A FORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM SOROCABA – 1870/1880 Jorge Luís Cammarano González Wilson Sandano UNISO 1 Apresentação O trabalho investiga o processo de formação do espaço escolar em Sorocaba, no período de 1870 a 1880, derivando da pesquisa: Fontes para a história da educação escolar em Sorocaba, circunscrita ao período de 1850 a 1920, caracterizado no âmbito da produção historiográfica correspondente à história de Sorocaba e região, como período de decadência do tropeirismo e de início da industrialização. A natureza do acervo investigado circunscreve-se a documentação textual escrita num universo constituído por ofícios, cartas, memorandos, livros de registros, estatutos, regimentos, relatórios, etc., de professores e inspetores. A documentação foi obtida por meio de fotocópia dos originais junto ao Arquivo Histórico do Estado de São Paulo. A problematização norteadora da investigação proposta é a que segue: que condições estão presentes no processo de formação da educação escolar em Sorocaba e região, no período de 1870 a 1880, considerados como agentes desse processo os Professores e Inspetores? 2 Método e procedimentos Os resultados parciais de pesquisa, aqui apresentados, envolvem a localização e organização de acervos documentais sobre a Educação em Sorocaba e concentram seus esforços em elaborar um guia preliminar de fontes. Consideramos que a localização, a organização e a descrição de fontes documentais para a produção de um “guia de fontes” representa uma referência para o adensamento do campo de produção historiográfica sobre Sorocaba e região, na perspectiva de investigar as dimensões filosóficas, históricas e políticas da educação (Buffa, 2002) com base no estudo das instituições escolares. 3 A educação escolar em Sorocaba Em trabalho anterior, procuramos identificar aspectos do cotidiano da instrução pública em Sorocaba, no período 1860-1870, que oferece, com base nos documentos examinados, informações pertinentes à relação entre o crescimento populacional de Sorocaba e o número de alunos matriculados no espaço escolar público. Observa-se, em seus emissores, a busca de possíveis causas para a evasão escolar e o fechamento das Aulas. Os documentos expressam, ainda, as condições de funcionamento das escolas e a situação de precariedade enfrentada pelos professores, tais como: pagamento de aluguel, aquisição de mobiliário, ausência de recursos que deveriam advir do Estado, licenças e aposentadorias reivindicadas, como também abordam deveres, jornada de trabalho e as dificuldades encontradas em virtudes de classes numerosas, da abolição do castigo físico e da realização dos exames. Com base nessas observações indicávamos, no referido trabalho algumas das condições presentes no processo de formação da educação escolar em Sorocaba, no período 1860-1870: - Sorocaba era uma cidade pobre, ainda eminentemente agrícola; - a instrução pública somente era valorizada pelos profissionais do ensino, incluindose o Inspetor do Distrito; - a população, pelo contrário, aparentemente, não valorizava a instrução, bastava que os seus filhos soubessem, um pouco, ler e escrever e, um pouco também, as quatro operações, para que os tirassem da escola; - os professores gozavam de bom conceito junto à Inspetoria do Distrito; - os pais eram considerados os responsáveis pela baixa freqüência dos alunos e por seu pouco aproveitamento. (González e Sandano, 2004) Com base no exposto, como caracterizar o período de 1870 – 1880? Quais aspectos da documentação consultada; poderíamos destacar no sentido de compreendermos o processo de formação da educação escolar em Sorocaba, no referido período? E mais: há evidências de rupturas ou continuidades em relação ao período anteriormente examinado? Observamos que o período em tela representa um processo criador de condições históricas que se materializariam na passagem do regime de trabalho escravo para o trabalho livre, assalariado e na passagem do regime monárquico para o republicano (Machado, 2004). 3.1 População e população escolar Em 1860, Sorocaba, com cerca de 10.000 habitantes, tinha somente um terço de sua população residindo no centro urbano (Baddini, p. 144). Em 1870, a população de Sorocaba, ainda predominantemente rural, era de 12.859 habitantes, dos quais, 4.793 moradores na cidade. Dos 12.859 habitantes, 8.044 eram brancos; 2.031, pardos; 2.884, pretos; 9.889, livres; 3.070, escravos, 12.792, católicos. (Almeida, 1951, p. 68) Durante o período estudado, a economia do município se altera: o ciclo tropeiro está se fechando, inicia-se o ciclo da indústria do algodão herbáceo, o da indústria de tecido (Aleixo Irmão, p. 27). Em 1871, foi autorizada a construção da estrada de ferro entre Sorocaba e São Paulo, com início dos trabalhos em 1872 e inauguração em 1875 (Almeida, 1951, p. 71). A cidade se modernizava: A vida do cidadão sorocabano, que fora a mais pacata possível, tirante os dois meses da feira começou a modificar-se, entre 1870 e 1875, quando os cabriolés, espécie de carrinho com uma mola de pau entre o eixo e o assento único, os tilburis, carrinhos cobertos, de duas rodas, os carros de praça e os trolis deram de aproveitar o macadam para as suas desabusadas correrias. Pelas estradas municipais trafegaram os trolis, às vezes de dois assentos fora a boleia e as senhorinhas em bando, com os seus grandes guarda-sois, viajavam para as chácaras e fazendas ruidosamente. (Almeida, 1951, p. 54) No município, desde 1810, já funcionava a Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema1 (Almeida, 2001, p. 55). Em 1880, Manoel José da Fonseca encomendou, na Inglaterra a maquinaria necessária “para a montagem de uma fábrica de fiar e tecer” e fez a escolha do local para o seu funcionamento – a fábrica foi inaugurada a 2 de dezembro de 1882 (Aleixo Irmão, p. 231). A cidade recebeu, no período estudado, por duas vezes, a visita do Imperador, para conhecer a Estrada de Ferro e visitar a fábrica de Ipanema. Em relação à educação escolar, antes de passarmos aos dados relacionados a Sorocaba, queremos registrar a análise de Machado (2004), sobre a tendência da educação escolar, no século XIX: A educação se arrasta desorganizada durante todo o século XIX, com exceção de alguns colégios famosos. A escola primária não recebe nenhum favorecimento e é ofertada em péssimas condições. Almeida destaca o descaso com relação a este nível de ensino. Nos relatórios de instrução das províncias ou no relatório apresentado por Gonçalves Dias é comum se repetirem as queixas sobre as péssimas condições das escolas. Estas não têm prédios adequados, muitas vezes são instalados em lugares insalubres e não possuem professores preparados, há falta de material didático, entre outros problemas. Embora o número populacional justificasse a necessidade de escolas, o que se percebe é uma ausência de interesse por parte dos próprios pais, estes retiram os filhos das escolas logo que aprendem os rudimentos da leitura e da escrita. Segundo Azevedo ‘a instrução primária, confiada às províncias é reduzida quase exclusivamente ao ensino da leitura, escrita e cálculo, sem nenhuma estrutura e sem caráter formativo, não colhia nas suas malhas senão a décima parte da população em idade escolar, e apresentava-se mal orientada não somente em relação às necessidades mais reais do povo, mas aos próprios interesses da unidade e coesão nacionais’ (Machado, 2004, p.11). A relação entre população e população escolar apresentada por Machado (2004) se expressa em Sorocaba, nas condições que a seguir apresentamos, condições essas, reiterativas, em nosso entendimento, das observações anteriores. Em 1870, para uma população de 12.859 habitantes, havia um total de 323 alunos, sendo 204 nas escolas públicas (mesmo número do período anterior: 2 masculinas e 2 femininas) e 119 nas particulares (4 masculinas e 1 feminina), segundo relatório do Inspetor de Distrito2. Neste mesmo relatório o Inspetor reconhece um número de alunos bastante reduzido para o número de habitantes do município e indica a razão para tal fato: (...) não se deve attribuir a difficiencia de população o facto de não serem as escholas publicas e particulares, d’este districto, frequentadas por um numero d’alumnos superior a aquele qu’as frequentão, mas sim a pouca inclinação que, em todo o Brasil se nota, pela educação.3 Já o Professor Venâncio José Fontoura, em relatório sobre a situação de sua Aula, indica outro motivo: Existem 77 alumnos matriculados, dos quaes 64 frequentes. Este numero ainda está longe ser proporcional a população de Sorocaba, mesmo levando em conta as matriculas das outras aulas. Deve-se, todavia, attender (?) a uma circunstancia, e é que este municipio eminentemente agricola, tem os seus habitantes disseminados em uma vasta área, e o cultivo do algodão proporciona trabalho as crianças, que deveria acorrer ás escolas.4 Em 1870 foi fechada a Aula de Latim e Francês5, por absoluta falta de alunos (Menon, p. 105). O Inspetor do Distrito, em seu relatório, assim se manifesta a respeito do fechamento daquela Aula: Por deliberação da Presidencia de 10 de março do corrente anno, foi supprimida a Cadeira de Latim e Francez d’esta Cidade em virtude do art 36 da Lei nº 16 de 13 de Agosto de 1861. Ao respectivo Professor comuniquei imediatamente o acto da Presidencia, significando-lhe que podia escolher uma das Cadeiras vagas de primeiras lettras, cuja lista lhe remetti. A supressão d’esta Cadeira, que contava mais de meio seculo d’existencia, e que havia dado a Provincia discipulos tão distinctos, entre os quaes alguns que tem ocupado as primeiras posiçoens sociaes no paiz foi geralmente sentida n’esta localidade. Ao passo que a Cidade de Sorocaba era privada da unica instituição d’ensino secundario, que possuia, outros lugares mais felises, com mesma população, erão dotadas com a creação dessa mesma Cadeira! Hoje que, com toda rasão, tanto se preconisão as vantagens do derramamento da instrucção, entendo qu’aquela Cadeira não devia ser supprimida, antes que se processasse remover as causas que, por ventura, actuassem para que’ella não fosse frequentada pelo numero d’alumnos que a Lei marca. Quando, porem, o municipio de Sorocaba tiver a fortuna de possuir um representate seo entre os legisladores da Província, estou certo que a injustiça de que foi victima, será devidamente reparada.6 A educação escolar, no período estudado é muito valorizada, como, para citar um exemplo, se pode verificar no relatório apresentado pelo Presidente da Província de São Paulo à Assembléia Legislativa Provincial, em 1880: Chego á instrucção publica, o mais importante ramo da grande arvore da Administração, na phrase de um dos nossos illustrados antecessores, e sinto começar declarando que em meu parecer o movimento intellectual da Provincia não tem acompanhado o seu progresso material. (...) Não é para alegrar, e provoca serio exame, a situação do ensino na provincia, quando seus homens mais eminentes, sem distincção de partido, acompanhando o movimento geral, proclamão e reconhecem a necessidade de asegurar instrucção ao povo. Ninguem se atrevêo a inscrever a ignorancia na bandeira do partido político ou seita religiosa, e já no seculo 17º o philosopho de Leipsick, á quem Berlim e S. Petrsburg deveram a função de academias, dizia que a instrucção é um segundo baptismo. (São Paulo, 1873, p. 58) Em Sorocaba, esta valorização da educação escolar também acontecia, o que pudemos comprovar pela leitura de alguns jornais sorocabanos da época – a escola era objeto de discussões. Um exemplo dessa discussão pode ser verificado pela publicação no jornal O Sorocabano, de 1 de janeiro de 1873: É preciso abrir os olhos do povo, derramar luz no seio da nação, repartindo o pão do espírito por todas as classes, sem o que a verdadeira civilisação não passará de um sonho neste paiz fadado para tão grandes commettimentos; e para isto é mister olharse seriamente para a construcção primaria, que entre nós se acha atrasadissima. É triste, mas forçôso confessar: a classe mais numerosa da população do paiz não sabe ler e escrever, ou porque faltam escolas, ou porque as que existem geralmente de pouca utilidade são por não estarem os professores publicos habilitados para as funções do magisterio. (INSTRUCÇÃO primaria) Em 1878, o município tinha 366 alunos, nas escolas públicas e particulares, como registrava o Inspetor do Distrito de Instrução Pública, em seu relatório ao Inspetor Geral. Accuso a recepção da circular de V. S. a 27 de Setembro pp. A qual respondo. Junto encontrará V. S. o mapa geral dos alumnos, que ferequentão as escholas publicas e particulares n’este Municipio, no qual verá V. S. que se achão matriculados nas escholas publicas 249 alumnos, sendo frequentes 209, e nas escholas particulares 117, sendo frequentes 115, o que faz total de 366 alumnos matriculados. Nesta Cidade apenas existe um Gabinete de Leitura, Associações Particular, que p certo tem mil e seis centos volumes.7 Em 1880, o município contava com 12 escolas públicas e 6 particulares, segundo informações do Inspetor do Distrito de Instrução Pública. No distrº. desta cidade existem criadas 12 aulas, sendo 8 do sexo masculº. e 4 do feminino; das quaes se áchão providas 5 do sexo masculº. e 4 do feminino e pr prover-se 3 do sexo masculº. (...) Existem n’esta cidade 6 aulas particulares, sendo 5 diurnas e 1 nocturna. Das diurnas 3 são do sexo masculino e a nocturna do mmo. sexo; e duas são mixtas, regidas por professoras.8 3.1 Ensino público 3.1.1 Alugando escolas: funcionamento e dificuldades As escolas continuam a funcionar nas casas dos professores, responsáveis pelo pagamento de seus aluguéis e de sua manutenção. Essas dificuldades são assinajadas por Venâncio José Fontoura, Professor da 2 ª Cadeira do sexo masculino. Tenho a honra de submetter a V Sª a relação semestral relativo a 2ª escola regida por mim. Aos meus relatorios anteriores apenas tenho de acrescentar que de dia para dia se fazem mais urgentes a reforma da pouca e estragadissima mobilia que recebi dos meus antecessores, e hoje imprestavel; o fornecimento de uma quota para aluguel de casa, pois que hoje é n’esta cidade um pesado onus aos professores n’esta cidade esse algueul. De modelos, livros, papel, pennas, tinta, lapis nada tem recebido esta cadeira, a excepção de uns folhetos sobre o systema metrico decimal, e a constituição do Imperio.9 Dois anos após seu registro a situação do Professor Fontoura, permanece extremamente difícil, ao comunicar. Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. S. que em consequencia do grande numero de alumnos em uma sala tão pequena tem dado em resultado ataques em alguns alumnos, sendo a causa não haver espaço na sala nem sequer para mim andar, por tanto peço a V. S. que em vista de está já marcado quantia para o aluguel de casa, que se digne dar providencias afim do Senr” Dor Inspector do Thesouro mandar ordem, para assim eu poder alugar maior casa; pois é impossivel eu apresentar um bom resultado n’uma pequena sala e sem mobília. Pois espero que V. S. não se descuidará em dar as providencias necessarias.10 Como já relatamos anteriormente, a cessão de móveis e utensílios para as escolas era de responsabilidade do Estado. No entanto, durante o período, praticamente não houve aquisição pelo Estado dos móveis e utensílios – quando ocorreu a aquisição, foi por conta dos professores. Os documentos aqui expostos também possibilitam extrair informações relativas ao número de alunos que freqüentavam a instrução primária. Em cumprimento a circular a mim dirigida por essa Inspectoria em dacta de 17 de Setembro p.p. tenho a communicar á V. Sª. que dirigi-me as escolas publicas de primeiras lettras d’este districto e reccommendei aos respectivos professôres que fizessem vaccinar os alumnos não vaccinados, e para que V. Sª. conheça a respeito o estado das escolas fiz tirar uma lista dos alumnos e ahi declarar-se os vacinados. Há 248 alumnos nas quatro escolas publicas d’esta cidade e d’estes estão vaccinados 127 e não vaccinados 121, a cujos paes foi pedido que em breve os mandassem vaccinar.11 Em relação ao ensino feminino é possível destacar neste período o que segue. Cumprindo o que estabelece o Art. 110 § 11 do Regulamento da Instrucção Publica de 18 de Abril de 1869, vou relatar, posto que mui perfunctoriamente, o estado da escola, cuja direcção acha-se a meu cargo. Durante o anno lectivo não se deo na escola acontecimento algum extraordinario, e por isso digno de ser levado ao conhecimento de V. Sª. A escola tem funcionado regularmente em todos os dias uteis das 9 horas da manhã ás 2 da tarde, sendo frequentada por 55 alumnas matriculadas e d’estas muito poucas são as infrequentes. O estado da instrucção das alumnas é assás satisfactorio, visto como apresentam bastante adiantamento e aproveitam o ensino das materias que se lecciona na escola – que são as determinadas no Regulamento, a que já me referi. As alumnas mais adiantadas em leitura, caligraphia, grammatica nacional e systema metrico são tambem applicadas na aprendissagem de prendas domesticas, cujos trabalhos dão testemunho de seu regular adiantamento. As minhas alumnas são doceis e submissas, e a estes dotes, aos meus esforços e zêlo para com ellas, á minha vocação pª. o magisterio têm certamente concorrido para a consecução do vantajoso estado de adiantamento, á que ellas têm atingido.12 3.2. Ensino Obrigatório Um processo desperta nossa atenção no período focado: trata-se da institucionalização do ensino obrigatório. Observa-se em Ofício de 23 de Novembro de 1874. Tendo-se installado o Conselho de Instrucção d’este districto dando começo aos seus trabalhos no dia 23 do corrente mez, como verá V. Sª. pela copia junta resolveu fazer a V. Sª. a proposta para circunscripção territorial dentro da qual devem ficar comprehendidos os membros sujeitos ao ensino obrigatorio.Achando-se na acta da installação do Conselho os pontos que podem servir para os limites d’essa circunscripção, o Conselho a envia a V. Sª. afim de ser a mesma proposta apresenta ao Governo Provincial como dispõe o Regulamento do ensino obrigatorio para ser a mesma approvada.13 A tramitação do processo sob a responsabilidade do Conselho de Instrução Pública em ofício encaminhado em 17 de fevereiro de 1875; registra além das dificuldades na efetivação do solicitado, a situação precária do professorado da Província: Pelo Prezidente da Camara d’esta Cidade, foi presente ao Conselho de Instrução Publica, uma Circular de V Sª. com data de 18 do mez passado na qual recommendou ao mesmo de ordem de S. Exª. o Senr Prerzidente da Provª., que com a maxima brevidade organizasse elle os seus trabalhos preparatorios, afim de que fosse quanto antes posto em execução o regulamento de 5 de junho do anno passado, acerca do ensino obrigatorio; e respondendo o Conselho, á V Sª., cumpre-lhe dizer que em data de 13 de Novembro do mmo anno passado remetteo á V Sª., com a acta de sua primeira reunião, o plano da circunscripção territorial que havia feito afim de ser submettido á approvação do Exmo Governo, cujo recebimento V Sª. accusou ao Conselho, em data de 15 de Janeiro do corrente anno. O Conselho ainda não procedeo o alistamento dos menores, sugeitos ao ensino obrigatório por aguardar a approvação do plano que enviou; si porem V Sª. entender que o Conselho deve fazer isto, independente d’approvação da circunscripção territorial, digne-se ordenar, que o Conselho o fará. Aproveitando a opportunidade, o conselho solicita de V Sª. as providencias necessarias para que sejão pagos de seos vencimentos os Professores e Professoras que á cinco mezes ou mais não tem recebido os mesmos, e estão soffrendo sérias provações. Os Professores já tem solicitado de V Sª. e do Inspector do Tezouro as ordens necessarias, e entretanto ellas não apparecem, e elles continuão a soffrer, dizendo o administrador do Registro desta cidade, que foi auctorizado a fazer os pagamentos, óra que não tem mais auctorização para os fazer, ignorando-se se este procedimento é filho da má vontade do administrador, ou se na verdade elle não póde mais saptisfazer os ordenados dos Profesores, e n’este caso, deve ser expedida ordem á Collectoria de Rendas, por que os Professores não pódem continuar sem o unico meio de subszistencia que tem. O Conselho conta que V Sª., tomando na devida consideração a ponderação que fáz a respeito do pagamento dos ordenados dos Professores, estes serão saptisfeitos.14 A institucionalização do ensino obrigatório e gratuito esbarra numa série de dificuldades assim registradas na documentação analisada. Relativamente a obrigatoriedade do ensino, o poder da rotina e os embaraços nascidos de outras fontes a tem resistido. As nossas escolas são freqüentadas, em regra, pelos filhos do pobre; não devendo causar estranheza o pouco zelo e interesse que se tem observado pela execução da medida, devido a falta de confiança que, salvo raras excepções, inspirão as nossas escolas publicas, já porque os mestres, ou são incapazes, ou, illudindo a responsabilidade, vivem desviados de suas ocupações magisteriaes (idem, p.63). O Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 1880 reconhece as dificuldades de implementação do ensino obrigatório: O ensino devia ser obrigatorio. Mtas. vezes os pais e f. retirão seus fos. , ou (?), da aula por simples castigo moral feito, plos. Professores a bem da disciplina e adiantamto. dos mmos.15 3.2 Ensino particular O ensino particular seguia os mesmos moldes do ensino público, conforme se pode verificar da transcrição seguinte: Tendo aberto a presente aula de 1as. lettras no dia 8 de Janeiro do corrente anno, e até a data do presente relatorio, pelo mappa que a este accompanha achará V. S. que existem vinte e tres alumnos matriculados e frequentes. Quanto ao systema de meu ensino privado tenho adoptado o mesmo das escolas publicas como o melhor até aqui conhecido, isto é: A leitura de manuscriptos e impressos, a caligraphia, a Doutrina Christã, a Grammatica Nacional, a Arithmetica e o Systema Metrico swão as materias que ensinamos.16 O horário das aulas podia ser em dois períodos: Principio o ensino das nove horas da manhã até as onze da mesma, começando novamente das duas horas da tarde até as quatro da mesma, em cujos tempos distribuo as licções pelos mesmos methodos e costumes adoptados nas Escholas Publicas.17 Ou ininterrupto: Abro a Aula as 10 horas da manhã e feixo-a as duas e meia da tarde, empregando, em todo esse tempo, toda energia e circunspecção, á fim de evitar relaxamento e desmando q pr. ventura possão apparecer.18 4 Considerações finais. O quadro sumariamente traçado em relação ao processo de formação da educação escolar em Sorocaba, para o período de 1870-1880, traduz continuidades, particularizando o contexto mais amplo da Província e do Império. O contexto da Província revela o distanciamento entre o crescimento das atividades produtivas e suas vias de comercialização e transporte, e a presença da educação escolar. Dados estatísticos pertinentes a este período, na Província, revelam que: A frequencia das escolas, segundo os dados colligidos, não excede de 10,931 alumnos, sendo 6,625 do sexo masculino e 4,306 do feminino, numero por certo assaz desproporcional ao de nossa população que é, em sua totalidade, conforme daos estatísticos, de 837,351, dos quaes são analphabetos 255,327 homens e 284,348 mulheres livres, e 87,549 homens e 68,549 mulheres escravos, do que resulta a existencia de 695,183 analphabetos, e de 81 homes e 23 mulheres escravos que sabem ler e escrever. (São Paulo, 1880, p.63). Em Sorocaba, é possível destacar os seguintes aspectos: - Sorocaba apresenta sinais de crescimento populacional e de processos que modificam seu perfil eminentemente agrícola para um espaço pontuado por atividades comerciais e produtivas centradas na industrialização. - O período estudado reafirma a presença das escolas particulares, que seguem os moldes do ensino público. - As condições relativas ao funcionamento das escolas públicas, como aluguel de casas pelos professores; ausência de do Estado na cessão de móveis e utensílios; a situação precária dos professores diante, por exemplo, de atraso no recebimento de salários, reafirmam aspectos observados em períodos anteriores. - A educação escolar é valorizada, reconhecendo-se a necessidade de alargar a presença da instrução pública e observando-se a importância da representatividade política como mediação para a institucionalização do processo educacional. - Note-se, neste período, a presença dos jornais que incorporam o debate sobre a relevância da educação escolar. É possível salientar que parte desse processo se expressa normativamente por meio da institucionalização do ensino obrigatório. NOTAS 1 Em 1857, esta fábrica passa a localizar-se no município de Campo Largo, face ao seu desmembramento de Sorocaba. 2 Relatório apresentado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Messias José Corrêa, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 26 de outubro de 1870. Neste relatório, o Inspetor indica a existência de 6 escolas para o sexo masculino (2 públicas e 4 particulares) e 3 para o sexo feminino (2 públicas e 1 colégio particular). 3 Relatório apresentado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Messias José Corrêa, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 26 de outubro de 1870. Neste relatório, o Inspetor indica a existência de 6 escolas para o sexo masculino (2 públicas e 4 particulares) e 3 para o sexo feminino (2 públicas e 1 colégio particular). 4 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Venâncio José Fontoura, Professor da Segunda Cadeira do Sexo Masculino, em 15 de outubro de 1870. 5 Segundo RODRIGUES, em “(...) 57 o Governo Provincial estabeleceu que a frequencia media não podia ser inferior a 15. O resultado foi o fechamento de mais da metade das escolas de Latim.” (RODRIGUES, p. 21) 6 Relatório apresentado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Messias José Corrêa, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 26 de outubro de 1870. 7 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por José Marques B. S. Pavão, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 30 de outubro de 1878. 8 Relatório encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Antonio Gonzaga Sêneca de Sá Fleury, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 30 de outubro de 1880. 9 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Venancio José Fontoura, Professor da 2ª Cadeira do sexo masculino, em 26 de maio de 1873. 10 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Venâncio José Fontoura, Professor da 2ª Cadeira do sexo masculino, em 22 de setembro de 1875. 11 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Luiz Augusto Ferreira, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 3 de novembro de 1874. 12 Oficio encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Januaria de Oliveira Simas, Professora da 2ª cadeira do sexo feminino, em 25 de maio de 1873. 13 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, pelo Conselho de Instrução Pública do Distrito de Sorocaba, em 23 de novembro de 1874. 14 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, pelo Conselho de Instrução Pública do Distrito de Sorocaba, em 17 de fevereiro de 1875. 15 Relatório encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Antonio Gonzaga Sêneca de Sá Fleury, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 30 de outubro de 1880. 16 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Leopoldo Manoel de Oliveira, Professor Particular, em 20 de junho de 1877. 17 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por João Jose Ribeiro de Alencastro, Professor particular, em 16 de junho de 1873. 18 Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por José Pereira Chagas, Professor particular, em 10 de junho de 1873. Referências ALEIXO IRMÃO, José. A perseverança III e Sorocaba. Vol.1: da fundação à proclamação da república. Sorocaba: Fundação Ubaldino do Amaral, 1969. ALMEIDA, Aluisio de. História de Sorocaba. Volume 2: 1822-1889. Sorocaba: Gráfica Guarani, 1951. _____. História de Sorocaba para crianças. 5ª ed. 3ª impressão atualizada. Itu (SP): Ottoni Editora, 2001. BADDINI, Cássia Maria. Sorocaba no Império. Comércio de animais e desenvolvimento urbano. São Paulo: Annablume-Fapesp, 2002. BUFFA, Ester. História e filosofia das instituições escolares. In: ARAÚJO, José Carlos Souza & GATTI Júnior, Décio.(organizadores) Novos temas em história da educação 12 brasileira. Instituições escolares e educação na imprensa. Campinas, SP: Autores Associados; Uberlândia, MG: Edufu, 2002. (Coleção memória da educação) GONZÁLEZ, Jorge Luis Cammarano e SANDANO, Wilson. A escola pública em Sorocaba – 1860/1870. Anais da IV Jornada do HISTEDBR “História, Sociedade e Educação no Brasil”; realizada de 5 a 7 de julho de 2004 / Organização de Dermeval Saviani, José Claudinei Lombardi, Maria Isabel Moura Nascimento – Maringá, PR: Universidade Estadual de Maringá; Campinas, SP: HISTEDBR, 2004, 1 CD-ROM. INSTRUCÇÃO primaria. O Sorocabano, Sorocaba, 1 de janeiro de 1873, p. 2. MACHADO, Maria Cristina Gomes. Uma reflexão sobre o surgimento das instituições escolares no Brasil no Século XIX. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art18 11.htm>. Acesso em 23/03/2004. SÃO PAULO. Relatório apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de S. Paulo pelo presidente da provincia, Laurindo Ableardo de Brito, no dia 5 de fevereiro de 1880. Santos: Typ. A Vapor do Diario de Santos, 1880. Disponível em <http://www.crl.edu/content/brazil/sao.htm>. Acesso em 23/03/2004. Documentos Os documentos abaixo relacionados, que foram citados ou transcritos neste texto, estão entre aqueles que foram disponibilizados, em fotocópia, para a Universidade de Sorocaba, pelo Arquivo Histórico do Estado de São Paulo. - Oficio encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Januaria de Oliveira Simas, Professora da 2ª cadeira do sexo feminino, em 25 de maio de 1873. - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Venancio José Fontoura, Professor da 2ª Cadeira do sexo masculino, em 26 de maio de 1873. - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por João Jose Ribeiro de Alencastro, Professor particular, em 16 de junho de 1873. - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Venâncio José Fontoura, Professor da 2ª Cadeira do sexo masculino, em 22 de setembro de 1875. - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Luiz Augusto Ferreira, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 3 de novembro de 1874. - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, pelo Conselho de Instrução Pública do Distrito de Sorocaba, em 23 de novembro de 1874. - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, pelo Conselho de Instrução Pública do Distrito de Sorocaba, em 17 de fevereiro de 1875. - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Leopoldo Manoel de Oliveira, Professor Particular, em 20 de junho de 1877. 13 - Ofício encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por José Marques B. S. Pavão, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 30 de outubro de 1878. - Relatório encaminhado ao Inspetor Geral da Instrução Pública, por Antonio Gonzaga Sêneca de Sá Fleury, Inspetor do Distrito de Sorocaba, em 30 de outubro de 1880.