo. Moravam nas chamadas colônias (vilas) dentro das próprias fazendas. Dessa
forma, tinham como atividade principal o cultivo do café. A remuneração dos colonos nos cafezais era
condicionada pelo rendimento da produção. Normalmente eram destinadas áreas específicas ou mesmo
entre o cultivo do café para que esses cultivassem os gêneros de autoconsumo.
7
sido trazidas de São Paulo. Desta a última veio o nome da vila de Mundo Novo, pois antes
era conhecida por Tapui-Porã (da língua tupi-guarani: Rancho Bonito), nome esse da
fazenda de Saldanha.
Essa fase da ocupação do território mundonovense tinha como base as atividades
camponesas. Embora a produção camponesa era guiada por um conjunto de atividades,
sendo essas “comerciais, artesanais e agrícolas”19. Entretanto, para esses camponeses
pioneiros a sua subsistência passava pelas atividades agrícolas e artesanais, como a
construção de ranchos (casas), preparo do solo (derrubada) e principalmente o cultivos de
espécies que vinha a atender o autoconsumo.
As atividades comerciais eram escassas. Isso se deve à condição física-geográfica,
como a mata fechada, falta de estradas, meios de locomoção e a distância dos lugares de
comercialização, sendo Guaíra-PR a cidade mais próxima e que atualmente é distante 20
km. Este trajeto era agravado pela passagem do Rio Paraná, pois tinham que atravessar as
correntezas próximas à extinta Sete Quedas em embarcações precárias.
Mesmo com esses obstáculos, aos poucos os colonos foram ampliando o comércio
da produção com a cidade vizinha, Guairá, no Estado do Paraná, como esclarece Sebastião
Silva:
[...] mercadoria para nós aqui vinha lá do Porto Epitácio (São
Paulo) no barco a vapor chamado Capitão Heitor e tinha outra
lancha também, chamada Elmina... o primeiro comércio que tinha
aqui era do João Cunha, em 1956, lá na boiadeira (localidade a 5
km da cidade), depois o segundo comércio que estabeleceu aqui foi
o do Antônio Cirilo, em 1958, que vendia secos e molhados...
Primeiro bazar pequeno era do Jovino e depois o do Antônio Borá...
mas na maioria a gente tinha buscar em Guaíra, tinha que ir de
bote...o primeiro que começou a comprar cereais foi o Messias
Gomes, em 1959, aí a estrada estava por aí, então ele trouxe um
caminhão, depois veio o Salvador Patrão e outros compradores de
cereais, quem não vendia pra eles levava tudo de carroça lá no porto
19
Interpretamos aqui esse tripé da seguinte forma: atividades comerciais são aquelas que envolvem
“dinheiro”, seja na circulação de sua produção M-D-M ou mesmo em trabalho remunerado, como o
assalariamento temporário; atividades artesanais são aquelas que especificamente estão diretamente ligado
ao trabalho, ou seja, na capacidade de transformação, porém podem ser direcionadas para o valor de uso
ou de troca, por exemplo, a construção de uma casa para moradia assim realizada por ele e sua família esta
posta como valor de uso e não de troca, outra situação é a montagem de um vidro de conserva (doces,
pepino, etc.), que tanto pode consumi-lo, como também vende-lo; já as atividades agrícolas são aquelas
que dependem diretamente da terra, seja no cultivo de gêneros ou na criação de animais, no entanto, o
resultado dessas também podem serem trocadas ou consumidas. Há assim uma interlocução entre essas
atividades, isto é, há uma dependência entre elas, principalmente entre as comerciais e agrícolas.
7
e vendia em Guaíra ou levava para o Estado de
(Entrevistado em 17/09/2008)
São Paulo
Essa incipiente atividade comercial estava restrita aos produtos da agricultura, pois
se tratavam de camponeses proprietários ou meeiros, parceiros, arrendatários e agregados
que cultivavam roças. Plantando gêneros de autoconsumo e buscando produzir uma
quantidade “excedente” do consumo familiar destinado ao comércio para aquisição de
produtos como sal, querosene, tecidos, ferramentas, etc.
Além do cultivo de gêneros alimentícios, outra atividade de extrema importância
foi a criação de animais como aves, suínos e bovinos. A introdução da criação bovina
ocorreu de forma lenta, pois a dificuldade na formação de pastagens e falta de recursos
financeiros para aquisição das matrizes que tinha que vir do Estado de São Paulo através do
Rio Paraná limitou a sua expansão.
Dessa forma, a difusão maior da criação animal deu-se com os pequenos animais,
tais como as aves e os suínos, isto devido o baixo custo para obtenção e maior facilidade no
manejo, ou seja, tanto para cuidá-los e/ou para alimentá-los. Um importantíssimo fator na
propagação da criação dessas espécies de animais foi na maneira de obtê-las, pois as
famílias que iam chegando adquiriam animais das famílias mais antigas, através da compra,
da troca por outros produtos e até doações, conforme relata o Sr. Sebastião “eu dei muito
casalzinho de frango e de leitoinha para aquelas pessoas que era muito amiga da gente,
alguns queria comprar, mas eu dava porque tinha bastante porco, isso era pra pessoas ir
começando”.
Além desses laços solidários, a criação desses animais ajudava na subsistência das
pessoas, tanto no que diz respeito à alimentação, sendo que a carne, banha, ovos assumiam
um papel fundamental no autoconsumo. Os suínos eram criados nos cercados de madeira
rústica chamados de chiqueirões que normalmente eram construídos próximos aos riachos
ou mesmo eram criados saltos ao redor dos quintais.
A importância que representava essa criação fica evidente no depoimento do
pioneiro entrevistado “eu mesmo tinha uma porcada que precisava ver... aí eu saí da
fazenda tapui-cuê e vendi a minha porcada e comprei dois alqueires de terra do Oscar
Zandavalli”. Isso revela também que independe do vínculo de posse (proprietário ou não)
que as famílias tinham com terra, praticavam a criação desses pequenos animais e o cultivo
7
de autoconsumo.
Desde a chegada dos primeiros pioneiros em Mundo Novo no ano de 1955 até 1967,
quando se iniciou o Projeto Iguatemi de colonização, durante um período aproximado de 12
anos, a atividade agrícola de autoconsumo estava em disputa com o domínio do latifúndio
especulativo, ou seja, de um lado os camponeses lutando em busca de conseguir um pedaço
de terra através da compra, do outro lado, os latifundiários com o objetivo de extrair a
“renda absoluta da terra”, pois o comércio de terra pelos fazendeiros era uma forma de
operacionalizar o acumulo de capital.
De alta fertilidade chamada de “terra roxa”, na época
costumávamos dizer que “onde cuspíamos nascia um pé de feijão”.
Coberta por florestas virgens, com muita madeira de lei e palmito,
bem abastecida de água, tanto nas divisas como dentro da área, com
muito peixe de qualidade; clima intermediário entre o tropical e o
temperado, nos meses de maio a julho fazia frio a zero grau, as
chuvas abundantes e bem distribuídas e topografia plana a
suavemente ondulada. Essas características conformavam um
cenário natural excelente para o desenvolvimento de atividades
agrícolas em regime de exploração familiar, a respeito,
comentávamos que “Pero Vaz Caminha escreveu a famosa carta ao
rei de Portugal, de Iguatemi, porque lá em se plantando tudo dava”
(RAMIREZ, 2006, p.63) (grifo do autor)
Ramirez (2006) relata a paisagem natural destacando as excelentes terras propicias
para o desenvolvimento de atividades agrícolas. Na citação acima, esse autor, faz referência
as terras de Iguatemi do ano de 1967-68.
Além da qualidade das terras, Ramirez (2006)20 destaca alguns pontos da realidade
fundiária e social a que se passava nesse período. As terras eram em parte devolutas com
ocupações irregulares. “O arranjo fundiário ou estrutura fundiária, ou ainda a ocupação
territorial da área é que apresentava um quadro completamente desordenado, bagunçado e
injusto, por esta razão chamamos de ‘Zorra Fundiária’ (RAMIREZ, 2006, p.63). Tal
situação é representada pelo seguinte gráfico.
20
Julio Lazarraga Ramirez, foi funcionário do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária) e do antigo IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) durante a sua passagem por estas
instituições por um certo período fez parte da equipe administrativa do Projeto Integrado de Colonização
Iguatemi, o qual, foi iniciado os trabalhos no ano de 1967.
7
Figura 3 - Gráfico da Situação Fundiária Antes do PIC-IGUATEMI
Fonte: RAMIREZ, 2006, p. 63
Nesse gráfico apresentado por Ramirez (2006) podemos observar a existência de
pequenas propriedades. Porém em relação com as outras classes de imóveis, a área que as
pequenas propriedades ocupavam era muito pequena, ou seja, 6% do total. Além desta
ocupação rural, na área existiam dois núcleos de concentração urbana (Mundo Novo e
Japorã) “ocupando uma área de 154 hectares, com um total de 176 famílias residentes”
(RAMIREZ, 2006, p.64).
Com a implantação do Projeto Integrado de Colonização Iguatemi (PIC-Iguatemi),
ocorreu várias mudanças na região como o aumento do contingente populacional,
modificação na estrutura fundiária, interferindo no modo de produzir, enfim, o Projeto
promoveu um conjunto de transformações sócio-econômicas.
2 - Projeto Integrado de Colonização Iguatemi e a colonização dirigida pelos militares
Pertencente a região meridional do município de Iguatemi, o processo de ocupação
de Mundo Novo, iniciou-se em 1955 pelos camponeses pioneiros, conforme tratado
anteriormente. Os colonos adquiriram pequenas áreas de terra de fazendeiros, ou seja, de
uma espécie de “colonizadoras particulares”. Entretanto, até o ano de 1967 eram poucas a
quantidade de famílias que ocupavam essa área, realidade que foi radicalmente modificada
a partir da implantação da “Colonização Dirigida” promovida pelo Governo federal.
Tendo o Governo Federal, decidido promover a ocupação efetiva da
região meridional do município de Iguatemi - uma longa faixa de
fronteira - o então IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária)
se preparou para executá-la a tarefa. Pela portaria nº 521, de 21de
7
dezembro de 1966, foi criado o Distrito de Terras do Sul de Mato
Grosso, que se instalou em Campo Grande a 16 de janeiro de 1967.
Menos de dois meses depois, a 7de março, foi efetuada a
desapropriação de grande área, por meio do Decreto nº 60316,
modificado, no ano seguinte, pelo Decreto nº 63.631, de 10 de
novembro de 1968. (HISTORIA DE MUNDO NOVO)
A decisão do Governo Federal pela ocupação efetiva dessa parte do município de
Iguatemi deveu-se, dentre outros motivos está relacionada ao processo histórico políticoeconômico ao qual se perpassava no interior do país e a intensas lutas dos trabalhadores
rurais por reforma agrária. Esta região apresentava sérios problemas no seu quadro
fundiário além da localização geográfica em área fronteiriça, situada ao extremo sul do
Estado de Mato Grosso21 fazendo divisa com o Estado do Paraná e principalmente com o
país vizinho o Paraguai. Considera-se ainda que esse local era visitado por turistas de várias
partes do Brasil e do mundo.
Acrescenta-se ainda que a área de fronteira do Paraguai pudesse se desdobrar em
disputa, pois segundo tratado entre paises a divisa a Serra de Maracaju. A localização dessa
Serra seria um motivo de questionamento entre o Brasil e Paraguai. RAMIREZ, (2006,
p.64), aponta que esta demanda durou até que graças à ocupação ordenada pelos Incra
promoveu os marcos de divisa que nunca mais foram alterados.
Não apenas os limites fronteiriços, mas também relacionados à condição de
fronteira, na visão de Ramirez a ocupação ordenada promovida pelos militares viria a
solucionar outros problemas como o contrabando, por exemplo.
Além desordem fundiária ocorria outros problemas com o
contrabando de produtos entre os dois países, a extração de madeira
ilegal, exploração de palmito e otras cositas más, praticadas por
brasileiros e paraguaitos, parecia território sem dono e sem lei. Tal
situação motivou para que a Comissão Nacional de Faixa de
Fronteiras, subordinada à Presidência da República e o IBRA, na
época comandada pelos generais do Exército, assinassem um
convênio para reordenar o território e implantar um projeto de
assentamento humano com fins de desenvolver atividades agrícolas
em regime de agricultura familiar e acabar de forma definitiva com
a bagunça generalizada presente na área. (RAMIREZ, 2006, p.64)
21
Na época pertencia ao Estado do Mato Grosso, porem com a divisão em 1977 passou a pertencer ao
Estado do Mato Grosso do Sul.
7
Verifica-se assim, que a realização do Projeto possuía um caráter geopolítico, pois
se tratava de garantir e legitimar as terras na área de fronteira, sendo essa uma questão de
Segurança Nacional.
Porém os distintos projetos de colonização dirigida e promovida pelos Governos
Militares não devem ser interpretados apenas como uma questão de Segurança Nacional, e
sim como uma questão mais ampla. Poderíamos dizer que os projetos de colonização
dirigida devem ser compreendidos através da própria realidade da questão agrária
brasileira, repleta de tensões sociais, conflitos, violências. O Projeto Iguatemi estava
situado no interior da “militarização da questão agrária”, conforme destacou Martins
(1980).
3 - Implantação do PIC - Iguatemi.
O Projeto Integrado de Colonização Iguatemi, implantado no ano de 1967, tinha
como objetivo colonizar a área meridional do município de Iguatemi, criando assentamento
rural e núcleos urbanos.
Essa região do projeto é localizada ao sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul
que atualmente compreende os municípios de Mundo Novo e Japorã (figura -2). A sua
implantação abrangeu uma extensão total aproximada a 73 mil hectares, que inicialmente se
desenvolveu numa área de 42 mil hectares e tão logo foram incorporados mais 31 mil
hectares.
8
Figura 4 - Localização do PIC -Iguatemi
Para o procedimento metódico da implantação do projeto foi criada uma comissão
multidisciplinar do IBRA - Instituto Brasileiro de Reforma Agrária que estava coordenada e
liderada pelo engenheiro agrônomo Dryden Castro de Arezzo e participação ativa de outros
técnicos, como, arquiteto Bención Timny, geógrafa Ângela Moraes Neves, professor Osmar
Fávero, técnico em educação, Bernardes Martins Lindoso, procurador Mauro Fonseca,
pedagoga Maria Pelegrini, arquiteto Celso Gomes de Oliveira, cartógrafo Hugo Carboggni
e o agrônomo Júlio Lizarraga Ramirez.
Apesar da participação de civis nessa equipe multidisciplinar, o projeto foi
coordenado pela Diretoria Fundiária e foi executado pelo Distrito de Terras de Mato
8
Grosso, criado pela portaria nº 521, de 21de dezembro de 1966, que se instalou em Campo
Grande a 16 de janeiro de 1967, chefiado principalmente pelos militares como esclarece
Ramirez.
O presidente do Ibra era o General Moraes; o diretor da DF era o
Dryden Castro Arezzo e o chefe da DFZ-03,era o coronel Clovis
Rodrigues Barbosa. O responsável pelos trabalhos topográficos era
o capitão Freitas, que seguia a orientação do general Araújo, chefe
da Cartografia da DF e os trabalhos de discriminação e arrecadação
de terras na área era coordenada pelo capitão Chuchu. (RAMIREZ,
2006, p.65)
Semelhante a uma “operação de guerra” foi iniciada a implantação do PICIguatemi, que com o Decreto nº 60.310, de 7 de março de 1967, regulamenta a
desapropriação de uma área de 42 mil hectares, isto é, todos que ali tinha propriedades
independente do tamanho ou forma que foi adquirida seriam desapropriados de suas terras.
Foram desenvolvidas outras ações, a exemplo, do reconhecimento de toda a área, o
cadastramento de todas as propriedades, e a realização de um censo dos moradores que
respectivamente ocupavam as propriedades. Foi registrada a confrontação alegada dos
terrenos, identificar os proprietários, reconhecida e examinada as documentações
respectivas, conferida nos cartórios as escrituras e seus registros.
Na medida em que se avançavam os trabalhos, iam sendo colocados em prática os
Programas, por exemplo, o Programa da Organização Fundiária, Programa da Organização
Territorial, Organização Administrativa, etc. Juntamente com esses três, outros programas
também foram colocados em prática, sendo eles solicitados a medida da necessidade.
No ano de 1967, foram executadas ações burocráticas e práticas relacionadas à
estrutura fundiária, sob a coordenação do Capitão Chuchu. Foram efetuadas as atividades
de desapropriação, arrecadação de terras e o reconhecimento de posses. Nesta mesma etapa
e ano realizou-se pelo Departamento de Pedologia do Ministério da agricultura um estudo
dos solos e dos recursos naturais. Dentre essas e outras atividades realizadas nesse ano
estiveram participando pessoas da própria região que foram selecionados e enviados ao Rio
de Janeiro para o fim de freqüentarem um curso de formação de topógrafos.
Estes passaram a auxiliar nos trabalhos topográficos, na execução de mediações, na
elaboração de mapas e plantas, que puderam ser confeccionados a partir dos levantamentos
8
topográficos. Estes trabalhos se apoiaram no registro aerofotogramétrico da região efetuado
pelos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul. Além dos topógrafos participaram outras pessoas,
tais como, os balizeiros e mateiros para abertura de centenas de quilômetros de picada na
mata.
Somente com a disponibilidade desses dados e a execução das atividades acima, se
poderia planejar e efetuar a nova divisão da área. Nota-se ainda que esse planejamento
deveria projetar uma subdivisão, tal que, resultasse um número certo de parcelas rurais, e
também lotes urbanos, com extensão variável, mas sempre dentro de certos limites, de
modo a permitir distribuição proporcional ao número de pessoas de cada família.
Com o andamento das atividades fundiárias e territoriais, foram organizadas equipes
técnicas e administrativas que inicialmente estava composta de 40 servidores: um
administrador; um engenheiro agrônomo coordenador do Setor Técnico; cinco técnicos
agrícolas no Grupo de Atividades Agrícolas; oito técnicos em Desenvolvimento
Comunitário (topógrafos treinados) no grupo de Atividades Sociais; um engenheiro civil e
dez topógrafos no Grupo de Infraestrutura; um contador, coordenador do Setor
Administrativo; dois auxiliares administrativos no Grupo de Material e cinco motoristas;
quatro auxiliares administrativos no Grupo de Finanças. Além dessas eram contratadas
outras pessoas por empreitadas (serviços eventuais), fazia parte da organização
administrativa o Conselho do Projeto formado por representantes do assentamento.
(RAMIREZ, 2006, p.66)
Durante essa fase de implantação do projeto era notável o rigor e a disciplina militar
conforme afirma Ramirez (2006, p.65) “as coisas tinha que acontecer, pois, o coronel
Clovis sempre lembrava que ‘a programação prevista tem ser cumprida sem dúvidas nem
murmuras, custe o que custar’”. Acrescenta-se ainda que“o coronel Clovis fixou nos
acessos à área, placas com os seguinte dizeres: ‘Aqui o impossível é realizado. Milagre
demora um pouco’” (p. 67). Sendo dirigido por militares, o Projeto era executado como
uma operação de “guerra” em nome da Segurança Nacional.
Procurou-se proteger toda área contra a invasão por parte de novos
ocupantes. Para isso, foi organizado um Serviço de Segurança, que
emitia documento de identidade aos moradores e funcionários, e
chegou a montar postos de guarda nas entradas da área. (História de
Mundo Novo)
8
De certo forma esta prática acelerava o andamento dos trabalhos, sendo que durante
o ano de 1968, foi projetada a divisão dos lotes com base nos levantamentos efetuados no
ano anterior. Os militares procuraram acatar a situação da ocupação que foi encontrada e
cadastrada, desde que ficasse respeitado o módulo estabelecido para a região (23 ha). Nesta
mesma ocasião foram demarcados dois centros urbanos: Mundo Novo e Japorã, além de
uma área destinada à reserva florestal somando um total de 8.000 hectares.
Várias atividades aconteciam de forma simultânea, tais como, a demarcação das
parcelas, abertura de estradas vicinais era acompanhada pela construção de algumas
edificações (casas e outras edificações). Ao mesmo tempo, precedia-se, a regularização das
documentações de posse, tendo sido arrolados 428 pessoas consideradas como futuros
parceleiros. Uma comissão, especialmente nomeada, foi incumbida de avaliar as
propriedades cadastradas, tendo apresentado um total de 382 laudos.
A primeira grande área desapropriada foi assim batizada de “Consolidação”, e a
segunda de “Extensão”. Com a execução de alguns Programas da metodologia em prática,
aos poucos foram se desenhando a estrutura fundiária e territorial, conforme as seguintes
tabelas:
Tabela 3 - Organização Fundiária da área de Consolidação
AREA DE CONSOLIDAÇÃO
DISTRIBUIÇÃO
817 parcelas
AREA em ha.
25.803,06
Núcleo Urbano de Mundo Novo
625,52
Núcleo Urbano de Japorã
178,55
Reserva Florestal
6.571,81
Solos hidromóficos
7.378,74
Área do Exército Brasileiro (Quartel)
Área do INCRA (Administração)
Área de 41 Escolas Rurais
64,46
4,73
15,60
Estradas
479,89
Fazenda Tapuí-Cuê
856,47
TOTAL
Fonte: História de Mundo Novo
41.978,83
8
Nota-se na tabela-1, que na área de Consolidação foram projetadas 817 parcelas
para uma área de 25.803,06 hectares, o que seria uma média de 31 ha para cada parcela. No
entanto, o parcelamento não ocorreu de forma homogênea, ou seja, as parcelas foram
divididas em diversos tamanhos, sendo que algumas chegaram a aproximadamente 100
hectares. Entre as áreas Consolidação e Expansão foram parcelados uma área de 33.520,70
hectares, comparando a tabela 1 e a 2.
Tabela 4 - Organização Fundiária da área de Expansão
ÁREA DE EXPANSÃO
DISTRIBUIÇÃO
AREA em ha.
203 Parcelas
7.717,64
Núcleo Urbano de Jacareí
49,29
Reserva Florestal
150,97
Área da FUNAI
1.639,89
Áreas excluídas
*22.035,35
TOTAL
31.593,14
Fonte: História de Mundo Novo
Na área de Expansão foram destinados 7.717,64 ha para um número de 203
parcelas, hipoteticamente o tamanho das parcelas ficaria entorno de 38 ha para cada uma,
maiores que as da área de Consolidação. Referente a essa questão de dimensão na área de
Expansão do projeto (tabela 2), nota-se a existência do item ‘áreas excluídas’, isto é,
significa que não foi parcelada uma área de 22.035,35 ha, desse número 5.508,58 ha foram
destinadas à reserva florestal, porém ficaram 16.526,77 ha, excluídas do parcelamento,
sendo a sua utilidade é revelada ao observar a organização territorial dessa área (tabela 3).
Tabela 5 - Organização Territorial das áreas de Consolidação e Expansão
ORG. TERRITORIAL DA ÁREA DE CONSOLIDAÇÃO
QUANTIDADE
TERRITÓRIOS
02
Núcleos Urbanos
3200
Número de lotes neles contidos
817
Parcelas
01
Área do Exército Brasileiro
01
Área Excluída (Fazenda Tapuí-Cuê)
ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DA ÁREA DE EXPANSÃO
01
Núcleo Urbano
349
Número de Lotes nele contido
8
Parcelas
Áreas Excluídas
203
12
Fonte: História de Mundo Novo
De modo geral, a organização territorial do PIC-Iguatemi ficou estrutura em 03
núcleos urbanos Mundo Novo, Japorã e Jacareí contendo neles um total de 3.549 lotes. Na
área rural foram projetadas 1020 parcelas.
A conclusão das tarefas de organização fundiária e territorial nas áreas de Consolidação e
Expansão não se concretizou de forma simultânea, ou seja, durante o ano de 1969,
prosseguiram os trabalhos, de demarcação de parcelas. Nesse mesmo ano foram
selecionados, 224 candidatos às parcelas que já estavam disponíveis, iniciando assim, outra
atividade denominada Programa de Assentamento de colonização.
4 - Ocupantes do Assentamento Rural do PIC - Iguatemi.
O termo assentamento rural, conforme Leite (2005) parece datar de meados dos
anos 1960, muito utilizado nos relatórios de programas agrários na América latina para
determinar a transferência ou alocação de determinados grupo de famílias de trabalhadores
rurais despossuídos da terra. No Brasil, tal definição esteve atrelada a uma atuação estatal
direcionada ao controle e a delimitação do novo “espaço” criado. Mas, aqui os
assentamentos rurais são característicos dos processos de lutas e conquistas da terra,
encaminhados pelos trabalhadores rurais. Entretanto, o termo assentamento rural possui
várias definições, tais como:
Projetos de reforma agrária (oriundas da atuação do governo sob a
vigência do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA, 1985,
2002); reassentamentos (derivados da realocação de população rural
em função da construção de usinas hidrelétricas, especialmente
durante os anos de 1980); projeto de colonização (do programa
oficial de colonização, ocorrida, sobretudo, no período de 1970-85);
projetos de valorização de terras públicas (fruto da ação de distintos
governos, principalmente estaduais, na utilização de recursos
fundiários públicos de reforma agrária, prática em voga durante
anos 1980); e, ainda, reservas ou projetos (agro) extrativistas
(advindos dos planos de demarcação de reservas, com ênfase na
região Nordeste do país, a partir das décadas de 1980 e 1990.
(LEITE, 2005, p.44/45).
8
Dentre as várias definições que se emprega ao termo assentamento rural, o projeto
Iguatemi se enquadra numa proposta de colonização. Cabe aqui destacar que os
assentamentos rurais dos projetos de colonização possuem diferenças com os dos projetos
de reforma agrária22, ou seja, assumem conotações políticas diferentes23, particularidades
essas que não entraremos em detalhe nesse momento.
O Assentamento de Iguatemi reuniu camponeses que ali já morava; expulsos do campo com
a política econômica e a modernização da agricultura, camponeses atingidos por barragens
no sul do país e outros de situações conflituosas como os do Sudoeste do Paraná e de Santa
Fé do Sul em São Paulo, como aponta a tabela 4.
Tabela 6 - Assentados no PIC - Iguatemi
ASSENTADOS NO PIC IGUATEMI
Origem
Moradores da região
Famílias selecionadas no período de 1969-1970
Santa Fé do Sul, SP (Convênio com FETRASP e Igreja Metodista
do Brasil)
Sudoeste do Paraná (Convênio com GESTOP)
Passo Fundo – RS (Convênio com a ELETROSUL)
TOTAL
Nº de Famílias
454
405
43
33
85
1.020
Foram (re) assentadas 454 famílias que já residiam na área loteada. Dentre estas,
várias já eram proprietárias na área, isto é, os pioneiros que ali tinham adquirido terra
22
23
Mesmo os assentamentos rurais que são derivados de projetos de reforma agrária são diferentes, entre si,
seja: na forma de conquista através da compra, a exemplo, os do Banco da Terra ou das lutas sociais
(movimentos e sindicatos); na forma de regimento coletivo e individual; na extensão dos lotes de terras,
ou sejam, uns obedecem outros não, o modulo rural estabelecido; na esta na estrutura física, com boas
moradias, água encanada, luz elétrica, estradas, transporte escolar e etc., ou até mesmo, assentamentos que
não possuam mínimas condições de sobrevivência. Diante da diversidade de assentamentos rurais
considerados de projetos de reforma agrária pode se dizer que não possuem homogeneidade na questão de
perfeição, entretanto, em nossa opinião vemos que assentamento “perfeito” de reforma agrária, são
aqueles disponibilizam de condições estruturais que possibilita o assentado desenvolver as suas atividades
de modo que garanta a sua sobrevivência e reprodução social e econômica, e principalmente, tenha a
garantia de sua autonomia. Não basta apenas, distribuir “pedaços” de terras, muitas vezes impróprios para
cultivo agrícola ou mesmo em lugares de difícil acesso e falar que isso é assentamento rural de reforma
agrária.
Os assentamentos de colonização de modo geral são dispostos para atender os interesses de grandes
grupos econômicos, isto é, contribuindo na expansão do capitalismo em áreas antes “inexploradas”
economicamente. Já os assentamentos de reforma agrária, disseminados a partir das lutas dos
trabalhadores rurais sem terra, tem-se constituídos nas áreas aonde são mais intensas as relações
capitalista, a exemplo, nos estados do Centro-Sul, RS, SC, PR, SP e MS que foram realizadas as primeiras
ocupações de terra, concentrado, assim também, maior número de assentamentos.
8
através da compra e foram desapropriadas. Outras famílias eram de arrendatários que
trabalhavam em terras alheias, bem como famílias constituídas de trabalhadores rurais que
não pertenciam a essas categorias (proprietários ou arrendatários).
Em outros casos as famílias eram deslocadas para outros lotes (parcelas), às vezes
contra-vontade das pessoas removidas. Nem sempre era pacífica essa remoção, mas não
havia confronto ou alguma organização em massa, até porque esse processo era executado
pelos militares (Exército Brasileiro). Mas havia a latência do conflito como relata o Sr.
Silva.
O Incra me desapropriou, depois o capitão Chuchu ainda me
mandou tirar terra no Paraguai. Aí eu falei para ele, oh capitão!
Dizem que a terra no Paraguai boa e a proposta do senhor também é
boa, mas o errado fui eu né, aí ele disse por quê? Eu disse pra ele ,
quando eu trabalhei no cabo do machado para comprar esses dois
alqueires aqui, não imaginava que o Brasil não me cabia, capitão o
senhor faz o seguinte, me pegue com as duas mãos e me põe lá na
estrada, mas não jogue com força se não me machuca. Daí então ele
me deu dois alqueire. (Depoimento de Silva, 2008)
Embora seja um relato carregado de ironias, no entanto, retrata a realidade da época,
ou seja, como se sentia os camponeses que ali tinha adquiridos o seu pedaço de terra e
depois se viu na condição de desapropriado, mesmo sabendo que seria (re) assentado.
Tal situação de desapropriação foi recebida de forma insatisfatória por parte de
alguns proprietários, fazendo com os trabalhos de imissão de posse sofressem varias
delongas e atrasos. Primeiro, porque muitos dos proprietários expropriados não se
conformaram e recorreram a Justiça, visando receber indenizações maiores que a
estipulada. Vários proprietários impetraram Mandado de Segurança, cuja liminar,
entretanto, não foi concedida, sobretudo quando se tratava de pequenos proprietários.
Durante o período de 1969-70 foram selecionadas famílias que haviam chegado a
Mundo Novo no período da implantação do projeto. Dentre essas, 405 conseguiram ser
alocadas, conforme aponta Ramirez (2006, p.68) “quando realizamos o processo de seleção
houve muitos candidatos. A maioria ficou perto da área, realizando trabalhos esporádicos,
aguardando a ampliação do projeto, outros entraram no Paraguai”. Essas famílias eram de
8
parentes e principalmente amigos das outras que já moravam a mais tempo na área.24.
Entretanto, cabe aqui lembrar o contexto que estava inserido essas pessoas que
migravam para essa região nesse período, pois alguns vieram do interior do Estado de São
Paulo e do Estado do Paraná, especialmente do Norte e Noroeste. Estes trabalhadores rurais
estiveram por um bom período empregado no cultivo do café, formando cafezais,
cultivando como colonos. No entanto, nos anos de 1960, o setor cafeeiro entrou em crise,
época que se se instala no país o Governo Militar e implanta uma política agrícola baseada
na modernização da agricultura.
As pequenas propriedades, com áreas entre 10 a 15 hectares e até
menores, foram incorporadas por empresários ou subordinadas a
estes. Passaram a predominar áreas de no mínimo 50 hectares,
substituindo grande parte dos cafezais por cultivos de soja e trigo
(BATISTA, 1990, 170).
A erradicação do café e a substituição dessa cultura por outras ou pela pecuária,
especialmente, no noroeste e norte do Estado do Paraná, fizeram com que inúmeras
famílias migrassem para outras regiões, quando não para o país vizinho o Paraguai, na
busca de novas terras a serem desbravadas como as do Estado de Mato Grosso e Rondônia.
Para os camponeses expulsos do campo com a política da modernização da
agricultura, uma das poucas alternativas existentes seria se sujeitar a proletarização ou
migrar para novas áreas para continuar como camponês, considerando que nessa época os
militares procuravam conter qualquer manifestação social. As lutas e os conflitos pela terra
que existiam nesse período haviam sofrido intervenção dos militares. Para minimizar os
conflitos em alguns casos ofertavam terras em outras regiões como foi no caso de projetos
de “colonização dirigida”.
Originárias do conflito do conflito no Sudoeste com o GETSOP (grupo executivo de
terras do sudoeste do Paraná), foram assentadas 33 famílias. Nas regiões de Pato Branco,
24
MOLINA, Maria Ignez Guerra. Migração Rural-Rural: analise sociológica da migração dos
Parceleiros do Projeto Iguatemi. Piracicaba: USP, 1970 (Tese de Doutorado). Ao descrever sobre os
meios de comunicação na migração dos parceleiros do Iguatemi, destaca que as “relações interpessoais
têm grande importância na decisão de migrar e na escolha de uma comunidade de adoção e são, também
um meio de comunicação muito utilizado pelos migrantes” (p.126) como também, apresenta um quadro
destacando os meios de comunicação utilizados pelos migrantes que ocuparam esse lugar, que através de “
jornal 0%, parentes 14%, amigos 57,5%, corretor 6,6% e outros 14%” (p.129), vê-se uma proporção de
8
Francisco Beltrão e Capanema ocorreu no ano de 1957 a chamada Revolta dos Colonos,
localidades essas que foram ocupadas principalmente por colonos sulistas (de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul) que iam comprando terras de Companhias Colonizadoras.
Entretanto, ali a situação era extremamente confusa, pois se tratava de uma área litigiosa
entre o governo da União e o governo estadual, pois ambos os governos fizeram concessões
de terras que eram vendidas pelas Companhias imobiliárias.
Nesta região sudoeste os camponeses se organizaram contra a violência cometida
pela Cia. colonizadora, como descreve Martins (1981).
Em outubro houve a revolta, conclamada para resistir a um ataque
geral de jagunços da Citla, a empresa ligada a Lupion. Os
camponeses formaram assembléias Gerais do Povo em Pato
Branco, Francisco Beltrão, Capanema e Santo Antônio. Juntas
Governativas foram eleitas em todos esses lugares. Só em Beltrão,
4.000 camponeses marcharam sobre a cidade. As autoridades locais
fugiram. Estações de rádio foram tomadas, após negociações com o
chefe da Policia Militar nas várias localidades, as juntas
governativas se dissolveram. (MARTINS, 1981, p. 75).
A violência se perdurou na região com apoio do governo Lupion, que tinha
proximidade com o governo Federal. A situação só começou a mudar após 1961 com a
saída de Juscelino Kubitschek da presidência. Em 1962 foi criado o GETSOP (Grupo
Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná), entendido Martins (1983, p.21-22) como um
“precedente da intervenção militar nas lutas rurais”, pois o “GETSOP era um organismo
ligado a Casa Militar da Presidência da República, fato que já indica o envolvimento militar
na questão da terra” antes mesmo do próprio golpe militar de 1964.
Somadas ás famílias do sudoeste paranaense se juntaram outras 43 famílias
originárias de Santa Fé do Sul, no Estado de São Paulo que também foram assentadas no
projeto Iguatemi. Em Santa fé, havia conflitos entre camponeses e fazendeiros, em 1959/60.
A situação ali foi peculiar porque se tratava de arrendatários que legalmente não podiam
reclamar reconhecimento de posse da terra. Mesmo assim, diante da possibilidade dos
camponeses serem despejados, com a participação de integrante do Partido Comunista,
foram desenvolvidas lutas em torno da prorrogação dos contratos de arrendamento.
71,5% para parentes e amigos se quiser considerar as relações informais.
9
Os camponeses arrendatários de Santa Fé do Sul que trabalhavam na derrubada das
matas e formação de pastagens não tinham para onde ir com o fim dos arrendamentos e
passaram a protestar contra a expulsão da terra. Decidiram arrancar o capim que haviam
plantado. Se o capim era o motivo da não-prorrogação do contrato com a “operação
arranca-capim”. (MARTINS, 1981, p. 76)
O desfecho do movimento deflagrado em 1959/60 não foi satisfatório, pois os
camponeses foram derrotados nos tribunais; expulsos da terra e os lideres do movimento
foram presos. Assim, outro movimento social de pequenos arrendatários foi desencadeado
em 1968 e 1969 na mesma região, quando surgiram tensionamentos pelo mesmo motivo
movimento anterior de 1959/60, o adiamento dos contratos.
Na analise de Chaia (1997), esse movimento foi adquirindo especificidade própria
porque em alguns momentos foi “dirigido” pelo Sindicato, pelo IPPH (Instituto Paulista de
Promoção Humana), INTEC (Instituto Noroeste de Trabalho, Educação e Cultura) já
precedido pelo CTA (Centro de Treinamento Agrícola), sendo que estas entidades estavam
ligadas á igreja católica (Diocese de Lins). Mais tarde o movimento dos arrendatários se
vinculou à Igreja Metodista.
Uma das medidas tomadas foi a criação da Cooperativa Agrícola Mista de Santa Fé
do Sul em janeiro de 1969, que tinha como objetivo organizar os trabalhadores e
possibilitar a compra das terras em questão. Além disso, foi elaborado o documento
denominado “Clamor de Justiça – Reforma Agrária”.
A reforma agrária, proposta nesse documento sugeria a desapropriação da área
conflituosa, pois estaria assim amparada pelo Estatuto da Terra. O governo deveria adquirir,
dividir e distribuir a terra entre os arrendatários. Mais tarde esta área foi inundada com a
construção Usina de Ilha Solteira, impossibilitando desapropriação para o assentamento das
famílias.
Os arrendatários foram expulsos da área, mas se recusaram sair de Santa Fé, ficando
alojados em casa de amigos, pois a sua permanência era para pressionar a FNT e o Governo
a encontrar uma solução para a situação criada, quando foram transferidas para o projeto
Iguatemi.
Foi nesta ocasião que o Governo Costa e Silva resolveu o conflito,
oferecendo a possibilidade de compra de terras pelos arrendatários,
9
financiada em um prazo de 20 anos, por meio de prestações anuais.
O governo deu um prazo de carência de dois anos para que os
arrendatários se estabelecessem nas novas terras. As famílias que
aceitaram foram transferidas para os lotes, que faziam parte do
Projeto de Colonização do Incra, em Mundo Novo, no Mato Grosso
do Sul. (CHAIA, 1997, p.43)
Outro grupo de famílias foi reassentado no Projeto Iguatemi (85 famílias), ou seja,
aquelas que tiveram suas terras inundadas pela Represa Passo Real, projetada pela
Eletrosul, na bacia do Rio Uruguai, no Estado do Rio Grande do Sul. “No caso das
barragens hidrelétricas, a desapropriação baseia-se no principio legal da utilidade pública.
Por isso, a luta contra as barragens configura-se como a luta contra a expropriação feita
pelo Estado em nome da sociedade” (GRZYBOSWKI, 1991, p.25).
Os camponeses reassentados, nos anos de 1980, desencadearam uma serie de lutas
contra as construções de barragens de forma organizada no MAB (Movimento de Atingidos
por Barragens). No entanto, essas lutas não eram contra o latifundiário, ou empresas
industriais, comerciais e financeiras, mas contra a inundação das suas terras pelas águas de
das hidrelétricas. A defesa da terra e oposição as barragens aparecem como uma defesa de
um espaço social e culturalmente organizado, com relações de parentesco, vizinhança e
amizade, com suas escolas, igrejas e cemitérios.
A área de instalação do assentamento do Projeto Iguatemi era considerada pelo
Governo Federal como área de Segurança Nacional, dada a sua proximidade com o
Paraguai. Por este motivo os militares controlavam tanto as zonas fronteiriças e as
atividades do projeto, como também interferiam em situações que envolviam a questão
agrária a nível nacional.
5 - A organização social e produtiva dos camponeses no PIC-Iguatemi.
Antes de explicar essa organização social e o que foram essas UATP (Unidades
Agrárias de Trabalho e Produção) cabe aqui destacar que os referenciais bibliográficos
consultados são Molina (1970), Petrone (1974), Mundo Novo (2000) e Ramirez (2006).
Petrone (1974, p. 88) no “I Encontro Nacional de Geógrafos” exemplifica “a
utilização da Metodologia adotada pelo INCRA, com o Projeto Iguatemi, localizado ao Sul
de Mato Grosso”. O autor faz uma previa avaliação do projeto e declara na época a
9
metodologia adotada como algo racional.
Considerando a necessidade de se testar uma metodologia de
execução de Projetos, adaptadas a realidade de um país em
desenvolvimento como o Brasil, onde os recursos humanos e
materiais devem ser utilizados da maneira mais racional possível, e
dentro de um critério de máxima economicidade para obter o
máximo rendimento; considerando ainda, os fatores distância,
dispersão da população, recursos técnicos e financeiros disponíveis,
optou-se por organizar a população em Unidade Agrárias de
Trabalho e Produção (UATPs) a fim de permitir uma efetiva
colaboração dos beneficiários no desenvolvimento do Projeto.
(PETRONE, 1974, p.89)
Na medida em que se foi constituindo o assentamento, era dada continuidade na a
implantação e desenvolvimento da metodologia que estava prevista pelo governo federal
para esse Projeto. Uma das primeiras atividades seria a Organização Social dos assentados,
sendo uma das medidas a criação das UATP.
Antecedendo as UATP, foram criadas as U.B.O. (Unidades Básicas Operacionais),
que já era descrita como sucesso nos projetos de colonização.
Outro elemento de notável influencia no feliz sucesso do Plano, foi
à criação de 60 Unidades Básicas Operacionais, entregues a
responsabilidade e à operosidade dos próprios parceleiros. Dava-se,
assim, início à organização sócio-econômica da comunidade, que
passou a agir graças ao trabalho dos agricultores e pecuaristas, que a
integravam. (História de Mundo Novo)
Para Ramirez (2006), a metodologia adotada é vista de forma apologética que
despertou interesse por várias instituições.
A organização social dos assentados foi à chave principal para o
sucesso do projeto, chamando a atenção de muitos órgãos,
instituições e universidades que realizaram várias pesquisas e
estudos. Como foi o caso da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (Esalq), IPEA, Projeto Rondon, Bolsas de Cereais de São
Paulo, SNI, Escola Superior de Guerra, PUC/RJ, entre
outras...(RAMIREZ, 2006, p.68)
A implantação das U.B.O (Unidades Básicas Operacionais), ficando mais conhecida
por UATP (Unidades Agrárias de Trabalho e Produção) norteou a organização social dos
9
parceleiros, sendo formandos grupos de 6 a 12 famílias que constitui uma UATP. Todos os
membros (chefes de família) tinham uma tarefa específica dentro da Unidade Agrária. Era
uma responsabilidade com a comunidade como, por exemplo, chamados de encarregados,
pela saúde, habitação, crédito, comercialização, desmatamento, infra-estrutura, distribuição
de sementes, comunicação, controle de ocupação, etc.
Apostando nessa metodologia, são projetadas as UATP na área do Projeto. Dessa
forma, a área do projeto foi dividida em quatro glebas disposta as Unidades. Na primeira
área do Projeto (chamada de Consolidação) foi formado um número de 95 Unidades
Agrárias, como demonstra na figura -3, constando em cada, um número de 6 a 12
parceleiros.
Figura 5 - Distribuição e Localização das UATP na Área de Consolidação
O critério utilizado na formação dos grupos foi apenas a proximidade residencial (o
de vizinhança). Havia reuniões periódicas ou quando se fazia necessária, seja ela da
Unidade como um todo ou com parte dos encarregados.
Comunicação - responsável pela convocação de reuniões, transmitir
avisos da administração para os membros da Unidade e vice-versa
(pelo critério de escolha adotada por eles, recaía no assentado que
tinha maior número de filhos, segundo os assentados, quem tinha
maior número de filhos podia convocar reuniões em menos tempo
em caso de urgência); Agricultura - responsável pelos
9
levantamentos de necessidades de insumos agrícolas, áreas de
plantio, organização de mutirões para colheitas, etc.; Educação –
responsável pela freqüência de crianças na escola, realização de
mutirões para conservação das escolas, etc. Assim por diante em
outras atividades como, saúde, infra-estrutura, comercialização,
crédito, habitação, cooperativa e representante no Conselho.
(RAMIREZ, 2006, p.69)
De acordo com Molina (1970) na visão do INCRA a instituição dessas Unidades
Agrárias tinha a pretensão que fossem um instrumento da qual os parceleiro
progressivamente, se entrosassem no processo de tomada de decisões e desenvolvimento da
comunidade. Nessa mesma direção, Ramirez (2006) complementa que cada grupo teria
participação junto à administração do Projeto para pleitear, sugerir, cobrar e assumir as
atividades inerentes a sua implantação.
Por outro lado, essas UATP eram regidas por um documento chamado “Normas de
Funcionamento” (MOLINA, 1970, p. 169) que prescrevia os objetivos, o desenvolvimento
dessas Unidades, como também as atribuições de cada encarregado. Por exemplo, o
encarregado de infra-estrutura tinha as seguintes atribuições:
a) comunicar ao Supervisor Técnico sobre a necessidade de abertura
e conservação de estradas, de ponte, etc.; b) promover “mutirões”
para a construção de moradias, consertos de estradas, pontes, etc; c)
solicitar providência do Supervisor Técnico quando houver
dificuldades na identificação de divisas; d) promover
periodicamente a limpeza das divisas com a participação dos
integrantes da Unidade; e) fiscalizar a conservação dos marcos.
Mas, a participação dos parceleiros limitava-se mais a execução de tarefas do que às
decisões inerentes a administração do Projeto. Além disso, a implantação desse modelo
organização social, ocorreu de forma submissa, demonstrando que estava prevista na
própria implantação do Projeto, pois já havia sido viabilizada pelas as atividades anteriores
ao assentamento. A submissão correu desde o inicio do processo de desapropriação,
conforme aponta Molina (1970, p. 52) “mesmo aqueles que já residiam na área há 5 ou 10
anos, que nela queria permanecer, só poderia fazê-lo sujeitando-se a certas condições
básicas [...] no sistema social em questão”.
O modelo imposto não restringia apenas à cobrança na participação dos parceleiros
9
nos trabalhos comunitários, mutirões, fiscalização e levantamentos. Estendia-se também à
produção. Uma das primeiras medidas foi à intervenção no setor agrícola que em 1969/70
institui a chamada Programação de Emergência. Esta programação teve um caráter
experimental baseado em informações técnicas e sociais (solos, clima, aproveitamento de
área, tradição agrícola dos parceleiros) foram escolhidas as culturas de “milho, com 28% da
área total cultivada; arroz, 22%; soja, 21%; feijão, 10%; amendoim, 8%; algodão 7% e trigo
4%” (MOLINA, 1970, p. 44).
A padronização dos cultivos a implantação das Unidades Agrárias foi assimilada
para desenvolver o associativismo com uma produção em escala, semelhante a uma
empresa agrícola. Não é possível afirmar que foi criada entre os parceleiros uma nova
mentalidade, mas sim sujeição. Isso porque essa organização foi imposta e obrigatória. Aos
mesmos moldes de imposição foi implantada a CAMPAI (Cooperativa Agrícola Mista do
Projeto de Assentamento Iguatemi Ltda.), sendo todos os parceleiros associados e tendo que
comercializar a produção com a Cooperativa.
Foi estimulado pelo governo no projeto Iguatemi um modelo agrícola totalmente
integrado ao mercado, sendo o primeiro passo para isso, a padronização dos cultivos, ou
seja, praticamente todos parceleiros deveriam cultivar as mesmas espécies. Não houve
estímulo à produção para o autoconsumo das famílias assentadas no projeto.
A partir dessa circunstancia é que se implantou a empresa cooperativa (CIRA Cooperativa Integral de Reforma Agrária), prevista inclusive no Estatuto da Terra (Capitulo I,
artigo 4º, parágrafo VIII) para as áreas de colonização, como foi o Projeto Iguatemi.
"Cooperativa Integral de Reforma Agrária (CIRA)", toda sociedade
cooperativa mista, de natureza civil, (...) Vetado (...) criada nas áreas
prioritárias de Reforma Agrária, contando temporariamente com a
contribuição financeira e técnica do Poder Público, através do Instituto
Brasileiro de Reforma Agrária, com a finalidade de industrializar,
beneficiar, preparar e padronizar a produção agropecuária, bem como
realizar os demais objetivos previstos na legislação vigente;
A instituição da CAMPAI, exemplo de CIRA (Cooperativa Integral de Reforma
Agrária) tinha como função principal ser um mecanismo de inserção do parceleiro no
sistema capitalista. No entanto, tinha ele que organizar sua atividade econômica segundo os
critérios da racionalidade do capital. Um dos primeiros passos foi ter uma “produção em
9
escala”.
Apesar de a CAMPAI assumir a comercialização e disponibilizar crédito, esta
cooperativa não ofereceu benefícios significativos aos parceleiros, pois ela monopolizava a
aquisição dos produtos agrícolas dos parceleiros assentados. Com exceção a um limite de
crédito disponível e a comercialização não foi desenvolvida por essa Cooperativa nenhuma
outra política. Assim, a cooperativa era como uma grande empresa comercial atuando
dentro da racionalidade capitalista.
Tal relação foi possível de ser empreendida porque para ter direito á terra os
camponeses tiveram que se enquadrar nas determinações do sistema implantado. Mas, os
camponeses, ao comercializar a produção agrícola exclusivamente com a cooperativa,
desenvolveram um conjunto de atividades agrícolas não comerciais vinculadas ao
autoconsumo das famílias, caracterizando uma produção não-capitalista. Isso ia ao
contrário daquilo que projetava o governo e a cooperativa, ou seja, pequenos agricultores
empresariais vinculados á dinâmica capitalista de produção. Neste sentido, embora não
houvesse lutas e mobilizações no assentamento Iguatemi, este território, embora dominado
pelo Exército, apresentava conteúdo de resistência à relações capitalistas de produção.
6 - Imposição e estratégica de defesa na produção agrícola dos parceleiros.
A área de terra distribuída para cada família no Projeto Iguatemi levava em
consideração o número de membros da família. Mas, foram também assentadas no Projeto
Iguatemi famílias que não tinham nenhum recurso econômico e outros que possuíam algum
recurso financeiro. Aqueles que possuíam pouco recurso financeiro normalmente eram
encaminhados para a atividade agrícola, isto é, recebia uma quantidade de terra
proporcional ao tamanho da família, e com o mínimo de subsídio 25 .
Aqueles de maiores posses poderiam optar pela pecuária, ou seja, para esses, a área
de terra ofertada não obedecia necessariamente o tamanho da família, mas sim a vocação e
a disponibilidade econômica. Havia para estes um volume maior de crédito e até mesmo a
25
Apenas no primeiro ano que o parceleiro entrava na terra recebia uma determinada quantidade de
mantimentos que às vezes esse fornecimento era suspenso antes mesmo do parceleiro realizar a sua
primeira colheita. Depois nos próprios primeiros anos foi disponibilizada as linhas de crédito, entretanto,
com limitação e para determinadas culturas, como também, não estendia para a criação de gado, estava
9
dispensa da obrigatoriedade na comercialização da produção com a cooperativa.
Os camponeses não-pecuaristas cultivavam soja, amendoim, algodão, milho de
acordo com a orientação da cooperativa. Outro produtos também eram cultivados mas não
tinha muita aceitação comercial como feijão, o arroz, trigo, alem de tubérculos, hortaliças e
plantas frutíferas.
Se por um lado, de modo geral os camponeses pioneiros tinham dificuldade em
comercializar sua produção, com a implantação do Projeto Iguatemi, houve alguns avanços.
Isso diz respeito à infra-estrutura como a construção de estradas que facilitou o transporte
da produção. Porém esses produtores estavam subordinados a empresa cooperativa, isto é,
com exceção de alguns produtores que “transgrediam” as regras vendendo sua produção em
localidades vizinhas26, não tinham autonomia para decidir sobre o comércio da produção.
Os camponeses mais frágeis economicamente procuravam intensificar a produção
comercial como o milho que poderia também ser utilizado no lote para a sustentação de
outras atividades. Nesta conjuntura de uma produção voltada para o autoconsumo,
adotando a diversificação e seleção dos cultivos que os camponeses amenizavam a sujeição
impostam na circulação de seus produtos. Depois de muitas manifestações contrárias, em
1975 foi rompido o monopólio da comercialização da produção agrícola com a cooperativa.
6 - As transformações socioeconômicas a partir de 1970 em Mundo Novo.
Apesar dos limites apontados anteriormente, o Projeto de Colonização Iguatemi
contribui significativamente na transformação socioeconômica de Mundo Novo. Através de
sua implantação foram criados núcleos urbanos, construídos estradas, escolas urbanas e
rurais, repartições públicas, redes elétricas, saneamento, enfim, foi implantada toda uma
infra-estrutura favorável ao desenvolvimento desse município.
A instalação do projeto também teve desdobramento na dinâmica populacional de
Mundo Novo. Isso pode ser constado nos dados no Censo Demográfico do Estado do Mato
Grosso de 1970, onde consta que Mundo Novo, distrito do município de Iguatemi, possuía
26
restrita apenas para a agricultura.
Em depoimentos de moradores pioneiros nesse município pudemos constatar que alguns dos
parceleiros vendiam parte de sua produção em municípios vizinhos, como também no Paraguai. Quando
ocorria esse feito, o transporte era realizado a noite, no entanto, nem toda essa venda fora da cooperativa
era totalmente clandestina, alguns parceleiros comunicavam ao órgão responsável (INCRA) o motivo
necessário, tendo em vista que a cooperativa não efetuava o pagamento no ato da entrega da produção.
9
uma população de 8.142 habitantes, sendo 890 pessoas no núcleo urbano e 7.252 residindo
na área rural. Esse total de habitantes de Mundo Novo superava a do município sede,
Iguatemi, que possuía um total de 5.486 pessoas.
A existência desse número de habitantes na área rural revela que a força trabalho
familiar era o carro chefe da atividade agrícola desempenhada nesse momento. Isso se
devia ao manejo dos cultivos feito manualmente, pois pouco se utilizavam máquinas
agrícolas.
Durante o período que o Incra e a cooperativa atuaram mais intensamente (19671975), praticamente as relações sociais e econômicas dos parceleiros eram controladas por
esses órgãos. Não era permitida, inclusive, a entrada de outras famílias que não fosse
componente do núcleo familiar assentado, ou seja, os camponeses parceleiros não podiam
alojar outra família que não fosse a sua, nem mesmo se essa outra tivesse um grau
parentesco próximo (pais, irmão, tios).
Na medida em que esses órgãos foram afrouxando esse controle, outros núcleos
familiares foram sendo introduzidos em uma mesma parcela de terra, principalmente
parentes e amigos oriundos de outras regiões e Estados (Paraná e São Paulo) para
trabalharem na condição de parceiros. Isso contribuiu para o aumento populacional, tanto
urbano e rural, elevando a população do município em 1980 para 31.156 habitantes, sendo
que 14 mil27 residiam na área rural.
As ocupações urbanas se restringem principalmente ao comércio e atividade
extrativista madeireira, sendo que em 1980 constavam 38 empresas28 ligadas ao setor
madeireiro e comercial. Na área rural era desenvolvida a pecuária nas maiores áreas de
terra, e agricultura nas áreas menores.
No período que corresponde entre a década de 1970-1980, dentre os cultivos
agrícolas comerciais, encontrava-se principalmente a soja, o algodão, feijão, café e o
amendoim, os quais era muito utilizada a força de trabalho manual, sobretudo, na época da
colheita, quando demandava de muita mão-de-obra.
Após 1975, com a rescisão do contrato obrigatório com a cooperativa, esses
agricultores tornaram “livres” na escolha para quem vender sua produção, o que fez
27
28
Fonte obtida Censo Demográfico de 1980 e estimativas do Datasus.
Censo Industrial de Mato Grosso do Sul de 1980.
9
aumentar o número de compradores de cereais (cerealistas). Alguns desses comerciantes de
cereais tornaram-se parceiros dos produtores, isto é, tendo esses uma condição econômica
mais avantajada passaram a adquirir maquinários e implementos agrícolas que eram
empregados na preparação do solo e no plantio. Nesses casos, a comercialização da
produção tinha exclusividade com esse comerciante, criando uma dependência não mais da
cooperativa, mas agora da cerealista.
Embora tivesse importante produção agropecuária, o município de Mundo Novo
não registra importante atividade industrial de produtos agrícolas, a não serem as pequenas
“máquinas de benefício de arroz”. Em 1988 a Copagril (empresa paranaense) instalou uma
unidade beneficiadora de algodão que logo teve seu funcionamento interrompido. A
atualmente encontra-se em atividade a empresa Fecularia Mundo Novo ligada ao
processamento da mandioca.
Estas informações demonstram que o cultivo dos produtos agrícolas comerciais
nesse município esteve sempre voltado para o abastecimento de outras regiões, ou seja,
uma produção agrícola estritamente comercial.
Entretanto, a agricultura mundonovense não ficou isenta da expansão capitalista da
modernização da agricultura, processo esse que de modo geral, provocou a
expropriação/expulsão dos pequenos agricultores. A falta de subsídios a esses trabalhadores
contribuiu para que muitos migrassem para a cidade ou para a fronteira agrícola amazônica.
Uma importante parcela dos expropriados ou expulsa da terra se destinou para o Paraguai.
Os produtores que intensificaram suas atividades na produção de gêneros
comerciais foram direcionando os seus recursos para esse fim. Mas, em vista dos vínculos
comerciais ficaram submissos a um sistema clientelista (compradores de cereais). A
modernização e biotecnologia com as modificações genéticas de determinadas espécies
(soja) também fizeram com que os produtores agrícolas ficassem atrelados aos insumos
industrializados. Acrescenta-se a este processo de subordinação a aquisição de implementos
mecânicos específico para esses cultivos através do sistema de crédito.
À medida que esses agricultores se especializavam nesses cultivos mergulhavam na
incerteza e nos mistérios do mercado conforme afirma Martins (2002).
“Quando o produtor familiar mergulha plenamente na divisão do
trabalho social e se torna um produtor especializado, mergulha
1
também nas incertezas e nos mistérios do mercado, expressões de
uma vontade que não é sua. A possibilidade de ganhos altos com a
produção de soja, anos depois desta exposição, levou muitos
pequenos agricultores do sul à ruína e à miséria, pois não tinham a
sobrevivência assegurada por sua própria produção de gêneros de
subsistência”. (MARTINS, 2002, p.78)
Essa menção de Martins pode ser utilizada para interpretar as duas faces da
realidade dos produtores em Mundo Novo: os que mergulharam na incerteza do mercado e
os que asseguravam a sua sobrevivência através de sua produção de subsistência. Para esses
últimos uma medida foi diversificar suas atividades dividindo-as na criação e agricultura.
Houve a migração da população rural para as cidades no município, como
demonstra os dados de 1991, que aponta para um total de 22.417 habitantes sendo 15.737
urbanos e 6.680 rurais29. A diminuição no número da população urbana deve-se ao
fechando das serrarias, uma das principais atividades econômicas na década de 1970/80. Já
a diminuição da população da área rural deve-se a modernização da agricultura que
expropriou e expulsou meeiros e agregados não-proprietários da terra. Uma parcela
significativa também se dirigiu para o Paraguai na busca de melhores condições de vida e
possibilidade de acesso á terra.
É nesse mesmo contexto, que ascende em Mundo Novo a luta dos camponeses
brasileiros que tiveram que migrar para o Paraguai, os chamados de brasiguaios. Esses
trabalhadores ao re-migrar do Paraguai acampam nesse município, dando início na luta pela
terra e ao movimento dos sem-terra neste município e região.
7 - Brasiguaios.
Sob as concepções desenvolvimentistas, baseadas na monocultura e na produção de
gêneros para exportação, os governos militares adotaram uma política de crédito agrícola e
de incentivos fiscais aos grandes latifúndios, realizando também grandes concessões de
terras a empresas colonizadoras. Os militares acreditavam que a grande propriedade aliada
à modernização proporcionaria o desenvolvimento no campo.
Entretanto, essa política fundiária veio beneficiar a classe dominante, gerando assim
29
Dados obtidos do Censo Demográfico de 1991, foram contabilizados os dados de Japorão e Jacarei
que emanciparam de Mundo Novo em 1988.
1
a
concentração
de
terras,
riquezas
nas
mãos
dos
grandes
latifundiários
e
expulsão/expropriação de pequenos agricultores, transformando-os numa grande massa de
trabalhadores sem-terra. Dessa forma, a história de lutas no campo sul-matogrossense está
vinculada ao processo de colonização, modernização da agricultura e expansão das relações
capitalistas. Pode-se dizer que a luta pela terra no Estado emerge como forma de resistência
ao modelo de desenvolvimento econômico adotado no país.
Diante do quadro fundiário que se encontrava o Estado de Mato Grosso do Sul e a
política agrária implantada pelos governos militares, a partir da década de 1980, se
intensificou as lutas dos movimentos sociais do campo nesse Estado. Esses movimentos
passam a realizar ocupações de terras desencadeando num processo de luta e resistência.
A expansão do capitalismo no campo brasileiro através da modernização da
agricultura fez com milhares de trabalhadores rurais expropriados no Sul do país,
migrassem para o Paraguai. Sendo lá também vítimas da mesma exploração capitalista.
Posteriormente, esses camponeses (brasiguaios) decidem retornar para o Brasil e lutar por
seu direito à terra.
Nesse processo de retorno dos brasiguaios, o município de Mundo Novo teve um
papel importante, devido a sua localização, fazendo fronteira com o Estado do Paraná e o
país vizinho Paraguai. Torna-se assim um local estratégico na luta e a partir de 1983 do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que já vinha atuando no Estado de Mato
Grosso do Sul desde 1981, apoiado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), e juntou forças
com os brasiguaios de Mundo Novo. A partir dessa união de forças foram ocupadas várias
fazendas e áreas de terras devolutas no Estado de Mato Grosso do Sul.
A organização dos trabalhadores rurais sem-terra e dos brasiguaios durou
aproximadamente um ano, conseguindo mobilizar mais de 1.000 famílias de brasiguaios
que decidiram, em 1984, ocupar a fazenda Santa Idalina, em Ivinhema /MS. Entretanto,
essa ocupação foi duramente reprimida pela política militar de Mato Grosso do Sul..
Diante da situação, as lideranças desses trabalhadores mobilizaram-se para fazer
uma assembléia em Mundo Novo, onde foi decidido que acampariam nesta mesma cidade.
Sendo assim, a partir de 14/03/1985 começaram montar os acampamentos e 1.100 famílias
ocuparam na área urbana de Mundo Novo próxima a prefeitura municipal. Dessas famílias
acampadas, 930 foram assentadas no final de 1985, em Novo Horizonte (hoje município de
1
Novo Horizonte do Sul), nas áreas que já tinha sido ocupada anteriormente.
Depois disso, sugiram várias outras manifestações por parte dos trabalhadores rurais
sem terra no sul do Estado, dando assim origem a vários acampamentos e assentamentos na
região. Embora contribuindo para ocupações e acampamentos em toda região, os
trabalhadores sem-terra de Mundo Novo, não tinha formado nenhum acampamento ou
assentamento na área que abrange esse município.
Uma das hipóteses seria que nesse município não existiria terra improdutiva, até
porque, essa área fez parte de um projeto de colonização do INCRA (Projeto Iguatemi,
tratado anteriormente). Mas, contrariando algumas avaliações contrárias a existência de
terras improdutivas, surge em 1999 a ocupação de terra na fazenda Mambaré.
8 – Ação sindical e a ocupação da fazenda Mambaré
A ocupação da fazenda Mambaré realizou-se na madrugada do dia 20 de março de
1999. A escolha da área foi motivada pela existência de terras improdutivas. A suspeita
partiu de um dos funcionários da fazenda que comentou com os amigos e dirigentes do
sindicato dos trabalhadores rurais desse município.
Depois do comentário, os sem-terra começaram suas investigações referentes à
produção na fazenda, onde pode constatar uma área de 1.946 hectares possuía um rebanho
de gado bovino composto por apenas aproximadamente 600 cabeças. Mediante essa
situação, 15 famílias de trabalhadores despossuídos da terra se organizaram na cidade,
independentemente de qualquer movimento ou entidade, com a intenção de ocupar essa
propriedade.
Foram feitas duas tentativas sem sucesso, conseguindo realizar a ocupação na
terceira tentativa, conforme a figura a seguir (figura 01). Depois de ocupada, o Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Mundo Novo assumiu essa luta, bem como a direção do
acampamento.
Figura 01
Primeira ocupação na fazenda Mambaré
Fonte: Blank, agenor. (1999)
1
O sindicato local é vinculado a FETAGRI-MS (Federação dos Trabalhadores na
Agricultura de Mato Grosso do Sul), fundado em 23/02/1979, hierarquicamente obedece às
diretrizes da CONTAG (Confederação Nacional do Trabalhadores na Agricultura). A
FETAGRI-MS é uma organização que reúne, na sua maioria, trabalhadores assalariados
rurais, permanentes ou temporários, que trabalham na agricultura, na pecuária, na produção
extrativista rural. Atende também os agricultores familiares e os trabalhadores aposentados.
A FETAGRI-MS tem como bandeiras principais de luta, a realização da Reforma
Agrária, entendida como instrumento de uma política agrária que abrange e priorize o
desenvolvimento do modelo familiar de agricultura; a luta pelo cumprimento dos direitos
trabalhistas; a conquista de linhas de crédito para agricultura familiar; o bem estar social
dos trabalhadores rurais envolvendo a saúde, a educação e formação profissional.
Deve ser destacado que a FETAGRI/MS também organiza ocupações de terra,
liderando, assim, um grande número de acampamentos e assentamento no Estado. Porém
essa espacialização é resultado de uma forma de luta que se diferencia das lutas
empreendidas por outros movimentos. Segundo depoimento colhido no levantamento de
campo, o sr. Paulo Pimentel, Presidente do Sindicato dos trabalhadores rurais de Mundo
Novo, em agosto de 2006, é possível verificar a compreensão de lutas da FETAGRI-MS:
“A FETAGRI/MS não faz invasão forçada, procura assim agir dentro da legalidade
e que as fazendas que são ocupadas estão em processo de desapropriação ou foram dadas
como próprias para Reforma Agrária. Ressalta ainda que são contra atitudes como, por
exemplo, a matança de gado e a invasão de domicílios, sendo assim, as pessoas que saem
das regras são excluídas do movimento”.
Seguindo essa concepção, a FETAGRI/MS assumiu a liderança do movimento de
luta pela desapropriação da fazenda Mambaré, pois as informações sobre a produção da
fazenda, inclusive, segundo o INCRA, eram de que se tratava de imóvel improdutivo,
dando início no processo judicial. No entanto, esse processo de luta durou quase cinco
anos, inicialmente a ocupação foi feita por 15 famílias, depois vieram outras de municípios
vizinhos e do Paraguai, chegando a ter possuir 250 famílias.
Esse processo foi marcado por fases de luta e resistência e após três meses da
ocupação, o fazendeiro conseguiu liminar judicial da reintegração de posse, quando foi
enviada para o local a força militar composta por 100 homens para fazer o despejo dos
1
trabalhadores do imóvel ocupado. Dessa forma, os sem-terra saíram da área e acamparam
próximo ao aeroporto municipal, onde ficaram acampados por 12 dias, e novamente
reocuparam a fazenda.
No retorno houve dura repreensão policial, e os sem-terra decidiram mudar o
acampamento para as margens da rodovia BR 163, próxima à fazenda, permanecendo nesse
local até o fim desse processo em 2004. Um dos motivos que levaram a permanência nesse
local, sem que retornassem novamente para a fazenda foi a Medida Provisória do governo
de Fernando Henrique Cardoso, em 2000, que proibia a desapropriação de área ocupadas
por sem-terras ou assentamentos de ocupantes por um período de 2 anos.
Foi por meio de lutas organizadas no STR de Mundo Novo que foi organizada a
ocupação feita por famílias camponesas brasileiras e originárias do Paraguai (brasiguios) na
fazenda Mambaré que resultou o assentamento Pedro Ramalho. O assentamento Pedro
Ramalho será tratado no capítulo a seguir (capítulo IV).
1
CAPÍTULO IV
A PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO NO
ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS.
Os assentamentos de reforma agrária surgem com resultando de lutas dos
trabalhadores rurais sem-terra. O assentamento pode ser considerado um pré-requisito para
a conquista do território camponês. A partir da terra conquistada inclusive, se desdobram
novas lutas e conquistas políticas e produtivas.
A condição de assentado coloca a esfera produtiva na lutas dos camponeses, pois a
produção agrícola se constitui na principal atividade de subsistência e autoconsumo das
famílias. A produção de subsistência e autoconsumo estão relacionadas à produção voltada
para os mercados capitalistas que subjuga a pequena agricultura na esfera da circulação,
comprometendo a reprodução dos camponeses. É neste contexto de imposição do
capitalismo que buscaremos analisar as estratégias de defesa desenvolvidas pelos
camponeses assentados.
Considerando que o capital contraditoriamente leva à destruição e recriação do
camponês, este capítulo tem como objetivo demonstrar que os camponeses do assentamento
Pedro Ramalho tem procurado implantar uma agricultura voltada para o autoconsumo
como forma de resistência aliviando subordinação que as regras do capitalismo impõem.
Neste sentido, a idéia de alternatividade e flexibilidade serve para qualificar a produção de
autoconsumo e subsistência como resistência camponesa no referido assentamento.
O levantamento de campo e a metodologia utilizada para o estudo do assentamento,
constam de 19 questionários socioeconômicos, o equivalente a 23% do total de lotes,
aplicados entre agosto e outubro de 2008 aos assentados. Esses questionários
socioeconômicos constam de questões relacionadas à origem das pessoas, mão-de-obra
1
empregada, entidades presentes no assentamento e principalmente a quantidade e o destino
da produção. Além dos questionários foram realizados diálogos e entrevistas com outros
assentados, como também a outros trabalhadores e proprietários rurais, sindicato, secretário
da agricultura do município de Mundo Novo, associações dos assentados, empresas
agroindústrias, ou seja, foram obtidas informações de diversas fontes que proporcionaram a
base empírica para o estudo do assentamento.
1 - A formação do assentamento Pedro Ramalho
O assentamento Pedro Ramalho foi realizado pelo INCRA (Instituto Nacional de
Reforma Agrária) depois de cinco anos de luta dos camponeses sem-terra quando foi
desapropriada a Fazenda Mambaré no município de Mundo Novo – MS. Em 25 de julho
2003 foram entregues a 83 famílias acampadas 1.946 hectares de terra, divididos em lotes
de aproximadamente 14 hectares. A luta pela conquista da terra feita pelas famílias
acampadas esteve ligada a FETAGRI (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Mato
Grosso do Sul).
Os 83 lotes estão dispostos em quatro grupos: grupo I (01 a 16); grupo II (17 a 34);
grupo III (35 a 62) e grupo IV (63 a 83). Na figura a seguir (figura -7) é possível verificar a
distribuição dos lotes em grupos no assentamento.
Figura -7
Assentamento Pedro Ramalho
1
Inicialmente essa divisão em grupos foi colocada somente para localizar as famílias
no assentamento, ou seja, para fins de localização (endereço). Entretanto, esta localização
geográfica dos lotes e dos grupos influenciou no relacionamento social e econômico desses
assentados, seja através das coalizões entre os vizinhos com a finalidade de atender os
interesses do grupo ou mesmo na “opção” da família no desenvolvimento de determinada
atividade produtiva30.
Além da localização, outros aspectos influenciaram no início da organização
produtiva das famílias assentadas, como por exemplo, uma série de entidades e órgão
públicos que tem participação na criação e desenvolvimento do assentamento, dentre esses
destaca: Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), Idaterra (Instituto de
Desenvolvimento Agrário de Mato Grosso do Sul), atualmente Agraer (Agência de
Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), Prefeitura Municipal de Mundo Novo, Itaipu
(Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional), Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município
e a Associação dos Produtores do Assentamento Pedro Ramalho.
Logo após a distribuição dos lotes em 2003, o Incra aprovou projeto de
financiamento de R$ 15.000,00 a cada família para elas darem início às atividades
produtivas no assentamento. Os recursos foram divididos em investimento (formação de
pastagem, compra de gado, construção de cerca, etc.) e custeio de lavouras (preparo do solo
para o cultivo, aquisição de sementes, etc). Mas, estes recursos financeiros chegaram aos
assentados somente depois de aproximadamente um ano de assentados, em 09/2004.
Do valor total repassado pelo Incra, ficaram retidos R$ 1.500,00 no órgão estadual
de desenvolvimento agrário, Idaterra, para a prestação de serviço de assistência técnica aos
assentados durante quatro anos. A atuação do Idaterra, segundo os assentados, está mais
voltada para a parte burocrática, ou seja, para viabilizar documentos, projetos de
financiamento, etc. Os projetos de financiamento que deveriam ser feitos pelo banco do
Brasil acabam ficando sob responsabilidade do Idaterra. Além da assistência técnica, o
Idaterra realiza palestras de orientações sobre os diferentes cultivos aos assentados.
A prefeitura municipal tem contribuído na construção e manutenção das estradas,
30
A localização geográfica dos lotes nesse assentamento tem influenciado na produção e na comercialização
de determinados produtos, por exemplo, alguns cultivos enfrentam dificuldades em serem produzidos
devido a pouca fertilidade do solo em determinadas áreas no assentamento, por outro lado, a proximidade
de alguns lotes com os núcleos urbanos ou com vias de acesso viabiliza a comercialização.
1
viabilização de recursos pelos canais que lhe compete, ou seja, pelas secretarias de
agricultura, desenvolvimento, educação, etc. São mantidas pela prefeitura três linhas de
ônibus escolar no transporte dos estudantes. Ela também oferece para esses agricultores
assentados equipamentos e implementos agrícolas mediante aluguel, isto é, o uso desses
equipamentos é através de um prévio agendamento e quantidade de horas utilizadas é paga
pelo contratante.
A Itaipu Binacional também tem atuado com projetos de preservação ambiental.
Com esforços da alguns órgãos e entidades como a prefeitura, o sindicato e a associação os
assentados conseguiram sua inserção nesses projetos de preservação. Dessa forma, a Itaipu
repassa recursos financeiros para prefeitura com a finalidade de investir na preservação
ambiental no assentamento através de adequação de estradas, aquisição de mudas,
construção das curvas de nível. O incentivo á preservação ambiental estimulada pela Itaipu
ocorre em função da necessidade de manutenção dos mananciais, principalmente.
O sindicato que liderou o movimento de conquista da terra tem uma atuação
reduzida no assentamento, limitando-se principalmente a uma prática assistencial (e
assistencialista), como a realização de cursos de capacitação profissional, convênios para
desconto de 50% nas consulta médica, serviços de cabeleireiro, encaminhamento de
aposentadoria, projetos de financiamento, ou seja, funciona como intermediário nas
relações entre assentados e entidades e órgãos públicos.
Como instrumento organizativo para a luta dos assentados, no dia 19 de fevereiro de
2004, foi criada a Associação dos Produtores do Assentamento Pedro Ramalho. Segundo o
estatuto de 2004, no artigo 2°, consta que a associação tem por finalidade:
a)Amparar e defende as justas aspirações da classe; b) Promover a
união da classe; c) Prestar assistência aos associados; d)
Representar seus associados coletivamente ou individualmente,
perante as autoridades e a justiça ordinária; e) Representar a classe
perante as autoridades públicas, pleiteando providencias oportuna e
convenientes ao seu prestigio e aos seus interesses; f) Proteger,
prestigiar, defender e corrigir os sócios, quando necessário, em
questões profissionais; g) Promover outros empreendimentos de
interesses da classe e dos seus sócios. (ASSOCIAÇÃO DE
PRODUTORES DO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO,
2004, p. 01).
1
Essa associação é a entidade representativa do assentamento e tem lutado na busca
de recursos e na defesa dos interesses dos associados. É por intermédio da associação que
os assentados conseguiram a construção de um barracão onde são realizadas atividades de
caráter cultural, social e econômica, isto é, nesse edifício são realizadas as festas, as
reuniões, as palestras e cursos de capacitação. Outra conquista dos assentados organizados
na associação foi o resfriador de leite comunitário com capacidade para 2000 litros.
Figura 8 - EDIFICAÇÕES DO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO
Fonte: LIMA, I.V. (2009).
2 – A produção de subsistência e autoconsumo no assentamento
Existe no assentamento uma diversificação de cultura que podem ser classificadas como de subsistência e de autoconsumo,
ambas articuladas entre si, e utilizadas depender menos do mercado e submissão capitalista. Estas se constituem como estratégias dos
camponeses no assentamento.
A mão-de-obra utilizada nesse assentamento é de base familiar e há em média duas
pessoas trabalhadoras por lote. Porém, alguns lotes dispõem de apenas 01 pessoa, como
também há lotes com 04 trabalhadores. Os lotes que possuem crianças, quando fora do
horário escolar, ajudam no trabalho, auxiliando no manejo do gado, alimentação dos
animais, ajuntamento lenha e serviço doméstico.
Nos lotes em que o número de trabalhadores é pequeno, na colheita da mandioca, o
serviço é empreitado e nos lotes com maior número de pessoas esse trabalho é realizado
pelos próprios assentados. Para os outros cultivos, quando a mão-de-obra da família não é
suficiente, é feita a contratação de mão-de-obra temporária, principalmente no momento da
colheita.
Além dessa mão-de-obra familiar é praticada também a troca de dias. Outra prática
1
verificada entre os assentados é a ajuda mútua como os mutirões, embora não sejam
praticados com freqüência, porém eles existem e geralmente são realizados entre pessoas da
mesma família, tendo em vista, que dos lotes visitados no levantamento de campo,
verificou-se três casos em que os vizinhos possuem grau parentesco, isto é, filhos vizinhos
de pais.
A maior parte dos cultivos sé realizada com uso de tração mecânica e animal. Os
maquinários como tratores e plantadeiras são alugados, geralmente. Esses implementos
agrícolas são utilizados no cultivo de gêneros como o milho, feijão, mandioca, soja e
algodão, quando plantados em área superior a 1,5 hectares. Para áreas menores, geralmente
utilizam-se máquinas simples (manuais) ou semeadeiras movidas à tração animal.
A tração animal é utilizada no plantio, transporte interno da produção e de pessoas e
no manejo das lavouras. Por exemplo, no cultivo do milho é passado o arado entre meio as
ruas, substituindo, dessa forma, o trabalho de capinagem.
Outra característica identificada nesse assentamento é a distribuição das atividades
entre a agrícola e a pecuária, tendo em média 14 hectares cada lote, a utilização do solo é
distribuída em lavoras e pastagem, sendo que aproximadamente 50% dos lotes possuem
uma área de 9,0 ha destinada à lavoura e 5,0 destinadas à pastagem. Numa pequena
quantidade de lotes (cerca de 10%) que é desenvolvida apenas uma das atividades,
conforme demonstra no quadro-1.
Quadro – 1
Utilização do Solo
Distribuição da área em
hectares
% dos lotes Lavouras Pastagens
5%
2,5
11,2
16%
5,0
9,0
11%
6,0
8,0
5%
7,0
7,0
21%
8,5
5,5
27%
9,5
4,5
5%
11,5
2,5
10%
14,0
Distribuição
Total 100%
predominante
9,0
5,0
Fonte: Pesquisa de Campo
Total (ha)
14,0
14,0
14,0
14,0
14,0
14,0
14,0
14,0
Essa distribuição está ligada principalmente ao plano de exploração de cada família,
que é influenciada por fatores diversos como o número de trabalhadores existente em cada
lote, quantidade de recursos econômicos disponíveis, fertilidade do solo e a vocação de
1
cada família com a determinada atividade, dentre outros.
De modo geral, a produção no assentamento Pedro Ramalho se constitui de forma
diversificada. Foram identificadas lavouras destinadas aos comércio e autoconsumo como
as culturas de milho, feijão, mandioca (gêneros alimentícios), e lavouras que não possuem
flexibilidade ou alternatividade como é o caso do algodão e soja.
Além desses, há outros cultivos que o principal objetivo é o autoconsumo, tais como
as hortaliças, frutas, complementos para alimentação animal. A criação animal assume
importância fundamental no autoconsumo e subsistência, pois ela possibilita a geração de
derivados, como também é o viés mais rápido e ágil na obtenção de renda monetária. Há
também cultivo de produtos agrícolas que são destinados ao comércio e deixam os
produtores vulneráveis às oscilações do mercado, bem como cultivos que permite a
flexibilidade, ou seja, possibilidade de destiná-lo ao mercado ou ao autoconsumo,
dependendo das oscilações mercadológicas.
O início das atividades agrícolas coincidiu com a implantação definitiva do
assentamento no mês julho do ano de 2003. Devido à necessidade de se obter uma prévia
renda monetária e aproveitando o calendário agrícola (época de plantio), os cultivos foram
diversificados ao máximo no primeiro e segundo ano do assentamento, quando foi incluído
o plantio de soja e algodão. O cultivo da soja restringiu apenas ao primeiro ano (2003), e
apenas 10% dos assentados desenvolveram essa atividade numa área média de 6,0 ha por
lote.
A interrupção desse tipo de cultivo pelos assentados ocorreu pela alta dependência
de maquinários no plantio e na colheita, insumos, flutuações de preços e principalmente
pela dificuldade desse produto ser convertido no consumo direto das famílias.
Situação semelhante ocorreu com o cultivo do algodão, pois está altamente sujeito
aos preços pagos pela fibra, bem como a exigência de mão-de-obra na sua colheita. O
quadro 2 demonstra o comportamento dessa cultura, quando verificou-se que esteve
presente em 79% dos lotes. Os que obtiveram melhores resultados foram aqueles que
plantaram uma área inferior a 2,4 hectares, pois foi possível cultivá-lo com mão-de-obra
familiar, ao contrário dos que cultivaram uma maior área que dependiam de mão-de-obra
externa à família.
Quadro – 2
PRODUÇÃO DE ALGODÃO
1
% Lotes c/
cultivo
Área cultivada
(ha)
Prod.máx. reg./ ha
(arroubas)
Prod. mín. reg./ha
(arroubas)
32
26
5
16
1,2
2,4
3,6
5,0
135
125
83
80
42
48
83
12
% Total
Média da área
dos lotes
cultivada/ lote
79%
Menos de 2,4 ha
Fonte: Pesquisa de Campo
Destino
produção
100%
vendida
Média da produção por hectares
100 arroubas por hectares
Entretanto, algodão foi plantado somente nos primeiro anos do assentamento. A
maioria dos assentados teve perdas com esse produto devido à estiagem prolongada nos
anos de 2004 e 2005. Não só pelas condições climáticas desfavoráveis, mas também outros
fatores, como a necessidade de muita mão-de-obra exigida na colheita, pragas que atacam
esse cultivo, alto custo dos insumos, e o preço desse produto na comercialização,
desestimulou novos cultivos pelos assentados.
Sobre a produção de algodão, um dos assentados informou o prejuízo que teve com
esta lavoura:
“No primeiro ano do assentamento eu plantei uma área de ½ alqueire e colhi 200
arroubas de algodão, vendi por R$ 22,00 cada arrouba, no segundo ano plantei
03 alqueires, colhi 300 arroubas, vendi essas por R$ 9,00 cada”. (J. P.,
assentado, 2006)
Os assentados alegam que tiveram problemas para preparo do solo no primeiro ano
do assentamento (2003) porque a área era usada como pastagem, o que dificultou a
eliminação de espécies gramíneas. Outro problema foi a prolongada estiagem que ocorreu
nos primeiros anos do assentamento 2003, 2004 e 2005. Além destes, há também as
dificuldades produtivas derivadas da baixa fertilidade do solo na maioria do assentamento.
Iniciada em 2004, a sericultura foi outra atividade adotada para geração de renda de
subsistência no assentamento. Das 83 famílias das assentadas, 14 famílias optaram por essa
atividade no assentamento. Porém, no ano de 2009 restaram apenas 2 famílias. As famílias
que suspenderam essa atividade alegam que é muito trabalho para pouca renda, isto é, com
o trabalho 2 pessoas se obtinha uma renda média mensal líquida de aproximadamente R$
450,00.
A integração com a sericicultura foi uma medida para diversificar a renda, mas não
1
foi uma boa opção para esses assentados. Das 2 famílias que restaram desenvolvendo essa
atividade, apenas uma delas consegui algum êxito, considerando ainda que se encontra
assentada na área de terra de relativa fertilidade. Este assentado concilia a sericicultura com
criação de gado bovino (vacas leiteiras), criação de pequenos animais para o consumo (aves
e suínos), cultivos de hortaliças e outros gêneros para o autoconsumo. É a diversificação
das atividades, sobretudo aquelas destinadas ao autoconsumo, que permite algum resultado
favorável a este único assentado trabalha co sericicultua.
Diante do fracasso com a produção de soja, algodão e sericultura, os assentados têm
procurado se defender (agricultura defensiva) cultivando gêneros que possam ser
destinados simultaneamente ao autoconsumo e a subsistência como o milho, feijão,
mandioca.
Ao tratar da relação do camponês com o mercado, Abramovay (1992) afirma que há
uma dupla caracterização na sua produção.
“... por um lado à exposição permanente do campesinato a forças de
mercado, sua existência como parte de um conjunto social ao qual se
subordina, mas ao mesmo tempo ela aponta a particularidade da
integração social camponesa: ela é parcial, não só no sentido de que
parte da subsistência vem da autoprodução, mas também indica uma
flexibilidade nestas relações com o mercado, do qual o camponês
pode freqüentemente se retirar, sem, com isso, comprometer sua
reprodução social” (ABRAMOVAY, 1992, p. 104) (grifo do autor)
O cultivo da mandioca no assentamento expressa bem essa situação, pois houve
momentos em que o preço por tonelada atingiu as cifra de R$ 380,00. Já nos momentos em
que foram feitos estes levantamentos os preços estavam R$ 115,00 em setembro de 2009.
Mas, houve época (2006) que o preço da tonelada de mandioca chegou a 60,00.
Por mais que se verifique essa instabilidade no preço, a produção de mandioca
possui algumas vantagens, pois apresenta alternatividade e flexibilidade, podendo assim,
parte ser transformada em autoconsumo, utilizada na alimentação humana e dos animais
(aves, suínos e gado bovino). Assim, o camponês assentado pode flexibilizar esse produto,
o que não ocorre com outros produtos como a soja, algodão e sericicultura.
No assentamento são cultivadas duas variedades de mandioca: mandioca mansa e a
mandioca amarga. Ambas são semelhantes no seu aspecto como o ciclo agrícola, por
1
exemplo. A diferença consiste que a mandioca amarga, para ser utilizada no consumo
humano, deve passar por um processo de extração de substância tóxica, isto é, o seu
consumo se dá a partir de outros derivados alimentícios, como a farinha, o polvilho e
outros. Enquanto isso, a mandioca mansa pode ser aproveitada sem que passar por esse
processo.
No caso do assentamento não há casa de farinha e o processamento desse produto é
pequeno. Um ou outro assentado produz a sua própria farinha. No entanto, o consumo
expressivo da mandioca é praticamente dos tubérculos, que é utilizada na alimentação
humana e principalmente de animais, quando é “picada” para as aves, suínos e bovinos do
lote. Para essas funções é cultivada a mandioca mansa plantada em média 0,5 de hectare em
cada lote.
Embora seja pequena a área de cultivo de mandioca que permite maior flexibilidade,
somadas às outros cultivos praticados no assentamento, a mandioca se constitui numa
estratégia defensiva dos assentados. A agricultura defensiva existente dos camponeses
assentados não indica puro cultivo para o autoconumo, ou seja, o camponês cultiva para
subsistência, que envolve comércio da produção e para o autoconsumo.
Há também a comercialização dessa espécie, pois alguns dos assentados realizam a
venda direta (in natura) desse produto na cidade, abastecendo os supermercados locais com
mandioca semi-industrializada (descascada, lavada e embalada). Para 02 famílias do
assentamento o cultivo de mandioca comercializado na cidade possui grande importância
na geração de renda.
No entanto, o volume de produção e comercialização da mandioca se encontra na
espécie amarga (mandioca de fécula), sendo essa destinada mais à subsistência do que ao
autoconsumo, pois é destinada às indústrias da região. Conforme demonstrado no quando –
3 em 90% dos lotes apresentaram esse cultivo.
Quadro - 3
PRODUÇÃO DE MANDIOCA
% Lotes c/ Área cultivada
Produção em
cultivo
em hectares
toneladas
11
1,2
35
47
4,8
120
11
6,0
160
16
7,2
180
5
9,0
200
Total c/
Freqüência
Destino da
1
cultivo
cultivada
90%
4,8 hectares
Fonte: Pesquisa de Campo
produção
100% venda
O plantio de mandioca é realizado entre os meses de agosto e setembro, em média e
é plantada uma área média de 4,8 hectares em cada lote, utilizando um espaçamento de 80
cm entre as plantas (figura-9). O rendimento médio é de 27,8 toneladas, mas pode chegar a
42,0 toneladas por hectare.
A produção é comercializada com fecularias instaladas no município de Mundo
Novo-MS e nos municípios vizinhos Guaíra e Palotina no estado do Paraná. A fécula é um
produto muito empregado na indústria alimentício, têxtil, farmacêutico e outras, sendo
assim um produto consumido por todo mercado nacional, principalmente, nas indústrias
localizadas no Estado de São Paulo.
Figura 9 – LAVOURA DE MANDIOCA
Fonte: LIMA, I.V. (2009)
Por ser um cultivo comercial, a produção de mandioca não está livre das flutuações
do mercado, porém essa cultura possibilita algumas defesas frente à dependência
apresentada por outros cultivos como a soja e o algodão. A opção pela escolha desse cultivo
está colocada por diversos fatores como pouca dependência com insumos, mão-de-obra
(exceto na colheita), capacidade de armazenamento e flexibilidade e adiamento da
1
comercialização.
Quanto aos insumos, os ramos utilizados no plantio são extraídos das próprias
plantas cultivadas nos lotes ou de vizinhos. Esta seleção “artesanal” diminui as chances de
doenças em vista da aquisição de ramos de origem desconhecida. Esta seleção também está
colocada como parte de uma produção de autoconsumo no assentamento.
A obtenção direta dos ramos diminui gastos monetários nesse cultivo. Porém há
despesas que se tornam imprescindíveis, por exemplo, com maquinário, mão-de-obra na
colheita e transporte do produto. Em média é utilizada 4 horas de maquinas agrícolas por
hectare entre o preparo do solo e plantio. Para ano de 2008, o aluguel de maquinário
custava R$ 30,00 por hora, o frete de R$ 15,00 à 20,00 por tonelada transportada e a
colheita R$ 20,00 por tonelada, sendo vendida por R$ 170,00 a tonelada de produto.
Dentre os gastos monetários, aqueles feitos com o frete e uso de maquinário são
necessários em praticamente todos os lotes, visto que os assentados não possuem
implementos e veículos de transporte.
Entre os fatores que influenciam na preferência desse cultivo é a possibilidade de
flexibilidade contida nesse produto. Além dessa capacidade de armazenamento, o cultivo
permite em certos momentos do seu ciclo produtivo o consorciamento com outras lavouras.
Isso se torna uma vantagem, permitindo assim o melhor aproveitamento da área de terra
disponível31, Há
que considerar que geralmente os lotes dos assentamentos possuem pequena área, o que obriga do assentado a
racionalizar o seu uso, aproveitando de forma mais intensa a área de terra disponível.
Além da mandioca, o milho é outro cultivo que assume importância significativa no
autoconsumo e subsistência no assentamento. O quadro a seguir apresenta dados sobre a
produção de milho.
Quadro-4
PRODUÇAO DE MILHO
% Lotes
21
31
Área cultivada hectares
Menos de 1,0
Produção em sacas
25
% Produção consumida
100
De nosso dialogo com agricultores, o caso do sr. A.D. morador agregado em um propriedade próxima ao
município de Marechal Cândido Rondon-PR, nos chamou atenção. Com 5 pessoas na família tem ele em
sua disposição apenas uma área 4,8 hectares de terra, sendo que em 2,4 hectares planta lavouras e nos
outros 2,4 hectares distribuído em pastagem, hortaliças, pomar, galinheiro e chiqueiro. No ano de 2007
plantou milho nessa área destinada as lavouras (2,4 hectares), no entanto, quando foi vender a sua
produção faltou R$ 40,00 para cobrir os custos com os insumos. Para ano de 2008 ele fez diferente,
plantou nessa mesma área mandioca, porem consorciou com outros cultivos que lhe proporcionou 12
sacas de amendoim, 02 sacas de feijão, 60 sacas de milho, e 25 toneladas de mandioca.
1
36
37
11
Total lotes
1,0 a - 2,0
2,0 a - 3,0
3,0 a - 5,0
Freqüência cultivada
Menos de 2,5 hectares
100%
Fonte: Pesquisa de Campo
50
80
100
45
250
40
Quantidade média do consumo
30 sacas por lote
Esse cultivo tem se apresentado em todos os lotes que foram visitados no
assentamento. A respeito dessa produção, foi constatado que em todos os lotes existe
cultivo deste produto para autoconsumo. No entanto, os que produzem uma quantidade
maior vendem parte dessa produção na cidade ou para os vizinhos. Nas maiores áreas
cultivadas há o emprego da tração mecânica e nas menores utiliza-se a tração animal
livrando-os desse gasto monetário.
A produção de milho desempenha um papel fundamental na pequena propriedade
em geral, pois por pequena que seja essa produção, ainda torna-se viável, servindo assim
para a alimentação dos animais e no uso doméstico, como o consumo alimentar (milho
cozido, frito, bolo, pamonha, etc.).
Este emprego do milho na alimentação humana já foi destacado por Antonio
Candido (1987, p.52) ao estudar os “Parceiros do Rio Bonito” quando diz que dos
alimentos mais importante encontra-se o milho, cereal básico do caipira.
Em São Paulo é área de influência sobretudo o milho. Verde, comese na espiga, assado ou cozido; em pamonhas; em mingaus; em
bolos, puros (curau) ou confeccionados com outros ingredientes.
Seco, come-se como pipoca, quirera e canjica; moído, fornece os
dois tipos de fubá, grosso e mimoso, base de quase toda a culinária
de forno entre os caipiras, inclusive vários biscoitos, o bolão,
bolinhos, broas, numa ubiqüidade só inferior à do trigo; pilado,
fornece a farinha e o beiju, não esquecendo o seu papel na
alimentação dos animais. (CANDIDO. 1987, p. 53; grifos do autor)
Embora Cândido (1987) tenha tratado de camponeses caipiras na década de 1950,
muitas práticas ainda estão presentes nos dias atuais. Este é o caso do uso do milho para o
autoconsumo das famílias. Assim como os caipiras paulistas, os camponeses assentados de
Pedro Ramalho também empregam o milho nas mais variadas formas de alimentos, sendo
um dos principais produtos da alimentação dos animais, principalmente, aves e suínos.
Uma parte dessa produção de milho ainda é utilizada como sementes separadas
1
para o próximo cultivo. Além do importante papel que assume o milho no autoconsumo em
quantidade pequena, esse produto pode ser facilmente armazenado, seja na própria roça
pelo processo de dobra, na espiga protegido pela palha ou mesmo ensacados.
O feijão é outro cultivo no assentamento que se destaca pela alternatividade entre o
consumo e a venda. No entanto, essa produção é mais objetivada pelo consumo do que pela
venda como pode ser verificado no quadro - 5 em que 84% dos lotes apresentam esse tipo
de cultivo. A área média de cultivo é de 0,6 hectares em cada lote.
Quadro-5
% Lotes c/
cultivo
31
37
16
Total
Área cultivada
em hectares
Menos de 0,5
0,5 a – 1,0
1,0 a – 1,5
Freqüência
cultivada
84%
Menos de 0,6
hectares
Fonte: Pesquisa de Campo
Produção de Feijão
Produção
% produção
% Produção
em sacas
comercializada
consumida
02
0
100
06
50
50
07
70
30
Quantidade média do consumo
02 sacas/ano
Um dos objetivos dos assentados com essa lavoura está em atender as necessidades
do consumo alimentar familiar, sendo esse um produto básico da culinária dos camponeses.
Segundo Brandão (1981) o lavrador classifica a comida atribuindo valor e qualidade, sendo
considerados comida “forte, fraca, quente, fria, reimosa, sem-reima, gostosa ou sem gosto”
(p.107).
Homem forte é o homem sadio e resistente para o trabalho. A
comida forte é a que “tem sustança” cujos efeitos são reconhecidos
de dois modos: a) na sua capacidade de manter o trabalhador
“alimentado” por mais tempo (sem vontade de comer de novo); b)
no seu poder de produzir e de conservar mais energia para a
atividade braçal. É neste sentido que a “comida forte” equivale ao
“alimento”, categoria de que se exclui a “comida fraca”.
(BRANDÃO, 1981, p. 109-110)
Quanto ao emprego de feijão pelos camponeses na alimentação humana, Antonio
Candido (1987) aponta que:
1
O feijão foi incorporado à culinária dos similares portugueses,
fervendo-se com sal e banha de porco e adicionando-se quando
possível, pedaços de carne de porco. Indígena quanto à origem, foi
lusitanizado pelo modo de preparar.
Dessa forma, esse produto é um componente fundamental na culinária brasileira,
mais especificamente, do trabalhador rural. Os camponeses assentados também utilizam
fartamente este produto na sua alimentação. O cultivo do feijão para a alimentação faz
deste produto estratégico para a existência dos camponeses assentados.
Seguindo a mesma idéia de diversificar a produção de subsistência, através da
alternatividade entre a venda e consumo, encontra-se no assentamento o cultivo de
eucalipto (figura -10). Embora o eucalipto esteja associado recentemente ao agronegócio,
os camponeses fazem uso deste cultivo que é fortemente utilizado para subsistência e
principalmente autoconsumo no lote em vista da grande necessidade de madeira para usos
diversos. Neste sentido, é importante destacar que a produção de autoconsumo/subsitência
não está restrita apenas aos gêneros alimentícios.
Figura 10 - CULTIVO DE EUCALIPTO
Fonte: LIMA, I.V.(2009)
Essa plantação encontra-se em 70% dos lotes no assentamento, sendo a maior parte
cultivada em números inferiores a 200 árvores, e que são colhidas em média depois de 5 ou
6 anos de plantada. Apesar de ter seu valor comercial, o eucalipto no assentamento não é
1
uma especialização aos moldes daqueles produtores que fornecem matéria-prima para as
empresas de celulose.
Segundo os assentados, uma plantação intensiva dessa espécie pode comprometer o
uso e a qualidade de suas terras. Por isso, o cultivo no assentamento tem como principal
finalidade fornecer madeira para o uso no próprio lote seja na produção de lenha para o
fogão, lascas (postes) utilizados na construção ou manutenção das cercas. Algumas árvores
no pasto também são utilizadas para fazer sombra aos animais.
Dentre as atividades agrícolas de subsistência destaca acima se verifica que
camponeses assentados foram eliminando aquelas que os deixavam sobre as amarras do
capitalismo, seja na submissão na aquisição de insumos ou na circulação dos produtos. Este
foi o caso da soja, algodão e criação do bicho da seda.
Isso não indica que nas outras atividades praticadas eles estejam totalmente livres,
mas ao menos possuem certa flexibilidade.
Além da diversificação na produção de
subsistência esses assentados têm procurado diversificar com outros cultivos ligados ao
autoconsumo.
Como destacado anteriormente, no assentamento Pedro Ramalho, os camponeses
realizam culturas de
autoconsumo. Os diversos cultivos e criação destinados ao autoconsumo permitem autonomia aos
assentados e menor dependência do mercado capitalista. Mas, isso não significa que o assentado seja um sujeito completamente livre da
dominação capitalista, pois praticamente não existem camponeses que produzem somente para o autoconumo. Assim, sempre o camponês
te alguma dependência de produtos adquiridos no mercado capitalista.
Algumas espécies de folhagem, tubérculos, hortaliças, legumes, grãos e frutas fazem parte da diversificação dos cultivos nesse
assentamento (quadro-6). A diversificação está aliada ao melhor aproveitamento do solo, e uma parte dos produtos não é comercializada,
servindo de esteio para outras atividades.
Quadro - 6
PRODUÇÃO DIVERFICADA PARA AUTOCONSUMO.
Espécies
Cana
Napier
Abóbora
Batata-doce
% dos lotes
90%
70%
80%
85%
Espécies
Melão
Maxixe
Inhame
Pepino
% dos lotes
21%
40%
30%
35%
Espécies
Gergelim
Feijão andu
Fava
Feijão corda
% dos lotes
15%
40%
20%
11%
Espécies
Mamão
Abacaxi
Café
Amendoim
% dos lotes
70%
65%
20%
55%
Fonte: Pesquisa de Campo
Melancia
75%
Quiabo
45%
Banana
80%
Chuchu
25%
A cana é um cultivo que se apresenta em 90% dos lotes, mas cultivada em pequenas
1
áreas, canaviais em média com até 0,2 hectares, tendo a função o suplemento para
alimentação animal, principalmente no período do inverno, quando a pastagem diminui.
Quanto o cultivo da cana não é para alimentação do gado, mas para o consumo humano na
extração de caldo para fabricação de rapadura, melado, açúcar, por exemplo, ele é em meio
a outros plantios, nas curvas de níveis, ou em alguma área próxima da moradia, como
demonstra na figura-11.
Figura 11 - CULTIVO DE CANA
Fonte: LIMA, I.V. (2009)
1
Figura 12 - CONSUMO DO CALDO DE CANA
Fonte: LIMA, I.V. (2009)
O cultivo de napier (espécie de pastagem) também está ligado à criação do gado
bovino. Em 70% dos lotes existe o cultivo de napier destinado à alimentação do gado
bovino. Porém, diferente da cana, não poderá ser empregado na alimentação humana. A
comercialização da cana-de-açúcar e do napier é muito restrita e quando acontece é com os
vizinhos para o trato com os animais.
Dentre as espécies de frutas como melancia, melão, mamão, banana e abacaxi
destacados acima (quadro – 12), são produtos que podem ser comercializados e
consumidos, porém nos anos inicias do assentamento apenas a melancia se apresentou com
produto de venda. Mas, cabe ressaltar que é bem reduzida essa comercialização, ou seja, em
menos de 20% do total das famílias assentadas. Mesmo tendo um rendimento por hectares
de 25 a 30 toneladas, o cultivo de melancia no assentamento é realizado em área reduzida,
principalmente nas de áreas de aproveitamento, quintais, curva de níveis ou entremeio a
outros cultivos.
As espécies como a banana, o mamão, melão e o abacaxi são culturas que não
necessita de grande área para se obter uma quantidade suficiente para o consumo. Por
exemplo, o abacaxi é cultivado numa área de 200 m2 em média (cerca de 300 plantas).
Também de fácil cultivo e que assume um papel fundamental no autoconsumo são
1
as espécies de leguminosas, raízes e hortaliças, como a abóbora e maxixe, empregadas na
alimentação humana e dos animais. Esse último (espécie de leguminosa) surge em meio às
lavouras, não havendo a necessidade de cuidados especiais no seu cultivo. Apropriado
também para alimentação humana e também na alimentação animal estão o cultivo de
feijão Andu, feijão Fava e feijão de Corda, cultivado as divisas do lotes.
Na diversificação das culturas camponesas há lugar também para os tubérculos
como Inhame e batata-doce que são consumidas ou comercializadas conforme as
necessidades da família.
Figura 13 - CULTIVO DE BATATA-DOCE
Fonte: LIMA, I.V.(2009)
O cultivo da batata-doce foi identificado em 85% dos lotes, sendo cultivados numa
área média de 300 m2, em média. Entretanto, poucas famílias comercializam esse produto e
seu consumo sendo feito de várias maneiras: frita, assada, cozida e na fabricação de doces.
O excedente é também utilizado geralmente na alimentação das aves e suínos.
Outro cultivo que aparece em 55% dos lotes é o de amendoim, numa área média de
a 1.000 m2 em cada lote. A maior parte da produção é comercializada na cidade ou com
vizinhos. Mas, o amendoim também desempenha importante papel na alimentação das
famílias, sendo utilizados para a fabricação caseira de doces (pé-de-moleque) ou consumo
1
dos grãos torrados.
Objetivando o próprio consumo, em 20% dos lotes, os assentados têm inserido a
lavoura de café que também se consiste em pequena área menos que 1.000 m2 média.
Além da diversificação de cultivos consorciados com outras plantações
mencionadas acima, existem as culturas que exigem área específica para o seu plantio. O
pomar de frutas com plantas permanentes e a horta, por exemplo, são cultivadas nos
quintais próximas às moradias.
No Quadro -7 pode ser verificado que em 90% dos lotes possuem o cultivo de frutas
com plantas permanentes. Na maioria dos lotes existem em média 30 mudas plantadas,
sendo as mais destacadas as frutas cítricas.
Quadro -7
Produção de Frutas
% dos lotes com cultivo
Quantidade de mudas por lote
65%
Menos de 30
20%
30 a menos de 70
5%
Mais de 70
Total dos lotes
90%
Espécies mais apresentadas
Espécies
Limão
Laranja
Pocã
Tangerina
Manga
% dos lotes
90%
90%
70%
65%
85%
Espécies
Goiaba
Acerola
Abacate
Pêssego
Ameixa
% dos lotes
80
85%
65%
60%
40%
Espécies
Jabuticaba
Jaca
Pinha
Caqui
Figo
% dos lotes
55%
30%
40%
30%
20%
Espécies
Carambola
Maracujá
Coco
% dos lotes
15%
15%
15%
Além dessas espécies, são cultivadas outras como, como castanha, romã, imbu,
ingá. Nem todas as fruteiras estão produzindo com capacidade total. Isso ao fato do
assentamento das famílias ser recente (julho de 2003), pois as fruteiras foram plantadas a
partir do ano de 2004, tempo insuficientes para o desenvolvimento de plantas permanentes.
Mesmo assim, no ano de 2008 algumas plantas estavam produzindo como é o caso das
espécies cítricas: o limão e laranja, bem como acerola, manga, pêssego, jabuticaba,
carambola, ameixa, maracujá e caqui.
As fruteiras possuem seu ciclo produtivo diferenciado. As cítricas produzem entre
os meses de abril a agosto. A manga tem seu auge de produção entre os meses de novembro
e fevereiro. Assim, em vista da diversidade de cultivos de frutas em todo o período do ano
1
tem-se alguma espécie fruteira produzindo.
Figura 64- PRODUÇÃO DE FRUTAS
Fonte: LIMA, I.V.(jul/set. 2008)
Embora a produção no assentamento seja familiar, típica da agricultura camponesa,
não é possível afirmar que é individual, pois existe um conjunto de conhecimentos de
práticas agrícola-produtivas elaboradas e transmitidas coletivamente. Mas, não se trata de
uma prática coletiva semelhante às ações dos movimentos sociais e sindicatos que
operacionaliza ações massivas entre os assentados. São coesões cotidianas não
necessariamente “mediadas” por entidades, sindicato ou mesmo movimentos sociais.
Os assentados participam das palestras e cursos sobre o cultivo, ministradas pelo
Agraer, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural) e outras entidades. Existe também a comunicação entre os próprios assentados e a
interlocução com os vizinhos, onde ocorrem às trocas de informações relacionadas ao
cultivo, manejo, produção e comercialização, ou seja, há o repasse de técnicas
desenvolvidas com base na experiência de vida camponesa dessas pessoas.
Para obter maiores informações e conhecimento sobre esse cultivo, mediado pelos
órgãos públicos e entidades que atuam no assentamento, os assentados tem conseguido
realizar alguns cursos técnicos fornecido pelo SENAR/MS (Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural). Este foi o caso do curso de Plantio e Manejo Básico de Pomar,
1
realizado em 2008 (figura-15), onde foram repassados pelos agentes informações técnicas e
práticas sobre o cultivo e manejos das espécies frutíferas.
No mesmo ano, 2008, foi ministrado pelo SENAR no assentamento o curso de
Fabricação de Conservas (figura 8). Nesse curso foram repassadas informações nutritivas,
modos de preparo e principalmente maneiras de conservar os alimentos por um período
maior de tempo.
Figura 15- PLANTIO DE FRUTAS E FABRICAÇÃO DE CONSERVAS.
Fonte: Sindicato dos Trabalhadores de Mundo Novo (2008)
A fabricação de conservas é uma atividade genuína da forma de vida camponesa,
pois com ela aumenta a possibilidade de aprovisionar uma quantidade e diversidade de
determinados alimentos por um período maior de tempo. Mesmo antes da realizado do
curso, as famílias já praticavam essa atividade. No entanto, as famílias assentadas alegam
que com o curso tem ampliado o leque de conhecimento e possibilidades que estas famílias
desconheciam.
O curso sobre a fabricação de conservas buscou demonstrar as possibilidades de
melhor aproveitamento da produção, quando foi trabalhado na conserva de diversas
espécies como as frutíferas, raízes, leguminosa, e as hortaliças, sendo essa ultima uma
atividade fundamental para as famílias assentadas.
O cultivo de hortaliças coincide com a própria formação do assentamento, ou seja,
uma das primeiras atividades das famílias assentadas foi construção da horta. A horta é
estratégica na produção de alimentos, pois o ciclo curto da maior parte das espécies em
pouco tempo proporciona alimento para as famílias.
Quadro-8
Espécies
Alface
HORTALIÇAS
Almeirão
Couve
Cenoura
beterraba
Rabanete
1
% dos lotes
85
Espécies
Tomate
% dos lotes
50
Espécies
Chicória
% dos lotes
25
Fonte: Pesquisa de Campo
80
Rúcula
60
Cebolinha
90
70
Agrião
30
Salsa
70
65
Cebola
25
Coentro
70
40
Alho
10
Berinjela
20
40
Jiló
15
Manjerona
75
Desde a formação do assentamento (2003), são cultivadas várias espécies de
hortaliças, sendo a alface, o almeirão, a couve, a cenoura, a rúcula e as que são classificadas
como “cheiro verde” (cebolinha, salsa e coentro) as espécies mais cultivadas. Um detalhe
importe nesse cultivo é a capacidade produtiva, pois uma horta de 100 m2 é suficiente para
abastecer um número de 6 famílias considerando 4 pessoas em cada família.
No entanto, o tamanho das hortas no assentamento (figura16) - é relativamente
pequeno em vista do número de pessoas da família e principalmente pelas necessidades de
consumo da unidade produtiva. Uma parte da produção da horta também é utilizada na
alimentação dos animais.
Figura 16 - CULTIVO DE HORTALIÇAS
Fonte: LIMA, I.V. (2009)
Geralmente as hortaliças são cultivadas próximas as moradias das famílias e na
maioria dos casos, esses cultivos são realizados de forma orgânica, ou seja, não é utilizado
fertilizantes ou defensivos químicos. Para o cultivo orgânico é utilizados adubação do solo
1
com resíduos orgânicos obtidos nos próprios lotes, como estrumes dos animais e palha.
Além das hortaliças, são cultivadas diversas espécies de ervas medicinais e outras
plantas utilizadas na fabricação de bebidas (chás) ou em condimentos como erva cidreira,
capim santo, manjerona, gergelim, arruda, boldo, hortelã, anador, erva-doce, canflor,
alecrim, dentre outras variedades. Muitas dessas ervas desempenham um papel fundamental
nas emergências, pois delas são feitos chás para aliviar dores diversas.
São poucas as famílias que se utilizam deste cultivo que consideramos para
autoconsumo para fins comerciais, embora também possa ser destinado à venda. Das 83
famílias assentadas, apenas 5% realizam os cultivos de autoconsumo destacados acima para
fins comerciais.
A criação de animais é outra atividade importante do assentamento que pode ser
destinada ao autoconsumo ou comércio para subsistência das famílias e consiste em três
espécies, como pode ser verificado no quadro -09: as aves, suínos e gado bovino.
Os animais menores (aves e suínos) são destinados principalmente para atendimento
do consumo interno. Já os maiores (gado) também são para atender o consumo. No entanto,
o gado é responsável pela geração de renda monetária para as famílias assentadas.
Quadro- 9
Aves
% dos
Quant. de
%
lotes
animais
Cons.
47
(-) de 36
100
32
36 a – 70
80
21
70 a – 100
60
Total
Freqüência Cons.
lotes
de animais anual
100% 40 animais
50*
Fonte: Pesquisa de Campo
CRIAÇÃO ANIMAL
Suínos
% dos
Quant. de
%
lotes
animais
Cons.
58
(-) de 5
100
21
5 a- 10
50
16
10 a- 15
25
Total
Freqüência Cons.
lotes
de animais anual
95%
03 animais
03
%dos
lotes
21
53
15
Total
lotes
89%
Bovinos
Quant. de
animais
(-) de 15
15 a – 30
30 a – 45
Freqüência
de animais
20 animais
%
Cons.
5
7
5
Cons.
anual
02
A criação de aves é essencial para as famílias do assentamento, utilizando dessa
lógica do autoconsumo. A criação é diversificada como patos, perus, gansos, galinha
angolana. No entanto, a maior parte da criação de aves é da espécie galináceo (galinhas
caipira) e são criadas soltas no terreno ou em áreas cercada por telas de aço conforme
demonstra a figura -17.
O fato da alimentação destes animais ser produzida nos próprios lotes possibilita um
baixo custo de produção. São alimentadas com milho, mandioca, verduras e legumes da
1
horta (aquela parte que se encontra de maneira imprópria para o consumo humano). Além
desses produtos, essas aves são alimentadas com plantas, como por exemplo, as gramíneas.
Figura 17 -CRIAÇÃO DE AVES
Fonte: LIMA, I.V. (2009)
É destacada a reprodução das aves, pois segundo os assentados, com uma ave
(galinha poedeira) é possível se obter entorno de 30 aves durante o intervalo de um ano. As
aves levam em média 06 meses para atingirem ponto de abate para o consumo. Para não
prejudicar o desempenho reprodutivo, periodicamente são trocados ovos com os vizinhos
num melhoramento genético artesanal, pois as aves poderão fazer cruzamentos diversos
para não “refinar” o rebanho.
A facilidade na alimentação e alta reprodução desses animais são um dos fatores que
levam os assentados ter essa espécie de animais, principalmente nos anos iniciais do
assentamento. Como demonstrado no quadro -9, em praticamente todos os lotes existem as
criações de aves, independente do número de pessoas existente na família.
Mesmo pequeno, há o comércio de aves que são vendidas em média ao preço de R$
15,00 (em 2008) cada uma. Essa comercialização é realizada nos próprios lotes quando há
procura desse produto por pessoas da cidade, ou são abatidas e levadas Mundo Novo e
principalmente para Salto Del Guairá, cidade paraguaia próxima ao assentamento, que está
localizado na fronteira do Brasil com o Paraguai.
O comércio de aves é feito pelos assentados que possuem uma quantidade superior a
1
35 animais, o que indica que o consumo médio é 35 aves a cada semestre. Há lotes que a
produção é maior, mas as aves são destinadas ao comercio e não apenas ao consumo.
A mesma lógica do autoconsumo na criação de aves acompanha a criação de suínos.
Esses animais são alimentados com milho, mandioca, verduras, leguminosas, soro extraído
de leite na fabricação de queijo, folhas de amoreira e também com sobras da cozinha,
produtos esses que são também obtidos nos lotes.
Essa criação de suínos tem se apresentado em 95% dos lotes e em média são criados
03 animais (figura -18) por lote. O tempo necessário para atingir ponto de abate (80 kg) é
de 06 a 08 meses, assumindo grande importância no consumo alimentar das famílias. Dos
suínos são consumidos principalmente a carne e gordura (banha, torresmo).
Figura 18 - CRIAÇÃO DE SUÍNOS
Fonte: LIMA, I.V.(2009)
Considerando que os alimentos desses animais são extraídos da própria produção
interna dos lotes, poderia levar esses camponeses assentados a terem um número maior de
animais, sendo que quase não a custos com a alimentação.
Entretanto, isso não tem acontecido no assentamento, pois na medida em que esses
assentados aumenta essa quantidade pode comprometer a lógica do autoconsumo, ou seja,
essa produção pode ficar submetida às leis do mercado como pode ser notado no
depoimento do assentado, afirmando o seguinte:
1
Eu criava aqui no lote uns trintas porcos pra vender, comprava um
pouco de ração e inteirava com milho e outras coisas, mas na hora
que eu ia vender não tinha preço, não pagava os custos. Então eu
parei e agora só tenho apenas dois porcos, esses dão para o meu
consumo. (A. A., assentado, agosto 2006).
O aumento na quantidade do rebanho de suínos pode expor esse camponês
assentado a um grau de risco de subordinação, teria esse que produzir uma quantidade
maior de alimentos para esses animais caso não produz o suficiente terá que comprá-lo.
Apesar da venda desses animais poder ser adiada o mesmo não se pode fazer o mesmo com
alimentação desses animais. Uma possibilidade nesse caso seria a comercialização dos
suínos na forma de derivados, ou seja, transformá-lo em lingüiça, banha, defumado e
torresmo o que aumentaria a chances de melhores rendimentos na comercialização.
Buscando assegurar o autoconsumo a comercialização de suínos ocorre nos lotes
que possuem uma quantidade acima de 03 animais, sendo vendidos os animais ainda
pequenos principalmente para os vizinhos que querem engordá-los.
Como maiores possibilidades do que a criação de suínos é desenvolvida no
assentamento a criação de bovinos (vacas leiteiras), sendo essa uma maior e constante fonte
de renda monetária para os assentados, tendo também como objetivo fornecer a carne, o
leite e derivados da produção leiteira, alimentos esses que fazem parte da dieta humana.
A quantidade existente de rezes por lote está condicionada pela área de pastagem
existente e outros cultivos destacado no quadro - 6, principalmente a cana e o napier.
Entretanto, a quantidade mais freqüente nos lotes é de 20 animais sendo em média criadas
03 cabeças por hectare de pastagem e consumida em média 02 rezes por ano.
Quanto a essa criação de gado segundo aos assentados a quantidade existente por
lotes nos primeiros anos do assentamento eram inferiores da existente nos anos mais
recente. Isso se deve ao motivo de que nos primeiros anos se iniciava o plantel, sendo que
muitos não tinham recursos econômicos para adquirir uma quantidade maior, dessa forma a
saída encontrada foi investir em vacas, pois essa garantiria a produção de leite e o aumento
do rebanho abrindo possibilidades para o consumo de carne e a comercialização desses
animais (figura 18).
1
Figura 18- CRIAÇÃO BOVINA
Fonte: LIMA, I.V.(2009)
Diferente de cultivos agrícolas, esses animais podem ser comercializados há
qualquer época do ano sem necessariamente considerar os seus diversos estágios de
crescimento, ou seja, quando bezerros, novilhos e adultos. No entanto, os assentados que
possuem área de pastagem insuficiente têm realizado logo após a sua desmama vendo na
faixa de R$ 450,00 (agosto 2009). Na comercialização há uma seleção das rezes, ou seja,
dão preferência para a permanência das fêmeas no rebanho, sendo que essa possibilita a
geração de leite, como são elas de dão continuidade no ciclo reprodutivo, ou seja, na fase
adulta a cada 15 meses essa gera outra rês.
Entretanto, o favorecimento da criação bovina está na facilidade de se obter
alimentos para os animais, pouca mão-de-obra no manejo, na produção de carne e leite,
capacidade de reprodução, vantagens com a comercialização, dentre outros fatores com a
criação bovina os assentados conseguem formar um fundo de reserva monetária para ser
utilizada nos momentos de maiores dificuldades.
4.6 - O autoconsumo e os derivados da produção animal
Ao analisarmos esse modelo de produção adotado no assentamento Pedro Ramalho,
podemos verificar que o centro do desenvolvimento nos lote se constitui na produção
convertida em autoconsumo. Dessa forma, a produção animal tem maior capacidade de
transformação, ou seja, torna-se a “máquina conversora”, pois sem ela a conversão para o
autoconsumo de alguns produtos a produção básica de subsistência, por exemplo, o milho e
a mandioca seriam mínimos. Além disso, não existiria também a produção/geração de
1
derivados (leite, queijo, ovos, banha, etc.), sendo essa produção/geração considerada como
renda extra e parte para o consumo alimentar.
Não apenas o gado bovino, mas também a criação de aves e dos suínos, destacada
anteriormente, são fundamental para a unidade camponesa, além de fornecerem a carne
também possibilita a geração de derivados como indica o quadro-10.
Quadro – 10
PRODUÇÃO de DERIVADOS da CRIAÇÃO ANIMAL
Aves - ovos
Suínos - banha
Bovinos- leite
%
Dz/
%
%
Kg/
%
%
Ls/ dia
%
lotes dia
Cons. lotes
ano
Cons. lotes
Cons.
58
(-) 1
100
65
60
100% 26
(-) de 20 10
21
1a -2 50
52
20 a -40
05
21
2a3
30
11
40 a -60
02
Total
100
%
Total
65 %
Total
89 %
%
lotes
5
11
16
Queijo
Kg/
mês
-15
-30
-50
%
Con
20
15
10
Total
32 %
Dz/dia: dúzias por dia; Kg/ano: quilos por ano; Ls/dia: litros por dia; Kg/mês: quilos por mês
Como apresentado no quadro-10, é expressiva a quantidade de ovos produzidos no
assentamento, essa quantidade se relaciona com o número de aves existente em cada lote,
sendo que nos lotes que contem uma quantidade de 50 aves produzem em média 02 dúzias
diárias de ovos, isso em períodos que as aves estão em plenas condições de produção.
Porém são poucos que comercializam essa produção, isso presume que nos lotes que não
vende essa produção ela seja consumida.
De fato é mesma, mas evidentemente que uma família não consume duas dúzias de
ovos todos os dias. No entanto, essa produção é utilizada na cozinha doméstica, sendo
preparados fritos, cozidos, colocados em pães, bolos e outros pratos da culinária doméstica,
como também são distribuídos a outras famílias. Deve ser considerado que uma grande
quantidade é extraviada nos próprios ninhos das aves, são devorados por outras aves e
animais campestres, além dessas formas de consumo tem-se o fato que é necessário separar
certa quantidade para reprodução das aves.
Ratificando o que já foi mencionado, a criação é extremamente fundamental na
unidade camponesa de produção, considerando como primeira hipótese a criação de
animais para abastecer o autoconsumo através do aprovisionamento de carnes, teria assim o
criador o trabalho ou a mão-de-obra para alimentar os animais, entretanto, essa modalidade
1
de animais proporciona os derivados, no caso das aves os ovos, dos suínos a banha e do
gado bovino o leite, isso faz com esses produtos derivados venha de forma “gratuita” para o
camponês, dispensando a sua aquisição no mercado.
Com a produção de ovos e de banha além de dispensar essas famílias em estar
dispondo de recursos financeiros para a obtenção desses produtos tem-se a questão da dieta
gastronômica, há preferência por parte de algumas das famílias em estar consumindo ovos
de galinha caipira e a gordura animal em detrimento com ovos de galinha de granja e o óleo
vegetal (de soja). Não que seja eliminado totalmente o consumo do óleo vegetal, mas o seu
consumo se restringe principalmente a alguns pratos como no tempero de saladas.
Dentre as famílias assentadas entorno de 65% têm utilizado a banha no preparo dos
alimentos e principalmente nas frituras de batata, mandioca, carnes e até mesmo na
fabricação caseira de sabão. Dessa forma o abate dos suínos nos lotes que se mantém o
consumo constante de banha está condicionado mais pela necessidade da banha em
detrimento com a necessidade da carne.
Outra geração de derivados proporcionados é obtida da produção leiteira que se
apresenta em 89% dos lotes no assentamento. A quantidade de leite produzida se relaciona
diretamente com o número e a qualidade dos animais existente em cada lote. Para os dados
obtidos através dos questionários de 2006 era produzida uma média de 20 litros diários por
lote, já para os dados de 2008, essa média de produção se eleva para 30 litros diários.
O determinado aumento médio é alegado pelo seguinte motivos, a atividade bovina
tem seu inicio praticamente em setembro de 2004 logo após os assentados receberem o
recurso financeiro do Incra (R$ 13.500,00). Para os assentados que não tinham nenhum
recurso econômico foi nesse momento que cercaram seus lotes e comprou o gado, pois
muitos não tiveram opção para realizar uma boa compra, isto é, adquiriam as vacas
desconhecendo da precedência, ao contrário, os que já tinham algum recurso econômico e
experiência32 com atividade bovina foram avantajados com essa atividade.
Os assentados que tinham pouca experiência, ou compraram um rebanho de não tão
boa qualidade, necessitou de aproximadamente 02 anos para conhecer o perfil de seu gado,
ou seja, foram assim identificadas as vacas boas e ruins de leite. É a partir desse momento
32
Algumas das famílias antes de ser assentadas trabalharam nas fazendas de gado na região por um período
de até 20 anos.
1
que conseguiram fazer uma seleção, melhorando o seu rebanho, o que justifica o aumento
na produção de leite.
Da quantidade produzida é retida para o consumo familiar em média 02 litros
diários, isso depende da necessidade, por exemplo, nos dias que querem fazer bolo, doces,
queijo, iogurte e outros quitutes da culinária doméstica é retida uma quantidade maior.
Excedente produzido é comercializado informalidade (vendas no varejo) ou com as
empresas lácteas da região, principalmente, com as de Guaíra e Marechal Candido Rondon
no estado do Paraná.
Na comercialização desse produto, através da secretaria estadual de agricultura por
intermédio das entidades e órgão atuante no assentamento, em 2008, esses assentados
conseguiram a instalação de um resfriador comunitário com capacidade de 2000 litros. O
processo de luta pelo resfriador já havia sendo desenvolvido desde 2006.
Com o resfriador conseguiram também negociar o preço do leite vendendo a R$
0,65 o litro para a empresa de Marechal Candido Rondon enquanto a empresa de Guaíra
paga R$ 0,53 (agosto de 2009). Além dessa venda com as empresas alguns realizam a
venda informal esporádica (em alguns dias da semana) na cidade do Salto Del Guairá no
Paraguai a R$ 1,00 o litro, pois a venda no varejo em Mundo Novo é proibida em garrafas
peti, ocorre por via de uma associação de produtores que realiza um pré-processo
pasteurização e empacotamento do produto, o que torna inviável pelos assentados devia a
distância desse local (09 a 14 Km).
Dentre esses assentados produtores de leite, não são todos que vendem diretamente
o leite, alguns transforma em queijo, outros combinam a venda formal ou informal do leite
com a venda de queijo, nesse caso o queijo é vendido nos próprios lotes e nas cidades
vizinhas. A produção de queijo teve o seu maior auge em 2005, quando houve o surto da
Aftosa (doença no gado que afetou o sul do Estado de Mato Grosso do Sul), sendo que
nesse período foi proibida a comercialização do leite, dessa forma essa produção era
transformada em queijo ou destinavam o leite na criação de suínos.
A transformação dos produtos nas próprias unidades de produção é via para o
camponês diminuir a sujeição ao capitalismo, porém para esse processo de transformação
em alguns casos o camponês terá que disponibilizar de capital na aquisição de
equipamentos. No caso de alguns produtos lácteos não necessita de um alto investimento,
1
no entanto, depende principalmente da disponibilidade de mão-de-obra, pois se ele passa a
contratá-la automaticamente não estará condizente com a estrutura camponesa de produção,
a qual tem em sua base o trabalho familiar.
Nesse sentido, vemos que as famílias desse assentamento estão caminhando em
busca de processar os produtos nos próprios lotes, utilizando o trabalho da familiar. A
exemplo, a difusão dos cursos de Fabricação Caseira dos Derivados do Leite (2008) e o de
Qualidade do Leite (2009) promovidos pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem
Rural), exposto na figura-18.
Figura 7 - FABRICAÇÃO CASEIRA de DERIVADOS e QUALIDADE DO LEITE
Fonte: STR de Mundo Novo (2008); LIMA, I.V. (2009)
Nesses cursos são repassadas orientação técnicas e práticas, que tem sido oferecido
principalmente para as famílias que tem maior aptidão com a atividade.
1
CONSIDERAÇÃOES FINAIS
O destino do campesinato sob o modo capitalista tem divido a opinião dos
estudiosos que buscam compreender o campo. De um lado, alguns estudiosos tais como
Kautsky (1980) apontam para o desaparecimento do campesinato e de outro existem
aqueles como Oliveira (2007) e Martins (1990) que interpretam a (re) criação do
campesinato no interior do modo de produção capitalista. Na análise de ambos, a terra, a
produção e a circulação estão colocadas como elementos desta interpretação.
Segundo Oliveira (2007), aqueles que apontam para o desaparecimento do
campesinato se apóiam, principalmente, na idéia da inserção do camponês no mundo da
mercadoria, produzindo cada vez mais para o mercado capitalista. Isso implicaria no
abandono da produção de subsistência, tornando-se um pequeno capitalista ou perderia seus
meios de produção (principalmente a terra), tornando um trabalhador assalariado.
Os autores que buscam entender a permanência do campesinato compreendem o
processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção de forma contraditória, pois
mesmo em sua etapa monopolista, o capital cria e recria relações não-capitalistas de
produção. Para esses autores, o processo contraditório de desenvolvimento do capitalismo
se faz em direção da sujeição da renda da terra ao capital, podendo esse subordinar a
produção camponesa, especular com a terra (comprar e vender) ou sujeitar o trabalho que
se dá na terra.
Foi mediante essa concepção contraditória que atentamos para alguns dos elementos
que fazem parte da vida física e social do campesinato, ou seja, buscamos compreender as
imposições e estratégias de resistência desencadeada pelos camponeses como forma de
garantir a sua existência social e econômica no modo de produção capitalista.
Assim, verificamos que os camponeses para continuar se reproduzindo recorreram á
migração, no caso a vinda para as terras de colonização “dirigida” (privada e estatal)
ocorrida em Mato Grosso do Sul. Neste contexto de colonização das terras de Mundo
1
Novo, os camponeses e sua renda estavam sujeitos a partir das relações criadas no interior
do Projeto de Colonização Estatal (Projeto Iguatemi) ou então no trabalho familiar nãocapitalista na condição de arrendatário e parceiro na “colonização” da região.
Entretanto, essa sujeição da renda da terra, em período recente vem sendo
respondida através das ocupações de latifúndios pelos camponeses despossuídos. Dessa
forma, as lutas de resistência camponesa organizada nos movimentos sociais tornam-se
outro elemento fundamental para garantir a existência camponesa. As lutas camponesas são
contrárias às imposições do capitalismo, isto é, através da luta pela terra os camponeses
estão negando a sua “proletarização”, como também negam a migração para a fronteira
como no caso da Amazônia.
Nesse estudo sobre o assentamento Pedro Ramalho, verifica-se que os camponeses
desenvolvem um conjunto de lutas coletivas nos movimentos pela conquista da terra. A
conquista da terra desafia os camponeses a construção de meios para garantir as sua
permanência na terra do assentamento. Portanto, a luta dos camponeses não termina no
momento da conquista da terra, mas continua a partir da conquista da terra de
assentamento. Um exemplo dessas lutas na terra é a produção de subsistência/autoconsumo
desenvolvida no assentamento Pedro Ramalho.
É nesse contexto de resistências que os camponeses se reconhecem enquanto classe,
pois quando se encontram na condição de despossuídos da terra, a tendência é perder a sua
identidade e seu modo de vida camponês. Neste sentido, o território, no caso o
assentamento, surge como elemento importante para garantir a existência camponesa.
Assim, os assentados de Pedro Ramalho em Mundo Novo, através da produção de
autoconsumo e subsistência, tem procurado se defender (agricultura defensiva) e responder
às imposições do modo de produção capitalista assentado na produção de mercadorias e
exploração da mais-valia.
Ainda sobre a produção no assentamento, ao confrontá-la com algumas teorias
sobre o destino do campesinato, é verificada a existência de uma produção voltada
diretamente para autoconsumo a qual é uma característica genuína da essência camponesa
que é reproduzida nos dias atuais. Foi verificado também uma produção flexível entre o
consumo a venda ou o adiamento da sua comercialização.
O autoconsumo e subsistência não implicam no isolamento econômico desses
1
camponeses assentados, mas uma defesa contra as oscilações do mercado, pois torna se
necessário para esses a circulação de parte de sua produção que tem como objetivo atender
necessidades de consumo para além da alimentação e obtenção de produtos do lote. Porém,
deve se considerar que nem toda a produção camponesa é colocada à circulação; e o mesmo
pode se dizer que nem todo da produção camponesa passa pela sujeição da renda da terra
ou do trabalho realizado nela. A produção e renda de autoconsumo escapam à
subordinação, pois não é colocada a circulação; não se constitui como mercadoria.
Verifica-se que os camponeses do assentamento Pedro Ramalho compreendem que
o capitalismo busca forçar sua inserção no mundo da mercadoria, tornando-os dependentes
dos insumos industrializados, presos a circulação. A interrupção do cultivo do algodão, soja
e sericicultura são exemplares, pois os assentados têm adotado atividades agropecuárias que
podem ser flexibilizadas, ou seja, produção que possam ser vendidas, consumidas ou
armazenadas.
Esse estudo também permitiu verificar que a criação animal garante em grande parte
a sobrevivência dos assentados no lote. Essa produção (criação de animais) funciona como
uma “máquina conversora”, pois esse tipo de produção facilita a conversão de alguns
produtos básicos (milho e mandioca, por exemplo). Aqueles produtos que são impróprios
para o consumo humanos são convertidos para trato de animais que posteriormente são
destinados á alimentação da família. Além disso, os animais entram diretamente no
consumo alimentar dos membros da família, sem passar pelo processo de industrialização,
como o que ocorre com alguns produtos como a mandioca/farinha e o milho/fubá, etc.
Outra vantagem dessa produção é a geração de derivados de leite, ovos e banha, que
se traduz numa renda extra, somando-se ainda as possibilidades de diversificar os alimentos
como bolos, doces, queijo, nata, iogurte e outros. Além dessas possibilidades, os animais,
principalmente bovinos, assumem um papel importante na renda monetária das famílias
assentadas e funciona também como uma poupança que é acionada em períodos de maiores
dificuldades.
Outra verificação no assentamento Pedro Ramalho está relacionada à interpretação
sobre a composição e o trabalho familiar, quando foi identificado um balanço entre a mãode-obra necessária e a excedente, isto é, a contratação ou venda temporária dessa mão-deobra. Observou-se que apesar de pequena, existe a venda fixa da força de trabalho, porém
1
não indica que esses camponeses assentados estão caminhando para proletarização. Ao
contrário, a venda da força de trabalho excedente é uma estratégia na garantia de sua
subsistência.
A característica de produção de parte de sua subsistência para garantia das
necessidades do consumo familiar é constatada, principalmente entre aqueles camponeses
que possui um maior número de consumidores em detrimento do número de trabalhadores,
isto é, os que trabalham diretamente na terra buscam através da produção de autoconsumo
assegurar o consumo alimentar dos demais membros da família que não trabalham.
Dessa forma, a produção de autoconsumo se articula com as outras atividades
econômicas desenvolvida por esses camponeses assentados, seja com o trabalho na própria
terra ou mesmo com as outras atividades econômicas externas ao lote.
Embora a organização produtiva no assentamento não esteja pautada por
cooperativas, movimentos e sindicatos, ela não indica o isolamento do assentado e
individualismo. No assentamento há um conjunto de ações como palestras ministradas
pelas entidades de assistência técnica para tratar do manejo e cultivo; ações recíprocas
existentes entre os próprios assentados socializando experiência de vida camponesa; troca
de informações sobre a vida nos assentamentos; dentre outras. Portanto, não se trata de
resistência elaborada na esfera individual e sim de uma construção coletiva, não dirigida
por entidades, movimentos sociais ou sindicatos.
Eis, portanto, como os camponeses do assentamento Pedro Ramalho desenvolvem
um conjunto de práticas de produção de autoconsumo e subsistência que indicam a
resistência aos esquemas de dominação e subordinação do modo de produção capitalista.
Uma resistência na esfera da produção (autoconsumo e subsistência) que garante a sua
existência.
1
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1
ANEXO 1
LEVANTAMENTO SOCIOECONÔMICO NO ASSENTAMENTO PEDRO
RAMALHO
1- Nome :______________________________2-N° lote___3-Área lavoura .___4-Área de
pastagem_____ 5-Quantas pessoas reside no lote? _____6-Quantas trabalham no lote
______7-Há alguma renda com atividade fora do lote? Quanto?_____________ Como é
adquirida _________________________________________________ 8-Onde já
trabalhou, e quanto tempo:
LAVOURA
CIDADE
( ) proprietário____________________ ( ) proprietário____________________
( ) empregado_____________________ ( ) funcionário______________________
( ) arrendatário ____________________ ( ) volante _________________________
( ) volante________________________
9-Detalhamento da atividade
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
10- Origem anterior ao acampamento/assentamento
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
PRODUÇÃO
Quais as culturas, quantidade e destino.
11- Milho
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________
12- Feijão
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________
13- Mandioca
1
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________
14- Algodão
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________15Soja
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________16Outros
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________16.1
- Outros
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________
16.2- Outros
a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________
e)consumo no lote______em que __________________________________________
f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita
___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________
______________________________________________________________________
17- Hortaliças
a)área ________ b)detalhamento/ tipos de plantas/ legumes da roça/época do ano
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
______________________________________________________________________
c)detalhamento do destino/cidade/vizinho/amigos/consumo no lote.
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
c) Que tipo de insumos é utilizado __________________________________________
d) tempo gasto nessa atividade _____________________________________________
______________________________________________________________________
1
18-Existe pomar /ele está produzindo/o que produz/destino da produção/quantas mudas
_____________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
________________________________________________________________
19-Produção animal
Especificar quantidade/destino/emprego/quem realiza as atividades/ quanto tempo utiliza
nas atividades dessa produção.
Bovino:___________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_____________________________________________________________
Galinhas:_________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Suínos:___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_
Outras____________________________________________________________________
___________________________________________________________________
20 - Derivados da produção animal:
Produção de leite total _____ venda _______ consumo _______ especificar o consumo:
bolo/nata/doces/queijo/ in natura. _________________________________________
_____________________________________________________________________ com
quem comercializa e por quê?________________________________________
______________________________________________________________________
Ovos: quantidade/ que época do ano produz/ destino. ___________________________
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Banha: quantidade/destino. _______________________________________________
Outros_________________________________________________________________
21-Tempo nas atividades (comercialização/fabricação)
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
22- Mão-de-obra
a) Entra no lote: ( .) familiar; ( ) diarista; ( ) trocas de dias/ mutirão; ( ) assalariada
b) Sai do lote: ( ) dias de trabalho; ( ) assalariada; ( ) troca de dias/ mutirão ( )outras
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_______________________________________________________________
23- Utiliza tração: animal/ mecânica/individual /coletiva/própria/alugada
a) animal: (especificar o dono, no que utiliza, quanto tempo, motivo do uso)
_________________________________________________________________________
1
___________________________________________________________________
b) mecânica (especificar o dono, no que utiliza, quanto tempo, custo de hora )
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_______________________________________________________________
24-Recebe algum tipo de assistência técnica?______Em quê? _____________________
______________________________________________________________________
Particular/ empresarial/ de alguma entidade ___________________________________
25-Quais os órgãos do governo que atua no assentamento________________________
______________________________________________________________________
26-Os órgãos atendem as necessidades?______________________________________
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
27- É filiado em: ( ) associação ( ) sindicato ( ) partido ( ) movimento popular
( ) outros ___________________________________________________________
28- Grau de instrução do chefe ___________________________________________
29- Os filhos estudam (série, vão fazer faculdade)______________________________
______________________________________________________________________
30 - Dispõe de algum sistema de financiamento (governo/banco/agiota/vizinho)
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_______________________________________________________________
31-Está contente na condição de assentado ___________________________________
______________________________________________________________________
32 – Quais as dificuldades e o que poderia ser feito em benefício do agricultor_______
_________________________________________________________________________
___________________________________________________________________
33- Qual a renda anual com o lote R$ _______________________________________
34- Quanto investiu no lote R$_____________________________________________
35- O que é comprado na cidade (máquinas/ferramentas/roupas/alimentos/farmácia/
transporte qual o valor gasto mensal)
______________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
__________________________________________________________________
36- Freqüenta (casa dos vizinhos/ festas/igreja) ________________________________
______________________________________________________________________37Outras informações:
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
1
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________
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