No 26 - Fevereiro 2013
“Itaipu foi a
vanguarda de dois
países de
população e
linguagem
distintas;
economias
completamente
díspares; cultura e
tradição diferentes
que realizaram um
grande
empreendimento
em conjunto. Até
hoje, no mundo,
não existe nenhum
empreendimento
binacional da
proporção de
Itaipu”
Jorge Samek
Jorge Miguel Samek
Diretor Geral Brasileiro da Itaipu Binacional
Entrevistado por Fernando Luzio
Conversamos com Jorge
Miguel Samek, Diretor-Geral
Brasileiro da Usina Hidrelétrica
de Itaipu – a Itaipu Binacional.
Samek foi Secretário da
Agricultura e Abastecimento de
Curitiba, Vereador e Deputado
Federal. Há mais de 9 anos na
Liderança da Itaipu Binacional,
é reconhecido e respeitado como
uma das maiores autoridades do
mundo em energia.
A entrevista foi gravada na
sala do Samek na Itaipu, em Foz
do Iguaçu. Apresentamos a
seguir trechos da entrevista. A
versão completa você poderá
ouvir pelo site www.luzio.com.br
ou baixar no seu tocador mp3
(iPhone/iPod ou outros) pelo site
da Luzio ou pela iTunes Store
(utilize o link no nosso site).
1
www.luzio.com.br
Fernando Luzio. Samek,
muito obrigado pela sua
participação no nosso Programa.
Conte um pouco da sua história,
para que todos possam te
conhecer, nas suas próprias
palavras.
Jorge Samek. A satisfação
de poder participar deste
encontro é toda minha. Meus
avós imigraram da Polônia,
próximo a Primeira Grande
Guerra e, como todos aqueles
que imigraram para o Brasil,
foram recebidos de braços
abertos. Tivemos a felicidade de
ter vindo morar em Foz do
Iguaçu. Nasci, cresci e me
desenvolvi aqui, e tive a
oportunidade de sair da minha
cidade para estudar já que,
naquela época, aqui só existia o
curso até o segundo grau.
Exatamente neste período
em que saí para estudar, iniciouse a assinatura do Tratado e a
Constituição de Itaipu. Durante
todo o seu processo de
construção, eu cursei
Engenharia Agrônoma na
Universidade Federal do Paraná
e, nos feriados e nas férias,
obrigatoriamente eu retornava à
minha cidade natal e assistia à
transformação de uma empresa
no município e na região.
Tinha um irmão mais velho
que era acadêmico de
Engenharia Civil. Meu avô foi o
primeiro Agrônomo aqui de Foz
do Iguaçu. Sou de uma família
que vai para a quarta geração de
Engenheiros Agrônomos – esta é
a principal atividade de toda a
minha família.
O período em que cursei a
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
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faculdade coincidiu com o momento
de redemocratização do país. Ser
estudante naquela época foi um
privilégio, pois pude desfrutar daquele
momento intenso de discussões sobre
democracia, anistia e liberdade, tudo
isso somado a um Brasil em
crescimento, o povo na rua, mudanças
profundas ocorrendo no mundo, a
tecnologia dando saltos. Portanto,
aquele foi um período importantíssimo
que tive a oportunidade de viver.
Assim que me formasse, o desejo
era que eu voltasse para os negócios da
família aqui na região, mas acabei me
envolvendo muito com o mundo
acadêmico, tornei-me Presidente do
Centro Acadêmico e me interessei pela
Política. Quando me formei, estava
envolvido até a medula com as
discussões sobre o modelo agrícola, a
redemocratização e a anistia. Acabei
ficando em Curitiba e assim trilhando
os primeiros passos da minha vida.
Na primeira eleição que houve no
Paraná, em que foi eleito o
Governador José Richa, muito jovem
me tornei Diretor da Secretaria da
Agricultura do Estado. Dois anos
depois, virei Secretário da Agricultura e
Abastecimento de Curitiba, ao mesmo
tempo em que ocupava a Presidência da
Ceasa. Fizemos inúmeros programas
fortes nessa área social e ambiental que
me levaram por um caminho que eu
jamais imaginei: o Parlamento.
Tornei-me Vereador de Curitiba e
acabei me reelegendo por quatro vezes;
depois fui eleito Deputado Federal; fui
Presidente do Partido aqui no Estado; e
concorri ao cargo de Governador pelo
Partido dos Trabalhadores em 1994. Foi
durante esta trajetória que tive a
oportunidade de conhecer todas essas
principais lideranças que hoje estão em
postos de alto comando, desde o
Presidente Lula até uma série de
Ministros e Governadores.
Fui eleito Deputado Federal com
uma votação extraordinária. Quando
estava para ocupar a cadeira, o
Presidente Lula me chamou e disse
“Olha, a vida inteira você falou tanto de
Itaipu – que podia ser uma ferramenta
de transformação, um ícone na questão
ambiental, no desenvolvimento
tecnológico e do turismo regional – que
estou pensando seriamente em te
repatriar para Foz do Iguaçu!”.
E assim, em Janeiro de 2003 (há
dez anos), acabei retornando para a
minha terra natal com muito
entusiasmo e muita motivação.
Encontrei uma empresa extraordinária
com pessoas fantásticas, gente muito
preparada e comprometida. A empresa
já estava pronta do ponto de vista da
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“O mundo inteiro queria ter a
matriz energética que o Brasil
tem. Em se tratando de
combustível lato sensu – desde
o petróleo para movimentar um
automóvel, uma fábrica, um
supermercado, uma caldeira –,
todo o nosso combustível (quase
50%) é renovável. No mundo,
isso equivale a menos de 13%, e
se pegarmos os 20 países mais
ricos, estamos falando em 7%”
Jorge Samek
produção de energia, faltavam apenas
as duas últimas unidades que foram
inauguradas em Maio de 2007.
Fernando Luzio. Falaremos sobre
sua experiência à frente da Itaipu, mas
antes, gostaria de tocar em um ponto
importante: o Brasil tem assumido um
novo posicionamento absolutamente
relevante no cenário econômico
internacional, atraindo atenção e
recursos de investidores internacionais
que enxergam nosso país como um
destino obrigatório, apesar dos gargalos
estruturais que hoje, de alguma
maneira, atrapalham nosso
desenvolvimento sustentável. Qual é a
sua opinião sobre este novo momento
do Brasil? Como é que você enxerga o
Brasil hoje, os desafios e as perspectivas
para os próximos anos?
Jorge Samek. Sempre fui muito
otimista e enxerguei as oportunidades
que estavam postas no destino do Brasil.
Um país com o território como o nosso;
com o clima e solo iguais aos nossos;
uma costa no Oceano Atlântico; alto
potencial hidráulico e hídrico; sol; praia;
petróleo; riquezas naturais; florestas; e
além disso, algo extraordinário que foi
nossa capacidade de receber gente de
todas as partes do mundo, gente que
veio para cá e se tornou brasileira.
Somos um tecido ímpar com pessoas
tão criativas, tão simpáticas, tão dadas –
olha que tenho viajado muito nestes
últimos anos, e cada vez mais eu gosto
mais do meu país.
É quase impossível as pessoas
acreditarem em como é que um árabe
casa com um judeu; como é que um
polonês casa com um ucraniano; como
é que um alemão casa com um polonês.
Mostramos ao mundo que é possível
sim construir um outro mundo melhor.
Já tivemos grandes momentos.
Efetivamente, o primeiro grande
momento que tivemos foi com D. Pedro
I, e depois com D. Pedro II, quando
pudemos manter essa integridade
territorial – o que não tem preço. O
Brasil só virou essa potência, e vai ser
cada vez mais uma potência mundial,
por ter um território nessas dimensões.
Veja que no Tratado de Tordesilhas,
havia Espanha de um lado e Portugal de
outro. Eles se dividiram em onze países!
Uma integridade territorial como a
nossa obviamente nos dá uma condição
extraordinária para nos tornarmos uma
potência mundial.
Um segundo aspecto
importantíssimo é que temos uma
população cordata que vive em
harmonia e paz social. Não temos
grandes problemas de divisão religiosa,
nem étnica como vemos em outras
partes do mundo, onde irmãos matam
irmãos.
Somos um país que cresce
economicamente e, agora, de forma
exponencial. Vejo a questão da
infraestrutura como um bom problema, já
que estamos tendo que correr atrás.
Somente países de primeiro mundo
conseguem se antecipar às grandes
demandas que irão ocorrer. Não tem
como um país em construção dizer
“Vou fazer uma estrada porque daqui a
dez anos irá existir uma cidade muito
importante, aquele estado vai ter muita
população, então já vou fazer uma
grande ferrovia, vou abrir um grande
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
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porto...”. As coisas, efetivamente, vão acontecendo, à medida
em que a atividade econômica vai se instalando e criando a
necessidade de corrermos atrás. Se observarmos, verificamos
que a cada ano que passa estamos melhorando.
Um exemplo curto e concreto: Foz do Iguaçu em 2003,
assistia à 7 aviões chegando por dia no aeroporto
internacional; em 2012, 34 aviões chegam por dia em Foz do
Iguaçu. É obvio que, com a mesma estrutura e com o mesmo
aeroporto, e em um prazo tão curto, existe um grande
problema de gargalo. Agora, automaticamente a Infraero tem
que fazer – não se trata mais de “vou pensar em fazer”.
Veja no nosso negócio: a grande última obra hidráulica
feita no Brasil foi Itaipu e Tucuruí, com 39 anos de existência
e 28 gerando energia! E nesses 28 anos não tivemos mais
nenhum grande empreendimento. Perdemos capacidade de
implantação e Engenheiros da mais alta qualificação – uma
geração enorme de pessoas com todo um conhecimento se
aposentou. Mas, isso é algo do passado. Estamos aí de novo
com Belo Monte, Rio Madeira, Teles Pires, logo vem o
complexo Tapajós, Angra 3, enfim, o Brasil retoma, de forma
extraordinária, os investimentos em infraestrutura.
Não há uma capital no país que não tenha recebido
recursos para melhorar seus aeroportos nos últimos 10-15
anos – só que já ficou defasado. Agora, ninguém lembra que
há 10-15 anos, viajar de avião era coisa de rico. Naquele
período em que estudei em Curitiba, por ocasião da morte
do meu avô, viajei de avião, o que era algo proibitivo. Você
entrava no avião e conhecia todo mundo que estava lá
dentro, porque eram sempre os mesmos: a elite da elite da
elite. Hoje, graças a Deus a gente viaja parcelado e começa a
ver gente voando pela primeira vez. Isto é fruto de
credibilidade, de uma economia estável, de pessoas
acreditando no país.
Acredito que todas essas obras de infraestrutura
colocadas no PAC 1 e no PAC 2 não irão paralisar. As
próximas décadas serão extraordinariamente brilhantes para
o Brasil. E não podemos perder o rumo nem a rotação.
Obviamente que, para podermos manter este
crescimento, temos que ter todo o cuidado do mundo com a
responsabilidade fiscal, a responsabilidade de implantação
desses projetos e sobretudo, crescer distribuindo. O Brasil
cresceu muito nas décadas de 60-70, só que não distribuiu,
então éramos um país rico com um povo muito pobre.
Queremos que o Brasil seja rico, e que seu povo seja rico. E é
nesta direção que trabalhamos, acreditamos e nos
esforçamos.
Fernando Luzio. Falamos sobre o cenário
internacional e não podemos deixar de mencionar que o
mundo passa por um momento de intensa transformação
político-econômica e, novas potências emergentes, dentre elas
o Brasil, passam a assumir um papel cada vez mais relevante
no mundo. Neste momento, surge uma oportunidade cada
vez mais crescente do Brasil exercer uma liderança sadia no
plano regional, tendo a possibilidade de fomentar o
desenvolvimento econômico-social dos nossos vizinhos latinoamericanos.
Compartilhe conosco um pouco da sua experiência nos
projetos notáveis da Itaipu, no sentido do desenvolvimento
regional. Que aprendizados podemos levar para outras
empresas brasileiras, públicas e privadas, sobre como
aproveitar essa relação que temos com os países vizinhos e
fortalecermos nossa região?
Jorge Samek. Itaipu é ícone neste processo e tem muito
a contribuir com esta integração que é relativamente nova.
Até a Segunda Guerra Mundial, um vizinho sempre olhava
para o outro como um inimigo – “Quando vamos brigar?
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Quando aquele vai querer nos invadir? Que pedaço do
território eles vão querer me tomar?”. É só você olhar o
mapa mundi e ver quantas e quantas vezes ele se alterou.
Aliás, recentemente, observe a Iugoslávia, a faixa de Gaza e o
que vem ocorrendo no Oriente e em alguns países da África
para ver que ainda hoje, em pleno século XXI, há alterações
de ocupações territoriais. Ou seja, aquele processo que
imaginávamos ser somente dos antigos e grandes Impérios
Romano e Otomano, não é, pois ainda está em curso – claro
que em uma dimensão muito menor. Depois da Segunda
Guerra Mundial, onde morreram milhões de pessoas, parece
que o bom senso imperou: “Ao invés de sermos inimigos, será
que não dá para conversarmos e fazermos as coisas juntos?”.
Assim se iniciou o processo de integração e surgiu a União
Europeia – depois de uma destruição total do continente
europeu, que era o celeiro e a vanguarda do mundo.
E Itaipu entra neste processo, completando 40 anos.
Quando ainda não existia MERCOSUL, UNASUL,
NAFTA; ainda não existia nenhum desses arranjos regionais,
Itaipu foi a vanguarda de dois países de população e
linguagem distintas; economias completamente díspares;
cultura e tradição diferentes que realizaram um
empreendimento em conjunto – e que empreendimento! Até
hoje, no mundo, não existe nenhum empreendimento
binacional da proporção de Itaipu. Claro que há países e
multinacionais que investem valores muito superiores aos de
Itaipu, mas um empreendimento binacional, cuja metade de
propriedade é de um país e a outra metade é de outro, e que
aproveita um grande potencial da natureza para
transformação em riqueza: a Itaipu é vanguarda. E hoje,
semanal ou mensalmente, recebemos visitas de todos os
países, de vários continentes, querendo ver exatamente este
espetáculo exitoso que a Itaipu conseguiu realizar.
Ao assumir a Presidência, Lula deixou muito claro: “Os
países que realmente têm condição de ser potência não têm
uma relação muito boa com seus vizinhos.”. Se pegarmos a
Rússia, que é uma potência mundial, veremos que ela tem
problemas com a Geórgia, com a Ucrânia, com o
Uzbequistão, Cazaquistão.... Não há uma relação fraterna
para a construção efetiva de um continente. A China não
consegue conviver pacificamente com o Tibet, tem
problemas para reconhecer Taiwan e, com o próprio Japão
que está próximo, a relação é muito conturbada. A Índia
(outro BRICs) e sua relação com o Paquistão e com sua
vizinha, a região de Kashmir, é muito complexa. O próprio
Estados Unidos, sempre uma referência mundial, tem
péssimas relações com o México, sem mencionar com Haiti e
Cuba – inimigos viscerais.
E o Brasil quer construir uma coisa diferente: com todo
esse potencial que temos para crescer, como fazer para que
todos os nossos vizinhos também cresçam de forma conjunta?
Se o Brasil crescer e o Paraguai, a Bolívia, o Peru e a
Venezuela ficarem para trás, não há muro que dê conta disso.
As pessoas só vão para um lugar melhor que lhes dê maiores
oportunidades porque seu local de origem está muito ruim.
Afinal, deixar sua família, seu time de futebol, sua religião,
seus amigos, sua cidade, é algo muito forte e você só faz isso
em extrema necessidade. Portanto, com uma política bem
realizada você tem a paz do continente. E é assim que vejo o
MERCOSUL e a UNASUL, processos de convergência que
estamos construindo.
Venho de uma reunião onde estávamos tratando
exatamente da integração energética no continente. Quanto
mais unidos estivermos, maior eficiência energética teremos.
As precipitações pluviométricas não são idênticas: quando
não chove no Sul, chove muito no Norte; quando não chove
no Nordeste, chove lá no Peru; e quando não chove no Peru,
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
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chove muito no Rio Grande do Sul.
Então, se tivermos tudo integrado, a
eficiência que ganharemos é
extraordinária, pois um complementa o
outro.
Bolívia tem gás para muitos
milhões de consumidores, porém não
tem esses milhões de consumidores no
seu país, os consumidores estão no
Brasil. Como podemos fazer para que a
Bolívia se beneficie dessa enorme
quantidade de gás e, ao mesmo tempo,
possa estar se desenvolvendo e
vendendo isso para o Brasil? E isso em
todas as áreas – na educação e na saúde.
É este projeto que está em curso, e
é isso que a Presidente Dilma tem
passado como diretriz para nós,
dirigentes de grandes empresas, para
que possamos fazer cada vez mais e
melhor, sempre com este olhar
integracionista, para que todos
possamos crescer de forma homogênea
no nosso continente da América do Sul.
Fernando Luzio. Cada vez mais,
em um futuro próximo, o Brasil deverá
ser considerado uma potência enérgica
internacional, por conta da nossa matriz
energética privilegiada que combina
uma grande oferta de recursos hídricos
com outras fontes emergentes como o
biodiesel, a energia eólica e o próprio
pré-sal, cujas reservas se encontram
entre as maiores do mundo.
Apesar de um cenário tão rico de
possibilidades, naturalmente existem
desafios a vencer diante de tamanha
necessidade de investimentos que
teremos de endereçar para toda essa
matriz energética.
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Na sua visão, quais são os grandes
desafios e também as oportunidades de
evolução da nossa matriz energética e
da geração de energia no país?
Jorge Samek. O mundo inteiro
queria ter a matriz energética que o
Brasil tem. Em se tratando de
combustível lato sensu – desde o petróleo
para movimentar um automóvel, uma
fábrica, um supermercado, uma
caldeira –, todo o nosso combustível
(quase 50%) é renovável. No mundo,
isso equivale a menos de 13%, e se
pegarmos os 20 países mais ricos,
estamos falando em 7%!
O mundo se abastece de petróleo,
carvão e gás, e o Brasil tem a
capacidade de ter toda a matriz
energética. Temos um pouco de carvão
no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina; em termos de energia nuclear,
o Brasil não fica para trás com sua
Angra 1, 2 e agora a 3 em construção;
temos energia hidráulica – agora só
usamos ⅓ da nossa capacidade; a
descoberta do pré-sal, de poços de gás, é
algo extraordinário e inimaginável há
10-15 anos; temos também, a biomassa,
que é energia solar. Quer dizer, veja que
possibilidade o Brasil tem. No ano de
2010, mais da metade dos automóveis
brasileiros era movido a álcool, mais do
que à gasolina, algo ímpar no mundo.
Portanto, nossa situação é
extraordinariamente boa do ponto de
vista da produção de energia.
Mas aí vem um grande desafio: o
Brasil produz e consome muito pouco
de energia – nosso consumo per capita
quilowattico é um dos mais baixos de
países com a dimensão do Brasil: menos
de 3.000KW por habitante. Nos
Estados Unidos, é mais de 20.000 – sete
vezes maior do que o nosso consumo. A
Europa está na faixa de 14.000-15.000.
Queremos atingir o consumo
americano? Não. Lá tem muito
desperdício, carros que são muito
potentes para carregar uma pessoa só,
muita iluminação. Não queremos seguir
aquele modelo, mas queremos nos
aproximar do modelo europeu.
Em outras palavras, quero dizer
que temos uma imensa dívida social, e o
consumo per capita brasileiro ainda é tão
baixo porque há muita gente fora do
consumo – o “Luz para Todos” levou
energia para 13 milhões de brasileiros,
ou seja, em pleno século XXI havia
gente vivendo na época das cavernas!
Imagine se isso ainda é admissível: 13
milhões de brasileiros sem luz em casa,
vivendo de candieiro, de fogo de lenha!
Além disso, uma parcela
significativa de brasileiros tem apenas
um ou dois pontos de luz, às vezes
somente um chuveiro, sem uma
máquina de lavar louça, sem um bom
aparelho de som, sem ar condicionado e
sem aparelhos de computador. Ou seja,
os benefícios que a tecnologia e a
ciência moderna colocaram à
disposição do ser humano, no Brasil,
atingem razoavelmente apenas ⅓ da
população; um outro ⅓ tem mais um
pouquinho; e ⅓ restante ainda tem que
evoluir muito. E queremos, obviamente,
que todo mundo tenha aquele padrão
mínimo. E quando alcançarmos isso,
teremos de mais que dobrar a capacida-
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de energética instalada hoje, no Brasil.
Mesmo que não nascesse mais ninguém
e estagnássemos nossa população,
teríamos de dobrar nossa capacidade de
energia para que pudéssemos cobrir
essa enorme dívida social que temos
com muita gente que ainda não atingiu
esses padrões mínimos de consumo.
Mas, não é só isso... Para que essas
pessoas possam ter esse padrão mínimo
de consumo em casa, obviamente elas
deverão estar empregadas, deverão ter
uma receita, um salário e, portanto,
deverá haver muita indústria para gerar
emprego, o que irá demandar energia.
Assim, para as próximas décadas, temos
um campo extraordinário de
aproveitamento do nosso potencial
hidráulico e de biomassa.
E parece até que Deus planejou o
Brasil, porque assim que termina o
período das águas em Abril, inicia-se a
colheita de cana e o processo eólico
muito localizado no Nordeste e no Rio
Grande do Sul, ou seja, é a tampa da
panela. A eólica é uma energia que
soma para a rede hidráulica. Não existe
nenhum país no mundo que sustente
toda sua rede elétrica somente com
eólica ou com solar. Quando para de
ventar, para mesmo e não há quem faça
ventar. E sem vento não há produção de
energia.
A energia solar sofre deste mesmo
problema: à noite, não há produção de
energia; e em dia nublado, a produção
de energia é super baixa. Então, a
hidráulica ou o petróleo, o gás e o
carvão entram como energia
complementar. E o Brasil tem esta
complementaridade.
Portanto, o futuro do Brasil na
questão energética é brilhante e os
investimentos estão colocados aí. Veja
que a cada leilão que ocorre, mais
interesses há, sejam de empresas
brasileiras, públicas e privadas, estatais e
da iniciativa privada, mas também de
muita gente do mundo querendo
investir no Brasil. A quantidade de
capital internacional interessada em
fazer joint venture, interessada em fazer
parcerias com o Brasil é algo
extraordinário.
E aí temos um pulo muito maior:
boas e grandes empresas brasileiras
estão se tornando internacionais. A
Petrobras já se encontra em uma série
de países, em quase todos os
continentes; a Eletrobras dá passos
compridos na América Latina e África;
e até nos EUA e na França há
participação de nossas empresas. Hoje,
as grandes construtoras brasileiras não
são mais empresas de caráter nacional,
são multinacionais que estão operando
em obras importantes, em todos os
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continentes. Assim, o nível de excelência
e de expertise que já atingimos em
vários setores permite-nos competir
mercado a mercado, nos locais de mais
alta tecnologia. E nessa área de energia,
o Brasil dá um show. É referência
mundial.
Fernando Luzio.
Complementando este tema, o
Presidente Lula fez um bom trabalho e
a Presidente Dilma, agora, também está
fazendo um bom trabalho ao endereçar
as pressões de Ambientalistas sobre
alguns projetos relevantes para o
sistema energético brasileiro como, por
exemplo, Belo Monte. Que mensagem o
Senhor poderia dar à população
brasileira, preocupada com os efeitos
destes projetos de sistema elétrico sobre
nosso ecossistema?
Jorge Samek. Considero-me
muito comprometido com a questão da
sustentabilidade do meio ambiente.
Repito aqui o que disse no início desta
entrevista: sou da quarta geração de
uma família que mexe com Agricultura.
Meu avô era um Agrônomo Botânico e
um apaixonado por mata, florestas e
animais. Minha família vive da
atividade agrícola. Quem quiser nos
visitar, verá um santuário de uma área
com matas bem preservadas, nascentes
e rios – aliás, não foi nada diferente do
que fizemos em toda a Bacia do Paraná
3, com o projeto “Cultivando Água
Boa”.
O que quero dizer é que
desenvolvimento econômico, geração de
emprego e renda e preservação do meio
ambiente podem conviver
tranquilamente. A sustentabilidade é
super possível.
Todo mundo sempre reclama
muito dos Ambientalistas, inclusive eu,
porque volta e meia batemos de frente
com algumas questões onde nem
sempre o bom senso perdura. Ao
mesmo tempo, depois de uma discussão
dessas, eu paro, penso e agradeço que os
Ambientalistas existem porque o ser
humano não tem limite, e não podemos
deixar que o mercado e cada um faça o
que bem quiser. Por exemplo: estamos
aqui no Sul do Brasil, onde a praia mais
bonita é Camboriú. Porém, os
empreendedores da Avenida Atlântica
fizeram prédios de tamanha dimensão
que, às 15h, o sol não atinge mais a
praia. É o cúmulo da insensatez. E se
deixassem, eles iriam construir dentro
da água.
Na área da Agricultura não é
diferente. Ou seja, se não houver freios
e limites, daqui a pouco não haverá
mais uma árvore, uma floresta, pois as
pessoas também têm este poder de
destruição. E é para isso que serve o
Governo e o Poder Público: para fazer a
regulação desse processo.
Em contrapartida, também nos
deparamos com muitas pessoas que não
querem fazer nada, por exemplo: 54%
do território brasileiro ainda se encontra
tal e qual quando Pedro Álvares Cabral
aqui chegou; 94% do Estado do
Amazonas é mata virgem; somando
todas as cidades, Manaus, estradas,
hidrelétricas, ferrovias, redes de
transmissão, apenas 6% do Estado do
Amazonas foi derrubado. Já em outras
áreas como São Paulo, Paraná, Rio
Grande do Sul e Santa Catarina,
devastou-se mais do que se deveria.
Então, como equilibrar este processo?
Porque quem mora no Pará, ou no
Acre, Rondônia, Roraima, também
quer desenvolver. Aquele caiçara,
aquele caboclo, aquele catador de
castanha, aquele que vive de borracha,
ele também quer ter uma casa decente,
também quer que seu filho possa ter
acesso à escola, quer ter um tratamento
de saúde, quer morar bem, quer ter o
conforto da energia elétrica e dos
equipamentos modernos que existem,
também quer ter uma Internet. Ele
também tem este direito. Então, como
fazer essa mediação? Acredito que
estamos evoluindo nisso. E a melhor
coisa é debater isso de frente e de forma
aberta, mostrando como é possível fazer
essa compatibilização.
As pessoas sempre falavam dos
grandes reservatórios no Brasil. Mandei
fazer um estudo aprofundado sobre isso:
o Brasil tem 8,5 milhões de km², e a
soma de todos os reservatórios, lagoas,
lagos e áreas de saneamento que foram
feitos para captar água para toda a
população corresponde a 1% do
território brasileiro, sendo 0,6% da
natureza – a Lagoa do Patos e a Lagoa
Mirim, grandes lagos distribuídos pelo
Brasil inteiro –, e apenas 0,4% é
ocupado por lagos artificiais para fazer
todas as hidrelétricas, as companhias de
saneamento e os grandes açudes para
irrigação. Então, veja como é possível
compatibilizar isso tudo!
O tamanho do reservatório de
Itaipu equivale a 29 bilhões de m³ de
água estocada, em uma lâmina de 155
mil hectares. Um reservatório de 130
mil hectares em Monte Carlo ou na
Holanda, obviamente seria de altíssima
dimensão. Agora, para o Brasil, isso
corresponde a 10-15 zeros antes de
obtermos o primeiro número – e, às
vezes, as pessoas usam estes dados em
sofismas (raciocínios que partem de
premissas verdadeiras ou verossímeis,
mas que são concluídos de forma
inadmissível ou absurda com o objetivo
de dissimular uma ilusão de verdade).
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
Então, não vamos usar aquilo que a natureza nos
propiciou e que pode trazer desenvolvimento a
favor da nossa gente? Não tem cabimento.
As pessoas não vivem sem energia. Certa vez,
faltou luz em Nova Iorque durante três dias e eu
estava lá, e só quem esteve ou quem fica uma
semana sem luz sabe o que é isso: nenhum
sinaleiro e hospital funcionando, sem água, sem
chuveiro – pois quando falta luz, não dá para
bombear água. Só aí é que percebemos o que
significa este instrumento chamado energia.
Portanto, o Brasil não vai prescindir da sua
energia. E temos que fazer aquela mais barata e
acessível a todo o conjunto da população, e que
implique empreendimentos sustentáveis, trazendo
desenvolvimento com um profundo respeito pelo
meio ambiente.
Fernando Luzio. O Senhor é o executivo
responsável pela gestão brasileira de uma das
maiores usinas hidrelétricas do mundo – ou da
maior –, responsável por grande parte da energia
consumida no país, o que é motivo de orgulho
para nós, brasileiros, e de respeito da comunidade
internacional. O que significa este desafio de gerir
um empreendimento de números tão superlativos,
e de uma responsabilidade estratégica tão evidente
para a sociedade brasileira?
Jorge Samek. Itaipu me faz muito feliz.
Sozinhos, não somos nada, não somos ninguém.
Tudo é feito em equipe. Aqui na Itaipu, temos o
privilégio de contar com uma equipe
extraordinária, porque a empresa também investe
na promoção dos seus recursos humanos,
seleciona e capacita de forma meritocrática, não
permitindo nenhum tipo de atalho para fazer
favores, para fazer colocação de pessoas que não
estejam aptas a ocuparem uma função. A
meritocracia aqui é uma marca registrada. Ao
ingressar na empresa, oferecemos oportunidades
àqueles que queiram se especializar, fazer
graduação, pós-graduação. Dentro daquilo que
interessa para a empresa, abrimos todos os
caminhos nas melhores escolas do Brasil ou do
“Também
pretendemos
adotar métodos
modernos de
Administração de
forma permanente.
Trabalhamos com
Planejamento
Estratégico; nossa
Missão e Visão são
claríssimas;
trabalhamos com
metas e métricas; e
temos um
processo de
acompanhamento
muito forte”
Jorge Samek
6
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mundo. E agora, com esse programa enorme que
o Brasil lançou, enviando uma enorme
quantidade de Técnicos, Engenheiros, Professores
e Especialistas para todo mundo, o setor elétrico
terá uma parcela significativa de pessoas
encaminhadas aos melhores centros de educação
do mundo. Com isso, obviamente, nos
preocupamos em ter pessoas que pensem não só
na empresa, mas também no país; que pensem em
um processo de integração e de inclusão; pessoas
que tenham responsabilidade social e ambiental.
Empresas que dão este tipo de condição, formam
cidadãos que começam a se preocupar também
com seu entorno, com seu vizinho, seu bairro, sua
cidade e seu estado. Então, dirigir a Itaipu é um
pouco disso tudo.
Aqui, temos a enorme responsabilidade de
produzir 20% de toda a energia elétrica
consumida no Brasil – quase a totalidade da
energia elétrica consumida no Paraguai. Mas, a
nossa responsabilidade não para por aí. Temos
nossos programas ambientais e sociais; programas
de desenvolvimento tecnológico; desenvolvimento
regional – atração turística por estarmos numa
região com essas Cataratas e o Parque Nacional.
A partir disso, dá para entender a
responsabilidade com que a Itaipu atua, e o prazer
que temos em poder dirigir uma empresa desta
magnitude.
Também pretendemos adotar métodos
modernos de Administração de forma
permanente. Trabalhamos com Planejamento
Estratégico; nossa Missão e Visão são claríssimas;
trabalhamos com metas e métricas; e temos um
processo de acompanhamento muito forte.
No Brasil, temos muita gente boa para fazer
diagnóstico, gente mais ou menos boa para
desenvolver um bom projeto, mas infelizmente,
nem sempre temos gente boa para executar os
projetos. Nesta parte de execução e de controle,
ainda há muito o que avançar no país. E aqui em
Itaipu não: fazemos do piso ao teto. Projetamos
depois de uma ampla discussão, de um bom
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
“A chave da Liderança extraordinária está na
humildade. Antes de tomar qualquer decisão,
sempre pense na pessoa que está do outro lado
e no que sua decisão irá acarretar a ela. A partir
desta compreensão, chame a pessoa e diga
“Estou pensando em tomar esta decisão que irá
acarretar isso.”. Nesta conversa, você consegue
tirar sempre a melhor conclusão”
Jorge Samek
diagnóstico, de uma boa elaboração de projeto com toda
uma escala. Nesta escala, é colocado um cronograma, e este
cronograma é acompanhado de forma permanente. Onde
está tudo correndo bem, vemos uma luz verde; onde começa
a pipocar, vemos uma luz amarela; onde não está indo bem,
vemos a luz vermelha, e aí verificamos o porquê daquele
problema.
Muitas vezes, o problema é porque choveu demais ou
porque houve um problema jurídico, etc.. Outras vezes, é
porque há deficiência de equipe, ou a pessoa não é um bom
Gerente. E precisamos ter a capacidade de enfrentar isso.
Temos que dar oportunidade para as pessoas, mas se elas não
correspondem, não é porque sejam más, e sim porque se
encontram fora de função. Nem todo mundo nasceu para ser
Gerente, ou porque não quer ser ou porque não tem
habilidade para ser.
Nestes meus trinta e tantos anos dirigindo empresas,
estou convencido de que Gestão é a palavra chave. Às vezes,
a filial de uma empresa é uma beleza; a 500 metros existe
outra filial da mesma empresa, operando com os mesmos
salários e com as mesmas condições de trabalho, e é uma
tragédia. Nesta diferença, reside a palavra chave Gestão.
Uma empresa não é um processo de jogo de tênis. A
empresa é um processo de competição a remo, com vários
remadores remando simultaneamente, cada um com a
mesma importância. Se todo mundo não remar junto, o
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barco não atinge seu objetivo. E é esta a orientação que
temos aqui no nosso Recursos Humanos: extrair o que há de
melhor em cada Servidor e em cada colega de trabalho, e
oferecer as ferramentas para que ele execute sua função da
forma mais competente possível.
Fernando Luzio. Samek, quem são as pessoas que
influenciaram ou têm influenciado seu pensamento? E ao
longo de sua brilhante carreira, quem foi importante na
formação dos pilares do seu arcabouço intelectual, da sua
maneira de pensar, do seu estilo de gestor? Alguma referência
interessante para compartilhar?
Jorge Samek. Inicialmente, meu grande incentivador
foi meu avô materno – um devorador de livros. Ele veio da
Europa, era muito culto e nos incutia o gosto pela discussão
permanente, pela leitura e pelo conhecimento. Era um
apaixonado por biografias e hoje, se tem uma coisa que eu
gosto de ler é exatamente biografia. Desde os mais antigos e
os grandes filósofos a Winston Churchill, Gandhi, John
Kennedy, é difícil haver um que eu não tenha lido. Gosto e
leio com entusiasmo, e acredito que também nos inspiramos
nos exemplos. Cada pessoa dessas, no seu tempo, tem um
processo de pensamento, e aí você começa a desenvolver uma
amplitude de visão diante de pensamentos e épocas
diferentes, e uma capacidade de não ser dogmático.
Como já mencionei, nasci em uma época em que o
debate sobre a liberdade e a democracia no Brasil era muito
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
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efervescente. Havia também uma exigência enorme de todos
os dirigentes da UNE de sermos bons alunos e lermos muito.
Nesta época, o mundo era bipolar: União Soviética de
um lado e Estados Unidos do outro. E havia duas grandes
teses em discussão: a tese de um mercado liberado que podia
fazer e dar conta de tudo, e a tese contrária de que a ruína do
mundo está no mercado, e é o Estado que deve tomar conta
de tudo. E foi neste debate que fomos sendo forjados. Depois,
fiz vários cursos, dentre eles o de Economia; fui
administrando empresas e me especializando; e convivendo
com pessoas muito inteligentes.
Desenvolvi um forte senso de observação. Observo tudo
na minha vida. Quando viajo, sou um observador: quando
vou a Paris, Londres, Moscou, Varsóvia, Assunção ou a
qualquer cidade do Brasil, quero saber sobre estes lugares e
conhecer o que há de mais bonito. Já estive na maioria das
usinas do Brasil e visito todas as usinas do mundo. Já fui em
Três Gargantas, e a cada lugar, vou com um olhar de quem
quer aprender, pois acredito muito que nunca estamos
prontos. Não foi por outra razão que constituímos um parque
tecnológico aqui, para onde trouxemos todos esses cursos de
Engenharia.
E minha inspiração sempre se deu em cima desses
pensadores, dessas pessoas que fazem a diferença. Sou um
pacifista, então Gandhi é uma referência fantástica para
mim. Sou um desenvolvimentista, e não podemos falar em
desenvolvimentismo sem mencionar Juscelino Kubitschek e
seus pensamentos – que vontade ele tinha! Sou alguém que
quer fazer um desenvolvimento social acoplado a um
desenvolvimento econômico: Lula deu uma lição sobre como
fazer as duas coisas juntas. Quero realizar um processo de
integração: não existe pensador como Winston Churchill,
com uma cabeça extraordinária; ou então os movimentos
fantásticos da Revolução Francesa. São referências de
ensinamento que você vai colhendo e aprimorando com seus
novos conceitos de sustentabilidade e meio ambiente.
Na área religiosa, tenho como exemplo Leonardo Boff,
nosso parceiro na Itaipu. Para desespero dos dogmáticos e
daqueles que não conseguem enxergar, estes dias Boff lançou
um livro dedicado ao nosso programa “Cultivando Água
Boa”, cujo título é “Sustentabilidade – o que é e o que não
é”, e nele escreveu: “Estou dedicando este livro ao Nelton
Friedrich e ao Jorge Samek, Diretores da Itaipu, pelo que
fizeram com a questão ambiental na região da Bacia do
Paraná III.”. Veja só, Leonardo Boff homenageando uma
hidrelétrica! Isso criou uma confusão na cabeça de muita
gente! E eu me inspiro muito nele, uma pessoa boa e correta
que quer construir um mundo melhor.
Todos nós temos defeitos e todos nós temos virtudes.
Tento sempre buscar as virtudes de todas as pessoas e tentar
me inspirar um pouco nisso tudo.
Fernando Luzio. Por todos os lados onde ando na
Usina, conversando com Gestores até Empregados do chão
da operação, o Senhor é, sem dúvida, um líder
absolutamente admirado na empresa. O que, na sua opinião,
faz um Gestor ser um grande Líder? Qual seria sua
recomendação de desenvolvimento para os Gestores que
estão aqui dentro e lá fora, a fim de se tornarem bons
Líderes?
Jorge Samek. A chave da Liderança extraordinária está
na humildade. Antes de tomar qualquer decisão, sempre pense
na pessoa que está do outro lado e no que sua decisão irá
acarretar a ela. A partir desta compreensão, chame a pessoa
e diga “Estou pensando em tomar esta decisão que irá
acarretar isso.”. Nesta conversa, você consegue tirar sempre a
melhor conclusão.
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Sempre trabalhei muito em equipe. Tive o privilégio de
trabalhar com algumas pessoas que são referências
extraordinárias para mim, do ponto de vista de
planejamento. Sem planejamento, às vezes as coisas podem
até dar certo, inclusive conheço muita gente que deu certo na
vida sem planejar, mas meu pai dizia “Até relógio parado
acerta a hora duas vezes ao dia”, portanto as coisas podem
até dar certo sem planejamento, mas é como o relógio
parado – uma coincidência.
Todas as grandes empresas dentro e fora do Brasil têm
planejamento, meta, programa de desenvolvimento gerencial,
reconhecimento dos talentos e perspectiva de carreira. Na
Itaipu, quero que o Engenheiro que entrar aqui hoje possa
imaginar que amanhã estará sentado nesta cadeira em que
estou; quero que todo Técnico que entrar na área Financeira
desta empresa possa pensar que poderá vir a ser um Diretor
Financeiro. Ou seja, a empresa vai dando capacitação e
oportunidades, e aí depende do talento e esforço de cada um
para a construção de sua carreira.
Aqui na Itaipu, um bom Gerente é aquele que,
efetivamente, não se preocupa somente com o que está
produzindo hoje, mas também com quem está abaixo dele e
que poderá ascender ou aposentar-se; e com quem irá
substitui-lo.
Aqui na empresa não entra Tenente, nem Capitão,
muito menos General. Nós só contratamos Soldado!
Ninguém entra aqui sem fazer um curso e passar por uma
verdadeira radiografia, um strip-tease da empresa: “Somos
assim, funcionamos desta forma, estes são seus deveres e suas
obrigações.”. Se ele vai trabalhar na área de Meio Ambiente,
antes ele terá uma conversa com o Diretor Técnico que irá
lhe explicar como é produzida a energia; uma outra conversa
com a Diretora Financeira que irá lhe explicar como a
empresa funciona financeiramente; terá uma visão ampla e
integrada da empresa. Ele fará uma graduação na melhor
Universidade (ITA) e pós-graduação em Harvard. E antes de
sair, ele já saberá quem irá substitui-lo na Superintendência:
um Júnior que terá de fazer todo este percurso. Isso dá uma
mobilidade incrível para a empresa que tem um turnover
extraordinário, na faixa de 4 a 5% ao ano. Todos já sabem
quando e com que benefícios irão sair da empresa.
O Gerente tem que ter gratidão – às vezes, uma dose de
gratidão vale mais do que cinco quilos de conhecimento. Ele
tem que saber se um Funcionário está com algum problema
em casa e estender a mão, não pode ser insensível. É isto que
forma uma equipe e que faz com que a pessoa vista a camisa
da empresa: saber que na hora da necessidade, ela não está
desamparada. E empresa faz isso com um carinho
extraordinário. O Funcionário, desde o mais humilde
Servidor até a Alta Direção, é visto como um profissional
importante. E esta foi uma das chaves de sucesso do nosso
Recursos Humanos.
Fernando Luzio. Para encerrarmos nossa adorável
conversa: se o Senhor pudesse escrever uma mensagem final
sobre seus maiores aprendizados, ou suas grandes
recomendações para que nossos filhos e nossas futuras
gerações possam se tornar bons profissionais no futuro, e se
desenvolverem como indivíduos plenos, felizes, o que
escreveria?
Jorge Samek. Esta é uma questão que me acompanha
sempre porque tenho quatro filhos, três netos, uma
quantidade enorme de amigos, sobrinhos e pessoas que são
muito queridas. E sempre me preocupo com o entorno. Que
mensagem, que exemplo eu poderia deixar?
Para mim, existe uma chave para a pessoa ser feliz: fazer
o que gosta. Nunca exerci nenhum poder sobre um filho meu
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
“Todo ser humano tem que buscar a felicidade.
E a felicidade está nas pequenas coisas. A
principal delas é fazer o que você gosta.
Fazendo o que se gosta, você será bem
sucedido, seja qual for sua profissão – você
pode escolher ser um Professor de Matemática,
um Professor de Física, um Astronauta, um
Engenheiro, um Músico, Jogador de Futebol,
Tocador de Banda, ou Escritor. Se você escolher
aquilo que gosta e fizer bem feito, você será
bem sucedido na vida”
Jorge Samek
dizendo “Meu filho, você vai ter que seguir a profissão de seu
pai ou de sua mãe.”. Não! Ele tem que ter esta liberdade!
Porque se ele não gostar de ser Médico e o forçarmos a sê-lo,
ele será um péssimo Médico e uma pessoa infeliz.
Então, é preciso saber estimular a pessoa para que ela
descubra aquilo que a faz mais feliz. Porque quando ela
acerta, conciliando sua obrigação com satisfação, ela atinge o
patamar em que estou. Para mim, vir trabalhar é motivo de
profunda satisfação. Acordo às 06h30, feliz, dizendo: “Opa,
vou para a empresa porque hoje vou fazer isso e mais
aquilo.”. Mas, conheço centenas de pessoas que são
extraordinariamente infelizes, ou porque estão em uma
empresa onde não se sentem bem; ou porque escolheram
uma profissão de que não gostam; ou estão fazendo algo que
não é sua aptidão; ou queriam estar fazendo outra coisa e o
destino as levou em outra direção. E não estar feliz é um
passo para desencadear problemas de saúde e problemas em
casa. É impossível alguém dizer que está feliz em casa se
estiver muito infeliz no seu trabalho – afinal, passamos mais
tempo do dia no trabalho do que em casa. Ou então, é
impossível estar bem no trabalho, se você está muito infeliz
em casa.
Isto é uma dádiva também quando se acerta: ter uma
companheira(o) que seja compreensiva(o), saber criar os
filhos, ter espaço e tempo para isso. Tenho uma enormidade
de atividades e coisas para fazer, mas não há quem ou o quê
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me tire uma vez por semana do meu convívio com meus
filhos e netos. Não troco isto por nada! Vou para o sítio, fico
com eles, brinco com eles. Eles precisam disso e eu também
preciso, pois me alimenta demais.
Então, todo ser humano tem que buscar a felicidade. E a
felicidade está nas pequenas coisas. E a principal delas é fazer
o que você gosta. Fazendo o que se gosta, você será bem
sucedido, seja qual for sua profissão – você pode escolher ser
um Professor de Matemática, um Professor de Física, um
Astronauta, um Engenheiro, um Músico, Jogador de Futebol,
Tocador de Banda, ou Escritor. Se você escolher aquilo que
gosta e fizer bem feito, você será bem sucedido na vida.
E a partir daí, a felicidade é um campo aberto para
desenvolver suas potencialidades, fazer uma grande rede de
relacionamentos. Quando você é feliz, você não erra, não fica
amargo e não deseja a infelicidade ao outro. Quando você é
feliz, mesmo que alguém te maltrate, você não quer revidar,
não carrega rancor, porque tudo isso faz mal à saúde.
Existe um extraordinário escritor português, Fernando
Pessoa, que constituiu seu cemitério ainda em vida. Todas as
pessoas que ele achava que eram maléficas e rancorosas, ele
ia enterrando. Ele disse “Fiz meu cemitério em vida e ali
enterrei aquela pessoa de quem não quero ser amigo; não
vou à sua casa quando ela está lá porque ela não me faz
bem.”. É mais ou menos isso que tento adotar na minha vida.
JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013
Ser aberto, ser tolerante, ter capacidade de
ouvir o outro e acreditar muito que vivemos em
um país extraordinário. Cada um na sua função
tem que colocar seu tijolo nessa obra e tocar a
vida.
Fernando Luzio. Samek, muito obrigado
pela sua entrevista. Foi um presente extraordinário
para o nosso Programa. Esta conversa me faz
sentir uma alegria muito grande de alma, e uma
sensação de que a missão do nosso Programa mais
uma vez foi cumprida. Muito obrigado pelo seu
tempo. Foi uma honra para nós.
Jorge Samek. Eu que agradeço. Estamos às
ordens. E vamos construindo, cada vez mais, um
processo de gestão mais eficiente.
PROGRAMA NOVOS INTÉRPRETES
Entrevistador: Fernando Luzio
Idealização e Direção: Fernando Luzio e Renê Guedes
Supervisão Editorial: Patrícia Luzio
Fotografia: Carla Scorzato
Edição: Robson Crociati
Produção: Luzio Strategy Consulting
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À esquerda, Jorge
Samek e, à direita,
Fernando Luzio
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