No 26 - Fevereiro 2013 “Itaipu foi a vanguarda de dois países de população e linguagem distintas; economias completamente díspares; cultura e tradição diferentes que realizaram um grande empreendimento em conjunto. Até hoje, no mundo, não existe nenhum empreendimento binacional da proporção de Itaipu” Jorge Samek Jorge Miguel Samek Diretor Geral Brasileiro da Itaipu Binacional Entrevistado por Fernando Luzio Conversamos com Jorge Miguel Samek, Diretor-Geral Brasileiro da Usina Hidrelétrica de Itaipu – a Itaipu Binacional. Samek foi Secretário da Agricultura e Abastecimento de Curitiba, Vereador e Deputado Federal. Há mais de 9 anos na Liderança da Itaipu Binacional, é reconhecido e respeitado como uma das maiores autoridades do mundo em energia. A entrevista foi gravada na sala do Samek na Itaipu, em Foz do Iguaçu. Apresentamos a seguir trechos da entrevista. A versão completa você poderá ouvir pelo site www.luzio.com.br ou baixar no seu tocador mp3 (iPhone/iPod ou outros) pelo site da Luzio ou pela iTunes Store (utilize o link no nosso site). 1 www.luzio.com.br Fernando Luzio. Samek, muito obrigado pela sua participação no nosso Programa. Conte um pouco da sua história, para que todos possam te conhecer, nas suas próprias palavras. Jorge Samek. A satisfação de poder participar deste encontro é toda minha. Meus avós imigraram da Polônia, próximo a Primeira Grande Guerra e, como todos aqueles que imigraram para o Brasil, foram recebidos de braços abertos. Tivemos a felicidade de ter vindo morar em Foz do Iguaçu. Nasci, cresci e me desenvolvi aqui, e tive a oportunidade de sair da minha cidade para estudar já que, naquela época, aqui só existia o curso até o segundo grau. Exatamente neste período em que saí para estudar, iniciouse a assinatura do Tratado e a Constituição de Itaipu. Durante todo o seu processo de construção, eu cursei Engenharia Agrônoma na Universidade Federal do Paraná e, nos feriados e nas férias, obrigatoriamente eu retornava à minha cidade natal e assistia à transformação de uma empresa no município e na região. Tinha um irmão mais velho que era acadêmico de Engenharia Civil. Meu avô foi o primeiro Agrônomo aqui de Foz do Iguaçu. Sou de uma família que vai para a quarta geração de Engenheiros Agrônomos – esta é a principal atividade de toda a minha família. O período em que cursei a JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 2 faculdade coincidiu com o momento de redemocratização do país. Ser estudante naquela época foi um privilégio, pois pude desfrutar daquele momento intenso de discussões sobre democracia, anistia e liberdade, tudo isso somado a um Brasil em crescimento, o povo na rua, mudanças profundas ocorrendo no mundo, a tecnologia dando saltos. Portanto, aquele foi um período importantíssimo que tive a oportunidade de viver. Assim que me formasse, o desejo era que eu voltasse para os negócios da família aqui na região, mas acabei me envolvendo muito com o mundo acadêmico, tornei-me Presidente do Centro Acadêmico e me interessei pela Política. Quando me formei, estava envolvido até a medula com as discussões sobre o modelo agrícola, a redemocratização e a anistia. Acabei ficando em Curitiba e assim trilhando os primeiros passos da minha vida. Na primeira eleição que houve no Paraná, em que foi eleito o Governador José Richa, muito jovem me tornei Diretor da Secretaria da Agricultura do Estado. Dois anos depois, virei Secretário da Agricultura e Abastecimento de Curitiba, ao mesmo tempo em que ocupava a Presidência da Ceasa. Fizemos inúmeros programas fortes nessa área social e ambiental que me levaram por um caminho que eu jamais imaginei: o Parlamento. Tornei-me Vereador de Curitiba e acabei me reelegendo por quatro vezes; depois fui eleito Deputado Federal; fui Presidente do Partido aqui no Estado; e concorri ao cargo de Governador pelo Partido dos Trabalhadores em 1994. Foi durante esta trajetória que tive a oportunidade de conhecer todas essas principais lideranças que hoje estão em postos de alto comando, desde o Presidente Lula até uma série de Ministros e Governadores. Fui eleito Deputado Federal com uma votação extraordinária. Quando estava para ocupar a cadeira, o Presidente Lula me chamou e disse “Olha, a vida inteira você falou tanto de Itaipu – que podia ser uma ferramenta de transformação, um ícone na questão ambiental, no desenvolvimento tecnológico e do turismo regional – que estou pensando seriamente em te repatriar para Foz do Iguaçu!”. E assim, em Janeiro de 2003 (há dez anos), acabei retornando para a minha terra natal com muito entusiasmo e muita motivação. Encontrei uma empresa extraordinária com pessoas fantásticas, gente muito preparada e comprometida. A empresa já estava pronta do ponto de vista da www.luzio.com.br “O mundo inteiro queria ter a matriz energética que o Brasil tem. Em se tratando de combustível lato sensu – desde o petróleo para movimentar um automóvel, uma fábrica, um supermercado, uma caldeira –, todo o nosso combustível (quase 50%) é renovável. No mundo, isso equivale a menos de 13%, e se pegarmos os 20 países mais ricos, estamos falando em 7%” Jorge Samek produção de energia, faltavam apenas as duas últimas unidades que foram inauguradas em Maio de 2007. Fernando Luzio. Falaremos sobre sua experiência à frente da Itaipu, mas antes, gostaria de tocar em um ponto importante: o Brasil tem assumido um novo posicionamento absolutamente relevante no cenário econômico internacional, atraindo atenção e recursos de investidores internacionais que enxergam nosso país como um destino obrigatório, apesar dos gargalos estruturais que hoje, de alguma maneira, atrapalham nosso desenvolvimento sustentável. Qual é a sua opinião sobre este novo momento do Brasil? Como é que você enxerga o Brasil hoje, os desafios e as perspectivas para os próximos anos? Jorge Samek. Sempre fui muito otimista e enxerguei as oportunidades que estavam postas no destino do Brasil. Um país com o território como o nosso; com o clima e solo iguais aos nossos; uma costa no Oceano Atlântico; alto potencial hidráulico e hídrico; sol; praia; petróleo; riquezas naturais; florestas; e além disso, algo extraordinário que foi nossa capacidade de receber gente de todas as partes do mundo, gente que veio para cá e se tornou brasileira. Somos um tecido ímpar com pessoas tão criativas, tão simpáticas, tão dadas – olha que tenho viajado muito nestes últimos anos, e cada vez mais eu gosto mais do meu país. É quase impossível as pessoas acreditarem em como é que um árabe casa com um judeu; como é que um polonês casa com um ucraniano; como é que um alemão casa com um polonês. Mostramos ao mundo que é possível sim construir um outro mundo melhor. Já tivemos grandes momentos. Efetivamente, o primeiro grande momento que tivemos foi com D. Pedro I, e depois com D. Pedro II, quando pudemos manter essa integridade territorial – o que não tem preço. O Brasil só virou essa potência, e vai ser cada vez mais uma potência mundial, por ter um território nessas dimensões. Veja que no Tratado de Tordesilhas, havia Espanha de um lado e Portugal de outro. Eles se dividiram em onze países! Uma integridade territorial como a nossa obviamente nos dá uma condição extraordinária para nos tornarmos uma potência mundial. Um segundo aspecto importantíssimo é que temos uma população cordata que vive em harmonia e paz social. Não temos grandes problemas de divisão religiosa, nem étnica como vemos em outras partes do mundo, onde irmãos matam irmãos. Somos um país que cresce economicamente e, agora, de forma exponencial. Vejo a questão da infraestrutura como um bom problema, já que estamos tendo que correr atrás. Somente países de primeiro mundo conseguem se antecipar às grandes demandas que irão ocorrer. Não tem como um país em construção dizer “Vou fazer uma estrada porque daqui a dez anos irá existir uma cidade muito importante, aquele estado vai ter muita população, então já vou fazer uma grande ferrovia, vou abrir um grande JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 3 porto...”. As coisas, efetivamente, vão acontecendo, à medida em que a atividade econômica vai se instalando e criando a necessidade de corrermos atrás. Se observarmos, verificamos que a cada ano que passa estamos melhorando. Um exemplo curto e concreto: Foz do Iguaçu em 2003, assistia à 7 aviões chegando por dia no aeroporto internacional; em 2012, 34 aviões chegam por dia em Foz do Iguaçu. É obvio que, com a mesma estrutura e com o mesmo aeroporto, e em um prazo tão curto, existe um grande problema de gargalo. Agora, automaticamente a Infraero tem que fazer – não se trata mais de “vou pensar em fazer”. Veja no nosso negócio: a grande última obra hidráulica feita no Brasil foi Itaipu e Tucuruí, com 39 anos de existência e 28 gerando energia! E nesses 28 anos não tivemos mais nenhum grande empreendimento. Perdemos capacidade de implantação e Engenheiros da mais alta qualificação – uma geração enorme de pessoas com todo um conhecimento se aposentou. Mas, isso é algo do passado. Estamos aí de novo com Belo Monte, Rio Madeira, Teles Pires, logo vem o complexo Tapajós, Angra 3, enfim, o Brasil retoma, de forma extraordinária, os investimentos em infraestrutura. Não há uma capital no país que não tenha recebido recursos para melhorar seus aeroportos nos últimos 10-15 anos – só que já ficou defasado. Agora, ninguém lembra que há 10-15 anos, viajar de avião era coisa de rico. Naquele período em que estudei em Curitiba, por ocasião da morte do meu avô, viajei de avião, o que era algo proibitivo. Você entrava no avião e conhecia todo mundo que estava lá dentro, porque eram sempre os mesmos: a elite da elite da elite. Hoje, graças a Deus a gente viaja parcelado e começa a ver gente voando pela primeira vez. Isto é fruto de credibilidade, de uma economia estável, de pessoas acreditando no país. Acredito que todas essas obras de infraestrutura colocadas no PAC 1 e no PAC 2 não irão paralisar. As próximas décadas serão extraordinariamente brilhantes para o Brasil. E não podemos perder o rumo nem a rotação. Obviamente que, para podermos manter este crescimento, temos que ter todo o cuidado do mundo com a responsabilidade fiscal, a responsabilidade de implantação desses projetos e sobretudo, crescer distribuindo. O Brasil cresceu muito nas décadas de 60-70, só que não distribuiu, então éramos um país rico com um povo muito pobre. Queremos que o Brasil seja rico, e que seu povo seja rico. E é nesta direção que trabalhamos, acreditamos e nos esforçamos. Fernando Luzio. Falamos sobre o cenário internacional e não podemos deixar de mencionar que o mundo passa por um momento de intensa transformação político-econômica e, novas potências emergentes, dentre elas o Brasil, passam a assumir um papel cada vez mais relevante no mundo. Neste momento, surge uma oportunidade cada vez mais crescente do Brasil exercer uma liderança sadia no plano regional, tendo a possibilidade de fomentar o desenvolvimento econômico-social dos nossos vizinhos latinoamericanos. Compartilhe conosco um pouco da sua experiência nos projetos notáveis da Itaipu, no sentido do desenvolvimento regional. Que aprendizados podemos levar para outras empresas brasileiras, públicas e privadas, sobre como aproveitar essa relação que temos com os países vizinhos e fortalecermos nossa região? Jorge Samek. Itaipu é ícone neste processo e tem muito a contribuir com esta integração que é relativamente nova. Até a Segunda Guerra Mundial, um vizinho sempre olhava para o outro como um inimigo – “Quando vamos brigar? www.luzio.com.br Quando aquele vai querer nos invadir? Que pedaço do território eles vão querer me tomar?”. É só você olhar o mapa mundi e ver quantas e quantas vezes ele se alterou. Aliás, recentemente, observe a Iugoslávia, a faixa de Gaza e o que vem ocorrendo no Oriente e em alguns países da África para ver que ainda hoje, em pleno século XXI, há alterações de ocupações territoriais. Ou seja, aquele processo que imaginávamos ser somente dos antigos e grandes Impérios Romano e Otomano, não é, pois ainda está em curso – claro que em uma dimensão muito menor. Depois da Segunda Guerra Mundial, onde morreram milhões de pessoas, parece que o bom senso imperou: “Ao invés de sermos inimigos, será que não dá para conversarmos e fazermos as coisas juntos?”. Assim se iniciou o processo de integração e surgiu a União Europeia – depois de uma destruição total do continente europeu, que era o celeiro e a vanguarda do mundo. E Itaipu entra neste processo, completando 40 anos. Quando ainda não existia MERCOSUL, UNASUL, NAFTA; ainda não existia nenhum desses arranjos regionais, Itaipu foi a vanguarda de dois países de população e linguagem distintas; economias completamente díspares; cultura e tradição diferentes que realizaram um empreendimento em conjunto – e que empreendimento! Até hoje, no mundo, não existe nenhum empreendimento binacional da proporção de Itaipu. Claro que há países e multinacionais que investem valores muito superiores aos de Itaipu, mas um empreendimento binacional, cuja metade de propriedade é de um país e a outra metade é de outro, e que aproveita um grande potencial da natureza para transformação em riqueza: a Itaipu é vanguarda. E hoje, semanal ou mensalmente, recebemos visitas de todos os países, de vários continentes, querendo ver exatamente este espetáculo exitoso que a Itaipu conseguiu realizar. Ao assumir a Presidência, Lula deixou muito claro: “Os países que realmente têm condição de ser potência não têm uma relação muito boa com seus vizinhos.”. Se pegarmos a Rússia, que é uma potência mundial, veremos que ela tem problemas com a Geórgia, com a Ucrânia, com o Uzbequistão, Cazaquistão.... Não há uma relação fraterna para a construção efetiva de um continente. A China não consegue conviver pacificamente com o Tibet, tem problemas para reconhecer Taiwan e, com o próprio Japão que está próximo, a relação é muito conturbada. A Índia (outro BRICs) e sua relação com o Paquistão e com sua vizinha, a região de Kashmir, é muito complexa. O próprio Estados Unidos, sempre uma referência mundial, tem péssimas relações com o México, sem mencionar com Haiti e Cuba – inimigos viscerais. E o Brasil quer construir uma coisa diferente: com todo esse potencial que temos para crescer, como fazer para que todos os nossos vizinhos também cresçam de forma conjunta? Se o Brasil crescer e o Paraguai, a Bolívia, o Peru e a Venezuela ficarem para trás, não há muro que dê conta disso. As pessoas só vão para um lugar melhor que lhes dê maiores oportunidades porque seu local de origem está muito ruim. Afinal, deixar sua família, seu time de futebol, sua religião, seus amigos, sua cidade, é algo muito forte e você só faz isso em extrema necessidade. Portanto, com uma política bem realizada você tem a paz do continente. E é assim que vejo o MERCOSUL e a UNASUL, processos de convergência que estamos construindo. Venho de uma reunião onde estávamos tratando exatamente da integração energética no continente. Quanto mais unidos estivermos, maior eficiência energética teremos. As precipitações pluviométricas não são idênticas: quando não chove no Sul, chove muito no Norte; quando não chove no Nordeste, chove lá no Peru; e quando não chove no Peru, JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 4 chove muito no Rio Grande do Sul. Então, se tivermos tudo integrado, a eficiência que ganharemos é extraordinária, pois um complementa o outro. Bolívia tem gás para muitos milhões de consumidores, porém não tem esses milhões de consumidores no seu país, os consumidores estão no Brasil. Como podemos fazer para que a Bolívia se beneficie dessa enorme quantidade de gás e, ao mesmo tempo, possa estar se desenvolvendo e vendendo isso para o Brasil? E isso em todas as áreas – na educação e na saúde. É este projeto que está em curso, e é isso que a Presidente Dilma tem passado como diretriz para nós, dirigentes de grandes empresas, para que possamos fazer cada vez mais e melhor, sempre com este olhar integracionista, para que todos possamos crescer de forma homogênea no nosso continente da América do Sul. Fernando Luzio. Cada vez mais, em um futuro próximo, o Brasil deverá ser considerado uma potência enérgica internacional, por conta da nossa matriz energética privilegiada que combina uma grande oferta de recursos hídricos com outras fontes emergentes como o biodiesel, a energia eólica e o próprio pré-sal, cujas reservas se encontram entre as maiores do mundo. Apesar de um cenário tão rico de possibilidades, naturalmente existem desafios a vencer diante de tamanha necessidade de investimentos que teremos de endereçar para toda essa matriz energética. www.luzio.com.br Na sua visão, quais são os grandes desafios e também as oportunidades de evolução da nossa matriz energética e da geração de energia no país? Jorge Samek. O mundo inteiro queria ter a matriz energética que o Brasil tem. Em se tratando de combustível lato sensu – desde o petróleo para movimentar um automóvel, uma fábrica, um supermercado, uma caldeira –, todo o nosso combustível (quase 50%) é renovável. No mundo, isso equivale a menos de 13%, e se pegarmos os 20 países mais ricos, estamos falando em 7%! O mundo se abastece de petróleo, carvão e gás, e o Brasil tem a capacidade de ter toda a matriz energética. Temos um pouco de carvão no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina; em termos de energia nuclear, o Brasil não fica para trás com sua Angra 1, 2 e agora a 3 em construção; temos energia hidráulica – agora só usamos ⅓ da nossa capacidade; a descoberta do pré-sal, de poços de gás, é algo extraordinário e inimaginável há 10-15 anos; temos também, a biomassa, que é energia solar. Quer dizer, veja que possibilidade o Brasil tem. No ano de 2010, mais da metade dos automóveis brasileiros era movido a álcool, mais do que à gasolina, algo ímpar no mundo. Portanto, nossa situação é extraordinariamente boa do ponto de vista da produção de energia. Mas aí vem um grande desafio: o Brasil produz e consome muito pouco de energia – nosso consumo per capita quilowattico é um dos mais baixos de países com a dimensão do Brasil: menos de 3.000KW por habitante. Nos Estados Unidos, é mais de 20.000 – sete vezes maior do que o nosso consumo. A Europa está na faixa de 14.000-15.000. Queremos atingir o consumo americano? Não. Lá tem muito desperdício, carros que são muito potentes para carregar uma pessoa só, muita iluminação. Não queremos seguir aquele modelo, mas queremos nos aproximar do modelo europeu. Em outras palavras, quero dizer que temos uma imensa dívida social, e o consumo per capita brasileiro ainda é tão baixo porque há muita gente fora do consumo – o “Luz para Todos” levou energia para 13 milhões de brasileiros, ou seja, em pleno século XXI havia gente vivendo na época das cavernas! Imagine se isso ainda é admissível: 13 milhões de brasileiros sem luz em casa, vivendo de candieiro, de fogo de lenha! Além disso, uma parcela significativa de brasileiros tem apenas um ou dois pontos de luz, às vezes somente um chuveiro, sem uma máquina de lavar louça, sem um bom aparelho de som, sem ar condicionado e sem aparelhos de computador. Ou seja, os benefícios que a tecnologia e a ciência moderna colocaram à disposição do ser humano, no Brasil, atingem razoavelmente apenas ⅓ da população; um outro ⅓ tem mais um pouquinho; e ⅓ restante ainda tem que evoluir muito. E queremos, obviamente, que todo mundo tenha aquele padrão mínimo. E quando alcançarmos isso, teremos de mais que dobrar a capacida- JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 5 de energética instalada hoje, no Brasil. Mesmo que não nascesse mais ninguém e estagnássemos nossa população, teríamos de dobrar nossa capacidade de energia para que pudéssemos cobrir essa enorme dívida social que temos com muita gente que ainda não atingiu esses padrões mínimos de consumo. Mas, não é só isso... Para que essas pessoas possam ter esse padrão mínimo de consumo em casa, obviamente elas deverão estar empregadas, deverão ter uma receita, um salário e, portanto, deverá haver muita indústria para gerar emprego, o que irá demandar energia. Assim, para as próximas décadas, temos um campo extraordinário de aproveitamento do nosso potencial hidráulico e de biomassa. E parece até que Deus planejou o Brasil, porque assim que termina o período das águas em Abril, inicia-se a colheita de cana e o processo eólico muito localizado no Nordeste e no Rio Grande do Sul, ou seja, é a tampa da panela. A eólica é uma energia que soma para a rede hidráulica. Não existe nenhum país no mundo que sustente toda sua rede elétrica somente com eólica ou com solar. Quando para de ventar, para mesmo e não há quem faça ventar. E sem vento não há produção de energia. A energia solar sofre deste mesmo problema: à noite, não há produção de energia; e em dia nublado, a produção de energia é super baixa. Então, a hidráulica ou o petróleo, o gás e o carvão entram como energia complementar. E o Brasil tem esta complementaridade. Portanto, o futuro do Brasil na questão energética é brilhante e os investimentos estão colocados aí. Veja que a cada leilão que ocorre, mais interesses há, sejam de empresas brasileiras, públicas e privadas, estatais e da iniciativa privada, mas também de muita gente do mundo querendo investir no Brasil. A quantidade de capital internacional interessada em fazer joint venture, interessada em fazer parcerias com o Brasil é algo extraordinário. E aí temos um pulo muito maior: boas e grandes empresas brasileiras estão se tornando internacionais. A Petrobras já se encontra em uma série de países, em quase todos os continentes; a Eletrobras dá passos compridos na América Latina e África; e até nos EUA e na França há participação de nossas empresas. Hoje, as grandes construtoras brasileiras não são mais empresas de caráter nacional, são multinacionais que estão operando em obras importantes, em todos os www.luzio.com.br continentes. Assim, o nível de excelência e de expertise que já atingimos em vários setores permite-nos competir mercado a mercado, nos locais de mais alta tecnologia. E nessa área de energia, o Brasil dá um show. É referência mundial. Fernando Luzio. Complementando este tema, o Presidente Lula fez um bom trabalho e a Presidente Dilma, agora, também está fazendo um bom trabalho ao endereçar as pressões de Ambientalistas sobre alguns projetos relevantes para o sistema energético brasileiro como, por exemplo, Belo Monte. Que mensagem o Senhor poderia dar à população brasileira, preocupada com os efeitos destes projetos de sistema elétrico sobre nosso ecossistema? Jorge Samek. Considero-me muito comprometido com a questão da sustentabilidade do meio ambiente. Repito aqui o que disse no início desta entrevista: sou da quarta geração de uma família que mexe com Agricultura. Meu avô era um Agrônomo Botânico e um apaixonado por mata, florestas e animais. Minha família vive da atividade agrícola. Quem quiser nos visitar, verá um santuário de uma área com matas bem preservadas, nascentes e rios – aliás, não foi nada diferente do que fizemos em toda a Bacia do Paraná 3, com o projeto “Cultivando Água Boa”. O que quero dizer é que desenvolvimento econômico, geração de emprego e renda e preservação do meio ambiente podem conviver tranquilamente. A sustentabilidade é super possível. Todo mundo sempre reclama muito dos Ambientalistas, inclusive eu, porque volta e meia batemos de frente com algumas questões onde nem sempre o bom senso perdura. Ao mesmo tempo, depois de uma discussão dessas, eu paro, penso e agradeço que os Ambientalistas existem porque o ser humano não tem limite, e não podemos deixar que o mercado e cada um faça o que bem quiser. Por exemplo: estamos aqui no Sul do Brasil, onde a praia mais bonita é Camboriú. Porém, os empreendedores da Avenida Atlântica fizeram prédios de tamanha dimensão que, às 15h, o sol não atinge mais a praia. É o cúmulo da insensatez. E se deixassem, eles iriam construir dentro da água. Na área da Agricultura não é diferente. Ou seja, se não houver freios e limites, daqui a pouco não haverá mais uma árvore, uma floresta, pois as pessoas também têm este poder de destruição. E é para isso que serve o Governo e o Poder Público: para fazer a regulação desse processo. Em contrapartida, também nos deparamos com muitas pessoas que não querem fazer nada, por exemplo: 54% do território brasileiro ainda se encontra tal e qual quando Pedro Álvares Cabral aqui chegou; 94% do Estado do Amazonas é mata virgem; somando todas as cidades, Manaus, estradas, hidrelétricas, ferrovias, redes de transmissão, apenas 6% do Estado do Amazonas foi derrubado. Já em outras áreas como São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, devastou-se mais do que se deveria. Então, como equilibrar este processo? Porque quem mora no Pará, ou no Acre, Rondônia, Roraima, também quer desenvolver. Aquele caiçara, aquele caboclo, aquele catador de castanha, aquele que vive de borracha, ele também quer ter uma casa decente, também quer que seu filho possa ter acesso à escola, quer ter um tratamento de saúde, quer morar bem, quer ter o conforto da energia elétrica e dos equipamentos modernos que existem, também quer ter uma Internet. Ele também tem este direito. Então, como fazer essa mediação? Acredito que estamos evoluindo nisso. E a melhor coisa é debater isso de frente e de forma aberta, mostrando como é possível fazer essa compatibilização. As pessoas sempre falavam dos grandes reservatórios no Brasil. Mandei fazer um estudo aprofundado sobre isso: o Brasil tem 8,5 milhões de km², e a soma de todos os reservatórios, lagoas, lagos e áreas de saneamento que foram feitos para captar água para toda a população corresponde a 1% do território brasileiro, sendo 0,6% da natureza – a Lagoa do Patos e a Lagoa Mirim, grandes lagos distribuídos pelo Brasil inteiro –, e apenas 0,4% é ocupado por lagos artificiais para fazer todas as hidrelétricas, as companhias de saneamento e os grandes açudes para irrigação. Então, veja como é possível compatibilizar isso tudo! O tamanho do reservatório de Itaipu equivale a 29 bilhões de m³ de água estocada, em uma lâmina de 155 mil hectares. Um reservatório de 130 mil hectares em Monte Carlo ou na Holanda, obviamente seria de altíssima dimensão. Agora, para o Brasil, isso corresponde a 10-15 zeros antes de obtermos o primeiro número – e, às vezes, as pessoas usam estes dados em sofismas (raciocínios que partem de premissas verdadeiras ou verossímeis, mas que são concluídos de forma inadmissível ou absurda com o objetivo de dissimular uma ilusão de verdade). JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 Então, não vamos usar aquilo que a natureza nos propiciou e que pode trazer desenvolvimento a favor da nossa gente? Não tem cabimento. As pessoas não vivem sem energia. Certa vez, faltou luz em Nova Iorque durante três dias e eu estava lá, e só quem esteve ou quem fica uma semana sem luz sabe o que é isso: nenhum sinaleiro e hospital funcionando, sem água, sem chuveiro – pois quando falta luz, não dá para bombear água. Só aí é que percebemos o que significa este instrumento chamado energia. Portanto, o Brasil não vai prescindir da sua energia. E temos que fazer aquela mais barata e acessível a todo o conjunto da população, e que implique empreendimentos sustentáveis, trazendo desenvolvimento com um profundo respeito pelo meio ambiente. Fernando Luzio. O Senhor é o executivo responsável pela gestão brasileira de uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo – ou da maior –, responsável por grande parte da energia consumida no país, o que é motivo de orgulho para nós, brasileiros, e de respeito da comunidade internacional. O que significa este desafio de gerir um empreendimento de números tão superlativos, e de uma responsabilidade estratégica tão evidente para a sociedade brasileira? Jorge Samek. Itaipu me faz muito feliz. Sozinhos, não somos nada, não somos ninguém. Tudo é feito em equipe. Aqui na Itaipu, temos o privilégio de contar com uma equipe extraordinária, porque a empresa também investe na promoção dos seus recursos humanos, seleciona e capacita de forma meritocrática, não permitindo nenhum tipo de atalho para fazer favores, para fazer colocação de pessoas que não estejam aptas a ocuparem uma função. A meritocracia aqui é uma marca registrada. Ao ingressar na empresa, oferecemos oportunidades àqueles que queiram se especializar, fazer graduação, pós-graduação. Dentro daquilo que interessa para a empresa, abrimos todos os caminhos nas melhores escolas do Brasil ou do “Também pretendemos adotar métodos modernos de Administração de forma permanente. Trabalhamos com Planejamento Estratégico; nossa Missão e Visão são claríssimas; trabalhamos com metas e métricas; e temos um processo de acompanhamento muito forte” Jorge Samek 6 www.luzio.com.br mundo. E agora, com esse programa enorme que o Brasil lançou, enviando uma enorme quantidade de Técnicos, Engenheiros, Professores e Especialistas para todo mundo, o setor elétrico terá uma parcela significativa de pessoas encaminhadas aos melhores centros de educação do mundo. Com isso, obviamente, nos preocupamos em ter pessoas que pensem não só na empresa, mas também no país; que pensem em um processo de integração e de inclusão; pessoas que tenham responsabilidade social e ambiental. Empresas que dão este tipo de condição, formam cidadãos que começam a se preocupar também com seu entorno, com seu vizinho, seu bairro, sua cidade e seu estado. Então, dirigir a Itaipu é um pouco disso tudo. Aqui, temos a enorme responsabilidade de produzir 20% de toda a energia elétrica consumida no Brasil – quase a totalidade da energia elétrica consumida no Paraguai. Mas, a nossa responsabilidade não para por aí. Temos nossos programas ambientais e sociais; programas de desenvolvimento tecnológico; desenvolvimento regional – atração turística por estarmos numa região com essas Cataratas e o Parque Nacional. A partir disso, dá para entender a responsabilidade com que a Itaipu atua, e o prazer que temos em poder dirigir uma empresa desta magnitude. Também pretendemos adotar métodos modernos de Administração de forma permanente. Trabalhamos com Planejamento Estratégico; nossa Missão e Visão são claríssimas; trabalhamos com metas e métricas; e temos um processo de acompanhamento muito forte. No Brasil, temos muita gente boa para fazer diagnóstico, gente mais ou menos boa para desenvolver um bom projeto, mas infelizmente, nem sempre temos gente boa para executar os projetos. Nesta parte de execução e de controle, ainda há muito o que avançar no país. E aqui em Itaipu não: fazemos do piso ao teto. Projetamos depois de uma ampla discussão, de um bom JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 “A chave da Liderança extraordinária está na humildade. Antes de tomar qualquer decisão, sempre pense na pessoa que está do outro lado e no que sua decisão irá acarretar a ela. A partir desta compreensão, chame a pessoa e diga “Estou pensando em tomar esta decisão que irá acarretar isso.”. Nesta conversa, você consegue tirar sempre a melhor conclusão” Jorge Samek diagnóstico, de uma boa elaboração de projeto com toda uma escala. Nesta escala, é colocado um cronograma, e este cronograma é acompanhado de forma permanente. Onde está tudo correndo bem, vemos uma luz verde; onde começa a pipocar, vemos uma luz amarela; onde não está indo bem, vemos a luz vermelha, e aí verificamos o porquê daquele problema. Muitas vezes, o problema é porque choveu demais ou porque houve um problema jurídico, etc.. Outras vezes, é porque há deficiência de equipe, ou a pessoa não é um bom Gerente. E precisamos ter a capacidade de enfrentar isso. Temos que dar oportunidade para as pessoas, mas se elas não correspondem, não é porque sejam más, e sim porque se encontram fora de função. Nem todo mundo nasceu para ser Gerente, ou porque não quer ser ou porque não tem habilidade para ser. Nestes meus trinta e tantos anos dirigindo empresas, estou convencido de que Gestão é a palavra chave. Às vezes, a filial de uma empresa é uma beleza; a 500 metros existe outra filial da mesma empresa, operando com os mesmos salários e com as mesmas condições de trabalho, e é uma tragédia. Nesta diferença, reside a palavra chave Gestão. Uma empresa não é um processo de jogo de tênis. A empresa é um processo de competição a remo, com vários remadores remando simultaneamente, cada um com a mesma importância. Se todo mundo não remar junto, o 7 www.luzio.com.br barco não atinge seu objetivo. E é esta a orientação que temos aqui no nosso Recursos Humanos: extrair o que há de melhor em cada Servidor e em cada colega de trabalho, e oferecer as ferramentas para que ele execute sua função da forma mais competente possível. Fernando Luzio. Samek, quem são as pessoas que influenciaram ou têm influenciado seu pensamento? E ao longo de sua brilhante carreira, quem foi importante na formação dos pilares do seu arcabouço intelectual, da sua maneira de pensar, do seu estilo de gestor? Alguma referência interessante para compartilhar? Jorge Samek. Inicialmente, meu grande incentivador foi meu avô materno – um devorador de livros. Ele veio da Europa, era muito culto e nos incutia o gosto pela discussão permanente, pela leitura e pelo conhecimento. Era um apaixonado por biografias e hoje, se tem uma coisa que eu gosto de ler é exatamente biografia. Desde os mais antigos e os grandes filósofos a Winston Churchill, Gandhi, John Kennedy, é difícil haver um que eu não tenha lido. Gosto e leio com entusiasmo, e acredito que também nos inspiramos nos exemplos. Cada pessoa dessas, no seu tempo, tem um processo de pensamento, e aí você começa a desenvolver uma amplitude de visão diante de pensamentos e épocas diferentes, e uma capacidade de não ser dogmático. Como já mencionei, nasci em uma época em que o debate sobre a liberdade e a democracia no Brasil era muito JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 8 efervescente. Havia também uma exigência enorme de todos os dirigentes da UNE de sermos bons alunos e lermos muito. Nesta época, o mundo era bipolar: União Soviética de um lado e Estados Unidos do outro. E havia duas grandes teses em discussão: a tese de um mercado liberado que podia fazer e dar conta de tudo, e a tese contrária de que a ruína do mundo está no mercado, e é o Estado que deve tomar conta de tudo. E foi neste debate que fomos sendo forjados. Depois, fiz vários cursos, dentre eles o de Economia; fui administrando empresas e me especializando; e convivendo com pessoas muito inteligentes. Desenvolvi um forte senso de observação. Observo tudo na minha vida. Quando viajo, sou um observador: quando vou a Paris, Londres, Moscou, Varsóvia, Assunção ou a qualquer cidade do Brasil, quero saber sobre estes lugares e conhecer o que há de mais bonito. Já estive na maioria das usinas do Brasil e visito todas as usinas do mundo. Já fui em Três Gargantas, e a cada lugar, vou com um olhar de quem quer aprender, pois acredito muito que nunca estamos prontos. Não foi por outra razão que constituímos um parque tecnológico aqui, para onde trouxemos todos esses cursos de Engenharia. E minha inspiração sempre se deu em cima desses pensadores, dessas pessoas que fazem a diferença. Sou um pacifista, então Gandhi é uma referência fantástica para mim. Sou um desenvolvimentista, e não podemos falar em desenvolvimentismo sem mencionar Juscelino Kubitschek e seus pensamentos – que vontade ele tinha! Sou alguém que quer fazer um desenvolvimento social acoplado a um desenvolvimento econômico: Lula deu uma lição sobre como fazer as duas coisas juntas. Quero realizar um processo de integração: não existe pensador como Winston Churchill, com uma cabeça extraordinária; ou então os movimentos fantásticos da Revolução Francesa. São referências de ensinamento que você vai colhendo e aprimorando com seus novos conceitos de sustentabilidade e meio ambiente. Na área religiosa, tenho como exemplo Leonardo Boff, nosso parceiro na Itaipu. Para desespero dos dogmáticos e daqueles que não conseguem enxergar, estes dias Boff lançou um livro dedicado ao nosso programa “Cultivando Água Boa”, cujo título é “Sustentabilidade – o que é e o que não é”, e nele escreveu: “Estou dedicando este livro ao Nelton Friedrich e ao Jorge Samek, Diretores da Itaipu, pelo que fizeram com a questão ambiental na região da Bacia do Paraná III.”. Veja só, Leonardo Boff homenageando uma hidrelétrica! Isso criou uma confusão na cabeça de muita gente! E eu me inspiro muito nele, uma pessoa boa e correta que quer construir um mundo melhor. Todos nós temos defeitos e todos nós temos virtudes. Tento sempre buscar as virtudes de todas as pessoas e tentar me inspirar um pouco nisso tudo. Fernando Luzio. Por todos os lados onde ando na Usina, conversando com Gestores até Empregados do chão da operação, o Senhor é, sem dúvida, um líder absolutamente admirado na empresa. O que, na sua opinião, faz um Gestor ser um grande Líder? Qual seria sua recomendação de desenvolvimento para os Gestores que estão aqui dentro e lá fora, a fim de se tornarem bons Líderes? Jorge Samek. A chave da Liderança extraordinária está na humildade. Antes de tomar qualquer decisão, sempre pense na pessoa que está do outro lado e no que sua decisão irá acarretar a ela. A partir desta compreensão, chame a pessoa e diga “Estou pensando em tomar esta decisão que irá acarretar isso.”. Nesta conversa, você consegue tirar sempre a melhor conclusão. www.luzio.com.br Sempre trabalhei muito em equipe. Tive o privilégio de trabalhar com algumas pessoas que são referências extraordinárias para mim, do ponto de vista de planejamento. Sem planejamento, às vezes as coisas podem até dar certo, inclusive conheço muita gente que deu certo na vida sem planejar, mas meu pai dizia “Até relógio parado acerta a hora duas vezes ao dia”, portanto as coisas podem até dar certo sem planejamento, mas é como o relógio parado – uma coincidência. Todas as grandes empresas dentro e fora do Brasil têm planejamento, meta, programa de desenvolvimento gerencial, reconhecimento dos talentos e perspectiva de carreira. Na Itaipu, quero que o Engenheiro que entrar aqui hoje possa imaginar que amanhã estará sentado nesta cadeira em que estou; quero que todo Técnico que entrar na área Financeira desta empresa possa pensar que poderá vir a ser um Diretor Financeiro. Ou seja, a empresa vai dando capacitação e oportunidades, e aí depende do talento e esforço de cada um para a construção de sua carreira. Aqui na Itaipu, um bom Gerente é aquele que, efetivamente, não se preocupa somente com o que está produzindo hoje, mas também com quem está abaixo dele e que poderá ascender ou aposentar-se; e com quem irá substitui-lo. Aqui na empresa não entra Tenente, nem Capitão, muito menos General. Nós só contratamos Soldado! Ninguém entra aqui sem fazer um curso e passar por uma verdadeira radiografia, um strip-tease da empresa: “Somos assim, funcionamos desta forma, estes são seus deveres e suas obrigações.”. Se ele vai trabalhar na área de Meio Ambiente, antes ele terá uma conversa com o Diretor Técnico que irá lhe explicar como é produzida a energia; uma outra conversa com a Diretora Financeira que irá lhe explicar como a empresa funciona financeiramente; terá uma visão ampla e integrada da empresa. Ele fará uma graduação na melhor Universidade (ITA) e pós-graduação em Harvard. E antes de sair, ele já saberá quem irá substitui-lo na Superintendência: um Júnior que terá de fazer todo este percurso. Isso dá uma mobilidade incrível para a empresa que tem um turnover extraordinário, na faixa de 4 a 5% ao ano. Todos já sabem quando e com que benefícios irão sair da empresa. O Gerente tem que ter gratidão – às vezes, uma dose de gratidão vale mais do que cinco quilos de conhecimento. Ele tem que saber se um Funcionário está com algum problema em casa e estender a mão, não pode ser insensível. É isto que forma uma equipe e que faz com que a pessoa vista a camisa da empresa: saber que na hora da necessidade, ela não está desamparada. E empresa faz isso com um carinho extraordinário. O Funcionário, desde o mais humilde Servidor até a Alta Direção, é visto como um profissional importante. E esta foi uma das chaves de sucesso do nosso Recursos Humanos. Fernando Luzio. Para encerrarmos nossa adorável conversa: se o Senhor pudesse escrever uma mensagem final sobre seus maiores aprendizados, ou suas grandes recomendações para que nossos filhos e nossas futuras gerações possam se tornar bons profissionais no futuro, e se desenvolverem como indivíduos plenos, felizes, o que escreveria? Jorge Samek. Esta é uma questão que me acompanha sempre porque tenho quatro filhos, três netos, uma quantidade enorme de amigos, sobrinhos e pessoas que são muito queridas. E sempre me preocupo com o entorno. Que mensagem, que exemplo eu poderia deixar? Para mim, existe uma chave para a pessoa ser feliz: fazer o que gosta. Nunca exerci nenhum poder sobre um filho meu JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 “Todo ser humano tem que buscar a felicidade. E a felicidade está nas pequenas coisas. A principal delas é fazer o que você gosta. Fazendo o que se gosta, você será bem sucedido, seja qual for sua profissão – você pode escolher ser um Professor de Matemática, um Professor de Física, um Astronauta, um Engenheiro, um Músico, Jogador de Futebol, Tocador de Banda, ou Escritor. Se você escolher aquilo que gosta e fizer bem feito, você será bem sucedido na vida” Jorge Samek dizendo “Meu filho, você vai ter que seguir a profissão de seu pai ou de sua mãe.”. Não! Ele tem que ter esta liberdade! Porque se ele não gostar de ser Médico e o forçarmos a sê-lo, ele será um péssimo Médico e uma pessoa infeliz. Então, é preciso saber estimular a pessoa para que ela descubra aquilo que a faz mais feliz. Porque quando ela acerta, conciliando sua obrigação com satisfação, ela atinge o patamar em que estou. Para mim, vir trabalhar é motivo de profunda satisfação. Acordo às 06h30, feliz, dizendo: “Opa, vou para a empresa porque hoje vou fazer isso e mais aquilo.”. Mas, conheço centenas de pessoas que são extraordinariamente infelizes, ou porque estão em uma empresa onde não se sentem bem; ou porque escolheram uma profissão de que não gostam; ou estão fazendo algo que não é sua aptidão; ou queriam estar fazendo outra coisa e o destino as levou em outra direção. E não estar feliz é um passo para desencadear problemas de saúde e problemas em casa. É impossível alguém dizer que está feliz em casa se estiver muito infeliz no seu trabalho – afinal, passamos mais tempo do dia no trabalho do que em casa. Ou então, é impossível estar bem no trabalho, se você está muito infeliz em casa. Isto é uma dádiva também quando se acerta: ter uma companheira(o) que seja compreensiva(o), saber criar os filhos, ter espaço e tempo para isso. Tenho uma enormidade de atividades e coisas para fazer, mas não há quem ou o quê 9 www.luzio.com.br me tire uma vez por semana do meu convívio com meus filhos e netos. Não troco isto por nada! Vou para o sítio, fico com eles, brinco com eles. Eles precisam disso e eu também preciso, pois me alimenta demais. Então, todo ser humano tem que buscar a felicidade. E a felicidade está nas pequenas coisas. E a principal delas é fazer o que você gosta. Fazendo o que se gosta, você será bem sucedido, seja qual for sua profissão – você pode escolher ser um Professor de Matemática, um Professor de Física, um Astronauta, um Engenheiro, um Músico, Jogador de Futebol, Tocador de Banda, ou Escritor. Se você escolher aquilo que gosta e fizer bem feito, você será bem sucedido na vida. E a partir daí, a felicidade é um campo aberto para desenvolver suas potencialidades, fazer uma grande rede de relacionamentos. Quando você é feliz, você não erra, não fica amargo e não deseja a infelicidade ao outro. Quando você é feliz, mesmo que alguém te maltrate, você não quer revidar, não carrega rancor, porque tudo isso faz mal à saúde. Existe um extraordinário escritor português, Fernando Pessoa, que constituiu seu cemitério ainda em vida. Todas as pessoas que ele achava que eram maléficas e rancorosas, ele ia enterrando. Ele disse “Fiz meu cemitério em vida e ali enterrei aquela pessoa de quem não quero ser amigo; não vou à sua casa quando ela está lá porque ela não me faz bem.”. É mais ou menos isso que tento adotar na minha vida. JORGE MIGUEL SAMEK Fevereiro 2013 Ser aberto, ser tolerante, ter capacidade de ouvir o outro e acreditar muito que vivemos em um país extraordinário. Cada um na sua função tem que colocar seu tijolo nessa obra e tocar a vida. Fernando Luzio. Samek, muito obrigado pela sua entrevista. Foi um presente extraordinário para o nosso Programa. Esta conversa me faz sentir uma alegria muito grande de alma, e uma sensação de que a missão do nosso Programa mais uma vez foi cumprida. Muito obrigado pelo seu tempo. Foi uma honra para nós. Jorge Samek. Eu que agradeço. Estamos às ordens. E vamos construindo, cada vez mais, um processo de gestão mais eficiente. PROGRAMA NOVOS INTÉRPRETES Entrevistador: Fernando Luzio Idealização e Direção: Fernando Luzio e Renê Guedes Supervisão Editorial: Patrícia Luzio Fotografia: Carla Scorzato Edição: Robson Crociati Produção: Luzio Strategy Consulting Luzio Strategy Consulting www.luzio.com.br / [email protected] +55 11 3045-5651 Rua Afonso Braz, 473 - cj. 43 Vila Nova Conceição - São Paulo - SP 04511-011 Brasil À esquerda, Jorge Samek e, à direita, Fernando Luzio 10 www.luzio.com.br