LIVRE DA CULPA, MAS NÃO DA ESPADA
Denise Nunes de Campos Bühler1
Martha Wankler Hoppe2
RESUMO
Essa produção apresentará recortes do livro “Dois irmãos” de Milton Hatoun, focando
as crises vividas pelos personagens, relacionando conceitos Lacanianos que darão subsídios
para a análise dos discursos extraídos do mesmo. Os recortes levarão ao relato do drama
familiar e da casa que se desfaz. O enredo conta a história de dois irmãos gêmeos – Yaqub e
Omar – e suas relações com a mãe, o pai e a irmã. A narrativa mostrará como se constroem as
relações de identidade e diferenças nessa casa, por ora fixando a tríade mãe, pai e filho. A
história é ambientada em Manaus. Mostrará Halim, o pai, sempre à espera da decisão mais
acertada diante dos abismos familiares, uma mãe com uma desmedida dedicação ao filho
preferido – Omar; o trauma de Yaqub – o filho que adolescente foi levado a se separar da
família – e a relação amorosa entre Rânia e seus irmãos. Em Dois irmãos os conflitos são
alimentados pela rede de interditos no interior da família.
Palavras Chave: Psicanálise; Angústia e Crise.
Segundo Zimerman (1999), a palavra “crise”, em sua raiz etimológica (deriva de
“Krinen”, que em grego designa separar, decidir), significa que algum determinado processo
atingiu um ponto culminante, onde poderá deteriorar até o ponto de terminar; ou, em um
prazo curto ou longo acontecer uma modificação importante, podendo representar um
crescimento de natureza sadia, ainda que dolorosa. Erikson (1976 “a” e “b”) defendeu uma
teoria do desenvolvimento psicossocial que descreve oito fases ao longo da vida. De acordo
com o princípio epigenético3, essas fases constroem-se umas sobre as outras e ocorrem em
uma seqüência invariável em todas as culturas. Em cada fase o indivíduo vivencia uma crise,
que é resolvida no contexto da sociedade; tem seu desenvolvimento influenciado pela cultura
e influencia esta, pelo modo como se desenvolve, particularmente pelo seu desenvolvimento
da identidade. Para Erikson (1976a), a organização da identidade é a etapa central na evolução
do ciclo vital humano. Tomando como partida os conceitos de crise, acima referidos, tomou-
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Acadêmica do Curso de Psicologia ULBRA/ Guaíba. – [email protected]
Drª Psicóloga – Professora do Curso de Psicologia ULBRA/ Guaíba.
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Princípio do desenvolvimento psicossocial, baseado num modelo biológico no qual afirma que , tudo o que
cresce tem um plano básico que se erguem as partes ou peças componentes.
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se como metodologia deste artigo um estudo descritivo, que trata os conceitos de crise a partir
do livro “Dois irmãos”, usando como suporte alguns conceitos Lacanianos. Se por um lado a
crise está no ciclo vital, por outro pode ser abordada na metapsicologia. Os recortes propostos
começarão pela história de Zana, filha única do viúvo Galib, que se casou com Halin e
continuou morando com o pai até que esse morresse. O luto a fez ficar duas semanas
trancadas no quarto, gritando o nome do pai, atordoada, fora de si. Esquivava-se das carícias
do marido, sempre falando do pai, durante cinco meses. (...) ‘Agora sou órfã de pai e mãe.
Quero filhos, pelo menos três’(...) ‘Chorava que nem uma viúva’, disse Halim. ‘Se esfregava
nas roupas do pai, cheirava tudo o que tinha pertencido ao Galib’ (HATOUM, 2000, p. 56).
Násio (1997) auxilia a compreensão dessa substituição que Zana fez do luto do pai, pelo
desejo de ter filhos, postulando que,
O desejo que a filha tem do pai não passa, sem dúvida, originalmente do
desejo de possuir um falo, o falo que lhe foi recusado pela mãe e que ela
agora espera receber do pai. Todavia, a situação só se estabelece realmente
quando o desejo do pênis [falo, enquanto estágio fálico] é substituído pelo
desejo de ter um filho, tomando-se este, segundo uma velha equivalência
simbólica, o substituto do pênis [falo] (NÁSIO, 1997, p. 27).
Enfim, Zana teve filhos, gêmeos, que nasceram em casa, Omar, nasceu poucos
minutos depois de Yaqub. O Caçula adoeceu nos primeiros meses (...) cresceu cercado por um
zelo excessivo e um mimo doentio da mãe, que via na compleição frágil do filho a morte
iminente (...)(HATOUM, 2000, p.67). Zana não se despregava dele, e o outro ficava aos
cuidados da empregada. Halim ficou dois meses sem tocar em Zana,
(...) achava um absurdo o período do resguardo e mais absurda ainda a
devoção louca da esposa pelo Caçula (...)‘Como penava com o Caçula, o
pobre Halim’ (...) Quando se enfezava, corria pela casa atrás do Omar, que
trepava na jaqueira e ameaçava jogar uma jaca na cabeça do pai. Zana ria:
‘pareces mais infantil do que o Omar (idem, p. 68 e 69).
Mezan (1998) postula que para Lacan a figura materna é vista como uma potência
envolvente, invasiva, que se recusa deixar sua cria seguir o próprio caminho. E que nessa
perspectiva, quem é castrada é a mãe e não o filho. E quem castra é o pai, cortando o vínculo
fusional entre a mãe e o filho. Que se juntando às afirmações de Dutra (2002), nos mostram
que o pai é aquele que suporta a lei, porém, quem coloca esse pai representante da lei para o
filho, é a mãe. Halim, o pai, não conseguiu cortar esse vínculo de Zana com Omar, mesmo
percebendo sua impotência frente à situação, deixava-se levar pelos encantos de Zana, que
cada vez mais se envolvia com o filho, numa relação que não sobrava espaço para um pai
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representante da lei. Para Lacan (1990) se não há pai, não há Édipo. Inversamente, falar de
Édipo é introduzir como essencial a função do pai. Nomeia a ausência paterna de “carência
paterna”, em que essa ausência não significa uma ausência física e sim uma ausência na
ordem do simbólico. A mediação do desejo da mãe é dada por esse pai simbólico. Diz Lacan
(1990a), que os pais fracos, os pais submissos, os pais dominados, os pais castrados por sua
mulher, os pais cegos, são os pais que assumem essa carência paterna. O pai deve ser um pai
potente, representante do falo, para barrar o desejo da mãe.
Na relação primordial com a mãe, [o filho] tem a experiência do que falta
a ela: o falo. [...] Eis que ele se empenha em satisfazer [nela] esse desejo
impossível de preencher numa dialética de engano, por exemplo, em
atividades de sedução, todas ordenadas em torno do falo [simbólico]
presente-ausente( NÁSIO, 1997, p.40).
(...) o falo representa e significa esse lugar [o do impossível] e sua articulação, seja
como significante que representa o sujeito ausente, seja como o signo de todos os objetos do
sexo faltosos (NÁSIO, 1997, P.10). Numa noite Halim acordou de um pesadelo, onde seu
inconsciente se manifestava e não lhe poupava o que ou não conseguia enfrentar.
(...) viu refletida no espelho do quarto uma teia de aranha amarela, sentiu
cheiro de fumaça e pensou que o mosquiteiro ardia lentamente ao lado dele.
Saltou da cama e viu o Caçula aninhado no corpo de Zana. Expulsou-o do
quarto aos gritos (...) acusando Omar de incendiário, enquanto Zana repetia:
‘Foi só um pesadelo, nosso filho jamais faria isso’ (...) passou o resto da
noite relembrando o pesadelo (...) Dormiu duas noites no depósito da loja,
não suportava a presença do filho na cama, não suportava uma intromissão
no leito conjugal (idem, p.70).
Segundo Heccinato (1998), a relação mãe-filho não é uma relação a dois, mas uma
relação que comporta três tempos: a mãe, o filho e a ordem simbólica que determina esta
relação. Considera essa relação em duas vertentes, a da necessidade – fundamentada na
prematuridade de um bebê no nascimento, que o coloca na dependência de um outro para
satisfazer suas necessidades; e a do desejo – fundamentada no reconhecimento do objeto e do
desejo da mãe. Na relação mãe e filho de Zana e Omar, ele era o objeto de desejo da mãe.
Heccinato (1998) postula que ao identificar-se com o objeto de desejo da mãe, ao preencher a
hiância aberta na fase do espelho, o sujeito promove a um só tempo sua própria alienação
nesse desejo.
A relação mãe-filho, tanto na ordem da dependência de cuidados como na
ordem da dependência do amor, estabelece o campo da narcisação primária.
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(...) Através desse campo de erogenização o filho se aliena no desejo
materno, mas ao mesmo tempo que isso ocorre abre-se a possibilidade,
através da entrada da Lei, da substituição deste desejo pelo nome-do-pai.
Essa substituição é necessária para tirar a criança da relação imaginária com
a mãe e introduzi-la no registro humano simbólico. (...) o pai intervém na
relação estabelecida entre a mãe e a criança como privador da mãe, e
privador no duplo sentido ‘... priva a criança do objeto de seu desejo e priva
a mãe do objeto fálico’ ( HECCINATO, 1988, p. 43).
Aos treze anos, os gêmeos se enfrentaram em uma disputa amorosa, Omar deixou uma
cicatriz no rosto de Yaqub, feita com um pedaço de garrafa, (...)A cicatriz começava a crescer no
corpo de Yaqub. A cicatriz, a dor e algum sentimento que ele não revelava e talvez desconhecesse.
Não tornaram a falar um com o outro. O silêncio de Yaqub, depois do incidente, preocupava aos
pais. Temiam a reação dele. Halim decidiu pela viagem do filho, queria mandar os dois para o
sul do Líbano, Zana relutou e conseguiu persuadir o marido a mandar apenas Yaqub. Durante
anos Omar foi tratado como filho único, sendo que já tinham outra filha, Rânia. (...)(Yakub)
Não entendia porque Zana não ralhava com o Caçula, e não entendeu porque ele, e não o
irmão viajou para o Líbano dois meses depois (idem, p.20). Cinco anos se passaram e Zana
não agüentava mais a distância do filho, então Halim mandou dinheiro para que o filho
retornasse. Enquanto Yaqub era excelente aluno, surpreendendo os professores com seu
raciocínio matemático, Omar gazeava aulas, subornava porteiros, fugia do colégio e ia para os
bares. Chegava de madrugada em casa e a mãe sempre o esperava. Reprovou no colégio
várias vezes, até que foi expulso. Havia agredido um padre que ao silêncio de uma pergunta
dificílima de matemática, zombou dele. (...) o caçula se levantou, caminhou para o quadro
negro, parou cabisbaixo diante do gigante Bolislau [o professor, padre], deu-lhe um soco no
queixo e um chute no saco (...) (idem, p. 36). Zana e Halim foram convocados a ir à escola, só
Zana foi. Indignada com a reação do colégio, e como era de se esperar de uma mãe
comprometida com as desordens do filho, insultou o diretor:
(...) ‘O senhor não sabia que o meu Omar adoeceu nos primeiros meses
de vida? Por pouco não morreu, irmão. Só Deus sabe... Deus e a mãe’... Ela
suava, entregue ao êxtase de grande mãe protetora. (...) ‘Quantos órfãos
deste internato comem à nossa custa, irmão? E as ceias de Natal, as
quermesses, as roupas que nós mandamos para as índias das missões?’ (...) O
irmão diretor suportou o desaforo (...) abriu uma gaveta e entregou a Zana o
boletim de notas e uma cópia da ata de expulsão de Omar. Mostrou-lhe o
boletim médico sobre o estado de saúde do padre Bolislau. (...) então o irmão
diretor perguntou pelo outro, o Yaqub. (...) Ela gaguejou, (...) adiou a
resposta e se levantou de supetão, meio amarga, meio esperançosa, dizendo a
Domingas (empregada) uma frase que no futuro se repetiria tal uma prece:
‘A esperança e a amargura... são parecidas’ (...) Ah, dessa vez Omar tinha
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ido longe demais. O episódio abalara o orgulho da mãe; o orgulho, não a fé.
Ela considerou injusta a expulsão do filho, mas ‘Deus quis assim; afinal, até
um ministro de Deus; é vulnerável. Esse Bolislau errou’ murmurava. ‘Meu
filho só quis provar que é homem... Que mal há nisso?’ (idem, p. 34, 35 e
37).
Segundo Laplanche e Pontalis (2001), as pulsões de morte inicialmente voltam-se para
o interior – autodestruição –, e secundariamente dirigidas para o exterior, sob forma de pulsão
de agressão ou de destruição.
(...) uma economia puramente narcísica que vive à luz do dia a parte
agressiva de seu anaclitismo, em vez de inibi-la contra si mesmo (...) não
persegue outro objetivo senão o de atrair a atenção do objeto anaclítico
[escolha de objeto por apoio], pelo qual pensa estar esquecido, frustrado,
mal-amado. (...) Existe uma forte relação sádico-oral, sem que os conflitos
possam ser vivenciados interiormente, na medida em que o princípio do
prazer consegue criar descargas instantâneas (BERGERET, 1998, p.183).
Omar está no plano do narcisismo primário, por não ter vivido o complexo de castração.
Nele, o outro [a mãe] é ele, e só é possível a ele, experimentar-se através desse outro. Ele não
teve um ideal com o qual se comparar para sair desse narcisismo primário. Násio (1997)
entende o narcisismo como o investimento da própria imagem de si sob a forma de um falo.
Em qualquer relação narcísica, o eu é, com efeito, o outro, e o outro é o
eu. (...) [...] o que o sujeito encontra nessa imagem alterada de seu corpo é o
paradigma de todas as formas da semelhança que levarão para o mundo dos
objetos um toque de hostilidade, projetando nele o avatar da imagem
narcísica (...) É essa imagem que se fixa, eu ideal, desde o ponto onde o
sujeito se detém como ideal do eu ( NÁSIO, 1997, p.71).
Em Bergeret (1998) vemos que uma estrutura mais regressiva, corresponde a uma
falência da organização narcísica primária dos primeiros instantes de vida. Postula que é uma
impossibilidade, para a criança, ser considerada como objeto distinto da “mãe-sujeito”,
personalidade, ela mesma, incompleta, não podendo conceber separar-se desta parte
indispensável ao seu próprio ego. Diz que o pai exerce seguramente uma cumplicidade nessa
relação, não perturbando a atividade auto-erótica, encorajada pela mãe. Na fase fálica, o
menino terá que fazer a escolha entre salvar uma parte se seu corpo ou salvar o objeto de
pulsão. Omar não poderia decidir por preservar seu corpo da ameaça da castração, pois ele
não está na posição de possuir o falo, e sim de ser o falo. Abandonar o objeto de sua pulsão [a
saber, a mãe] seria abandona a si. Para Lacan (1990) “O filho é o desejo do desejo da mãe”
(s/n) a mãe ao desejar o filho, deseja a ela mesma, e essa mensagem é passada ao filho a nível
metonímico, e esse por sua vez, ao receber essa mãe convertida no outro [do filho], está
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renunciando o seu desejo e se destinando a ser submisso ao desejo da mãe. Omar, que teve
algumas tentativas de envolver-se amorosamente, frustradas pela mãe, foge de casa, na
tentativa de viver uma paixão. Novamente frustrado, acaba retornando ao lar. Zana fez o
levarem a força para casa, o que resultou em um acesso de fúria, xingava todos e quebrava
tudo o que via, até que Zana, que assistia a tudo, com muita calma, interferiu,
(...) ‘uma qualquer! Uma charmuta, uma puta! Que ela passe o resto da vida
mofando naquele barco imundo, mas não com o meu filho’ (...) ‘gastei uma
fortuna para descobrir os detalhes’. (...) ‘Tens tudo aqui em casa, meu amor’.
Começou a soluçar, a chorar. Pegou nas mãos dele (...) os dois se abraçaram
(...) suspirava de felicidade porque o filho estava ali, queimado por dentro,
mas agora só dela. (...) essa fidelidade à mãe merecia uma recompensa. E
para desespero de Halim o Caçula foi mimado como nunca. Nem precisava
pedir certas coisas: a mãe adivinhava os seus desejos, dava-lhe tudo, desde
que não se desgarrasse. (...) No fundo Omar era cúmplice de sua própria
fraqueza, de uma escolha mais poderosa do que ele, não podia muito contra a
decisão da mãe, para quem parecia dever boa parte de sua vida e de seus
sentimentos. Preferiu o conforto do lar a uma vida humilde ou penosa com a
mulher escolhida. Tentou se conformar com essa frustração que ele supunha
pacificada, e nunca mais ousou entregar-se a mulher nenhuma (idem, p. 173,
174, 177 e 178).
A irmã, parecia contente com a decisão de Omar. Vários pretendentes apareciam
interessados em desposar Rânia, que fingia um pequeno interesse, mas era só Omar chegar
para que ela esnobasse o pretendente e se jogasse nos braços do Caçula. Talvez Rânia
quisesse dizer-lhe: (...)‘Observa o meu irmão Omar; agora olha bem para a fotografia do meu
querido Yaqub. Mistura os dois e da mistura sairá o meu noivo’ (idem, p. 98).
(...) Ela mimava os gêmeos e se deixava acariciar por eles, como naquela
manhã em que Yaqub a recebeu no colo. As pernas dela, morenas e rijas,
roçavam as do irmão; ela acariciava-lhe o rosto com a ponta dos dedos, e
Yaqub, embravecido, ficava menos sisudo. Como ela se tornava sensual na
presença de um irmão! Com esse ou com o outro, formavam um par
promissor. (...) Rânia, não a mãe, ganhou os melhores presentes dele
[Yaqub] (...) a vi subir as escadas, de mãos dadas com Yaqub; entraram no
quarto dela, alguém fechou a porta (...) (idem, p. 117).
Halim foi o primeiro a morrer, depois foi Zana. Yaqub, como era de esperar,
prosperou cada vez mais. Omar acabou como um andarilho, sem rumo na vida, a última vez
que foi visto, estava envelhecido, descalço, com o olhar a deriva.
A partir dos recortes explorados, podemos pensar em crises causadas pela angústia
pela busca do objeto perdido. Segundo Chemama (1995), o conceito de angústia proposto por
Lacan, descarta a angústia como emoção, e a introduz como um afeto. Sustenta que a angústia
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é a única tradução subjetiva do que é a busca do objeto perdido. Quando algo ou alguém vem
a surgir no lugar do objeto causa do desejo, por falha nesse apoio indispensável, - a saber, a
falta. Diferenciou-se de Freud por colocar a angústia fora da falta objetal e situá-la na busca
pelo objeto perdido4, causa de desejo. Para Lacan (2005), angústia é o que nos deixa
dependente do Outro, sem nenhuma palavra, sem simbolização. Lacan (2005) analisa a
inibição5 sob a dimensão do movimento. Diferencia inibição de impedimento, - esse sem
movimento. “Estar impedido é um sintoma; ser inibido é um sintoma posto no museu” (p.19).
Coloca a angústia como um impedimento, como "o ser apanhado na armadilha" (p.19) da
captura narcísica, - que limita quanto ao que se pode investir no objeto, na medida em que o
falo continua auto-eroticamente investido. No impedimento há uma rachadura6 na imagem
especular que faz com que o sujeito ao mesmo tempo, avance para além do seu alcance, - para
o gozo -, e se depare com a rachadura muito próxima, pois o sujeito se deixou capturar pela
sua imagem especular, - a saber, a armadilha da captura narcísica. Estar impedido implica a
relação de uma dimensão com algo que vem interferir nela, e que impede não a função e o
movimento, - este dificultado -, mas o sujeito.
Sustenta-se a importância que tem o pai na relação mãe-filho, com o papel de levar a
castração a essa relação, sob pena de, ao omitir-se, forcluir o significante Nome-do-Pai. O pai
que apareceu nessa narrativa, não conseguiu se apresentar como representante da Lei (Nomedo-Pai) para o filho protegido pela mãe. Embora tentasse, talvez tarde, afastar os filhos desta
mãe, barrando assim seu desejo, conseguiu separar um deles. Lacan (2005) coloca numa linha
a dimensão da dificuldade, - a inibição, que continua no impedimento leva a uma forma leve
de angústia, - o embaraço; a exemplo, Omar. Em outra, a dimensão do movimento, que se
traduz em inibição, emoção, efusão - entendida como, perturbação; neste caso, Yaqub e
Rânia. Esta mãe tomou como seu falo o filho que era mais frágil, ao nascer, e que por ela foi
fragilizado pelo resto da vida. Aos outros filhos, marcou de uma maneira diferente, pois esses
de alguma forma foram castrados. Essas marcas ficaram em Yaqub, pela preferência da mãe
ao irmão, chegando ao extremo de escolher que ele fosse para o Líbano, pois não podia se
separar de seu desejo. E em Rânia, no desejo pelos irmãos, desejo identificado na mãe.
Retornando à Zimerman (1999), suas crises representaram um crescimento de natureza sadia,
ainda que dolorosa. Mas sem dúvida, nenhum carregou o triste destino de Omar, que,
impedido como sujeito, viveu “livre da culpa, mas não da espada”.
4
Visível sob as formas do sintoma ou das formações do inconsciente.
Termo proposto por Freud em Inibição, sintoma e angústia (1926).
6
É o que dá suporte e material à articulação significante, que no plano simbólico é a castração.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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