PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2.ª REGIÃO
Processo 2039/2004 - São Paulo - Capital - 19.ª Vara - 27/11/2006
Aos 13 dias do mês de outubro do ano de 2006, às 17:10 h, na sala de audiências
desta Vara do Trabalho, por ordem do Exmo Sr. Dr. Juiz do Trabalho CARLOS
ALBERTO FRIGIERI, foram apregoados os litigantes: Sindicato dos Professores de
São Paulo, reclamante e 1ª- Instituto Sumaré de Educação Superior – ISES Ltda. e
2ª- Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Educação – Coopesp, reclamadas.
Ausentes as partes.
Prejudicada a proposta final conciliatória.
Submetido o processo a julgamento, proferiu-se a seguinte
SENTENÇA
Relatório
Sindicato dos Professores de São Paulo, reclamante, ajuizou Ação Civil Pública em
face de 1ª- Instituto Sumaré de Educação Superior – ISES Ltda. e 2ª- Cooperativa
de Trabalho dos Profissionais de Educação – Coopesp, Reclamadas, todos
devidamente qualificados, aduzindo que sofreu lesões tanto durante o pacto como
na sua extinção. Formula os pedidos contidos na inicial, dando à causa o valor de
R$ 5.000,00.
Contestaram as Reclamadas, asseverando serem indevidas as postulações e, com
as cautelas de praxe, requereram a improcedência dos pedidos contidos na inicial.
Ouvido o Ministério Público, que manifestou-se às fls. 230 a 232.
Documentos foram juntados pelos litigantes.
Foram ouvidos os depoimentos testemunhais.
Sem mais provas, encerrou-se a instrução processual, com razões finais, sendo que
as propostas conciliatórias foram rejeitadas.
Decido.
Fundamentação
Da inépcia da petição inicial
(art. 840, parágrafo único, CLT e arts. 267, I, CPC)
A inicial está bem posta, objetiva e sintética, obedecendo aos parâmetros do
parágrafo primeiro do art. 840 da CLT, viabilizando a ampla defesa, que
efetivamente ocorreu, indeferindo-se a argüição.
Da carência da ação
(art. 267, VI, CPC)
Carecedor da ação é quem não apresenta interesse, é parte ilegítima ou postula
algo defeso em lei.
O interesse é subjetivo, identificando-se com o caráter autônomo, incondicionado e
abstrato de agir (teoria da asserção), inerente ao direito de ação,
constitucionalmente assegurado, bastando, ademais, a existência de lide
(pretensão resistida), para que se configure o interesse (necessidade e adequação)
da prestação jurisdicional a solver o conflito.
O autor não postula nada que seja vedado em lei, não se verificando
impossibilidade jurídica do pedido, eis que a eventual postulação de algo não
previsto no ordenamento jurídico constitui lacuna, suprível pelos métodos de
integração da norma jurídica (art. 4º, LICC).
Legítimas são as pessoas do presente processo, chamadas a participarem da
relação jurídica processual, identificando-se com as partes qualificadas nos pólos da
ação, independentemente da titularidade do direito material (caráter autônomo ou
incondicionado do direito de ação), bastando que a pessoa que se identifica como
autor assevere (afirme) que a pessoa identificada como réu deve se submeter a
uma pretensão de direito material (teoria da asserção).
Assim, não se confunde relação jurídica material com relação jurídica processual,
vez que nesta a legitimidade deve ser apurada apenas de forma abstrata.
No que se refere à legitimidade ativa, os legitimados para promover a ação civil
pública, estão elencados no art. 5º, L. 7347/85, entre as quais está inserido o
sindicato.
A legitimidade do sindicato para ajuizar ação civil pública decorre, também, do
artigo 8.º, inciso III, da Constituição: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e
interesses coletivos e individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas”.
Não há dúvida de que a presente hipótese se trata de defesa de interesses coletivos
em sentido estrito dos professores, ficando evidenciada a pertinência temática que
autoriza a iniciativa do órgão representante da categoria profissional.
Rejeito a argüição.
Da cooperativa
(art. 442, parágrafo único, CLT, art. 942, parágrafo único do CC)
Foi com o advento da Lei 8.949/94, que veio acrescer o parágrafo único ao artigo
442, da legislação consolidada, que muitos empregadores, ávidos em reduzir seus
custos operacionais, com o fito de ampliarem a sua margem lucrativa,
vislumbraram a possibilidade de promoverem uma merchandage com o beneplácito
legal.
Ressalte-se que o contexto em que inserido o parágrafo único no artigo 442 da CLT
em 12.12.1994 foi o de insegurança política e omissão do Estado, enquanto EstadoSocial.
Nem o governo compreendeu, ou não quis compreender, o que se passava e para
onde poderia conduzir o mundo do trabalho assim, à mercê do mercado.
Ainda hoje invoca-se a flexibilização como a salvação do Direito do Trabalho.
Também invoca-se que os trabalhadores podem se salvar coletivamente se, unidos
por laços de solidariedade e simpatia, formarem cooperativas de mão-de-obra.
Então introduz-se na CLT o seguinte dispositivo, cuja iniciativa foi do Poder
Legislativo, de legitimação inegavelmente popular:
Art. 442. (...)
Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa,
não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre este e os
tomadores de serviços daquelas.
Por tal disposição operou-se verdadeira inversão de valores, na medida em que,
sob o pretexto de fortalecimento do nobre ideal cooperativista, possibilitou-se o
agravamento da situação social de muitos trabalhadores que agora sofrem uma
nova e mais perversa exploração, pois, na ótica dos idealizadores das cooperativas
de mão-de-obra, o aspecto formal da associação sobrepor-se-ia à realidade fática
da atividade desenvolvida, operando o efeito de afastar a existência da relação de
emprego.
Ledo engano.
Muito já foi dito, escrito e decidido em torno da questão, mas a verdade é que,
passados quase dez anos da introdução do parágrafo único ao art. 442 da CLT, a
realidade do mundo do trabalho se encarregou de mostrar o quão prejudicial aos
trabalhadores foi a declaração de que não havia vínculo entre o sócio e a
cooperativa nem entre este (o sócio) e o tomador de serviços.
De tudo, resta a idéia de que a cooperativa permitiu a precarização do trabalho,
como se verifica no curso dos anos em que adotada tal prática ainda persistente.
Tais associações apartam-se flagrantemente da essência do sistema cooperativo,
conquanto não objetivam a prestação de assistência e serviços em benefício e para
o progresso dos cooperativados.
Com efeito, o fim a que se prestam é tão somente o atendimento de um interesse
econômico do tomador dos serviços que através de um ardil terá o proveito de
dirigir uma prestação laboral subordinada sem que se estabeleça o vínculo
empregatício.
Tal escopo pretende ser alcançado através de exegese literal e isolada do indigitado
dispositivo celetário, o que não é adequado que seja feito.
De tudo, resta a idéia de que a cooperativa permitiu a precarização do trabalho
humano, como se verifica no curso dos anos em que adotada tal prática ainda
persistente.
A regra geral e a experiência prática nos levam a crer que, cooperativas de mãode-obra, salvo raríssimas exceções, existem para impedir a aplicação das normas
protetivas do trabalho e servem a interesses escusos de alguns empregadores e, na
forma como atuam, geram a sensação de desamparo e indignidade do trabalhador,
deixado à merce de uma macro-economia em que as ações são voltadas para o
lucro do capital.
Muito oportunas foram as observações da I. Membro do Ministério Público do
Trabalho, eis que as reclamadas não só não negam, mas ratificam a forma de
contratação de professores para exploração da atividade educacional.
Não se concebe uma instituição de ensino, como a segunda reclamada, sem
professores, de modo que estes prestam serviços notoriamente dirigidos à
atividade-fim daquela.
São sintomáticas as palavras da primeira testemunhas da defesa, declarando “...
que quando de sua admissão como professora lhe explicaram que só poderia ser
contratada através da cooperativa...”.
A fraude contra o trabalhador já começa no ato de adesão, ocasião em que se
arregimentam profissionais, sem que os ´cooperados´ tenham integral consciência
de que ingressam numa sociedade de pessoas e na qualidade de sócios.
Neste momento, já é perpetrada a primeira ilegalidade, porquanto o trabalhador é
compelido a associar-se para que obtenha uma colocação na empresa tomadora da
sua prestação, o que já agride a voluntariedade associativa (“affectio societatis”)
exigida pelo inciso I, do artigo 4º, da Lei de Cooperativas e respaldada pela
Constituição em seu artigo 5º, XII.
Este depoimento e os demais demonstram um flagrante desconhecimento do
cooperativismo, eis que estimulados por um ganho aparentemente superior, os
trabalhadores não se dão conta de que estão totalmente desamparados, sem a
proteção das regras de ordem pública contidas na Constituição Federal e na CLT,
sem direito a férias, 13º salários, depósitos de FGTS, seguro contra acidente de
trabalho, beneficios previdenciários, como, por exemplo, a licença maternidade, eis
que a terceira testemunha informa que uma professora se desligou da cooperativa
em razão de estar passando por gestação de risco, ficando excluída dos benefícios
sociais.
A redução dos custos com a contratação de cooperativas de mão-de-obra até pode
ser economicamente interessante para o tomador, que não recolhe parcelas sociais,
revelando-se, entretanto, precária e imediatista, eis que representa um “déficit”
social pesado a sobrecarregar a sociedade, não se podendo admitir que o interesse
individual da empresa sobreponha-se ao interesse coletivo da sociedade,
indevidamente onerada, sob pena de se operar uma abominável inversão de
valores.
Verifico, assim, serem evidências de fraude observadas entre as reclamadas:
a) a verificação de que os trabalhadores se associaram sem ter pleno conhecimento
das diretrizes do cooperativismo, fazendo-o por necessidade, caso contrário não
teriam trabalho para subsistirem;
b) a cooperativa só existe para fornecimento de mão-de-obra, sem auxílio mútuo,
sem participação na atividade econômica, afrontando o art. 1º, incisos III e IV, da
CF;
c) o trabalhador recebe por produção efetiva, não se podendo falar e participação
nos resultados, não havendo proveito comum, mas mera adaptação dos
empregados à nova realidade;
d) o tratamento dos cooperados como se empregados fossem;
e) o trabalho da cooperativa dirigir-se à atividade-fim;
f) atividade laboral exigia disciplina, comando, coordenação dos trabalhos,
fornecimento de material, distribuição de tarefas e fixação do início e fim dos
serviços, inclusive com horários da prestação de serviços;
g) existência de pessoalidade e de subordinação;
h) existência de vantagem patrimonial em favor de terceiro, que é a primeira
reclamada;
i) intermediação de mão-de-obra por parte da segunda reclamada;
j) a primeira reclamada controlava toda a atividade por intermédio dos “gestores”
da cooperativa, seus prepostos.
Face o exposto, condeno a primeira reclamada a se abster do uso de mão-de-obra
advinda da segunda reclamada para o exercício da função de professor, sob pena
de cominação diária na base de R$ 1.000,00, revertida em favor do FAT (Fundo de
Amparo ao Trabalhador).
Condeno, também, a segunda reclamada a se abster a fornecer mão-de-obra de
professor à primeira ré, sob pena de cominação diária na base de R$ 1.000,00,
revertida em favor do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Esta decisão não abrange toda e qualquer empresa interposta, pois a eventual
declaração da ilegalidade da intermediação na prestação de serviços por entidades
cujos trabalhadores estejam registrados, exige considerações individuais mais
complexas e particularizadas.
Condeno as reclamadas, em solidaridade, ao pagamento de indenização no valor
arbitrado de R$ 100.000,00 a título de reparação pelos danos causados à sociedade
(descumprimento de obrigações sociais)como um todo e à coletividade de
trabalhadores representados pelo reclamante, revertido em favor do FAT (Fundo de
Amparo ao Trabalhador).
Tal condenação tem também caráter preventivo, punitivo e pedagógico das
reclamadas, além do compensatório da sociedade.
A primeira reclamada é condenada a anotar o vínculo empregatício na CTPS de
todos os “cooperados” que atuaram ou atuam nesta condição em sua atividade-fim
(ensino), consignando como data de admissão aquela em que os mesmos iniciaram
a prestação de serviços, bem como os respectivos salários e funções, isso no prazo
de 8 dias, sob pena de a Secretaria da Vara o fazer em substituição, devendo ainda
a ré promover os depósito das parcelas do FGTS em conta vinculada em nome dos
empregados, bem como efetuar os recolhimentos das contribuições previdenciárias
de todo o período trabalhado, observando as cominações estabelecidas nos
instrumentos normativos aplicáveis à categoria.
O pedido contido na letra “c” da inicial é condicional, não sendo passível de
acatamento, sendo, assim, rejeitado.
Dispositivo
(S. 200, 211, 368, 381 do TST)
Posto isso, rejeitando as preliminares argüidas, acolho parcialmente os pedidos
formulados por Sindicato dos Professores de São Paulo, reclamante, para condenar
1ª- Instituto Sumaré de Educação Superior – ISES Ltda. 2ª- Cooperativa de
Trabalho dos Profissionais de Educação – Coopesp, reclamadas, a se absterem do
uso de mão-de-obra cooperada, com a primeira ré se abstendo contratar e a
segunda de fornecer tal mão de obra para o exercício da função de professor, sob
pena de cominação diária na base de R$ 1.000,00 cada uma, revertida em favor do
FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), bem como a pagarem, em solidariedade, a
importância de R$ 100.000,00 a título de de reparação pelos danos causados à
sociedade como um todo e à coletividade de trabalhadores representados pelo
reclamante, revertido em favor do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), na
forma da fundamentação.
A primeira reclamada é condenada a anotar o vínculo empregatício na CTPS de
todos os “cooperados” que atuaram ou atuam nesta condição em sua atividade-fim
(ensino), consignando como data de admissão aquela em que os mesmos iniciaram
a prestação de serviços, bem como os respectivos salários e funções, isso no prazo
de 8 dias, sob pena de a Secretaria da Vara o fazer em substituição, devendo ainda
a ré promover os depósito das parcelas do FGTS em conta vinculada em nome dos
empregados, bem como efetuar os recolhimentos das contribuições previdenciárias
de todo o período trabalhado, observando as cominações estabelecidas nos
instrumentos normativos aplicáveis à categoria.
O montante será apurado em regular liquidação de sentença do modo que seja o
mais eficaz para fixação do valor do título, observando-se a evolução salarial do
reclamante, a atualização desde o vencimento (art. 459, CLT e S. 381 TST correção monetária a partir do mês subseqüente ao descumprimento da obrigação
da prestação de serviços, com observância da taxa referencial do SELIC, utilizado
para títulos federais – L. 9430/96) e acréscimo de juros “pro rata die”, a partir do
ajuizamento da ação, atentando-se para a dedução acolhida, bem como para as
Súmulas 200 e 211 do TST, além do cálculo das contribuições previdenciárias
(parágrafo 1º-A do art. 879, da CLT).
Arcará o empregador com a íntegra responsabilidade sobre o recolhimento dos
tributos (Imposto de Renda e Contribuições Sociais), incidentes sobre a presente
sentença, comprovando-os em Juízo, sob as penas da lei, observada a limitação
estabelecida pelo parágrafo 3º do art. 832, da CLT; arts. 28 e 33, parágrafo 5º da
Lei 8.212/91, eis que sobre direitos reconhecidos judicialmente não podem ser
tributados às expensas da parte lesada.
Em oito dias deverá a primeira reclamada anotar a Carteira de Trabalho de todos os
cooperados professores (admissão, dispensa, salário e função) sob pena de o fazer
a Secretaria da Vara sendo que, em qualquer hipótese, oficiará ao órgão do
Ministério do Trabalho.
A Segunda reclamada responderá solidariamente pelas verbas principais, exceto
anotação na CTPS, inclusive pelas custas processuais e pelos recolhimentos
previdenciários e fiscais.
Custas processuais, no valor de R$ 2.000,00, pelas reclamados, calculadas sobre o
valor arbitrado de R$ 100.000,00 (arts. 789 e seguintes da CLT), aplicando-se a S.
25, 128 do C. TST e OJ 186 SDI-1 do TST.
Notifiquem-se as partes do inteiro teor da presente, sendo que o Ministério Público
deverá ser notificado pessoalmente.
Cumpra-se.
CARLOS ALBERTO FRIGIERI - Juiz do Trabalho Substituto
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