UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE FRANCISCO BELTRÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA CAMPONESA NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS IVANILDO VIEIRA LIMA Francisco Beltrão-PR 2009 2 IVANILDO VIEIRA LIMA PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA CAMPONESA NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação Mestrado em Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. João Edmilson Fabrini Francisco Beltrão-PR. 2009 3 PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA CAMPONESA NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS Defesa de Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Geografia, junto ao Programa de PósGraduação Mestrado em Geografia Universidade Estadual do Oeste do Paraná. da 4 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca da UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil) L732p Lima, Ivanildo Vieira Produção de subsistência/autoconsumo e resistência camponesa no Assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS / Ivanildo Vieira Lima. – Francisco Beltrão, 2010 142 p. Orientador: Prof. Dr. Joao Edmilson Fabrini Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Francisco Beltrão, 2010. 1. Mundo Novo (MS) - Assentamento Pedro Ramalho. 2. Assentamentos rurais – Autoconsumo. 3. Assentamentos rurais – Produção. 4.Movimentos sociais. 5. Resistência camponesa. I. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. II. Título. CDD 21.ed. 333.318171 CIP-NBR 12899 Ficha catalográfica elaborada por Marcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB-9/539 5 BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Prof. Dr. João Edmilson Fabrini (Orientador) __________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Dornelis Carvalhal ________________________________________ Profª Drª Marisa de Fátima Lomba Farias 6 AGRADECIMENTOS A realização dessa pesquisa só foi possível com a colaboração de muitas pessoas e de algumas instituições, sendo esse o momento de publicamente declarar meu apreço a todas. Agradeço a toda minha família que de maneira direta ou indireta esteve sempre ao meu lado, apoiando-me na busca de conhecimento. Em especial aos meus pais Manoel e Helena que carinhosamente trato de “Negão e Dona Nenê”, que nos momentos mais difíceis estiveram com as mãos e os braços estendidos para me acolher. Ao orientador João Edmilson Fabrini, pelos conhecimentos repassados e ao tempo e muita atenção dedicada à realização dessa pesquisa. A CAPES pelo apoio financeiro na forma de bolsa, a qual foi de extrema importância a realização do mestrado e principalmente dessa pesquisa. Aos professores do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia da UNIOESTE e a secretária Andréia por sua grande dedicação nos afazeres burocráticos. A professora Roseli Alves por nos aceitar e acompanhar no estágio de docência e também participar de nossa banca de qualificação. Aos amigos e companheiros do Geolutas, João, Marcelo, Terezinha, Djoni, Gabriel, Márcio, Irma, Leandro, Tereza, Solange, Diane, Erwin e aos primos Ferrari (Carlos e Walter). A todos os colegas do mestrado pelos momentos compartilhados, sem distinção, dentre esses cabe citar o nome de Ricardo, Pecinatto, Andrei, Luís Carlos e Gilberto pelos grandes favores prestados. A todas as famílias do assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS que nos recebeu e deu toda a atenção necessária na obtenção das informações para essa pesquisa. Nessa mesma oportunidade agradeço também as famílias e pessoas de Mundo Novo que fizeram parte do Projeto Iguatemi e se dispuseram a dialogar conosco. Aos funcionários de órgãos e entidades que contribui com nossa pesquisa a campo no município de Mundo Novo. Agradecemos principalmente a Deus por nos conceber saúde e vida. 7 Debulhar o trigo Recolher cada bago do trigo Forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão Decepar a cana Recolher a garapa da cana Roubar da cana a doçura do mel, se lambuzar de mel Afagar a terra Conhecer os desejos da terra Cio da terra a propícia estação e fecundar o chão Milton Nascimento e Chico Buarque de Holanda 8 PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA/AUTOCONSUMO E RESISTÊNCIA CAMPONESA NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS RESUMO Nessa pesquisa analisamos as formas de resistência camponesa, partimos do pressuposto que além das lutas nos movimentos sociais, os camponeses desenvolvem outras formas de resistência para garantir a sua existência num sistema adverso como o capitalismo. Resultante das experiências na luta pela terra, os camponeses assentados têm procurado organizar a produção nos assentamentos em mutirões, cooperativas, grupos coletivos, etc. Tem também procurado implementar uma agricultura de subsistência e autoconsumo para garantia de sua existência, buscando assim, aliviar a subordinação que o domínio das regras capitalistas lhe impõe. Esta produção voltada para o autoconsumo e subsistência é verificada no assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo - MS como uma estratégia de resistência para garantir a sua existência enquanto classe camponesa. Nesse estudo procuramos demonstrar que os camponeses têm buscado cultivar espécies que permitem uma flexibilidade, ou seja, uma produção que pode ser destinada ao mercado e ainda ser direcionada para o consumo, sendo a produção de autoconsumo uma atividade genuína do campesinato e fazendo parte da essência deste sujeito. Ainda hoje esta produção de autoconsumo é elemento fundamental na reprodução e resistência camponesa às imposições do sistema capitalista. Esta flexibilidade entre o autoconsumo e subsistência é muito forte nos assentamentos rurais de reforma agrária, como é o caso do assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS. PALAVRAS – CHAVE: Assentamentos Rurais, Autoconsumo, Movimentos Sociais, Produção, Resistência Camponesa. 9 Subsistence production and consumption and peasant resistance in the settlement Pedro Ramalho in Mundo Novo/MS ABSTRACT In that research we analyzed resistance peasant's forms, we left of the presupposition that besides the fights in the social movements the peasants develop other resistance forms to guarantee its existence in an adverse system as the capitalism. Resultant of the experiences in the fight for the earth, the seated peasants have been trying to organize the production in the establishments in mutirões, cooperatives, collective groups, etc. It has also been trying to implement a subsistence agriculture and autoconsumo for warranty of its own existence, looking for like this, to alleviate the subordination that the domain of the capitalist rules imposes it. This production gone back to the autoconsumption and subsistence is verified in the establishment Pedro Ramalho in Mundo Novo-MS as a resistance strategy to guarantee its existence while class peasant. However, in that study we tried to demonstrate that the peasants have been looking for to cultivate species that allow a flexibility, that is to say, a production that can be destined to the market and still to be addressed for the consumption. Being the autoconsumo production a genuine activity of the peasant and it is part of the essence of this I subject. This autoconsumption production is still today fundamental element in the reproduction and resistance peasant to the impositions of the capitalist system. This flexibility between the autoconsumo and subsistence is very strong in the rural establishments of agrarian reform, as it is the case of the establishment Pedro Ramalho in Mundo Novo/MS. WORDS - KEY: Rural Establishments, Autoconsumption, Social Movements, Production, Peasants Resistance. 1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................................10 CAMPESINATO: SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO.................................................16 A QUESTÃO AGRÁRIA EM MATO GROSSO DO SUL..................................................34 APROPRIAÇÃO DA TERRA E LUTAS NO CAMPO EM MUNDO NOVO....................55 A PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS..................................................................89 CONSIDERAÇÃOES FINAIS...........................................................................................121 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................125 1 INTRODUÇÃO A expansão das relações capitalistas de produção no campo é responsável pela expropriação, subordinação e exploração dos camponeses e trabalhadores da agricultura. Neste mesmo contexto, erguem-se lutas e resistências diversas, principalmente aquelas vinculadas aos movimentos sociais, das quais se destacam as ocupações de terra latifundiária e os acampamentos. Mas, além da luta para entrar na terra existe também a luta para permanecer na terra, principalmente na terra de assentamento. Resultante das experiências na luta pela terra, os camponeses assentados têm procurado organizar a produção nos assentamentos em mutirões, cooperativas, grupos coletivos, etc. Tem também procurado implementar uma agricultura de subsistência e autoconsumo para garantia de sua própria existência, buscando assim, aliviar a subordinação que o domínio das regras capitalistas lhe impõe. Esta produção voltada para o autoconsumo e subsistência é verificada no assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo - MS como uma estratégia de resistência para garantir a existência da classe camponesa. Historicamente, na evolução da civilização, foram criados diversos modos de produção. Nesse processo evolutivo da sociedade assentado na divisão social do trabalho os camponeses têm combinado suas atividades agrícolas no tripé: cultivos que possam ser comercializados; cultivos que possam ao mesmo tempo ser comercializados e convertidos para o consumo; e cultivos de autoconsumo, ou seja, aqueles que são destinados consumo interno na unidade de produção. A produção de autoconsumo verificada no assentamento é aquela destinada ao uso (consumo) pela própria família camponesa. A produção de subsistência possui uma dimensão mais ampla e além do uso pela família implica na comercialização da produção. Nem todo produto agrícola comercializado pode ser considerado como parte da “agricultura comercial” pautada pelo lucro/renda, como o agronegócio, por exemplo. Existe uma produção camponesa vinculada ao comércio que não está pautada pelo lucro/renda, mas 1 destina-se à garantia da subsistência da família. Neste sentido, é possível afirmar que a agricultura de subsistência envolve o comércio da produção dos camponeses assentados, embora não possa ser considerada uma agricultura capitalista. Mas, esta agricultura de subsistência e autoconsumo se relacionam com a produção capitalista, pois não se trata de produção à parte do processo geral de produção, ou seja, do modo de produção capitalista. Assim, a produção comercial camponesa de subsistência que tem como base o trabalho familiar não deve ser confundida ou interpretada como a que é desenvolvida ao modelo do agronegócio objetivada pelo lucro, pois a circulação de sua produção faz se necessária para a reprodução da vida camponesa. O que está colocado no centro da agricultura camponesa não é o lucro, mas sim a sua subsistência que é obtida com a renda provinda da venda da sua produção. Existem interpretações de que a expansão das relações capitalista leva os camponeses a se integrar cada vez mais ao mercado capitalista. Nesta interpretação, os camponeses vão deixando de produzir para autoconsumo, direcionando prioritariamente sua produção para o mercado, o que comprometeria a sua existência. Esta é a tese da diferenciação social, pois os camponeses se tornariam proprietários capitalistas ou proletários. Entretanto, nesse estudo procuramos demonstrar que os camponeses têm buscado cultivar espécies que permitem uma flexibilidade, ou seja, produção que pode ser destinada ao mercado ou ser direcionada para o consumo. Verifica-se que a produção de autoconsumo é uma atividade genuína do campesinato, ou seja, faz parte da essência deste sujeito. Ainda hoje esta produção de autoconsumo é elemento fundamental na reprodução e resistência camponesa às imposições do sistema capitalista. Esta flexibilidade entre o autoconsumo e subsistência é muito forte nos assentamentos rurais de reforma agrária, como é o caso do assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS. Esta pesquisa sobre a produção de subsistência e autoconsumo como resistência camponesa no assentamento Pedro Ramalho está dividida em quatro capítulos. No primeiro capítulo, intitulado de “Campesinato: subsistência/autoconsumo” foi destacada a partir das obras de Chayanov (1974) de Wolf (1970) a forma como o camponês garante a sua subsistência, que está na capacidade de produzir diretamente grande parte dos 1 seus meios de vida, sobretudo com os cultivos de gêneros alimentícios para o consumo. A partir destes autores procurou-se interpretar a concepção de subsistência e autoconsumo e de que forma isto se relacionada às demais dimensões da vida camponesa. Para Chayanov, por exemplo, a existência camponesa está norteada principalmente pelo núcleo familiar, quando são considerados os aspectos relacionados à composição e tamanho da família, número de consumidores, número de trabalhadores, sexo e idade. Considera que a partir do balanço trabalho e consumo, o objetivo é atender as necessidades de consumo da família. Dessa forma, a força de trabalho familiar camponês é direcionada para as diversas atividades que proporcionam maiores rendas e menor grau de autoexploração de seu trabalho. Assim, a obra de Chayanov tem nos revelado os elementos internos da família camponesa como as relações de gêneros, diferenciação biológica, idade, sexo, tamanho, que servem como elementos explicativos na compreensão do trabalho e do consumo familiar, o que indica também o papel desempenhado pela produção de autoconsumo nessa relação. Diferente dessa perspectiva chaynoviana do balanço-consumo, porém concebendo a produção de autoconsumo como característica e estratégia camponesa de existência, há a compreensão de Wolf (1970), com sua obra “Sociedades Camponesas”. Wolf (1970), ao tratar da produção camponesa refere-se à concepção de mínimo calórico e excedente sociais. Para esse autor os camponeses realizam uma produção de autoconsumo que tem como objetivo atender suas necessidades físicas que seria o mínimo calórico. Porém, compreende que os camponeses não produzem apenas para a sua existência física, mas também para garantir a sua existência social. Para isso os camponeses devem produzir os seus excedentes sociais que é composto pelo fundo de manutenção, fundo cerimonial e o fundo de aluguel. Os elementos da produção camponesa são tratados em várias obras clássicas das quais se destacam Chayanov (1974) e Wolf (1970). Entretanto, nos estudos do campesinato brasileiro, alguns autores contemporâneos, mas considerados também clássicos, procuram sintetizar esses elementos partindo da realidade vivida pelos camponeses daqui. Portanto, ainda nesse primeiro capítulo, foi tratado sobre as interpretações dos elementos da produção camponesa considerando a obra de Tavares dos Santos (1978) “Colonos do Vinho” que trata da subordinação do trabalho camponês a partir dos vínculos 1 que estabelecem com as indústrias vinícolas. Outro autor utilizado para elaborar caracterização do campesinato foi Martins (1981) que trata da subordinação da renda da terra camponesa ao capital. Assim, enquanto Tavares dos Santos (1978) atenta-se para a subordinação do trabalho, Martins (1990) atenta-se para a subordinação da renda da terra ao capital. Oliveira (2007) também é outro autor importante na caracterização do campesinato brasileiro. Diante deste processo de subordinação, seja pelo trabalho ou da renda da terra, os camponeses criam resistências diversas dentre as quais se destacam a produção de subsistência e autoconsumo. O caso estudado foi o assentamento Pedro Ramalho no município de Mundo Novo no Estado de Mato Grosso do Sul. Para tratar das estratégias dos camponeses Heredia (1979) e Garcia Jr. (1983) indicam práticas adotadas por eles para viabilizar sua seguridade alimentar e comercial, ou seja, esses autores expõem as possibilidades de flexibilidade e alternatividade contida em alguns cultivos. No segundo capítulo, intitulado “A questão agrária em Mato Grosso do Sul”, apontamos para concentração fundiária como a principal característica do espaço geográfico de Mato Grosso do Sul. A apropriação desigual da terra, e não necessariamente a exploração do trabalho na terra, se constitui no centro do problema agrário no Mato Grosso do Sul, ou seja, se constitui no centro da “questão agrária”. A concentração de terras em Mato Grosso do Sul não é recente, pois vem desde disputa travada por Portugal e Espanha que tinha por finalidade ampliar seus territórios. O domínio destas terras do Mato Grosso do Sul também foi disputado entre Brasil e Paraguai. No entanto, foi no período republicano que as terras do sul de Mato Grosso do Sul foram monopolizadas pela Cia Mate Laranjeira o que dificultou a difusão da pequena propriedade nesse período do monopólio da Cia Laranjeira. A possibilidade de desenvolvimento da atividade pecuária também contribuiu para a procura por terras do sul de Mato Grosso do Sul por fazendeiros paulistas principalmente, o que impulsionou a apropriação concentrada da terra nessa região. Mas, há que se considerar também a modernização da agricultura a partir da década de 1970, que expulsou pequenos agricultores proprietários e arrendatários/parceiros, trazendo distintas conseqüências para o campo em Mato Grosso do Sul. 1 A resposta dos camponeses foi a luta pela terra nesse Estado, das quais muitas resultaram nos assentamentos rurais de reforma agrária. Os assentamentos têm segurado a existência e manutenção dos índices de pequenos estabelecimentos rurais. Neste contexto de lutas, no terceiro capítulo, foi tratado sobre as lutas e apropriação das terras no município de Mundo Novo. Na primeira parte do capítulo foi abordada sobre a chegada dos colonos na região e a luta camponesa pautada pela sobrevivência num território onde “reinavam” os latifundiários. Foi tratado também sobre o projeto de colonização “dirigida” implantada pelo governo militar a partir de 1967. Com a implantação do “Projeto Integrado de Colonização Iguatemi” os camponeses foram submetidos a rígidas regras sociais como a obrigatoriedade de comercializarem sua produção agrícola com a empresa cooperativa imposta por esse projeto. As resistências camponesas nos movimentos sociais neste momento eram limitadas e praticamente não se realizavam em Mundo Novo, assim como em todo o Brasil. A história das lutas nesse município se relaciona com o cenário nacional das lutas camponesas, pois aí foram (re) assentados pelo “Projeto Iguatemi”, camponeses expulsos nos Estados do Paraná e São Paulo pelo processo de modernização da agricultura. Eram camponeses dos movimentos vinculados aos arrendatários de Santa Fé do Sul-SP e os atingidos por barragem no Rio Grande do Sul. Neste município de Mundo Novo ainda se fez uma importante manifestação dos camponeses na década de 1980, ou seja, com o inicio do retorno dos brasiguaios do Paraguai para o Brasil. O regresso desses trabalhadores veio a fortalecer a luta pela terra no Estado de Mato Grosso do Sul, principalmente através do processo de ocupações de terra. No desenvolvimento do processo de ocupação de terra encontra-se a ocupação da fazenda Mambaré, em 1999, a qual originou o assentamento Pedro Ramalho. No quarto capítulo, foi tratado sobre o assentamento Pedro Ramalho e a força da produção de subsistência e autoconsumo nele presente. Foram demonstradas a importância da produção de autoconsumo e subsistência enquanto estratégia de resistência dos camponeses assentados à imposição das relações capitalistas de produção. Esta produção assume importância na garantia da existência camponesa. Os assentamentos de reforma agrária, dos quais se inclui o assentamento Pedro Ramalho, surgem com resultado de lutas dos trabalhadores rurais sem-terra. O 1 assentamento pode ser considerado um pré-requisito para a territorialização do camponês e espacialização das lutas, pois a partir da terra conquistada se desdobram novas lutas e conquistas. Diante da condição de assentado, as lutas de resistência dos camponeses foram direcionadas para garantir a sua sobrevivência na terra através, ou seja, a preocupação é garantir a sua existência na esfera da produção. Nestas lutas mesclam-se as ações políticas e aquelas vinculadas á produção no assentamento. Mas, nem toda a produção é produção de resistência. Neste sentido, a atividade agrícola, não exclusiva, foi a principal atividade de subsistência e autoconsumo para o camponês. Embora os assentados tenham se organizado e conquistado a terra por meio de lutas coletivas em torno do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mundo Novo, não é necessariamente nas entidades e movimentos sociais que os camponeses expressam a sua resistência e luta no assentamento Pedro Ramalho. Mesmo considerando que haja diversos vínculos com entidades de classe, movimentos, associação, poder público, dentre outros, a resistência dos camponeses se realiza na esfera produtiva de autoconsumo e subsistência. 1 CAPÍTULO I CAMPESINATO: SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO 1 - Subsistência e autoconsumo O termo subsistência indica uma existência abaixo e inferior, mas geralmente é interpretado como sendo o atendimento de um conjunto de necessidades para sustentar a vida física e social das pessoas. Será neste segundo sentido, de sustentação da vida, a abordagem adotada nesta pesquisa. Para sustentar a vida física e social há necessidade de elementos materializados nos objetos, dentre os quais se destaca a casa de moradia, utensílios domésticos, gêneros da alimentação, enfim, bens de uso e consumo. A sustentação da vida demanda também de necessidades imateriais como, por exemplo, os laços afetivos como os familiares, amizade, educação, lazer, entretenimento, sentimentos, enfim, o relacionamento social. Há que se destacar ainda que os bens necessários para a sobrevivência das pessoas precisam ser produzidos pelo trabalho. Marx (2008, p.199) afirma que “desde que apareceu nesse planeta, tem o homem que consumir todos os dias, antes de produzir e durante a sua produção”. Porém, há modos distintos de produzir para garantir a subsistência humana, como por exemplo, o modo capitalista de produzir em que uma classe de operários despossuídos dos instrumentos e meios de produção vende a sua força de trabalho para obter meios para garantir sua subsistência. Já o capitalista, possuidor dos meios de produção, para garantir sua existência e reprodução explora o trabalho excedente do operário, isto é, a mais-valia, o trabalho não pago ao operário. O objetivo do capitalista não é somente a garantia da subsistência, mas acumular riquezas produzidas socialmente para além das suas necessidades; o lucro ampliado. O proprietário de terra, o latifundiário, também é uma classe do modo de produção 1 capitalista. O proprietário de terra garante a sua existência com a extração da renda da terra, ou seja, da mais-valia social, que pode ser diferencial, relacionada diretamente a capacidade de produzir da fertilidade do solo, proximidade de mercado, como também, a renda absoluta, que proporciona renda através do aluguel ou da venda dessa terra. Esse proprietário se reproduz da renda e mais-valia (lucro) juntas, quando faz a terra produzir empregando a mão-de-obra assalariada. Para o camponês, a sua existência (subsistência) tem como base as atividades agrícolas, sendo o trabalho na terra com os instrumentos de trabalho, a principal forma de garantir a sua sobrevivência. Entretanto, o que diferencia o camponês dos demais sujeitos (classe social) é sua capacidade de produzir diretamente grande parte dos meios de subsistência, a exemplo, os instrumentos e ferramentas feitas por ele mesmo, o cultivo de gêneros alimentícios necessários ao consumo de sua família. Existe uma diferença substancial do camponês com outras classes (capitalistas, operários e proprietários de terra) na forma de garantir sua existência, pois a organização social e trabalho dele são realizados com o objetivo principal de garantir necessidades de consumo da família, ou seja, a subsistência. 2 - A subsistência nos estudos da agricultura. Quando empregado nos estudos da agricultura, o termo subsistência se apresenta com diversos significados: a) produtos agrícolas ou objetos que são elaborados e consumidos na mesma unidade que os produziu, isto é, produtos que não passam pelo processo de circulação e que não são convertidos em dinheiro e mercadorias; b) gêneros agrícolas (alimentícios ou não) produzidos nas unidades de produção familiar, tendo o objetivo o abastecimento de centros urbanos. Neste caso, a agricultura de subsistência se contrapõe à agricultura de exportação, c) conjunto de atividades agrícolas e extra-agrícolas realizados pelos membros da família camponesa, sendo o objetivo satisfazer as necessidades de consumo. Uma interpretação equivocada sobre a produção de subsistência pode surgir quando se coloca em oposição a uma agricultura voltada para o mercado. Esta oposição privilegia o segundo termo em detrimento o primeiro, gerando uma interpretação da qual só há leis 1 econômicas quando há mercado. Esse é o caso típico ocorrido nas fazendas de engenho no Brasil colonial, quando havia o cultivo da cana de açúcar, matéria-prima na produção açucareira para a exportação, como também, o cultivo de gêneros alimentícios para manutenção interna das fazendas. No período do Brasil colonial, já era visto a presença dos pequenos produtores camponeses que praticavam tanto a agricultura de subsistência com a agricultura de mercado, situação essa que continua nos dias atuais. Para Sandroni (1999, p.190), subsistência é definida como sendo a “produção agrícola de bens de consumo imediato e para o mercado local. Ao contrário do que a designação possa sugerir, ela tem algum caráter mercantil”. Por isso, com base em Sandroni (1999), a agricultura de subsistência difere de economia natural, pois nesta, a produção é destinada à sobrevivência do produtor e praticamente não existe excedente. Nesta definição de subsistência, uma parte da produção é destinada ao consumo direto do produtor e outra parte é ao mercado. Assim, subsistência não é aquela produção destinada exclusivamente para o autoconsumo, pois implica também na sua comercialização, sendo que ambas (subsistência e autoconsumo), são destinadas à satisfação das necessidades físicas e sociais de quem produz. Na produção de subsistência, típica do campesinato, há produção para o comércio e há produção para o autoconsumo. No caso do comércio, não se trata de uma agricultura capitalista que tem como objetivo principal o acúmulo, mas um comércio em que o centro é o atendimento das necessidades. Portanto, os camponeses realizam uma produção de subsistência e uma produção de autoconsumo. Admitindo a oposição existente entre a agricultura de subsistência e agricultura comercial, Garcia Jr. (1983, p.16) ressalta que por falta de uma melhor nomenclatura “usamos a oposição ‘lavouras comerciais’ x ‘lavouras de subsistência’”. Garcia Jr. (1983) aponta ainda que os camponeses produzem gêneros que necessitam ser levados ao mercado para que possam ser convertidos em dinheiro para adquirir outros produtos que não seu elaborados na unidade de produção, ou seja, para a sua subsistência. Assim, ao mesmo tempo, os camponeses produzem gêneros que são consumidos diretamente sem passar pela circulação no mercado (autoconsumo) e gêneros de subsistência que possui alguma passagem pelo mercado. Ainda sobre a oposição agricultura de subsistência e comercial o autor é mais direto 2 quando esclarece que: Não pressupõe que haja negação da circulação mercantil nas “lavouras de subsistência”, muito pelo contrario. Usou-se a oposição porque ela servia para designar o fato de que formas específicas de circulação dos produtos têm conseqüências sociais diferenciadas. (Garcia Jr. 1983, p.16). Não se trata de criar uma dicotomia entre o que passa ou não pela circulação (mercado). Porém, ir ou não ao mercado, traz conseqüências sociais distintas ao produtor camponês. Se sua produção está totalmente direcionada ao mercado, este sujeito produtor está vulnerável às oscilações dos preços e a subordinação capitalista. “A utilização mais intensa de elementos materiais que sejam produto do próprio trabalho familiar permite um maior controle da própria unidade sobre a reposição de suas condições matérias de produção” (GARCIA Jr. 1983, p.119). A produção de autoconsumo proporciona maior controle da unidade produtiva pelos camponeses. Não é pelo fato da produção de autoconsumo fazer parte da subsistência camponesa que se deve considerá-la como inferior. Garcia Jr. (1983) em sua obra Terra de Trabalho afirma. Subsistência, aqui, tenta voltar à acepção clássica, sobretudo em Marx e Ricardo, isto é, aquilo que é necessário para a reprodução física e social do trabalhador e de sua família. Subsistência, não é, portanto, um dado, um mínimo abaixo do qual a existência física não seria possível, mas uma categoria social que permite estabelecer que padrões e normas de reprodução que são socialmente aceitáveis; por conseguinte, um conceito que também se move de sistema para sistema e que está tão submetido às leis de um sistema determinado como qualquer outro. (GARCIA Jr. 1983, p.16) (grifo do autor) Nessa definição de subsistência, está implícito um conjunto de necessidades para sustentar a vida, isto é, aquilo que é necessário para a reprodução física e social do trabalhador e de sua família. No caso do produtor camponês que realiza as atividades agrícolas para garantir a sua existência, ele coloca em circulação no mercado produtos de sua lavoura, ou nega a circulação em determinados momentos, quando os produtos são canalizados para o autoconsumo. 2 3 - A presença da subsistência e autoconsumo na unidade de produção camponesa. A partir das obras de Chayanov (1974) de Wolf (1970) buscaremos interpretar a concepção de subsistência e autoconsumo desses autores, e de que forma isto se relacionada às demais dimensões da vida camponesa. A produção direta para o autoconsumo é uma característica que deve ser interpretada como uma genuína forma de produção familiar, sendo esta produção uma dimensão constitutiva do campesinato que o define e o caracteriza em todas as sociedades, do passado, quanto da contemporânea. 3.1 - Subsistência e autoconsumo em Chayanov Embora Chayanov tenha estudado o campesinato russo no período que compreende o final do século XIX e início XX, com algumas ressalvas o seu legado tem sido subsídio para interpretar o campesinato na atualidade. Várias das questões levantadas por ele estão cristalizadas no cotidiano dos atuais camponeses no Brasil, principalmente, quando se refere aos camponeses organizados nos assentamentos rurais de sem-terra. Isso fica evidente quando se observam alguns aspectos existentes no desenvolvimento produtivo das famílias camponesas nos assentamentos. Para entender a produção camponesa nos assentamentos, serão utilizadas importantes questões levantadas por Chayanov (1974), tais como: o fator biológico que reflete diretamente na organização e disposição da força de trabalho familiar; nas estratégicas desenvolvidas para equilibrar a força de trabalho; na organização dos cultivos e das atividades presentes e principalmente na objetividade da produção. Em sua obra “La organización de la unidad económica campesina” (1974 [1925]), Chayanov nos fornece contribuições significativas em relação ao estudo da subsistência/autoconsumo no campesinato, sendo essa uma característica típica das formas familiares de trabalho e produção na agricultura. Nessa obra, Chayanov procura compreender a morfologia e as leis de funcionamento da unidade camponesa. Ao analisar os elementos internos da produção camponesa, concebe esta unidade econômica, ao mesmo tempo como unidade de trabalho e consumo. Para Chayanov (1974), o trabalho camponês tem por finalidade atender as 2 necessidades de consumo da família, sendo o ponto central de sua teoria a existência do balanço entre o trabalho e o consumo. Para isso, o autor leva em conta o desenvolvimento biológico da família, principalmente os aspectos relacionados à composição e tamanho como número de consumidores, número de trabalhadores, sexo e idade. Considera dessa forma que: De hecho, la composición familiar define ante todo los límites máximo y mínimo del volumen de su actividad económica. La fuerza de trabajo de la unidad de exploración doméstica está totalmente determinada por la disponibilidad de miembros capacitados en la familia. (CHAYANOV, 1974, p.47) Partindo desse pressuposto, Chayanov faz uma correlação entre a unidade de trabalho que é composta pelos membros da família que estão em plenas condições de trabalho e unidade de consumo, composta pelos membros da família. Explica que a racionalidade camponesa caminha no sentido de atingir o equilíbrio ótimo entre o consumo e o trabalho da família. Chayanov expõe essa relação entre trabalhador e consumidor admitindo-se que uma família recém formada venha a ter filhos; nos primeiros anos terá um número maior de consumidores em relação aos trabalhadores. Assim, será maior o grau de auto-exploração dos trabalhadores. Porém, à medida que os filhos começam a trabalhar, menor esforço deverão desprender os membros da família e gradativamente chegará o ponto mais baixo da relação consumo/trabalho. (figura 1). A partir de dados estatísticos do campesinato russo, Chayanov formula um gráfico da relação consumo/trabalho (figura 1) demonstrando que no início da formação da família há forte presença do número de consumidores (C). O número de trabalhadores (T) permanece instável em um determinado tempo. No entanto, essa quantidade de trabalhador vai se alterar na medida em que o filho mais velho, no caso com a idade aproximada de 15 anos, passa a ajudar no trabalho. Enquanto isso não ocorre, a relação consumo/trabalho (C/T) torna-se elevada, ou seja, existe mais consumidores do que trabalhadores, fazendo com que os trabalhadores despenda mais esforço físico para atender as necessidade de consumo familiar. 2 Figura 1 - RELAÇÃO CONSUMIDOR/TRABALHADOR Reportando-se à relação consumo/trabalho, Chayanov (1974) destaca que “El volumen de la actividad de la familia depende totalmente del número de consumidores y de ninguna manera del número de trabajador” (p.81). Chayanov diz que a quantidade de energia gasta pelo trabalhador é determinada pela quantidade de consumidor existente na família, isto é, “la energía desarrollada por un trabajador en una unidad doméstica de explotación agraria es estimulada por las necesidades de consumo de la familia” (p.84), pois à medida que aumenta as necessidades de consumo, conseqüentemente aumentará a taxa de auto-exploração. É a partir da relação existente entre a quantidade de energia gasta pelos membros da família camponesa em seu trabalho durante o ano agrícola e a satisfação das necessidades de consumo da família, que Chayanov elabora a sua teoria do balanço entre o trabalho e consumo, definindo assim, o ponto de equilíbrio. Considerando que: Cualquier unidad doméstica de exploración agraria tiene así un límite natural para su producción, el cual esta determinado por las proporciones entre la intensidad del trabajo anual de la familia yo grado de satisfacción de sus necesidades. (CHAYANOV, 1974, 85) 2 Através de uma sucessão de gráficos (figura 2) Chayanov explica a lógica do balanço entre a intensidade (fadigas) do trabalho e as necessidades do consumo, demonstrando as diferentes situações que se apresenta o ponto de equilíbrio no balanço consumo/trabalho da família camponesa. No gráfico -1 da figura 2, diante de um sistema de coordenadas, temos o seguimento A – B que representa o grau de intensidade do trabalho da família camponesa para conseguir uma determinada quantidade subjetiva de valor, nesse caso em rublos1,. Já o seguimento C – D representa em valor, a medida da satisfação das necessidades de consumo para essa família. Note-se que para adquirir uma quantia baixa de rublos (A-B) entre o décimo, vigésimo rublos, não é necessário muito esforço dos trabalhadores. Na medida em que vai aumentando a quantidade de rendimentos, maior será o desgaste físico. Porém, é ainda um estímulo para o trabalho do camponês até que esse atinja uma quantia de 67 rublos, chamado por Chayanov de ponto de equilíbrio (x). Esse é o momento em que a fadigas do trabalho se equipara com o valor de sua utilidade isto é, o trabalho despendido até esse momento é equivalente às necessidades de consumo. A partir desse ponto, não seria mais interessante para o camponês um esforço no trabalho. Figura 2 - BALANÇO TRABALHO/CONSUMO Esse ponto de equilíbrio é a soma na qual se detém naturalmente a produção desse trabalhador. No entanto, é evidente que as trajetórias das curvas (A-B e C-D) são de caráter subjetivo e estão sujeitas as trocas, que automaticamente modifica o ponto de equilíbrio 2 entre as fadigas do trabalho e as necessidades de consumo. Suponhamos, por exemplo, que duplique os preços dos produtos agrícolas desse camponês, cada rublo será obtido com a metade do esforço físico exigido antes. Portanto, o seguimento A-B mudará para A-B1(gráfico - 2, figura -2) e o equilíbrio se produzirá em um outro novo ponto (x1), havendo assim, um aumento na capacidade de consumo, porém não indica que crescerá em dobro a sua capacidade de consumo. Com isso, Chayanov conclui que “um aumento na remuneração de uma unidade de trabalho na exploração doméstica produz um aumento no rendimento anual e no bem estar familiar com uma menor intensidade de trabalho no ano” (CHAYANOV, 1974, p.86) (grifo e tradução nossos) O ponto de equilíbrio pode mudar com um efeito contrário. Um adicional nas necessidades de consumo da família provocado, por exemplo, por algum imprevisto interno ou externo (doença, acidente, mudança na composição da família, perda da produção, baixa no preço da produção, etc.). Isso faz com que o seguimento C-D se eleve para C1 – D1, C2 – D2 e assim por diante, conforme demonstra o gráfico -3 na figura 2, surgindo novos pontos de equilíbrio (x1 e x2), sendo que para conseguir o mesmo grau de satisfação das necessidades demanda de um aumento na sua produtividade, ou seja, necessitará de uma intensificação nas suas atividades de trabalho. Alicerçado nessa teoria do balanço trabalho-consumo, Chayanov procura desvendar o cálculo camponês a fim de apreender a racionalidade camponesa e diferenciá-lo do comportamento capitalista. Propunha, assim, a convivência e a permanência camponesa de forma insular à lógica capitalista de reprodução e homogeneização das relações sociais rumo à acumulação. Utilizando a teoria da Diferenciação Demográfica, Chayanov afirma que os princípios básicos da produção camponesa se ampliam ou contrai segundo o número de trabalhadores e consumidores existente na unidade de produção. Dessa forma, se contrapõe à teoria trabalhada por Lênin (1982) da Diferenciação Social do campesinato. Ao estudar sobre o desenvolvimento do capitalismo Rússia, Lênin admitiu a teoria da diferenciação social, partindo de um pressuposto básico ao qual o campesinato tenderia a desaparecer, ou seja, comporia, de um lado a burguesia rural, formada pelos camponeses ricos, ou de outro lado, os camponeses pobres que tornaria proletários rurais. 1 Moeda vigente na Rússia para época dessa analise, final século XIX inicio século XX. 2 Quanto a esse embate teórico entre marxista e chayanoviano, Almeida (2006, p.73) afirma: “para Chayanov essa diversidade, essa heterogeneidade do campesinato, era parte de uma lógica interna à sua reprodução”, ou seja, a diferenciação, para Chayanov, não era a possibilidade de descampenização, mas sim, uma estratégica de manutenção da condição camponesa. Para o autor, o que estava em curso no campo russo não era um processo de desigualdade e antagonismo crescente no seio do campesinato, numa competição própria da lógica capitalista que levaria à desintegração do mundo camponês, mas um conjunto de estratégicas orientadas por uma racionalidade que partia da família para a terra, portanto, da avaliação subjetiva das necessidades núcleo familiar. Assim sendo, a diferenciação não era resultado da proletarização ou da acumulação como lógica capitalista, mas de mecanismos internos relativos ao (des) equilíbrio da família. (ALMEIDA, 2006, p.73) Como exemplo dessa complexa lógica camponesa, Chayanov explica a suposta proletarização não como um fim em si mesma, mas, paradoxalmente, como possibilidade de reprodução, ou seja, o atendimento de sua subsistência, como destacado anteriormente. Esse autor ressalta que para atingir o ponto de equilíbrio entre o trabalho e as necessidades de consumo, o camponês em determinados momentos e circunstâncias destina a sua força de trabalho e de sua família em outras atividades extra-agrícolas, como artesanais e comerciais para garantir a sua subsistência. Uma das situações é quando a família camponesa dispõe de pouca terra e pouco capital, encontra-se aí uma condição prejudicial para o desenvolvimento da atividade agrícola, tendo assim que reduzi-la. Frente a essa situação, Chayanov (1974, p.110) alega que “además, la familia deriva su fuerza de trabajo inutilizada hacia el trabajo artesanal, el comercio y otros medios de subsistencia extra agrícolas”. Dessa forma, é na junção dessas atividades agrícola e não-agrícola que o camponês busca atingir o equilíbrio entre a sua força de trabalho e as necessidades de consumo.Chayanov afirma: La familia campesina trata de cubrir sus necesidades de la manera más fácil y, por lo tanto, pondera los medios efectivos de producción y cualquier otro objeto al cual puede aplicarse su fuerza de trabajo, y la distribuye de manera tal que pueden aprovecharse todas las oportunidades 2 que brindan una remuneración elevada. (CHAYANOV, 1974, p.120). Não é pelo fato do camponês desviar a sua força de trabalho para as atividades mais rendosas que deva ser confundido com a lógica capitalista, tendo em vista que a empresa capitalista investe nos setores mais lucrativos visando ao máximo de retorno (lucro) possível. A família camponesa destacada por Chayanov cessa imediatamente o sobretrabalho ao alcançar o seu equilíbrio da relação trabalho-consumo, já que seu objetivo é reproduzir como unidade econômica de produção camponesa pautada nas necessidades. Ao tratar sobre El plan organizativo de la unidad económica campesina, Chayanov explica mais detalhadamente sobre a organização e funcionalidade a unidade econômica camponesa. Admite que ascensão econômica entre a unidade exploração capitalista e as unidades de exploração familiar são diferenciadas. En una unidad económica basada en la trabajo asalariado esta tendencia a la expansión infinita está limitada por la disponibilidad de capital y, si está aumenta, resulta prácticamente infinita. Pero en la unidad de exploración doméstica, aparte del capital disponible expresado en medios de producción, esta tendencia está limitada por la fuerza de trabajo familiar y por las fatigas crecientes del trabajo si su intensidad se aumenta forzadamente. (CHAYANOV, 1974, P.133) Mesmo admitindo que a expansão da unidade econômica camponesa esteja limitada pela força de trabalho, esse autor alega que “com uma alta produtividade de sua força de trabalho a família camponesa tenderá naturalmente não apenas cobrir suas necessidades pessoais, mas também ampliar a renovação de capital” (p.133, tradução nossa). Compreende assim, que existem diversas formas organizativas entre a unidade de exploração, sendo influenciada pelos mais variados aspectos geográficos e econômicos, tais como localização, forma de relevo, tipo de solo, disponibilidade de terra e de capital, composição da familiar, áreas econômicas, entre outros. Estes fatores vão determinar o caráter da estrutura da unidade de exploração e o grau de vinculação desta com o mercado, isto é, o desenvolvimento da produção de mercadoria na unidade econômica de produção. Ele observa dois tipos que a exploração chamada por ele de monetária (produtor de mercadoria) e não-monetária. O produtor de mercadorias se distinguia dos produtores não monetários por diferenças reais no caráter de seus cálculos a partir de seus planos organizativos, pois as explorações não-monetárias eram direcionadas a uma série de 2 necessidades de consumo, ou seja, tinha-se um matiz “qualitativo” onde era necessário obter tais e quais produtos para o consumo familiar. Mas, Chayanov reconhece a existência das unidades de exploração que não produzem todos os seus produtos de consumo e também as que produzem uma quantidade maior de um determinado produto com o objetivo de trocá-lo no mercado, por outros produtos da necessidade familiar. Porém, se teóricos marxistas alegavam que a subsistência camponesa estaria comprometida e sujeita ao desaparecimento a partir do envolvimento do camponês com o mercado, para Chayanov, isso não ocorre. Partindo da maneira como os camponeses organizavam a sua unidade produtiva com precauções relacionadas ao consumo de energia, o mercado é um meio pelo qual o camponês pode se utilizar para obter maiores rendimentos com menores esforços. Gracias a su contacto con el mercado, la exploración pude puede eliminar ahora de su plan organizativo todos los sectores que proporcionan pocos ingresos e en los cuales el producto se obtiene con un esfuerzo mayor que el requerido para obtener su equivalente en el mercado mediante otras formas de actividad económica que producen ingresos mayores. En el plan organizativo sólo subsiste lo que proporciona una alta remuneración para la fuerza de trabajo o constituya un elemento de producción por razones técnicas. (CHAYANOV, 1974, p.142) ( grifo do autor) Uma produção analisada por Chayanov na unidade camponesa foi a criação animal, principalmente a bovina, pois o gado, além de poder ser facilmente destinado ao mercado, também fornece carne, tração, esterco e principalmente o leite, muitas vezes em derivados úteis na dieta alimentar do consumo familiar. Essa atividade também era viável devido ao fato de não despender de muita mão-deobra ou de altos recursos econômicos com a alimentação destes animais, pois é muito comum nas unidades de exploração camponesa encontrar resíduos dos cultivos agrícolas, por exemplo, a palha, sobras da cozinha e áreas de terra que serve apenas para pastagem. Chayanov (1974, p. 202) esclarece. “Isto basta para manter, a parte dos animais de tiro, pelo menos uma vaca que produza o abono essencial, deste modo essa produção incidental é vantajosamente convertida em leite, ainda mesmo que 2 seja só para o consumo familiar” .(tradução nossa) Alem da criação animal, Chayanov chama atenção também para o uso de maquinários. Expõe a importância dos equipamentos e suas vantagens para a força de trabalho familiar. Porém, a aquisição desses equipamentos é regulada pelo cálculo do custo benéfico em relação à força de trabalho familiar, o tempo de utilização da máquina e o recurso econômico investido. Neste sentido, é possível relacionar a abordagem de Chayanov sobre as necessidades da família camponesa, principalmente o balanço trabalho-consumo, ao tema proposto, ou seja, verificar como se apresentam subsistência e autoconsumo no assentamento. Verifica-se assim, que a subsistência camponesa está norteada por um conjunto de atividades, agrícolas e não-agrícolas, sendo essas, produto de sua organização econômica e social que tem por objetivo principal a satisfação das necessidades de consumo. Mesmo sendo o produto final das atividades de subsistência a satisfação das necessidades, alguns produtos são adquiridos no mercado e outros produzidos diretamente pelos camponeses. Entre os que vão ou não, ao mercado, o que está colocado por Chayanov é o cálculo entre o gasto de energia que se emprega em determinados produtos, o valor deles no mercado e o seu aproveitamento na unidade de exploração. Alguns produtos que não apresentam vantagem comercial são cultivados para o auto-abastecimento como é caso do cultivo de plantas medicinais, dentre outros. Conclui-se que na produção agrícola camponesa está presente o caráter mercantil e não mercantil (de autoconsumo) que resulta na subsistência da família. Quando Chayanov menciona que ao atingir o ponto de equilibro trabalho-consumo, o camponês cessa o sobre-trabalho. Isso não deve ser interpretado como um sujeito acomodado e que não procura maiores rendas monetárias. Este alívio do trabalho deve ser compreendido como um limite natural em que se busca o equilíbrio entre o desgaste físico e as necessidades de consumo. Mas, há de se observar que as necessidades de consumo oscilam de uma família para a outra, sendo regulado por fatores biológicos (idade, números de pessoas) e sociais, fazendo com que o ponto de equilíbrio diferencie uma da outra. Isso se aproxima da realidade vivida nos assentamentos rurais de sem-terra recém constituídos, pois os camponeses despendem de uma quantidade elevada de energia 3 (trabalho) até que organizem a sua unidade produtiva. Ao passar dos anos isso tende a se amenizar. Nesse sentido, deve ser considerado que a produção de autoconsumo camponesa não restringe apenas aos produtos da alimentação humana. Os camponeses também produzem os alimentos para os animais, parte de seus instrumentos de trabalho e utensílios domésticos, negando a circulação com essa produção como ocorre no assentamento estudado. Assim, a obra de Chayanov tem nos revelado os elementos internos da família camponesa como as relações de gêneros, diferenciação biológica, por idade, sexo, tamanho, que servem como elementos explicativos na compreensão do trabalho e do consumo familiar, o que indica também o papel desempenhado pela produção de autoconsumo nessa relação. Diferente dessa perspectiva chaynoviana do balanço-consumo, porém concebendo a produção de autoconsumo como característica e estratégia camponesa de existência, há a compreensão de Wolf (1970), com sua obra “Sociedades Camponesas”, analisada no próximo item. 3.2 - Subsistência e autoconsumo na interpretação de Wolf. Em “Sociedades Camponesas”, Wolf (1970) aponta para elementos que identificam subsistência e o autoconsumo na produção familiar. Esse autor interpreta que há uma distinção da produção entre povos primitivos e camponeses afirmando que para os primeiros, a subsistência se pautava principalmente pela produção de autoconsumo. Já para os camponeses, além do autoconsumo, definido pelo autor como mínimo calórico, eles produzem excedentes sociais, para garantir sua subsistência. Para Wolf, os camponeses são entendidos como cultivadores rurais cujos excedentes são transferidos para um grupo dominante, constituído pelos que governam, o qual se encarrega de realizar a distribuição desse excedente dos camponeses entre os que não cultivam a terra. No seu entendimento estaria implícito o desenvolvimento de uma ordem social complexa, baseada na divisão entre os que governam e os que cultivam e produzem alimentos. Esse é um ponto que Wolf se diferencia de Chayanov. Para Chayanov, a concepção 3 teórica sobre a unidade econômica camponesa está assentada no balanço consumo/trabalho. Para Wolf, os camponeses estabelecem relações interna e externas ao seu grupo, características essa que não está colocada como central na obra de Chayanov. Admitindo o processo evolutivo da sociedade, esse autor relata que os camponeses devem ser visto como cultivadores e criadores, diferente de explorações comerciais semelhantes a fazendas do tipo de agronegócio dos dias atuais. Entende que a família não é uma empresa. Mas ao mesmo tempo não podemos chamá-los de fazendeiros ou empresários agrícolas, pelo menos no sentido em que são conhecidos nos Estados Unidos. Fazenda norte-americana é fundamentalmente uma empresa de negócios, que combina fatores de produção comprados no mercado para obter lucro. O camponês, entretanto não realiza um empreendimento no sentido econômico, ele sustenta uma família e não uma empresa. (WOLF, 1970, p. 14; grifo do autor) A compreensão de “sociedade camponesa” não implica necessariamente numa ordem econômica como um empreendimento, como é possível observar na citação feita anteriormente. Mas, existe na “sociedade camponesa” uma ordem econômica voltada para a subsistência da família pautada no consumo, diferente do que ocorre com um negócio. Embora Wolf não compreenda os camponeses pela dimensão econômica, existe entre ele e Chayanov um importante ponto em comum. Para ambos, a dimensão do consumo perpassa o entendimento de campesinato. Isso fica evidente quando esse autor explana o seguinte sobre o camponês: Sua propriedade tanto é uma unidade econômica como um lar. A unidade camponesa não é, portanto, somente uma organização produtiva formada por um determinado número de “mãos” prontas para o trabalho nos campos; ela é também uma unidade de consumo, ou seja, ela tem tanto “bocas” para alimentar quanto “mãos” para trabalhar. (WOLF, 1970, p. 28 - grifo do autor) Wolf (1970), ao referir-se a alimentação, adverte que o camponês precisa produzir o mínimo calórico, que “esse pode ser definido com bastante rigor, em termos fisiológicos, 3 como o consumo diário de calorias alimentares2 exigidas para compensar o desgaste de energia que o homem despende em seu rendimento diário de trabalho” (p. 17). A produção desse mínimo calórico definido por Wolf, corresponde, portanto, no que podemos denominar de produção direta para o autoconsumo. Entretanto, o autor entende que os camponeses não produzem apenas para o mínimo calórico, ou seja, deverão também providenciar alimentos acima desse mínimo. Para isso, necessita aprovisionar uma quantidade suficiente de sementes que possibilitarão uma nova safra e uma quantia para a alimentação dos animais. Além dessa quantia a mais, os camponeses também realizam outros afazeres, isto é, destinam uma quantidade de tempo e esforço no reparo dos instrumentos de trabalho: para afiar as ferramentas, cercar o curral, construir um espantalho. Este tempo e energia também são destinados ao conserto dos utensílios domésticos: de uma cadeira, do telhado, das roupas que se rasgam, entre outras obrigações. No entanto, esse montante de alimentos adquiridos acima do mínimo calórico, num primeiro plano não pode ser considerado como excedente, uma vez que se destina à manutenção dos instrumentos de produção, pois os gastos necessários para a manutenção desse equipamento mínimo, tanto para a produção como para o consumo, isso é considerado como um fundo de manutenção. A esse respeito, Wolf coloca que existem casos que o cultivador pode paralisar seus esforços de produção desde que esteja assegurado o seu mínimo calórico e o seu fundo de manutenção. Numa situação específica como essa não existem razões técnicas e sociais que justificam um esforço adicional a essa quota diária. Produzir além do mínimo de calorias necessárias e do nível exigido pelo fundo de manutenção ocorre somente quando existem regras ou incentivos sociais nesse sentido, dando origem a produção de excedente. Wolf destaca que a produção camponesa é expandida acima do fundo de manutenção com a necessidade de se obter outros fundos, tais como, o fundo cerimonial e o fundo de aluguel que compõe o que ele denomina de “excedentes sociais”. Partindo do princípio, mesmo em lugares onde o homem é auto-suficiente para conseguir seus bens e 2 Esse montante pode ser avaliado, aproximadamente, entre 2.000 a 3.000 calorias por pessoa em cada dia de trabalho. É correto afirmar que esse mínimo ainda não alcançado na maior parte do mundo. Cerca da metade da população mundial tem, em média, uma ração per capita diária de menos de 2.250 calorias. (WOLF, 1970, p.17) 3 alimentos, ele deve manter relações sociais. Considerando os camponeses como seres sociais que estabelecem relações comunitárias, seja com parentes, vizinhos e outros grupos sociais que se enquadram nas realizações culturais, econômicos e biológicos, eles carecem de excedentes sociais. As relações sociais da vida camponesa estão permeadas por um conjunto de rituais e tradições culturais, que vão desde as celebrações como as festas religiosas, batizados, casamentos ou outros cerimoniais desejáveis ou indesejáveis. Tais relações sociais como estas são pagas por meio de trabalho, bens ou dinheiro. Portanto, se estes têm pretensão de participar das relações sociais deverão trabalhar para a criação de um fundo Cerimonial visando às despesas por tais atividades. No entanto, tais eventos dependem de produção excedente acima do fundo de manutenção. O autor entende que o campesinato sempre existe dentro de um sistema maior. Sendo assim, em algumas sociedades, a quantidade de esforço para o camponês adquirir o necessário, é pequeno, principalmente naquelas que estão presentes as relações simétricas, quando as relações de troca são mais diretas (produtor-consumidor). Entretanto, nas sociedades mais complexas, existem relações assimétricas baseadas de certa forma no exercício do poder, acarretando para o camponês um ônus em sua produção. Este terá que produzir um fundo de aluguel. Esse fundo de aluguel é também um excedente acima do mínimo calórico e do nível de manutenção. Wolf interpreta que esse fundo pode ser transferido através de bens, de trabalho ou de dinheiro. Estes seriam os tributos e encargos que cabem aos camponeses na condição de produtor. Wolf considera que há distinções no exercício do poder e surtem efeito na forma da organização do campesinato, justificando que “há vários tipos de campesinatos e não somente uma forma de vida camponesa” (24). No entanto, na sociedade complexa na qual o camponês está inserido, são obrigados a manter o equilíbrio entre as suas próprias necessidades e as exigências de fora. O eterno problema da vida camponesa consiste, portanto, em contrabalançar as exigências do mundo exterior, em relação às necessidades que ele encontra no atendimento as necessidades de seus familiares. Ainda em relação a esse problema básico, o camponês pode seguir duas estratégicas diametralmente opostas. A 3 primeira delas é incrementar a produção; a segunda reduzir o consumo. (WOLF, 1970, 31) O camponês, optando pela primeira estratégica (incremento da produção), deverá elevar o rendimento do trabalho às suas próprias custas para entrar no mercado. Para isso, terá que mobilizar os fatores de produção necessários (terra, trabalho e capital) e dependerá das condições de mercado. Apesar dessas implicações na análise de Wolf, há situações em que os camponeses seguem essa estratégica do incremento na produção. Porém há, assim, duas hipóteses distintas: a mais favorável seria a hipóteses da possibilidade no relaxamento das hipotecas sobre os fundos de aluguel, que a estrutura do poder absorve3. A segunda proposição implica na seguridade dos laços sociais que o unem aos seus companheiros, o que implicaria na recusa de empregar seus excedentes em fundo cerimoniais, utilizando-se deste meio para a sua ascensão econômica. A outra estratégica que se apresenta como alternativa para o camponês em solucionar o problema básico entre as exigências do mundo exterior e as necessidades de sua família está na redução do consumo de produtos que são adquiridos no mercado. Por isso, recorre à sua capacidade de produzir para o autoconsumo conforme indica Wolf. O camponês pode reduzir seu consumo de calorias restringindo sua alimentação apenas aos alimentos mais básicos; pode limitar suas compras no mercado ao essencial e, em vez disso, pode confiar tanto quanto possível na capacidade de seu grupo doméstico de produzir tanto os alimentos como objetos necessários, sem sair dos limites de sua terra. (WOLF, 1970, p.33) A predominância de incremento da produção ou a de produzir para o autoconsumo depende muito do contexto social em que o camponês vive, da sua geografia, ou seja, de onde deve extrair os meios para sobrevivência. Apesar das duas estratégias apontarem para direções diferentes, segundo Wolf, elas não se excluem mutuamente, pois o camponês 3 O fundo de aluguel mencionado por Wolf é a renda da terra camponesa que é subjugada por setores do capitalista. Uma das possibilidades, nesse caso, seria quando os camponeses realizam boas colheitas e vende-as por um preço equivalente. Outra situação possível é quando o seu produto tem um caráter exclusivo, ou seja, o monopólio pelo determinado produto, ou quando ele flexibiliza a sua produção frente ao mercado. 3 poderá incrementar sua produção e ao mesmo tempo produzir os alimentos que são adquiridos no mercado, sem interromper o estabelecimento de suas relações sociais. (WOLF, 1970, p. 33-34) Além das relações sociais, o homem necessita das fontes de energia para a sua sobrevivência, que são derivadas dos alimentos de base vegetal e animal. Além destas fontes mais diretamente vinculadas à alimentação humana, existem outras, necessárias para produção de energia aos processos produtivos. Estas fontes energéticas são denominadas por Wolf de ecótipo. Na consideração de Wolf, há dois tipos de ecótipos. Um é caracterizado pela utilização dos meios naturais e o emprego do trabalho humano e animal (ecótipo paleotécnico) e o outro é caracterizado pela crescente confiança na energia proporcionada pelos combustíveis e os aperfeiçoamentos garantidos pela ciência (ecótipo neotécnico). No primeiro sistema, o camponês aproveita ao máximo os meios naturais, ou seja, situação na qual uma família camponesa produz a maior parte dos serviços agrícolas e especializados por ela, com ligações (relações) mínimas com o exterior. No segundo modelo, o camponês está mais dependente quanto ao mercado, seja na aquisição ou na circulação de produtos. Dessa forma, o grau de complexidade de integração ao mercado defronta-se, principalmente, com o sistema pelo qual o próprio camponês está operando. Há compreensões elaboradas dentro do modo de vida camponês, para limitar a capacidade de participar de maneira flexível de um mercado que determina preços como este. Se ele opera dentro de um sistema paleotécnico no qual se alimenta de parte do que produz, continuará produzindo para subsistência apesar de outros tipos de determinantes que apareçam no mercado. (WOLF, 1970, p.67) Operando no sistema paleotécnico, o camponês pode flexibilizar a sua subordinação frente ao mercado alimentando-se do que produz. No sistema neotécnico, faz com que o camponês produza comercialmente, tornando-o mais vulnerável a flutuação dos preços. Wolf ilustra essa situação supondo que o camponês venha a produzir café comercialmente e o preço do tabaco esteja melhor no mercado. Ele não poderá mudar prontamente de café para tabaco, porque fazendo isso, perde consideravelmente, ao derrubar os pés de café que representam um investimento de longo prazo. 3 Assim, o autor entende que campesinato se expõe continuamente a toda uma gama de pressões que desafiam a sua existência, sejam essas derivadas do ecótipo específico, por exemplo, as pressões que são produzidas pelos fenômenos naturais (secas, enchentes, pragas), sejam às pressões que emanam do sistema social como a sobrevivência da família e a demanda por terra, Há também as pressões vindas do sistema econômico global (de todo sistema opressor). Ao mesmo tempo em que os camponeses sofrem pressões seletivas, eles tendem a desenvolver estratégicas defensivas. Para os mais diversos problemas que os aflige, os camponeses buscam uma solução específica. Em circunstancia de catástrofes que compromete as colheitas, são empenhadas as ações de ajuda mútua entre os vizinhos. Tais alianças que ocorrem em situações circunstanciais são tratadas por Wolf (1970, p.112) de Coalizões4 “entendo por isso, ‘uma combinação ou ligação entre pessoas, facções e Estado, em geral temporária’”. As coalizões são formadas pelos camponeses com seus companheiros. Elas não correm somente para neutralizar as pressões seletivas que recaem sobre os camponeses, mas também com a finalidade de neutralizar as pressões do tipo individual, que partem dos indivíduos ou grupos de posição elevada, seja militar, político ou econômico. Existem os mais variados graus e formas de coalizões, criadas por interesses pessoais e coletivos. São exemplos de coalizão aquelas existentes entre vizinhos; camponês com um comerciante; criação de um grupo de produtores, cooperativa ou mesmo um movimento de luta pela terra. Essas alianças são estratégicas, e na maioria das vezes ocorrem de forma temporárias e podem acontecer pelos mais variados interesses. Este é ocaso da situação quando os trabalhadores rurais engajam nos movimentos sociais de luta pela terra, sendo o objetivo dessa coalizão a conquista da terra. Após a consumação desse ato, o camponês torna-se menos coeso com o movimento, porém surgem novas coalizões, neste caso, nos 4 As coalizões são dispostas em graus diferentes: multilinear entre pessoas que compartilham muitos interesses; unilinear entre pessoas ligadas por um único interesse; se diferencia também em número sendo diádica quando envolve duas pessoas ou dois grupos e polidiádica quando há muitas pessoas ou muitos grupos envolvidos. Elas também possuem grau de formação diferenciado que tanto pode ser por pessoas de mesma oportunidade de vida quanto por pessoas que ocupam diferentes posições na ordem social, por exemplo, as que envolvem os camponeses, são chamadas de coalizões horizontais e as que envolvimento do camponês é com outras pessoas fora do grupo é chamada de coalizões verticais.(WOLF, 1974, p.113-114) 3 assentamentos, que tem por finalidade garantir a sua subsistência na terra. 4 - As interpretações sobre os elementos da produção camponesa Os elementos da produção camponesa são tratados em várias obras clássicas e contemporâneas, dentre essas se encontram a de Chayanov (1974) e Wolf (1970), as quais foram examinadas anteriormente. Entretanto, nos estudos do campesinato brasileiro alguns autores que procuram sintetizar esses elementos partindo da realidade aqui vivida pelos camponeses. Dentre estes autores destacam-se Tavares dos Santos (1978) que aborda a subordinação do trabalho camponês a partir dos vínculos que estabelecem com as indústrias vinícolas ao tratar dos Colonos do Vinho. Outro autor que aborda sobre o campesinato é Martins (1990) que trata da subordinação da renda da terra camponesa ao capital. Enquanto Tavares dos Santos (1978) atenta-se para a subordinação do trabalho, Martins (1990) atenta-se para a subordinação da renda da terra ao capital. Diante deste processo de subordinação, seja pelo trabalho ou da renda da terra, os camponeses criam resistências diversas dentre as quais se destacam a produção de subsistência e autoconsumo, neste caso estudado, o assentamento Pedro Ramalho no município de Mundo Novo no Estado de Mato Grosso do Sul. Apesar das sinalizadas acima algumas características de campesinato, outros elementos são necessários para compreender a produção camponesa. Tavares dos Santos (1978) em sua obra Colonos do Vinho aponta para outros elementos estruturais da produção camponesa: a) a força de trabalho familiar - é a força motriz para o desenvolvimento na unidade camponesa; sendo essa constituída de forma coletiva que na maioria dos casos é composta por todos os membros do grupo familiar; b) a ajuda mútua - acontece nos momentos de necessidades e se realiza em forma de mutirão ou pela permuta de dias de trabalho entre eles. Essa é uma forma pelo quais os camponeses não dispõem de rendimentos monetários; c) o trabalho acessório - é a transformação, periodicamente, do camponês em trabalhador, a qual também torna-se uma fonte de renda monetária extra; d) a força de trabalho assalariada - é a contratação temporária de força de trabalho pelo 3 camponês em momento críticos do ciclo agrícola; e) a socialização do camponês - sobre esse item o autor enfatiza a transferência de conhecimento e saberes das pessoas mais velhas para as mais novas, isto é, a preparação das crianças para as determinadas funções existentes no interior da unidade de produção; f) a propriedade da terra - a terra é o elemento fundamental para o camponês realizar sua produção, sendo que a propriedade lhe proporciona maior autonomia; g) a propriedade dos meios de produção - parte destes meios é produzido pelos próprios camponeses, no entanto, é na aquisição que é percebível a sua subordinação do camponês ao capital; h) a jornada de trabalho - é um dos fatores que caracteriza o camponês como trabalhador livre, pois sua jornada varia conforme a época do ano. Além disso, a jornada de trabalho geralmente é determinada pela própria organização dos camponeses. Embora Tavares dos Santos (1978) tenha sinalizado para esse conjunto de elementos fundamentais e estruturais do campesinato, isso não indica que todos esses elementos estejam presentes em uma mesma unidade de produção camponesa. De modo geral, a força de trabalho familiar e a posse/propriedade da terra são centrais na comunicação com os outros elementos, os quais condicionam a forma de produzir e circular da produção camponesa. Dentre esses elementos fundamentais ou estruturais, a força de trabalho familiar se constitui como “fator” principal no entendimento da produção camponesa, sendo ele um dos itens que distingue a produção agrícola camponesa da produção agrícola capitalista. Assim, toda agricultura camponesa é familiar, mas nem toda agricultura que se utiliza a força de trabalho familiar é camponesa. Na agricultura camponesa, a própria família realiza e decide sobre a produção, isto é, ela mesma toma as decisões sobre o que será cultivado. Também tem a “liberdade” de escolha no destino dessa produção. Porém, devem ser consideradas as pressões internas e externas ao grupo familiar. A força de trabalho familiar camponesa se comunicada diretamente com a unidade de produção camponesa. Nessa comunicação ela pode estar em equilíbrio ou em desequilíbrio com a quantidade de terra e os recursos econômicos, mediante tais situações que constantemente os camponeses lançam mão de outros elementos estratégicos, por 3 exemplo, como a troca de dias, os mutirões, a contração temporária e o trabalho acessório 5 tendo estes por finalidade buscar o equilíbrio entre as necessidades e o excedente da força de trabalho familiar. Segundo Abramovay (1992), nesta lógica interna das unidades familiares Jerzy Tepicht, baseando-se nas reflexões de Chayanov, procurou explicar a permanência do campesinato através da teoria das forças marginais ou não transferíveis que o camponês possui no interior da unidade de produção. Entende que existem as forças marginais é o trabalho de crianças, idosos e mulheres que não são contados como trabalhadores plenos na unidade de produção, e por isso são “marginais”. São intransferíveis, pois só podem ser utilizadas na agricultura enquanto setor econômico. A produção camponesa necessita fundamentalmente da terra e instrumentos, porém nem sempre os camponeses são proprietários da terra e destes instrumentos de trabalho. No caso da terra, mesmo não sendo proprietários, tais como, parceiros, posseiros e os arrendatários, também podem se configurar como formas de produção camponesa. A existência da parceira pode decorrente do motivo de ausência de condições financeiras, seja esse para ampliar sua área de trabalho ou pela ausência de força de trabalho. Dessa maneira, o camponês escolhe um parceiro (proprietário ou não de terra) para dividir os custos e os ganhos da produção. Essa relação de parceria pode acontecer também entre proprietários de grande área de terras com trabalhadores camponeses despossuídos da terra. Entretanto, a parceria é uma situação instável ao término do contrato, esses trabalhadores têm que buscar outra forma de garantir a sua subsistência. Outra condição instável é a do camponês arrendatário, porém durante a vigência de seu contrato ele usará a terra como se fosse sua, mediante o pagamento do aluguel, isto é, da renda da terra que pode ser paga na forma de renda em trabalho, em produto ou e dinheiro. Esses três tipos de pagamento de renda tem sido a forma de acesso a terra pelos 5 Esse trabalho assessório pode ser compreendido pelas atividades agrícolas e não-agrícolas realizadas pelos camponeses, por exemplo, o assalariamento temporário que pode ocorrer de diversa maneira em diferentes escala, numa escala local onde alguns integrantes da família trabalham para os vizinhos na agricultura ou em ofícios tanto do campo como da cidade, porém é muito comum esse trabalhador migrarem temporariamente para lugares distantes a exemplo os cortadores de cana que desloca do Nordeste para o Centro-Sul do país. Podem ser encontrados casos que essa migração tem um tempo de duração extensa, o qual esse prolongamento pode durar anos, essa saída temporária pode até mesmo ser para outro país chegando a ser tratado como “um campesinato internacional em sua natureza” (SHANIN, 2008, p.25). Cabe aqui destacar que não é raro encontrar membros da família que possui emprego permanente, alguns residem com essa outros não, mas estão ligadas diretamente por laços econômicos. 4 camponeses na condição de inquilino. Negando qualquer forma de pagamento para acessar a terra encontram-se os camponeses posseiros que, historicamente, no Brasil tem avançado sobre as terras desocupadas, sendo essa uma medida de garantir a sua sobrevivência através de sua produção. Entretanto, o camponês posseiro se diferencia em um aspecto de outros camponeses, pois ele não precisa pagar a renda da terra. Mas, também como os demais, este camponês não está livre de ser pressionado pelo capital, fazendeiros ou pelo Estado. A condição de proprietário ou de posse definitiva da terra para o camponês representa a sua liberdade e maior autonomia sobre o produto de seu trabalho. Assim, a propriedade da terra é um meio necessário para a existência da produção camponesa, como também é a garantia de trabalho e subsistência da família camponesa. Marx (1984) citado por Oliveira (1991) afirma: A propriedade livre do camponês que cultiva a própria terra é sem duvida, a forma mais normal de propriedade da terra para a exploração em pequena escala; isto é, para um modo de produção em que a posse do solo é uma condição para a propriedade, por parte do trabalhador, sobre o produto do seu próprio trabalho, e é através do qual, seja já proprietário livre ou vassalo, o agricultor sempre deve produzir seus próprios meios de subsistência, independentemente, como trabalhador isolado com a sua família. A propriedade da terra é tão necessária para o completo desenvolvimento desse modo de exploração como o é a propriedade do instrumento para o livre desenvolvimento da atividade artesanal. Essa propriedade mesma, constitui aqui a base para o desenvolvimento da independência social. (Marx apud Oliveira, 1991, p.50) (grifo nosso). Para o produtor familiar camponês, a propriedade dos meios e instrumentos de trabalho, é fundamental no desenvolvimento de sua forma de trabalho. Existem distintos regimes de propriedades. A propriedade capitalista, por exemplo, baseia-se no principio de exploração do trabalhador pelos capitalistas, sendo nesse caso, a propriedade capitalista uma das variantes da propriedade privada, que dela se distingue porque é propriedade que tem função assegurar ao capital o direito de explorar o trabalho. Há assim, uma distinção entre propriedade capitalista e propriedade familiar da terra. Ainda que seja propriedade privada, são apropriações completamente diferentes que 4 não devemos confundir, conforme afirma Martins (1980). A propriedade familiar não é propriedade de quem explora o trabalho de outrem; é propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte de quem trabalha. Não é propriedade capitalista; é propriedade do trabalhador. Seus resultados sociais são completamente distintos, porque nesse caso a produção e reprodução das condições de vida dos trabalhadores não é regulada pela necessidade do lucro do capital, porque não se trata de capital no sentido capitalista da palavra... Os seus ganhos são ganhos do seu trabalho e do trabalho de sua família e não ganhos de capital, exatamente porque esses ganhos não provêm da exploração de um capitalista sobre o trabalhador expropriado dos instrumentos de trabalho... Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da terra, ela se transforma em terra de trabalho. São regimes distintos de propriedade, em aberto conflito um com outro. (MARTINS, 1980, p.59-60) Da mesma forma que a propriedade da terra, os instrumentos de trabalho representa para a família camponesa maior controle sobre o seu trabalho. Entretanto, é muito comum a família camponesa não possuir todos os instrumentos de trabalho. Porém, esse é um ponto que não deve ser visto separadamente de outros elementos da produção camponesa, pois o acesso a determinados instrumentos por parte dos camponeses depende muito na escolha das atividades que este tende a praticar. Em determinados cultivos, as sementes e defensivos produzidos em laboratórios devem ser todos adquiridos através da compra. Há também a dependência de maquinários específicos no plantio e na colheita. Outra dependência é a impossibilidade de processamento ou aproveitamento desse produto na unidade de exploração que o produziu. Existem unidades que diversificam as suas atividades, tanto na quantidade como nas diferentes formas de manejo destes cultivos. Este é o caso dos cultivos que podem ser semeados com tração mecânica e/ou tração animal, utilizados fertilizantes químicos e orgânicos, sementes que podem ser obtidas através da compra ou armazenadas para o próximo plantio, enfim há cultivos que possibilita um maior aproveitamento na unidade camponesa que as produziu, principalmente na alimentação humana e animal. Diante dessa diversidade e flexibilidade nas atividades agrícolas, acreditamos que a dependência e/ou submissão do pequeno produtor camponês com os instrumentos de 4 trabalho e a circulação de seus produtos está condicionada pela atividade que esteja sendo praticada, pois há cultivos que o agricultor depende menos e outros que o agricultor depende mais dos instrumentos externo a sua unidade exploração. Nos que depende menos parte dos instrumentos podem ser fabricados na própria unidade de exploração. Para ambos os casos, tanto para quem depende menos como quem depende mais de instrumentos externos para produzir, pouco ou muito de sua produção se sujeita a passar pela esfera da circulação. Porém, determinadas atividades agrícolas trazem conseqüências sociais diferenciadas para o produtor, situação essa que fica evidente na exposição de Tavares do Santos (1978) em sua obra Colonos do vinho. O autor expõe duas atividades agrícolas definidas por de produção dos meios de vida a qual se produzia tudo o que era consumido e a produção de mercadorias que tinha com principal destino a comercialização. Devido a combinação dessas atividades nos assentamentos rurais, faz-se necessário para essa pesquisa uma explanação mais detalhada sobre essa discussão de levanta por Tavares dos Santos, pois essa contribui no entendimento do processo de produção e circulação nas unidades de exploração camponesa. Na comunidade de São Pedro no Rio Grande do Sul formada por colonos camponeses investigados por Tavares dos Santos, ocorria a combinação de duas atividades econômicas: uma é a produção dos meios de vida a que podemos chamar de subsistência voltada para o autoconsumo a qual se produzia os alimentos da dieta familiar sendo comercializado o que excedia dessa produção. A dieta alimentar desses camponeses constitui-se, basicamente, da polenta, das massas e do pão. Incluem-se, ainda o feijão, arroz, mandioca, legumes, hortaliças, amendoim, complementados pelos produtos de origem animal, como o leite, queijo, manteiga, carne de galinha e porco, lingüiça etc. Em todas as refeições está presente o vinho feito em casa, componente indispensável da dieta do grupo. Todos esses alimentos são produzidos na própria unidade produtiva camponesa... Parte dessa produção é comercializada... Por outro lado, os meios de vida dos camponeses são complementados pela compra de mercadorias... (Tavares dos Santos, 1978, p.70) (grifo nosso) Além dessa produção dos meios de vida, a produção de mercadorias foi outra 4 atividade econômica desenvolvida, o que consistia no cultivo de uva. No entanto, na medida em que os camponeses foram intensificando o trabalho no cultivo de uva, progressivamente, a produção deles foi sendo subjugada pelos comerciantes e industriais de vinho, apoiados por medidas governamentais. Da pequena indústria caseira de vinho, estes produtores passaram a fornecer para setor industrial vinícola. Na medida em que o capital se intensificou sobre esse setor, passou a existir toda uma formalidade na comercialização da uva, surgindo assim todo um processo de subordinação da produção dos camponeses ao capital. Esse circuito da subordinação camponesa abrangia todo o processo produtivo até o seu final, na circulação da produção. Esta subordinação ocorria de várias formas: nos contratos firmados entre os produtores e compradores que davam exclusividade no fornecimento da matéria- prima (a produção de uva) para determinados compradores, na intervenção do Estado que passou a tabelar o preço da uva, na forma de pagamento que ocorria meses depois da entrega da produção, na burla da indústria referente à graduação da qualidade do produto, no custo com os insumos, nas dívidas contraídas com os empréstimos para a garantia da produção, ou mesmo, nas crises provindas de fatores ecológicos e econômicos. Diante dessa complexidade com a produção de uva, no caso da comunidade São Pedro, Tavares dos Santos (1978, p.133) conceituou “o processo de trabalho camponês como um caso de subordinação formal ao capital”, tendo em vista que esses eram proprietários dos meios de produção, isto é, todos eram proprietários da terra, dos instrumentos de trabalho e produziam grande parcela dos meios de vida. Porém, a indústria vinícola estava apropriando-se do sobretrabalho desses camponeses, cristalizado no produto uva. Acima mencionamos que a submissão do camponês referente aos instrumentos de trabalho e a circulação de sua produção estão condicionadas à atividade desenvolvida pela família camponesa. No caso detalhado por Tavares dos Santos (1978), a produção de uva era o fator condicionante dessa sujeição. Entretanto, levando em conta que esses camponeses tinham uma forte produção dos meios de vida¸ isto é, a produção de autoconsumo, sendo que era a produção de uva que subjugava esses camponeses ao capital industrial, então o porquê que eles não paravam com essa atividade? Vejamos a seguir. 4 Tavares dos Santos (1978) compreende que a subordinação do camponês ao capital está na sujeição do seu trabalho. Para essa conclusão de subordinação, se utiliza o referencial teórico de Marx. Utilizando o mesmo referencial de Marx temos Martins (1981) que também trata da subordinação camponesa ao capital, no entanto, na sua compreensão esta pela renda da terra. Conclui que: Na medida em que o produtor preserva a propriedade da terra e nela trabalha sem o recurso do trabalho assalariado, utilizando unicamente o seu trabalho e o de sua família, ao mesmo tempo em que cresce a sua dependência em relação ao capital, o que temos não é sujeição formal do trabalho ao capital. O que essa relação nos indica é outra coisa, bem distinta: estamos diante da sujeição da renda da terra ao capital. Esse é o processo que se observa hoje claramente em nosso país, tanto em relação à grande propriedade, quanto em relação à propriedade familiar, de tipo camponês. (MARTINS, 1981, p. 175) (grifo do autor) Assim, Martins (1981) interpreta que há uma subordinação da renda da terra e não do trabalho ao capital. No caso do camponês não há separação do trabalhador dos seus meios de produção, nem há sujeição formal e nem sujeição real do trabalho ao capital, pois uma análise centrada unicamente na sujeição do trabalho ao capital está fortemente comprometida com a concepção de que o capitalismo no campo é estritamente dominação do trabalho pelo capital. Martins (1981) compreende também que a expansão das relações capitalista de produção não se dá necessariamente em todos os setores da agricultura, sendo que o capital apropria da terra onde a renda é mais elevada. Em outros setores, como na produção de alimentos, por exemplo, em que a renda da terra é baixa, o capital não torna necessariamente proprietário da terra. Porém, cria mecanismo para extrair o excedente econômico, isto é, a renda da terra. Um dos mecanismos é estabelecer a dependência do produtor em relação ao sistema de crédito bancário, sendo essa uma forma encontrada pelo capital para se apropriar da renda diferencial no momento da circulação. Martins (1981) afirma:. É um fato claro que toda a renda diferencial tem sido sistematicamente apropriada pelo capital no momento da circulação da mercadoria de origem agrícola. O que hoje acontece com a 4 pequena lavoura de base familiar é que o produtor esta sempre endividado com o banco, a sua propriedade sempre comprometida como garantia de empréstimos para investimento e sobretudo para custeio de lavouras. Sem qualquer alteração aparente na sua condição, mantendo-se proprietário, mantendo o seu trabalho organizado com base na família, o lavrador entrega ao banco anualmente os juros dos empréstimos que faz, tendo como garantia não só os instrumentos, adquiridos com os empréstimos, mas a terra. Por esse meio, o banco extrai do lavrador a renda da terra, sem ser o proprietário dela. O lavrador passa imperceptivelmente da condição de proprietário real a proprietário nominal, pagando ao banco a renda da terra que nominalmente é sua. (MARTINS, 1981, p.176) Nessa citação, fica evidente no entendimento de Martins, a sujeição do produtor familiar pela renda da terra. Ainda, essa mesma citação, contribui em responder outra questão tratada anteriormente na discussão da produção vinícola, ou seja, por que os produtores de uva não suspendiam o cultivo, pois eram esses camponeses proprietários da terra e de parte dos meios de produção. Mesmo sendo proprietários da terra, os outros meios de produção, tais como, as instalações dos parreirais e principalmente os insumos industrializados (corretivos, defensivos e fertilizantes) precisavam ser repostos a cada ano agrícola. Encontra-se aí o motivo que dificultava aos camponeses suspender o cultivo da uva. Ora, essa reposição se realiza por intermédio do crédito bancário: os camponeses anualmente fazem empréstimos, adquirem os insumos e pagam com o rendimento advindo da venda da uva. Deste modo, a reposição das matérias-primas intermediárias se faz externamente à unidade produtiva camponesa, por uma transferência de dinheiro, virtualmente direta, da indústria vinícola para o estabelecimento financeiro, de cuja união resultam a reposição do ciclo produtivo camponês e a garantia do fornecimento de matéria-prima à industria. (TAVARES dos SANTOS, 1978, 131) (grifo nosso) Um dos motivos da não suspensão do cultivo da uva se encontrava nos empréstimos adiantados para adquirir os insumos, que tinha como finalidade incrementar a sua produção, deixando sempre esses camponeses endividados antes mesmo da venda de sua produção. Ao vender a produção de uva, o dinheiro era transferido diretamente ao estabelecimento financeiro. Outra questão é que essa produção tinha que ser praticamente toda entregue para 4 as empresas a qual eram fechados os contratos. Além disso, não era tão simples substituir esse tipo de cultivo por outro. Para isso, deve-se levar em conta o investimento empregado no estabelecimento camponês. Das 22 unidades produtivas camponesas pesquisadas por Tavares (1978, p.65) “apenas três apresentaram um saldo positivo”. O restante apresentava um saldo equivalente ou inferior ao que se tinha no início do ano agrícola. Tal situação levou Tavares do Santos a concluir que esse “camponês realiza a reprodução simples” e “a força de trabalho familiar é coberta em sua maior parte pela produção direta dos meios de vida, o que dispensa o gasto monetário com a subsistência da família camponesa”. (TAVARES dos SANTOS, 1978 p.66). Independente da compreensão de sujeição, Martins (1981) e Tavares (1978) interpretam que na circulação de mercadorias o capital industrial e financeiro busca subjugar a produção camponesa. Porém, na medida em que o produtor entra no sistema financeiro através do crédito bancário para incrementar a sua produção aumenta o grau de risco de ser subordinado pelo sistema capitalista. Quanto a esse risco de sujeição da produção camponesa ao sistema capitalista, uma das medidas preventivas por parte dos camponeses seria, sempre que possível, evitar a sua entrada no sistema de crédito financeiro, pois a sua inserção poderá comprometê-lo. O outro procedimento seria a seleção de determinados cultivos que não o deixasse tão dependente do ponto de vista técnico ou comercial. 5 – A flexibilidade/alternatividade da produção como estratégia camponesa Heredia (1979) e Garcia Jr. (1983) ao tratar da possibilidade de seleção dos cultivos pelo campesinato marginal ao sistema de plantation no nordeste brasileiro, também indicam estratégias e práticas adotadas por esses camponeses para viabilizar sua seguridade alimentar e comercial. Heredia (1979) fez uma análise sobre a representatividade e classificação dos cultivos que para os pequenos agricultores assumem diversas formas, isto é, “quando estão no pé, cumprindo seu ciclo de crescimento; outra forma é quando são considerados como produtos em condições de serem consumidos”. Cada momento do processo produtivo existe uma modalidade de consumo, ou seja, alguns produtos podem ser consumidos verdes 4 ou maduros, como também nessa mesma condição podem ser levados para feira (local de comércio)6. Há assim, por parte das famílias camponesas, estrategicamente, um processo de escolha e classificação dos produtos que tem como objetivo assegurar necessidades da família durante todo o ano. Nesse processo de escolha dos produtos, Heredia (1979) menciona sobre determinadas características que há em certos produtos, a qual foi caracterizado por ela de flexibilidade: A flexibilidade de alguns produtos possibilita ao pequeno produtor optar entre seu consumo direto e sua venda, nos diferentes momentos do ano agrícola. Dentre todos os produtos, a mandioca é que dispõe de maior flexibilidade já que pode ser conservada no roçado durante um período de tempo maior do que os demais cultivos. (HEREDIA, 1979, p. 52) Mais adiante a autora torna a afirmar que: A possibilidade de consumo e/ou venda dos diferentes produtos, aliada à possibilidade de armazenamento para aproveitamento nos diferentes momentos do ano agrícola, são elementos de grande relevância na hora da escolha dos cultivos a serem realizados, determinado, em conseqüência, a associação e a sucessão que se estabelecerão entre eles. Por outro lado, o conjunto desses produtos permitirá ao pequeno produtor atender ao consumo familiar durante o ano agrícola. (HEREDIA, 1979, p. 53) Estudando também os pequenos agricultores periféricos à grande plantação canavieira de Pernambuco temos Garcia Jr. (1983), aponta que os cultivos agrícolas estão dispostos em duas categorias, “lavouras comerciais” e “lavouras de subsistência”. A predominância dessa segunda lavoura pode “servir ao consumo doméstico tem levado uma grande quantidade de autores a classificar esse tipo de pequena produção como 'agricultura de subsistência” (GARCIA Jr., 1983, p.126, grifos do autor). Nesse sentido, o autor se opõe a essa classificação7. No entanto, ressalta que a “lavoura de subsistência” é o cultivo cujo 6 7 Heredia aponta que os produtos são classificados pelos camponeses estudados em dois grupos: verduras e legumes, cita como exemplo, o milho e o feijão que “podem ser consumidos e/ou vendidos como verduras enquanto estão verdes, ou então podem ser armazenados para serem, posteriormente, utilizados secos, sendo nesse caso considerados como legumes. (HEREDIA, 1979, p. 52) “Estas classificações do mundo científico supõem que a categoria 'mercado' define o campo de relações 4 produto tem a propriedade definida pelo autor como “alternatividade” (p.126), ou seja, a produção que pode ser vendida ou consumida diretamente. Enquanto Heredia (1979) refere-se à flexibilidade, Garcia JR (1983), refere-se a alternatividade, estes termos possuem significado semelhantes. Porém, a flexibilidade está mais próxima da possibilidade de armazenar os alimentos para os mais diferentes momentos do ano agrícola sem perca maior de sua propriedade, o que ocorre com alguns tubérculos como a mandioca, batata-doce e inhame que ficam armazenados dentro da terra. No entanto, determinados cultivos podem ter a alternatividade entre o consumo e a venda, mas não são flexíveis no armazenamento sem perder a sua propriedade natural, os que ocorrem com as hortaliças e as frutas. Neste caso, dos cultivos que possuem essa propriedade de flexibilidade/alternatividade, o produto do cultivo é valor de uso para a unidade camponesa que o produz. Já para a “lavoura comercial” cujo produto é destinado à venda. Com o tipo de cultivo que possui a propriedade de alternatividade, o produtor pode obter certa segurança, tanto no que diz respeito ao seu consumo familiar como também frente às flutuações do mercado. Garcia Jr. (1983, p.129) afirma o seguinte: A alternatividade das “lavouras de subsistência”, entre ser vendida ou consumida, permite atuar diante das flutuações dos preços de mercado de forma a maximizar as chances de se atender aos requisitos do consumo familiar. Se os preços dos produtos estão altos, o pequeno produtor pode vender sua produção, guardando o dinheiro para as épocas em que baixarem os preços. Consumirá de sua própria produção apenas o necessário na época em que está vendendo. Se os preços estão baixos e tiver dinheiro, o pequeno produtor adquire o produto necessário ao consumo familiar. Com os preços baixos, caso não tenha dinheiro, lança mão do próprio produto na obtenção do necessário ao consumo familiar. Assim, tanto a comercialização da própria produção quanto ao autoconsumo destes produtos levam em consideração a flutuação dos preços de mercado, não havendo nenhuma falta de sensibilidade a estas flutuações, mas uma forma própria de fazer face a elas. propriamente econômicas, e a ausência de relações consideradas 'mercantis' é confundida com a ausência de leis econômicas” (GARCIA Jr., 1983, p.16). Por isso Garcia Jr. “não pressupõe que haja negação da circulação mercantil nas 'lavouras de subsistência' muito pelo contrário”(p.126) por falta de nomenclatura melhor usa a oposição “lavouras de subsistência x lavouras comerciais” 4 Nessa forma de cultivo a impossibilidade de realizar o seu valor no mercado, que é contrabalançada como possibilidade de ser autoconsumido. No caso dos cultivos que não possui essa propriedade de alternatividade “ha sempre um risco que todo trabalho concreto cristalizado nas mercadorias se torne inútil, caso as mercadorias não sejam vendidas por um preço compensador” (GARCIA Jr., 1983, p.128) isto é, a realização do valor das mercadorias tem que cobrir necessariamente as despesas da produção, ou, ao menos, com o equivalente da reprodução familiar. Assim, verifica-se que a produção de autoconsumo e subsistência possuem um conteúdo de alternatividade e flexibilidade o que confere ao campesinato capacidade de esquivar-se de esquemas de subordinação do trabalho e da renda da terra. Portanto, a produção de subsistência e autoconsumo se constituem como estratégias de existência camponesa, como se verifica no assentamento Pedro Ramalho, objeto principal deste estudo dissertativo. 5 CAPÍTULO II A QUESTÃO AGRÁRIA EM MATO GROSSO DO SUL. O estudo do assentamento Pedro Ramalho em Mundo Novo/MS, onde os camponeses constroem estratégias de existência e resistência, como é o caso da produção de autoconsumo e subsistência, destacadas no capítulo I, surgiu do resultado da luta dos sem-terra. Trata-se de luta de trabalhadores despossuidos da terra que se organizaram para reconstruir a sua condição de camponês erodida com a expansão das relações capitalistas de produção, assentada não somente na produção, mas também acumulação rentista e apropriação concentrada da terra. A concentração fundiária é uma característica do espaço geográfico brasileiro e Mato Grosso do Sul se constitui no segundo Estado em que as terras estão mais concentradas e desigualmente distribuídas no Brasil. A apropriação desigual da terra, e não necessariamente a exploração do trabalho na terra, se constitui no centro do problema agrário no Brasil e Mato Grosso do Sul, ou seja, se constitui no centro da Questão Agrária. 1 - Origem da concentração de terras no sul de Mato Grosso do Sul. A concentração de terra no sul do Mato Grosso do Sul não é recente, tendo sua origem em passado distante, desde a chegada dos europeus ao continente americano, principalmente, Portugal e Espanha. Estes países passam a disputar entre si o domínio desta terra, procurando deslocar a linha divisória de Tordesilhas, a fim de ampliar seu território. De início, essa disputa foi regulada pelos Tratados, em 1750, o Tratado de Madri, que levou em consideração o princípio de usucapião, garantindo a posse da terra aquele que tivesse efetivamente ocupado. Já no Tratado de Santo Idelfonso, em 1777, portugueses e 5 espanhóis chegaram a um acordo sobre a fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Apesar deste acordo, continuou havendo conflito entre as partes pela posse das terras da fronteira, como descreve Fabrini (2008), que para assegurar o direito de posse das terras do sul de Mato grosso do Sul ao domínio Portugal, o Morgado Mateus mandou fundar na cabeceira do Rio Iguatemi, em 1766, a Praça de Nossa Senhora dos Prazeres do Rio Iguatemi. A Colônia Militar de Iguatemi resistiu até 1777, quando foi atacada e destruída por forças espanholas vindas de Asunción e comandadas por Agostinho de Pinedo. Mesmo com a independência do Brasil e Paraguai de suas metrópoles Portugal e Espanha, respectivamente, houve a continuidade das disputas pela posse das terras, sendo também um dos motivos a corrida pela ampliação dos territórios. Em 1815, com a independência do Paraguai do Vice-Reino do Prata, entrou em vigor naquele País, uma política de isolamento que permitiu desenvolver das suas forças produtivas e militares. Graças aos investimentos do Estado paraguaio, houve grande desenvolvimento da manufatura, principalmente da indústria têxtil, papel, tinta, pólvora. O desenvolvimento dos transportes, com a construção de uma ferrovia e o monopólio da navegação interior permitiram ao Estado controlar todo o comércio de exportação e importação. (Alves, 1984, p.07) Entretanto, com chegada de Carlos Antônio Lopes no Governo Paraguaio, tal política de isolamento foi abandonada quando se procurou criar condições para que as mercadorias paraguaias pudessem entra no Uruguai, Argentina e Brasil, principalmente na província de Mato Grosso. Para isso, foi necessário controlar as vias fluviais e a ocupar as terras do sul de Mato Grosso do Sul. A Tríplice Aliança entre Uruguai, Argentina e Brasil, financiada por banqueiros ingleses, tomou providências, em lugar da Inglaterra, para impedir a expansão do Paraguai. Dessa forma, a partir de 1865, a fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai transformou-se em campo de operações de guerra, onde praticamente não existia resistência brasileira, a não ser o pequeno destacamento da Colônia Militar de Dourados, composta apenas por 16 homens, atacado por forças paraguaias com o objetivo de ocupar a província de Mato Grosso. O destacamento foi destruído neste mesmo ano de 1865 e restabelecido somente com o final da guerra. 5 Com a derrocada temporária da força militar de Dourados, as terras do sul de Mato Grosso do Sul foram apropriadas por Martins Urbieta em nome do governo paraguaio, e logo transferidas à Madame Lynch, conforme destaca Fabrini (1996, p.30) “adquiriu por uma quantia de 155.000 pesos entre outros bens” assistida por um pelotão de cavalarianos “a cerimônia da imissão de posse foi realizada em 27 de dezembro de 1865, quase um mês a queda de Dourados, à margem direita do Rio Ivinhema. ‘a ocupação efetiva, iniciada em fevereiro, não perduraria diante das hostilidades naturais possuidores daquelas paragens, onde não admitiram condomínio.” (Figueiredo, 1968, p.223). A Guerra do Paraguai desdobrou-se em várias batalhas em diversos lugares no Sul do Brasil e nos países envolvidos, que teve a sua duração compreendida entre os anos de 1865 a 1870, sendo o seu final neste último ano com a morte de Francisco Solano Lopez. Entretanto, as terras brasileiras que formam adquiridas por Elisa Lynch no início da guerra foram solicitadas, a partir de 1892, pelo seu filho, Enrique Venâncio Solano Lopez, que se dirigiu ao cartório de imóveis de Corumbá com documentos, dessa forma: [...] Pretendia reivindicar as terra situadas entre os Rios Ivinhema ao norte, Paraná a leste, Iguatemi ao sul, e serra Amambaí ao oeste, num total de 33.175,30 Km (...) pretendia o requente provara seu domínio privado e pedia restituição de todo território ocupado pelo Estado, pagamento de sua utilização e indenização dos danos causados. Subindo os autos à instância do Superior Tribunal Federal, este proferiu sentença em dezembro de 1902, considerando que as referidas terras eram devolutas e como tais faziam parte do patrimônio da nação. (Rosa, 1962, p.41 Apud Fabrini, 1996, p.31). Diferente do caso “Madame Lynch” que a posse de terra era proveniente da disputa de território entre Brasil e Paraguai, outra pretensão de apossar-se privadamente de imensa área de terra (90.000 Km2), sendo essa, empreendida pelos herdeiros do Barão de Antonina, 1901. Considerando que até a primeira metade do século XIX, as terras do sul de Mato Grosso do Sul eram habitadas por indígenas e poucos não-índios haviam penetrado nesta região. Sendo todas as terras devolutas, o primeiro desbravador tomava posse. O Barão de Antonina, Senador do Império, sabendo da elaboração da Lei de Terras organizou plano com objetivo de garantir a posse de terras devolutas depois de 1850. Incumbiu, então o sertanista Francisco Lopes, com uma equipe para fazer o reconhecimento da região, obter informações e justificar a posse. Após o reconhecimento, Francisco Lopes 5 seguiu para Miranda e mandou fazer as escrituras nas quais os supostos posseiros vendiam as terras para o Barão de Antonina. Em 1901, os herdeiros do Barão requeriam o registro das terras, o que foi feito e as terras vendidas a João Abbott, sendo a demarcação do imenso latifúndio impedida por moradores, posseiros, proprietários, políticos da região, etc. Muito se debateu sobre a questão, que chegou ao Superior Tribunal Federal, onde foi vencida. Assim, não tiveram êxito as pretensões dos herdeiros do Barão Antonina em apossar-se da imensa área de terra. 2 - As terras monopolizadas na mão das oligarquias regionais. Ao término do período Brasil Imperial “com a proclamação da república, em 1889, as terras devolutas e a questão de terras passaram para a alçada dos governos estaduais” (MARTINS, 1985, p.20). Dessa forma, a política fundiária passou para competência dos Estados. A república transferiu o poder sobre a terra para as oligarquias regionais, que passou a decidir sobre a sua propriedade dentro do domínio estadual, monopolizando a sua posse e colocando em prática a política de concentração. Neste contexto, ocorreu a transferência das terras devolutas do Estado através da venda e arrendamento a grandes fazendeiros e empresas capitalistas que atuavam no setor, ponto esse que enfatiza Alves (1984). Disso se aproveitou a burguesia mato-grossense para estabelecer, segundo suas conveniências, a regulamentação da venda, arrendamento e doação de terras. Foi sensível, então, formulação de uma política fundiária que se desenvolveu sob a égide da concentração. O Estado (...) passou a doar aos colonos, gratuitamente, área de no máximo 50 hectares, quando destinadas à agricultura, e de 200 hectares, quando destinadas a pecuária. A compra e o arrendamento, porém, livres de qualquer cerceamento, incidiam sobre áreas gigantescas. Os ervais do sul mato-grossense, por exemplo, tiveram sua exploração monopolizada pela Companhia Mate-Laranjeira, ligada ao Banco Rio e Mato Grosso. (Alves, 1984, p.30). Referente à doação de terras para esse período, a história fundiária desse Estado nos revela que era remota a intenção dos “poderosos” em realizar concessões de terra, pois a notícia da concessão gratuita de terras soaria com uma atração para trabalhadores 5 despossuídos de terra de outras regiões, política que o Estado não adotou, como demonstra os dados do ano de 1921, quando foram concedidos, através de compra, 223 títulos provisórios e permanentes, abrangendo uma área total de 789.094 ha, enquanto que as concessões gratuitas, que desencadeavam um ação contraria a concentração fundiária, são 51, para uma área total de 2.950 ha, bem menos expressivas que a aquisição através da compra. (FABRINI, 1996, p.34). Além da venda, outra prática adotada pelo Estado foi o arrendamento que trouxe impacto no ordenamento fundiário, causando conseqüências nas relações de vida da população agrária sul-mato-grossense. O caso do arrendamento refere-se à Cia. Mate Laranjeira de propriedade Tomaz Laranjeira, o qual era ex-funcionário de uma empresa do Rio Grande do Sul, Estado de sua origem, que abastecia a Comissão de Demarcação8. Ao término dos trabalhos de demarcação Laranjeira permaneceu na região, decidiu explorar os ervais cuja espécie era abundante. De início os trabalhos foram modestos, no entanto, em dezembro de 1882,conseguiu o monopólio de exploração dos ervais dos terrenos devolutos entre os marcos Rincão do Júlio e Cabeceira do Rio Iguatemi, graças a influência do Barão de Maracaju no Império. Contribuiu também para a concessão do monopólio, os favores e proteção do General Antônio Maria Coelho (primeiro governador de Mato Grosso), amigo de Laranjeira desde a época da demarcação da fronteira. Entretanto, aliado a burguesia da época, foi no início do século XX que a Cia Mate Laranjeira expandiu os negócios e o monopólio sobre as terras sul-mato-grossenses, nessa conjuntura. Vieram a associar à empresa os irmãos Murtinho, personagem de grande influencia na política do Estado. Para um empreendimento de tamanho vulto era necessário grande montante de recursos, que foram conseguidos com a junção da empresa monopolista ao Banco Rio-Mato Grosso, dirigido por Joaquim Murtinho. Mais tarde associou-se à Companhia Laranjeira, Francisco Mendes Gonçalves, de Buenos Aires, comprador exclusivo da erva-mate da Laranjeira, constituindo-se, assim, a empresa Mendes Laranjeira & Cia que, em 1902, monopolizava a exploração de erva-mate numa área arrendada superior a 3 milhões de hectares, que ia do Ivinhema ao Iguatemi, alem de 271.026 ha adquiridos através de compra nos município de Bela vista e Ponta Porã. (FABRINI, 1996, p. 36) 8 Após o termino da Guerra do Paraguai, fica essa encarregada dos trabalhos de demarcação do tratado de limites fronteiriços entre Brasil e Paraguai. 5 O gigantesco poderio da Empresa Laranjeira Mendes & Cia veio despertar certo interesse de forças políticas opositoras que também queria se beneficiar dessas concessões, a exemplo, a lei 725 de 1915, que reduzia a área de arrendamento. Este fato não provocou abalo para empresa, sendo que, em 1922, possuía uma receita bruta cinco vezes maior que a arrecadação do Estado. A indústria ervateira estimulou a migração de sulistas9, principalmente do Rio Grande do Sul, que se organizavam em comitivas foram adentrando o país vizinho (Paraguai) onde alguns se instalaram e outros seguiram rumo às terras mato-grossense que na maioria constituíam suas posses nas terras devolutas. O monopólio da empresa Laranjeira pode ser compreendido por dois momentos distintos, ou seja, o da terra e o da produção. No caso do monopólio da terra, a exploração da erva-mate (desde a sua colheita como o seu preparo) predominantemente a mão-de-obra amplamente empregada foi a de pessoas que cuja nacionalidade era paraguaia, aonde mais de três mil trabalhadores que chegavam próximo a margem do Rio Paraná coletando esse produto. Além desses, ressalta Brand etal.(2008), que em várias regiões houve o recrutamento da mão-de-obra indígena tendo como referência o relatório de Barboza (1927 In. MONTEIRO, 2003). Esse autor expõe que a “proporção de índios Caiuás empregado na elaboração da herba, sobre o operário (não-indígena), é, em média, de 75%, na região de Iguatemi”(BRAND etal., 2008, p.32.). Isso demonstra que era quase extinta a utilização de mão-de-obra não-indígena brasileira. Mesmo como o monopólio sobre as terras, proprietários e posseiros também praticavam a exploração da erva. Mas, com a redução do arrendamento de Laranjeira pensava-se que seria favorável a esses outros produtores particulares. Porem “estes passaram agiram sob a órbita da influência da Empresa Laranjeira Mendes & Cia., que lhes comprava toda a produção de erva-mate com base em preços que ela própria fixava [...], pois a empresa dominava os transportes e, como decorrência, o escoamento da produção” (Alves, 1984, p.53). 9 Bem que esse processo migratório e a povoação sul-mato-grossense é mais complexa do se imagina, envolve, por exemplo, ex-combatentes da Guerra do Paraguai que se estabeleceram no local, os fugitivos da chamada Revolução Federalista que ocorreu no Sul do Brasil e principalmente a pecuária que estimulou a vinda dos gaúchos. 5 Isso demonstra que o monopólio, quanto da terra como o da produção, não permitiu que desenvolvesse a pequena propriedade ou ao menos que esse servisse de mão-de-obra. 3 – Pecuária e a ocupação capitalista da terra em Mato Grosso do Sul. Um dos marcos da expansão capitalista sob as terras de Mato Grosso do Sul foi a da Empresa Mate Laranjeira, que avançou sob as terras indígenas como também dificultou o avanço da pequena propriedade. No entanto, cabe ressaltar que a pecuária é uma das atividades que desde o século XIX esteve presente na historia econômica de Mato Grosso do Sul, mas foi no século XX que ela ganhou mais destaque, principalmente, com a crise do café, que atraiu o interesse de fazendeiros paulistas. No fim do século XIX, a grande produção mato-grossense girava entorno da indústria açúcar e a de charque, no caso da atividade açucareira as indústrias matogrossense não conseguiu acompanhar a modernização das usinas de São Paulo e passou a sofrer barreiras na exportação, o que provocou sua decadência. O mesmo ocorreu com a indústria de charque que se expandiu com a instalação de frigoríficos em São Paulo, além da concorrência com produção da região platina (Argentina e Uruguai). Entretanto, com o melhoramento dos rebanhos, os pecuaristas viram mais rentabilidade em vender gado para os frigoríficos paulistas, impondo fracasso das indústrias saladeiras e charqueadas. No entanto, como aponta Fabrini (1996. 43) “mas o golpe fatal nas indústrias de charque seria a construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil, que levou essa indústria a estagnação, após 1925”. A ferrovia facilitou e barateou o transporte passando a ter o monopólio os frigoríficos de São Paulo. A ferrovia violou a função econômica que foi atribuída pelo capitalismo ao Mato Grosso do Sul na divisão regional do trabalho, pois o gado era transportado vivo, como não podia e não possui infra-estrutura para o transporte de gado abatido, eliminando a indústria de carne sul-mato-grossense. Quanto à construção da Ferrovia Fabrini (1996, 45) alega que “Mato Grosso do Sul assume sua verdadeira ‘vocação’, que, em vez de diversificar a sua produção, exportaria gado bovino em pé”. Essa especialização criou centros de compra de gado nas suas imediações, como Campo Grande, Miranda e Aquidauana, o que provocou à valorização das terras próximas a ferrovia, passando a desenvolver com a pecuária a concentração de terras. 5 Nas áreas mais distantes da linha férrea, como nas florestas do sul do Estado, sofreram influencia indireta, e foram ocupadas mais tarde pela “frente pioneira” (1950/60). Também se deu pela prática da pecuária, ficando responsável pela engorda de gado magro trazidos do Noroeste da região pantaneira. A ocupação do sul de Mato Grosso do Sul realizada, principalmente, por paulistas e paranaenses, deve ser interpretada a luz da expansão da pecuária, apesar da cultura de café ter desfrutado de uma posição privilegiada na economia brasileira chegando a expandir ao noroeste do Paraná e Mato Grosso do sul10. Porém, no o ano de 1929, essa lavoura passou por uma acentuada crise, fazendo que muitos produtores substituíssem essas lavouras por pastagem. A atividade pecuária foi um forte um atrativo para investimentos, fazendo com que despertasse a procura por terras no extremo sul desse Estado, tanto por empresas imobiliárias como por fazendeiros, impulsionando a apropriação da terra dessa região. A incorporação de novas áreas ao processo produtivo visava dar sustentação ao desenvolvimento urbano-industrial do país, para isso era necessário que o governo tomasse medidas que garantisse a ocupação e inserção produtiva dessas novas áreas, por exemplo, essa de Mato Grosso do Sul que tinha sua economia passeada na exploração de erva-mate, foi sendo substituída pela criação de um espaço econômico nacional, objetivando a expansão do capitalismo. Dessa maneira houve a intervenção do Governo Federal, através da concepção do Estado Novo (1937), implantou primeiramente uma política que se desdobrou na configuração territorial de Mato Grosso do Sul. Dentre as ações despendidas pelo governo cabe destacar a criação do Território Federal de Ponta Porã (Decreto-Lei nº 5.812, em 13/09/1943); a criação da CAND (Colônia Agrícola Nacional de Dourados); mais tarde na década de 1960/70 pelos governos militares é instituído o Projeto Integrado de Colonização Iguatemi (pelos Decretos-Lei 60.310 em 07/03/1967; 63.631 em 18/11/1968 e o 67.870 em 17/12/1970) é também criado pelos militares o Projeto Integrado de Colonização Sete Quedas (Decreto-Lei 70.356 em 10 Quando a “frente pioneira” paulista chegou as terras próximas a Mato Grosso do Sul, ainda no Estado de São Paulo, a margem esquerda do Rio Paraná, a marcha para o oeste não era exclusivamente do café, pois este já havia passado por crises de superprodução e muitos fazendeiros já se dedicavam a atividade pecuária. (FABRINI, 1996, p. 48) 5 03/04/72). A iniciativa desenvolvida pelo “Estado Novo” de criar o Território Federal de Ponta Porã, fez parte da política de colonização e nacionalização das fronteiras, rebatia diretamente na presença da Companhia Mate Laranjeira, já em decadência, favorecia a presença constante de estrangeiros e conflitos armados na região. Assim, criação desse Território que ficaria na tutela do Governo Federal11, facilitaria a ação do Estado a qualquer problema que viesse a prejudicar a sua política de desenvolvimento. Com base na política de nacionalização das terras, em 1941, o Governo Vargas, implanta as Colônias Agrícolas Nacionais (CAND), através do Decreto-Lei 3.059, de fevereiro de 1941. Esse Decreto tinha como objetivo fixar o homem no campo, por meio da pequena propriedade, a qual estaria voltada para a produção de bens agrícolas em escala capitalista para outros mercados, além de produzir para sua auto-suficiência (PONCIANO, 2001, p. 98) É nesse contexto, que se implantou a Colônia Agrícola de Dourados (CAND), apesar de ser regulamenta em 1943, conforme Ponciano, (2001, p.99) “é somente a partir de 1948, que os limites dessa Colônia são demarcados pelo Presidente da República Eurico Gaspar Dutra”. Tinha sido assim pré-estabelecido uma área de 300.000 ha, mais tarde reduzida para 267.000 ha, onde parte dessa área foi distribuída a famílias de camponeses. Outra ação governamental de colonização ocorreu no extremo sul de Mato Grosso do Sul, em 1967 e 1972, chamados de Projeto Integrado de Colonização (Iguatemi e Sete Quedas) implantado pelos governos da ditadura militar, abrangendo uma área de total de 160.000 ha que também foi distribuído terras a camponeses. Apesar de ocorrer tais distribuições de terra nessas épocas destacadas, essas políticas e projetos de colonização oficial não devem ser interpretados como estímulo a propagação da pequena propriedade ou coisa desse gênero, tendo em vista as implantações destes projetos de colonização esteve ligada a idéia de ocupar esse território com contingente humano, isto é, por ser uma área fronteiriça considerada de Segurança Nacional. Porém, a sua implantação ao mínimo se liga outros objetivos, ou seja, ao mesmo tempo em que atrairia trabalhadores seria ela fornecedora de produtos para o setor industrial principalmente para o sudeste. Além disso, essa região se projetaria cada vez 11 O que também colocaria o território de exploração de erva-mate sobre a fiscalização do Governo Federal. 5 mais para o avanço capitalista. Referente à política estatal de colonização pregoada em estimular a formação de pequenas propriedades instituída nas colônias agrícolas nacionais Almeida (2003) ressalta que veio a fracassar, devido ao isolamento e a falta de recursos financeiros, fazendo com que o governo não mais visse no estímulo a pequena propriedade o caminho da conquista da fronteira. “É, portanto, nesse ambiente de crise da colonização estatal voltada a pequena propriedade que vamos ter o florescimento da colonização privada” (ALMEIDA, 2003, p.115) gerando um mercado de terras. Como se verifica a partir de 1950, atuação de uma série de iniciativas privadas como a Companhia Viação São Paulo - Mato Grosso, Companhia Moura Andrade e Companhia Melhoramentos e Colonização S.A. (SOMECO), que adquiram terras, ora do Estado ora de particulares, com vista à colonização por meio de loteamentos. Assim, foram vendidas grandes áreas de terra “que mais tarde serão transferidos a fazendeiros pecuaristas de São Paulo e Paraná, dando-se origem a elevada concentração fundiária existente no sul desse Estado” (FABRINI, 1996, p.50). A respeito da implantação dos projetos de colonização em Mato Grosso do Sul Almeida (2006) acrescenta que: Desse modo, perpetuou também no Sul de Mato Grosso uma estrutura fundiária concentradora a despeito dos projetos de colonização impetrados no passado. Esses projetos não abriram possibilidade; longe disso, apenas cumpriram a sua função histórica de camuflar a necessidade de redistribuição da propriedade privada da terra no país. (ALMEIDA, 2006, p. 115) Essa autora destaca que esse processo de colonização no sul do antigo Mato Grosso privilegiou a grande propriedade e a atividade pecuária, que gerou uma classe de grandes proprietários de terra que dominou e dirigiu o Mato Grosso do Sul desde a sua criação, em 1977, derivado do Estado de Mato Grosso, garantindo a presença da tradicional oligarquia no legislativo desse Estado. 4 - A concentração fundiária e contradição nas relações sociais de produção no campo em Mato Grosso do Sul. 6 A concentração fundiária em Mato Grosso do Sul tem sido historicamente um dos maiores “nós” na questão agrária do Estado. Ao analisarmos os dados do Censo Agropecuário 1995/96 (tabela -1), podemos verificar que 54,6 % dos estabelecimentos com menos de 100 hectares ocupam apenas 2,2% da área total. Os estabelecimentos acima de 1000 ha representam 14 % , porém controlam 78,4% da área total dos estabelecimentos. Tabela 1 - Estrutura Fundiária do Brasil e de Mato Grosso do Sul (1995/96) Brasil Estrato de Nº de Estab. % Área (ha) Mato Grosso do Sul % Área -10 ha Nº de % Área (ha) % 18 39.681 0,1 Estab 2.402.374 49,66 7.882.194 2,24 9.170 ,6 10 a -100 ha 1.916.487 39,61 62.693.586 17,7 17.753 36 637.163 2,1 15.423 31 5.992.676 19,4 3 100 a – 469.964 9,71 123.541.517 1.000 ha 1.000 a 3 49.358 1,02 159.493.949 mais ha TOTAL 34,9 45,1 ,4 6.902 14 24.273.252 78,4 49.248 10 30.942.722 100 0 4.838.183 100 353.611.246 100 0 Fonte: Censo Agropecuário 1995/96 Entretanto, as distorções não param por aí, conforme já foi sinalizado por Silva (2004) que se compararmos a estrutura fundiária do Estado com a do Brasil, vemos que os imóveis rurais no Mato Grosso do Sul têm uma área média de 628,3 ha, o que significa mais de oito vezes a área média dos imóveis do Brasil que se aproxima de 73,1 ha. Não apenas a história agrária, mas também os dados nos mostram o monopólio e a presente concentração das terras nas mãos dos latifundiários em Mato Grosso do Sul, tendo estes como objetivos extrair a renda da terra, sejam na venda da terra como foi o caso das empresas colonizadoras particulares, na cobrança de aluguel pelo seu uso. Este é o caso também dos arrendatários que lança mão das relações não-capitalistas como o trabalho familiar camponês representado pelas atividades de parceria. Tais aspectos que acontecem no campo sul-mato-grossense e de modo geral no campo brasileiro levam alguns autores como Oliveira (1996, p.18) a interpretar que “o 6 desenvolvimento capitalista se faz presente pelas suas contradições. Ele é, portanto, em si, contraditório e desigual”, pois na medida em que o capitalismo se expande pelo processo de expropriação, isto é, de torna o trabalhador despossuídos dos meios de produção, ele “possibilita” o acesso dos trabalhadores rurais a esses determinados meios, como o quê ocorre com algumas formas de acesso a terra praticada pelos trabalhadores camponeses despossuídos. Essa situação pode ser verificada quando se analisa os dados censitários da condição dos produtores sul-mato-grossense. Considerando que o trabalho familiar camponês possui suas limitações naturais, não é regra, mas os camponeses tendem a praticarem suas atividades agrícolas em áreas inferiores a 100 hectares. Com base nesse pressuposto, a tabela - 2 nos permite demonstrar que mesmo apresentando um alto grau de concentração de terra em Mato Grosso do Sul é possível verificar a existência das atividades de parceria, arrendatário e os ocupantes que também constituem como formas de reprodução do trabalho familiar camponês. Os dados de 1975 demonstram que 99% dos produtores na condição de parceiros estão no extrato inferior a 100 ha, principalmente em áreas menor de 10 ha, o que nos indica a presença do latifúndio proprietário e do trabalhador camponês despossuído. Entretanto, a presença do latifúndio pecuarista e do camponês nesse mesmo espaço torna mais nítida quando se observa pelo processo de formação da pastagem melhorada desenvolvida no Sul do Estado entre os anos 1950-60. Misuzaki (2003, p, 53) citando (SILVA, 1992), descreve que para o desmatamento os fazendeiros terceirizavam essa tarefa aos empreiteiros, já na formação de pastagem o proprietário contratava o serviço do meeiro, o qual “recebia a cedência da terra por 2 ou 3 anos para cultivar suas roças de milho, feijão, arroz e, menos freqüentemente, algodão. O resultado da colheita era dividido com o proprietário”. Nota-se que, para esses camponeses despossuídos, uma atividade que se destaca nesta forma de acesso a terra é o cultivo de subsistência. Entretanto, quando não na condição de parceiro, os camponeses têm buscado outras maneiras, tais como, ocupantes ou arrendatários. Ainda, sobre essas categorias os dados estatísticos de 1975 a 1995, têm demonstrado que em alguns desses três modos de acesso a terra, o número estabelecimentos 6 com áreas menores de 100 ha é superior a 90% do total de estabelecimentos. Mas, ocorre também que menos de 10 % dos grandes estabelecimentos concentrarem entorno de 90% da área total das terras, principalmente, os da categoria de arrendatários. Isso indica que a parceria, arrendamento e “ocupação” são formas de acesso a terra que não é exclusiva do trabalhador familiar camponês despossuído, ou seja, de maneira desigual e contraditória o modo capitalista de produzir tem se expandido utilizando desse mesmo viés. Entretanto, com diferenças básicas na produção, o camponês, ao acessar a terra através desse caminho tem buscado desenvolver uma agricultura de subsistência diversificada voltada para o autoconsumo e subsistência, enquanto que o produtor capitalista tem intensificado sua atividade agrícola na monocultura de grãos, na criação de gado ou em outros produtos destinados à obtenção de lucro e exploração dos trabalhadores. Os dados da tabela a seguir (tabela 2) demonstram a participação de não-proprietários (parceiros, ocupante e arrendatários) na concentração de terras no Estado de Mato Grosso do Sul. Assim, se de um lado, a terra está concentrada nas mãos de proprietários, de outro, a concentração se intensifica, pois os não-proprietários, ou seja, grandes arrendatários, ocupantes e parceiros contribuem para a intensificação desta concentração. A partir de 1970, com o processo de modernização da agricultura essas diferentes relações sociais de produção, vão redesenhar novos traços na estrutura fundiária, trazendo conseqüências distintas para o campo em Mato Grosso do Sul. Tabela 2 Condição do produtor em Mato Grosso do Sul (1975-1995) PARCEIROS 1975 1980 1985 1995/96 Extrato área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) - 10 4.074 22.147 2.128 11.779 1.951 10.122 221 1.001 10 -100 1.774 34.077 854 17.481 681 15.974 131 3.958 100-1000 40 13.425 101 30.920 100 28.423 78 24.603 1000 a + 16 50.149 30 198.722 13 78.171 28 99.678 TOTAL 5.904 119.798 3.113 258.902 2.745 132.690 458 129.240 OCUPANTES Extrato 6 área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) - 10 6.680 29.218 4.193 16.006 4.964 16.153 3.576 10.195 10 -100 3.371 91.728 1.231 35.135 1.430 39.344 777 22.767 100-1000 568 151.440 344 87.991 382 113.616 190 61.728 1000 a + 109 277.581 95 275.015 114 301.332 153 104.496 TOTAL 10.728 5.863 414.147 6.890 470.445 4.696 199.186 549.967 ARRENDATÁRIOS Extrato área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) - 10 6.297 31.455 3.088 15.757 2.754 12.631 610 3.018 10 -100 1.873 42.258 1.587 43.208 2.170 74.072 988 37.283 100-1000 579 189.466 839 260.660 1.328 387.879 1.017 347.039 1000 a + 196 770.236 203 773.292 259 771.819 259 614.833 TOTAL 8.945 1.033.415 5.717 1.092.917 6.511 1.246.401 2.874 1.002.173 Área (ha) Estab. Área (ha) PROPRIETÁRIOS Extrato área (ha) Estab. Área (ha) Estab. Área (ha) Estab - 10 5.228 27.297 3.773 20.459 5.247 25.582 4.763 25.467 10 -100 13.805 469.411 13.124 482.798 14.469 541.184 15.857 573.155 100-1000 8.539 3.194.907 10.750 4.099.666 12.864 5.376.390 14.138 5.559.013 1000 a + 4.704 23.297.790 5.494 24.364.835 5.905 23.816.109 6.637 23.454.246 TOTAL 32.276 26.989.405 33.141 28.967.758 38.485 29.759.265 41.395 29.611.981 Fonte: Censos Agropecuários A expansão das relações capitalistas no campo não está relacionada apenas á acumulação rentista e concentração de terras em Mato Grosso do Sul. O campo de Mato Grosso do Sul também é decorrente da expansão das relações capitalista que tem fundamentos no modo industrial de produzir. Ao incorporar um conjunto de insumos modernos, esse novo modo industrial de produzir alterou a base do processo produtivo, fruto das alianças entre Estado, capital e propriedade fundiária os quais, atualmente, encontram-se sob comando do capital industrial e financeiro. (MIZUSAKY, 2005, p.83) Esse processo ocorreu no Estado a partir da década de 1970, através da introdução do binômio trigo/soja e da prática de uma pecuária melhorada que alteraram as relações de trabalho e produção no campo sul-mato-grossense, provocando um processo de 6 reestruturação produtiva12. Com a expansão das relações capitalista de produção, aumentou também o interesse pela terra. Entretanto, ao mesmo tempo em que a terra passava a ser a mercadoria procurada, foram sendo expulsos os produtores camponeses e os povos que adquiram sua subsistência através da terra. Conforme aponta Mizusaki (2003) os índios foram sendo confinados em parcelas de seus territórios demarcados, denominados de aldeias, “Confinados, os índios já não dispõem de rios, nem mata (com sua flora e fauna) que lhes permitam à caça, a pesca, a coleta, o uso de lenha para se aquecerem no inverno, enfim, a realização do seu modo de vida” (MIZUSAKI, 2003, p. 53). Assim foi perdendo os mecanismos de sua economia natural e para sobreviverem, os indígenas sujeitam-se a peonagem nas agroindústrias ou a busca de alimentos nas cidades, nas casas e latas de lixo, isto é, restando-lhes uma condição subumana que muitas vezes tem seu fim no alcoolismo e o suicídio. Não apenas os povos indígenas, mas também os pequenos produtores despossuídos sofreram as conseqüências na medida em o território ia sendo apropriado privadamente. Os efeitos são verificados ao comparar dos dados referentes á condição de não proprietários da tabela 2, visto que no período entre 1975 a 1995, diminui acentuadamente o número de estabelecimentos menos que 100 que se encontram na condição de parceiro, arrendatário e ocupantes. O número de parceiros reduziu a menos de 10% da quantidade existente na década de 1970, tanto em quantidade como em área de terra, ao contrário dos estabelecimentos maiores que 100 ha que aumentou em número e em área territorial. Isso indica que na década de 1990 a parceira se volta para as atividades com relação de produção capitalista. A mesma situação ocorre com a categoria de arrendatários, porém a maior defasagem foi com os estabelecimentos inferiores a 10 ha. O inverso ocorre com os estabelecimentos compreendidos no extrato entre 100 e 1000 hectares, que aumentou tanto em número e área. 12 Misuzaki (2009) ao mencionar sobre reestruturação produtiva, faz referências as mudanças ocorridas nos elementos que compõem a realização do processo produtivo devido a rearticulação das formas de acumulação do capital industrial. Como esse “novo” modo industrial de produzir territorializa-se no espaço, traz, também, profundas transformações no seu ordenamento territorial. (MISUZAKI, 2009, 6 Quanto à condição de ocupantes, pode ser considerado que a redução foi equilibrada para os dois lados, isto é, tanto os grandes como os pequenos estabelecimentos reduziram na mesma proporção, até por que a área total terras utilizadas por essa categoria foi reduzida a menos da metade nesse intervalo de tempo. Assim, verifica-se que em todas as categorias diminuíram o número dos pequenos estabelecimentos, pois se essas são formas dos camponeses despossuídos acessarem a terra, o desenvolvimento das relações capitalista produção no campo sul-matogrossense de certa maneira não tem permitido a ampliação por essas vias de acesso. Isso fica evidente na tabela-2 quando se observa a categoria de produtor proprietário, pois essa demonstra que com exceção dos estabelecimentos menores de 10 ha, todos os outros tiveram um crescimento no que diz respeito ao número de estabelecimentos como também em área total. Porém, é clara a concentração de terras. Esse crescimento no número de estabelecimentos de propriedade privada que possuem grandes áreas de terra como os de pequenas áreas, podem ser compreendidos por dois motivos distintos. No caso dos grandes áreas de terra um dos motivos seria a condição do latifundiário extrair a renda da terra. Quando a terra não é produtiva, assume o caráter especulativo, e quando é produtiva tem sua ligação com a produção das commodities para exportação. Enfim, a produção nas grandes áreas de terra em Mato Grosso do Sul está, principalmente, assentado no tripé, criação de gado, cultivo da soja mais recente a cana-deaçúcar. Mas, há que se considera também a acumulação com base na especulação imobiliária. Além da renda da terra, extraída da especulação ou produção, a propriedade privada tem sido um dos mecanismos para os capitalistas obterem os incentivos fiscais fornecidos pelo Estado, sendo essa também a garantia da inserção facilitada no sistema financeiro. Por meio da concessão de grandes empréstimos a juros baixos, longo prazo e até perdão de dívidas, os proprietários obtém vantagens financeiras na posse de grandes áreas de terra. A migração de agricultores do sul so Brasil para Mato Grosso do Sul implicou numa série de transformações no campo, desdobrando-se na apropriação da terra e mecanização da agricultura, a partir da década de 1970, principalmente. Pequenos e médios proprietários dos Estados do Sul do Brasil vendiam determinada quantidade de terra e compravam uma p.177;a) 6 quantidade bem maior no Estado sul-mato-grossense. Essa migração tinha com objetivo dar continuidade na reprodução de suas atividades econômicas utilizando o trabalho familiar nos cultivos comerciais e nos de autoconsumo. Nesta época a soja se constituiu como a principal atividade econômica de Mato Grosso do Sul, conforme descreve Mizusaki (2009). Na década de 1970, a soja torna-se uma das principais atividades econômicas. Dentre os fatores que contribuíram para sua expansão podemos citar a conjuntura econômica e as condições geográficas favoráveis, o escoamento da fronteira agrícola no Sul do país, e os incentivos do Estado (por meio de políticas créditicas, isenção fiscal, infra-estrutura), atraindo, principalmente, granjeiros gaúchos. (MIZUSAKI, 2009, p.57;b) Apesar do feijão soja nos dias atuais ser um cultivo mecanizado, na década de 1960-1970, empregava importante mão-de-obra humana na sua produção. O dado do Censo Agropecuário de 1970 indica um número de 933 colhedeiras em Mato Grosso do Sul13, sendo o município de Ivinhema com a maior quantidade, num total de 200 máquinas. Na medida em que se ia introduzindo a mecanização e a utilização de insumos modernos, a agricultura ganhou, no Estado, característica de monocultura, baseada, principalmente, nas grandes lavouras de soja e áreas de criação de gado. Juntamente com a política econômica dos governos militares que privilegiava a grande propriedade, houve dificuldade, dessa forma, da sobrevivência das pequenas propriedades. Isso fez com que na década de 1980, muitos dos pequenos agricultores migrassem para a região Norte do país. Dessa maneira houve uma redução na quantidade dos pequenos estabelecimentos e das pequenas propriedades. Estas propriedades foram adquiridas por vizinhos mais avantajados, por comerciantes e ou por profissionais liberais. No gráfico a seguir (gráfico 1) podemos observar as transformações ocorridas nos pequenos estabelecimentos, tornando-se nítida a redução em número e área dos pequenos estabelecimentos compostos por produtores não-proprietários de terra (parceiros, posseiros, arrendatários). 13 Esses dados foram extraídos do Censo Agropecuário do Estado de Mato Grosso1970, porém foram contabilizados dos municípios que compreende o Estado de Mato Grosso do Sul. 6 Gráfico 1- Distribuição dos estabelecimentos com menos de 100 ha em Mato Grosso do Sul. Fonte: Censos Agropecuários A existência de pequenos produtores na condição de proprietário em Mato Grosso do Sul é compreendida por processos distintos: os projetos governamentais de colonização na década de 1940 como a CAND e os da década de 1960-70, o PIC Iguatemi e Sete Quedas, que abrangeram aproximadamente uma área 400.000 hectares, distribuída aos camponeses despossuídos. Outra forma de existência de pequenos proprietários foi por meios da aquisição através da compra de terras. O que tem segurado também a possibilidade de pequenos agricultores em Mato Grosso do Sul, a partir da década de 1980, foi a luta dos trabalhadores rurais sem terra. Segundo os dados do Dataluta (banco de dados da luta pela terra) no período de 1985 a 1995, foram realizados 23 projetos de assentamentos e reassentamentos, os quais serviram para assentar 4.873 famílias sobre numa área de 140.520 hectares. Considerando que cada família corresponde a um estabelecimento, se compararmos esse número com a quantidade de estabelecimentos identificados em 1995 pelo Censo Agropecuário, vemos os assentados representam entorno de 25% dos estabelecimentos. Pode-se, assim concluir que na medida em que o capitalismo foi expandindo sobre o campo sul-mato-grossense, expulsando e expropriando os pequenos produtos e introduzindo novas relações de produção, de forma contraditória, também se intensificou a luta dos trabalhadores rurais despossuídos pelo direito a terra. Esta luta permitiu a reprodução dos pequenos agricultores e suas relações sociais de produção, tais como, o 6 trabalho familiar, além de outros elementos característicos da produção camponesa. A esse respeito interpretamos que quando expropriados, os trabalhadores buscam através da migração uma forma de continuar existindo. No entanto, essa possibilidade é mediada principalmente pela intensidade das relações capitalista existente em determinado espaço. Assim, o latifundiário ao beneficiar pela venda ou pelos arrendamentos de terras, também lança mão de relações não-capitalista (parceria, trabalho familiar) para produzir o capital. Nesse caso essa possibilidade é viabilizada principalmente pelo interesse do capitalismo. Mas, uma produção não-capitalista surge com a migração que se ergue como uma possibilidade de manutenção da produção camponesa. Além dessa reprodução, há também as lutas dos sem-terra que se negam a proletarização e o trabalho precário urbanos com ocupações de terras de grandes proprietários, surgindo grande número de conflitos e pedidos de reintegração de posse. 5 - Luta pela terra em Mato Grosso do Sul. A luta pela terra é uma característica do campo brasileiro e vem desde um passado distante quando os escravos se recusavam a servir de mão-de-obra na produção de cana-deaçúcar e criavam os quilombos na busca de liberdade. São exemplares também as lutas de Canudos, Ligas Camponesas no Nordeste, Trombas e Formoso, dentre outras. No final da década de 1970, surgiram as lutas do sem-terras, ou seja, uma categoria formada por trabalhadores excluídos e expropriada com o processo de modernização da agricultura e apropriação concentrada da terra. Estes trabalhadores, através de ações de resistência passaram a promover ocupações de grandes propriedades, negando a proletarização e migração para outras regiões. As primeiras ações dos sem-terras ocorreram nos Estados de Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Em Mato Grosso do Sul, o marco das ações de resistência desenvolvida pelos semterra foi o movimento dos arrendatários no município de Naviraí em 1979, motivado por irregularidades contratuais feito com os grandes fazendeiros. Esses arrendatários derrubavam a mata e formava a pastagem nas fazendas Ente Rios, Água Doce e Jequitibá. Esse movimento contou com forte participação da CPT, do Sindicato dos 6 Trabalhadores Rurais de Naviraí. Os arrendatários tinham como representante na questão judicial o advogado Joaquim das Neves Norte que em 1980 ganhou a causa em questão em favor dos arrendatários. No entanto, o desfecho foi drástico e dramático, com a destruição da plantação dos arrendatários pelo gado do fazendeiro e o assassinato de Joaquim N. Norte em 12 de Junho de 1982. O movimento dos arrendatários de Naviraí foi a gêneses das lutas pela terra em Mato Grosso do Sul, que teve importante participação da CPT e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Naviraí. A luta dos sem-terra derivou uma série de conquistas dentre as quais se destaca a terra de assentamento. O gráfico e mapa a seguir permitem o verificar o número e os municípios em que foram realizados os projeto de assentamentos no período de 1984 a 2008 em Mato Grosso do Sul. 7 O assentamento Pedro Ramalho, objeto principal deste estudo, se constitui numa das conquista dos sem-terra e foi realizado com a desapropriação da Fazenda Mambaré no município de Mundo Novo. O projeto assentou 84 famílias numa área de 1.700 hectares. A seguir (no capítulo III) será tratado sobre as lutas do sem-terra em Mundo Novo bem como o processo de apropriação e ocupação da terra neste município. 7 CAPÍTULO III APROPRIAÇÃO DA TERRA E LUTAS NO CAMPO EM MUNDO NOVO O município de Mundo Novo está localizado no sul de Mato Grosso do Sul na divisa do Estado do Paraná. Internacionalmente Mundo Novo limita-se com o Paraguai ao Sul e Oeste. Os primeiros colonos chegaram a Mundo Novo no início da década de 1950 para amansar as terras “inexploradas”, período marcado também por enfrentamentos pela garantia da subsistência em terras de domínio do latifúndio. Desde este período a produção de subsistência e autoconsumo assumiram importante papel na manutenção das famílias. Acrescenta-se ainda que presença forte de camponeses deu base para o surgimento mais tarde de importantes lutas no campo do município de Mundo Novo. No final da década de 1960 a área territorial do município passou por importantes transformações com a instalação de projeto de colonização desenvolvido pelos governos militares nesta área de fronteira; o Projeto de Colonização Iguatemi. O Projeto Iguatemi possuía fins geopolíticos de ocupação mais intensa de áreas “vulneráveis” da fronteira do Paraguai, momento que houve o afluxo de camponeses despossuídos da terra das mais variadas regiões brasileiras. 1 - A formação territorial do município de Mundo Novo. A história do município nos conta que em 1953, chegou à região desse o migrante chamado Bento José Luís, mais conhecido pelo codinome Betinho. Um dos aspectos marcantes a seu respeito é a devoção religiosa. Betinho veio acompanhado de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima de um metro de altura, que serviu para fundar uma capelinha de estuque. 7 Começou a desenvolver sua roça, depois de desmatar uma pequena área de terra, passando por imensas dificuldades. Enfrentou o sertão de Mato Grosso e perigos existentes como a muitas onças e inúmeras serpentes venenosas que viviam na região. A mata fechada era um dos obstáculos, sendo que a sua locomoção por meio de picadas na mata com auxilio de animais (eqüinos) empregado no transporte. Na companhia de Bentinho havia apenas um aldeamento indígena (índios Caiuás) estimado em 600 famílias próximo a sua morada. Entretanto, apesar de lento, o povoamento de Mundo Novo teve como marco o ano de 1955, sendo impulsionado pela iniciativa do fazendeiro Adjalmo Saldanha, o qual, sua família possui uma grande área de terra nessa região. Conforme relato do pioneiro Sr. Sebastião Ferreira da Silva14, existia nesse local quatro fazendas: “Santa Isabel de Nicolau Zaiffer; Tapui - Porã de Sérgio Saldanha; Tapui-Cuê de Adjalmo Saldanha; e Eterna Vigilância de Eraldo Saldanha”. Essas fazendas eram para ser destinadas á exploração pecuária, no entanto, os proprietários optaram por colonizar. Para isso o fazendeiro Saldanha contou com a colaboração de seu administrador Oscar Zandavalle, o qual passou a ter a posse de 901 alqueires15. Dessa forma, passou a efetuar a venda de lotes a famílias que vinha do Estado São Paulo e Paraná, principalmente. No entanto, a pessoa de Oscar Zandavalle atuou durante o período de 1955 a 17 de junho de 1962, data em que foi assassinado em plena rua principal da vila (atualmente avenida Adjalmo Saldanha). Através da compra, muitas famílias adquiram pequenos lotes de terra em Mundo Novo nesse período. A família de José Furtuoso foi a primeira a se instalar na área onde hoje é município, conforme relata Silva (2008)“o primeiro sitiante que eu derrubei o mato para ele fazer a casa foi o Zezinho Furtuoso... isso foi de 1956 pra 57”. Outras famílias também se instalaram como a de “José Mesquita, Bento Muniz, Tatá, José Germini, Vilarino, Massu, João Mota, Simão de Jacarei, Narciso, Sebastião Pinto, Lurenço 14 15 O sr. Sebastião Ferreira da Silva, nascido em 15 de setembro de 1925, foi um pioneiro que nos prestou informação sobre o passado de Mundo Novo, pois ele se instalou nesse lugar em 04 de fevereiro de 1956. Apesar de ser originário de Estado de Minas Gerais, antes de sua vinda residia no município de Iporã-PR, ao chegar em Mundo Novo trabalhou como “picadeiro” para o fazendeiro Adjalmo Saldanha, atividade essa que já tinha experiência de outros lugares, com isso auxiliou nos trabalhos de demarcação das terras que foram loteadas, como também nas derrubadas, sejam essas para abertura de estradas ou para roças. (Entrevista Gravada em 17/09/2008). Conforme Sebastião F. Silva a unidade de medida dessa época era o alqueire mineiro “alqueirão”, ou seja, 7 Germano Klei, Vidal Damazio e João Cunha Bueno”16. A primeira atividade realizada por esses pioneiros fui a derrubada do mato, etapa motivada pela determinação, pois os instrumentos eram rudimentares tais como facão, foice, machado, traçador e principalmente a força de trabalho humana. A força de trabalho e a determinação foram determinantes para esse período. Para o trabalho havia muitas vezes a ajuda mútua e trabalho em equipe, pois não tinham recursos financeiros, prevalecendo a prática de troca de dias. [...] nós trocávamos dias era bonita a união naquele tempo, eu pegava empreitada e não pagava peão a gente trocava dia, naquele tempo não tinha moto-serra o primeiro que chegou aqui foi em 1967, quem trouxe foi o Pelico Boeira aqueles situante dali ficou 'todo mundo assim' para ver esse moto-serra. Aqui, onde é hoje a Avenida Adjalmo Saldanha, fizemos uma estrada que foi “tudo a unha”, depois foi enlarguecida e virou um campo de avião, teve um toco ali que demorou 8 dias para tirar[...] foi feito “tudo a unha”, depois veio o finado Otaviano a turma dos Mendes, e a gente juntamos, se ia fazer tal coisa, como arrumar as estrada, a gente marcava o dia e ia todo mundo. Era difícil, até o campo de bola foi feito a unha.17 Depois da derruba, iniciavam-se as roças, quando eram cultivados gêneros de primeira necessidade, ou seja, voltados para o autoconsumo. A produção de subsistência e autoconsumo se fizeram presente na vida dos camponeses de Mundo Novo desde o inicio da ocupação e apropriação da terra. Assim, cultivavam arroz, feijão, hortaliças, amendoim, café e a criação de pequenos animais. As variedades e características destes cultivos estão relacionadas à origem e ao modo de vida dessas pessoas, pois na maioria eram oriundas dos Estados de São Paulo com tradição no trabalho em fazendas de café, sob o sistema de colonato18. A experiência no cultivo do café sérvio para esta prática na área que se instalaram. Havia duas variedades de cafeeiros; a Sumatra e a Mundo Novo, cujas sementes tinham 16 17 18 era equivalente a 48.800 m2, o dobro do alqueire utilizado atualmente. Informação disponível na pagina 2 de <http://www.mundonovo.ms.gov.br/historia.htm> Trecho extraído da entrevista realizada em 17/09/2008. A maioria desses pioneiros eram agricultores despossuídos da terra que trabalhavam nas fazendas de café no Estado de São Paulo. Moravam nas chamadas colônias (vilas) dentro das próprias fazendas. Dessa forma, tinham como atividade principal o cultivo do café. A remuneração dos colonos nos cafezais era condicionada pelo rendimento da produção. Normalmente eram destinadas áreas específicas ou mesmo entre o cultivo do café para que esses cultivassem os gêneros de autoconsumo. 7 sido trazidas de São Paulo. Desta a última veio o nome da vila de Mundo Novo, pois antes era conhecida por Tapui-Porã (da língua tupi-guarani: Rancho Bonito), nome esse da fazenda de Saldanha. Essa fase da ocupação do território mundonovense tinha como base as atividades camponesas. Embora a produção camponesa era guiada por um conjunto de atividades, sendo essas “comerciais, artesanais e agrícolas”19. Entretanto, para esses camponeses pioneiros a sua subsistência passava pelas atividades agrícolas e artesanais, como a construção de ranchos (casas), preparo do solo (derrubada) e principalmente o cultivos de espécies que vinha a atender o autoconsumo. As atividades comerciais eram escassas. Isso se deve à condição física-geográfica, como a mata fechada, falta de estradas, meios de locomoção e a distância dos lugares de comercialização, sendo Guaíra-PR a cidade mais próxima e que atualmente é distante 20 km. Este trajeto era agravado pela passagem do Rio Paraná, pois tinham que atravessar as correntezas próximas à extinta Sete Quedas em embarcações precárias. Mesmo com esses obstáculos, aos poucos os colonos foram ampliando o comércio da produção com a cidade vizinha, Guairá, no Estado do Paraná, como esclarece Sebastião Silva: [...] mercadoria para nós aqui vinha lá do Porto Epitácio (São Paulo) no barco a vapor chamado Capitão Heitor e tinha outra lancha também, chamada Elmina... o primeiro comércio que tinha aqui era do João Cunha, em 1956, lá na boiadeira (localidade a 5 km da cidade), depois o segundo comércio que estabeleceu aqui foi o do Antônio Cirilo, em 1958, que vendia secos e molhados... Primeiro bazar pequeno era do Jovino e depois o do Antônio Borá... mas na maioria a gente tinha buscar em Guaíra, tinha que ir de bote...o primeiro que começou a comprar cereais foi o Messias Gomes, em 1959, aí a estrada estava por aí, então ele trouxe um caminhão, depois veio o Salvador Patrão e outros compradores de cereais, quem não vendia pra eles levava tudo de carroça lá no porto 19 Interpretamos aqui esse tripé da seguinte forma: atividades comerciais são aquelas que envolvem “dinheiro”, seja na circulação de sua produção M-D-M ou mesmo em trabalho remunerado, como o assalariamento temporário; atividades artesanais são aquelas que especificamente estão diretamente ligado ao trabalho, ou seja, na capacidade de transformação, porém podem ser direcionadas para o valor de uso ou de troca, por exemplo, a construção de uma casa para moradia assim realizada por ele e sua família esta posta como valor de uso e não de troca, outra situação é a montagem de um vidro de conserva (doces, pepino, etc.), que tanto pode consumi-lo, como também vende-lo; já as atividades agrícolas são aquelas que dependem diretamente da terra, seja no cultivo de gêneros ou na criação de animais, no entanto, o resultado dessas também podem serem trocadas ou consumidas. Há assim uma interlocução entre essas atividades, isto é, há uma dependência entre elas, principalmente entre as comerciais e agrícolas. 7 e vendia em Guaíra ou levava para o Estado de (Entrevistado em 17/09/2008) São Paulo Essa incipiente atividade comercial estava restrita aos produtos da agricultura, pois se tratavam de camponeses proprietários ou meeiros, parceiros, arrendatários e agregados que cultivavam roças. Plantando gêneros de autoconsumo e buscando produzir uma quantidade “excedente” do consumo familiar destinado ao comércio para aquisição de produtos como sal, querosene, tecidos, ferramentas, etc. Além do cultivo de gêneros alimentícios, outra atividade de extrema importância foi a criação de animais como aves, suínos e bovinos. A introdução da criação bovina ocorreu de forma lenta, pois a dificuldade na formação de pastagens e falta de recursos financeiros para aquisição das matrizes que tinha que vir do Estado de São Paulo através do Rio Paraná limitou a sua expansão. Dessa forma, a difusão maior da criação animal deu-se com os pequenos animais, tais como as aves e os suínos, isto devido o baixo custo para obtenção e maior facilidade no manejo, ou seja, tanto para cuidá-los e/ou para alimentá-los. Um importantíssimo fator na propagação da criação dessas espécies de animais foi na maneira de obtê-las, pois as famílias que iam chegando adquiriam animais das famílias mais antigas, através da compra, da troca por outros produtos e até doações, conforme relata o Sr. Sebastião “eu dei muito casalzinho de frango e de leitoinha para aquelas pessoas que era muito amiga da gente, alguns queria comprar, mas eu dava porque tinha bastante porco, isso era pra pessoas ir começando”. Além desses laços solidários, a criação desses animais ajudava na subsistência das pessoas, tanto no que diz respeito à alimentação, sendo que a carne, banha, ovos assumiam um papel fundamental no autoconsumo. Os suínos eram criados nos cercados de madeira rústica chamados de chiqueirões que normalmente eram construídos próximos aos riachos ou mesmo eram criados saltos ao redor dos quintais. A importância que representava essa criação fica evidente no depoimento do pioneiro entrevistado “eu mesmo tinha uma porcada que precisava ver... aí eu saí da fazenda tapui-cuê e vendi a minha porcada e comprei dois alqueires de terra do Oscar Zandavalli”. Isso revela também que independe do vínculo de posse (proprietário ou não) que as famílias tinham com terra, praticavam a criação desses pequenos animais e o cultivo 7 de autoconsumo. Desde a chegada dos primeiros pioneiros em Mundo Novo no ano de 1955 até 1967, quando se iniciou o Projeto Iguatemi de colonização, durante um período aproximado de 12 anos, a atividade agrícola de autoconsumo estava em disputa com o domínio do latifúndio especulativo, ou seja, de um lado os camponeses lutando em busca de conseguir um pedaço de terra através da compra, do outro lado, os latifundiários com o objetivo de extrair a “renda absoluta da terra”, pois o comércio de terra pelos fazendeiros era uma forma de operacionalizar o acumulo de capital. De alta fertilidade chamada de “terra roxa”, na época costumávamos dizer que “onde cuspíamos nascia um pé de feijão”. Coberta por florestas virgens, com muita madeira de lei e palmito, bem abastecida de água, tanto nas divisas como dentro da área, com muito peixe de qualidade; clima intermediário entre o tropical e o temperado, nos meses de maio a julho fazia frio a zero grau, as chuvas abundantes e bem distribuídas e topografia plana a suavemente ondulada. Essas características conformavam um cenário natural excelente para o desenvolvimento de atividades agrícolas em regime de exploração familiar, a respeito, comentávamos que “Pero Vaz Caminha escreveu a famosa carta ao rei de Portugal, de Iguatemi, porque lá em se plantando tudo dava” (RAMIREZ, 2006, p.63) (grifo do autor) Ramirez (2006) relata a paisagem natural destacando as excelentes terras propicias para o desenvolvimento de atividades agrícolas. Na citação acima, esse autor, faz referência as terras de Iguatemi do ano de 1967-68. Além da qualidade das terras, Ramirez (2006)20 destaca alguns pontos da realidade fundiária e social a que se passava nesse período. As terras eram em parte devolutas com ocupações irregulares. “O arranjo fundiário ou estrutura fundiária, ou ainda a ocupação territorial da área é que apresentava um quadro completamente desordenado, bagunçado e injusto, por esta razão chamamos de ‘Zorra Fundiária’ (RAMIREZ, 2006, p.63). Tal situação é representada pelo seguinte gráfico. 20 Julio Lazarraga Ramirez, foi funcionário do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do antigo IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) durante a sua passagem por estas instituições por um certo período fez parte da equipe administrativa do Projeto Integrado de Colonização Iguatemi, o qual, foi iniciado os trabalhos no ano de 1967. 7 Figura 3 - Gráfico da Situação Fundiária Antes do PIC-IGUATEMI Fonte: RAMIREZ, 2006, p. 63 Nesse gráfico apresentado por Ramirez (2006) podemos observar a existência de pequenas propriedades. Porém em relação com as outras classes de imóveis, a área que as pequenas propriedades ocupavam era muito pequena, ou seja, 6% do total. Além desta ocupação rural, na área existiam dois núcleos de concentração urbana (Mundo Novo e Japorã) “ocupando uma área de 154 hectares, com um total de 176 famílias residentes” (RAMIREZ, 2006, p.64). Com a implantação do Projeto Integrado de Colonização Iguatemi (PIC-Iguatemi), ocorreu várias mudanças na região como o aumento do contingente populacional, modificação na estrutura fundiária, interferindo no modo de produzir, enfim, o Projeto promoveu um conjunto de transformações sócio-econômicas. 2 - Projeto Integrado de Colonização Iguatemi e a colonização dirigida pelos militares Pertencente a região meridional do município de Iguatemi, o processo de ocupação de Mundo Novo, iniciou-se em 1955 pelos camponeses pioneiros, conforme tratado anteriormente. Os colonos adquiriram pequenas áreas de terra de fazendeiros, ou seja, de uma espécie de “colonizadoras particulares”. Entretanto, até o ano de 1967 eram poucas a quantidade de famílias que ocupavam essa área, realidade que foi radicalmente modificada a partir da implantação da “Colonização Dirigida” promovida pelo Governo federal. Tendo o Governo Federal, decidido promover a ocupação efetiva da região meridional do município de Iguatemi - uma longa faixa de fronteira - o então IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) se preparou para executá-la a tarefa. Pela portaria nº 521, de 21de 7 dezembro de 1966, foi criado o Distrito de Terras do Sul de Mato Grosso, que se instalou em Campo Grande a 16 de janeiro de 1967. Menos de dois meses depois, a 7de março, foi efetuada a desapropriação de grande área, por meio do Decreto nº 60316, modificado, no ano seguinte, pelo Decreto nº 63.631, de 10 de novembro de 1968. (HISTORIA DE MUNDO NOVO) A decisão do Governo Federal pela ocupação efetiva dessa parte do município de Iguatemi deveu-se, dentre outros motivos está relacionada ao processo histórico políticoeconômico ao qual se perpassava no interior do país e a intensas lutas dos trabalhadores rurais por reforma agrária. Esta região apresentava sérios problemas no seu quadro fundiário além da localização geográfica em área fronteiriça, situada ao extremo sul do Estado de Mato Grosso21 fazendo divisa com o Estado do Paraná e principalmente com o país vizinho o Paraguai. Considera-se ainda que esse local era visitado por turistas de várias partes do Brasil e do mundo. Acrescenta-se ainda que a área de fronteira do Paraguai pudesse se desdobrar em disputa, pois segundo tratado entre paises a divisa a Serra de Maracaju. A localização dessa Serra seria um motivo de questionamento entre o Brasil e Paraguai. RAMIREZ, (2006, p.64), aponta que esta demanda durou até que graças à ocupação ordenada pelos Incra promoveu os marcos de divisa que nunca mais foram alterados. Não apenas os limites fronteiriços, mas também relacionados à condição de fronteira, na visão de Ramirez a ocupação ordenada promovida pelos militares viria a solucionar outros problemas como o contrabando, por exemplo. Além desordem fundiária ocorria outros problemas com o contrabando de produtos entre os dois países, a extração de madeira ilegal, exploração de palmito e otras cositas más, praticadas por brasileiros e paraguaitos, parecia território sem dono e sem lei. Tal situação motivou para que a Comissão Nacional de Faixa de Fronteiras, subordinada à Presidência da República e o IBRA, na época comandada pelos generais do Exército, assinassem um convênio para reordenar o território e implantar um projeto de assentamento humano com fins de desenvolver atividades agrícolas em regime de agricultura familiar e acabar de forma definitiva com a bagunça generalizada presente na área. (RAMIREZ, 2006, p.64) 21 Na época pertencia ao Estado do Mato Grosso, porem com a divisão em 1977 passou a pertencer ao Estado do Mato Grosso do Sul. 7 Verifica-se assim, que a realização do Projeto possuía um caráter geopolítico, pois se tratava de garantir e legitimar as terras na área de fronteira, sendo essa uma questão de Segurança Nacional. Porém os distintos projetos de colonização dirigida e promovida pelos Governos Militares não devem ser interpretados apenas como uma questão de Segurança Nacional, e sim como uma questão mais ampla. Poderíamos dizer que os projetos de colonização dirigida devem ser compreendidos através da própria realidade da questão agrária brasileira, repleta de tensões sociais, conflitos, violências. O Projeto Iguatemi estava situado no interior da “militarização da questão agrária”, conforme destacou Martins (1980). 3 - Implantação do PIC - Iguatemi. O Projeto Integrado de Colonização Iguatemi, implantado no ano de 1967, tinha como objetivo colonizar a área meridional do município de Iguatemi, criando assentamento rural e núcleos urbanos. Essa região do projeto é localizada ao sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul que atualmente compreende os municípios de Mundo Novo e Japorã (figura -2). A sua implantação abrangeu uma extensão total aproximada a 73 mil hectares, que inicialmente se desenvolveu numa área de 42 mil hectares e tão logo foram incorporados mais 31 mil hectares. 8 Figura 4 - Localização do PIC -Iguatemi Para o procedimento metódico da implantação do projeto foi criada uma comissão multidisciplinar do IBRA - Instituto Brasileiro de Reforma Agrária que estava coordenada e liderada pelo engenheiro agrônomo Dryden Castro de Arezzo e participação ativa de outros técnicos, como, arquiteto Bención Timny, geógrafa Ângela Moraes Neves, professor Osmar Fávero, técnico em educação, Bernardes Martins Lindoso, procurador Mauro Fonseca, pedagoga Maria Pelegrini, arquiteto Celso Gomes de Oliveira, cartógrafo Hugo Carboggni e o agrônomo Júlio Lizarraga Ramirez. Apesar da participação de civis nessa equipe multidisciplinar, o projeto foi coordenado pela Diretoria Fundiária e foi executado pelo Distrito de Terras de Mato 8 Grosso, criado pela portaria nº 521, de 21de dezembro de 1966, que se instalou em Campo Grande a 16 de janeiro de 1967, chefiado principalmente pelos militares como esclarece Ramirez. O presidente do Ibra era o General Moraes; o diretor da DF era o Dryden Castro Arezzo e o chefe da DFZ-03,era o coronel Clovis Rodrigues Barbosa. O responsável pelos trabalhos topográficos era o capitão Freitas, que seguia a orientação do general Araújo, chefe da Cartografia da DF e os trabalhos de discriminação e arrecadação de terras na área era coordenada pelo capitão Chuchu. (RAMIREZ, 2006, p.65) Semelhante a uma “operação de guerra” foi iniciada a implantação do PICIguatemi, que com o Decreto nº 60.310, de 7 de março de 1967, regulamenta a desapropriação de uma área de 42 mil hectares, isto é, todos que ali tinha propriedades independente do tamanho ou forma que foi adquirida seriam desapropriados de suas terras. Foram desenvolvidas outras ações, a exemplo, do reconhecimento de toda a área, o cadastramento de todas as propriedades, e a realização de um censo dos moradores que respectivamente ocupavam as propriedades. Foi registrada a confrontação alegada dos terrenos, identificar os proprietários, reconhecida e examinada as documentações respectivas, conferida nos cartórios as escrituras e seus registros. Na medida em que se avançavam os trabalhos, iam sendo colocados em prática os Programas, por exemplo, o Programa da Organização Fundiária, Programa da Organização Territorial, Organização Administrativa, etc. Juntamente com esses três, outros programas também foram colocados em prática, sendo eles solicitados a medida da necessidade. No ano de 1967, foram executadas ações burocráticas e práticas relacionadas à estrutura fundiária, sob a coordenação do Capitão Chuchu. Foram efetuadas as atividades de desapropriação, arrecadação de terras e o reconhecimento de posses. Nesta mesma etapa e ano realizou-se pelo Departamento de Pedologia do Ministério da agricultura um estudo dos solos e dos recursos naturais. Dentre essas e outras atividades realizadas nesse ano estiveram participando pessoas da própria região que foram selecionados e enviados ao Rio de Janeiro para o fim de freqüentarem um curso de formação de topógrafos. Estes passaram a auxiliar nos trabalhos topográficos, na execução de mediações, na elaboração de mapas e plantas, que puderam ser confeccionados a partir dos levantamentos 8 topográficos. Estes trabalhos se apoiaram no registro aerofotogramétrico da região efetuado pelos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul. Além dos topógrafos participaram outras pessoas, tais como, os balizeiros e mateiros para abertura de centenas de quilômetros de picada na mata. Somente com a disponibilidade desses dados e a execução das atividades acima, se poderia planejar e efetuar a nova divisão da área. Nota-se ainda que esse planejamento deveria projetar uma subdivisão, tal que, resultasse um número certo de parcelas rurais, e também lotes urbanos, com extensão variável, mas sempre dentro de certos limites, de modo a permitir distribuição proporcional ao número de pessoas de cada família. Com o andamento das atividades fundiárias e territoriais, foram organizadas equipes técnicas e administrativas que inicialmente estava composta de 40 servidores: um administrador; um engenheiro agrônomo coordenador do Setor Técnico; cinco técnicos agrícolas no Grupo de Atividades Agrícolas; oito técnicos em Desenvolvimento Comunitário (topógrafos treinados) no grupo de Atividades Sociais; um engenheiro civil e dez topógrafos no Grupo de Infraestrutura; um contador, coordenador do Setor Administrativo; dois auxiliares administrativos no Grupo de Material e cinco motoristas; quatro auxiliares administrativos no Grupo de Finanças. Além dessas eram contratadas outras pessoas por empreitadas (serviços eventuais), fazia parte da organização administrativa o Conselho do Projeto formado por representantes do assentamento. (RAMIREZ, 2006, p.66) Durante essa fase de implantação do projeto era notável o rigor e a disciplina militar conforme afirma Ramirez (2006, p.65) “as coisas tinha que acontecer, pois, o coronel Clovis sempre lembrava que ‘a programação prevista tem ser cumprida sem dúvidas nem murmuras, custe o que custar’”. Acrescenta-se ainda que“o coronel Clovis fixou nos acessos à área, placas com os seguinte dizeres: ‘Aqui o impossível é realizado. Milagre demora um pouco’” (p. 67). Sendo dirigido por militares, o Projeto era executado como uma operação de “guerra” em nome da Segurança Nacional. Procurou-se proteger toda área contra a invasão por parte de novos ocupantes. Para isso, foi organizado um Serviço de Segurança, que emitia documento de identidade aos moradores e funcionários, e chegou a montar postos de guarda nas entradas da área. (História de Mundo Novo) 8 De certo forma esta prática acelerava o andamento dos trabalhos, sendo que durante o ano de 1968, foi projetada a divisão dos lotes com base nos levantamentos efetuados no ano anterior. Os militares procuraram acatar a situação da ocupação que foi encontrada e cadastrada, desde que ficasse respeitado o módulo estabelecido para a região (23 ha). Nesta mesma ocasião foram demarcados dois centros urbanos: Mundo Novo e Japorã, além de uma área destinada à reserva florestal somando um total de 8.000 hectares. Várias atividades aconteciam de forma simultânea, tais como, a demarcação das parcelas, abertura de estradas vicinais era acompanhada pela construção de algumas edificações (casas e outras edificações). Ao mesmo tempo, precedia-se, a regularização das documentações de posse, tendo sido arrolados 428 pessoas consideradas como futuros parceleiros. Uma comissão, especialmente nomeada, foi incumbida de avaliar as propriedades cadastradas, tendo apresentado um total de 382 laudos. A primeira grande área desapropriada foi assim batizada de “Consolidação”, e a segunda de “Extensão”. Com a execução de alguns Programas da metodologia em prática, aos poucos foram se desenhando a estrutura fundiária e territorial, conforme as seguintes tabelas: Tabela 3 - Organização Fundiária da área de Consolidação AREA DE CONSOLIDAÇÃO DISTRIBUIÇÃO 817 parcelas AREA em ha. 25.803,06 Núcleo Urbano de Mundo Novo 625,52 Núcleo Urbano de Japorã 178,55 Reserva Florestal 6.571,81 Solos hidromóficos 7.378,74 Área do Exército Brasileiro (Quartel) Área do INCRA (Administração) Área de 41 Escolas Rurais 64,46 4,73 15,60 Estradas 479,89 Fazenda Tapuí-Cuê 856,47 TOTAL Fonte: História de Mundo Novo 41.978,83 8 Nota-se na tabela-1, que na área de Consolidação foram projetadas 817 parcelas para uma área de 25.803,06 hectares, o que seria uma média de 31 ha para cada parcela. No entanto, o parcelamento não ocorreu de forma homogênea, ou seja, as parcelas foram divididas em diversos tamanhos, sendo que algumas chegaram a aproximadamente 100 hectares. Entre as áreas Consolidação e Expansão foram parcelados uma área de 33.520,70 hectares, comparando a tabela 1 e a 2. Tabela 4 - Organização Fundiária da área de Expansão ÁREA DE EXPANSÃO DISTRIBUIÇÃO AREA em ha. 203 Parcelas 7.717,64 Núcleo Urbano de Jacareí 49,29 Reserva Florestal 150,97 Área da FUNAI 1.639,89 Áreas excluídas *22.035,35 TOTAL 31.593,14 Fonte: História de Mundo Novo Na área de Expansão foram destinados 7.717,64 ha para um número de 203 parcelas, hipoteticamente o tamanho das parcelas ficaria entorno de 38 ha para cada uma, maiores que as da área de Consolidação. Referente a essa questão de dimensão na área de Expansão do projeto (tabela 2), nota-se a existência do item ‘áreas excluídas’, isto é, significa que não foi parcelada uma área de 22.035,35 ha, desse número 5.508,58 ha foram destinadas à reserva florestal, porém ficaram 16.526,77 ha, excluídas do parcelamento, sendo a sua utilidade é revelada ao observar a organização territorial dessa área (tabela 3). Tabela 5 - Organização Territorial das áreas de Consolidação e Expansão ORG. TERRITORIAL DA ÁREA DE CONSOLIDAÇÃO QUANTIDADE TERRITÓRIOS 02 Núcleos Urbanos 3200 Número de lotes neles contidos 817 Parcelas 01 Área do Exército Brasileiro 01 Área Excluída (Fazenda Tapuí-Cuê) ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DA ÁREA DE EXPANSÃO 01 Núcleo Urbano 349 Número de Lotes nele contido 8 Parcelas Áreas Excluídas 203 12 Fonte: História de Mundo Novo De modo geral, a organização territorial do PIC-Iguatemi ficou estrutura em 03 núcleos urbanos Mundo Novo, Japorã e Jacareí contendo neles um total de 3.549 lotes. Na área rural foram projetadas 1020 parcelas. A conclusão das tarefas de organização fundiária e territorial nas áreas de Consolidação e Expansão não se concretizou de forma simultânea, ou seja, durante o ano de 1969, prosseguiram os trabalhos, de demarcação de parcelas. Nesse mesmo ano foram selecionados, 224 candidatos às parcelas que já estavam disponíveis, iniciando assim, outra atividade denominada Programa de Assentamento de colonização. 4 - Ocupantes do Assentamento Rural do PIC - Iguatemi. O termo assentamento rural, conforme Leite (2005) parece datar de meados dos anos 1960, muito utilizado nos relatórios de programas agrários na América latina para determinar a transferência ou alocação de determinados grupo de famílias de trabalhadores rurais despossuídos da terra. No Brasil, tal definição esteve atrelada a uma atuação estatal direcionada ao controle e a delimitação do novo “espaço” criado. Mas, aqui os assentamentos rurais são característicos dos processos de lutas e conquistas da terra, encaminhados pelos trabalhadores rurais. Entretanto, o termo assentamento rural possui várias definições, tais como: Projetos de reforma agrária (oriundas da atuação do governo sob a vigência do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA, 1985, 2002); reassentamentos (derivados da realocação de população rural em função da construção de usinas hidrelétricas, especialmente durante os anos de 1980); projeto de colonização (do programa oficial de colonização, ocorrida, sobretudo, no período de 1970-85); projetos de valorização de terras públicas (fruto da ação de distintos governos, principalmente estaduais, na utilização de recursos fundiários públicos de reforma agrária, prática em voga durante anos 1980); e, ainda, reservas ou projetos (agro) extrativistas (advindos dos planos de demarcação de reservas, com ênfase na região Nordeste do país, a partir das décadas de 1980 e 1990. (LEITE, 2005, p.44/45). 8 Dentre as várias definições que se emprega ao termo assentamento rural, o projeto Iguatemi se enquadra numa proposta de colonização. Cabe aqui destacar que os assentamentos rurais dos projetos de colonização possuem diferenças com os dos projetos de reforma agrária22, ou seja, assumem conotações políticas diferentes23, particularidades essas que não entraremos em detalhe nesse momento. O Assentamento de Iguatemi reuniu camponeses que ali já morava; expulsos do campo com a política econômica e a modernização da agricultura, camponeses atingidos por barragens no sul do país e outros de situações conflituosas como os do Sudoeste do Paraná e de Santa Fé do Sul em São Paulo, como aponta a tabela 4. Tabela 6 - Assentados no PIC - Iguatemi ASSENTADOS NO PIC IGUATEMI Origem Moradores da região Famílias selecionadas no período de 1969-1970 Santa Fé do Sul, SP (Convênio com FETRASP e Igreja Metodista do Brasil) Sudoeste do Paraná (Convênio com GESTOP) Passo Fundo – RS (Convênio com a ELETROSUL) TOTAL Nº de Famílias 454 405 43 33 85 1.020 Foram (re) assentadas 454 famílias que já residiam na área loteada. Dentre estas, várias já eram proprietárias na área, isto é, os pioneiros que ali tinham adquirido terra 22 23 Mesmo os assentamentos rurais que são derivados de projetos de reforma agrária são diferentes, entre si, seja: na forma de conquista através da compra, a exemplo, os do Banco da Terra ou das lutas sociais (movimentos e sindicatos); na forma de regimento coletivo e individual; na extensão dos lotes de terras, ou sejam, uns obedecem outros não, o modulo rural estabelecido; na esta na estrutura física, com boas moradias, água encanada, luz elétrica, estradas, transporte escolar e etc., ou até mesmo, assentamentos que não possuam mínimas condições de sobrevivência. Diante da diversidade de assentamentos rurais considerados de projetos de reforma agrária pode se dizer que não possuem homogeneidade na questão de perfeição, entretanto, em nossa opinião vemos que assentamento “perfeito” de reforma agrária, são aqueles disponibilizam de condições estruturais que possibilita o assentado desenvolver as suas atividades de modo que garanta a sua sobrevivência e reprodução social e econômica, e principalmente, tenha a garantia de sua autonomia. Não basta apenas, distribuir “pedaços” de terras, muitas vezes impróprios para cultivo agrícola ou mesmo em lugares de difícil acesso e falar que isso é assentamento rural de reforma agrária. Os assentamentos de colonização de modo geral são dispostos para atender os interesses de grandes grupos econômicos, isto é, contribuindo na expansão do capitalismo em áreas antes “inexploradas” economicamente. Já os assentamentos de reforma agrária, disseminados a partir das lutas dos trabalhadores rurais sem terra, tem-se constituídos nas áreas aonde são mais intensas as relações capitalista, a exemplo, nos estados do Centro-Sul, RS, SC, PR, SP e MS que foram realizadas as primeiras ocupações de terra, concentrado, assim também, maior número de assentamentos. 8 através da compra e foram desapropriadas. Outras famílias eram de arrendatários que trabalhavam em terras alheias, bem como famílias constituídas de trabalhadores rurais que não pertenciam a essas categorias (proprietários ou arrendatários). Em outros casos as famílias eram deslocadas para outros lotes (parcelas), às vezes contra-vontade das pessoas removidas. Nem sempre era pacífica essa remoção, mas não havia confronto ou alguma organização em massa, até porque esse processo era executado pelos militares (Exército Brasileiro). Mas havia a latência do conflito como relata o Sr. Silva. O Incra me desapropriou, depois o capitão Chuchu ainda me mandou tirar terra no Paraguai. Aí eu falei para ele, oh capitão! Dizem que a terra no Paraguai boa e a proposta do senhor também é boa, mas o errado fui eu né, aí ele disse por quê? Eu disse pra ele , quando eu trabalhei no cabo do machado para comprar esses dois alqueires aqui, não imaginava que o Brasil não me cabia, capitão o senhor faz o seguinte, me pegue com as duas mãos e me põe lá na estrada, mas não jogue com força se não me machuca. Daí então ele me deu dois alqueire. (Depoimento de Silva, 2008) Embora seja um relato carregado de ironias, no entanto, retrata a realidade da época, ou seja, como se sentia os camponeses que ali tinha adquiridos o seu pedaço de terra e depois se viu na condição de desapropriado, mesmo sabendo que seria (re) assentado. Tal situação de desapropriação foi recebida de forma insatisfatória por parte de alguns proprietários, fazendo com os trabalhos de imissão de posse sofressem varias delongas e atrasos. Primeiro, porque muitos dos proprietários expropriados não se conformaram e recorreram a Justiça, visando receber indenizações maiores que a estipulada. Vários proprietários impetraram Mandado de Segurança, cuja liminar, entretanto, não foi concedida, sobretudo quando se tratava de pequenos proprietários. Durante o período de 1969-70 foram selecionadas famílias que haviam chegado a Mundo Novo no período da implantação do projeto. Dentre essas, 405 conseguiram ser alocadas, conforme aponta Ramirez (2006, p.68) “quando realizamos o processo de seleção houve muitos candidatos. A maioria ficou perto da área, realizando trabalhos esporádicos, aguardando a ampliação do projeto, outros entraram no Paraguai”. Essas famílias eram de 8 parentes e principalmente amigos das outras que já moravam a mais tempo na área.24. Entretanto, cabe aqui lembrar o contexto que estava inserido essas pessoas que migravam para essa região nesse período, pois alguns vieram do interior do Estado de São Paulo e do Estado do Paraná, especialmente do Norte e Noroeste. Estes trabalhadores rurais estiveram por um bom período empregado no cultivo do café, formando cafezais, cultivando como colonos. No entanto, nos anos de 1960, o setor cafeeiro entrou em crise, época que se se instala no país o Governo Militar e implanta uma política agrícola baseada na modernização da agricultura. As pequenas propriedades, com áreas entre 10 a 15 hectares e até menores, foram incorporadas por empresários ou subordinadas a estes. Passaram a predominar áreas de no mínimo 50 hectares, substituindo grande parte dos cafezais por cultivos de soja e trigo (BATISTA, 1990, 170). A erradicação do café e a substituição dessa cultura por outras ou pela pecuária, especialmente, no noroeste e norte do Estado do Paraná, fizeram com que inúmeras famílias migrassem para outras regiões, quando não para o país vizinho o Paraguai, na busca de novas terras a serem desbravadas como as do Estado de Mato Grosso e Rondônia. Para os camponeses expulsos do campo com a política da modernização da agricultura, uma das poucas alternativas existentes seria se sujeitar a proletarização ou migrar para novas áreas para continuar como camponês, considerando que nessa época os militares procuravam conter qualquer manifestação social. As lutas e os conflitos pela terra que existiam nesse período haviam sofrido intervenção dos militares. Para minimizar os conflitos em alguns casos ofertavam terras em outras regiões como foi no caso de projetos de “colonização dirigida”. Originárias do conflito do conflito no Sudoeste com o GETSOP (grupo executivo de terras do sudoeste do Paraná), foram assentadas 33 famílias. Nas regiões de Pato Branco, 24 MOLINA, Maria Ignez Guerra. Migração Rural-Rural: analise sociológica da migração dos Parceleiros do Projeto Iguatemi. Piracicaba: USP, 1970 (Tese de Doutorado). Ao descrever sobre os meios de comunicação na migração dos parceleiros do Iguatemi, destaca que as “relações interpessoais têm grande importância na decisão de migrar e na escolha de uma comunidade de adoção e são, também um meio de comunicação muito utilizado pelos migrantes” (p.126) como também, apresenta um quadro destacando os meios de comunicação utilizados pelos migrantes que ocuparam esse lugar, que através de “ jornal 0%, parentes 14%, amigos 57,5%, corretor 6,6% e outros 14%” (p.129), vê-se uma proporção de 8 Francisco Beltrão e Capanema ocorreu no ano de 1957 a chamada Revolta dos Colonos, localidades essas que foram ocupadas principalmente por colonos sulistas (de Santa Catarina e Rio Grande do Sul) que iam comprando terras de Companhias Colonizadoras. Entretanto, ali a situação era extremamente confusa, pois se tratava de uma área litigiosa entre o governo da União e o governo estadual, pois ambos os governos fizeram concessões de terras que eram vendidas pelas Companhias imobiliárias. Nesta região sudoeste os camponeses se organizaram contra a violência cometida pela Cia. colonizadora, como descreve Martins (1981). Em outubro houve a revolta, conclamada para resistir a um ataque geral de jagunços da Citla, a empresa ligada a Lupion. Os camponeses formaram assembléias Gerais do Povo em Pato Branco, Francisco Beltrão, Capanema e Santo Antônio. Juntas Governativas foram eleitas em todos esses lugares. Só em Beltrão, 4.000 camponeses marcharam sobre a cidade. As autoridades locais fugiram. Estações de rádio foram tomadas, após negociações com o chefe da Policia Militar nas várias localidades, as juntas governativas se dissolveram. (MARTINS, 1981, p. 75). A violência se perdurou na região com apoio do governo Lupion, que tinha proximidade com o governo Federal. A situação só começou a mudar após 1961 com a saída de Juscelino Kubitschek da presidência. Em 1962 foi criado o GETSOP (Grupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná), entendido Martins (1983, p.21-22) como um “precedente da intervenção militar nas lutas rurais”, pois o “GETSOP era um organismo ligado a Casa Militar da Presidência da República, fato que já indica o envolvimento militar na questão da terra” antes mesmo do próprio golpe militar de 1964. Somadas ás famílias do sudoeste paranaense se juntaram outras 43 famílias originárias de Santa Fé do Sul, no Estado de São Paulo que também foram assentadas no projeto Iguatemi. Em Santa fé, havia conflitos entre camponeses e fazendeiros, em 1959/60. A situação ali foi peculiar porque se tratava de arrendatários que legalmente não podiam reclamar reconhecimento de posse da terra. Mesmo assim, diante da possibilidade dos camponeses serem despejados, com a participação de integrante do Partido Comunista, foram desenvolvidas lutas em torno da prorrogação dos contratos de arrendamento. 71,5% para parentes e amigos se quiser considerar as relações informais. 9 Os camponeses arrendatários de Santa Fé do Sul que trabalhavam na derrubada das matas e formação de pastagens não tinham para onde ir com o fim dos arrendamentos e passaram a protestar contra a expulsão da terra. Decidiram arrancar o capim que haviam plantado. Se o capim era o motivo da não-prorrogação do contrato com a “operação arranca-capim”. (MARTINS, 1981, p. 76) O desfecho do movimento deflagrado em 1959/60 não foi satisfatório, pois os camponeses foram derrotados nos tribunais; expulsos da terra e os lideres do movimento foram presos. Assim, outro movimento social de pequenos arrendatários foi desencadeado em 1968 e 1969 na mesma região, quando surgiram tensionamentos pelo mesmo motivo movimento anterior de 1959/60, o adiamento dos contratos. Na analise de Chaia (1997), esse movimento foi adquirindo especificidade própria porque em alguns momentos foi “dirigido” pelo Sindicato, pelo IPPH (Instituto Paulista de Promoção Humana), INTEC (Instituto Noroeste de Trabalho, Educação e Cultura) já precedido pelo CTA (Centro de Treinamento Agrícola), sendo que estas entidades estavam ligadas á igreja católica (Diocese de Lins). Mais tarde o movimento dos arrendatários se vinculou à Igreja Metodista. Uma das medidas tomadas foi a criação da Cooperativa Agrícola Mista de Santa Fé do Sul em janeiro de 1969, que tinha como objetivo organizar os trabalhadores e possibilitar a compra das terras em questão. Além disso, foi elaborado o documento denominado “Clamor de Justiça – Reforma Agrária”. A reforma agrária, proposta nesse documento sugeria a desapropriação da área conflituosa, pois estaria assim amparada pelo Estatuto da Terra. O governo deveria adquirir, dividir e distribuir a terra entre os arrendatários. Mais tarde esta área foi inundada com a construção Usina de Ilha Solteira, impossibilitando desapropriação para o assentamento das famílias. Os arrendatários foram expulsos da área, mas se recusaram sair de Santa Fé, ficando alojados em casa de amigos, pois a sua permanência era para pressionar a FNT e o Governo a encontrar uma solução para a situação criada, quando foram transferidas para o projeto Iguatemi. Foi nesta ocasião que o Governo Costa e Silva resolveu o conflito, oferecendo a possibilidade de compra de terras pelos arrendatários, 9 financiada em um prazo de 20 anos, por meio de prestações anuais. O governo deu um prazo de carência de dois anos para que os arrendatários se estabelecessem nas novas terras. As famílias que aceitaram foram transferidas para os lotes, que faziam parte do Projeto de Colonização do Incra, em Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul. (CHAIA, 1997, p.43) Outro grupo de famílias foi reassentado no Projeto Iguatemi (85 famílias), ou seja, aquelas que tiveram suas terras inundadas pela Represa Passo Real, projetada pela Eletrosul, na bacia do Rio Uruguai, no Estado do Rio Grande do Sul. “No caso das barragens hidrelétricas, a desapropriação baseia-se no principio legal da utilidade pública. Por isso, a luta contra as barragens configura-se como a luta contra a expropriação feita pelo Estado em nome da sociedade” (GRZYBOSWKI, 1991, p.25). Os camponeses reassentados, nos anos de 1980, desencadearam uma serie de lutas contra as construções de barragens de forma organizada no MAB (Movimento de Atingidos por Barragens). No entanto, essas lutas não eram contra o latifundiário, ou empresas industriais, comerciais e financeiras, mas contra a inundação das suas terras pelas águas de das hidrelétricas. A defesa da terra e oposição as barragens aparecem como uma defesa de um espaço social e culturalmente organizado, com relações de parentesco, vizinhança e amizade, com suas escolas, igrejas e cemitérios. A área de instalação do assentamento do Projeto Iguatemi era considerada pelo Governo Federal como área de Segurança Nacional, dada a sua proximidade com o Paraguai. Por este motivo os militares controlavam tanto as zonas fronteiriças e as atividades do projeto, como também interferiam em situações que envolviam a questão agrária a nível nacional. 5 - A organização social e produtiva dos camponeses no PIC-Iguatemi. Antes de explicar essa organização social e o que foram essas UATP (Unidades Agrárias de Trabalho e Produção) cabe aqui destacar que os referenciais bibliográficos consultados são Molina (1970), Petrone (1974), Mundo Novo (2000) e Ramirez (2006). Petrone (1974, p. 88) no “I Encontro Nacional de Geógrafos” exemplifica “a utilização da Metodologia adotada pelo INCRA, com o Projeto Iguatemi, localizado ao Sul de Mato Grosso”. O autor faz uma previa avaliação do projeto e declara na época a 9 metodologia adotada como algo racional. Considerando a necessidade de se testar uma metodologia de execução de Projetos, adaptadas a realidade de um país em desenvolvimento como o Brasil, onde os recursos humanos e materiais devem ser utilizados da maneira mais racional possível, e dentro de um critério de máxima economicidade para obter o máximo rendimento; considerando ainda, os fatores distância, dispersão da população, recursos técnicos e financeiros disponíveis, optou-se por organizar a população em Unidade Agrárias de Trabalho e Produção (UATPs) a fim de permitir uma efetiva colaboração dos beneficiários no desenvolvimento do Projeto. (PETRONE, 1974, p.89) Na medida em que se foi constituindo o assentamento, era dada continuidade na a implantação e desenvolvimento da metodologia que estava prevista pelo governo federal para esse Projeto. Uma das primeiras atividades seria a Organização Social dos assentados, sendo uma das medidas a criação das UATP. Antecedendo as UATP, foram criadas as U.B.O. (Unidades Básicas Operacionais), que já era descrita como sucesso nos projetos de colonização. Outro elemento de notável influencia no feliz sucesso do Plano, foi à criação de 60 Unidades Básicas Operacionais, entregues a responsabilidade e à operosidade dos próprios parceleiros. Dava-se, assim, início à organização sócio-econômica da comunidade, que passou a agir graças ao trabalho dos agricultores e pecuaristas, que a integravam. (História de Mundo Novo) Para Ramirez (2006), a metodologia adotada é vista de forma apologética que despertou interesse por várias instituições. A organização social dos assentados foi à chave principal para o sucesso do projeto, chamando a atenção de muitos órgãos, instituições e universidades que realizaram várias pesquisas e estudos. Como foi o caso da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), IPEA, Projeto Rondon, Bolsas de Cereais de São Paulo, SNI, Escola Superior de Guerra, PUC/RJ, entre outras...(RAMIREZ, 2006, p.68) A implantação das U.B.O (Unidades Básicas Operacionais), ficando mais conhecida por UATP (Unidades Agrárias de Trabalho e Produção) norteou a organização social dos 9 parceleiros, sendo formandos grupos de 6 a 12 famílias que constitui uma UATP. Todos os membros (chefes de família) tinham uma tarefa específica dentro da Unidade Agrária. Era uma responsabilidade com a comunidade como, por exemplo, chamados de encarregados, pela saúde, habitação, crédito, comercialização, desmatamento, infra-estrutura, distribuição de sementes, comunicação, controle de ocupação, etc. Apostando nessa metodologia, são projetadas as UATP na área do Projeto. Dessa forma, a área do projeto foi dividida em quatro glebas disposta as Unidades. Na primeira área do Projeto (chamada de Consolidação) foi formado um número de 95 Unidades Agrárias, como demonstra na figura -3, constando em cada, um número de 6 a 12 parceleiros. Figura 5 - Distribuição e Localização das UATP na Área de Consolidação O critério utilizado na formação dos grupos foi apenas a proximidade residencial (o de vizinhança). Havia reuniões periódicas ou quando se fazia necessária, seja ela da Unidade como um todo ou com parte dos encarregados. Comunicação - responsável pela convocação de reuniões, transmitir avisos da administração para os membros da Unidade e vice-versa (pelo critério de escolha adotada por eles, recaía no assentado que tinha maior número de filhos, segundo os assentados, quem tinha maior número de filhos podia convocar reuniões em menos tempo em caso de urgência); Agricultura - responsável pelos 9 levantamentos de necessidades de insumos agrícolas, áreas de plantio, organização de mutirões para colheitas, etc.; Educação – responsável pela freqüência de crianças na escola, realização de mutirões para conservação das escolas, etc. Assim por diante em outras atividades como, saúde, infra-estrutura, comercialização, crédito, habitação, cooperativa e representante no Conselho. (RAMIREZ, 2006, p.69) De acordo com Molina (1970) na visão do INCRA a instituição dessas Unidades Agrárias tinha a pretensão que fossem um instrumento da qual os parceleiro progressivamente, se entrosassem no processo de tomada de decisões e desenvolvimento da comunidade. Nessa mesma direção, Ramirez (2006) complementa que cada grupo teria participação junto à administração do Projeto para pleitear, sugerir, cobrar e assumir as atividades inerentes a sua implantação. Por outro lado, essas UATP eram regidas por um documento chamado “Normas de Funcionamento” (MOLINA, 1970, p. 169) que prescrevia os objetivos, o desenvolvimento dessas Unidades, como também as atribuições de cada encarregado. Por exemplo, o encarregado de infra-estrutura tinha as seguintes atribuições: a) comunicar ao Supervisor Técnico sobre a necessidade de abertura e conservação de estradas, de ponte, etc.; b) promover “mutirões” para a construção de moradias, consertos de estradas, pontes, etc; c) solicitar providência do Supervisor Técnico quando houver dificuldades na identificação de divisas; d) promover periodicamente a limpeza das divisas com a participação dos integrantes da Unidade; e) fiscalizar a conservação dos marcos. Mas, a participação dos parceleiros limitava-se mais a execução de tarefas do que às decisões inerentes a administração do Projeto. Além disso, a implantação desse modelo organização social, ocorreu de forma submissa, demonstrando que estava prevista na própria implantação do Projeto, pois já havia sido viabilizada pelas as atividades anteriores ao assentamento. A submissão correu desde o inicio do processo de desapropriação, conforme aponta Molina (1970, p. 52) “mesmo aqueles que já residiam na área há 5 ou 10 anos, que nela queria permanecer, só poderia fazê-lo sujeitando-se a certas condições básicas [...] no sistema social em questão”. O modelo imposto não restringia apenas à cobrança na participação dos parceleiros 9 nos trabalhos comunitários, mutirões, fiscalização e levantamentos. Estendia-se também à produção. Uma das primeiras medidas foi à intervenção no setor agrícola que em 1969/70 institui a chamada Programação de Emergência. Esta programação teve um caráter experimental baseado em informações técnicas e sociais (solos, clima, aproveitamento de área, tradição agrícola dos parceleiros) foram escolhidas as culturas de “milho, com 28% da área total cultivada; arroz, 22%; soja, 21%; feijão, 10%; amendoim, 8%; algodão 7% e trigo 4%” (MOLINA, 1970, p. 44). A padronização dos cultivos a implantação das Unidades Agrárias foi assimilada para desenvolver o associativismo com uma produção em escala, semelhante a uma empresa agrícola. Não é possível afirmar que foi criada entre os parceleiros uma nova mentalidade, mas sim sujeição. Isso porque essa organização foi imposta e obrigatória. Aos mesmos moldes de imposição foi implantada a CAMPAI (Cooperativa Agrícola Mista do Projeto de Assentamento Iguatemi Ltda.), sendo todos os parceleiros associados e tendo que comercializar a produção com a Cooperativa. Foi estimulado pelo governo no projeto Iguatemi um modelo agrícola totalmente integrado ao mercado, sendo o primeiro passo para isso, a padronização dos cultivos, ou seja, praticamente todos parceleiros deveriam cultivar as mesmas espécies. Não houve estímulo à produção para o autoconsumo das famílias assentadas no projeto. A partir dessa circunstancia é que se implantou a empresa cooperativa (CIRA Cooperativa Integral de Reforma Agrária), prevista inclusive no Estatuto da Terra (Capitulo I, artigo 4º, parágrafo VIII) para as áreas de colonização, como foi o Projeto Iguatemi. "Cooperativa Integral de Reforma Agrária (CIRA)", toda sociedade cooperativa mista, de natureza civil, (...) Vetado (...) criada nas áreas prioritárias de Reforma Agrária, contando temporariamente com a contribuição financeira e técnica do Poder Público, através do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, com a finalidade de industrializar, beneficiar, preparar e padronizar a produção agropecuária, bem como realizar os demais objetivos previstos na legislação vigente; A instituição da CAMPAI, exemplo de CIRA (Cooperativa Integral de Reforma Agrária) tinha como função principal ser um mecanismo de inserção do parceleiro no sistema capitalista. No entanto, tinha ele que organizar sua atividade econômica segundo os critérios da racionalidade do capital. Um dos primeiros passos foi ter uma “produção em 9 escala”. Apesar de a CAMPAI assumir a comercialização e disponibilizar crédito, esta cooperativa não ofereceu benefícios significativos aos parceleiros, pois ela monopolizava a aquisição dos produtos agrícolas dos parceleiros assentados. Com exceção a um limite de crédito disponível e a comercialização não foi desenvolvida por essa Cooperativa nenhuma outra política. Assim, a cooperativa era como uma grande empresa comercial atuando dentro da racionalidade capitalista. Tal relação foi possível de ser empreendida porque para ter direito á terra os camponeses tiveram que se enquadrar nas determinações do sistema implantado. Mas, os camponeses, ao comercializar a produção agrícola exclusivamente com a cooperativa, desenvolveram um conjunto de atividades agrícolas não comerciais vinculadas ao autoconsumo das famílias, caracterizando uma produção não-capitalista. Isso ia ao contrário daquilo que projetava o governo e a cooperativa, ou seja, pequenos agricultores empresariais vinculados á dinâmica capitalista de produção. Neste sentido, embora não houvesse lutas e mobilizações no assentamento Iguatemi, este território, embora dominado pelo Exército, apresentava conteúdo de resistência à relações capitalistas de produção. 6 - Imposição e estratégica de defesa na produção agrícola dos parceleiros. A área de terra distribuída para cada família no Projeto Iguatemi levava em consideração o número de membros da família. Mas, foram também assentadas no Projeto Iguatemi famílias que não tinham nenhum recurso econômico e outros que possuíam algum recurso financeiro. Aqueles que possuíam pouco recurso financeiro normalmente eram encaminhados para a atividade agrícola, isto é, recebia uma quantidade de terra proporcional ao tamanho da família, e com o mínimo de subsídio 25 . Aqueles de maiores posses poderiam optar pela pecuária, ou seja, para esses, a área de terra ofertada não obedecia necessariamente o tamanho da família, mas sim a vocação e a disponibilidade econômica. Havia para estes um volume maior de crédito e até mesmo a 25 Apenas no primeiro ano que o parceleiro entrava na terra recebia uma determinada quantidade de mantimentos que às vezes esse fornecimento era suspenso antes mesmo do parceleiro realizar a sua primeira colheita. Depois nos próprios primeiros anos foi disponibilizada as linhas de crédito, entretanto, com limitação e para determinadas culturas, como também, não estendia para a criação de gado, estava 9 dispensa da obrigatoriedade na comercialização da produção com a cooperativa. Os camponeses não-pecuaristas cultivavam soja, amendoim, algodão, milho de acordo com a orientação da cooperativa. Outro produtos também eram cultivados mas não tinha muita aceitação comercial como feijão, o arroz, trigo, alem de tubérculos, hortaliças e plantas frutíferas. Se por um lado, de modo geral os camponeses pioneiros tinham dificuldade em comercializar sua produção, com a implantação do Projeto Iguatemi, houve alguns avanços. Isso diz respeito à infra-estrutura como a construção de estradas que facilitou o transporte da produção. Porém esses produtores estavam subordinados a empresa cooperativa, isto é, com exceção de alguns produtores que “transgrediam” as regras vendendo sua produção em localidades vizinhas26, não tinham autonomia para decidir sobre o comércio da produção. Os camponeses mais frágeis economicamente procuravam intensificar a produção comercial como o milho que poderia também ser utilizado no lote para a sustentação de outras atividades. Nesta conjuntura de uma produção voltada para o autoconsumo, adotando a diversificação e seleção dos cultivos que os camponeses amenizavam a sujeição impostam na circulação de seus produtos. Depois de muitas manifestações contrárias, em 1975 foi rompido o monopólio da comercialização da produção agrícola com a cooperativa. 6 - As transformações socioeconômicas a partir de 1970 em Mundo Novo. Apesar dos limites apontados anteriormente, o Projeto de Colonização Iguatemi contribui significativamente na transformação socioeconômica de Mundo Novo. Através de sua implantação foram criados núcleos urbanos, construídos estradas, escolas urbanas e rurais, repartições públicas, redes elétricas, saneamento, enfim, foi implantada toda uma infra-estrutura favorável ao desenvolvimento desse município. A instalação do projeto também teve desdobramento na dinâmica populacional de Mundo Novo. Isso pode ser constado nos dados no Censo Demográfico do Estado do Mato Grosso de 1970, onde consta que Mundo Novo, distrito do município de Iguatemi, possuía 26 restrita apenas para a agricultura. Em depoimentos de moradores pioneiros nesse município pudemos constatar que alguns dos parceleiros vendiam parte de sua produção em municípios vizinhos, como também no Paraguai. Quando ocorria esse feito, o transporte era realizado a noite, no entanto, nem toda essa venda fora da cooperativa era totalmente clandestina, alguns parceleiros comunicavam ao órgão responsável (INCRA) o motivo necessário, tendo em vista que a cooperativa não efetuava o pagamento no ato da entrega da produção. 9 uma população de 8.142 habitantes, sendo 890 pessoas no núcleo urbano e 7.252 residindo na área rural. Esse total de habitantes de Mundo Novo superava a do município sede, Iguatemi, que possuía um total de 5.486 pessoas. A existência desse número de habitantes na área rural revela que a força trabalho familiar era o carro chefe da atividade agrícola desempenhada nesse momento. Isso se devia ao manejo dos cultivos feito manualmente, pois pouco se utilizavam máquinas agrícolas. Durante o período que o Incra e a cooperativa atuaram mais intensamente (19671975), praticamente as relações sociais e econômicas dos parceleiros eram controladas por esses órgãos. Não era permitida, inclusive, a entrada de outras famílias que não fosse componente do núcleo familiar assentado, ou seja, os camponeses parceleiros não podiam alojar outra família que não fosse a sua, nem mesmo se essa outra tivesse um grau parentesco próximo (pais, irmão, tios). Na medida em que esses órgãos foram afrouxando esse controle, outros núcleos familiares foram sendo introduzidos em uma mesma parcela de terra, principalmente parentes e amigos oriundos de outras regiões e Estados (Paraná e São Paulo) para trabalharem na condição de parceiros. Isso contribuiu para o aumento populacional, tanto urbano e rural, elevando a população do município em 1980 para 31.156 habitantes, sendo que 14 mil27 residiam na área rural. As ocupações urbanas se restringem principalmente ao comércio e atividade extrativista madeireira, sendo que em 1980 constavam 38 empresas28 ligadas ao setor madeireiro e comercial. Na área rural era desenvolvida a pecuária nas maiores áreas de terra, e agricultura nas áreas menores. No período que corresponde entre a década de 1970-1980, dentre os cultivos agrícolas comerciais, encontrava-se principalmente a soja, o algodão, feijão, café e o amendoim, os quais era muito utilizada a força de trabalho manual, sobretudo, na época da colheita, quando demandava de muita mão-de-obra. Após 1975, com a rescisão do contrato obrigatório com a cooperativa, esses agricultores tornaram “livres” na escolha para quem vender sua produção, o que fez 27 28 Fonte obtida Censo Demográfico de 1980 e estimativas do Datasus. Censo Industrial de Mato Grosso do Sul de 1980. 9 aumentar o número de compradores de cereais (cerealistas). Alguns desses comerciantes de cereais tornaram-se parceiros dos produtores, isto é, tendo esses uma condição econômica mais avantajada passaram a adquirir maquinários e implementos agrícolas que eram empregados na preparação do solo e no plantio. Nesses casos, a comercialização da produção tinha exclusividade com esse comerciante, criando uma dependência não mais da cooperativa, mas agora da cerealista. Embora tivesse importante produção agropecuária, o município de Mundo Novo não registra importante atividade industrial de produtos agrícolas, a não serem as pequenas “máquinas de benefício de arroz”. Em 1988 a Copagril (empresa paranaense) instalou uma unidade beneficiadora de algodão que logo teve seu funcionamento interrompido. A atualmente encontra-se em atividade a empresa Fecularia Mundo Novo ligada ao processamento da mandioca. Estas informações demonstram que o cultivo dos produtos agrícolas comerciais nesse município esteve sempre voltado para o abastecimento de outras regiões, ou seja, uma produção agrícola estritamente comercial. Entretanto, a agricultura mundonovense não ficou isenta da expansão capitalista da modernização da agricultura, processo esse que de modo geral, provocou a expropriação/expulsão dos pequenos agricultores. A falta de subsídios a esses trabalhadores contribuiu para que muitos migrassem para a cidade ou para a fronteira agrícola amazônica. Uma importante parcela dos expropriados ou expulsa da terra se destinou para o Paraguai. Os produtores que intensificaram suas atividades na produção de gêneros comerciais foram direcionando os seus recursos para esse fim. Mas, em vista dos vínculos comerciais ficaram submissos a um sistema clientelista (compradores de cereais). A modernização e biotecnologia com as modificações genéticas de determinadas espécies (soja) também fizeram com que os produtores agrícolas ficassem atrelados aos insumos industrializados. Acrescenta-se a este processo de subordinação a aquisição de implementos mecânicos específico para esses cultivos através do sistema de crédito. À medida que esses agricultores se especializavam nesses cultivos mergulhavam na incerteza e nos mistérios do mercado conforme afirma Martins (2002). “Quando o produtor familiar mergulha plenamente na divisão do trabalho social e se torna um produtor especializado, mergulha 1 também nas incertezas e nos mistérios do mercado, expressões de uma vontade que não é sua. A possibilidade de ganhos altos com a produção de soja, anos depois desta exposição, levou muitos pequenos agricultores do sul à ruína e à miséria, pois não tinham a sobrevivência assegurada por sua própria produção de gêneros de subsistência”. (MARTINS, 2002, p.78) Essa menção de Martins pode ser utilizada para interpretar as duas faces da realidade dos produtores em Mundo Novo: os que mergulharam na incerteza do mercado e os que asseguravam a sua sobrevivência através de sua produção de subsistência. Para esses últimos uma medida foi diversificar suas atividades dividindo-as na criação e agricultura. Houve a migração da população rural para as cidades no município, como demonstra os dados de 1991, que aponta para um total de 22.417 habitantes sendo 15.737 urbanos e 6.680 rurais29. A diminuição no número da população urbana deve-se ao fechando das serrarias, uma das principais atividades econômicas na década de 1970/80. Já a diminuição da população da área rural deve-se a modernização da agricultura que expropriou e expulsou meeiros e agregados não-proprietários da terra. Uma parcela significativa também se dirigiu para o Paraguai na busca de melhores condições de vida e possibilidade de acesso á terra. É nesse mesmo contexto, que ascende em Mundo Novo a luta dos camponeses brasileiros que tiveram que migrar para o Paraguai, os chamados de brasiguaios. Esses trabalhadores ao re-migrar do Paraguai acampam nesse município, dando início na luta pela terra e ao movimento dos sem-terra neste município e região. 7 - Brasiguaios. Sob as concepções desenvolvimentistas, baseadas na monocultura e na produção de gêneros para exportação, os governos militares adotaram uma política de crédito agrícola e de incentivos fiscais aos grandes latifúndios, realizando também grandes concessões de terras a empresas colonizadoras. Os militares acreditavam que a grande propriedade aliada à modernização proporcionaria o desenvolvimento no campo. Entretanto, essa política fundiária veio beneficiar a classe dominante, gerando assim 29 Dados obtidos do Censo Demográfico de 1991, foram contabilizados os dados de Japorão e Jacarei que emanciparam de Mundo Novo em 1988. 1 a concentração de terras, riquezas nas mãos dos grandes latifundiários e expulsão/expropriação de pequenos agricultores, transformando-os numa grande massa de trabalhadores sem-terra. Dessa forma, a história de lutas no campo sul-matogrossense está vinculada ao processo de colonização, modernização da agricultura e expansão das relações capitalistas. Pode-se dizer que a luta pela terra no Estado emerge como forma de resistência ao modelo de desenvolvimento econômico adotado no país. Diante do quadro fundiário que se encontrava o Estado de Mato Grosso do Sul e a política agrária implantada pelos governos militares, a partir da década de 1980, se intensificou as lutas dos movimentos sociais do campo nesse Estado. Esses movimentos passam a realizar ocupações de terras desencadeando num processo de luta e resistência. A expansão do capitalismo no campo brasileiro através da modernização da agricultura fez com milhares de trabalhadores rurais expropriados no Sul do país, migrassem para o Paraguai. Sendo lá também vítimas da mesma exploração capitalista. Posteriormente, esses camponeses (brasiguaios) decidem retornar para o Brasil e lutar por seu direito à terra. Nesse processo de retorno dos brasiguaios, o município de Mundo Novo teve um papel importante, devido a sua localização, fazendo fronteira com o Estado do Paraná e o país vizinho Paraguai. Torna-se assim um local estratégico na luta e a partir de 1983 do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que já vinha atuando no Estado de Mato Grosso do Sul desde 1981, apoiado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), e juntou forças com os brasiguaios de Mundo Novo. A partir dessa união de forças foram ocupadas várias fazendas e áreas de terras devolutas no Estado de Mato Grosso do Sul. A organização dos trabalhadores rurais sem-terra e dos brasiguaios durou aproximadamente um ano, conseguindo mobilizar mais de 1.000 famílias de brasiguaios que decidiram, em 1984, ocupar a fazenda Santa Idalina, em Ivinhema /MS. Entretanto, essa ocupação foi duramente reprimida pela política militar de Mato Grosso do Sul.. Diante da situação, as lideranças desses trabalhadores mobilizaram-se para fazer uma assembléia em Mundo Novo, onde foi decidido que acampariam nesta mesma cidade. Sendo assim, a partir de 14/03/1985 começaram montar os acampamentos e 1.100 famílias ocuparam na área urbana de Mundo Novo próxima a prefeitura municipal. Dessas famílias acampadas, 930 foram assentadas no final de 1985, em Novo Horizonte (hoje município de 1 Novo Horizonte do Sul), nas áreas que já tinha sido ocupada anteriormente. Depois disso, sugiram várias outras manifestações por parte dos trabalhadores rurais sem terra no sul do Estado, dando assim origem a vários acampamentos e assentamentos na região. Embora contribuindo para ocupações e acampamentos em toda região, os trabalhadores sem-terra de Mundo Novo, não tinha formado nenhum acampamento ou assentamento na área que abrange esse município. Uma das hipóteses seria que nesse município não existiria terra improdutiva, até porque, essa área fez parte de um projeto de colonização do INCRA (Projeto Iguatemi, tratado anteriormente). Mas, contrariando algumas avaliações contrárias a existência de terras improdutivas, surge em 1999 a ocupação de terra na fazenda Mambaré. 8 – Ação sindical e a ocupação da fazenda Mambaré A ocupação da fazenda Mambaré realizou-se na madrugada do dia 20 de março de 1999. A escolha da área foi motivada pela existência de terras improdutivas. A suspeita partiu de um dos funcionários da fazenda que comentou com os amigos e dirigentes do sindicato dos trabalhadores rurais desse município. Depois do comentário, os sem-terra começaram suas investigações referentes à produção na fazenda, onde pode constatar uma área de 1.946 hectares possuía um rebanho de gado bovino composto por apenas aproximadamente 600 cabeças. Mediante essa situação, 15 famílias de trabalhadores despossuídos da terra se organizaram na cidade, independentemente de qualquer movimento ou entidade, com a intenção de ocupar essa propriedade. Foram feitas duas tentativas sem sucesso, conseguindo realizar a ocupação na terceira tentativa, conforme a figura a seguir (figura 01). Depois de ocupada, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mundo Novo assumiu essa luta, bem como a direção do acampamento. Figura 01 Primeira ocupação na fazenda Mambaré Fonte: Blank, agenor. (1999) 1 O sindicato local é vinculado a FETAGRI-MS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso do Sul), fundado em 23/02/1979, hierarquicamente obedece às diretrizes da CONTAG (Confederação Nacional do Trabalhadores na Agricultura). A FETAGRI-MS é uma organização que reúne, na sua maioria, trabalhadores assalariados rurais, permanentes ou temporários, que trabalham na agricultura, na pecuária, na produção extrativista rural. Atende também os agricultores familiares e os trabalhadores aposentados. A FETAGRI-MS tem como bandeiras principais de luta, a realização da Reforma Agrária, entendida como instrumento de uma política agrária que abrange e priorize o desenvolvimento do modelo familiar de agricultura; a luta pelo cumprimento dos direitos trabalhistas; a conquista de linhas de crédito para agricultura familiar; o bem estar social dos trabalhadores rurais envolvendo a saúde, a educação e formação profissional. Deve ser destacado que a FETAGRI/MS também organiza ocupações de terra, liderando, assim, um grande número de acampamentos e assentamento no Estado. Porém essa espacialização é resultado de uma forma de luta que se diferencia das lutas empreendidas por outros movimentos. Segundo depoimento colhido no levantamento de campo, o sr. Paulo Pimentel, Presidente do Sindicato dos trabalhadores rurais de Mundo Novo, em agosto de 2006, é possível verificar a compreensão de lutas da FETAGRI-MS: “A FETAGRI/MS não faz invasão forçada, procura assim agir dentro da legalidade e que as fazendas que são ocupadas estão em processo de desapropriação ou foram dadas como próprias para Reforma Agrária. Ressalta ainda que são contra atitudes como, por exemplo, a matança de gado e a invasão de domicílios, sendo assim, as pessoas que saem das regras são excluídas do movimento”. Seguindo essa concepção, a FETAGRI/MS assumiu a liderança do movimento de luta pela desapropriação da fazenda Mambaré, pois as informações sobre a produção da fazenda, inclusive, segundo o INCRA, eram de que se tratava de imóvel improdutivo, dando início no processo judicial. No entanto, esse processo de luta durou quase cinco anos, inicialmente a ocupação foi feita por 15 famílias, depois vieram outras de municípios vizinhos e do Paraguai, chegando a ter possuir 250 famílias. Esse processo foi marcado por fases de luta e resistência e após três meses da ocupação, o fazendeiro conseguiu liminar judicial da reintegração de posse, quando foi enviada para o local a força militar composta por 100 homens para fazer o despejo dos 1 trabalhadores do imóvel ocupado. Dessa forma, os sem-terra saíram da área e acamparam próximo ao aeroporto municipal, onde ficaram acampados por 12 dias, e novamente reocuparam a fazenda. No retorno houve dura repreensão policial, e os sem-terra decidiram mudar o acampamento para as margens da rodovia BR 163, próxima à fazenda, permanecendo nesse local até o fim desse processo em 2004. Um dos motivos que levaram a permanência nesse local, sem que retornassem novamente para a fazenda foi a Medida Provisória do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2000, que proibia a desapropriação de área ocupadas por sem-terras ou assentamentos de ocupantes por um período de 2 anos. Foi por meio de lutas organizadas no STR de Mundo Novo que foi organizada a ocupação feita por famílias camponesas brasileiras e originárias do Paraguai (brasiguios) na fazenda Mambaré que resultou o assentamento Pedro Ramalho. O assentamento Pedro Ramalho será tratado no capítulo a seguir (capítulo IV). 1 CAPÍTULO IV A PRODUÇÃO DE SUBSISTÊNCIA E AUTOCONSUMO NO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO EM MUNDO NOVO/MS. Os assentamentos de reforma agrária surgem com resultando de lutas dos trabalhadores rurais sem-terra. O assentamento pode ser considerado um pré-requisito para a conquista do território camponês. A partir da terra conquistada inclusive, se desdobram novas lutas e conquistas políticas e produtivas. A condição de assentado coloca a esfera produtiva na lutas dos camponeses, pois a produção agrícola se constitui na principal atividade de subsistência e autoconsumo das famílias. A produção de subsistência e autoconsumo estão relacionadas à produção voltada para os mercados capitalistas que subjuga a pequena agricultura na esfera da circulação, comprometendo a reprodução dos camponeses. É neste contexto de imposição do capitalismo que buscaremos analisar as estratégias de defesa desenvolvidas pelos camponeses assentados. Considerando que o capital contraditoriamente leva à destruição e recriação do camponês, este capítulo tem como objetivo demonstrar que os camponeses do assentamento Pedro Ramalho tem procurado implantar uma agricultura voltada para o autoconsumo como forma de resistência aliviando subordinação que as regras do capitalismo impõem. Neste sentido, a idéia de alternatividade e flexibilidade serve para qualificar a produção de autoconsumo e subsistência como resistência camponesa no referido assentamento. O levantamento de campo e a metodologia utilizada para o estudo do assentamento, constam de 19 questionários socioeconômicos, o equivalente a 23% do total de lotes, aplicados entre agosto e outubro de 2008 aos assentados. Esses questionários socioeconômicos constam de questões relacionadas à origem das pessoas, mão-de-obra 1 empregada, entidades presentes no assentamento e principalmente a quantidade e o destino da produção. Além dos questionários foram realizados diálogos e entrevistas com outros assentados, como também a outros trabalhadores e proprietários rurais, sindicato, secretário da agricultura do município de Mundo Novo, associações dos assentados, empresas agroindústrias, ou seja, foram obtidas informações de diversas fontes que proporcionaram a base empírica para o estudo do assentamento. 1 - A formação do assentamento Pedro Ramalho O assentamento Pedro Ramalho foi realizado pelo INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) depois de cinco anos de luta dos camponeses sem-terra quando foi desapropriada a Fazenda Mambaré no município de Mundo Novo – MS. Em 25 de julho 2003 foram entregues a 83 famílias acampadas 1.946 hectares de terra, divididos em lotes de aproximadamente 14 hectares. A luta pela conquista da terra feita pelas famílias acampadas esteve ligada a FETAGRI (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Mato Grosso do Sul). Os 83 lotes estão dispostos em quatro grupos: grupo I (01 a 16); grupo II (17 a 34); grupo III (35 a 62) e grupo IV (63 a 83). Na figura a seguir (figura -7) é possível verificar a distribuição dos lotes em grupos no assentamento. Figura -7 Assentamento Pedro Ramalho 1 Inicialmente essa divisão em grupos foi colocada somente para localizar as famílias no assentamento, ou seja, para fins de localização (endereço). Entretanto, esta localização geográfica dos lotes e dos grupos influenciou no relacionamento social e econômico desses assentados, seja através das coalizões entre os vizinhos com a finalidade de atender os interesses do grupo ou mesmo na “opção” da família no desenvolvimento de determinada atividade produtiva30. Além da localização, outros aspectos influenciaram no início da organização produtiva das famílias assentadas, como por exemplo, uma série de entidades e órgão públicos que tem participação na criação e desenvolvimento do assentamento, dentre esses destaca: Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), Idaterra (Instituto de Desenvolvimento Agrário de Mato Grosso do Sul), atualmente Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), Prefeitura Municipal de Mundo Novo, Itaipu (Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional), Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município e a Associação dos Produtores do Assentamento Pedro Ramalho. Logo após a distribuição dos lotes em 2003, o Incra aprovou projeto de financiamento de R$ 15.000,00 a cada família para elas darem início às atividades produtivas no assentamento. Os recursos foram divididos em investimento (formação de pastagem, compra de gado, construção de cerca, etc.) e custeio de lavouras (preparo do solo para o cultivo, aquisição de sementes, etc). Mas, estes recursos financeiros chegaram aos assentados somente depois de aproximadamente um ano de assentados, em 09/2004. Do valor total repassado pelo Incra, ficaram retidos R$ 1.500,00 no órgão estadual de desenvolvimento agrário, Idaterra, para a prestação de serviço de assistência técnica aos assentados durante quatro anos. A atuação do Idaterra, segundo os assentados, está mais voltada para a parte burocrática, ou seja, para viabilizar documentos, projetos de financiamento, etc. Os projetos de financiamento que deveriam ser feitos pelo banco do Brasil acabam ficando sob responsabilidade do Idaterra. Além da assistência técnica, o Idaterra realiza palestras de orientações sobre os diferentes cultivos aos assentados. A prefeitura municipal tem contribuído na construção e manutenção das estradas, 30 A localização geográfica dos lotes nesse assentamento tem influenciado na produção e na comercialização de determinados produtos, por exemplo, alguns cultivos enfrentam dificuldades em serem produzidos devido a pouca fertilidade do solo em determinadas áreas no assentamento, por outro lado, a proximidade de alguns lotes com os núcleos urbanos ou com vias de acesso viabiliza a comercialização. 1 viabilização de recursos pelos canais que lhe compete, ou seja, pelas secretarias de agricultura, desenvolvimento, educação, etc. São mantidas pela prefeitura três linhas de ônibus escolar no transporte dos estudantes. Ela também oferece para esses agricultores assentados equipamentos e implementos agrícolas mediante aluguel, isto é, o uso desses equipamentos é através de um prévio agendamento e quantidade de horas utilizadas é paga pelo contratante. A Itaipu Binacional também tem atuado com projetos de preservação ambiental. Com esforços da alguns órgãos e entidades como a prefeitura, o sindicato e a associação os assentados conseguiram sua inserção nesses projetos de preservação. Dessa forma, a Itaipu repassa recursos financeiros para prefeitura com a finalidade de investir na preservação ambiental no assentamento através de adequação de estradas, aquisição de mudas, construção das curvas de nível. O incentivo á preservação ambiental estimulada pela Itaipu ocorre em função da necessidade de manutenção dos mananciais, principalmente. O sindicato que liderou o movimento de conquista da terra tem uma atuação reduzida no assentamento, limitando-se principalmente a uma prática assistencial (e assistencialista), como a realização de cursos de capacitação profissional, convênios para desconto de 50% nas consulta médica, serviços de cabeleireiro, encaminhamento de aposentadoria, projetos de financiamento, ou seja, funciona como intermediário nas relações entre assentados e entidades e órgãos públicos. Como instrumento organizativo para a luta dos assentados, no dia 19 de fevereiro de 2004, foi criada a Associação dos Produtores do Assentamento Pedro Ramalho. Segundo o estatuto de 2004, no artigo 2°, consta que a associação tem por finalidade: a)Amparar e defende as justas aspirações da classe; b) Promover a união da classe; c) Prestar assistência aos associados; d) Representar seus associados coletivamente ou individualmente, perante as autoridades e a justiça ordinária; e) Representar a classe perante as autoridades públicas, pleiteando providencias oportuna e convenientes ao seu prestigio e aos seus interesses; f) Proteger, prestigiar, defender e corrigir os sócios, quando necessário, em questões profissionais; g) Promover outros empreendimentos de interesses da classe e dos seus sócios. (ASSOCIAÇÃO DE PRODUTORES DO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO, 2004, p. 01). 1 Essa associação é a entidade representativa do assentamento e tem lutado na busca de recursos e na defesa dos interesses dos associados. É por intermédio da associação que os assentados conseguiram a construção de um barracão onde são realizadas atividades de caráter cultural, social e econômica, isto é, nesse edifício são realizadas as festas, as reuniões, as palestras e cursos de capacitação. Outra conquista dos assentados organizados na associação foi o resfriador de leite comunitário com capacidade para 2000 litros. Figura 8 - EDIFICAÇÕES DO ASSENTAMENTO PEDRO RAMALHO Fonte: LIMA, I.V. (2009). 2 – A produção de subsistência e autoconsumo no assentamento Existe no assentamento uma diversificação de cultura que podem ser classificadas como de subsistência e de autoconsumo, ambas articuladas entre si, e utilizadas depender menos do mercado e submissão capitalista. Estas se constituem como estratégias dos camponeses no assentamento. A mão-de-obra utilizada nesse assentamento é de base familiar e há em média duas pessoas trabalhadoras por lote. Porém, alguns lotes dispõem de apenas 01 pessoa, como também há lotes com 04 trabalhadores. Os lotes que possuem crianças, quando fora do horário escolar, ajudam no trabalho, auxiliando no manejo do gado, alimentação dos animais, ajuntamento lenha e serviço doméstico. Nos lotes em que o número de trabalhadores é pequeno, na colheita da mandioca, o serviço é empreitado e nos lotes com maior número de pessoas esse trabalho é realizado pelos próprios assentados. Para os outros cultivos, quando a mão-de-obra da família não é suficiente, é feita a contratação de mão-de-obra temporária, principalmente no momento da colheita. Além dessa mão-de-obra familiar é praticada também a troca de dias. Outra prática 1 verificada entre os assentados é a ajuda mútua como os mutirões, embora não sejam praticados com freqüência, porém eles existem e geralmente são realizados entre pessoas da mesma família, tendo em vista, que dos lotes visitados no levantamento de campo, verificou-se três casos em que os vizinhos possuem grau parentesco, isto é, filhos vizinhos de pais. A maior parte dos cultivos sé realizada com uso de tração mecânica e animal. Os maquinários como tratores e plantadeiras são alugados, geralmente. Esses implementos agrícolas são utilizados no cultivo de gêneros como o milho, feijão, mandioca, soja e algodão, quando plantados em área superior a 1,5 hectares. Para áreas menores, geralmente utilizam-se máquinas simples (manuais) ou semeadeiras movidas à tração animal. A tração animal é utilizada no plantio, transporte interno da produção e de pessoas e no manejo das lavouras. Por exemplo, no cultivo do milho é passado o arado entre meio as ruas, substituindo, dessa forma, o trabalho de capinagem. Outra característica identificada nesse assentamento é a distribuição das atividades entre a agrícola e a pecuária, tendo em média 14 hectares cada lote, a utilização do solo é distribuída em lavoras e pastagem, sendo que aproximadamente 50% dos lotes possuem uma área de 9,0 ha destinada à lavoura e 5,0 destinadas à pastagem. Numa pequena quantidade de lotes (cerca de 10%) que é desenvolvida apenas uma das atividades, conforme demonstra no quadro-1. Quadro – 1 Utilização do Solo Distribuição da área em hectares % dos lotes Lavouras Pastagens 5% 2,5 11,2 16% 5,0 9,0 11% 6,0 8,0 5% 7,0 7,0 21% 8,5 5,5 27% 9,5 4,5 5% 11,5 2,5 10% 14,0 Distribuição Total 100% predominante 9,0 5,0 Fonte: Pesquisa de Campo Total (ha) 14,0 14,0 14,0 14,0 14,0 14,0 14,0 14,0 Essa distribuição está ligada principalmente ao plano de exploração de cada família, que é influenciada por fatores diversos como o número de trabalhadores existente em cada lote, quantidade de recursos econômicos disponíveis, fertilidade do solo e a vocação de 1 cada família com a determinada atividade, dentre outros. De modo geral, a produção no assentamento Pedro Ramalho se constitui de forma diversificada. Foram identificadas lavouras destinadas aos comércio e autoconsumo como as culturas de milho, feijão, mandioca (gêneros alimentícios), e lavouras que não possuem flexibilidade ou alternatividade como é o caso do algodão e soja. Além desses, há outros cultivos que o principal objetivo é o autoconsumo, tais como as hortaliças, frutas, complementos para alimentação animal. A criação animal assume importância fundamental no autoconsumo e subsistência, pois ela possibilita a geração de derivados, como também é o viés mais rápido e ágil na obtenção de renda monetária. Há também cultivo de produtos agrícolas que são destinados ao comércio e deixam os produtores vulneráveis às oscilações do mercado, bem como cultivos que permite a flexibilidade, ou seja, possibilidade de destiná-lo ao mercado ou ao autoconsumo, dependendo das oscilações mercadológicas. O início das atividades agrícolas coincidiu com a implantação definitiva do assentamento no mês julho do ano de 2003. Devido à necessidade de se obter uma prévia renda monetária e aproveitando o calendário agrícola (época de plantio), os cultivos foram diversificados ao máximo no primeiro e segundo ano do assentamento, quando foi incluído o plantio de soja e algodão. O cultivo da soja restringiu apenas ao primeiro ano (2003), e apenas 10% dos assentados desenvolveram essa atividade numa área média de 6,0 ha por lote. A interrupção desse tipo de cultivo pelos assentados ocorreu pela alta dependência de maquinários no plantio e na colheita, insumos, flutuações de preços e principalmente pela dificuldade desse produto ser convertido no consumo direto das famílias. Situação semelhante ocorreu com o cultivo do algodão, pois está altamente sujeito aos preços pagos pela fibra, bem como a exigência de mão-de-obra na sua colheita. O quadro 2 demonstra o comportamento dessa cultura, quando verificou-se que esteve presente em 79% dos lotes. Os que obtiveram melhores resultados foram aqueles que plantaram uma área inferior a 2,4 hectares, pois foi possível cultivá-lo com mão-de-obra familiar, ao contrário dos que cultivaram uma maior área que dependiam de mão-de-obra externa à família. Quadro – 2 PRODUÇÃO DE ALGODÃO 1 % Lotes c/ cultivo Área cultivada (ha) Prod.máx. reg./ ha (arroubas) Prod. mín. reg./ha (arroubas) 32 26 5 16 1,2 2,4 3,6 5,0 135 125 83 80 42 48 83 12 % Total Média da área dos lotes cultivada/ lote 79% Menos de 2,4 ha Fonte: Pesquisa de Campo Destino produção 100% vendida Média da produção por hectares 100 arroubas por hectares Entretanto, algodão foi plantado somente nos primeiro anos do assentamento. A maioria dos assentados teve perdas com esse produto devido à estiagem prolongada nos anos de 2004 e 2005. Não só pelas condições climáticas desfavoráveis, mas também outros fatores, como a necessidade de muita mão-de-obra exigida na colheita, pragas que atacam esse cultivo, alto custo dos insumos, e o preço desse produto na comercialização, desestimulou novos cultivos pelos assentados. Sobre a produção de algodão, um dos assentados informou o prejuízo que teve com esta lavoura: “No primeiro ano do assentamento eu plantei uma área de ½ alqueire e colhi 200 arroubas de algodão, vendi por R$ 22,00 cada arrouba, no segundo ano plantei 03 alqueires, colhi 300 arroubas, vendi essas por R$ 9,00 cada”. (J. P., assentado, 2006) Os assentados alegam que tiveram problemas para preparo do solo no primeiro ano do assentamento (2003) porque a área era usada como pastagem, o que dificultou a eliminação de espécies gramíneas. Outro problema foi a prolongada estiagem que ocorreu nos primeiros anos do assentamento 2003, 2004 e 2005. Além destes, há também as dificuldades produtivas derivadas da baixa fertilidade do solo na maioria do assentamento. Iniciada em 2004, a sericultura foi outra atividade adotada para geração de renda de subsistência no assentamento. Das 83 famílias das assentadas, 14 famílias optaram por essa atividade no assentamento. Porém, no ano de 2009 restaram apenas 2 famílias. As famílias que suspenderam essa atividade alegam que é muito trabalho para pouca renda, isto é, com o trabalho 2 pessoas se obtinha uma renda média mensal líquida de aproximadamente R$ 450,00. A integração com a sericicultura foi uma medida para diversificar a renda, mas não 1 foi uma boa opção para esses assentados. Das 2 famílias que restaram desenvolvendo essa atividade, apenas uma delas consegui algum êxito, considerando ainda que se encontra assentada na área de terra de relativa fertilidade. Este assentado concilia a sericicultura com criação de gado bovino (vacas leiteiras), criação de pequenos animais para o consumo (aves e suínos), cultivos de hortaliças e outros gêneros para o autoconsumo. É a diversificação das atividades, sobretudo aquelas destinadas ao autoconsumo, que permite algum resultado favorável a este único assentado trabalha co sericicultua. Diante do fracasso com a produção de soja, algodão e sericultura, os assentados têm procurado se defender (agricultura defensiva) cultivando gêneros que possam ser destinados simultaneamente ao autoconsumo e a subsistência como o milho, feijão, mandioca. Ao tratar da relação do camponês com o mercado, Abramovay (1992) afirma que há uma dupla caracterização na sua produção. “... por um lado à exposição permanente do campesinato a forças de mercado, sua existência como parte de um conjunto social ao qual se subordina, mas ao mesmo tempo ela aponta a particularidade da integração social camponesa: ela é parcial, não só no sentido de que parte da subsistência vem da autoprodução, mas também indica uma flexibilidade nestas relações com o mercado, do qual o camponês pode freqüentemente se retirar, sem, com isso, comprometer sua reprodução social” (ABRAMOVAY, 1992, p. 104) (grifo do autor) O cultivo da mandioca no assentamento expressa bem essa situação, pois houve momentos em que o preço por tonelada atingiu as cifra de R$ 380,00. Já nos momentos em que foram feitos estes levantamentos os preços estavam R$ 115,00 em setembro de 2009. Mas, houve época (2006) que o preço da tonelada de mandioca chegou a 60,00. Por mais que se verifique essa instabilidade no preço, a produção de mandioca possui algumas vantagens, pois apresenta alternatividade e flexibilidade, podendo assim, parte ser transformada em autoconsumo, utilizada na alimentação humana e dos animais (aves, suínos e gado bovino). Assim, o camponês assentado pode flexibilizar esse produto, o que não ocorre com outros produtos como a soja, algodão e sericicultura. No assentamento são cultivadas duas variedades de mandioca: mandioca mansa e a mandioca amarga. Ambas são semelhantes no seu aspecto como o ciclo agrícola, por 1 exemplo. A diferença consiste que a mandioca amarga, para ser utilizada no consumo humano, deve passar por um processo de extração de substância tóxica, isto é, o seu consumo se dá a partir de outros derivados alimentícios, como a farinha, o polvilho e outros. Enquanto isso, a mandioca mansa pode ser aproveitada sem que passar por esse processo. No caso do assentamento não há casa de farinha e o processamento desse produto é pequeno. Um ou outro assentado produz a sua própria farinha. No entanto, o consumo expressivo da mandioca é praticamente dos tubérculos, que é utilizada na alimentação humana e principalmente de animais, quando é “picada” para as aves, suínos e bovinos do lote. Para essas funções é cultivada a mandioca mansa plantada em média 0,5 de hectare em cada lote. Embora seja pequena a área de cultivo de mandioca que permite maior flexibilidade, somadas às outros cultivos praticados no assentamento, a mandioca se constitui numa estratégia defensiva dos assentados. A agricultura defensiva existente dos camponeses assentados não indica puro cultivo para o autoconumo, ou seja, o camponês cultiva para subsistência, que envolve comércio da produção e para o autoconsumo. Há também a comercialização dessa espécie, pois alguns dos assentados realizam a venda direta (in natura) desse produto na cidade, abastecendo os supermercados locais com mandioca semi-industrializada (descascada, lavada e embalada). Para 02 famílias do assentamento o cultivo de mandioca comercializado na cidade possui grande importância na geração de renda. No entanto, o volume de produção e comercialização da mandioca se encontra na espécie amarga (mandioca de fécula), sendo essa destinada mais à subsistência do que ao autoconsumo, pois é destinada às indústrias da região. Conforme demonstrado no quando – 3 em 90% dos lotes apresentaram esse cultivo. Quadro - 3 PRODUÇÃO DE MANDIOCA % Lotes c/ Área cultivada Produção em cultivo em hectares toneladas 11 1,2 35 47 4,8 120 11 6,0 160 16 7,2 180 5 9,0 200 Total c/ Freqüência Destino da 1 cultivo cultivada 90% 4,8 hectares Fonte: Pesquisa de Campo produção 100% venda O plantio de mandioca é realizado entre os meses de agosto e setembro, em média e é plantada uma área média de 4,8 hectares em cada lote, utilizando um espaçamento de 80 cm entre as plantas (figura-9). O rendimento médio é de 27,8 toneladas, mas pode chegar a 42,0 toneladas por hectare. A produção é comercializada com fecularias instaladas no município de Mundo Novo-MS e nos municípios vizinhos Guaíra e Palotina no estado do Paraná. A fécula é um produto muito empregado na indústria alimentício, têxtil, farmacêutico e outras, sendo assim um produto consumido por todo mercado nacional, principalmente, nas indústrias localizadas no Estado de São Paulo. Figura 9 – LAVOURA DE MANDIOCA Fonte: LIMA, I.V. (2009) Por ser um cultivo comercial, a produção de mandioca não está livre das flutuações do mercado, porém essa cultura possibilita algumas defesas frente à dependência apresentada por outros cultivos como a soja e o algodão. A opção pela escolha desse cultivo está colocada por diversos fatores como pouca dependência com insumos, mão-de-obra (exceto na colheita), capacidade de armazenamento e flexibilidade e adiamento da 1 comercialização. Quanto aos insumos, os ramos utilizados no plantio são extraídos das próprias plantas cultivadas nos lotes ou de vizinhos. Esta seleção “artesanal” diminui as chances de doenças em vista da aquisição de ramos de origem desconhecida. Esta seleção também está colocada como parte de uma produção de autoconsumo no assentamento. A obtenção direta dos ramos diminui gastos monetários nesse cultivo. Porém há despesas que se tornam imprescindíveis, por exemplo, com maquinário, mão-de-obra na colheita e transporte do produto. Em média é utilizada 4 horas de maquinas agrícolas por hectare entre o preparo do solo e plantio. Para ano de 2008, o aluguel de maquinário custava R$ 30,00 por hora, o frete de R$ 15,00 à 20,00 por tonelada transportada e a colheita R$ 20,00 por tonelada, sendo vendida por R$ 170,00 a tonelada de produto. Dentre os gastos monetários, aqueles feitos com o frete e uso de maquinário são necessários em praticamente todos os lotes, visto que os assentados não possuem implementos e veículos de transporte. Entre os fatores que influenciam na preferência desse cultivo é a possibilidade de flexibilidade contida nesse produto. Além dessa capacidade de armazenamento, o cultivo permite em certos momentos do seu ciclo produtivo o consorciamento com outras lavouras. Isso se torna uma vantagem, permitindo assim o melhor aproveitamento da área de terra disponível31, Há que considerar que geralmente os lotes dos assentamentos possuem pequena área, o que obriga do assentado a racionalizar o seu uso, aproveitando de forma mais intensa a área de terra disponível. Além da mandioca, o milho é outro cultivo que assume importância significativa no autoconsumo e subsistência no assentamento. O quadro a seguir apresenta dados sobre a produção de milho. Quadro-4 PRODUÇAO DE MILHO % Lotes 21 31 Área cultivada hectares Menos de 1,0 Produção em sacas 25 % Produção consumida 100 De nosso dialogo com agricultores, o caso do sr. A.D. morador agregado em um propriedade próxima ao município de Marechal Cândido Rondon-PR, nos chamou atenção. Com 5 pessoas na família tem ele em sua disposição apenas uma área 4,8 hectares de terra, sendo que em 2,4 hectares planta lavouras e nos outros 2,4 hectares distribuído em pastagem, hortaliças, pomar, galinheiro e chiqueiro. No ano de 2007 plantou milho nessa área destinada as lavouras (2,4 hectares), no entanto, quando foi vender a sua produção faltou R$ 40,00 para cobrir os custos com os insumos. Para ano de 2008 ele fez diferente, plantou nessa mesma área mandioca, porem consorciou com outros cultivos que lhe proporcionou 12 sacas de amendoim, 02 sacas de feijão, 60 sacas de milho, e 25 toneladas de mandioca. 1 36 37 11 Total lotes 1,0 a - 2,0 2,0 a - 3,0 3,0 a - 5,0 Freqüência cultivada Menos de 2,5 hectares 100% Fonte: Pesquisa de Campo 50 80 100 45 250 40 Quantidade média do consumo 30 sacas por lote Esse cultivo tem se apresentado em todos os lotes que foram visitados no assentamento. A respeito dessa produção, foi constatado que em todos os lotes existe cultivo deste produto para autoconsumo. No entanto, os que produzem uma quantidade maior vendem parte dessa produção na cidade ou para os vizinhos. Nas maiores áreas cultivadas há o emprego da tração mecânica e nas menores utiliza-se a tração animal livrando-os desse gasto monetário. A produção de milho desempenha um papel fundamental na pequena propriedade em geral, pois por pequena que seja essa produção, ainda torna-se viável, servindo assim para a alimentação dos animais e no uso doméstico, como o consumo alimentar (milho cozido, frito, bolo, pamonha, etc.). Este emprego do milho na alimentação humana já foi destacado por Antonio Candido (1987, p.52) ao estudar os “Parceiros do Rio Bonito” quando diz que dos alimentos mais importante encontra-se o milho, cereal básico do caipira. Em São Paulo é área de influência sobretudo o milho. Verde, comese na espiga, assado ou cozido; em pamonhas; em mingaus; em bolos, puros (curau) ou confeccionados com outros ingredientes. Seco, come-se como pipoca, quirera e canjica; moído, fornece os dois tipos de fubá, grosso e mimoso, base de quase toda a culinária de forno entre os caipiras, inclusive vários biscoitos, o bolão, bolinhos, broas, numa ubiqüidade só inferior à do trigo; pilado, fornece a farinha e o beiju, não esquecendo o seu papel na alimentação dos animais. (CANDIDO. 1987, p. 53; grifos do autor) Embora Cândido (1987) tenha tratado de camponeses caipiras na década de 1950, muitas práticas ainda estão presentes nos dias atuais. Este é o caso do uso do milho para o autoconsumo das famílias. Assim como os caipiras paulistas, os camponeses assentados de Pedro Ramalho também empregam o milho nas mais variadas formas de alimentos, sendo um dos principais produtos da alimentação dos animais, principalmente, aves e suínos. Uma parte dessa produção de milho ainda é utilizada como sementes separadas 1 para o próximo cultivo. Além do importante papel que assume o milho no autoconsumo em quantidade pequena, esse produto pode ser facilmente armazenado, seja na própria roça pelo processo de dobra, na espiga protegido pela palha ou mesmo ensacados. O feijão é outro cultivo no assentamento que se destaca pela alternatividade entre o consumo e a venda. No entanto, essa produção é mais objetivada pelo consumo do que pela venda como pode ser verificado no quadro - 5 em que 84% dos lotes apresentam esse tipo de cultivo. A área média de cultivo é de 0,6 hectares em cada lote. Quadro-5 % Lotes c/ cultivo 31 37 16 Total Área cultivada em hectares Menos de 0,5 0,5 a – 1,0 1,0 a – 1,5 Freqüência cultivada 84% Menos de 0,6 hectares Fonte: Pesquisa de Campo Produção de Feijão Produção % produção % Produção em sacas comercializada consumida 02 0 100 06 50 50 07 70 30 Quantidade média do consumo 02 sacas/ano Um dos objetivos dos assentados com essa lavoura está em atender as necessidades do consumo alimentar familiar, sendo esse um produto básico da culinária dos camponeses. Segundo Brandão (1981) o lavrador classifica a comida atribuindo valor e qualidade, sendo considerados comida “forte, fraca, quente, fria, reimosa, sem-reima, gostosa ou sem gosto” (p.107). Homem forte é o homem sadio e resistente para o trabalho. A comida forte é a que “tem sustança” cujos efeitos são reconhecidos de dois modos: a) na sua capacidade de manter o trabalhador “alimentado” por mais tempo (sem vontade de comer de novo); b) no seu poder de produzir e de conservar mais energia para a atividade braçal. É neste sentido que a “comida forte” equivale ao “alimento”, categoria de que se exclui a “comida fraca”. (BRANDÃO, 1981, p. 109-110) Quanto ao emprego de feijão pelos camponeses na alimentação humana, Antonio Candido (1987) aponta que: 1 O feijão foi incorporado à culinária dos similares portugueses, fervendo-se com sal e banha de porco e adicionando-se quando possível, pedaços de carne de porco. Indígena quanto à origem, foi lusitanizado pelo modo de preparar. Dessa forma, esse produto é um componente fundamental na culinária brasileira, mais especificamente, do trabalhador rural. Os camponeses assentados também utilizam fartamente este produto na sua alimentação. O cultivo do feijão para a alimentação faz deste produto estratégico para a existência dos camponeses assentados. Seguindo a mesma idéia de diversificar a produção de subsistência, através da alternatividade entre a venda e consumo, encontra-se no assentamento o cultivo de eucalipto (figura -10). Embora o eucalipto esteja associado recentemente ao agronegócio, os camponeses fazem uso deste cultivo que é fortemente utilizado para subsistência e principalmente autoconsumo no lote em vista da grande necessidade de madeira para usos diversos. Neste sentido, é importante destacar que a produção de autoconsumo/subsitência não está restrita apenas aos gêneros alimentícios. Figura 10 - CULTIVO DE EUCALIPTO Fonte: LIMA, I.V.(2009) Essa plantação encontra-se em 70% dos lotes no assentamento, sendo a maior parte cultivada em números inferiores a 200 árvores, e que são colhidas em média depois de 5 ou 6 anos de plantada. Apesar de ter seu valor comercial, o eucalipto no assentamento não é 1 uma especialização aos moldes daqueles produtores que fornecem matéria-prima para as empresas de celulose. Segundo os assentados, uma plantação intensiva dessa espécie pode comprometer o uso e a qualidade de suas terras. Por isso, o cultivo no assentamento tem como principal finalidade fornecer madeira para o uso no próprio lote seja na produção de lenha para o fogão, lascas (postes) utilizados na construção ou manutenção das cercas. Algumas árvores no pasto também são utilizadas para fazer sombra aos animais. Dentre as atividades agrícolas de subsistência destaca acima se verifica que camponeses assentados foram eliminando aquelas que os deixavam sobre as amarras do capitalismo, seja na submissão na aquisição de insumos ou na circulação dos produtos. Este foi o caso da soja, algodão e criação do bicho da seda. Isso não indica que nas outras atividades praticadas eles estejam totalmente livres, mas ao menos possuem certa flexibilidade. Além da diversificação na produção de subsistência esses assentados têm procurado diversificar com outros cultivos ligados ao autoconsumo. Como destacado anteriormente, no assentamento Pedro Ramalho, os camponeses realizam culturas de autoconsumo. Os diversos cultivos e criação destinados ao autoconsumo permitem autonomia aos assentados e menor dependência do mercado capitalista. Mas, isso não significa que o assentado seja um sujeito completamente livre da dominação capitalista, pois praticamente não existem camponeses que produzem somente para o autoconumo. Assim, sempre o camponês te alguma dependência de produtos adquiridos no mercado capitalista. Algumas espécies de folhagem, tubérculos, hortaliças, legumes, grãos e frutas fazem parte da diversificação dos cultivos nesse assentamento (quadro-6). A diversificação está aliada ao melhor aproveitamento do solo, e uma parte dos produtos não é comercializada, servindo de esteio para outras atividades. Quadro - 6 PRODUÇÃO DIVERFICADA PARA AUTOCONSUMO. Espécies Cana Napier Abóbora Batata-doce % dos lotes 90% 70% 80% 85% Espécies Melão Maxixe Inhame Pepino % dos lotes 21% 40% 30% 35% Espécies Gergelim Feijão andu Fava Feijão corda % dos lotes 15% 40% 20% 11% Espécies Mamão Abacaxi Café Amendoim % dos lotes 70% 65% 20% 55% Fonte: Pesquisa de Campo Melancia 75% Quiabo 45% Banana 80% Chuchu 25% A cana é um cultivo que se apresenta em 90% dos lotes, mas cultivada em pequenas 1 áreas, canaviais em média com até 0,2 hectares, tendo a função o suplemento para alimentação animal, principalmente no período do inverno, quando a pastagem diminui. Quanto o cultivo da cana não é para alimentação do gado, mas para o consumo humano na extração de caldo para fabricação de rapadura, melado, açúcar, por exemplo, ele é em meio a outros plantios, nas curvas de níveis, ou em alguma área próxima da moradia, como demonstra na figura-11. Figura 11 - CULTIVO DE CANA Fonte: LIMA, I.V. (2009) 1 Figura 12 - CONSUMO DO CALDO DE CANA Fonte: LIMA, I.V. (2009) O cultivo de napier (espécie de pastagem) também está ligado à criação do gado bovino. Em 70% dos lotes existe o cultivo de napier destinado à alimentação do gado bovino. Porém, diferente da cana, não poderá ser empregado na alimentação humana. A comercialização da cana-de-açúcar e do napier é muito restrita e quando acontece é com os vizinhos para o trato com os animais. Dentre as espécies de frutas como melancia, melão, mamão, banana e abacaxi destacados acima (quadro – 12), são produtos que podem ser comercializados e consumidos, porém nos anos inicias do assentamento apenas a melancia se apresentou com produto de venda. Mas, cabe ressaltar que é bem reduzida essa comercialização, ou seja, em menos de 20% do total das famílias assentadas. Mesmo tendo um rendimento por hectares de 25 a 30 toneladas, o cultivo de melancia no assentamento é realizado em área reduzida, principalmente nas de áreas de aproveitamento, quintais, curva de níveis ou entremeio a outros cultivos. As espécies como a banana, o mamão, melão e o abacaxi são culturas que não necessita de grande área para se obter uma quantidade suficiente para o consumo. Por exemplo, o abacaxi é cultivado numa área de 200 m2 em média (cerca de 300 plantas). Também de fácil cultivo e que assume um papel fundamental no autoconsumo são 1 as espécies de leguminosas, raízes e hortaliças, como a abóbora e maxixe, empregadas na alimentação humana e dos animais. Esse último (espécie de leguminosa) surge em meio às lavouras, não havendo a necessidade de cuidados especiais no seu cultivo. Apropriado também para alimentação humana e também na alimentação animal estão o cultivo de feijão Andu, feijão Fava e feijão de Corda, cultivado as divisas do lotes. Na diversificação das culturas camponesas há lugar também para os tubérculos como Inhame e batata-doce que são consumidas ou comercializadas conforme as necessidades da família. Figura 13 - CULTIVO DE BATATA-DOCE Fonte: LIMA, I.V.(2009) O cultivo da batata-doce foi identificado em 85% dos lotes, sendo cultivados numa área média de 300 m2, em média. Entretanto, poucas famílias comercializam esse produto e seu consumo sendo feito de várias maneiras: frita, assada, cozida e na fabricação de doces. O excedente é também utilizado geralmente na alimentação das aves e suínos. Outro cultivo que aparece em 55% dos lotes é o de amendoim, numa área média de a 1.000 m2 em cada lote. A maior parte da produção é comercializada na cidade ou com vizinhos. Mas, o amendoim também desempenha importante papel na alimentação das famílias, sendo utilizados para a fabricação caseira de doces (pé-de-moleque) ou consumo 1 dos grãos torrados. Objetivando o próprio consumo, em 20% dos lotes, os assentados têm inserido a lavoura de café que também se consiste em pequena área menos que 1.000 m2 média. Além da diversificação de cultivos consorciados com outras plantações mencionadas acima, existem as culturas que exigem área específica para o seu plantio. O pomar de frutas com plantas permanentes e a horta, por exemplo, são cultivadas nos quintais próximas às moradias. No Quadro -7 pode ser verificado que em 90% dos lotes possuem o cultivo de frutas com plantas permanentes. Na maioria dos lotes existem em média 30 mudas plantadas, sendo as mais destacadas as frutas cítricas. Quadro -7 Produção de Frutas % dos lotes com cultivo Quantidade de mudas por lote 65% Menos de 30 20% 30 a menos de 70 5% Mais de 70 Total dos lotes 90% Espécies mais apresentadas Espécies Limão Laranja Pocã Tangerina Manga % dos lotes 90% 90% 70% 65% 85% Espécies Goiaba Acerola Abacate Pêssego Ameixa % dos lotes 80 85% 65% 60% 40% Espécies Jabuticaba Jaca Pinha Caqui Figo % dos lotes 55% 30% 40% 30% 20% Espécies Carambola Maracujá Coco % dos lotes 15% 15% 15% Além dessas espécies, são cultivadas outras como, como castanha, romã, imbu, ingá. Nem todas as fruteiras estão produzindo com capacidade total. Isso ao fato do assentamento das famílias ser recente (julho de 2003), pois as fruteiras foram plantadas a partir do ano de 2004, tempo insuficientes para o desenvolvimento de plantas permanentes. Mesmo assim, no ano de 2008 algumas plantas estavam produzindo como é o caso das espécies cítricas: o limão e laranja, bem como acerola, manga, pêssego, jabuticaba, carambola, ameixa, maracujá e caqui. As fruteiras possuem seu ciclo produtivo diferenciado. As cítricas produzem entre os meses de abril a agosto. A manga tem seu auge de produção entre os meses de novembro e fevereiro. Assim, em vista da diversidade de cultivos de frutas em todo o período do ano 1 tem-se alguma espécie fruteira produzindo. Figura 64- PRODUÇÃO DE FRUTAS Fonte: LIMA, I.V.(jul/set. 2008) Embora a produção no assentamento seja familiar, típica da agricultura camponesa, não é possível afirmar que é individual, pois existe um conjunto de conhecimentos de práticas agrícola-produtivas elaboradas e transmitidas coletivamente. Mas, não se trata de uma prática coletiva semelhante às ações dos movimentos sociais e sindicatos que operacionaliza ações massivas entre os assentados. São coesões cotidianas não necessariamente “mediadas” por entidades, sindicato ou mesmo movimentos sociais. Os assentados participam das palestras e cursos sobre o cultivo, ministradas pelo Agraer, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e outras entidades. Existe também a comunicação entre os próprios assentados e a interlocução com os vizinhos, onde ocorrem às trocas de informações relacionadas ao cultivo, manejo, produção e comercialização, ou seja, há o repasse de técnicas desenvolvidas com base na experiência de vida camponesa dessas pessoas. Para obter maiores informações e conhecimento sobre esse cultivo, mediado pelos órgãos públicos e entidades que atuam no assentamento, os assentados tem conseguido realizar alguns cursos técnicos fornecido pelo SENAR/MS (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Este foi o caso do curso de Plantio e Manejo Básico de Pomar, 1 realizado em 2008 (figura-15), onde foram repassados pelos agentes informações técnicas e práticas sobre o cultivo e manejos das espécies frutíferas. No mesmo ano, 2008, foi ministrado pelo SENAR no assentamento o curso de Fabricação de Conservas (figura 8). Nesse curso foram repassadas informações nutritivas, modos de preparo e principalmente maneiras de conservar os alimentos por um período maior de tempo. Figura 15- PLANTIO DE FRUTAS E FABRICAÇÃO DE CONSERVAS. Fonte: Sindicato dos Trabalhadores de Mundo Novo (2008) A fabricação de conservas é uma atividade genuína da forma de vida camponesa, pois com ela aumenta a possibilidade de aprovisionar uma quantidade e diversidade de determinados alimentos por um período maior de tempo. Mesmo antes da realizado do curso, as famílias já praticavam essa atividade. No entanto, as famílias assentadas alegam que com o curso tem ampliado o leque de conhecimento e possibilidades que estas famílias desconheciam. O curso sobre a fabricação de conservas buscou demonstrar as possibilidades de melhor aproveitamento da produção, quando foi trabalhado na conserva de diversas espécies como as frutíferas, raízes, leguminosa, e as hortaliças, sendo essa ultima uma atividade fundamental para as famílias assentadas. O cultivo de hortaliças coincide com a própria formação do assentamento, ou seja, uma das primeiras atividades das famílias assentadas foi construção da horta. A horta é estratégica na produção de alimentos, pois o ciclo curto da maior parte das espécies em pouco tempo proporciona alimento para as famílias. Quadro-8 Espécies Alface HORTALIÇAS Almeirão Couve Cenoura beterraba Rabanete 1 % dos lotes 85 Espécies Tomate % dos lotes 50 Espécies Chicória % dos lotes 25 Fonte: Pesquisa de Campo 80 Rúcula 60 Cebolinha 90 70 Agrião 30 Salsa 70 65 Cebola 25 Coentro 70 40 Alho 10 Berinjela 20 40 Jiló 15 Manjerona 75 Desde a formação do assentamento (2003), são cultivadas várias espécies de hortaliças, sendo a alface, o almeirão, a couve, a cenoura, a rúcula e as que são classificadas como “cheiro verde” (cebolinha, salsa e coentro) as espécies mais cultivadas. Um detalhe importe nesse cultivo é a capacidade produtiva, pois uma horta de 100 m2 é suficiente para abastecer um número de 6 famílias considerando 4 pessoas em cada família. No entanto, o tamanho das hortas no assentamento (figura16) - é relativamente pequeno em vista do número de pessoas da família e principalmente pelas necessidades de consumo da unidade produtiva. Uma parte da produção da horta também é utilizada na alimentação dos animais. Figura 16 - CULTIVO DE HORTALIÇAS Fonte: LIMA, I.V. (2009) Geralmente as hortaliças são cultivadas próximas as moradias das famílias e na maioria dos casos, esses cultivos são realizados de forma orgânica, ou seja, não é utilizado fertilizantes ou defensivos químicos. Para o cultivo orgânico é utilizados adubação do solo 1 com resíduos orgânicos obtidos nos próprios lotes, como estrumes dos animais e palha. Além das hortaliças, são cultivadas diversas espécies de ervas medicinais e outras plantas utilizadas na fabricação de bebidas (chás) ou em condimentos como erva cidreira, capim santo, manjerona, gergelim, arruda, boldo, hortelã, anador, erva-doce, canflor, alecrim, dentre outras variedades. Muitas dessas ervas desempenham um papel fundamental nas emergências, pois delas são feitos chás para aliviar dores diversas. São poucas as famílias que se utilizam deste cultivo que consideramos para autoconsumo para fins comerciais, embora também possa ser destinado à venda. Das 83 famílias assentadas, apenas 5% realizam os cultivos de autoconsumo destacados acima para fins comerciais. A criação de animais é outra atividade importante do assentamento que pode ser destinada ao autoconsumo ou comércio para subsistência das famílias e consiste em três espécies, como pode ser verificado no quadro -09: as aves, suínos e gado bovino. Os animais menores (aves e suínos) são destinados principalmente para atendimento do consumo interno. Já os maiores (gado) também são para atender o consumo. No entanto, o gado é responsável pela geração de renda monetária para as famílias assentadas. Quadro- 9 Aves % dos Quant. de % lotes animais Cons. 47 (-) de 36 100 32 36 a – 70 80 21 70 a – 100 60 Total Freqüência Cons. lotes de animais anual 100% 40 animais 50* Fonte: Pesquisa de Campo CRIAÇÃO ANIMAL Suínos % dos Quant. de % lotes animais Cons. 58 (-) de 5 100 21 5 a- 10 50 16 10 a- 15 25 Total Freqüência Cons. lotes de animais anual 95% 03 animais 03 %dos lotes 21 53 15 Total lotes 89% Bovinos Quant. de animais (-) de 15 15 a – 30 30 a – 45 Freqüência de animais 20 animais % Cons. 5 7 5 Cons. anual 02 A criação de aves é essencial para as famílias do assentamento, utilizando dessa lógica do autoconsumo. A criação é diversificada como patos, perus, gansos, galinha angolana. No entanto, a maior parte da criação de aves é da espécie galináceo (galinhas caipira) e são criadas soltas no terreno ou em áreas cercada por telas de aço conforme demonstra a figura -17. O fato da alimentação destes animais ser produzida nos próprios lotes possibilita um baixo custo de produção. São alimentadas com milho, mandioca, verduras e legumes da 1 horta (aquela parte que se encontra de maneira imprópria para o consumo humano). Além desses produtos, essas aves são alimentadas com plantas, como por exemplo, as gramíneas. Figura 17 -CRIAÇÃO DE AVES Fonte: LIMA, I.V. (2009) É destacada a reprodução das aves, pois segundo os assentados, com uma ave (galinha poedeira) é possível se obter entorno de 30 aves durante o intervalo de um ano. As aves levam em média 06 meses para atingirem ponto de abate para o consumo. Para não prejudicar o desempenho reprodutivo, periodicamente são trocados ovos com os vizinhos num melhoramento genético artesanal, pois as aves poderão fazer cruzamentos diversos para não “refinar” o rebanho. A facilidade na alimentação e alta reprodução desses animais são um dos fatores que levam os assentados ter essa espécie de animais, principalmente nos anos iniciais do assentamento. Como demonstrado no quadro -9, em praticamente todos os lotes existem as criações de aves, independente do número de pessoas existente na família. Mesmo pequeno, há o comércio de aves que são vendidas em média ao preço de R$ 15,00 (em 2008) cada uma. Essa comercialização é realizada nos próprios lotes quando há procura desse produto por pessoas da cidade, ou são abatidas e levadas Mundo Novo e principalmente para Salto Del Guairá, cidade paraguaia próxima ao assentamento, que está localizado na fronteira do Brasil com o Paraguai. O comércio de aves é feito pelos assentados que possuem uma quantidade superior a 1 35 animais, o que indica que o consumo médio é 35 aves a cada semestre. Há lotes que a produção é maior, mas as aves são destinadas ao comercio e não apenas ao consumo. A mesma lógica do autoconsumo na criação de aves acompanha a criação de suínos. Esses animais são alimentados com milho, mandioca, verduras, leguminosas, soro extraído de leite na fabricação de queijo, folhas de amoreira e também com sobras da cozinha, produtos esses que são também obtidos nos lotes. Essa criação de suínos tem se apresentado em 95% dos lotes e em média são criados 03 animais (figura -18) por lote. O tempo necessário para atingir ponto de abate (80 kg) é de 06 a 08 meses, assumindo grande importância no consumo alimentar das famílias. Dos suínos são consumidos principalmente a carne e gordura (banha, torresmo). Figura 18 - CRIAÇÃO DE SUÍNOS Fonte: LIMA, I.V.(2009) Considerando que os alimentos desses animais são extraídos da própria produção interna dos lotes, poderia levar esses camponeses assentados a terem um número maior de animais, sendo que quase não a custos com a alimentação. Entretanto, isso não tem acontecido no assentamento, pois na medida em que esses assentados aumenta essa quantidade pode comprometer a lógica do autoconsumo, ou seja, essa produção pode ficar submetida às leis do mercado como pode ser notado no depoimento do assentado, afirmando o seguinte: 1 Eu criava aqui no lote uns trintas porcos pra vender, comprava um pouco de ração e inteirava com milho e outras coisas, mas na hora que eu ia vender não tinha preço, não pagava os custos. Então eu parei e agora só tenho apenas dois porcos, esses dão para o meu consumo. (A. A., assentado, agosto 2006). O aumento na quantidade do rebanho de suínos pode expor esse camponês assentado a um grau de risco de subordinação, teria esse que produzir uma quantidade maior de alimentos para esses animais caso não produz o suficiente terá que comprá-lo. Apesar da venda desses animais poder ser adiada o mesmo não se pode fazer o mesmo com alimentação desses animais. Uma possibilidade nesse caso seria a comercialização dos suínos na forma de derivados, ou seja, transformá-lo em lingüiça, banha, defumado e torresmo o que aumentaria a chances de melhores rendimentos na comercialização. Buscando assegurar o autoconsumo a comercialização de suínos ocorre nos lotes que possuem uma quantidade acima de 03 animais, sendo vendidos os animais ainda pequenos principalmente para os vizinhos que querem engordá-los. Como maiores possibilidades do que a criação de suínos é desenvolvida no assentamento a criação de bovinos (vacas leiteiras), sendo essa uma maior e constante fonte de renda monetária para os assentados, tendo também como objetivo fornecer a carne, o leite e derivados da produção leiteira, alimentos esses que fazem parte da dieta humana. A quantidade existente de rezes por lote está condicionada pela área de pastagem existente e outros cultivos destacado no quadro - 6, principalmente a cana e o napier. Entretanto, a quantidade mais freqüente nos lotes é de 20 animais sendo em média criadas 03 cabeças por hectare de pastagem e consumida em média 02 rezes por ano. Quanto a essa criação de gado segundo aos assentados a quantidade existente por lotes nos primeiros anos do assentamento eram inferiores da existente nos anos mais recente. Isso se deve ao motivo de que nos primeiros anos se iniciava o plantel, sendo que muitos não tinham recursos econômicos para adquirir uma quantidade maior, dessa forma a saída encontrada foi investir em vacas, pois essa garantiria a produção de leite e o aumento do rebanho abrindo possibilidades para o consumo de carne e a comercialização desses animais (figura 18). 1 Figura 18- CRIAÇÃO BOVINA Fonte: LIMA, I.V.(2009) Diferente de cultivos agrícolas, esses animais podem ser comercializados há qualquer época do ano sem necessariamente considerar os seus diversos estágios de crescimento, ou seja, quando bezerros, novilhos e adultos. No entanto, os assentados que possuem área de pastagem insuficiente têm realizado logo após a sua desmama vendo na faixa de R$ 450,00 (agosto 2009). Na comercialização há uma seleção das rezes, ou seja, dão preferência para a permanência das fêmeas no rebanho, sendo que essa possibilita a geração de leite, como são elas de dão continuidade no ciclo reprodutivo, ou seja, na fase adulta a cada 15 meses essa gera outra rês. Entretanto, o favorecimento da criação bovina está na facilidade de se obter alimentos para os animais, pouca mão-de-obra no manejo, na produção de carne e leite, capacidade de reprodução, vantagens com a comercialização, dentre outros fatores com a criação bovina os assentados conseguem formar um fundo de reserva monetária para ser utilizada nos momentos de maiores dificuldades. 4.6 - O autoconsumo e os derivados da produção animal Ao analisarmos esse modelo de produção adotado no assentamento Pedro Ramalho, podemos verificar que o centro do desenvolvimento nos lote se constitui na produção convertida em autoconsumo. Dessa forma, a produção animal tem maior capacidade de transformação, ou seja, torna-se a “máquina conversora”, pois sem ela a conversão para o autoconsumo de alguns produtos a produção básica de subsistência, por exemplo, o milho e a mandioca seriam mínimos. Além disso, não existiria também a produção/geração de 1 derivados (leite, queijo, ovos, banha, etc.), sendo essa produção/geração considerada como renda extra e parte para o consumo alimentar. Não apenas o gado bovino, mas também a criação de aves e dos suínos, destacada anteriormente, são fundamental para a unidade camponesa, além de fornecerem a carne também possibilita a geração de derivados como indica o quadro-10. Quadro – 10 PRODUÇÃO de DERIVADOS da CRIAÇÃO ANIMAL Aves - ovos Suínos - banha Bovinos- leite % Dz/ % % Kg/ % % Ls/ dia % lotes dia Cons. lotes ano Cons. lotes Cons. 58 (-) 1 100 65 60 100% 26 (-) de 20 10 21 1a -2 50 52 20 a -40 05 21 2a3 30 11 40 a -60 02 Total 100 % Total 65 % Total 89 % % lotes 5 11 16 Queijo Kg/ mês -15 -30 -50 % Con 20 15 10 Total 32 % Dz/dia: dúzias por dia; Kg/ano: quilos por ano; Ls/dia: litros por dia; Kg/mês: quilos por mês Como apresentado no quadro-10, é expressiva a quantidade de ovos produzidos no assentamento, essa quantidade se relaciona com o número de aves existente em cada lote, sendo que nos lotes que contem uma quantidade de 50 aves produzem em média 02 dúzias diárias de ovos, isso em períodos que as aves estão em plenas condições de produção. Porém são poucos que comercializam essa produção, isso presume que nos lotes que não vende essa produção ela seja consumida. De fato é mesma, mas evidentemente que uma família não consume duas dúzias de ovos todos os dias. No entanto, essa produção é utilizada na cozinha doméstica, sendo preparados fritos, cozidos, colocados em pães, bolos e outros pratos da culinária doméstica, como também são distribuídos a outras famílias. Deve ser considerado que uma grande quantidade é extraviada nos próprios ninhos das aves, são devorados por outras aves e animais campestres, além dessas formas de consumo tem-se o fato que é necessário separar certa quantidade para reprodução das aves. Ratificando o que já foi mencionado, a criação é extremamente fundamental na unidade camponesa de produção, considerando como primeira hipótese a criação de animais para abastecer o autoconsumo através do aprovisionamento de carnes, teria assim o criador o trabalho ou a mão-de-obra para alimentar os animais, entretanto, essa modalidade 1 de animais proporciona os derivados, no caso das aves os ovos, dos suínos a banha e do gado bovino o leite, isso faz com esses produtos derivados venha de forma “gratuita” para o camponês, dispensando a sua aquisição no mercado. Com a produção de ovos e de banha além de dispensar essas famílias em estar dispondo de recursos financeiros para a obtenção desses produtos tem-se a questão da dieta gastronômica, há preferência por parte de algumas das famílias em estar consumindo ovos de galinha caipira e a gordura animal em detrimento com ovos de galinha de granja e o óleo vegetal (de soja). Não que seja eliminado totalmente o consumo do óleo vegetal, mas o seu consumo se restringe principalmente a alguns pratos como no tempero de saladas. Dentre as famílias assentadas entorno de 65% têm utilizado a banha no preparo dos alimentos e principalmente nas frituras de batata, mandioca, carnes e até mesmo na fabricação caseira de sabão. Dessa forma o abate dos suínos nos lotes que se mantém o consumo constante de banha está condicionado mais pela necessidade da banha em detrimento com a necessidade da carne. Outra geração de derivados proporcionados é obtida da produção leiteira que se apresenta em 89% dos lotes no assentamento. A quantidade de leite produzida se relaciona diretamente com o número e a qualidade dos animais existente em cada lote. Para os dados obtidos através dos questionários de 2006 era produzida uma média de 20 litros diários por lote, já para os dados de 2008, essa média de produção se eleva para 30 litros diários. O determinado aumento médio é alegado pelo seguinte motivos, a atividade bovina tem seu inicio praticamente em setembro de 2004 logo após os assentados receberem o recurso financeiro do Incra (R$ 13.500,00). Para os assentados que não tinham nenhum recurso econômico foi nesse momento que cercaram seus lotes e comprou o gado, pois muitos não tiveram opção para realizar uma boa compra, isto é, adquiriam as vacas desconhecendo da precedência, ao contrário, os que já tinham algum recurso econômico e experiência32 com atividade bovina foram avantajados com essa atividade. Os assentados que tinham pouca experiência, ou compraram um rebanho de não tão boa qualidade, necessitou de aproximadamente 02 anos para conhecer o perfil de seu gado, ou seja, foram assim identificadas as vacas boas e ruins de leite. É a partir desse momento 32 Algumas das famílias antes de ser assentadas trabalharam nas fazendas de gado na região por um período de até 20 anos. 1 que conseguiram fazer uma seleção, melhorando o seu rebanho, o que justifica o aumento na produção de leite. Da quantidade produzida é retida para o consumo familiar em média 02 litros diários, isso depende da necessidade, por exemplo, nos dias que querem fazer bolo, doces, queijo, iogurte e outros quitutes da culinária doméstica é retida uma quantidade maior. Excedente produzido é comercializado informalidade (vendas no varejo) ou com as empresas lácteas da região, principalmente, com as de Guaíra e Marechal Candido Rondon no estado do Paraná. Na comercialização desse produto, através da secretaria estadual de agricultura por intermédio das entidades e órgão atuante no assentamento, em 2008, esses assentados conseguiram a instalação de um resfriador comunitário com capacidade de 2000 litros. O processo de luta pelo resfriador já havia sendo desenvolvido desde 2006. Com o resfriador conseguiram também negociar o preço do leite vendendo a R$ 0,65 o litro para a empresa de Marechal Candido Rondon enquanto a empresa de Guaíra paga R$ 0,53 (agosto de 2009). Além dessa venda com as empresas alguns realizam a venda informal esporádica (em alguns dias da semana) na cidade do Salto Del Guairá no Paraguai a R$ 1,00 o litro, pois a venda no varejo em Mundo Novo é proibida em garrafas peti, ocorre por via de uma associação de produtores que realiza um pré-processo pasteurização e empacotamento do produto, o que torna inviável pelos assentados devia a distância desse local (09 a 14 Km). Dentre esses assentados produtores de leite, não são todos que vendem diretamente o leite, alguns transforma em queijo, outros combinam a venda formal ou informal do leite com a venda de queijo, nesse caso o queijo é vendido nos próprios lotes e nas cidades vizinhas. A produção de queijo teve o seu maior auge em 2005, quando houve o surto da Aftosa (doença no gado que afetou o sul do Estado de Mato Grosso do Sul), sendo que nesse período foi proibida a comercialização do leite, dessa forma essa produção era transformada em queijo ou destinavam o leite na criação de suínos. A transformação dos produtos nas próprias unidades de produção é via para o camponês diminuir a sujeição ao capitalismo, porém para esse processo de transformação em alguns casos o camponês terá que disponibilizar de capital na aquisição de equipamentos. No caso de alguns produtos lácteos não necessita de um alto investimento, 1 no entanto, depende principalmente da disponibilidade de mão-de-obra, pois se ele passa a contratá-la automaticamente não estará condizente com a estrutura camponesa de produção, a qual tem em sua base o trabalho familiar. Nesse sentido, vemos que as famílias desse assentamento estão caminhando em busca de processar os produtos nos próprios lotes, utilizando o trabalho da familiar. A exemplo, a difusão dos cursos de Fabricação Caseira dos Derivados do Leite (2008) e o de Qualidade do Leite (2009) promovidos pelo SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), exposto na figura-18. Figura 7 - FABRICAÇÃO CASEIRA de DERIVADOS e QUALIDADE DO LEITE Fonte: STR de Mundo Novo (2008); LIMA, I.V. (2009) Nesses cursos são repassadas orientação técnicas e práticas, que tem sido oferecido principalmente para as famílias que tem maior aptidão com a atividade. 1 CONSIDERAÇÃOES FINAIS O destino do campesinato sob o modo capitalista tem divido a opinião dos estudiosos que buscam compreender o campo. De um lado, alguns estudiosos tais como Kautsky (1980) apontam para o desaparecimento do campesinato e de outro existem aqueles como Oliveira (2007) e Martins (1990) que interpretam a (re) criação do campesinato no interior do modo de produção capitalista. Na análise de ambos, a terra, a produção e a circulação estão colocadas como elementos desta interpretação. Segundo Oliveira (2007), aqueles que apontam para o desaparecimento do campesinato se apóiam, principalmente, na idéia da inserção do camponês no mundo da mercadoria, produzindo cada vez mais para o mercado capitalista. Isso implicaria no abandono da produção de subsistência, tornando-se um pequeno capitalista ou perderia seus meios de produção (principalmente a terra), tornando um trabalhador assalariado. Os autores que buscam entender a permanência do campesinato compreendem o processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção de forma contraditória, pois mesmo em sua etapa monopolista, o capital cria e recria relações não-capitalistas de produção. Para esses autores, o processo contraditório de desenvolvimento do capitalismo se faz em direção da sujeição da renda da terra ao capital, podendo esse subordinar a produção camponesa, especular com a terra (comprar e vender) ou sujeitar o trabalho que se dá na terra. Foi mediante essa concepção contraditória que atentamos para alguns dos elementos que fazem parte da vida física e social do campesinato, ou seja, buscamos compreender as imposições e estratégias de resistência desencadeada pelos camponeses como forma de garantir a sua existência social e econômica no modo de produção capitalista. Assim, verificamos que os camponeses para continuar se reproduzindo recorreram á migração, no caso a vinda para as terras de colonização “dirigida” (privada e estatal) ocorrida em Mato Grosso do Sul. Neste contexto de colonização das terras de Mundo 1 Novo, os camponeses e sua renda estavam sujeitos a partir das relações criadas no interior do Projeto de Colonização Estatal (Projeto Iguatemi) ou então no trabalho familiar nãocapitalista na condição de arrendatário e parceiro na “colonização” da região. Entretanto, essa sujeição da renda da terra, em período recente vem sendo respondida através das ocupações de latifúndios pelos camponeses despossuídos. Dessa forma, as lutas de resistência camponesa organizada nos movimentos sociais tornam-se outro elemento fundamental para garantir a existência camponesa. As lutas camponesas são contrárias às imposições do capitalismo, isto é, através da luta pela terra os camponeses estão negando a sua “proletarização”, como também negam a migração para a fronteira como no caso da Amazônia. Nesse estudo sobre o assentamento Pedro Ramalho, verifica-se que os camponeses desenvolvem um conjunto de lutas coletivas nos movimentos pela conquista da terra. A conquista da terra desafia os camponeses a construção de meios para garantir as sua permanência na terra do assentamento. Portanto, a luta dos camponeses não termina no momento da conquista da terra, mas continua a partir da conquista da terra de assentamento. Um exemplo dessas lutas na terra é a produção de subsistência/autoconsumo desenvolvida no assentamento Pedro Ramalho. É nesse contexto de resistências que os camponeses se reconhecem enquanto classe, pois quando se encontram na condição de despossuídos da terra, a tendência é perder a sua identidade e seu modo de vida camponês. Neste sentido, o território, no caso o assentamento, surge como elemento importante para garantir a existência camponesa. Assim, os assentados de Pedro Ramalho em Mundo Novo, através da produção de autoconsumo e subsistência, tem procurado se defender (agricultura defensiva) e responder às imposições do modo de produção capitalista assentado na produção de mercadorias e exploração da mais-valia. Ainda sobre a produção no assentamento, ao confrontá-la com algumas teorias sobre o destino do campesinato, é verificada a existência de uma produção voltada diretamente para autoconsumo a qual é uma característica genuína da essência camponesa que é reproduzida nos dias atuais. Foi verificado também uma produção flexível entre o consumo a venda ou o adiamento da sua comercialização. O autoconsumo e subsistência não implicam no isolamento econômico desses 1 camponeses assentados, mas uma defesa contra as oscilações do mercado, pois torna se necessário para esses a circulação de parte de sua produção que tem como objetivo atender necessidades de consumo para além da alimentação e obtenção de produtos do lote. Porém, deve se considerar que nem toda a produção camponesa é colocada à circulação; e o mesmo pode se dizer que nem todo da produção camponesa passa pela sujeição da renda da terra ou do trabalho realizado nela. A produção e renda de autoconsumo escapam à subordinação, pois não é colocada a circulação; não se constitui como mercadoria. Verifica-se que os camponeses do assentamento Pedro Ramalho compreendem que o capitalismo busca forçar sua inserção no mundo da mercadoria, tornando-os dependentes dos insumos industrializados, presos a circulação. A interrupção do cultivo do algodão, soja e sericicultura são exemplares, pois os assentados têm adotado atividades agropecuárias que podem ser flexibilizadas, ou seja, produção que possam ser vendidas, consumidas ou armazenadas. Esse estudo também permitiu verificar que a criação animal garante em grande parte a sobrevivência dos assentados no lote. Essa produção (criação de animais) funciona como uma “máquina conversora”, pois esse tipo de produção facilita a conversão de alguns produtos básicos (milho e mandioca, por exemplo). Aqueles produtos que são impróprios para o consumo humanos são convertidos para trato de animais que posteriormente são destinados á alimentação da família. Além disso, os animais entram diretamente no consumo alimentar dos membros da família, sem passar pelo processo de industrialização, como o que ocorre com alguns produtos como a mandioca/farinha e o milho/fubá, etc. Outra vantagem dessa produção é a geração de derivados de leite, ovos e banha, que se traduz numa renda extra, somando-se ainda as possibilidades de diversificar os alimentos como bolos, doces, queijo, nata, iogurte e outros. Além dessas possibilidades, os animais, principalmente bovinos, assumem um papel importante na renda monetária das famílias assentadas e funciona também como uma poupança que é acionada em períodos de maiores dificuldades. Outra verificação no assentamento Pedro Ramalho está relacionada à interpretação sobre a composição e o trabalho familiar, quando foi identificado um balanço entre a mãode-obra necessária e a excedente, isto é, a contratação ou venda temporária dessa mão-deobra. Observou-se que apesar de pequena, existe a venda fixa da força de trabalho, porém 1 não indica que esses camponeses assentados estão caminhando para proletarização. Ao contrário, a venda da força de trabalho excedente é uma estratégia na garantia de sua subsistência. A característica de produção de parte de sua subsistência para garantia das necessidades do consumo familiar é constatada, principalmente entre aqueles camponeses que possui um maior número de consumidores em detrimento do número de trabalhadores, isto é, os que trabalham diretamente na terra buscam através da produção de autoconsumo assegurar o consumo alimentar dos demais membros da família que não trabalham. Dessa forma, a produção de autoconsumo se articula com as outras atividades econômicas desenvolvida por esses camponeses assentados, seja com o trabalho na própria terra ou mesmo com as outras atividades econômicas externas ao lote. Embora a organização produtiva no assentamento não esteja pautada por cooperativas, movimentos e sindicatos, ela não indica o isolamento do assentado e individualismo. No assentamento há um conjunto de ações como palestras ministradas pelas entidades de assistência técnica para tratar do manejo e cultivo; ações recíprocas existentes entre os próprios assentados socializando experiência de vida camponesa; troca de informações sobre a vida nos assentamentos; dentre outras. Portanto, não se trata de resistência elaborada na esfera individual e sim de uma construção coletiva, não dirigida por entidades, movimentos sociais ou sindicatos. Eis, portanto, como os camponeses do assentamento Pedro Ramalho desenvolvem um conjunto de práticas de produção de autoconsumo e subsistência que indicam a resistência aos esquemas de dominação e subordinação do modo de produção capitalista. Uma resistência na esfera da produção (autoconsumo e subsistência) que garante a sua existência. 1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: HUCITEC, 1992. ALMEIDA, R. A .de. (Re) criação do campesinato Identidade e distinção: a luta pela terra e o habitus de classe. São Paulo: Editora UNESP, 2006. ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História: 1870-1929. São Paulo: Boletim Paulista de Geografia: AGB, n. 61, 1984. BATISTA, L. C. Brasiguaios na fronteira: caminhos e luta pela liberdade. São Paulo, USP, 1990. (Dissertação) BRAND, A. J.; FERREIRA, E. M. L. Os Kaiowá e Guarani e os processos de ocupação de seu território em Mato Grosso do Sul. In.: ALMEIDA, R. A. A questão agrária em Mato Grosso do Sul: uma visão multidisciplinar. Campo Grande, MS: Editora da UFMS, 2008. BRANDÃO, C. R. Plantar, Colher, Comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981. CANDIDO, A. 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Quanto?_____________ Como é adquirida _________________________________________________ 8-Onde já trabalhou, e quanto tempo: LAVOURA CIDADE ( ) proprietário____________________ ( ) proprietário____________________ ( ) empregado_____________________ ( ) funcionário______________________ ( ) arrendatário ____________________ ( ) volante _________________________ ( ) volante________________________ 9-Detalhamento da atividade _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 10- Origem anterior ao acampamento/assentamento _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ PRODUÇÃO Quais as culturas, quantidade e destino. 11- Milho a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________ 12- Feijão a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________ 13- Mandioca 1 a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________ 14- Algodão a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________15Soja a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________16Outros a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________16.1 - Outros a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________ 16.2- Outros a)área___ b)produção total_____ c)com. c/cidade______ d)com. c/vizinho__________ e)consumo no lote______em que __________________________________________ f) sementes ____________________________g) dias/horas de trabalho plantio/colheita ___________________________________h) quantas vezes planta no ano___________ ______________________________________________________________________ 17- Hortaliças a)área ________ b)detalhamento/ tipos de plantas/ legumes da roça/época do ano _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ c)detalhamento do destino/cidade/vizinho/amigos/consumo no lote. _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ c) Que tipo de insumos é utilizado __________________________________________ d) tempo gasto nessa atividade _____________________________________________ ______________________________________________________________________ 1 18-Existe pomar /ele está produzindo/o que produz/destino da produção/quantas mudas _____________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________ 19-Produção animal Especificar quantidade/destino/emprego/quem realiza as atividades/ quanto tempo utiliza nas atividades dessa produção. Bovino:___________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _____________________________________________________________ Galinhas:_________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ Suínos:___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _ Outras____________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 20 - Derivados da produção animal: Produção de leite total _____ venda _______ consumo _______ especificar o consumo: bolo/nata/doces/queijo/ in natura. _________________________________________ _____________________________________________________________________ com quem comercializa e por quê?________________________________________ ______________________________________________________________________ Ovos: quantidade/ que época do ano produz/ destino. ___________________________ _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Banha: quantidade/destino. _______________________________________________ Outros_________________________________________________________________ 21-Tempo nas atividades (comercialização/fabricação) _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 22- Mão-de-obra a) Entra no lote: ( .) familiar; ( ) diarista; ( ) trocas de dias/ mutirão; ( ) assalariada b) Sai do lote: ( ) dias de trabalho; ( ) assalariada; ( ) troca de dias/ mutirão ( )outras _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 23- Utiliza tração: animal/ mecânica/individual /coletiva/própria/alugada a) animal: (especificar o dono, no que utiliza, quanto tempo, motivo do uso) _________________________________________________________________________ 1 ___________________________________________________________________ b) mecânica (especificar o dono, no que utiliza, quanto tempo, custo de hora ) _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 24-Recebe algum tipo de assistência técnica?______Em quê? _____________________ ______________________________________________________________________ Particular/ empresarial/ de alguma entidade ___________________________________ 25-Quais os órgãos do governo que atua no assentamento________________________ ______________________________________________________________________ 26-Os órgãos atendem as necessidades?______________________________________ _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 27- É filiado em: ( ) associação ( ) sindicato ( ) partido ( ) movimento popular ( ) outros ___________________________________________________________ 28- Grau de instrução do chefe ___________________________________________ 29- Os filhos estudam (série, vão fazer faculdade)______________________________ ______________________________________________________________________ 30 - Dispõe de algum sistema de financiamento (governo/banco/agiota/vizinho) _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 31-Está contente na condição de assentado ___________________________________ ______________________________________________________________________ 32 – Quais as dificuldades e o que poderia ser feito em benefício do agricultor_______ _________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 33- Qual a renda anual com o lote R$ _______________________________________ 34- Quanto investiu no lote R$_____________________________________________ 35- O que é comprado na cidade (máquinas/ferramentas/roupas/alimentos/farmácia/ transporte qual o valor gasto mensal) ______________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 36- Freqüenta (casa dos vizinhos/ festas/igreja) ________________________________ ______________________________________________________________________37Outras informações: _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 1 _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________