Política Ambiental e Teorias da Democracia Mauro Leonel 1, Julieth Aquino 2, Luana Turbay 3 Nos últimos anos, dentre os temas relativos à teoria social e ao ambiente, assistiu-se a um destacado crescimento da produção de pesquisa nos temas da Política Ambiental, sobretudo no relativo ao desenvolvimento de princípios e instrumentos da democracia deliberativa/discursiva, processos sociais relevantes para as tomadas de posição da cidadania frente às mudanças climáticas socioambientais. Num balanço mais antigo, feito por Buttel, relativo à pesquisa em sociologia ambiental (l987:465), a política ambiental aparecia timidamente, como o último subítem, depois das seguintes áreas: a) a nova ecologia humana; b) atitudes, valores e costumes ambientais; c) movimento ambientalista; d) risco tecnológico e avaliação de risco; e) a política econômica do ambiente e ... a política ambiental. O mesmo autor constatava que a influência da sociologia ambiental para a reorientação da teoria social teria sido modesta. Num balanço posterior, de 2001, Buttel concluia que, a década de 90, não teria sido também completamente produtiva para os sociólogos ambientais, apesar de produções no campo da cultura, da modernização ecológica e, mais pontualmente, alguma produção quanto às mudanças climáticas. Importantes trabalhos surgiram, como críticas ao sistema industrialista, em campos como o da ecologia política e ecologia social, alguns mais ligados ao debate do movimento ambientalista do que à pesquisa em teoria social. O debate atual, centrado no tema da democracia, não deixa dúvida de que se trata de uma produção em Política Ambiental, em diálogo com a teoria política e democrática, como no caso do livro de Baber, W.F. e Bartlett, R., intitulado Deliberative Environmental Politics. Democracy and Ecological Rationality, ou ainda o livro de Smith, G. Deliberative Democracy and the Environment. Mas é sobretudo nos estudos de J.S. Dryzek, que o tema da política ambiental foi exposto pioneiramente, em trabalhos como Discursive Democracy, The Politics of The Earth e Deliberative Democracy and Beyond: Liberals, Critics, Contestations, no qual o capítulo forte chama-se Green Democracy. 1 Prof.Dr.Mauro Leonel, do Programa de Pós–Graduação em Integração da América Latina/USP , disciplina Teorias da Democracia e América Latina e Prof. Visitante da Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unesp FFC-Marília;da EACH – Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP Leste, disciplinas Sociedade, Ambiente e Cidadania e Política Ambiental . Autor, entre outros, de Biossociodiversidade: preservação e mercado (1992) www.scielo e A morte social dos rios Perscpectiva/Fapesp/IAMÁ (1998), ver Lattes. 2 Julieth Aquino, Licenciada em Ciências Sociais na FFC Unesp – Marília, pesquisadora do PPSE/PPAP – Políticas Públicas, Ambiente e Populações e do IAMÁ – Instituto de Antropologia e Meio Ambiente. 3 Luana Turbay, graduanda em Filosofia na FFC Unesp-Marília, pesquisadora do PPSE/PPAP – Políticas Públicas, Ambiente e Populações e do IAMÁ – Instituto de Antropologia e Meio Ambiente. No caso desta última vaga de autores e títulos, considerada a vez, ou o turno, da Política Ambiental, a produção tem provocado um debate rico, como nos temas das relações entre a democracia e a sociedade civil; nas definições do que é próprio da democracia ambiental, ou do conjunto dos movimentos sociais contemporâneos. Os defensores de uma maior e melhor democracia, a discursiva/deliberativa, dentro ou fora do aparelho de estado, declaram-se em boa companhia, uma vez que, em alguns de seus trabalhos importantes, “John Rawls e Jürgen Habermas, respectivamente o mais importante teórico liberal e o da teoria crítica, ao final do século XX, colocaram seu prestígio ao turno deliberativo, publicando trabalhos importantes nos quais identificaram-se como sendo partidários da democracia deliberativa” (Dryzek, 2000, pg.2). Em síntese, os democratas deliberativos pretendem multiplicar os pontos, as arenas, fóruns de alternativas de entendimento, através de uma nova dinâmica à democracia, mais crítica, insurgente, pluralista, transnacional, e respeitosa de todos os discursos, das diferenças, até à criação do entendimento. Dentro ou fora do aparelho de estado, com mais vantagem até fora dele, o importante é que, nas decisões sobre as questões socioambientais, que todos os envolvidos sejam ouvidos, sem qualquer coerção, pelo tempo que necessitem. O que é democracia deliberativa? É a luta por mais democracia e, para isto, uma democracia comunicativa, discursivodialógica, inclusiva e direta para os envolvidos, pondo um freio aos interesses privados e/ou das tecnoburocracias, no sentido de Max Weber. Embora a democracia deliberativa ainda desafie uma definição precisa, é ligada à uma escola da teoria política da democracia, a que defende uma genuína participação pública discursiva nos processos decisórios, que os torne mais racionais, do que nos atuais mecanismos representativos, ou seja, mais sensível ao ambiente, do que aos interesses do mercado. Criticam a democracia participativa por manter como referência apenas os locais de trabalho e de moradia e não a democratização de todos os espaços da esfera pública (Pateman (1992), Macpherson (1978), Held (1996)). Para retirar a democracia do antropocentrismo liberal, para uma racionalidade da política ecológica, seria preciso colocar a ênfase na comunicação e na deliberação. Defendem que existe uma diferença entre valores instrumentais e intrínsecos, e que, por isto, é preciso que alguém fale em nome da ética, dos valores, do mundo não-humano e das futuras gerações. Seriam as questões ambientais privilegiadas para um teste de aprofundamento da democracia? Ou seriam propostas ingênuas, programáticas, a serem tragadas pelo pragmatismo democrático, pelos grupos de interesses? Sem dúvida uma das contribuições mais destacadas, é a de J.S.Dryzeck, australiano, prestigiado, hoje renomado entre os especialistas da área, editado pela Oxford Press. Este autor refere-se a uma (1997,p.3) mudança nos próprios termos da política ambiental. Há 4 décadas atrás, centrava-se na poluição, biodiversidade, crescimento populacional, fósseis... Depois se passou para a energia, direitos dos animais, espécies, mudanças climáticas, ozônio, lixo tóxico, ecossistemas, justiça ambiental, etnias e classes. Duas posições a seu ver foram se consolidando, embora, - acrescentamos nós -, como pretensamente contraditórias: 1) escolhas políticas locais,2) uma posição ética nos assuntos globais do ambiente. Apesar dos embates de orientação, vários foram os temas sistematicamente retomados pelo ambiente: pantanais e mangues; modelos comportamentais coloniais (ou endocolonias, como o das sociedades aclimatadas, ou artificiais, como a Austrália e o Brasil, ou na definição de Darcy Ribeiro, sociedades novas e ou transplantadas, como explicador dos processos civilizatórios das Américas plurais); baleias; população e parques; ambiente, como plataforma política ao final dos anos 60, em Rudolf Bähro, por exemplo, que marcou fortemente nossa geração exilada nos anos 70, com seu livro Alternativa; nas leis (como na Constituinte brasileira de 1988); partidos, como os Die Grünen, ou se perguntando, o que é natureza, florestas tropicais, indígenas, extrativismo em oposição ao que valorizava (ou valoriza) o mercado, como os grãos, gado, madeira nobre etc... O ambientalismo do final do Séc. XX, mudou radical e dramaticamente: se tornou, pelo menos para a parcela informada, tema decisivo de políticas, dentre os objetivos principais dos direitos e objeto de políticas públicas. “Eu acredito no progresso”, chega a dizer Dryzeck (p.5), desta vez um pouco distraído, até de sua fidelidade, e dívida, imensa à Escola de Frankfurt, porque se esqueceu, por exemplo, do texto indispensável de Adorno, quando separa “progresso dos homens do progresso das coisas”, e dos trabalhos de Marcuse (Adorno, 1992). Muitos temas permaneceram, permanecem, ou são recorrentes, como o crescimento da população, controle da natalidade, risco nuclear, madeireiras, ( o Timber Summit (reunião de cúpula sobre a predação da madeira nobre de florestas tropicais, organizada no início da Presidência Bill Clinton, em 1993), mudanças globais, riscos de destruição dos ecossistemas e do carbono, do fóssil, mas agora mais voltados às políticas públicas do que ao entusiasmo militante. “Um discurso é uma maneira de compartilhar a apreensão do mundo. Ela é envolta em linguagem”, lembra Dryzeck, para argumentar que teríamos que reunir os que interpretam muitos bits de informação e colocá-los juntos, para que encontrem dinâmicas diferentes e pontos diferentes. Cada discurso tem seus argumentos próprios, enfatiza, daí a diversidade de julgamentos, contenciosos, desentendimentos, que se tornam em seguida bases e termos para análises, acordos, desacordos e não apenas na questão ambiental. Dryzeck discute muito o que chamou de “pragmatismo democrático”, ou seja a forma como os governos, em particular os ao Norte do Equador, através de técnicas como o Problem Solved Resolution, vem tratanto os problemas ambientais com baixa participação democrática e cidadã. Tais técnicas, inclusive, vêm sendo introduzidas já no ensino superior, com resultados ainda inseguros e variados, como na USP Leste – EACH, Escola de Artes, Ciências e Humanidades ou na Faculdade de Medicina de Marília, pela cooperação canadense. Tais técnicas, defendidas sobretudo por Karl Popper, foram introduzidas no ensino pela Universidade de Aalborg, na Dinamarca, Maastricht, na Holanda e Stamford, nos EUA (não confundir com Stanford). Se os termos das diferenças não são abertamente compartilhados, é difícil imaginar, enfatiza Dryzeck (1997,p.8), como se dará a resolução de problemas, enfim, para usar nossos termos, por quais caminhos criar o consenso que leva à uma solução no mínimo de maior aceitabilidade para a grande maioria das partes. Portanto, é o fator troca de discursos que permite a diminuição da dificuldade de entendimento, no sentido de Weber, ou mais claramente, lembramos, nas palavras de Rosa de Luxemburgo, “democracia é dar a palavra ao que pensa diferente”, na mesma direção do liberalismo avançado, como o de Stuart Mill, em On Liberty.. Além do grupo em diálogo, digamos, em torno a Dryzeck, há outros teóricos enfatizando mais as instituições, práticas de mercados, burocracias governamentais, sistemas legais, para resolver as questões ambientais. Procuram práticas realistas de governo, sendo raros nestas correntes, (aparentadas as teorias políticas quantitativistas, étão em moda em alguns de nossos quartéis neo-schumpeterianos, criados durante a ditadura militar), os que ainda conservam alguma estima pela democracia, ou lhe atribuem valor. Tais correntes não se incomodam tãopouco em se orientar por algo que poderíamos, para efeito de diálogo, chamar de uma filosofia política do ambiente. A maioria refere-se a estudos de casos, instituições, mas não à importância da troca democrática entre os discursos, como propõem os citados nesta bibliografia apenas indicativa do que estamos trabalhando em nossos grupos de pesquisa da USP-Leste EACH, da UNESP/FFC –Marília e do PROLAM/USP, seminários a que estão todos obviamente convidados. Dryzeck pretende estudar e compreender o que chama de a própria estrutura estrutura do discurso, que dominou a recente política ambiental, com numerosos conflitos. O discurso é mais do que uma lista de problemas, diz. O discurso pode ir até os hostis, os que não gostam do ambiente, ou seja mobilizam adicionalmente, ampliam dos já ganhos às causas, aos que a elas resistem. Cita como exemplos os casos de discursos, como os da chuva ácida na Inglaterra e Holanda, nos anos 80/90, e ou nos debates da camada de ozônio. Em outro livro, Discoursive Democracy, refere-se aos seus estudos sobe a população do Alaska, aliás bastante discutido pelo Senador Eduardo Suplicy em seus debates sobre o Renda Mínima, uma vez que os cidadãos do Alaska recebem cerca de U$1500,00 ao ano por permitirem a exploração do petróleo em suas terras. Dryseck (1997, p.9) considera que o Andrew Dobson, outro importante teórico da Política Ambiental, em 1990, já distinguia um conservacionismo de “velha guarda”, dos ambientalistas reformadores, além dos ecologistas radicais. Por seu lado, Robym Eckersley, em 1992, já se referia à que a diferença é entre os antropocêntricos, centrados no humano, e os ecocêntricos, centrados na natureza. Nos EUA, os antropocêntricos racionalistas eram ligados ao primeiro chefe do serviço florestal, Gifford Pinchot e ao Sierra Club, e a seu fundador Johny Muir, que buscavam um mais profundo respeito pela natureza, com pouca consideração pelo futuro dos humanos, mesmo os mais desfavorecidos. Daí que para Dryzek e o ciclo que com ele dialoga a democracia seja uma exigência interna aos próprios ambientalistas e depois à sociedade como um todo, na sua diversidade de interesses. Sempre existiram moderados e extremistas, “promethean and arcadian”. Ou seja, o problema ambiental apenas é resolvível pelo discurso, como acreditariam os pós- modernos. Quando uma coisa é socialmente interpretada, ela não é subreal, ela explica o real, exemplo, a poluição é doença, os ecossistemas não absorvem stress, e florestas desaparecem. Como em 1950, em Los Angeles, quando as empresas de automóveis, diziam que as emissões eram absorvidas pela atmosfera sem mais danos. Quem está certo ou errado, os cientistas, as ideologias políticas, as instituições de governo? O discurso ambiental, segundo a contemporânea corrente da democracia discursiva e deliberativa é que se permite dizer que sua analise é que torna possível o caminho racional, crítico, o julgamento comparativo, usando a evidência e o argumento, corrigindo erros e chegando a uma melhor compreensão e consenso das possíveis saídas para os problemas ambientais, de saída ambientalistas entre si e a partir de plataformas mínimas e de instrumentos adequados de participação chamando a melior e sana pars da sociedade, sendo a questão ambiental o centro crítico e transformador da sociedae industrial contemporânea. Referências Bibliográficas ADORNO, T.W. Progresso. In: Lua Nova. CEDEC (org) n.27. Ed. Cedec/Marco Zero. São Paulo, 1992. BABER, W. and BARTLETT, R. 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