UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS RAQUEL LIMA BESNOSIK NOS LABIRINTOS DO AMOR DE MARINA COLASANTI SALVADOR 2010 RAQUEL LIMA BESNOSIK NOS LABIRINTOS DO AMOR DE MARINA COLASANTI Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagens, ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, da Universidade do Estado da Bahia. Orientadora: Profª. Drª. Verbena Maria Rocha Cordeiro SALVADOR 2010 FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB Bibliotecária : Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592 Besnosik, Raquel Lima Nos labirintos do amor de Marina Colasanti / Raquel Lima Besnosik. – Salvador, 2010. 93f. Orientadora: Verbena Maria Rocha Cordeiro. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus I. 2010. Inclui referências. 1. Colasanti, Marina, 1937. 2. Amor na literatura. 3. Feminilidade. 4. Psicanálise. I. Cordeiro, Verbena Maria Rocha. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: B869.8 RAQUEL LIMA BESNOSIK NOS LABIRINTOS DO AMOR DE MARINA COLASANTI Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagens, ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, da Universidade do Estado da Bahia. Aprovada em 31 de março de 2010 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Profa. Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro (orientadora) Universidade do Estado da Bahia _____________________________________________ Profa. Dra. Márcia Rios da Silva Universidade do Estado da Bahia _________________________________________________ Profa. Dra. Maria Zaira Turchi Universidade Federal de Goiás AGRADECIMENTOS À minha tia querida, Malena, que sempre foi minha moça do labirinto do vento, impulsionando-me a trilhar novos caminhos. À minha orientadora, Verbena, minha bússola no labirinto do mestrado e no percurso de escrita desse texto. À Sonia Cabeda, por sua delicadeza em atender aos meus pedidos, por sua leitura cuidadosa do meu texto e por seus preciosos comentários, que tanto me ajudaram durante todo esse processo. À minha família e aos meus amigos, por estarem sempre de mãos dadas comigo ao longo dessa caminhada pelo labirinto do mestrado. Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens da UNEB, por todo o suporte oferecido durante minha formação. À FAPESB, cujo apoio foi de fundamental importância para a realização desse projeto. À Profa. Dra. Márcia Rios da Silva e à Profa. Dra. Maria Zaira Turchi pelos comentários valiosos sobre o meu texto de qualificação. A vida é a arte do encontro Embora haja tanto desencontro pela vida Vinicius de Moraes RESUMO Esse estudo tenciona investigar, a partir dos contos da escritora Marina Colasanti, o lugar do amor na constituição da feminilidade e as (im)possibilidades para o encontro amoroso, recorrendo a conceitos básicos da psicanálise e a outros teóricos com estudos sobre o tema. Ainda que o amor seja um tema recorrente na obra da escritora, fizemos um recorte, optando por sete contos que tematizam o amor e o encontro amoroso: “Entre as Folhas do Verde O”, do livro Uma idéia toda azul (1979); “A Mulher Ramada” e “Doze reis e moça no labirinto do vento”, do livro Doze reis e moça no labirinto do vento (1982); “Prova de Amor” e “Verdadeira História de Amor Ardente”, do livro Contos de amor rasgados (1986); “Entre a Espada e a Rosa”, do livro homônimo (1992) e “De Muito Procurar”, do livro 23 histórias de um viajante (2005). Este estudo foi desenvolvido no âmbito de uma abordagem qualitativa, com ênfase na análise dos contos de Marina Colasanti. Para tanto, procedemos a uma revisão da sua fortuna crítica, especificamente no âmbito dos estudos já produzidos dentro da temática do amor e da feminilidade, a exemplo de livros, dissertações e teses. Além disso, utilizamos nessa análise o suporte de alguns estudiosos sobre o tema, a exemplo de Sigmund Freud, Maria Rita Kehl, Juan-David Nasio, bem como Platão, Denis de Rougemont, Octavio Paz e Zygmunt Bauman. A partir dos sete contos selecionados, definimos duas categorias de análise – “Os desencontros nos caminhos do amor” e “As possibilidades de encontro nos caminhos do amor” – para orientar a leitura de cada um dos contos separadamente e estabelecer pontos de encontro e de desencontro entre eles, articulando-os com referencial teórico escolhido. Observamos que a ideia de Marina Colasanti sobre o amor, retratada em contos de diferentes momentos de sua produção, não é linear; ela desliza entre a possibilidade e a impossibilidade de encontro entre os amantes e que, independente das (im)possibilidades para o encontro, o amor possui um lugar estruturante na construção da feminilidade. Palavras-chave: Amor; Feminilidade; Marina Colasanti; Literatura brasileira; Psicanálise. ABSTRACT This study does intend to investigate, starting from the tales of writer Marina Colasanti, the place of love in the formation of feminality and the possibilities and impossibilities for assignation, taking into account the basic concepts of psychoanalysis and the studies about the same theme by others theorists. Even love is a recurring theme in work of writer, we make a cutting, choosing seven tales that thematized the love and the assignation: “Entre as Folhas do Verde O”, from the book An entire blue idea (Uma idéia toda azul) (1979); “A Mulher Ramada” and “Doze reis e moça no labirinto do vento”, from the book Twelve kings and girl in the maze of wind (Doze reis e moça no labirinto do vento) (1982); “Prova de Amor” and “Verdadeira História de Amor Ardente”, from the book Tales of torn loves (Contos de amor rasgados) (1986); “Entre a Espada e a Rosa”, from the homonymous book (1992) and “De Muito Procurar”, from the book 23 stories of a traveler (23 histórias de um viajante) (2005). This study was developed in the scope of a qualitative approach, emphasizing the analysis of the tales of Marina Colasanti. So, we carried out a review of her critical fortune, especially in the scope of studies already produced within the theme of love and feminality, like books, monographs and thesis. Besides, we use in this analysis the support due to some scholars on the theme, like Sigmund Freud, Maria Rita Kehl, Juan-David Nasio as well as Platão, Denis de Rougemont, Octavio Paz and Zygmunt Bauman. From the seven selected tales, we establish two categories for analysis – “Os desencontros no caminhos do amor” (The mismatch in the ways of love) and “As possibilidades de encontro nos caminhos do amor” (The possibilities of assignation in the ways of love) – to guide the reading of each one of the tales separately and to set up points of convergence and divergence among them, articulating them with the chosen theoretical. We note that the idea about love by Marina Colasanti, portrayed on tales from different moments of her production, is not linear; she slides between the possibility and the impossibility of tryst between lovers, and independently of the possibilities and impossibilities of this assignation, the love has a structuring place in the construction of the feminality. Keywords: Love, Feminality, Marina Colasanti, Brazilian Literature, Psychoanalysis. SUMÁRIO POR ENTRE OS LABIRINTOS DE MARINA COLASANTI: SOBRE O AMOR E A FEMINILIDADE .................................................................................................................... 8 1 OS DESENCONTROS NOS CAMINHOS DO AMOR .................................................... 23 1.1 “Entre as Folhas do Verde O”: a renúncia do amor ......................................................... 25 1.2 “Prova de Amor”: o preço do amor .................................................................................. 36 1.3 “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”: sobre o desejo ............................................ 39 1.4 “A Mulher Ramada”: o reconhecimento do outro............................................................ 44 2 AS POSSIBILIDADES DE ENCONTRO NOS CAMINHOS DO AMOR....................... 50 2.1 “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”: sobre a sedução feminina ....................... 51 2.2 “Entre a Espada e a Rosa”: o mistério da feminilidade.................................................... 58 2.3 “De muito procurar”: (re)descobrindo o amor ................................................................. 68 O AMOR POSSÍVEL: ENCONTRANDO SAÍDAS NO LABIRINTO DO AMOR............ 78 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 89 POR ENTRE OS LABIRINTOS DE MARINA COLASANTI: SOBRE O AMOR E A FEMINILIDADE – Para que o labirinto, meu pai? – perguntou a filha. – Para domar o vento – responde o pai –, que em cada quina se gasta, abranda o sopro, e sai afinal, leve brisa, sem estragar as flores (COLASANTI, 2003, p.82). Entramos no labirinto e seguimos o caminho do vento. Adentramos os corredores do amor levados pelos contos da escritora Marina Colasanti. E muitos foram os achados ao longo do caminho. E muitos foram os desencontros, as ruas sem saída, as bifurcações. Perdidos no labirinto, encontramos Marina Colasanti, moça do labirinto do vento, e foram suas palavras que seguimos para adentrar na complexa e instigante temática do amor. Marina Colasanti nasceu em 1937, em Asmara, Eritréia, na África, onde viveu sua infância. Depois seguiu para a Itália, morou lá por onze anos, chegando ao Brasil em 1948. Nos versos e nas histórias que escreve estão presentes as marcas de uma infância permeada pela guerra, por inúmeras mudanças e pela literatura: A guerra me levou para nascer na África, [...] aonde meu pai havia ido, voluntário, para as guerras italianas de colonização [...]. O resto do mundo, o que não está em guerra, é o lado de fora. E os que estão do lado de fora olham para os moradores da casa e se surpreendem que ainda tenham do que rir, que dancem, que inventem modelos de roupa fashion para aproveitar cobertores velhos porque já não há lãs, ou que, como fazia minha mãe, maquiem as pernas de escuro e tracem a costura com lápis de sobrancelhas para simular meias que não existem mais para comprar. Os de fora não sabem que inventar a normalidade no meio da tragédia é o que torna a tragédia suportável. Acham estranho que a vaidade e o senso de humor permaneçam, quando toda noite se desce a um abrigo antiaéreo. Mas é assim que se tolera o abrigo. E permanece o desejo de ouvir música, que leva as pessoas a concertos mesmo quando os víveres escasseiam. E o de ir ao teatro. E o de ler. Essa invenção da normalidade é a casa. Durante cinco anos, morei nessa casa. Mudei de cidade vezes sem conta. Mudei de professores outras tantas [...]. Mas em pleno nomadismo, uma normalidade estável foi criada pelos meus pais, para mim e para meu irmão. Essa normalidade foi a leitura (COLASANTI, 2003). A leitura, para Marina Colasanti, dava sentido de continuidade à sua vida, porque nela se abrigava, resistindo aos horrores de uma guerra. Muitas vezes, mudava de cidade com sua família sem levar nada, somente a roupa do corpo. Os livros que compravam lhes conferiam um sentido de sobrevivência. “A literatura era um fio que nos percorria”, comenta Colasanti (2003). Assim, desde muito cedo, a literatura ganha, para a escritora, um significado particular. Marina Colasanti (2004, p.248) conta que sua mãe lia para ela, quando criança: “Minha mãe não contava, inventando o texto ao sabor da fala. Ela lia. O encantamento da narrativa me chegou através da palavra organizada em escrita, e amei as palavras tanto quanto amei as histórias”. Assim, tanto a literatura quanto a escrita começam a ter um lugar de importância na vida da autora, tecendo, certamente, sua sensibilidade estética. Por isso, Marina Colasanti (2005c, p. 81) revela que: Quando Nero queria ver o mundo melhor olhava-o através de uma esmeralda. Quando quero ver melhor o mundo eu o olho através das palavras. E é recorrendo às suas palavras que, neste estudo, escolhemos “ver melhor” o amor. Este é um tema, como sabemos, polêmico, que tem produzido muitos debates. São muitos os estudos sobre o amor e a feminilidade ainda com uma marcante presença na contemporaneidade. Esta pesquisa pretende contribuir para estas discussões, ao trazer uma reflexão sobre o amor e sobre a constituição da identidade feminina, partindo do estudo de contos de Marina Colasanti. Lembremos que a autora tem uma história peculiar com o público feminino. Foi colaboradora durante dezoito anos para a Revista Nova, da editora Abril, lançada em 1973, com uma linha editorial que falava diretamente para as mulheres, abrindo assim um espaço inovador de discussão de temas voltados para o universo feminino. Colasanti (1980, p. 9, grifo da autora) comenta que “falar para elas logo transformou-se em falar delas e com elas”, por isso publicou livros como A nova mulher, com artigos escritos para a Revista Nova, que versam sobre diversos aspectos da identidade feminina. O universo feminino, de maneira geral, está bastante presente nas obras da autora e ela o percorre com uma singular sensibilidade, desvendando seus desejos, seus amores, suas frustrações, suas dores, suas percepções de vida. Colasanti (2005b) corrobora isso quando enfatiza, numa entrevista, que o feminino e o papel da mulher na sociedade são temas constantes em sua obra porque ela é “antes de mais nada, uma fêmea da [sua] minha espécie, uma mulher com todos os atributos e todas as cargas das mulheres. Só que intensamente crítica”. Esse viés crítico da escritora parece ter se intensificado com sua atuação como jornalista. Durante vinte e nove anos, ela trabalhou em redações de jornais, sendo onze deles no “Caderno B”, do Jornal do Brasil1 – além de atuar mais seis na área de publicidade – concomitantemente com a escrita de livros literários. Por isso, quando questionada sobre o que a inspira a escrever, Marina Colasanti (2007), afirma: Se eu tivesse uma só fonte, acho que era uma pobreza pra mim. Depende do que eu vou escrever. Se eu vou fazer crônica, [...] eu trabalho muito a partir do noticiário, porque a crônica está dentro de um jornal, portanto inserida no meio do noticiário. Se ela só trabalhar com noticiário talvez fique um pouco árida, mas aí a gente faz um jogo. Então, você alterna uma crônica de viagem, com uma crítica de uma notícia, com uma questão social, então ali entra tudo. Se eu vou 1 O Jornal do Brasil é um tradicional jornal brasileiro, fundado em 1891, publicado diariamente no Rio de Janeiro. O “Caderno B” é uma das seções do jornal, que inclui resenhas sobre atividades culturais e crônicas de diversos autores. trabalhar com a questão feminina, o que me motiva são questões sociais, políticas, econômicas e históricas, que são as que criam a situação que a gente vai criticar, tentar modificar. Agora se eu vou trabalhar com a fantasia, a fantasia usa tudo. Usa o real, usa o irreal. Uma cor pode te dar o ponto de partida para um texto ou uma pessoa ou essa cadeira que é tão magrinha. Eu cheguei aqui e pensei ‘essa cadeira é boa para gordo porque emagrece a gente só de olhar a cadeira’. É o olhar da gente que está ‘tchum’, ‘tchum’, ‘tchum’, olhando, analisando, fazendo correlações, daí saem os pontos de partida para uma ficção. Observamos que muitas são as fontes de inspiração da autora para sua vasta e diversificada produção, que transita entre contos, crônicas, poesias e ensaios2. A escritora Marina Colasanti destaca-se ainda pela produção destinada ao público infantojuvenil. Também artista plástica, ela ilustra alguns de seus livros. Escritora de reconhecimento nacional, Colasanti ocupa um lugar relevante no panorama brasileiro da literatura contemporânea, estando em cena há mais de trinta anos, tendo sido premiada por muitas de suas obras3. Mas são, particularmente, os contos de Colasanti que mais nos estimulam a desenvolver uma discussão sobre o lugar do amor na constituição da feminilidade. 2 A produção de Colasanti inclui doze livros de contos: Zoológico (1975), A morada do ser (1978), Uma idéia toda azul (1979), Doze reis e a moça no labirinto do vento (1982), Contos de amor rasgados (1986), Agosto 91, estávamos em Moscou (1991), Entre a espada e a rosa (1992), Longe como o meu querer (1997), O Leopardo é um animal delicado (1998), Um espinho de marfim e outras histórias (1999), Penélope manda lembranças (2001) e 23 histórias de um viajante (2005); uma novela: Eu Sozinha (1968); catorze livros infanto-juvenis: A menina arco-íris (1984), O lobo e o carneiro no sonho da menina (1985), Uma estrada junto ao rio (1985), O verde brilha no poço (1986), O menino que achou uma estrela (1988), Um amigo para sempre (1988), Será que tem asas? (1989), Ofélia, a ovelha (1989), Mão na massa (1990), Ana Z, aonde vai você? (1993), Um amor sem palavras (1995), O homem que não parava de crescer (1995), A amizade abana o rabo (2002) e Minha tia me contou (2007); cinco de poesias: Cada bicho seu capricho (1992), Rota de colisão (1993), Gargantas abertas (1998), Fino sangue (2005) e Poesia em 4 tempos (2008); três de crônicas: Nada na Manga (1975), Eu sei, mas não devia (1997) e A casa das palavras (2002); um ensaio: E por falar em amor (1984); dois livros de citações: De mulheres sobre tudo (1995) e Esse amor de todos nós (2000); cinco coletâneas de artigos: A nova mulher (1980), Mulher daqui pra frente (1981), Aqui entre nós (1988), Intimidade pública (1990) e Fragatas para terras distantes (2004); e um livro disponível na internet: Vinte vezes você (mercatus.com.br). 3 Por Uma idéia toda azul (1979), primeiro livro de “contos de fadas” escrito (e ilustrado) por Marina Colasanti, a autora ganhou o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte e o “Melhor Livro para Jovens”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, um dos maiores prêmios do Brasil nessa categoria. Foi contemplada também com o Prêmio Jabuti de Poesia por Rota de Colisão (1993) e com Prêmio Jabuti Infantil ou Juvenil por Ana Z Aonde Vai Você? (1993), Eu sei, mas não devia (1995) e Entre a espada e a rosa (1992), dentre muitas outros. Assim, nossa escolha por Marina Colasanti parte inicialmente de uma grande identificação com esse gênero textual. O conto “De muito procurar” (também escolhido para este estudo) representa o nosso momento de encontro com a ficção de Colasanti e de apaixonamento pela escritora. O conto relata a história de um homem que vivia à procura. Quando uma mulher chega à sua porta, pedindo sua ajuda para encontrar um “juízo perdido”, tudo se modifica na vida dele. Pela primeira vez, ele passa a procurar por algo que nem ele mesmo sabia e nesse desconcerto faz outras descobertas. Na busca desse homem, que se faz acompanhado por uma mulher, encontramos o tema para essa dissertação e a autora que deveríamos estudar. Também a nossa inserção no Projeto de Extensão Rodapalavra4, desde 2007, foi fundamental na opção desse estudo, na medida em que podemos nos aprofundar no universo literário brasileiro e, em especial, ampliar nossos estudos sobre Marina Colasanti. Ser mediadora dos círculos de formação desse projeto constituiu-se num fator mobilizador para conhecermos mais sobre a vida e a obra dessa escritora. Tendo o amor como questão que deveria nortear nosso estudo, seguimos com curiosidade os rastros deixados por Colasanti em seus contos. Chama particularmente a nossa atenção a forma que a escritora percorre a temática do amor como se caminhasse por um labirinto, abordando encontros, desencontros, impasses, bifurcações, becos sem saída, perdas e descobertas. A partir daí, abre-se a trilha para investigarmos como a escritora aborda o amor na feminilidade, em contos publicados em diferentes momentos de sua produção. Ainda que o amor seja um tema recorrente na obra da escritora, 4 O RODAPALAVRA é um projeto de extensão do Departamento de Educação / Campus I / UNEB que tem como coordenadora a Profa. Verbena Maria Rocha Cordeiro e como vice-coordenadora a Profa. Luciana Moreno. O projeto, que teve início em 2004, “se integra às políticas públicas voltadas para uma sociedade leitora. Dentre as ações socialmente relevantes, destacam-se a experiência de contação de histórias e a formação de agentes mediadores de leitura – constituída por um grupo multidisciplinar de professores, alunos universitários e funcionários da UNEB” (CORDEIRO, 2003). O RODAPALAVRA tem um núcleo que funciona em Salvador, no Campus I, sob a responsabilidade de Raquel Besnosik, aluna do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, e outro, em Itaberaba, que fica sob a responsabilidade da Profa. Luciana Moreno. fazemos um recorte para esse estudo, optando por sete contos que tematizam o amor e o encontro amoroso: “Entre as Folhas do Verde O”, do livro Uma idéia toda azul (1979); “A Mulher Ramada” e “Doze reis e moça no labirinto do vento”, do livro Doze reis e moça no labirinto do vento (1982); “Prova de Amor” e “Verdadeira História de Amor Ardente”, do livro Contos de amor rasgados (1986); “Entre a Espada e a Rosa”, do livro homônimo (1992) e “De Muito Procurar”, do livro 23 histórias de um viajante (2005)5. Para efeito de nosso trabalho, optamos por uma leitura focada na feminilidade, embora esses contos abordem também o universo masculino. Vale ressaltar algumas informações sobre os livros com os quais estamos trabalhando. Ainda que dois dos sete contos selecionados para esse estudo sejam minicontos, estamos considerando todos eles como contos, seguindo as teses de Piglia (2004). A primeira delas diz que “o conto sempre conta duas histórias” (Ibid., p. 89). Isso significa que “um relato visível esconde um relato secreto, narrado de um modo elíptico e fragmentário. O efeito surpresa se produz quando o final da história secreta aparece na superfície” (Ibid., p. 90). A segunda tese afirma que “a história secreta é a chave da forma do conto e de suas variantes. [...] A versão moderna do conto [...] abandona o final surpreendente e a estrutura fechada; trabalha a tensão entre as duas histórias sem nunca resolvê-la” (Ibid., p. 91); conta as duas como se fossem apenas uma e “o mais importante nunca se conta”. Para Piglia (2004, p. 92), a história se constrói “com o não-dito, com o subentendido e a alusão”. É assim que Marina Colasanti narra as histórias que constituem esse estudo. Nessa perspectiva, Marina Colasanti constitui-se numa grande contista, que sabe escolher bem seus temas e desenvolvê-los com muita sensibilidade. Cortázar (1993 p. 154) confirma essa ideia, ao enfatizar que o contista precisa saber escolher um bom 5 Todas as datas dos livros de contos de Marina Colasanti utilizados nesse estudo e respectivas citações usadas no corpo do texto referem-se às suas primeiras edições. tema, na medida em que “um bom tema atrai todo um sistema de relações conexas, coagula no autor, e mais tarde no leitor, uma imensa quantidade de noções, entrevisões, sentimentos e até ideias que lhe flutuavam virtualmente na memória ou na sensibilidade”. Livros como Uma idéia toda azul, Doze reis e moça no labirinto do vento, Entre a espada e a rosa e 23 histórias de um viajante podem ser classificados como “contos de fadas”. Para Marina Colasanti (2004, p. 44), a essência dos contos de fadas está na “fusão de duas tendências contrárias do ser humano – o amor pelo real e a atração pelo fantástico”. A autora pontua que o que os constitui contos de fadas, no sentido mais profundo, é a aparente gratuidade de certos elementos que surgem sem explicação e sem necessidade para a estrutura da história, mas que se revelam poderosos no estabelecimento de um diálogo com o inconsciente (Ibid., p. 44). Nos contos dos livros mencionados o impossível não existe e são as emoções humanas que ganham evidência na história narrada. Colasanti (2004, p. 202) enfatiza: “o que me interessa não é contar uma história. É utilizar uma história para lidar com o amor e com o ódio, com o medo, o ciúme, o desejo, a grandeza humana, sua pequenez e sua morte”. A obra Contos de amor rasgados apresenta-nos mini-contos – mas igualmente ricos de significados como os outros – sobre os desencontros, as adversidades, as incertezas e as imprevisibilidades do amor. Buscamos, nesse estudo, destacar, nos contos de Marina Colasanti, as figurações em sua narrativa no que se refere à construção da ideia do amor. A pesquisa visa também analisar, nos contos da autora, que lugar o amor e o encontro amoroso ocupam na constituição da feminilidade, recorrendo a alguns estudiosos sobre o tema, a exemplo de Platão, Denis de Rougemont, Octavio Paz e Zygmunt Bauman, bem como psicanalistas como Sigmund Freud, Maria Rita Kehl e Juan-David Nasio. Este estudo foi concebido e desenvolvido no âmbito de uma abordagem qualitativa, com ênfase na análise dos contos de Marina Colasanti, na perspectiva de compreender como as relações amorosas se constroem em sua narrativa, especialmente na constituição da feminilidade. Para tanto, procedemos a uma revisão da fortuna crítica sobre a escritora, especificamente no âmbito dos estudos já produzidos dentro da temática do amor e da feminilidade, a exemplo de livros, dissertações e teses. Além disso, utilizamos nessa análise o suporte de alguns estudiosos sobre o tema, que especificaremos mais adiante. A leitura das narrativas implica uma análise de conteúdo, que, de acordo com Chizzotti (1998, p. 98), permite ao investigador “compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas”. Para Bauer (2002), esse método de análise de texto significa construir uma interpretação através da seleção, da criação de unidades e da categorização de dados, que orientam a leitura das categorias de análise definidas por cada pesquisador. Nesse sentido, a partir dos indícios encontrados nos contos de Colasanti, definimos duas categorias de análise, eixos balizadores de nossa leitura: “Os desencontros nos caminhos do amor” e “As possibilidades de encontro nos caminhos do amor”. Num primeiro momento, trabalhamos cada um dos contos separadamente e, em seguida, estabelecemos pontos de encontro e de desencontro entre eles, respaldando-nos no suporte teórico utilizado. Para um melhor entendimento das questões do amor e da feminilidade, recorremos à psicanálise, por ser um campo de conhecimento que possibilita e estimula uma interpretação do movimento das mulheres na busca de um “ideal” de feminilidade e de amor. Ademais, convocamos também autores de outras áreas de conhecimento, que refletem sobre as diferentes perspectivas do amor. Levando em conta a complexidade desse tema e os limites do saber psicanalítico, é que incluímos essas outras contribuições para dar mais consistência ao nosso estudo, a exemplo de Platão (1962), Denis de Rougemont (1988), Octavio Paz (1994) e Zygmunt Bauman (2004). A escolha pela psicanálise justifica-se também porque seus conceitos fundamentais permanecem atuais e representam, portanto, importantes referenciais na investigação do lugar ocupado pelo amor na identidade feminina. Vera Tietzmann Silva (2004), em seus estudos sobre a autora, nos indica uma pista preciosa, ao ressaltar que os contos de Marina Colasanti se voltam “para dentro”. Seu referencial inscreve-se, sobretudo, no âmbito do psiquismo humano e das relações interpessoais. Levando isso em consideração, a psicanálise se constitui como um suporte significativo na análise dos contos da autora. Marini (1997), por sua vez, assinala que, na história do saber psicanalítico, estão presentes muitos encontros com os mitos, os contos e as obras literárias. Literatura e psicanálise “se fundem ambas num trabalho da linguagem e do imaginário” (MARINI, 1997, p.46), influenciando-se mutuamente. Freud6 demonstra seu interesse pela literatura em diversos ensaios, recorrendo ao texto literário para sustentar conceitos teóricos da sua teoria psicanalítica. Da mesma forma, autores e críticos literários fazem uso da psicanálise como suporte para suas leituras, buscando, nessa área, elementos que auxiliam na investigação de alguns dos múltiplos sentidos da obra literária. Nessa relação entre literatura e psicanálise têm-se produzido diálogos férteis e instigantes. 6 Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (1907[1906]), Resposta a um questionário sobre leitura (1906), Escritores criativos e devaneios (1908[1907]), Romances familiares (1909[1908]) e O prêmio Goethe (1930) são alguns exemplos do diálogo de Freud com a Literatura. Recorremos a alguns autores como suporte teórico para nosso estudo. Consultamos o Banquete, de Platão (1962), o primeiro texto filosófico sobre o amorpaixão, escrito por volta de 380 a.C. Jurandir Freire Costa (1998), em seu livro Sem fraude nem favor – estudos sobre o amor romântico, comenta diversos discursos sobre o amor e, ao abordar especificamente Platão, afirma que a erótica platônica se assemelha bastante à nossa ideia atual de amor. Os discursos do Banquete, segundo Costa (1998, p. 36) “foram reapropriados pela mentalidade moderna romântica, visando a legitimar a ideia de que o ‘verdadeiro amor’ seria um sentimento único, inconfundível, universal e intrínseco à natureza humana”. Seguindo o caminho do amor-paixão, recorremos também a Denis de Rougemont (1988), que discorre sobre o tema do amor no ocidente e é quem, de fato, discute o conceito de amor-paixão pela primeira vez. Em O amor e o ocidente, o autor analisa o mito de Tristão e Isolda7 e observa que a visão de amor surgida no século XII perdura até os dias atuais. Quando fala sobre o romance de Tristão e Isolda e sobre as 7 Tristão é sobrinho do Rei Marcos da Cornualha. Órfão, Tristão foi adotado e educado pelo tio. Quando o Rei Marcos decide se casar, envia o sobrinho para buscar sua noiva. Tristão encontra Isolda, a “loura”, e, juntos, navegam ao encontro do Rei Marcos. Em alto-mar, não há vento e o calor é sufocante. Os dois sentem muita sede e a aia Briolanja oferece por engano o “vinho ervado” que é destinado aos esposos. Tristão e Isolda bebem o vinho, apaixonam-se e entregam-se ao amor. A duração do filtro seria de três anos. Tristão, entretanto, permanece preso ao compromisso com seu tio. Isolda é levada ao Rei Marcos. A traição de Tristão é denunciada e ele é banido. Hospeda-se próximo ao castelo e continua se encontrando com sua amada. Marcos tenta surpreendê-los no local onde se encontram, mas Tristão e Isolda, percebendo sua presença, convencem-no de sua inocência. O Rei se reconcilia com o sobrinho e este retorna ao castelo. Mas logo os encontros furtivos dos dois são descobertos. Tristão é condenado à morte e Isolda é entregue aos leprosos. Tristão, contudo, consegue salvá-la e juntos vão para a floresta de Morrois. Durante três anos vivem uma vida difícil. Um dia o Rei Marcos os surpreende dormindo. Como Tristão tinha colocado entre eles uma espada desembainhada, Marcos considera aquele gesto um sinal de castidade e deixa, no lugar da espada de Tristão, uma espada real. Após três anos, sem o efeito do vinho, Tristão se arrepende e Isolda começa a sentir saudade da corte. Os amantes vão ao encontro do eremita Ogrino e, por intermédio dele, Tristão propõe devolver Isolda ao Rei Marcos. O rei promete perdoar. Chegando ao castelo, Isolda pede a Tristão que ainda permaneça no reino até que ela tenha certeza de que Marcos a tratará bem. Assim, os amantes ainda se encontram algumas vezes clandestinamente. Mas novas aventuras levam Tristão para terras distantes e ele se separa de Isolda. Acredita que ela deixou de amá-lo. Dessa forma, ele se casa com outra Isolda, a “das mãos alvas”, que deixará virgem porque ainda chora pela outra Isolda. Mortalmente ferido numa emboscada, Tristão pede para ver uma última vez sua amada. Isolda vem ao seu encontro, ostentando uma vela branca em sua nau, sinal de esperança e de que estava chegando para ver Tristão. Isolda das mãos alvas espreita sua chegada e, atormentada pelo ciúme, diz a Tristão que é uma vela negra que se aproxima, indicando que Isolda não viera. Tristão morre e Isolda, quando desembarca, abraça o corpo de seu amado e morre de tristeza (ROUGEMONT, 1988). separações e reencontros sucessivos dos amantes – observando, inclusive, que muitos desses afastamentos foram provocados por eles próprios –, Rougemont (1988) verifica que o que eles amam de fato é o próprio amor. Os amantes buscam a paixão que está vinculada ao sofrimento, buscam o romance. E o romance, na perspectiva desse autor, é constituído pelas dificuldades, pela intensidade, pelas variações e pela fugacidade da paixão. Outro autor que também se debruça sobre o tema do amor é Octavio Paz (1994), em sua obra A dupla chama: amor e erotismo. Ele diferencia amor, sexo e erotismo e aborda os grandes dilemas da paixão amorosa. Para Paz (1994, p. 113), o amor é um nó “feito de duas liberdades entrelaçadas”. E para adentrar um pouco mais nos “nós” do amor, buscamos também Zygmunt Bauman que, em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos (2004), discute como o homem moderno compreende e vivencia o amor e as relações amorosas. José Luiz Furtado (2008) também nos oferece suporte nesse estudo. Em seu livro Amor, o autor mapeia a história desse sentimento desde a filosofia grega, discutindo o mito do amor-paixão, através de obras como as de Platão e de Rougemont, até a contemporaneidade, com o surgimento moderno do amor romântico. Para avançarmos mais na discussão sobre o amor e sobre o lugar que ele ocupa na constituição da feminilidade, a psicanálise nos pareceu a via mais indicada. Além de textos de Freud, utilizamos em nossa análise a psicanalista e estudiosa Maria Rita Kehl, que dedica especial interesse às questões da feminilidade e do amor. Da autora, foram usados, em nosso estudo, os livros A mínima diferença: masculino e feminino na cultura (1996) e Deslocamentos do feminino (2008) e os artigos “Masculino / feminino: o olhar da sedução” (do livro O olhar, 1988, organizado por Adauto Novaes), “A psicanálise e o domínio das paixões” (do livro Os sentidos da paixão, 2009, também organizado por Adauto Novaes) e “O que um homem quer saber?” (do livro Sobre o desejo masculino, 1995, organizado por Ângela Teixeira). Em Sobre o desejo masculino, buscamos ainda os artigos dos psicanalistas Ricardo Estacolchic, que aborda os encontros e desencontros do casal através de exemplos da clínica e da literatura, e Ricardo Goldenberg, que discute, a partir da literatura, o desejo fetichista masculino. O estudos da pesquisadora Sonia Cabeda em “‘O que quer uma mulher?’ A construção do corpo pela cirurgia plástica” ( em O corpo ainda é pouco: II Seminário sobre a contemporaneidade, 2000) nos ajuda também a compreender melhor o lugar ocupado pela mulher no jogo amoroso. O livro Feminilidades (2002), organizado por Joel Birman, revisa esse conceito que dá nome ao livro, com a colaboração de quatro psicanalistas. Em nosso estudo, utilizamos especificamente o ensaio de Silvia Alexim Nunes, “O feminino e seus destinos: maternidade, enigma e feminilidade”. Para uma breve introdução à temática do amor, buscamos Betty Milan, com seu livro O que é amor (1985). E com a finalidade de investigar um pouco mais o processo de apaixonamento e de amor, recorremos a Juan-David Nasio (1997), que em O livro da dor e do amor, aborda a relação entre essas duas instâncias (dor e amor), a pessoa do amado eleito, a fantasia construída em torno dele e a ruptura do laço amoroso, vista como uma perda. Além de Nasio, os comentários de Ana Lila Lejarraga nos auxiliaram no processo de investigação da paixão amorosa, em sua obra Paixão e ternura: um estudo sobre a noção de amor na obra freudiana (2002). Como Marina Colasanti é o foco de nosso estudo, buscamos outros livros da autora que abordam a temática em questão. A nova mulher (1980) e Mulher daqui pra frente (1981) versam sobre diversos aspectos da identidade feminina, dentre eles o amor. E por falar em amor (1984) é um livro no qual a autora reflete sobre as formas de amar masculina e feminina, deixando transparecer seu próprio conceito de amor. E em Fragatas para terras distantes (2004), Colasanti nos conduz para uma série de reflexões, passando por suas experiências como leitora e como escritora, que não deixam de ser também experiências amorosas com a leitura. Para o levantamento das produções acadêmicas sobre Marina Colasanti, recorremos ao Banco de Dissertações e Teses da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)8 do que já foi produzido sobre Marina Colasanti e verificamos que há vinte dissertações e duas teses sobre a autora. Refinamos nossa busca pelas pesquisas já feitas sobre Colasanti e a questão do feminino e do amor e encontramos as dissertações de Anderson Gomes, da Universidade Federal de Santa Catarina, “E por falar em mulheres: relatos, intimidades e ficções na escrita de Marina Colasanti” (2004); de Claudineide Dantas de Oliveira, da Universidade Federal da Paraíba, “A Figura Feminina do Texto em ‘A Moça Tecelã’ de Marina Colasanti” (2002); de Joselia Rocha dos Santos, “Variações sobre o mesmo tema: a representação do corpo nos contos de Clarice Lispector, Helena Parente Cunha, Lygia Fagundes Telles e Marina Colasanti” (2004), de Luciana Faria Le-Roy, “A representação da mulher na literatura para crianças: um estudo de obras de Júlia Lopes, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga Nunes e Marina Colasanti” (2003), de Valquiria da Cunha Paladino, “A experiência do vivido e a sua contextualização no romance de formação do feminino” (2000), as três da Universidade Federal do Rio de Janeiro; de Leandro Passos, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, “Rapto e absorção: referências clássicas em Contos de Amor Rasgados de Marina Colasanti” (2008); de Márcia Correia Rama Massa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, “A constituição do ethos feminino no conto ‘A Moça Tecelã’, de Marina Colasanti” (2004); 8 Disponível em: <http://servicos.capes.gov.br/capesdw/Nav.do?inicio=0>. Acesso em: 20 jan 2010. de Marly Camargo de Barros Vidal, da Universidade de São Paulo, “A dialogia escritural em Marina Colasanti”, 2001 (que resultou no livro Mil e um fios: a escrita de Marina Colasanti9); de Salma Divina da Silva, “Eros no imaginário de Marina Colasanti”, 1999 (publicada posteriormente com o título O mito do amor em Marina Colasanti10) e de Silvana Augusta Barbosa Carrijo Silva, “Marina Colasanti: Mulher em Prosa e Verso” (2003), ambas da Universidade Federal de Goiás. Encontramos ainda as teses de Maria Helena Miscow Ferraz de Mendonça, “A crônica e as cronistas brasileiras: questão de gêneros” (2002) e de Rosa Maria Cuba Riche, “O feminino na Literatura Infantil e Juvenil Brasileira: poder, desejo, memória e os casos Edy Lima, Lygia Bojunga Nunes e Marina Colasanti” (1996), ambas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lembramos também o importante estudo de Vera Tietzmann Silva, que organizou o livro E por falar em Marina… Estudos sobre Marina Colasanti11, resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido por ela com as turmas de concluintes do curso de Letras da Universidade Federal de Goiás, com a finalidade de iniciar os estudantes da graduação na produção de crítica literária. O livro reúne vários artigos que foram produzidos com base nos contos, nos poemas e nos livros infanto-juvenis de Marina Colasanti, onde os autores analisam e comparam temas, personagens e situações abordados pela autora em suas obras. 9 VIDAL, M. C. B. Mil e um fios: a escrita de Marina Colasanti. São Paulo: Alexa Cultural, Comunicação e Cultura, 2003. A autora investiga, nas crônicas e nos ensaios jornalísticos de Marina Colasanti, como se processa a estruturação dos elementos constituintes do discurso, “de como a construção composicional dos textos se concretiza” (VIDAL, 2003, p. 5). 10 SILVA, S. O mito do amor em Marina Colasanti. Goiânia: Cânone, 2003. Buscando suporte na teoria do imaginário e na mitocrítica, de Gilbert Durand, o trabalho da autora aborda o mito de Eros, nos contos de Marina Colasanti, numa articulação com mitos de outras épocas. “Com competência e profundidade, a obra dá conta do processo de atualização do mito de Eros nos contos de Marina Colasanti e da inserção dessa questão no mundo contemporâneo” (TURCHI, M. Z. In: SILVA, S. 2003, p. 13). 11 SILVA, V. M. T. (org.) E por falar em Marina… Estudos sobre Marina Colasanti. Goiânia: Cânone Editorial, 2003. Diante desse panorama do que já foi produzido sobre Marina Colasanti, nosso estudo busca contribuir para estas discussões, analisando o lugar do amor na constituição da feminilidade e as (im)possibilidades para o encontro amoroso, a partir dos contos da autora. Adentramos os corredores do labirinto do amor conduzidos pelos fios das palavras de Colasanti, organizando o presente trabalho em quatro segmentos. Nesse primeiro segmento, abordamos a questão de pesquisa, a escolha do tema, o objeto de estudo, os fundamentos teóricos, a metodologia utilizada, um breve percurso intelectual da autora e sua fortuna crítica, especificamente sobre a temática do amor e da feminilidade. No primeiro capítulo “Os desencontros nos caminhos do amor”, analisamos quatro contos de Marina Colasanti, assim estruturados: “‘Entre as Folhas do Verde O’: a renúncia do amor”, “‘Prova de Amor’: o preço do amor”, “‘Verdadeira Estória de um Amor Ardente’: sobre o desejo” e “‘A Mulher Ramada’: o reconhecimento do outro”. Nesse capítulo, buscamos investigar, o que se constitui, para a autora, impossibilidades ou entraves para o encontro amoroso, articulando os contos entre si e com referencial teórico escolhido. No segundo capítulo “As possibilidades de encontro nos caminhos do amor”, desdobrado em três sub-capítulos: “‘Doze Reis e Moça no Labirinto do Vento’: sobre a sedução feminina”, “‘Entre a Espada e Rosa’: o mistério da feminilidade” e “‘De Muito Procurar’: (re)descobrindo o amor”, procuramos salientar, a partir da análise dos contos, o que se apresentam como possibilidades de encontros amorosos para Marina Colasanti. Intentamos, assim como no primeiro capítulo, correlacionar os contos entre si e com o nosso suporte teórico, discutindo como a autora constrói a ideia de amor e o lugar desse sentimento na constituição da subjetividade feminina. Finalizando nosso estudo, apresentamos algumas considerações que intitulamos “O amor possível: encontrando saídas no labirinto do amor”. Nesse segmento, retomamos os contos trabalhados, buscando os pontos de encontro e de divergência entre eles, observando a ideia que Marina Colasanti traz sobre o amor, retratada em contos de diferentes momentos de sua produção. Este estudo trará, certamente, algumas contribuições para o debate no campo amoroso, especialmente na perspectiva da feminilidade. Nesse sentido, os contos de Marina Colasanti, sem dúvida, ricos em símbolos e metáforas, constituem-se num material primoroso para adentrarmos nesse universo e explorá-lo em múltipos sentidos. 1 OS DESENCONTROS NOS CAMINHOS DO AMOR Adentramos o labirinto amoroso de Marina Colasanti lentamente, seguindo as pistas de suas palavras e as imagens desenhadas em seus contos. O amor tem um lugar de destaque nas obras da autora. Em seu livro Mulher daqui pra frente, Colasanti (1981, p. 165) enfatiza que “o amor não é um privilégio. É uma escolha”, assinalando que há pessoas que fazem tudo apaixonadamente, porque procuram o amor em tudo o que fazem, entregam-se às situações de forma apaixonada. Sentimos que é exatamente dessa forma que a autora se entrega à escrita. Talvez por isso seus contos tratem com tanta sensibilidade o amor e o universo feminino e sejam tão ricos de significados. Marina Colasanti considera que “o amor é um só, aproximação de ternura que nos liga a todas as coisas” (COLASANTI, 1981, p. 165). Para avançar no território do amor, entretanto, precisamos estar atentos aos diversos discursos que o permeiam. Jurandir Freire Costa (1998), em Sem fraude nem favor – estudos sobre o amor romântico, analisa alguns desses discursos e os divide em idealistas e realistas. Os realistas, de modo geral, tentam “demonizar o amor” (Ibid., p. 157). O amor deixa de ser algo sagrado e é visto como um produto social simplesmente. Costa (1998, p. 157) ressalta que “os idealistas querem, a todo preço, preservar o ‘autêntico’ núcleo do amor da poluição ambiental; os realistas só conseguem ver poluição onde também existe satisfação, alegria, êxtase e, muitas vezes, felicidade”. Os idealistas consideram o amor “um valor que poderia se tornar um fato” (Ibid., p. 158), se a sociedade não o corrompesse, enquanto os realistas afirmam que pensar dessa forma é ignorar a verdadeira natureza do amor. Por um lado, os idealistas, mais próximos do Romantismo, atribuem um importante papel aos sentimentos na paixão amorosa, acreditando que o sofrimento é um risco que vale a pena se o que está em jogo é uma relação de amor. Por outro lado, os realistas, vinculados à tradição iluminista, questionam as conseqüências das experiências amorosas para a vida ética do sujeito e acreditam que “a paixão é simplesmente um mau hábito que devemos evitar se quisermos ser mais livres e autônomos” (Ibid., p. 158). Enquanto os idealistas defendem a espontaneidade do sentimento, que escapa à racionalidade, os realistas acham que é possível “intervir racionalmente nas crenças amorosas e reordená-las segundo aquilo que julgamos melhor, do ponto de vista moral” (Ibid., p. 159). Costa (1998) considera que são muitas as concepções sobre esse sentimento, nenhum está completamente certo ou errado. O autor descreve, como idealistas, teóricos como Zygmunt Bauman e Octavio Paz. Eles não estão nem mais certos nem mais errados quando tentam “eliminar os desvios narcisistas ou as leituras político-científicas do ‘verdadeiro sentimento amoroso’” (Ibid., p. 164). Eles só estão mais próximos do “ideal de vida amorosa dominante no Ocidente”, esclarece Costa (1998, p. 164). A cultura é grande responsável pelas imagens do amor que adotamos: basta que a cultura assinale a novas imagens do amor um lugar entre os ideais aprovados para que tais imagens sejam aceitas como desejáveis, sem traumas, escândalos, ‘desumanização’ ou empobrecimento emocional de quem quer que seja. Costa (1998) apropriadamente enfatiza que há pontos frágeis em ambas as “verdades”. Os idealistas, focados na espontaneidade e irracionalidade do amor, considerando-o universal e natural ao ser humano, não conseguem perceber que a emoção amorosa está sujeita também às influências da cultura; já os realistas consideram que as escolhas amorosas estão sempre e somente subordinadas à cultura dominante. Costa (1998, p. 175) frisa que: Os realistas, ao subestimar as paixões do amor, acabam por reduzir a emoção amorosa a seu respeito racional e minimizam o valor dos sentimentos e sensações na prática social da linguagem; os idealistas, ao subestimar as razões do amor, desconsideram a importância da vontade e da liberdade do sujeito da experimentação amorosa. Nem certos nem errados, apenas pontos de vista diferentes face a um mesmo sentimento. E é seguindo criticamente essa trilha do “ideal de vida amorosa dominante no Ocidente” (Ibid., p. 164) que percorremos os contos de Marina Colasanti e nos detemos no universo do amor. 1.1 “Entre as Folhas do Verde O”: a renúncia do amor Analisando os contos de Colasanti escolhidos para este estudo, percebemos que o amor não se apresenta de forma linear nos textos da autora, deslizando entre encontros e desencontros. Ora os amantes encontram caminho livre para o sentimento amoroso, ora se esbarram com um beco sem saída, ora separam-se numa bifurcação. Não importa se os caminhos que levam ao amor sejam livres, impossíveis ou bifurcados, o amor continua sendo um sentimento intenso e único nos contos dessa escritora. Para Colasanti (1981, p. 22), cada amor cumpre um destino diferente; “cada amor é um novo acontecimento. São muitos os desencontros, mudanças inesperadas, equívocos, reencontros, promessas apaixonadas que enfeixam a relação amorosa, conferindo um certo tom de intensa, mas de fugaz felicidade, a cada amante, que a sente e a vivencia em suas singularidades. No conto “Entre as Folhas do Verde O”, o encontro à beira de um regato entre um príncipe e uma corça-mulher cumpre também um destino diferente para cada amante. Ao se verem e se olharem, a corça não foge (ou não resiste?) e o príncipe a captura. Ela é levada para o castelo e trancada num quarto cuja chave pertencia ao príncipe. Ele a visitava todos os dias. Os dois ficavam horas se olhando. Desejavam dizer tanto um ao outro, mas não falavam a mesma língua. Quando a primeira lágrima caiu dos olhos da corça-mulher, o príncipe pensou ter compreendido o que ela desejava. Mandou chamar o feiticeiro e transformá-la em “toda mulher” (COLASANTI, 1979, p. 40). Coberta com roupas e jóias, “só não tinha a palavra. E o desejo de ser mulher” (Ibid., p. 41). Assim que aprendeu a andar, voltou à floresta procurando por sua rainha. Então, somente corça, ela voltou a pastar nas proximidades do castelo. No conto, capturados pelo amor, os amantes ficam horas e horas calados, apenas olhando-se. O amor emudece, porque os amantes se expressam em diferentes línguas, enquanto a “corça-mulher só falava a língua da floresta [...] o príncipe só falava a língua do palácio” (Ibid., p. 40). Mas o diálogo amoroso parece ser também feito de silêncios, já nos assinala Colasanti (1984). Mesmo calados, os amantes sustentam uma relação amorosa feita de não-ditos que abrigam outros significados. Há um embevecimento que os fascina e os envolve, a despeito de não se falarem. Até mesmo porque “por mais que duas pessoas se digam tudo, o fato é nunca se dizem tudo” (Ibid., p. 135, grifo da autora). Embora o lugar da fala se constitua como vital numa relação amorosa, porque é na partilha com quem se ama que dialogamos também com a vida, a autora ressalta que as emoções não são objetivas, matemáticas, facéis de identificar. São, ao contrário, caóticas, conflitantes, quase impossíveis de medir. Verbalizar com precisão esse caos, acertar ao dizer – quando o desacerto pode ser tão grande no sentir – é coisa muitíssimo difícil, que exige alta sofiscação verbal (Ibid., p. 135). O diálogo amoroso é dotado de grande complexidade: há uma dificuldade em se expressar os sentimentos, há silêncios que falam mais do que mil palavras e, por mais que se saiba sobre o outro, é impossível sabermos absolutamente tudo sobre ele. No conto em questão, os amantes não conseguem expressar o que sentem, entretanto seu silêncio deixa transparecer o seu sofrimento por não conseguirem romper essa distância que paradoxalmente os atrai e os afasta. O entrave na comunicação se deve a uma dificuldade de reconhecimento do outro, algo constitutivo das diferenças entre o masculino e o feminino e, por isso, eles manifestam linguagens e posições diferentes em relação ao amor. No conto, tal posição fica clara. Por um lado, o princípe: [...] Ele queria dizer que a amava tanto, que queria casar com ela e têla para sempre no castelo, que a cobriria de roupas e jóias, que chamaria o melhor feiticeiro do reino para fazê-la virar toda mulher” (COLASANTI, 1979, p.40). E por outro lado, a corça-mulher: [...] Ela queria dizer que o amava tanto, que queria casar com ele e levá-lo para a floresta, que lhe ensinaria a gostar dos pássaros e das flores e que pediria à Rainha das Corças para dar-lhe quatro patas ágeis e um belo pelo castanho (Ibid., p.40). E quando o amor perde a fala, são as projeções que ganham voz. Buscamos apoio em alguns autores, inclusive a própria Marina Colasanti, que defendem esse argumento. Colasanti (1984, p. 33) assinala que “o amor é basicamente psicológico, sentimento gerado por nossos desejos, nossas necessidades afetivas, nossas projeções”. Ricardo Estacolchic (1995, p.31), alinhando-se a essa ideia, afirma que “um par se forma por engate da fantasia. Isto é: uma zona onde a seqüência da fantasia inconsciente de um dos parceiros ‘cavalga’ sobre a seqüência da fantasia do outro”. Um pensa conhecer o que o outro deseja. Na verdade, cada um projeta seu desejo no outro, como no conto de Marina Colasanti. Quando a corça-mulher chora, o príncipe pensa ter compreendido o significado de suas lágrimas e pede ao feiticeiro do reino que a transforme em mulher. No entanto, não é esse o seu desejo. Ele queria tê-la no castelo, ela desejava levá-lo para a floresta. Ele queria vesti-la com roupas e jóias, ela queria ensiná-lo a gostar dos pássaros e das flores. Ele a desejava mulher e ela o queria corça. Os amantes, portanto, falavam línguas diferentes e desejavam coisas diferentes um do outro. Há algo da ordem da subjetividade de cada um que esgarça esse amor, pela dificuldade de renunciarem ao ideal do amor. O príncipe, por fim, numa projeção de seu desejo sobre a corça-mulher, decide transformá-la em “toda mulher” (COLASANTI, 1979, p.40). Para ele, o que importa é tão somente o seu desejo; o seu olhar sobre a corça-mulher de alguma forma a aprisiona e a submete. Na ótica de Ricardo Goldenberg (1995) o desejo masculino sempre é fetichista12, na medida em que ele “recorta” e “cola” as mulheres. Estacolchic (1995) reforça essa ideia, ao explicitar que homem pode buscar várias mulheres, encontrando nelas um significante fálico, um pedaço do corpo que é recortado pulsionalmente e que desperta o circuito do desejo. No conto, o príncipe “recorta” e “cola” seu desejo na corça-mulher (e vice-versa). Como é ele quem possui a “chave” da porta que a prende, é ele quem também a modela. E ainda que ele a transforme em mulher e a cubra de roupas e jóias, nada disso apreende ou alcança o seu desejo da corça. Tudo o que ele faz para capturar o amor da corça esbarra num obstáculo: “Só não tinha a palavra. E o desejo de ser mulher” (COLASANTI, 1979, p. 41). Transmutada em apenas mulher sem que esse fosse o seu desejo, a saída que lhe restou foi retornar a seu lugar de origem e, ao perder sua condição humana, retorna ao palácio, pastando na nostalgia de um “amor perdido”, tão próximo do amor cortês. Uma outra leitura seria pensarmos no preço que a corça 12 Segundo Roudinesco (1998, p. 237), o fetiche se refere a qualquer objeto (no sentido psicológico do termo) que pretenda preencher a falta, “é um substituto do falo, [que] obedece a intenção de destruir a prova da castração” e, com isso, possibilitar a ilusão de completude, de idealização, e se aplica na vida amorosa mais ao masculino do que ao feminino. paga para não ficar submetida ao desejo do princípe. Ela opta por renunciar à realização do encontro amoroso (no sentido sexual) para ficar com o amor romântico. Essa cena final do conto remete-nos à sua epígrafe inspirada numa canção popular da Idade Média (Ibid., p. 38): Na primeira corça que disparou, Errou. E na segunda corça acertou. E beijou. E a terceira fugiu no Coração de um jovem. Ela está entre as folhas do verde O Colasanti, ao tomar essa epígrafe, já anuncia algo da ordem do amor não consumado, próprio do amor cortês. Rougemont (1988) considera o amor cortês predecessor do amor-paixão romântico, no que diz respeito ao culto ao sofrimento. A relação de Tristão e Isolda, analisada pelo autor, traz exatamente essa ideia; eles se amam no sofrimento, entre encontros e desencontros, provocando eles mesmos obstáculos para a concretização desse amor. Jurandir Freire Costa (1998), também comentando o amor cortês e as afirmações de Rougemont, reforça que, para este tipo de amor, a felicidade está na aceitação da renúncia ao desejo de possuir o ser amado e talvez isso não seja possível sem sofrimento. O amor cortês se gesta na forma de enaltecimento dirigido à mulher, uma forma que, em última instância, coloca o amor num plano prevalente, marcado pela impossibilidade da relação carnal entre os parceiros, sem jamais se consumar. O amor muitas vezes fracassa porque os amantes se prendem à ilusão de que podem completar um ao outro, de que podem ser apenas um. Betty Milan (1985) enfatiza que o amor só surge porque são dois indivíduos, mas tenta anular a condição de sua origem quando busca tornar-se um. E esse é um movimento impossível, “seja porque a identificação entre os sujeitos esbarra na diferença dos sexos, seja porque a união dos corpos é fugaz” (Ibid., p. 14). No desejo de tornar-se um, o príncipe faz da corça-mulher, uma mulher apenas. O amor tenta suprimir as diferenças e igualar os amantes. Milan (1985) afirma que é preciso que um reconheça no outro sua própria imagem para amá-lo. O amado é tão parecido com seu amante que não o contradiz, autoriza seu desejo e, por isso, é tão precioso. E talvez, por ser tão precioso, precise ficar “guardado”, “protegido”, num quarto cuja “chave” somente seu amante possui. Se o amor é narcísico, não suporta a diferença. O amado não pode contrariar o desejo do amante, ressalta Milan (1985). Entretanto, exatamente por ser narcísico, o amor provoca a desavença e pode levar à ruptura ou à submissão. Por amor, o príncipe encarcera a corça-mulher. Por amor, ela se deixa capturar inicialmente. Por amor, ele a submete a uma transformação que ela não deseja. Por não suportar ficar submissa ao desejo do outro, a corça-mulher foge. O amor vale-se de muitas artimanhas, ele impulsiona, sugere-nos Zygmunt Bauman (2004), o sujeito a proteger, abrigar, acarinhar o ser amado, mas também o leva a guardar ou encarcerar quem ele ama. Ele se doa, coloca-se a serviço desse objeto de amor, embora deseje também possuí-lo. “[...] O amor cresce com a aquisição deste [objeto] e se realiza na sua durabilidade” (BAUMAN, 2004, p. 24). Nesse sentido, o amor cria uma rede protetora em torno do seu objeto que acaba por escravizá-lo. Talvez tenha sido esse o movimento do príncipe: por amor, ele mantém a corça-mulher sua refém. Por amor, ele a transforma em mulher, projetando nela seu próprio desejo. A psicanalista Maria Rita Kehl (1995), focando sua leitura numa outra perspectiva, reconhece que um homem nunca pode saber o que uma mulher quer, porque o que ela quer é ser seu objeto do desejo. O homem precisaria conhecer e suportar seu próprio desejo para saber o que a mulher deseja. Dessa forma, a autora reforça que o “melhor” homem é aquele que “não quer saber”, mas que sabe fazer a mulher responder ao seu desejo, sabe fazer com que ela lhe minta bem, sabe fazer com que ela acredite que ele sabe exatamente o que ela quer. Já a mulher sabe o que quer: ela quer manipular o desejo masculino, mesmo sem nomeá-lo. Ela se coloca como objeto de desejo, tal como a corça-mulher, no conto de Colasanti, que não foge ao som da tropa, permanece debruçada no regato e sustenta o olhar do príncipe. Sem opor qualquer resistência, deixa-se ser aprisionada. Estaria aí mais uma pista para entendermos o quanto a mulher fica facilmente seduzida pelo canto do amor cortês? Esta posição de objeto em que a mulher se coloca, contudo, não é tranqüila. É trabalhosa, muitas vezes dolorosa, e sempre ameaçada. A mulher fica insatisfeita por não saber quem ela pode ser fora do domínio do jogo amoroso. Kehl (1996) diz ainda que, quando o amor e o desejo da mulher se libertam do aprisionamento narcísico e repressivo para corresponder ao desejo do homem, algo parece se esvaziar no seu próprio ser. Há uma perda de sentido nela mesma. Quando ela ama e deseja tanto quanto foi amada e desejada, deixa de fazer sentido como mulher, para o amante e para si mesma. Essa perda de sentido pode ser observada no conto de Colasanti. Transformada numa mulher que não deseja ser, a corça-mulher nem consegue se (in)vestir dessa nova identidade, nem concretizar esse encontro amoroso. Daí decorre sua decisão de, mesmo amando o príncipe, retornar à floresta, procurar sua rainha e (re)investir-se de seu primeiro desejo: ser somente corça, não mais mulher. Quando decide retornar à forma de corça, a personagem do conto de Colasanti escolhe uma outra possibilidade de identificação. Kehl (1996) comenta que, na medida em que a mulher amplia suas possibilidades de atuação social, ela amplia também suas possibilidades identificatórias para além da maternidade. A mulher, ao sair do espaço doméstico, experimenta outras formas de convivência e sociabilidade, que lhe confere independência econômica, poder, cultura e alternativas de sublimação. Mais ciente de suas potencialidades, ela passa a fazer suas próprias escolhas, inclusive sua escolha sexual e, com isso, reduz a distância entre os sexos. O “ser mulher” torna-se mais do que simplesmente atender ao desejo do homem. O “ser mulher” é identificar-se com seu próprio desejo e fazer suas próprias escolhas. Em “Entre as folhas do verde O”, inicialmente, a corça-mulher coloca-se na posição de objeto de desejo para o príncipe. Depois ela escolhe outra possibilidade de identificação. Faz uma escolha diferente daquela em que se tornaria mulher apenas para corresponder aos desejos do amante. Ela tem identidade própria: parte mulher, parte animal. São duas metades que se complementam. O ser feminino parece se completar, ao integrar a sua porção humana à instintiva. Quando se torna apenas mulher, desconecta-se da floresta, da natureza que a constitui. É obrigada a assumir uma nova identidade que não corresponde ao seu desejo e quem ela é. Por isso, retorna à floresta e decide ser apenas corça. Talvez essa seja uma forma de fortalecer sua essência instintiva, de reconectar-se à sua natureza primeira. Aqui a expressão da feminilidade não está associada a ser somente mulher, mas a ser quem se é, a ser o que se deseja ser, sem se deixar aprisionar pelo outro. Por que o amor, tantas vezes, não se sustenta, não se mantém? Quantos caminhos poderíamos percorrer para responder esse mistério que recobre a condição humana? Mas o amor, em sua inefabilidade, se constrói, inevitavelmente, em torno de uma ilusão. No amor, os amantes são sempre dois, singulares e distintos, embora tentem constantemente fazer-se um. Isso nos remete ao Banquete, de Platão (1962). Aristófanes, um dos convidados do Banquete, traz a ideia do amor como um desejo de completude, uma busca de unidade. Segundo ele, nossos ancestrais dividiam-se em seres masculinos, femininos e andróginos. Por afrontarem os deuses, foram punidos sendo separados em duas metades. Dentro dessa perspectiva, o amor seria uma tentativa de restaurar essa unidade perdida, de voltar a ser apenas um. Essa ideia da “carametade”, de que existem pares perfeitos que se encaixam figuram fortemente em nosso imaginário, especialmente nós mulheres. Apesar de nos sabermos seres distintos, insistimos em nos iludir com a ideia de que, com o ser amado perfeito, seremos apenas um. Marina Colasanti (1984) também fala sobre nossa ilusão de buscarmos um amor absoluto. Desejamos um amor que seja intenso e eterno. Desejamos prolongar o tempo desse amor sem considerar o desejo do outro. Insistimos em acreditar que “para ser tão pleno e total quanto necessitamos, o amor inventado precisa ser eterno” (COLASANTI, 1984, p. 147). Entretanto, quando há um estremecimento nessa relação, podemos admitir a possibilidade do fim. Se o amor pode chegar ao fim, é porque existe a possibilidade do desencontro, da imperfeição. Se há desejos diferentes, como o príncipe e a corça-mulher, a relação de amor pode mesmo acabar, embora o fim da relação não signifique exatamente o fim do sentimento, como no conto: “O sol brilhava quando a corça saiu da floresta, só corça, não mais mulher. E se pôs a pastar sob as janelas do castelo” (COLASANTI, 1979, p. 41). O brilho do sol pode talvez significar a consciência de um amor perdido, mas reencontrado na plenitude de uma lucidez que ata seres e desejos inconciliáveis. Reconhecendo-se diferente do príncipe, inteiramente corça, ela liberta-se da forma humana que não deseja possuir, mas não do amor que sente e, talvez por isso, retorne às proximidades do castelo. Embora exista uma impossibilidade de concretização do encontro entre os amantes de “Entre as Folhas do Verde O”, o sentimento de amor parece, como vimos, permanecer. A corça retorna da floresta e volta a pastar próximo ao castelo. Ela volta para perto de seu amado. Na perspectiva de Octavio Paz (1994), paixão, e por extensão o amor, significam sofrimento. O amor é um sentimento sujeito aos riscos da vida e às desventuras do tempo. É sofrimento “porque é carência e desejo de possessão daquilo que desejamos e não temos; por sua vez, a felicidade é possessão, embora instantânea e sempre precária” (PAZ, 1994, p. 190). Amam e sofrem, corça e príncipe. O amor pode ser, e muitas vezes é, também desencontro, porque, se o amor é dois, ele pode ser dois caminhos diferentes, dois corredores de um mesmo labirinto, dois desvios de um mesmo sentimento. Seguindo ainda a trilha desse mistério, indagamos: Será que é a ilusão sobre a qual se constrói o amor que impossibilita o encontro dos amantes? Denis de Rougemont, grande estudioso do tema do amor no Ocidente (1988, p.42), discorre sobre o “amor recíproco infeliz”. Ele frisa que os amantes desejam secretamente os obstáculos que dificultam a realização desse amor, porque sem essas barreiras não há romance. Para Rougemont (1988, p.42), “o que amamos é o romance, isto é, a consciência, a intensidade, as variações e os adiamentos da paixão, seu crescendo até a catástrofe – e não sua chama fugaz”. O príncipe e corça-mulher parecem buscar também o romance. Tal como Tristão e Isolda, que tentam vivenciar um “amor impossível”, os personagens do conto de Colasanti tentam dar vazão a esse amor entre dois seres tão diferentes. Eles transgridem as regras e, ao mesmo tempo, são atraídos pelos obstáculos desse amor. Rougemont (1988) relata os muitos desencontros vivenciados por Tristão e Isolda por conta das dificuldades que se colocam entre eles. Isolda estava prometida ao Rei Marcos, tio de Tristão. Apaixonados, sob o efeito do “vinho do amor”, Tristão e Isolda se entregam ao sentimento, fogem e iniciam uma verdadeira saga na tentativa de concretizar esse amor-paixão. No entanto, quando o efeito do vinho cessa, mesmo sem obstáculos externos que os separem, os próprios amantes decidem retornar à corte do Rei Marcos (Tristão estava arrependido e Isolda sentia falta da corte). Por que os amantes decidem voltar quando já estão livres para vivenciar esse amor? Por que o amor-paixão parece acabar depois de certo tempo? A paixão é mesmo como um “vinho” que provoca um efeito por tempo determinado? Rougemont (1988, p.17) acredita que, na poesia, na literatura, nas lendas e nas canções ocidentais, “o amor feliz não tem história. [...] O que o lirismo ocidental exalta não é o prazer dos sentidos nem a paz fecunda do par amoroso. É menos o amor realizado que a paixão de amor. E a paixão significa sofrimento”. Assim, “a separação dos amantes resulta de sua própria paixão e do amor que têm por sua paixão” (Ibid., p.35). Se esse encontro amoroso se concretiza, a ardência desse amor-paixão fenece. Se isso é mesmo verdade, então o amor seria sempre desencontro? Seria então por isso que a corça e o príncipe do conto de Colasanti também não conseguem concretizar seu amor? Mundos diferentes, línguas diferentes, formas diferentes colocam os amantes sempre em lados opostos. Vemos que há uma tentativa de unir esses opostos no conto. São forças contrárias que se atraem para uma mesma unidade. Salma Silva (2003, p. 71), comentando o conto “Entre as Folhas do Verde O”, pontua que “os contrários se estabelecem mediante a oposição castelo e floresta, humano e animal, caçador e caça, e homem e mulher, sendo que o elemento masculino detém o poder sobre o feminino”. Embora a corça deseje levar o príncipe para a floresta, ensiná-lo a gostar do seu mundo e transformá-lo num ser de quatro patas, é o príncipe quem a captura, quem realmente a transforma em mulher e quem a aprisiona em seu mundo. É o elemento masculino, nesse jogo de opostos, que se impõe. Os opostos se evidenciam inclusive no sentimento de amor e ódio que o príncipe vivencia no início do conto. “A mulher tão linda. A corça tão ágil. A mulher ele queria amar, a corça ele queria matar” (COLASANTI, 1979, p. 39). Mesmo amando-a, ele atira em sua pata direita e a aprisiona. Há uma ambivalência de sentimentos que se faz presente em toda relação amorosa. Maria Rita Kehl (2009) explica que o primeiro sentimento de diferenciação da criança com o mundo é o ódio. Depois que ela se frustra algumas vezes com a mãe, percebendo que ambas não se completam inteiramente, que a mãe não é parte dela mesma, surge o ódio a partir do reconhecimento de que o objeto que satisfaz é o mesmo que a frustra. “O amado e o odiado são um só – ambivalência que nos acompanha pela vida toda” (Ibid., p. 544). Essa é a essência das relações amorosas. No conto de Colasanti, esse sentimento de amor e ódio transparece não apenas no príncipe, mas também na corça-mulher que o ama, mas se afasta dele porque não deseja ser “toda mulher” (COLASANTI, 1979, p.40). No conto há um movimento de opostos que não se encontram no final da narrativa. Corça e príncipe falavam línguas diferentes, pertenciam a mundos diferentes, possuíam desejos diferentes. Amaram-se na ilusão de que poderiam ser apenas um, de que poderiam levar um ao outro ao seu próprio mundo, de que poderiam transformar o outro em alguém que não era. E na frustração dessa ilusão, separaram-se. Alguns amores não sobrevivem às fantasias iniciais e não se concretizam, resultando em desencontros. 1.2 “Prova de Amor”: o preço do amor Em uma dolorosa “Prova de Amor”, o amor novamente se encontra com o sofrimento. Nesse conto de Colasanti, a pedido do seu amado, para agradá-lo, a mulher deixou a barba crescer: “num supremo esforço de amor, começou a fiar dentro de si e a laboriosamente expelir aqueles novos pêlos, que na pele fechada feriam caminho” (COLASANTI, 1986, p. 165). Quando a barba enfim estava lhe cobrindo o rosto, ao apresentá-la ao homem, ele disse: “‘você não é mais a mesma’. (...) E se foi” (Ibid., p. 165). Esse conto o mais breve de todos, mas igualmente rico e denso de significados, deixa entrever outros caminhos que se plasmam na complexidade da relação amorosa. Esse pedido de amor transforma a mulher em algo que ela não é. Entretanto, sendo um pedido de seu amado, ela se esforça por agradá-lo. Bauman (2004) comenta sobre a fragilidade do amor. Ele pode prender e encarcerar tanto quanto proteger ou cuidar. O amor se esforça para dissipar as incertezas e inseguranças, mas, ao aprisionar seu amado, o sentimento enfraquece. É muito sutil a fronteira “entre a carícia suave e gentil e a garra que aperta, implacável. (...) Mãos que acariciam também podem prender e esmagar”, adverte Bauman (2004, p. 23). Assim como a corça-mulher, de “Entre as Folhas do Verde O”, ao deixar que o príncipe a capturasse, sendo aprisionada num corpo e num mundo que não eram seus, a mulher, de “Prova de Amor”, deixou também que o homem a transformasse em algo que não era. Colasanti usa palavras como “laboriosamente” e “feriam”, revelando o quanto essa prova de amor foi árdua e dolorosa. É como se essa tarefa exigisse uma dose de sofrimento, de “sacrifício”, para além de seus limites. A mulher “fere” caminho dentro de si para uma natureza que não é sua. Em nome do amor, para manter-se no relacionamento, a mulher faz muitos “sacrifícios”, paga um “preço”. A leitura cuidadosa da temática, de acordo com Sonia Cabeda (2000), revela que, para a psicanálise, não há, no jogo amoroso, um verdadeiro sacrifício ou renúncia da mulher. Existe um beneficio nessa atitude que toma. Ela faz isso para obter alguma coisa, para alcançar determinado status ou para ser desejada. Essa estratégia é, no entanto, muito perigosa porque a mulher confere ao homem um grande poder, uma vez que ele é quem dá sentido à sua existência. Como não consegue esconder sua falta por muito tempo, a mulher se vê na iminência de (re)vivenciar o abandono e a perda, como ela de fato vivencia no conto “Prova de Amor”. A ela só resta recuperar o conhecimento sobre si mesma que depositou nas mãos do outro. Esse é um caminho difícil, mas permite à mulher superar o ressentimento e curar seus males numa relação de amor. No conto de Colasanti, diante do abandono de seu amado, a mulher (re)vivencia a perda. Nasio (1997, p. 21) explica que “o funcionamento psíquico é regido pelo princípio do prazer, que regula a intensidade das tensões pulsionais e as torna toleráveis”. Quando perdemos a pessoa amada, as tensões desregulam-se e o princípio do prazer deixa de funcionar. Experimentamos uma dor intensa ao perceber o caos que a perda provoca em nosso psiquismo. O que dói não é a ausência do outro, mas os efeitos dessa ausência em nós, porque o ser amado é também uma parte inconsciente ignorada de nós mesmos. Quando perdemos esse outro, perdemos também a fantasia que construímos em torno dele, as projeções que depositamos nele. Sem a pessoa amada, ficamos sem o “espelho” que refletia as imagens interiores do nosso desejo, daí surge a dor. A mulher do conto de Colasanti perde seu amado, porque ela deixa de ser quem era quando se torna apenas reflexo do desejo do outro. O homem pede uma prova de amor que não era na verdade o que ele desejava e, não reconhecendo mais a mulher que estava diante de si, não encontrando mais o “espelho” que refletia seus desejos, ela a deixa. E ao final do conto, a mulher se vê diante da perda do ser amado e também do sofrimento, podemos supor. A própria Marina Colasanti (1984, p. 154) comenta que “amar é estar em disponibilidade para o sofrimento”. Se colocamos no ser amado nossos desejos, se ele é insubstituível, sentimos que estamos extremamente vulneráveis, sujeitos ao outro. Talvez por isso façamos tudo para agradar o ser amado, particularmente nós mulheres. Procuramos atender as demandas do outro para mantê-lo ao nosso lado, para preservar o amor do outro por nós. No entanto, a mulher do conto de Marina Colasanti, quando atende a esse pedido de amor, perde a si mesma e o seu amado. Bauman (2004) assume uma posição similar em relação ao amor. Para ele, o amor se empenha em subjugar o outro em nome desse sentimento, mas, quando encontra êxito, definha. Quando aprisionado, o outro se transforma em algo que ele não é e, assim, já não é mais o mesmo que despertou a paixão de seu amado. Isso aparece claramente no conto: “Com orgulho expectante entregou sua estranheza àquele homem” (COLASANTI, 1986, p. 165). A mulher era estranha a ela mesma, assim como a corçamulher, de “Entre as Folhas do Verde O”, quando se viu transformada em somente mulher. As duas vestidas com naturezas que não eram suas. Duas estranhas diante si mesmas e de um amor que não as reconhece como são. Em “A prova de amor”, a mulher adquire um elemento tipicamente masculino. A barba é forçosamente integrada ao corpo da mulher. É o masculino que se impõe. No entanto, essa mulher permite. Todo o esforço para agradá-lo vem dela. É ela que, para agradar seu amado, fia essa barba dentro de si. A leitura desse conto, faz-nos compreender que o amor ocupa um lugar diferenciado na constituição da identidade feminina. Maria Rita Kehl (1988) afirma que, na mulher, o amor tem um papel fundante, diferente do papel do amor para o homem. Para o homem, apaixonar-se é visto como perda de poder. Seu truque, para tentar compensar sua falta, será concentrarse na sua potência sexual, focar no que pensa ter em excesso. Ele separa desejo e amor. Deseja todas as mulheres, protegendo-se outra vez da castração13 e transformando a 13 De acordo com Maria Rita Kehl (1988), inicialmente, na relação com a mãe, a criança se sente completa, porque a mãe supre todas as suas necessidades. A entrada de terceiros nessa relação (inicialmente o pai, depois outras pessoas) informa à criança que o Ego Ideal (ego do desejo materno) é uma construção impossível. Mãe e criança são castradas e não se completam mesmo que, num primeiro momento, tenha parecido que sim. Essa dupla narcísica é separada, o que é visto de imediato como uma ameaça pela criança. No entanto, diante de sua carência, ela substitui a identificação com o desejo da mãe por vários outros traços identificatórios com outras pessoas. Nesse momento, abre-se a possibilidade para a construção do Ideal de Ego. Deixar de ser objeto absoluto do desejo materno leva à própria castração, mas, por outro lado, essa é a primeira oportunidade de individuação. Quando a criança percebe que o pai mulher num objeto a serviço do falo. A mulher espera pela cura através do amor, mas reprime o desejo. Ela dá novo valor ao seu corpo quando nega qualquer necessidade de contato ou de preenchimento. Para Kehl (1988, p. 419), “a defesa do homem é desejar sem amor, a da mulher é amar sem desejar: continua sendo espantoso que nos encontremos”. É por isso que, em meio a tantas diferenças, o desencontro se torna inevitável no conto de Marina Colasanti. A mulher, diante da solicitação do seu amado, da “Prova de Amor” que ele lhe pede, entrega para esse homem uma estranha. Como não reconhece nela a mulher de antes, ele a deixa. O amor acabou? Ou não era amor o que realmente sentiam? 1.3 “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”: sobre o desejo Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, Marina Colasanti narra uma outra história de amor. O homem, desejando por um fim em sua solidão, providenciou para si uma companheira. Comprou cera, corantes, aprendeu a técnica necessária e “começou a moldar aquela que preencheria seus desejos” (COLASANTI, 1986, p. 35). Quando estava pronta, percebeu que, com sua “suavidade opalinada, rósea palidez que aqui e ali parecia atenuar-se num rubor” (Ibid., p. 35), ela não era semelhante a não corresponde à sua fantasia fálica, ela começa a observar a castração como algo da condição humana e a entender que o falo (significante da falta, que revela ao sujeito sua incompletude) é uma conquista relativa. A criança percebe que não pertence a ninguém e que toda qualidade humana pode ser investida de valor fálico, porque “o falo se perde e se conquista” (KEHL, 1988, p. 416). Há duas modalidades de castração: enquanto o menino passa pelo falo materno, pela castração, pela renúncia ao desejo da mãe e pela identificação com o pai, a menina passa por tudo e depois tem que refazer o caminho. Ela se sente duplamente traída pela mãe, porque é sua companheira de castração e porque vai ter que competir com ela pelo amor do pai. A menina busca compensar a castração tentando resgatar a felicidade infantil quando era uma só com mãe, procurando agora o amor do pai (depois através de um outro amor, o “príncipe encantado” talvez). nenhuma outra mulher que conhecera. Amou-a perdidamente. Depois de um tempo, o tédio se infiltrou na vida dos dois. “Começava ele a cansar-se de tanta docilidade. Começava ela a empoeirar-se, turvando em manchas acinzentadas os tons antes translúcidos” (Ibid., p.36). Numa noite, quando a luz faltou exatamente no momento em que ele se deliciava com a leitura de um livro, hesitou um pouco, mas levantou-se, procurou o isqueiro e “inflamou a trança da mulher, iluminando o aposento. Arrastou-a então para mais perto de si, refastelou-se na poltrona. E, sereno, começou a ler à luz do seu passado amor, que queimava lentamente.” (Ibid., p. 36). O amor que cuidadosamente ele moldara no formato do seu desejo, de repente se esfuma. Talvez ele tenha moldado exatamente o tamanho de sua fantasia. Ele mesmo se surpreende com sua criação, “com a beleza que quase inconscientemente lhe havia transmitido” (COLASANTI, 1986, p. 36). Juan-David Nasio (1997, p. 38) ajuda-nos a melhor entender esse comportamento, quando discorre sobre o processo de amor e sobre a função da fantasia em nosso psiquismo. Para esse teórico, quando conhecemos alguém que desperta nosso desejo, nos apegamos a ela até incorporá-la, fazendo dela uma parte de nós mesmos. A essa imagem do outro em nós agregamos uma série de outras imagens carregadas dos mais variados sentimentos (amor, ódio, etc.). Então, fixamos inconscientemente essa imagem do amado eleito “através de uma multidão de representações simbólicas, cada uma delas ligada a um aspecto seu que nos marcou” (NASIO, 1997, p. 39). Essa fantasia que construímos do ser amado significa que ele deixou de ser uma instância puramente exterior para ser também parte de nós mesmos. Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, no molde perfeito que o homem criou, aquela “era uma dama de nobre silêncio. E só tinha olhos para ele” (COLASANTI, 1986, p. 35). Mais uma vez, o silêncio exclui o mundo feminino e marca a figura passiva da mulher, travando seus sonhos e desejos. Vemos o quanto o seu olhar estava aprisionado ao do seu amado, assim como seu desejo. Feita de cera, ela era inanimada, não tinha voz, nem vontade própria. Era ele quem imprimia nela o formato desejado: “O calor dos seus abraços tornando aquele corpo ainda mais macio, conferia-lhe uma maleabilidade em que todo toque se imprimia, formando e deformando a amada no fluxo do seu prazer” (Ibid., p.36). Isso nos remete aos contos analisados anteriormente “Entre as Folhas do Verde O” e “Prova de Amor”. Os personagens femininos dos três contos passam por transformações direcionadas pelos personagens masculinos. Eles formam e deformam suas amadas à luz de seus desejos. Elas, por sua vez, demonstram uma certa passividade nessa relação, embora os caminhos percorridos por cada uma tenham sido únicos. No conto “Entre as Folhas de Verde O”, inicialmente a corça-mulher se deixa capturar pelo príncipe, permitindo que ele a aprisione, mas, no final, ela acaba fugindo do palácio por não suportar ser uma mulher que não desejava ser. Em “Prova de Amor”, a mulher, ao apresentar ao seu amado a barba que fiara somente para agradá-lo, é abandonada pelo homem que não a reconhece mais. Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, a mulher, tão maleável aos desejos do amado, é consumida pelo fogo de um amor que já tinha chegado ao fim, mergulhado no tédio e na indiferença. Esse amor parece fenecer talvez pela fragilidade dos laços que unem os amantes. É uma relação que nos faz lembrar os relacionamentos “virtuais” da contemporaneidade. De acordo com Bauman (2004), em Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos, esses são relacionamentos que aparecem e desaparecem numa velocidade cada vez maior. Cada relação promete ser a melhor, a mais satisfatória, a mais completa, mas acaba sendo diluída e fracassada. Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, a mulher moldada por aquele homem parece ser a mais bela e fonte inesgotável de prazer, no entanto, com o passar do tempo, a “rósea palidez que aqui e ali parecia atenuar-se num rubor” (COLASANTI, 1986, p. 35) começa a acumular poeira e a ganhar “manchas acinzentadas” (Ibid., p.36). O tédio se apodera da vida do casal. O desejo se consome em si mesmo, porque nunca se satisfaz. O amante deseja sempre mais de seu amado, por isso está sempre insatisfeito. A compreensão dessa constante insatisfação, desse vazio incessante, podemos buscar em Nasio (1997, p. 35), quando esclarece que “o trajeto do desejo não descreve pois uma linha reta orientada para o horizonte, mas uma espiral girando em torno de um vazio central, que atrai e anima o movimento circular do desejo”. O ser amado nunca nos satisfaz completamente, há sempre uma falta. Mas essa é exatamente a sua função. Ele nos insatisfaz porque mobiliza nosso desejo, mas não pode e não quer nos satisfazer por inteiro. “Ele sabe me excitar, me proporcionar um gozo parcial e, por isso mesmo, me deixar insatisfeito. Assim, ele garante essa insatisfação que me é necessária para viver e recentrar meu desejo” (Ibid., p. 36). Para Nasio (1997), o ser amado é aquele que nos faz acreditar que ele pode levar a excitação ao ponto máximo. Ele nos excita e nos desaponta. “Nosso amado é nossa carência” (Ibid., p. 59). Tanto no conto “Prova de Amor”, como em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, podemos observar essas nuances do ser amado. O homem não fica satisfeito diante do desejo atendido e da barba apresentada com tanto orgulho, em “Prova de Amor”, assim como toda a maleabilidade e toda a beleza que inicialmente aquela mulher possuía já não eram mais suficientes para o homem, em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”. Há uma ilusão de completude, de que o ser amado pode suprir nossa falta, nossa carência. Isso novamente nos remete ao Banquete, de Platão (1962), à ideia do amor como uma busca de unidade. E enquanto for essa a busca do amante, ele continuará a se desencontrar do amor, porquanto se sustenta numa suposta e ilusória completude. Ana Lila Lejarraga (2002, p. 101) acrescenta que a paixão pode encontrar diferentes destinos: [...] transformar-se em gozo perverso, construir um laço de amor ou dissolver-se. Desse modo, o sujeito apaixonado pode preferir a morte a renunciar a sua fantasia de uma completude sem falhas ou pode transformar a impossível fusão na instrumentalização do outro no seu gozo perverso. A paixão pode se transformar em amor, mas não é necessariamente o que acontece. Quando a paixão não é correspondida ou quando os obstáculos externos são muito grandes, o sentimento se dilui ou predominam as potencialidades destrutivas em detrimento dos destinos amorosos, adverte Lejarraga (2002). No conto “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, observamos que a paixão acaba se diluindo e desencontra-se do amor. Talvez para o homem tenha sido muito difícil renunciar à fantasia da mulher perfeita. E diante das falhas no modelo feminino criado, ele sente sua paixão fenecer. Da mesma forma, dilui-se o amor do homem pela mulher, em “Prova de Amor”, quando ele não consegue mais reconhecê-la de barba. Transformada, ela não é capaz de refletir os desejos de seu amado, portanto, não pode ser mais objeto de amor para ele. Outras vezes, como em “Entre as Folhas do Verde O”, os obstáculos entre os amantes se tornam intransponíveis e a paixão se transforma em desencontro. Pertencentes a mundos tão diferentes, corça e príncipe não conseguem estabelecer um ponto de encontro para o amor que sentem. Mesmo (re)vivenciando tantos desencontros, os amantes se buscam e buscam o amor. Maria Rita Kehl (1988) avança nessa discussão e comenta que homens e mulheres, entre encontros e desencontros, procuram um no outro o que falta em si mesmos, mas sempre temem ver a extensão dessa falta. Eles temem e buscam o contato. “Se temem o contato é porque de alguma forma o amor fere. Se mesmo assim continuam buscando contato é que o amor também cura” (KEHL, 1988, p. 420). 1.4 “A Mulher Ramada”: o reconhecimento do outro E é buscando o contato de um amor que cure a dor de sua solidão que um jardineiro planta para si uma “Rosamulher” (COLASANTI, 1982, p. 24). Em “A Mulher Ramada”, Marina Colasanti narra a história de um jardineiro que cultiva seu amor. Duas mudas de rosa plantadas, aos poucos, vão dando formato a uma mulher. O jardineiro esperou pacientemente a brotação e “durante meses trabalhou conduzindo os ramos de forma a preencher o desenho que só ele sabia, podando os espigões teimosos que escapavam à harmonia exigida” (Ibid., p. 24). Depois de pronta, era para ela que o jardineiro direcionava seu olhar sempre que levantava a cabeça do trabalho. Com o passar das estações, chegou a primavera. Todos os arbustos ficaram recobertos de flores, menos “Rosamulher” que “obedecia ao esforço de seu jardineiro que, temendo que viesse a floração a romper tanta beleza, cortava rente todos os botões. De tanto contrariar a primavera, adoeceu porém o jardineiro” (Ibid., p. 26). Passaram muitos dias até que ele pudesse ver novamente sua amada. Quando voltou ao jardim, “Rosamulher” tinha florescido. Havia uma rosa entre seus olhos e outra despontava no seio. A expressão da mulher tinha se modificado, mas o amor do jardineiro permanecia o mesmo. Florida, a mulher estava ainda mais bela e o amado soube que não teria mais coragem de podá-la. Então, ele a abraçou e esperou. “E sentindo sua espera, a mulher- rosa começou a brotar, lançando galhos, abrindo folhas, envolvendo-o em botões, casulo de flores e perfumes” (Ibid., p. 28), num estreito abraço de amor. “Rosamulher” brota a partir do desejo de seu jardineiro. Assim como a mulher de “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, há aqui uma fantasia projetada. Nasio (1997) comenta que, no processo de amor, nós “recobrimos” nosso amado fazendo dele uma parte de nós mesmos, como faz a hera que recobre a pedra. E feito hera que cresce sobre a pedra, cresce também a “Rosamulher” e, junto com ela, a fantasia do jardineiro. Ele tenta desenhar a mulher perfeita, conduzindo os ramos, podando-os cuidadosa e amorosamente para que “Rosamulher” tenha o formato exato de seu desejo. Quando esse desenho fica pronto, o jardineiro só tem olhos para ela. Ana Lila Lejarraga (2002, p. 58), comentando a obra Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen, de Freud (1907[1906]), ressalta que o “apaixonamento é a concentração de pensamentos numa imagem, a atração que exerce um objeto ou imagem na atividade de fantasiar e pensar”. Assim, estar apaixonado é inevitavelmente fantasiar com a imagem de alguém e essa atração acontece por “impressões infantis recalcadas” (Ibid., p.58). Assim parece suceder com o jardineiro, que fantasia a mulher perfeita na imagem de “Rosamulher”. Freud (1920) afirma que as paixões se originam de duas grandes vertentes: as pulsões de vida (Eros) e as pulsões de mortes (Thanatos). As pulsões de vida mantêm a sobrevivência do indivíduo, por isso, buscam o sono, o alimento, a excreção do que é tóxico ao organismo. Nessas pulsões estão inclusas também as pulsões eróticas. Numa releitura de Freud, Maria Rita Kehl (2009, p. 543) assinala que “enquanto o vetor erótico impulsiona a vida humana ao contato, ao embate com o outro e com a realidade (...), o outro vetor da trama pulsional impele o ser humano ao repouso, à entropia”. São as pulsões de morte que desejam abolir as tensões. É o organismo tentando retornar ao inorgânico. A representação inconsciente mais próxima que temos do repouso absoluto é a vida intrauterina, quando estamos em fusão perfeita com o corpo materno e quando não desejamos nada porque todas as nossas necessidades estão sendo supridas pelo corpo da mãe. Por isso, a busca do sujeito pelo repouso é também a busca do contato, da fusão com o outro. Maria Rita Kehl (2009, p. 544) reforça que “Eros e Thanatos no limite buscam a mesma coisa – o retorno a um estado anterior, prazeroso”. O que move a vida é a tensão constante entre os dois. O desejo quer o repouso, quer nos levar à fusão completa com o ser amado. Mas a realidade, conforme enfatiza Kehl (2009), nos obriga a barganhar com o desejo (que não pode voltar ao absoluto) em troca de uma série de satisfações não absolutas que podemos ter ao longo da vida. É o princípio da realidade (que nos diz que não podemos ser um só com o outro), aliado ao princípio do prazer, que “nos ensina os caminhos para a vida e para o amor em troca do abandono do narcisismo primário14” (KEHL, 2009, p. 546). No conto “A Mulher Ramada”, é o princípio de realidade (que chega talvez com o adoecimento do jardineiro e seu afastamento do jardim) que revela ao jardineiro que “Rosamulher” não forma um “todo indissociável” com ele (Ibid., p. 550). Quando ele retorna ao jardim, percebe que a mulher não é uma extensão dele simplesmente; ela tem formas próprias. Aliando o princípio da realidade e o princípio do prazer, o jardineiro abre espaço para o encontro amoroso. Desfeitas as fantasias, sofrendo as primeiras desilusões é que o amor se faz possível. O outro não pode dar tudo, nem pode receber tudo de seu amado. Haverá sempre uma falta, que é constituinte do ser humano. Mas se os amantes conseguem suportar essa “desilusão fundamental de não formar um todo indissociável com o objeto de seu amor” (Ibid., p. 550), se conseguem se movimentar dentro dessa realidade, o 14 Segundo o Vocabulário da Psicanálise, de Laplanche e Pontalis (1992, p. 290), “o narcisismo primário designa um estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma”. A criança toma a si mesma como objeto de amor até que possa escolher objetos exteriores. sentimento de amor pode se instaurar. Permitindo que “Rosamulher” floresça, que a primavera possa nela se instalar, o jardineiro permite também que o amor se faça presente. Ele percebe que não seria mais capaz de podá-la apenas para atender ao seu desejo, para mantê-la presa na fantasia que tinha criado. E libertando-se dessa ilusão de completude, o jardineiro se entrega ao sentimento de amor. Quando “Rosamulher” foge ao desenho idealizado pelo jardineiro, ela se revela mais bela do que nunca. Longe da tesoura do amado que a podava constantemente, ela floresce e sua primavera enfim chega. Antes seguindo os caminhos que a mão do jardineiro lhe oferecia, agora a mulher pode seguir o curso de sua própria natureza. Diferente de “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, que apresenta uma mulher feita de cera e corantes, sem vida, esse conto de Colasanti mostra uma mulher com raízes, ramos, folhas e flores, cheia de vitalidade, e que, por isso mesmo, ganha forma própria, desabrochada. “Nunca Rosamulher fora tão rosa” (COLASANTI, 1982, p. 26). Diante da nova e bela mulher revelada, o jardineiro se rende. Ele se desliga das fantasias iniciais, do desenho da mulher perfeita (que de fato não existe) e se entrega à “mulher-rosa” (Ibid., p. 28), florida. Não há como brigar com a natureza. O jardineiro adoece nesse confronto com a primavera. E a natureza se impõe, absoluta. “Rosamulher” se revela por inteiro, com uma beleza e um formato que são somente seus. Da mesma forma, no conto “Entre as Folhas do Verde O”, o príncipe perde a “batalha” contra a natureza. Tentando aprisionar a corça-mulher num corpo de mulher que não era seu, ela acaba retornando à floresta e à forma de animal, buscando sua natureza primeira. E é (in)vestida dessa natureza que ela se apazigua e pode retornar ao palácio para, quem sabe, apenas saborear esse amor perdido. Quando o jardineiro reconhece sua amada exatamente como ela é, quando não exige mais que ela siga o formato do seu desejo, o encontro de amor se torna possível. “Perdida estava a perfeição do rosto, perdida a expressão do olhar” (COLASANTI, 1982, p. 26), porque “Rosamulher” ganhou rosto próprio, encontrou sua própria expressão. Mas do amor do jardineiro “nada se perdia” (Ibid., p. 26), porque ele reconheceu a beleza da mulher e percebeu que não conseguiria mais podá-la. A primavera inicia uma nova etapa para os amantes. Ela anuncia o encontro que se aproxima. A primavera desabrocha a “Rosamulher” e o amor que pode enfim ser compartilhado. Nesse momento em que o jardineiro reconhece “A Mulher Ramada” tal como ela é, ele abre mão da fantasia, da vida em plenitude com o outro, da “ilusão de uma felicidade sem falhas e sem tempo”, como pontua Lejarraga (2002, p. 100). Em Paixão e ternura: um estudo sobre a noção de amor na obra freudiana, a autora diferencia paixão e amor. Ela enfatiza que, quando perdemos o objeto de nossa paixão, sentimos como se não houvesse substituição possível para ele e ficamos completamente desolados. “A paixão oscila, desse modo, entre o tudo e o nada, o êxtase amoroso ou a catástrofe” (Ibid., p. 100). O amor, sem a paixão, permite-nos, segundo a autora, aceitar as restrições da realidade e reconhecer o outro como um sujeito único e autônomo, “o que implica riscos de frustração e dependência” (Ibid., p. 101). Dentro dessa perspectiva, podemos refletir sobre o movimento do jardineiro do conto de Colasanti. Talvez ele tenha conseguido transformar sua paixão em amor, quando deixa “Rosamulher” florescer, reconhecendo-a como um ser singular, ainda que isso signifique frustrar-se mais adiante ou tornar-se dependente dela. Lejarraga (2002, p. 101) acrescenta ainda outros pontos de diferenciação entre apaixonamento e amor: O amor, ao se submeter ao regime do ideal do eu, mitiga a aspiração narcísica, criando outras fontes de prazer e projetando a felicidade num futuro promissor. Tanto a paixão como o amor se apresentam como uma promessa de felicidade, mas enquanto no apaixonamento correspondido essa plenitude é vivida imaginariamente, numa ilusão de completude [...], no amor correspondido essa plenitude é lançada num tempo futuro, e condicionada e mediatizada por outros prazeres e objetos heterogêneos do laço amoroso. O amor é longamente construído e permite que os amantes tenham vida e vontade próprias. Lejarraga (2002) entende o amor como o reconhecimento da singularidade e da autonomia do objeto amado. O laço amoroso é um elo entre dois seres diferentes e não um nó que aprisiona os amantes numa ilusão de completude. Acreditamos que o jardineiro conseguiu construir esse elo e iniciar uma relação de amor com “A Mulher Ramada”. Abrindo mão do desenho da mulher perfeita, percebendo que ela estava mais bela agora, florida, do que quando estava sendo moldada por suas mãos, o homem simplesmente se entrega. “Então docemente a abraçou descansando a cabeça no seu ombro. E esperou” (COLASANTI, 1982, p. 28). Ele espera uma resposta da “Rosamulher”, espera que ela entenda que ele agora está pronto para amá-la, sem tesoura para moldá-la de acordo com seu desejo. E então, “sentindo sua espera, a mulher-rosa começou a brotar, lançando galhos, abrindo folhas, envolvendo-o em botões, casulo de flores e perfumes” (Ibid., p. 28). A mulher finalmente envolve o jardineiro num abraço amoroso. Marina Colasanti, nesse conto, já nos traz para a possibilidade de encontro no amor. E, seguindo esse caminho tomado pela autora, abordaremos mais três contos no capítulo seguinte. 2 AS POSSIBILIDADES DE ENCONTRO NOS CAMINHOS DO AMOR Entre encontros ou desencontros, Marina Colasanti nos convida a percorrer os caminhos do amor em seus contos. Como vimos, o amor pode conduzir também à separação, à ruptura do laço afetivo. As paixões, como lembra Maria Rita Kehl (2009), podem ter diferentes destinos. A autora afirma que: entre as aspirações de satisfação total das pulsões e a satisfação parcial que a vida nos permite, há um excedente de energia que não obtém descarga – um excedente de excitação que não se aquieta porque não encontra o que o satisfaça plenamente (Ibid., p. 550). Kehl (2009) esclarece que esse excesso de energia que constitui as paixões pode seguir caminhos diferentes. Ela pode ser reprimida, sem deixar traços; mas se o processo não for bem sucedido, pode deixar sintomas, que são tentativas do psiquismo de trazer à luz da consciência o que está sendo mantido forçosamente no inconsciente. A repressão é sempre um mecanismo insuficiente para dar conta de toda essa energia passional. Outro caminho possível, similar à repressão, é “o desvio do objeto, em que a ideia que representa o afeto não é abolida mas dirige-se a um objeto socialmente permitido – ou possível – em troca do objeto interditado” (Ibid., p. 551). Uma terceira possibilidade é transformar a paixão em seu contrário: “transforma-se ódio em amor, amor proibido em repulsa, desejo sexual perverso em nojo” (Ibid., p. 552). Por fim, existe o caminho da sublimação, mecanismo que pode produzir os melhores subprodutos das paixões. É possível transformar “o estado de concretude das paixões – que querem possuir, fundir, devorar, matar, aniquilar... – [...] numa outra expressão, mais leve que o ar, que é a expressão simbólica desses mesmos desejos” (Ibid., p. 552). Para isso, uma parte dos desejos – aquela que está compatível com o princípio de realidade – precisa estar satisfeita e isso significa que uma renúncia verdadeira precisa ter acontecido. Essa renúncia vem do contato que fazemos com o desejo e do reconhecimento de que ele não pode mesmo se satisfazer plenamente. “É só no simbólico, a partir da renúncia do domínio concreto do princípio do prazer, que eu ‘posso tudo’, posso viver de uma forma compatível com o pacto mínimo de renúncias que a cultura me exige” (Ibid., p. 553). No nível simbólico, “podemos tudo”, mas, no nível concreto (do princípio de realidade), para que o caminho do amor seja possível, precisamos nos dar conta de que nada, nem mesmo o ser amado, pode nos satisfazer totalmente. Cientes de nossa falta, de nossa incompletude, avançamos um pouco mais nesse labirinto amoroso, questionando se o encontro de amor é mesmo possível. Como esse encontro acontece nos contos de Marina Colasanti? Como ela constrói esse elo entre os amantes? Como ela compreende a ideia do amor? 2.1 “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”: sobre a sedução feminina Marina Colasanti abre caminho para o encontro amoroso. Depois de tantos desencontros, de amores que não se concretizam ou que acabam simplesmente, de casais que não conseguem conciliar desejos diferentes, Colasanti nos apresenta, em outros contos, possibilidades para encontrar o amor. E assim alcançamos outro corredor desse imenso labirinto amoroso. Corredor feito de hera e rosas que se abre para o abraço dos amantes. E é por esse corredor que começamos a caminhar agora. Vemos então, em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, uma moça que percorre o labirinto desafiando seus pretendentes. Doze reis postados em nichos de azulejos azuis aguardam para casar com ela, diz-lhe o pai, quando chegar a hora. Mas essa “hora” é a moça que determina. Um dia, seu desejo desperta e ela diz “Este ano, meu pai, sem falta vou casar” (COLASANTI, 1982, p. 82). Para fazer sua escolha entre tantos pretendentes, ela impõe provas a todos os reis quando descem de seus nichos. “Caso com aquele que souber me alcançar” (Ibid., p. 83), ela grita para o primeiro e corre para o labirinto. “Caso com aquele que seguir meu rastro” (Ibid., p. 83), desafia o segundo. E ambos fracassam nessa caçada, assim como os quatro subsequentes. Ao sétimo, ela atira “caso com aquele que cortar meu caminho” (Ibid., p. 84). E este também não obtém sucesso, assim como o oitavo e o nono. “Caso com aquele que caçar a minha fuga” (Ibid., p. 85), provoca o décimo. E assim o próximo depois dele também fracassa. Por fim, ela diz ao último rei “com o homem que desvendar meu labirinto, só com esse eu casarei” (Ibid., p. 85). Mas esse rei não a persegue pelos corredores. Com a força de sua espada, “corta e desbasta” (Ibid., p. 85), desfazendo o labirinto, até que só restam “folhas espalhadas. E a moça. Que livre no gramado lhe sorri” (Ibid., p. 86). Em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, Marina Colasanti nos apresenta um jogo de sedução que se move no labirinto do vento. A moça desafia seus pretendentes. Os onze reis (exceto o último) entram nesse jogo enganoso e não conseguem alcançar o seu desejo. A moça os provoca e ri do fracasso de cada um. Zomba daqueles que se perdem pelos corredores. Eles não conseguem desvendá-lo, porque esse é um jogo enganador e dissimulado. Eles ficam perdidos e presos na teia da sedução da moça. Por isso, Maria Rita Kehl (1988, p. 411) frisa que a sedução é uma “caçada silenciosa entre dois olhares; captura numa rede perigosa de palavras”. A moça “desafia”, “grita”, “provoca”, dizendo que casa com aquele que a “alcançar” ou que “seguir seu rastro” ou que “cortar seu caminho” ou que “caçar sua fuga”. A moça os captura numa rede de palavras e de olhares, leva-os a percorrer seu labirinto de sedução. E eles se perdem, não encontram a moça e voltam a ser reis de mármore porque não conseguem desfazer seu jogo enganador. Maria Rita Kehl (1988), quando discorre sobre o jogo de sedução, esclarece que toda menina aprende com sua mãe (sua “rival”, aquela que lhe evidencia a castração) os “truques” da feminilidade. Para proteger seu narcisismo, para se proteger do desprezo, a mulher “derruba o antigo ídolo fálico do pedestal para desdenhá-lo, suplicante a seus pés” (KEHL, 1988, p. 419), como a moça do conto de Colasanti faz com os reis que descem dos nichos. Eles ficam aos seus pés, correm e perseguem a moça, mas fracassam em sua busca. A moça, por outro lado, sacrifica seu desejo de casar, porque, nesse jogo de sedução, para proteger a si mesma do desprezo, ela não escolhe nem se deixa ser escolhida por nenhum dos onze reis. Seu próprio prazer acaba sendo sacrificado porque não há espaço para um encontro amoroso nesse jogo. Seduzir para o amor e seduzir pura e simplesmente são movimentos diferentes. Segundo Kehl (1988, p. 420), a sedução para o amor é uma promessa que se pretende cumprir, porque “o amoroso quer se dar”, já a sedução por si mesma é destinada à frustração. A moça do conto em questão inicialmente faz um movimento de seduzir por si só e talvez por isso todas as tentativas dos onze reis tenham sido fracassadas. Apenas ao último rei, ela pede que lhe desvende o labirinto e procura seu olhar. Nesse momento, a moça parece fazer um movimento diferente e seduz porque também “quer se dar” para o outro. Kehl (1988) aborda o homem sedutor e a mulher sedutora e, mesmo sabendo que, no conto analisado, o que fica mais evidente é o movimento da mulher sedutora, consideramos importante descrever ambas as situações. O sedutor promete refazer o narcisismo ferido do outro, lembrando sua dor e oferecendo o paraíso. Ele diz “eu sei o que você quer [...], eu tenho o que você quer” (Ibid., p. 420). Para isso, o sedutor tem que mentir em primeiro lugar para si mesmo (depois para o outro) para se manter defendido, narcisista. O homem sedutor se protege da carência entrando na energia do desejo, mantendo fálico seu órgão sexual, concentrando-se no que ele tem “em excesso”. Pode até mesmo amar uma mulher, mas, ao mesmo tempo, deseja todas elas. A mulher seduzida, embarcando no discurso masculino, sente-se escolhida dentre muitas e, em seu imaginário, há a possibilidade de restaurar a antiga unidade com a mãe fálica, porque o sedutor lhe diz que “sabe exatamente o que ela quer”. De acordo com Kehl (1988), ele a faz acreditar que pode levá-la de volta ao lugar onde era somente uma com a mãe, onde todos os seus desejos eram satisfeitos. Assim a mulher seduzida vive entre o gozo e a angústia pela iminência da perda. Se cede ao convite do sedutor, sabe que está prestes a (re)vivenciar a perda e o abandono. Já a mulher sedutora, conforme descreve Maria Rita Kehl (1988, p. 421), “oferece ao seduzido a sua indiferença e ao mesmo tempo se recobre de todos os fetiches da feminilidade: ela é a própria (re)negação da castração”. A sedutora mente, negando que não deseja, apenas se faz desejar, que não pede nada, porque nada lhe falta. “Ela fere a pretensão fálica masculina para se oferecer sutilmente como possibilidade de cura – pois quem conseguir conquistá-la está a salvo” (Ibid., p. 421). A mulher sedutora alia seus truques à recusa de seu desejo para se manter na posição da mãe fálica no inconsciente do seduzido. Ela se mostra misteriosa e auto-suficiente, tornando-se duas vezes mais poderosa. Podemos observar esse movimento da mulher sedutora no conto de Marina Colasanti. A moça desafia e convida cada um de seus pretendentes ao labirinto, zomba daqueles que fracassam, indiferente ao sofrimento deles. Aquele que conseguir alcançá-la estará a salvo, porque a ela não parece faltar nada, ela parece auto-suficiente, poderosa e conhecedora de todos os caminhos. Se a alcançarem, os reis acreditam que encontrarão a saída daquele labirinto de sedução. Misteriosa e sedutora, a moça do conto de Colasanti lança desafios aos reis. “Indiferente” às dificuldades que os pretendentes enfrentam, ela se faz desejar. Eles a seguem pelos corredores e fracassam em sua busca, subjugados e presos na teia de sua sedução. O primeiro rei, com seus pés calçados de ferro, não consegue alcançar a moça que tão ágil percorre o labirinto. O segundo, mesmo acompanhado de seu cão, não consegue aguçar seus sentidos o suficiente para seguir o rastro da moça. A moça, mais uma vez, sorri sozinha do outro lado do labirinto. Os outros quatro reis depois deste também fracassam. O sétimo pretendente gasta todas as suas flechas e não consegue cortar o caminho da moça, porque o vento as leva para longe do seu destino. O oitavo e o nono reis também não encontram sucesso em sua busca. O décimo, quando solta o falcão que traz consigo, esperando que ele o ajude a caçar a moça, também fracassa, porque o animal é atraído pela luminosidade do céu e segue livre, enquanto o rei fica abandonado no labirinto. Por fim, onze reis entram no jogo de sedução da moça e fracassam ao serem desafiados. Será que os onze reis usam as “armas” certas para alcançar o coração da moça? Correr com calçados de ferro atrás de uma moça tão ágil não foi suficiente para o primeiro rei. Os pés da moça correm rápidos, pois conhecem o caminho do seu jogo de sedução. O segundo rei tenta seguir o rastro da moça, mas “em vão atiça o rei seus sentidos, em vão tenta ele próprio adivinhar perfumes que nunca pôde sentir” (COLASANTI, 1982, p. 83). Se seu olfato não estava apurado o suficiente para o jogo amoroso, mesmo com o auxilio de seu cão, não poderia encontrar a moça. O sétimo usa arco e flecha, mas o vento muda o rumo da flechada e não alcança a moça. Sem compreender como funcionava o labirinto, como o vento circulava pelos corredores da sedução, o sétimo rei também fracassa. O décimo utiliza seu falcão, que antes ficava preso, na escuridão do capuz. Tanto tempo longe da claridade, o falcão esquece o instinto e sua “presa” e vai em busca do azul do céu. O rei, que contava com a ajuda do animal, fica perdido no labirinto. Ele mesmo parece estar longe dos seus próprios instintos, distante do jogo amoroso. Nenhum dos reis parece usar a “arma” certa para desvendar o jogo de sedução da moça. O labirinto parece ter algo da ordem do mistério, do inacessível, do inalcançável. Os reis são atraídos para uma espécie de armadilha, porque a moça que os seduz, mas não pretende “se dar”, não abre possibilidade para o encontro. Apenas com o último rei é diferente, inclusive no desafio que lhe é lançado. “Com o homem que desvendar meu labirinto, só com esse eu casarei – diz ela procurando-lhe o olhar” (COLASANTI, 1982, p. 85, grifo nosso). Na procura do olhar do outro, talvez a moça tenha deixado transparecer seu desejo. E é esse pretendente quem desvenda seu labirinto de sedução. O próprio labirinto aqui ganha outros significados. A moça percorre o labirinto como se estivesse também se preparando para um rito de passagem; uma moça que se prepara para se tornar mulher. Talvez por isso a espada seja o elemento mais adequado para esse momento de iniciação. A espada aqui é também um elemento fálico15 (um significante do desejo inconsciente) que introduz a moça na vida adulta, que a transforma numa mulher, pronta para casar ou para qualquer outro destino. Com sua espada, o rei desfaz o labirinto da moça, desvendando seu jogo 15 A espada, nesse conto de Colasanti, possui uma representação fálica, remetendo-nos ao órgão sexual masculino. Vale a pena, então, esclarecer porque o pênis se constitui o órgão fálico por excelência. Maria Rita Kehl (2008, p. 190, grifo da autora) explica que, num determinado momento, a criança descobre que o corpo de sua mãe não é dotado de um pênis, sendo assim, ela faz do pênis do pai “o falo número um da série das representações imaginárias”. Por isso também, sempre está em presença do falo, a criança relembra sua falta, tanto meninos quanto meninas. A espada do décimo segundo rei do conto em questão talvez relembre à princesa o que lhe falta e reconecte-a com seu desejo – não exatamente o desejo de casar, mas de tornar-se mulher, libertar-se daquele labirinto, que de certa forma a aprisiona, e seguir para a vida. de sedução, que parece até mesmo infantil para a mulher que ela agora se tornava. Diante das folhas espalhadas do labirinto desfeito, a “nova” moça – a mulher – livre, não zomba do rei, ela apenas lhe sorri. Ela enfim cede a um homem que a encontra sem entrar em seu jogo de sedução. A moça passa por uma transformação no conto. Quando o décimo segundo rei desbasta o labirinto, adentra a intimidade da moça, desvenda seu jogo de sedução. Ou seja, o rei não entra, como os demais pretendentes, em seu jogo enganosamente construído para ser seduzida. Talvez aí resida a complexidade da relação amorosa, do “ser mulher”, que se prefigura nesse jogo de dissimulações e engodos que recobrem o desejo da mulher. A moça do conto, ao ser tocada nesse ponto, antes inacessível, pela espada do rei, se desarma e se abre a um possível encontro. Ao cortar e adentrar o labirinto, é assegurado a esse homem fazer um corte numa etapa na vida (na própria sexualidade) da moça. É como se ela se revelasse mulher nesse momento, pronta para o encontro, pronta para o amor. Quando o labirinto se desfaz, abre caminho para o encontro dos amantes. É no amor que a moça, agora mulher, vai tentar refazer seu narcisismo. Esse processo que começa para a moça quando o conto acaba é o mesmo que toda mulher também vivencia. Kehl (1988) frisa que essa é uma tarefa muito difícil, porque é exatamente no amor onde sua falta fica mais evidente. No amor, a mulher vai parecer sempre mais exigente do que o homem, porque ela parece esperar sempre mais, espera recuperar seu falo nessa relação de amor. Maria Rita Kehl (2009) acrescenta que quando a paixão sofre suas primeiras desilusões, desfazendo o labirinto das fantasias iniciais, é que o encontro se torna possível. Em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, o jogo de sedução, de aproximação e esquiva se desfaz para dar lugar aos olhares que finalmente se encontram, ao sentimento amoroso que pode se instaurar, ao lugar de mulher que a moça de fato assume diante do homem que desvendou seu desejo. No encontro entre a moça e o último rei entrevê-se uma cena de intimidade entre os amantes, quando ela se permite olhar e é olhada. A moça procura o olhar do rei no momento em que o desafia, convidando a desvendar seu labirinto, o rei, por sua vez, desfaz, com a força de sua espada, os corredores que os separam. Desfeito o impasse que havia entre eles, dá-se o encontro amoroso. Marina Colasanti (1980, p. 125) comenta que partilhar “é fazer dos próprios sentimentos uma área livremente transitável. E isso só se consegue com intimidade”. E a intimidade começa no desejo de conhecer o outro e permitir-se conhecer por ele. Com a intimidade, não há necessidade de esconder-se do outro ou fingir para ele. Essa intimidade no conto se insinua com o olhar dos amantes. Colasanti (1980, p. 126) frisa ainda que “a intimidade não é indispensável ao amor / paixão. Mas o é ao amor / vida, aquele amor que se pretende mais sólido do que apenas uma labareda, que se quer responsável”. 2.2 “Entre a Espada e a Rosa”: o mistério da feminilidade Um amor que se constrói através da convivência com o outro passa por muitos percalços também. Ora o caminho é suave e tranqüilo, ora é dúvida e incerteza diante de uma bifurcação. “Entre a Espada e a Rosa”, entre guerreiro e mulher, entre inverno e primavera, está uma princesa. É uma princesa que não quer se casar por determinação de seu pai. Angustiada, suplicou à sua mente e ao seu corpo uma solução e cansada adormeceu. E “na noite sua mente ordenou, e no escuro seu corpo ficou” (COLASANTI, 1992, p. 23) e, no dia seguinte, a “Princesa percebeu que algo estranho se passava. Com quanto medo correu ao espelho! Com quanto espanto viu cachos ruivos rodeando-lhe o queixo! Não podia acreditar, mas era verdade. Em seu rosto, uma barba havia crescido” (Ibid., p.23). Mergulhando na noite do seu inconsciente, seu corpo lhe dá uma resposta, que fratura sua identidade. Expulsa do palácio, não consegue encontrar trabalho nas primeiras aldeias que chega. Então, vende suas jóias em troca de uma couraça, uma espada, um elmo e um cavalo. Agora “não seria mais homem, nem mulher. Seria guerreiro” (Ibid., p. 25). Tornou-se guerreiro valente, servindo aos senhores dos castelos, até chegar ao castelo de um jovem rei, com quem iniciou uma forte amizade “e parecia natural, com o fluir dos dias, que suas vidas transcorressem juntas” (Ibid., p. 26). Com o tempo, ambos percebiam que um sentimento novo começava a florescer entre eles. O príncipe não conseguia entender o que sentia. Mandava chamar o guerreiro para logo em seguida arrepender-se e mandá-lo embora novamente. Vivia em tormento e não suportando mais não ver o rosto do cavaleiro que estava sempre ao seu lado, ordenou que tirasse o elmo, revelasse sua face ou teria cinco dias para deixar o palácio. A princesa-guerreiro não podia dizer ao príncipe que, de noite, em seu quarto, sozinha, suspirava pensando nele, não podia revelar o que sentia. Angustiada, mais uma vez, suplicou ao seu corpo uma solução. “E na noite sua mente ordenou, e no escuro seu corpo brotou” (Ibid., p. 27). Pela manhã, no lugar da barba havia rosas rubras rodeando-lhe o queixo. Aos poucos, as rosas foram murchando e as pétalas, caindo. No quinto dia, a princesa, com seu vestido rubro, desceu as escadarias na direção do rei, “enquanto um perfume de rosas se espalhava pelo castelo” (Ibid., p. 27). A princesa começa, de corpo e de alma, uma jornada de construção de sua própria identidade. Masculino e feminino dançam por trás da armadura do guerreiro valente. Desempenhando uma atividade tipicamente masculina, vai de castelo em castelo, de reino em reino, oferecer seus serviços. Somente quando está cavalgando sozinha pelos campos, permite-se levantar a viseira e deixar que o vento acaricie seu rosto. Somente nesse momento, a mulher por trás da armadura transparece. O elmo funciona como uma máscara, que esconde a verdadeira identidade da princesa, e a couraça é como um casulo, que a protege até estar pronta para ser mulher. Dentro desse “casulo”, a princesa desabrocha lentamente, passa por todo um processo de transformação até revelar-se mulher no final do conto. Dentro do “casulo” da couraça e protegida pelo elmo, ela trava muitas batalhas – com o auxílio de sua espada – e revelase um valente guerreiro, reconhecido por seus feitos. Sua “batalha” maior, entretanto, é desabrochar para o amor, é transformar-se em mulher. Aqui novamente podemos observar com mais força a figura do andrógino, presente também no conto “Entre as Folhas do Verde O” (na imagem da corça-mulher). Homem e mulher, masculino e feminino se abrigam na armadura e no corpo do guerreiro. Até a mulher se revelar por inteiro, o guerreiro terá que cumprir uma longa jornada. A princesa de “Entre a Espada e a Rosa” percorre os caminhos de sua feminilidade oscilando entre os dois pólos (masculino e feminino). Colasanti recria poeticamente a figura do andrógino na Princesa e, quando o amor desponta entre ela e o jovem rei, eles experimentam a tensão no enfrentamento dessa primeira impossibilidade. Esse conto revela também que a feminilidade integra esses dois elementos e que uma mulher, para ser inteira e para estar preparada para o amor, precisa entrar em harmonia com o feminino e o masculino que a habitam. É interessante retomarmos o conceito de feminilidade, revisto por Freud (1937), em Análise terminável e interminável, para melhor entendermos essa questão. A feminilidade é definida como uma característica comum tanto a mulheres quanto a homens. Para o autor, a feminilidade pode integrar masculino e feminino, tornando-se elemento constituinte da subjetividade de homens e mulheres. Maria Rita Kehl (2008, p. 183), em Deslocamentos do feminino, faz uma releitura desse discurso de Freud e considera que o autor, em sua teoria sobre a feminilidade16 e a sexualidade feminina17, “não reformulou fundamentalmente sua concepção sobre o que deveria ser uma mulher” e, dessa forma, não foi capaz de perceber que nenhuma mulher poderia “encarnar A Mulher”18. Ao final da vida, os textos de Freud sobre essa temática “oscilaram entre a decepção – a psicanálise seria incapaz de curar as mulheres, desajustadas dos ideais de feminilidade? – e a perplexidade – afinal, quem pode saber o que quer uma mulher?” (Ibid., p. 183). Por fim, Kehl (2008, p. 184, grifo da autora) considera que: A manutenção de um ponto enigmático sobre o querer feminino, a representação da mulher como o continente negro da psicanálise, seriam a meu ver recursos a que Freud recorreu para manter-se ignorante a respeito do que ele mesmo não queria saber, embora já tivesse revelado ao resto do mundo: a diferença fundamental entre homens e mulheres é tão mínima, que não há mistério sobre o ‘outro’ sexo que um cavalheiro não pudesse responder indagando a si próprio. A autora, dessa forma, coloca ainda mais próximos homens e mulheres, corroborando com a ideia de que a feminilidade é parte constituinte da subjetividade de 16 Cf. FREUD, S. Feminilidade (1933[1932]). Edição eletrônica brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, versão 2.0. 17 FREUD, S. Sexualidade feminina (1931). Edição eletrônica brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, versão 2.0. 18 Maria Rita Kehl (2008) ressalta que os ideais tradicionais da feminilidade postulados por Freud – a maternidade e o casamento – foram concebidos de acordo com as necessidades da ordem familiar burguesa da época e, no final do século XIX, eles começaram a provocar um desajuste entre as mulheres e a feminilidade, porque já se mostravam “caminhos estreitos demais para dar conta das possibilidades de identificação a outros atributos e escolhas de destino, tidos como masculinos, que começavam a se apresentar ao alcance das mulheres com a crescente circulação de informações e de contatos exogâmicos, produzidos pela modernidade” (Ibid., p. 75). É importante observar, como enfatiza Silvia Alexim Neri (2002, p. 18), que Freud foi “promotor ativo da positivação do feminino ao ouvir a fala das histéricas”. Com ele, as mulheres ganharam visibilidade, entraram na cena social e passaram a ser objeto de investigação. A psicanálise elevou o feminino para o status de cultura. Por outro lado, nesse momento, o homem ainda era o sujeito do discurso e a mulher, o objeto, por isso, na psicanálise, o feminino ainda era colocado numa posição de objeto para ser decifrado ou para ter seu mistério delineado. ambos. Como podemos perceber, no conto de Marina Colasanti, o desabrochar da feminilidade passa tanto pelo pólo masculino quanto pelo feminino. Dentro do seu “casulo” de guerreiro, além de desempenhar tarefas tipicamente masculinas, ela experimenta em seu próprio corpo o elemento da masculinidade – a barba. Somente quando consegue integrar essas duas polaridades, a barba desaparece e ela desabrocha como mulher. Até o seu desabrochar, no entanto, a princesa percorre um longo trajeto. É a jornada de uma heroína, o que implica passar por muitas provas. Inicia uma busca de algo ainda desconhecido. Não aceita as determinações do pai e é ordenada a deixar o palácio. Segue em busca de seu destino. Enfrenta dificuldades e lutas. Como não era aceita para trabalhar nem como mulher nem como homem, transforma-se em guerreiro. De batalha em batalha, o guerreiro torna-se mais forte e mais valente. Seus feitos e sua coragem se espalham. O guerreiro ganha reconhecimento. Salma Silva (2003) fala sobre a trajetória do herói ou da heroína. A ela, são impostas muitas provas. Ela precisa perder-se, passar por uma série de dificuldades para então amadurecer e encontrar o amor. Isso nos remete ao mito platônico da busca pela metade perdida, que ainda sobrevive fortemente no imaginário coletivo da sociedade ocidental. Encontrando a cura para seu vazio interior, para a falta de sentido de sua existência, a heroína amadurece. É o encontro de amor, portanto, que favorece esse crescimento, essa transformação. O jovem rei e a princesa-guerreiro, tão próximos e tão distantes, percebem que um sentimento novo começa a surgir entre eles com o passar do tempo. Para o jovem rei, esse afeto pela princesa-guerreiro lhe soa estranho e ameaçador: “devoção mais funda por aquele amigo do que a que um homem sente por um homem” (COLASANTI, 1992, p. 26). O rei, sentindo crescer dentro de si esse sentimento, ora evita ver a princesa-guerreiro, ora manda chamá-la para, em seguida, arrepender-se e pedir que se vá novamente. A princesa suspira longamente pensando no jovem rei, mas como revelar-se para ele com a barba que lhe rodeia o rosto? No encontro com seu amado, a princesa não pode se mostrar por inteiro. O jovem rei inquieta-se com o que sente pelo amigo, por isso diz que já não pode mais confiar em alguém que esconde o próprio rosto. Por fim, a princesa se vê diante de um impasse: ou o guerreiro mostra seu rosto, revelando sua verdadeira identidade ou teria que deixar o castelo. É o momento de desnudar-se, de revelar o enigma. E o corpo da mulher, que já tinha passado por tantas transformações, modifica-se novamente, desabrochando em primavera. A princesa parece estar num período de transição entre inverno e primavera. Antes, dentro do “casulo” da couraça e do elmo, a princesa parece experimentar um período de inverno, quando sua feminilidade ainda está “adormecida” ou “congelada”. Aos poucos, depois de batalhas e lutas, no contato com o jovem rei, junto com esse sentimento amoroso que nasce entre eles, a primavera vai chegando para a princesa e ela vai se transformando em mulher. Passo a passo ela vai experimentando mudanças profundas em seu corpo e sua alma até o desabrochar da sua feminilidade. O sentimento novo que surge entre a princesa e o jovem rei é responsável pela mudança no corpo e na alma da jovem. Essa identidade feminina tecida ao longo da narrativa passa por transformações e o amor é responsável por essas mudanças. É por não desejar, por exemplo, um casamento sem amor às expensas de seu desejo que seu corpo responde a isso e sofre a primeira transformação. Mais tarde, é por desejar o jovem rei que seu corpo sofre uma outra transformação. Essa é uma transformação bem diferente daquela que a mulher vivencia em “Prova de Amor”. A mulher cede ao pedido do seu amado, transforma-se em algo que não era apenas para agradá-lo; a barba que ela tece é um elemento masculino que “invade” seu corpo. Em “Entre a Espada e a Rosa”, o corpo da princesa modifica-se a partir de suas necessidades e de seus desejos, até mesmo sua barba se configura como elemento que brota em sua defesa. O amor que sente pelo rei é um elemento importante no processo de mudança, mas é por si mesma que a princesa muda. Marina Colasanti (1984, p. 116) acredita que o enigma da feminilidade está no corpo: “um corpo que menstrua, que se altera, que acompanha a lua, que gera e amamenta. Um corpo que dá prazer ao homem, mas que dá também lassidão, e no qual precisa entrar fisicamente sem ter conhecimento daquilo que abriga em seu interior”. O corpo da mulher se transforma e é sempre fonte de mistério. O homem sente desejo e pavor por esse corpo com tantos recônditos desconhecidos. E é esse corpo, que muda com as estações, que se abre finalmente para o amor, no final do conto “Entre a espada e a rosa”. Para Colasanti (1984), o encontro amoroso acena para uma transformação nos amantes, que pode ser tanto física quanto psíquica. A princesa passa por um longo processo de transformação, em seu corpo e em sua alma. E o amor acontece inesperadamente, embora possa vir acompanhado da amizade. Zygmunt Bauman (2004) afirma existir uma ilusão de que despertar o amor ou apaixonar-se é uma habilidade que pode ser aprendida ou adquirida ao longo das experiências amorosas no decorrer da vida. O conhecimento que adquirimos, com tantas experiências, é apenas o do amor “como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração” (Ibid., p. 20). O amor, quando acontece, é sempre inesperado, tem sempre algo que foge ao controle e é sempre novo, exigindo, portanto, uma nova forma de lidar com ele, como na história da princesa e do jovem rei. Inesperadamente, ao longo dos dias de convivência, das lutas partilhadas, o rei sente um sentimento crescer. Um sentimento novo que o rei ainda não sabe como lidar. Então, tentando fugir do que sentia, evitava ver o amigo. Mas logo depois mandava chamá-lo para em seguida arrepender-se e mandá-lo embora novamente. Nesse momento, tanto o jovem rei quanto a princesa ainda não sabem como lidar com o sentimento amoroso. A princesa suspira pelo rei, sozinha, em seu quarto, contudo não podia dar vazão a esse sentimento e revelar-se por inteiro porque uma barba ruiva em seu rosto ainda se apresentava como um impedimento. Era uma mulher ainda num “casulo”, tecendo-se, preparando-se para seu desabrochar. Somente à noite, trancada em seu quarto, vestia o vestido de veludo vermelho, soltava os cabelos e deixava que a mulher saísse de trás da armadura. E assim, ela suspirava por seu amado, sentindo crescer o sentimento que tinha por ele. Por esse amor novo que cresce, a princesa sofre. E, desse sofrimento, nasce a mulher. Na caminhada pela busca de si mesma e no encontro de amor, a mulher desabrocha. Sua identidade se fortalece, ganha novas tonalidades e revela-se. Octavio Paz (1994) pontua que o desejo de todos os apaixonados é o reconhecimento da pessoa amada. Aquele que ama deseja ser reconhecido pelo sentimento que devota ao outro e deseja ser amado em troca. Talvez seja o reconhecimento desejado pela princesa. Depois de lutar como um guerreiro, de conquistar seu espaço no campo de batalha e da vida, de mostrar seu valor como indivíduo, ela deseja entregar-se ao amor, amar e ser amada. O amor é tecido ao longo do conto em seus pequenos gestos. O jovem rei tinha uma preferência por aquele guerreiro, que era também um amigo fiel. Um já havia salvo a vida do outro mais de uma vez. Suas vidas transcorriam juntas com naturalidade. Eram companheiros. Nessa convivência, o amor nasce e cresce. José Luiz Furtado (2008, p. 45) acredita que “todo amor é uma história de amor”. O amor inclui uma infinidade de momentos vivenciados com o outro. Ele é uma tarefa, abarca uma série de dificuldades e requer tempo para que possa “fluir nos atos de amor que o constroem” (Ibid., p.28). O amor é gestado em “Entre a espada e a rosa” sem saber ainda que é gestado. Princesa e rei se identificam um com o outro. Marina Colasanti (1984, p. 75), comentando Melanie Klein, em seu livro Amor, ódio e reparação (publicado em 1937), frisa que essa capacidade de identificação com o outro é uma condição necessária para um sentimento de amor intenso e verdadeiro e que, dessa forma, o amor “é a capacidade de estar no lugar do outro, de saber como ele pensa, quais são os seus desejos”. Colasanti (1984, p. 78) acrescenta que “o amor é a volta ao lado de dentro”. Conhecendo o outro e deixando que ele nos conheça, introjetamos um ao outro. É preciso que avancemos um no outro com calma e confiança, pois somente assim o amor será bem gestado. É com calma e confiança que o amor entre o jovem rei e a princesa se constrói, lentamente, nos gestos de amizade e na partilha diária. Bauman (2004, p. 22) enfatiza que, em nossa cultura consumista, existe uma ilusão de que podemos construir a experiência amorosa como qualquer outra mercadoria que promete “desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultado sem esforço”. Para Bauman (2004, p. 22), “sem humildade e coragem não há amor”. Essas são características necessárias para adentrarmos esse território desconhecido. Ingressando nesse território, o jovem rei se surpreende com o que sente e, por não suportar mais ter ao seu lado um amigo que nunca mostra o rosto, o rei dá um ultimato à princesa: ou mostra seu rosto ou teria que deixar o castelo em cinco dias. Numa relação de amor (ou de amizade), é preciso desnudar-se, retirar a máscara e revelar-se para o outro. Somente quando o outro se mostra como é, sem subterfúgios, é que o encontro de amor se torna possível. Milan (1985, p. 20) enfatiza que “o amor não suporta a dúvida – a crença lhe é fundamental”. Quem ama, acredita no ser amado e este deve lhe passar confiança. Mas como confiar sem olhar nos olhos, sem ver o rosto de quem se ama? Por isso, a princesa do conto de Colasanti precisa mostrar sua face, desnudar-se para encontrar o rei. É preciso sair de trás da armadura para deixar aflorar o sentimento de amor. Assim como em “A Mulher Ramada”, somente quando “Rosamulher” se revela por inteiro é que os amantes podem se encontrar. Somente quando o labirinto é desfeito, em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, é que os olhares finalmente se encontram. Para que o amor seja possível, os sujeitos precisam se mostrar como são, precisam revelar sua verdadeira face. Marina Colasanti (1984), em seu livro E por falar em amor, esclarece que o amor (diferente do afeto) exige um rosto bem definido e inclui o desejo. No amor, existe um desejo por alguém específico, que tem rosto, que é insubstituível e do qual nos tornamos dependentes. É pela necessidade de ver esse rosto e, por se sentir tão vinculado à princesa, que o rei, de “Entre a Espada e a Rosa”, exige que ela se revele. Seu sentimento inclui um desejo por alguém específico – a princesa – e, para entender melhor o que sente, o jovem rei pede que o “amigo” retire a máscara que o envolve. Assim, a princesa vivencia seus últimos momentos de inverno para então tornarse primavera. Os cachos rubros de seu rosto se transformam em rosas, que, aos poucos, vão murchando e revelando a pele delicada de mulher. Essas rosas, ao se abrirem, revelam um perfume tão intenso, que a própria princesa se sentia embriagar desse aroma. É o perfume de uma mulher desabrochada, pronta para o amor. Fora do “casulo”, como uma borboleta livre para a primavera, a princesa agora é uma mulher e é esse aroma de feminilidade que ela exala. No rubro da barba, entrelaçada com o elemento masculino está o vermelho de uma feminilidade presente. Por trás do guerreiro valente, está uma mulher que se veste de vermelho e sonha com o homem amado. Para substituir a barba ruiva, rosas vermelhas nascem em seu lugar, anunciando a chegada de uma primavera feminina e amorosa. Dentro do “casulo”, ainda no período de “inverno” em que a feminilidade da princesa é gestada, o vermelho está presente tanto na barba (elemento masculino) quanto no vestido e nas rosas que depois lhe rodeiam o queixo (elemento feminino). O vermelho faz parte de todos os elementos que constituem a feminilidade da princesa. É a cor que representa sua identidade feminina, que marca sua passagem para o “ser mulher”. É o vermelho de uma mulher que desabrocha, o vermelho de um corpo que se transforma, o vermelho de um amor que nasce. Da mesma forma, desabrocham também “A Mulher Ramada” e a moça, de “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”. É um rito de passagem, um movimento de transformar-se em mulher que as três personagens femininas desses contos vivenciam. Cada uma com seu percurso particular deixa a feminilidade florescer e encontra a possibilidade de mudança e do amor, diferente da corça-mulher, de “Entre as Folhas do Verde O” e das mulheres dos contos “Prova de Amor” e “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, que são aprisionadas em formatos modelados pelo ser amado, que não leva em consideração seu real desejo. O amor é o sentimento que possibilita mudanças no conto “Entre a espada e a rosa”, impulsionando a transformação da princesa, antes aprisionada em seu próprio corpo numa mulher livre. Marina Colasanti (2004), quando comenta o conto “Sereiazinha”, de Andersen, enfatiza que, ao renunciar à sua cauda para adquirir pernas para ir em busca do amor do príncipe, a personagem está nos dizendo que, para realizar o amor é preciso abrir mão de uma parte de si e incorporar uma parte do outro. É preciso sofrer uma transformação, como a princesa do conto de Colasanti também sofreu. Para realizar o amor, seu corpo precisou de uma preparação e de uma permissão para mudar. Precisou abandonar a barba e incorporar as rosas, que aos poucos murcharam, deixando em seu lugar o perfume que anunciava a chegada da primavera, a chegada do amor. Segundo Paz (1994), os amantes não se procuram, eles se encontram. Num encontro, princesa e rei se apaixonam (mesmo sem que ele ainda saiba da verdadeira identidade dela), e constroem um amor através da convivência, do respeito mútuo e da amizade. Um amor que, superando suas dificuldades, floresce. O momento final desse encontro de amor, contudo, é apenas anunciado no conto. Fica por conta do leitor imaginar a cena em que o jovem rei finalmente encontra a princesa-mulher. “A Princesa soltou os cabelos, trajou seu vestido cor de sangue. E arrastando a cauda de veludo, desceu as escadarias que a levariam até o Rei, enquanto um perfume de rosas se espalhava no castelo” (COLASANTI, 1992, p. 27). Como o rei a recebeu? Como reagiu diante do rosto enfim revelado? Questionou a princesa pelo segredo mantido durante tanto tempo? Ou perfume de rosas simplesmente o envolveu embriagando-o de amor? O que aconteceu depois da revelação? Retirada a máscara que envolvia a relação a dois, o que resta? Kehl (2009) afirma que somente quando essas fantasias iniciais da paixão se desfazem, quando os amantes sofrem as primeiras desilusões é que o amor pode se fazer presente. Rei e princesa passam por essas fases iniciais, pelo início da paixão, pelo segredo, pela desconfiança e pela necessidade de se revelar ao ser amado. No final do conto, livre de armaduras, com uma feminilidade primaveril, a princesa vai ao encontro do amor. Um amor delicadamente construído, um amor partilhado entre lutas e vitórias, um amor que desabrocha na primavera do corpo da princesa, um amor que exala perfume de rosas porque enfim se abriu para ser vivenciado sem amarras, sem segredos, sem armaduras. 2.3 “De muito procurar”: (re) descobrindo o amor Circulando por outro corredor desse imenso labirinto amoroso, vemos um homem e uma mulher procurando por um “juízo perdido”. Ele é um homem à procura, por isso anda sempre de cabeça baixa. Encontrava pequenos tesouros, objetos que os outros deixassem cair inadvertidamente: um botão, uma conta de colar, uma fivela, um anel muito largo. Ele passava desapercebido, não era visto por ninguém, mas via longe. De repente, ele foi notado pela velha que se fazia de cega, que disse que o homem enxergava por dois. Sua fama então se espalha e a mesa de seus haveres se esvazia. Muitos procuram o homem para encontrar o que haviam perdido. “Soprava um vento quente, giravam folhas no ar, naquele fim de tarde, nem bem outono, em que a mulher veio. Não bateu à porta, encontrou-a aberta” (COLASANTI, 2005a, p. 133). Com a voz abafada, ela lhe diz que perdeu o juízo e pede sua ajuda para encontrá-lo. O olhar do homem permanece voltado para o chão. “Pela primeira vez, o homem passou a procurar alguma coisa que não sabia como fosse. E para reconhecê-la, caso desse com ela, levava consigo a mulher” (Ibid., p. 133). Então, saem os dois a farejar e procurar por esse “juízo perdido”. A mulher, entretanto, não estava acostumada a abaixar a cabeça. Seu olhar por estar voltado para o alto, perdia-se, conduzia-se por caminhos outros. O homem passou a acompanhá-la e, aos poucos, seu olhar também encontrava outros focos. Distraia-se e atraia-se por novas imagens, novos sons, novos cenários. Quanto mais procuram, mais se perdem. Quanto mais procuram, mais eles se esquecem do que estão procurando. Quanto mais procuram, mais eles encontram, mais eles descobrem. Por fim, o homem, descobrindo a primeira violeta da primavera, finalmente levanta a cabeça e, ao olhar para a mulher, percebe que ele também acabava de “perder o juízo”. Ele era um homem que andava sempre de cabeça baixa, mas não por tristeza. Era um homem atento aos pequenos detalhes, ao que os outros deixassem cair por distração. Era um homem atento, sempre à procura, não de si, mas daquilo que o outro perdia. De objetos do cotidiano: “uma moeda, uma conta de colar, um botão de madrepérola, uma chave, a fivela de um sapato, um brinco frouxo, um anel largo demais” (Ibid., p. 131). Sempre atento, via longe, qualquer objeto do “outro”, qualquer coisa tangível a seus olhos atentos. O conto “De muito procurar” nos revela uma dança de olhares. O olhar sempre baixo do homem e sempre muito atento parece olhar numa única direção, desfocada de si mesmo. Olhos sempre voltados para o chão não percebem o mundo à sua volta. Eles podiam perceber a distração dos outros, mas nunca se distraiam. Até que o homem que passava pelos outros desapercebido é notado. Sua habilidade especial para encontrar pequenos objetos perdidos é percebida pela velha que se fazia de cega. Alguém que finge que não vê, que pode também passar desapercebido, é muito atento a tudo o que acontece ao seu redor. (Re)conhecido, os olhares a partir de então se voltam para o homem. À noite, em sua casa, de apenas um cômodo, retira dos seus bolsos gordos seus pequenos tesouros e os revira sobre a mesa, “para que à luz da vela ganhasse brilho e vida. Com isso, fazia-se companhia” (COLASANTI, 2005a, p. 132). Sua fama se espalha e muitos retornam a sua casa para reaver seus objetos, assim “pouco a pouco esvaziava-se a mesa dos seus haveres” (Ibid, p.132). Seus haveres se vão e chega a mulher. A porta já estava aberta, quem sabe já a esperava. O olhar do homem esbarrou na ponta delicada do sapato, na barra da saia. E manteve-se baixo. Perdi o juízo, murmurou ela com voz abafada, por favor, me ajude. Assim, pela primeira vez, o homem passou a procurar alguma coisa que não sabia como fosse. E para reconhecê-la, caso desse com ela, levava consigo a mulher (COLASANTI, 2005a, p. 133). A mulher andava de cabeça alta, com olhos voltados para o mundo. E é o olhar da mulher que convida o homem a percorrer outros caminhos. O olhar dele, antes tão atento, começa a se distrair, fazendo novas descobertas. Não se trata mais da materialidade anterior – chaves, fivelas, moedas, botões –, mas de outra natureza, de algo que vai tocar a sua alma. É como se o homem pudesse também olhar para dentro de si mesmo, (re) descobrindo-se. Ele se distrai do mundo exterior e entra na esfera do inapreensível, do indizível. É aí que ele descobre a primeira violeta da primavera. Primeira da nova estação que começa para ele e, exatamente porque agora sua percepção sobre o mundo e sobre si mesmo está diferente, é que ele reconhece, ao encontrar o olhar da mulher, que também acabava de “perder o juízo”. Octavio Paz (1994) afirma que o amor começa com um olhar. Olhamos aquele que desejamos e ele também nos olha. E vemos tudo e nada nos olhos do outro. Isso acontece com a corça-mulher e o príncipe, em “Entre as folhas do Verde O”, que, no momento em que se olham, projetam seus desejos, mas não conseguem, de verdade, “ver” um ao outro, como realmente são. Em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, o encontro de olhares entre a princesa e o décimo segundo rei é um momento de intimidade e de reconhecimento, em que ele desvela o seu desejo, desfazendo o jogo de sedução que havia entre eles. Em “De Muito Procurar”, o encontro de olhares entre o homem e a mulher anuncia um “juízo perdido”. Será que perdemos o juízo quando encontramos o amor? Quais os caminhos que conduzem à escolha desse objeto de amor? “Taquetaque, conduziam-no os pés pequenos dia após dia. Taque-taque, crescia aquele som no coração do homem” (COLASANTI, 2005a, p. 135). O homem acompanhava o som daquela mulher e, dentro do seu coração, surgia também um sentimento diferente. Para Paz (1994), o amor é constituído por uma atração involuntária e por uma escolha. “[...] O destino e a liberdade se cruzam no amor. O território do amor é um espaço imantado pelo encontro de duas pessoas” (Ibid., p.35). O conto de Colasanti ilustra bem isso quando diz que a porta já estava aberta quando a mulher chegou. O destino se encarregou de aproximar os dois, mas eles seguem juntos, à procura do “juízo perdido”, porque escolhem fazer essa busca juntos, embora juntos não signifique aprisionados um ao outro. Cada um faz seu próprio trajeto e suas próprias descobertas, caminhando com o seu desejo ao encontro de um possível amor. É preciso, contudo, estar preparado para o amor. O homem, em “De muito procurar”, parece se preparar para esse encontro. Marina Colasanti (1984, p. 47) diz que “atraímos quando estamos prontos para receber”. O homem do conto de Colasanti percorre um longo caminho de contato com o outro, de esvaziamento de certos haveres, de ser visto e reconhecido até encontrar a mulher. Talvez, por isso, quando ela chega, a porta já está aberta. O homem parece estar à sua espera inconscientemente. “O amor se encontra quando se está aberta para ele. E nem é preciso procurar. Ele esbarra na gente (COLASANTI, 1980, p. 138)”. E é assim, de porta aberta para o amor que estava chegando, que o olhar no homem esbarrou na ponta delicada de um “juízo perdido”. Quando o homem está pronto, a mulher chega e ele inicia com ela uma nova caminhada, uma nova procura, mas não sozinho. É uma busca a dois. Diferente dos onze reis, em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, que perseguem os passos da moça no labirinto sempre fracassando em sua busca, o homem, em “De Muito Procurar”, segue o taque-taque dos saltos da mulher e, sempre que se perde, a reencontra porque está atento ao movimento da parceira de caminhada. E assim como o décimo segundo rei que desvenda o labirinto da moça, encontrando-a no final, o homem também encontra a mulher quando finalmente levanta seu olhar na direção de sua parceira. Os amantes precisaram olhar na mesma direção para se encontrarem. Ao final do conto, o homem não está mais de cabeça baixa e a mulher também abandona seu olhar sempre voltado para o alto. Para se encontrarem, homem e mulher tiveram que olhar na direção um do outro. É esse encontro de amor que oferece possibilidades de mudança. O encontro, em “De muito procurar” faz nascer essa estranha dupla que, procurando por um “juízo perdido”, visita novos espaços, novos caminhos. O encontro faz renascer o homem, que se modifica no contato com a mulher. “Aos poucos mudavam os sons, chegavam ao homem latidos, cacarejar de galinhas. O olhar que tudo sabia achar não parecia mais tão atento. [...] Os bolsos pendiam vazios. O homem distraía-se” (Ibid., p. 134). A mulher chega no conto como um elemento impulsionador de mudança. Ela vem acompanhada de um vento quente e da proximidade do outono. É como se ela trouxesse (ou fosse) a nova estação na vida do homem. É ela quem chega, como se contasse um segredo, como se revelasse algo muito importante, por isso precisa sussurrar: “perdi o juízo, murmurou ela com voz abafada, por favor, me ajude” (Ibid., p. 133). No Banquete, de Platão, é através de Diotima que Sócrates discursa sobre o amor. Ele recorre às palavras de uma mulher. É ela quem detém o conhecimento sobre o amor. Octavio Paz (1994, p. 42) acredita que Platão, nesse momento, pode ter desejado resgatar as origens, “o reino das mães, lugar de verdades primordiais”. Por isso, a profetisa Diotima é quem revela os mistérios do amor. Em “De muito procurar”, é a mulher quem também parece guardar esses mistérios. Ela tem a cabeça voltada para o alto e para o mundo. É ela quem determina os caminhos. O homem a segue. Quando ele se perde da mulher, sem levantar o olhar, procura pelo taque-taque dos saltos até encontrar novamente a ponta delicada dos sapatos e recomeçar a busca. É a mulher quem conduz o homem por caminhos diferentes. Talvez seja ela quem conduz porque, para as mulheres, de um modo geral, o amor ocupa um lugar importante em suas vidas. Ela parece conduzir (ou fazer parte de) seu caminho, muito mais do que acontece com os homens. Maria Rita Kehl (2008, p. 269) comenta que as mulheres, com freqüência, levam o amor para além dos limites do falo, porque “são portadoras de uma certa desmedida”, acreditam que a dor pode valer a pena diante de determinados prazeres. Não que a dor seja uma condição para o prazer, mas que vale a pena enfrentar os riscos da dor para sustentar o prazer que pode vir de uma relação de amor, por exemplo. Cada um à sua maneira, com olhares focados em diferentes direções, cria um caminho próprio na busca pelo “juízo perdido”. O homem desconhece os caminhos por onde ela vai e talvez ela mesma não saiba o próximo passo. Ela segue diferentes sons e cores, “ia onde pudesse ver árvores e pássaros e largos pedaços de céu, onde houvesse panos estendidos no varal” (COLASANTI, 2005a, p. 134). Tudo ao redor é mistério e descoberta para o homem. A dupla se perde e se redescobre. Esse novo caminho é construído ao longo do conto, pelo taque-taque diário entre aquela estranha dupla. O sentimento entre os dois cresce devagar e delicadamente no percurso da busca. Aquele estranho casal, perambulando aparentemente à deriva, constrói um vínculo de amor. É como se um se encaixasse no outro, como a princesa e o rei, de “Entre a Espada e a Rosa”, que constroem juntos uma relação de amizade que desperta o sentimento de amor. Esse encaixe, como sugere Nasio (1997), é feito hera que rasteja, sobe e se fixa nas reentrâncias de uma pedra. Um se apega ao outro, tornando-o seu objeto fantasiado. É nas “frestas” do outro, onde o desejo dele irradia e excita o amante (sem conseguir satisfazê-lo totalmente), que a fantasia deste se fixa e, a partir daí, a relação amorosa pode ter início. Nessa fantasia, um introjeta uma parte do outro. Além de uma pessoa real, o outro passa a ser também uma presença fantasiada e inconsciente no amante. Exatamente porque o ser amado não pode satisfazer o amante completamente é que a busca continua. A satisfação proporcionada é sempre parcial, porque a falta é o que motiva o sujeito para a vida. Talvez por isso o homem e a mulher, em “De muito procurar”, tenham permanecido na busca. Eles caminham juntos, embora cada um tenha um percurso particular. O “juízo perdido” deixou de ser o foco principal diante das descobertas que eram feitas e do que ainda havia por descobrir. A busca e a falta continuavam a mobilizar o casal e o encontro de olhares, ao final do conto, é apenas o início de uma nova “estação” para ambos. O amor que homem e mulher encontram no conto de Colasanti é despertado na convivência, tal como em “Entre a Espada e a Rosa”. O taque-taque dos saltos da mulher, ao mesmo tempo em que guia os passos do homem, é também um som que cresce no seu coração a cada dia que passam juntos. O sentimento vai crescendo e culmina com a chegada da primavera. É um novo momento para a vida do homem, é um sentimento novo que desabrocha e floresce, são novas cores e novos perfumes que se evidenciam com a chegada da nova estação (com a chegada da mulher). Antes tudo estava adormecido, por trás do olhar sempre baixo daquele homem, que buscava apenas as coisas tangíveis. Com a primavera, fase de renovação, o homem parece despertar. Essa estação é uma fase marcante também nos contos “A Mulher Ramada”, “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento” e “Entre a Espada e a Rosa”. Como num rito de passagem, as personagens femininas florescem com a chegada da nova estação. São tempos de um desabrochar, de um transformar-se que são experimentados pelas personagens nesses contos. A nova estação chega e, com ela, o encontro de olhares dos amantes, que anuncia o sentimento amoroso. Nesses olhares que enfim se encontram há um arrebatamento, um juízo que se perde no homem no exato momento em que seus olhos se fixam nos olhos daquela mulher. O casal avança um no outro lentamente até que o sentimento de amor se instale. Marina Colasanti (1984) pontua que desejamos avançar no íntimo do outro por amor e também por amor desejamos trazê-lo para nosso íntimo. Esse movimento requer tempo, porque precisamos ter certeza de que o outro do qual nos aproximamos é realmente amável e confiável, embora isso não exclua a possibilidade de desencontros e desilusões, porquanto o amor é imprevisível. Quando o homem olha para a mulher naquele início de primavera é como se enfim reconhecesse o sentimento que tem por ela. E ele reconhece também nela seu objeto de amor. A mulher é quem o conduz e o leva a também perder o juízo. Bauman (2004, p. 36) frisa que é isso que o amor faz. Ele destaca o ser amado de todos os outros e o transforma em “alguém bem definido”. O ser amado é especial, único, não há ninguém como ele. Entretanto, “transformar um outro num alguém definido significa tornar indefinido o futuro”. O futuro a dois é imprevisível. O amor parece seguir seu próprio labirinto e os amantes ficam à mercê das curvas, dos becos sem saída, das mudanças que o amor produz ao longo do percurso. É aí nos interrogamos ao final do conto: depois do olhar, o que aconteceu? Seguiram caminhos diferentes? Seguiram caminhando juntos? Viveram “felizes para sempre” acolhidos por violetas de outras tantas primaveras? Perderam o “juízo” ou o acharam? E quando chegou o inverno, como ficaram os amantes? O amor acaba por ser sempre um enigma? São tantas as possibilidades, são tantos os caminhos. Talvez, pudéssemos ficar com a provocação de Bauman (204, p.35): “Onde há dois não há certeza”. A única certeza talvez é de que o encontro é possível. Mas, depois dele, todo o resto é mistério. O homem, contudo, escolheu adentrar nesse mistério: no mistério do encontro e no mistério da mulher. Ele deixa os bolsos tão cheios de pequenos haveres e a solidão de seu quarto para andar com leveza, de bolsos vazios ao lado daquela mulher. O homem a acompanha por um estranho labirinto que começam a trilhar. É interessante perceber que cada um segue um ritmo próprio nessa caminhada. O homem anda sempre de cabeça baixa e a mulher não o força a andar de outro modo, pois foi assim que ele aprendera a andar. Assim como ela, que anda com cabeça voltada para o alto, buscando lugares onde possa ver árvores e pássaros, também não é pressionada pelo homem. Quando dela se perde, não reclama, não reage bruscamente, ele apenas busca novamente o taque-taque dos saltos. São dois indivíduos que caminham juntos e saboreiam a caminhada. Os bolsos do homem agora pendiam vazios. Eram outros os seus haveres, da ordem do imensurável: uma poça d’água, uma pegada na lama, um caracol. Ele acompanhava a mulher, mas sua caminhada era individual. As descobertas eram suas. O contato com o outro não anulava sua individualidade. Mas a partilha era necessária. Sem ela, ele não teria adentrado nesse labirinto, nem procurado algo que ele nem suspeitara existir. Sem ela, não haveria esse sentimento novo que impulsionou tantas mudanças. E o sentimento de amor nasce e cresce sem dificuldades. Lembrando da história Tristão e Isolda abordada por Rougemont (1988), permeada por dificuldades, desencontros, intrigas, dores e separações, no conto em questão não há obstáculos para o encontro amoroso entre o homem e a mulher. Marina Colasanti, em “De Muito Procurar”, apresenta uma outra imagem de encontro amoroso. Não há, no conto, impedimentos para que esse encontro aconteça, nem os amantes criam dificuldades para sua aproximação. No final, basta um olhar para anunciar a chegada do amor: “Na grama, colhida agora entre dois dedos, o homem havia encontrado a primeira violeta da primavera. E quando levantou a cabeça e endireitou o corpo para oferecê-la a ela, o homem soube que ele também acabava de perder o juízo” (COLASANTI, 2005a, p. 135). Esse homem que tanto procurava, ao seguir as pegadas de uma mulher que perdera “seu juízo”, confronta-se com outras descobertas, o que lhe permite deslocar seu olhar, antes focado no chão, para deixar-se vaguear e descortinar o inusitado. Podemos dizer que estamos diante de uma experiência reveladora, da ordem do indizível. Nesse conto, é perceptível a experiência epifânica que algumas vezes atravessa o ser que se percebe tomado de amor. O AMOR POSSÍVEL: ENCONTRANDO SAÍDAS NO LABIRINTO DO AMOR Depois de termos percorrido muitos e intricados corredores, ainda estamos emaranhados no labirinto do amor. Após cada curva, outro caminho se apresenta e, depois dele, outra bifurcação, depois, uma nova escolha e, assim, o labirinto sempre apresenta novas possibilidades e novos mistérios. Marina Colasanti percorre os caminhos do amor com singular sensibilidade. Constrói e desfaz muitos corredores amorosos, escolhe as estradas mais longas, as mais desafiadoras e adentra a amorosidade humana. Ela considera toda forma de amor, toda nuance que o sentimento pode adquirir e frisa: “amor, aprendi, é vário, como são várias as pessoas” (COLASANTI, 1981, p. 159). E acrescenta: amar é bom. Amar mesmo soltamente, sem grudar o amor a um objeto, feito rótulo. Nada é melhor do que um fio de amor escorrendo pelo ladrão. Dele, desse fio, desse amor, desse todo, fazem-se belas paixões (Ibid., p. 166). Foram algumas dessas paixões, narradas por Colasanti, que percorremos nesse estudo. Guiados por sua linguagem, seguimos as teias do amor. E como a moça no labirinto do vento, que desafia seus pretendentes, enfrentamos o desafio de ler e analisar o lugar do amor em seus contos. Após essa caminhada de tantas discussões sobre o tema, percebemos que Marina Colasanti também questiona o amor, mesmo quando o aborda tão poeticamente em seus textos. Nos contos que analisamos, observamos que a autora circula em torno de muitas perguntas: o que é mesmo o amor? Ele é um sentimento que cerceia, que aprisiona ou permite que os indivíduos sejam livres apesar de se amarem? O que somos capazes de fazer por amor? De quantas provas ou sacrifícios o amor precisa? Existe mesmo um “final feliz” ou um “felizes para sempre”? Só somos mesmo felizes quando amamos? Todos esses questionamentos parecem estar implícitos nos contos de Colasanti. E assim como a autora discute esse “credo amoroso”, outros autores também agregam contribuições a esse debate, como Jurandir Freire Costa (1998, p. 12), por exemplo, que reforça a importância de se questionar a crença do amor, que, “como toda crença, pode ser mantida, alterada, dispensada, trocada, melhorada, piorada ou abolida”. A sugestão do autor “é que tentemos desfazer o monótono pêndulo que oscila entre a culpabilização dos indivíduos pelos ‘fracassos’ de amor e a condenação da paixão amorosa como desvario institucionalizado” (Ibid., p. 12). Consideramos importante trazer essa reflexão uma vez que ela também permeia a obra de Marina Colasanti. A visão e os questionamentos da autora sobre a temática do amor partem da crença amorosa dominante na sociedade ocidental. Em Sem fraude nem favor – estudos sobre o amor romântico, Costa (1998, p. 13) questiona o “credo amoroso dominante”, que prega que “o amor é um sentimento universal e natural, presente em todas as épocas e culturas”, não é controlável pela razão ou pela vontade e é a condição necessária para que sejamos completamente felizes. Quando aprendemos que o amor é natural, algo “oferecido pela mãe natureza” (Ibid., p. 13), não podemos proibi-lo ou inibi-lo porque isso seria antinatural. Se pensamos o amor como algo natural e inato, acreditamos que ele não pode ser controlado por nossa vontade ou nossas escolhas. A própria Marina Colasanti (1981, p. 19) reconhece que “o amor [...] é bem mais do que apenas um jogo de espelhos. O amor, ou melhor o conceito de amor, obedece a ciclos culturais, históricos”. Costa (1998, p. 17) afirma que “amamos com sentimentos, mas também com razões e julgamentos”. Quando amamos, somos levados pelo impulso das paixões, mas também elegemos aquele que podemos ou devemos amar. Somos levados pela paixão e escolhemos o ser amado, como o príncipe e a corça-mulher, em “Entre as Folhas do Verde O”, que escolhem um ao outro apesar de tão diferentes, especialmente a corçamulher que não foge à aproximação do príncipe, deixando-se capturar; como a princesa e o décimo segundo rei, em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, quando ela parece tê-lo escolhido para desvendar o seu desejo; e como o homem e a mulher, em “De Muito Procurar”, que escolhem um ao outro para caminharem juntos. Outra questão importante que se apresenta como parte do nosso “credo amoroso” é o amor como a condição fundamental para encontrarmos a felicidade máxima. Se assim for, conforme pontua Costa (1998), significa que, sem ele, não somos completos, não somos realmente felizes. Há “o pavor da solidão, o estigma do fracasso emocional e a exclusão do mundo dos felizes” (Ibid., p. 147). Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente” e “A Mulher Ramada”, homem e jardineiro, sofrendo com a solidão, constroem para si companheiras. A tão almejada felicidade só se anuncia com a chegada do par amoroso. Entre encontros e desencontros, Colasanti também questiona essa crença amorosa, mostrando que nem todo amor resulta em completude e felicidade. Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, com o passar do tempo, o tédio se instala entre o casal e o amor que tenta moldar e aprisionar o outro vai se dissolvendo feito cera que derrete ao calor do fogo. Em “A Mulher Ramada”, somente quando o jardineiro permite que a “Rosamulher” floresça é que o encontro amoroso se apresenta como uma possibilidade. Dessa forma, Marina Colasanti discute o amor e as sutilezas do relacionamento a dois. Só somos realmente felizes quando amamos? Em “Prova de amor”, há uma mulher que deixa crescer uma barba em seu rosto para agradar um homem. Os pelos ferem caminho em sua pele para transformá-la em alguém que não era e, diante de sua estranheza, o homem vai embora. Se o amor segue o caminho do aprisionamento e da modificação do outro para atender seus próprios desejos, então ele se torna desencontro e infelicidade. O que acontece na relação amorosa é que projetamos nosso desejo sobre o outro, mesmo sem perceber. Nasio (1997), ao abordar o processo de amor e de formação da fantasia, esclarece que, quando nos apaixonamos, fazemos do ser amado uma parte inconsciente de nós mesmos, agregando outras imagens nossas carregadas de múltiplos sentimentos. O risco desse processo é ficarmos presos às fantasias, perdendo de vista o outro com o qual estamos nos relacionando, como acontece em “Entre as Folhas do Verde O”, que tanto a corça-mulher quanto o príncipe não conseguem alcançar o que o outro deseja realmente; separados pela distância da língua, sem conseguirem se comunicar, eles ficam presos às projeções de seus desejos. Em “Prova de Amor”, o homem pede que a mulher “teça” uma barba somente para lhe agradar, quando esse não era o desejo dela, nem mesmo o dele, considerando que ele a abandona depois de satisfeito seu pedido. Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente” e em “A Mulher Ramada”, os personagens masculinos tentam imprimir em suas amadas o formato de seus desejos, mas, somente neste último conto, o homem consegue compreender e acolher “Rosamulher” tal como ela é. Marina Colasanti discute para onde nos levam as escolhas amorosas que fazemos e como elas são diferentes para homens e mulheres. A autora, em seu livro E por falar em amor (1984), reflete que homens e mulheres se buscam, se desejam, mas com finalidades diferentes. Por isso, muitas vezes, acabam se afastando. As mulheres se abrem mais para o estabelecimento do afeto, do encontro. Isso as assusta, mas as impulsiona também. Os homens, por sua vez, temem experimentar seu afeto, por medo de perder o domínio de si mesmos. As escolhas amorosas das mulheres se guiam na expectativa de uma relação duradoura, antes mesmo de serem fisgadas pelo desejo sexual. Os homens, movidos pelo sexo, preferem fazer suas escolhas depois da primeira investida, mas desejam fazê-las sem se sentirem pressionados para um possível relacionamento. Nessa dinâmica amorosa dos sexos, percebemos que o amor ocupa um lugar diferenciado na constituição da feminilidade. Por “amor” ou para obter o reconhecimento do outro ou para mantê-lo junto a si, a mulher é capaz de muitas “provas de amor”. Por amor, a corça-mulher se deixa aprisionar, em “Entre as Folhas do Verde O”. Por amor, a mulher aceita fiar uma barba em seu rosto para agradar seu amado, em “Prova de Amor”. Por amor, em “Entre a Espada e a Rosa”, a princesaguerreiro passou por uma nova transformação, libertando-se da barba que a impedia de encontrar seu amado, o jovem príncipe. Talvez porque o amor “pede” alguns sacrifícios ou porque, para alcançá-lo, os amantes precisam passar por algumas provas, esse sentimento é comumente associado ao sofrimento. Tanto Rougemont (1988) quanto Paz (1994) compreendem que o amor ou a paixão significam sofrimento, porque, acima de tudo, buscamos o “romance”, que inclui as dificuldades, a intensidade e a instabilidade da paixão. Sendo assim, quando esse romance acaba, a paixão também se dissolve, como em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”; quando aquela mulher já não lhe desperta mais o mesmo sentimento – porque ela também não conseguiria atender às expectativas da idealização desse homem – ele a destrói, deixando que ela se consuma no fogo de um amor que já tinha chegado ao fim. Em “Prova de Amor”, diante da barba que a mulher “laboriosamente” tinha tecido, o homem a abandona porque não a reconhece mais; o doloroso esforço de ser alguém que não era só trouxe o sofrimento da perda do ser amado. Em “Entre as Folhas do Verde O”, os amantes sofrem porque não conseguem expressar seu amor, a corçamulher sofre porque não deseja ser mulher e esse desencontro de desejos resulta num desenlace. Nesses casos, o sofrimento significa separação e perda. Já em “Entre a Espada e a Rosa”, o sofrimento que permeia a vida da princesa-guerreiro faz parte da sua jornada heróica, do seu processo de transformação que resultará no desabrochar da sua feminilidade e no seu encontro com o amor. Marina Colasanti, dessa forma, mostra que o sofrimento pode também ser apenas resultado das dificuldades encontradas no caminho, parte do processo de encontro amoroso. E, por amor, muitas transformações acontecem nos contos, especialmente com as personagens femininas. Em “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”, “Entre as Folhas do Verde O”, “Prova de Amor” e “A Mulher Ramada”, as mulheres passam por transformações físicas em virtude do desejo do ser amado. É o que eles demandam que determina a (de)formação nos corpos de suas amadas. No entanto, em “A Mulher Ramada”, o jardineiro consegue reconhecer a beleza da “Rosamulher” tal como ela é e ela pode enfim florescer, seguir seus próprios rumos, encontrar sua própria direção. O jardineiro aqui se permite vivenciar outro tipo de amor, que não cerceia a liberdade do outro. Marina Colasanti mostra como é diferente a transformação do feminino que é conduzida ou vivenciada livremente pela própria mulher. Ela tem a possibilidade de fazer suas escolhas, de seguir seu caminho e de vivenciar as mudanças e o amor em seu próprio tempo, como acontece em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento” e “Entre a Espada e a Rosa”. O desabrochar da primavera ou da feminilidade chega em seu próprio tempo tanto para as princesas destes dois contos, quanto para “A Mulher Ramada”. O amor, dessa forma, se apresenta como um elemento de transformação nos contos de Colasanti, especialmente no movimento de construção da subjetividade de cada mulher. Os corpos das personagens femininas se modificam para receberem o amor. Especialmente em “A Mulher Ramada” e em “Entre a Espada e a Rosa”, as mulheres se transformam e seus corpos desabrocham para o encontro amoroso. Marina Colasanti (1984, p. 109) enfatiza que: O corpo é a morada do amor. E sua montada. Do meu amado não lembro a primeira frase, lembro o estremecimento quando lhe percebi a largura do pescoço. E querendo oferecer-lhe meus sentimentos, foi com o corpo que me aproximei dele, o corpo foi de mim o que ele inicialmente percebeu. Para a autora, corpo e sentimento estão integrados. Isso significa que amor e sexo não podem ser dissociados, porque o amor é também a união dos corpos. É especialmente no sexo que os amantes tentam fazer-se apenas um, embora no momento do gozo percebam que, de fato, são dois. Betty Milan (1985, p. 56) constata: “o teu gozo não podia ser apenas o do meu, era outro e me apartava de você”. Entretanto, quando os corpos dos amantes se unem é também um momento de intimidade e de partilha. Podemos observar isso em “A Mulher Ramada”, quando, no final do conto, os amantes finalmente se abraçam e, assim, jardineiro e “Rosamulher” unem seus corpos amorosamente. São dois corpos diferentes, mas que se encontram no amor. Em “Entre a Espada e a Rosa”, a princesa-guerreiro passa por uma longa transformação até estar pronta para receber o amor. Somente quando seu corpo está livre de qualquer impedimento é que ela pode enfim encontrar-se com o jovem rei. Marina Colasanti (1984, p. 119) acrescenta ainda que “o corpo do amado não é somente a casa do seu amor por mim. Ele é também a casa do meu amor por ele”. É no corpo que os sentimentos dos amantes se expressam. Em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, essa transformação física no corpo da princesa não fica tão clara, mas, para encontrar o décimo segundo rei, ela precisou adentrar na vida adulta; a “moça” teve que abrir mão do jogo de sedução para tornar-se “mulher”. Isso implica também num processo de modificação do próprio corpo, porque, se ele não estiver pronto, o amor também não poderá se consumar. Em contos como “A Mulher Ramada” e “ De Muito Procurar”, as personagens femininas são também impulsionadoras de mudanças. Como Diotima, do Banquete, de Platão (1962), que revela os mistérios do amor a Sócrates, “Rosamulher” mostra ao jardineiro as possibilidades de um amor que não segue as restrições de uma tesoura, que reconhece e acolhe o outro do jeito que ele é, assim como a mulher, do conto “De Muito Procurar”, que conduz o homem por caminhos imprevistos, levando-o a fazer novas descobertas e despertando-o para o sentimento amoroso. Marina Colasanti apresenta um feminino forte e determinado em seus contos, ainda que isso signifique desencontrar-se do amor, como em “Entre as Folhas do Verde O”, em que a corça-mulher prefere ser somente corça a se manter aprisionada em um corpo de mulher que não é seu. É um feminino que decide quando e com quem casar, como em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento” e “Entre a Espada e a Rosa”, ainda que, neste caso, signifique romper com o pai e seguir sozinha pelo mundo afora até que se sinta pronta para abrir-se ao amor. É um feminino que tem a cabeça voltada para o alto, que impulsiona o masculino a fazer novas descobertas e, com ele, encontra um amor primaveril como em “De Muito Procurar”. “Ser mulher”, para Marina Colasanti e, assim como enfatiza Maria Rita Kehl (1996), inclui inúmeras possibilidades identificatórias. Para além da maternidade, expandindo seus territórios, ser mulher é mais do que ser objeto de desejo do homem. A expressão da feminilidade adquire muito mais liberdade quando a mulher pode ser o que ela é, o que ela deseja, sem ser cerceada ou moldada pelo outro. Na perspectiva freudiana, o tornar-se mulher se confundia com o tornar-se mãe. Através da maternidade, a mulher podia atribuir ao filho o papel de significante de sua identidade. Segundo Serge André (1987), esse conceito de feminilidade construído por Freud parte de um modo de pensar masculino. Ele apresentava a mulher como um enigma, portanto, a feminilidade se constituía como um objeto de pensamento inapreensível e das mulheres não se podia esperar nada porque elas próprias eram esse enigma. O que Kehl (2008) sugere é que o mistério da mulher, em Freud, representa muito mais um sintoma de recalque do que um impasse teórico. Para a autora, a questão reside no fato de que a mulher está muito mais próxima do homem do que se pensa. Kehl (2008, p. 264) entende a feminilidade como “a masculinidade-menos-algumacoisa (o pênis) acrescida de alguma outra coisa (a mascarada, o manejo sedutor da face sexual da castração)”. A mulher, então, é semelhante do homem, seu irmão, seu igual e a única diferença entre eles é que a mulher é “também mulher” (Ibid., p. 264, grifo da autora). Kehl (Ibid., p. 264) explica que: A manobra a mais que a menina precisa efetuar para reconhecer seu sexo como igual ao de sua mãe, sem se confundir com ela e sem ter que necessariamente abandonar as identificações construídas quando ela ainda era ‘um homenzinho’ – é bem isto o que faz dela, fundamentalmente, uma mulher. O resto – um estilo que a faça desejável a partir do manejo da castração / uma narrativa que a faça feliz a partir do manejo do falo – o resto sempre estará por construir. Sendo assim, verificando que estamos separados apenas por “mínimas” diferenças, podemos estar mais próximos de um encontro no amor. A completude, o resgate da unidade perdida, conforme vemos no discurso de Aristófanes, no Banquete, de Platão (1962), não é possível. Os amantes são sempre dois, embora insistam na ilusão de fazer-se apenas um. É o que Maria Rita Kehl (2009, p. 550) também reforça, quando afirma que o amante não pode “formar um todo indissociável com o objeto de seu amor”. Mas se ele consegue reconhecer e suportar essa realidade, pode abrir espaço para que o amor se instale. Marina Colasanti (1980, p. 32), em A nova mulher, apresenta uma ideia similar à de Kehl, quando enfatiza que embora o desejo do amante da integração total, para formar em dois uma única pessoa, a verdade é que somos sempre o outro, e que a grande harmonia do amor é o entendimento das pulsações do amado – e nosso – em relação ao universo, entendimento que pode nos aproximar do uníssono. A escritora aponta para um entendimento possível entre os amantes, se houver uma compreensão de que o outro possui uma “pulsação” própria, uma vontade própria, um corpo próprio, uma vida própria. Entender que somos dois, que possuímos desejos diferentes e que, por isso, não podemos cercear ou subjugar ou “modelar” o outro de acordo com nossa vontade é condição necessária para que o amor possa se desenvolver. Marina Colasanti deixa transparecer, em seus contos, que o amor aprisionado ou escravizado, morre, sufocado num formato que não deseja ter, como em “Entre as Folhas do Verde O”, “Prova de Amor” e “Verdadeira Estória de um Amor Ardente”. O amor de “A Mulher Ramada” e o jardineiro só sobrevive porque o homem compreende que sua amada precisa ser livre para amá-lo; o amor preso dentro de uma imagem idealizada não passa de uma ilusão difícil de se concretizar. Cada amor possui sua própria “pulsação” e cada casal de amantes precisa encontrar seu próprio caminho. Inevitavelmente, nos contos de Colasanti, esse caminho passa por um “entendimento” entre o masculino e o feminino. É preciso haver uma harmonia entre esses pólos não só para que o amor seja possível, mas para que a feminilidade se expresse livremente. É como uma dança que só funciona no compasso delicado dos pares: o jardineiro abre espaço para “A Mulher Ramada” e ela “dança”, expandindo sua beleza, revelando-se mulher; a princesa, em “Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento”, depois de muitos confrontos no labirinto, convida o décimo segundo rei para “dançar” e ele desfaz o labirinto que os separa; após muitas “danças” no campo de batalha e na vida, em “Entre a Espada e a Rosa”, livre dos impedimentos do corpo, pronta para o amor, a princesa pode finalmente ir ao encontro do seu amado; e em “De Muito Procurar”, seguindo o “taque-taque” dos saltos de uma mulher que havia perdido o juízo, um homem ensaia uma “nova dança” por lugares desconhecidos, arriscando novas descobertas. É importante perceber também que Marina Colasanti valoriza toda expressão de amor. Toda relação amorosa vivenciada é significativa na vida do sujeito e, mesmo quando resulta num desencontro, pode ser produtiva e prazerosa. Ela enfatiza que: Cada amor é um novo acontecimento. Pode ser circunstancial, preso a um conjunto de situações momentâneas que ao se desfazer o levará consigo. E ser assim mesmo ótimo. Pode ser intenso, mas desencontrado, de um desencontro que aumenta com a convivência e o tempo, colocando o fim como melhor solução. Pode ser maravilhoso, aparentemente perfeito, e ir mudando aos poucos, à medida que nós mesmos mudamos. Pode, apesar de impetuoso, começar em bases erradas, e mais adiante pedir trégua. Ou pode, desde o início, estar destinado a ter a duração de uma viagem ou de um período de férias. Enfim, um amor pode ser maravilhoso, gratificante, apaixonado, sem precisar ser eterno. (COLASANTI, 1981, p. 22). Todo amor, com todos os seus impasses, pode ser vivenciado intensa e prazerosamente. Reconhecê-lo em sua finitude e imperfeição é necessário para aproveitar tudo o que ele tem para nos oferecer, porque, por melhor que o amor seja, ele será sempre “insuficiente” para dar conta da nossa falta. É por isso que o ser amado é aquele que nos excita e nos desaponta. “Nosso amado é nossa carência”, ressalta Nasio (1997, p. 59), porque o desejo nunca se satisfaz, já que somos seres em falta. Por isso, continuamos buscando o amor nesse imenso labirinto da vida. “De muito procurar”, continuamos emaranhados nos caminhos do amor e na trilha de palavras construída por Marina Colasanti. Foi seguindo essa trilha que percorremos esse labirinto amoroso. Como o homem, em “De Muito Procurar”, que atentamente busca por pequenos objetos perdidos, encontramos partes de um Banquete servido há mais de 300 a.C., rastros de um amor-paixão e fragmentos de muitos outros discursos amorosos. Fomos reunindo essas peças como quem monta um quebra-cabeça, mas a imagem ainda estava inacabada. Procuramos um pouco mais, atentos, caso encontrássemos algum “juízo perdido” pelo caminho e adentramos um corredor freudiano, seguimos uma moça chamada Maria Rita Kehl – além de outros tantos moços e moças que cantam sobre o amor – e encontramos jogos de sedução, olhares amorosos e uma feminilidade desabrochando lentamente como a primeira violeta da primavera. Reunimos então mais algumas peças para nosso quebra-cabeça, mas enfim percebemos que o jogo se fecha apenas provisoriamente. Ainda que procurássemos, muito e muito ainda haveria para ser encontrado, porque o amor é múltiplo e os discursos em torno dele também o são. Nenhum dos caminhos é o melhor ou o mais correto; eles apenas nos conduzem para diferentes lugares e para diferentes sentidos e percepções. Escolhemos algumas direções – tendo sempre como bússola os contos de Marina Colasanti – e chegamos até aqui. Fim desse labirinto, mas o começo de tantos outros; muitas contribuições ainda serão feitas em torno da temática do amor, porque esse sentimento ainda mobiliza muitas de nossas faltas e desperta nosso interesse, aguçando nossa curiosidade. Ao final desse percurso, a bússola ainda aponta para Marina Colasanti; ela é a moça do nosso labirinto amoroso, onde o vento dispersa e reúne discursos, sopra na direção de encontros e desencontros, incitando-nos a refletir sobre a experiência amorosa. É sua escrita que transforma cada história de amor num acontecimento único e cada conto num complexo labirinto a ser percorrido. REFERÊNCIAS 1. ANDRÉ, S. O que quer uma mulher? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. 2. BAUER, M. W. Análise de conteúdo clássica. In: BAUER, M. W., GASKELL, G. (editores). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 3. BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro; Zahar, 2004. 4. CABEDA, S. T. 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