O AMOR QUE ILUDE A FALTA EM MIM Baydoun, Mahamoud Medeiros, Melissa Andrea Vieira De Resumo: Ilusoriamente acreditamos que o objeto amado possui o que preenche a nossa falta e apazigua momentaneamente o nosso desamparo. Portanto, somos seres faltosos mesmo amando. O objeto amado torna-se o representante ideativo da falta e da carência do sujeito, e justamente nesse ponto encontramos a ética do amor e da psicanálise: tratar o real pelo simbólico, fazendo valer o desejo. Que desejo? O puro desejo, o desejo de morte - aquele sem o amparo da fantasia, o de gozo, de completude, aquele que para o neurótico sempre irá desvelar a castração - o objeto perdido para sempre. Nesse sentido o amor é faltoso, pois sempre anuncia o encontro com a castração, com a incompletude. A escolha do objeto amado, além disso, se dá pela fantasia - ilusão mediadora da relação do sujeito com o mundo, que revela a dimensão da sua falta e de seu desamparo, logo, aponta para o seu próprio eu, revelando que o narcisismo se manifesta em toda forma de escolha de objeto, seja narcísica ou anaclítica. Não importa o quão fortes são as catexias ao redor da representação mental do amado, o “eu” sempre reinará sobre o outro. Supõe-se, também, que o amor é clivado: ama-se, concomitantemente, o objeto amado exterior de carne e sua imagem fantasiada no inconsciente. Essa duplicidade do amor reflete a impossibilidade de fidelidade, pois traímos o objeto amado real recobrindo-o com o véu da fantasia inconsciente que só pode jurar fidelidade ao narcisismo de quem ama. Palavras-Chave: Amor. Narcisismo. Fantasia. Falta. Resumen: Creemos de forma engañosa que el objeto amado llena lo que nos hace falta y apacigua momentáneamente nuestro desamparo. Por lo tanto, 1 nosotros somos seres incompletos mismo amando. El objeto amado se convierte en el representante ideal de la falta del sujeto, sin embargo es precisamente en este punto que se da la ética del amor y del psicoanálisis: tratar lo real por lo simbólico, haciendo valer el deseo. ¿Qué deseo? El puro deseo o el deseo de la muerte - aquel sin amparo de la fantasía, lo de gozo, de completitud, aquel que para el neurótico siempre irá desvelar la castración - el objeto que se ha perdido para siempre. Así, el amor hace falta, pues siempre anuncia el encuentro con la castración, con la falta de completitud. La elección del objeto amado, además, ocurre a través de la fantasía - ilusión mediadora de la relación del sujeto con el mundo, que revela la dimensión de su falta y desamparo, y, luego, apunta para su propio yo, revelando que el narcisismo se manifiesta en todas las formas de elección de objeto, sean narcísica o anaclítica. No importa la magnitud de las catexias alrededor de la representación mental del amado, el “yo” siempre reinará sobre el otro. Se supone, también, que el amor es clivado: se ama concomitantemente el objeto amado exterior de carne y su imagen fantaseada en el inconsciente. Esta duplicidad del amor refleja la imposibilidad de la fidelidad, pues se traiciona el objeto amado real recubriéndolo con el velo de la fantasía inconsciente que sólo puede jurar lealtad al narcisismo de quien ama. Palabras- clave: El Amor. Narcisismo. Fantasia. Falta. O AMOR QUE ILUDE A FALTA EM MIM O sujeito condenado a viver numa eterna busca de completude e felicidade, ilusoriamente acredita que o objeto amado possui o que preenche a sua falta e apazigua momentaneamente o seu desamparo, sem saber que está muito mal protegido contra o sofrimento, principalmente quando ama, já dizia Freud. Logo, somos seres faltosos mesmo amando. O amor é condenado a nos evidenciar a falta, ele próprio é faltoso, pois anuncia e traz em si a marca da castração, da incompletude. Nasio (2007, p.56) afirma que o “ser que mais 2 amamos continua sendo inevitavelmente o ser que mais nos insatisfaz”. O objeto amado é o representante ideativo da falta e da carência do sujeito, pois ele se constrói pela fantasia, ilusão mediadora da relação do sujeito com o mundo, que revela a dimensão da falta e do desamparo. “Só captamos a realidade do eleito através da lente deformante da fantasia”. (NASIO, 2007, p.56). A fantasia que recobre o objeto amado, através do véu que o transforma em um representante ideativo de suplência da falta é o que permite a ética da psicanálise e do amor: tratar o Real pelo Simbólico, fazendo valer o desejo. Com a Interpretação dos Sonhos (1900), Freud abre novas perspectivas para a compreensão do ser humano. O imaginário torna-se objeto privilegiado da psicanálise, inaugura-se uma dimensão além das amarras do tempo, do espaço e da consciência. A realidade interna prevalece sob a externa e o desejo se caracteriza pelo desejo de continuar desejando, marcado pela castração. As marcas da falta e das fantasias construídas na singularidade subjetiva de cada sujeito apontam para seu próprio eu, revelando o narcisismo que se manifesta em toda forma de escolha objetal (analítica ou narcísica), afinal o “eu” sempre reinará sobre o outro. O conceito de narcisismo é de fundamental importância para a psicanálise, pois a partir dele novas conjecturas são estabelecidas sobre as relações de objeto, pulsões e seus destinos, idealizações do eu e principalmente identificações e escolhas objetais como maneiras de formar vínculo com o outro; sendo ou tendo o objeto amado. Ter um objeto amado, um relacionamento amoroso pode gerar a ilusão de estar protegido da solidão, do vazio existencial, mas como diz Lacan: “não há relação sexual”, há uma suplência possível - o Amor. “O que vem em suplência à relação sexual é precisamente o amor”. (LACAN, 1985, p.62). O amor para a psicanálise está também relacionado à transferência. Freud (1912) no texto “Observações sobre o amor transferencial” comenta que a maior dificuldade em análise encontra-se no manejo da transferência. A transferência revela em análise as 3 condições e características de estabelecimento de vínculos do sujeito. O direcionamento desse amor transferencial na análise não é para o analista, mas para um lugar vazio, objeto a, e o analista encontra-se na posição de tornar-se semblante desse objeto a. O analista estabelece com o analisando um Eros platônico, ideativo, um amor na alcova dos significantes. Porém, fora do campo da análise, o amor se permite ir além do Eros platônico e da alcova de significantes. Todos desejam serem amados, cada um à sua maneira narcísica. Por conseguinte, é preciso saber que quando amamos, amamos sempre um ser híbrido, constituído ao mesmo tempo pela pessoa exterior com que convivemos no exterior e pela presença fantasiada e inconsciente em nós. E reciprocamente, somos para ele o mesmo ser misto feito de carne e inconsciente. (NASIO, 2007, p. 59). Quem é a pessoa amada? Quem é o meu objeto de amor? A psicanálise responde: o objeto a. “O a, afinal, é apenas um nome para designar o que ignoramos, ou seja, essa presença inapreensível do outro amado em nós.” (NASIO, 2007, p.53). A desejada essência do outro, o que desejo dele, refere-se sempre a uma busca desenfreada de nós mesmos; o apaixonado reproduz com o amado uma alienação primeva que teve com o seu Outro, numa certa compulsão à repetição das experiências infantis. Afinal: encontrar o objeto amado é na verdade reencontrá-lo. Sócrates no “Banquete” conclui que o amor não pode ser belo, pois todo amor remete à falta, à incompletude, à imperfeição, logo não pode se constituir de beleza algo que seja imperfeito. Daí o narcisismo do amor: o sujeito direciona seu amor ao que ele gostaria de Ser ou Ter na ilusão de se completar. Portanto, a pessoa, e quem quer que deseje alguma coisa, deseja forçosamente o que não está à sua disposição, o que não tem, o que lhe falta; ora, não são esses justamente os objetos do desejo e do amor? (SÓCRATES para ÀGATON, PLATÃO, 2002, p.139). Eis que Diotima (Platão, 2002) contra-argumenta Sócrates e diz que o alvo do amor não é ser belo, mas gerar e criar o belo. O amor é a via de criação inclusive da imortalidade. Imortalidade essa da própria espécie, das produções 4 artísticas e culturais, etc. O amor viabiliza a criação. “A procriação e o nascimento são coisas imortais num ser mortal!” (DIOTIMA; PLATÃO, 2002, p.149). Portanto, a criação do belo e da imortalidade através do amor precisa do objeto amado incorporado em sua existência física, real e exterior. A fantasia se alia a uma presença real, imaginária e simbólica. Conforme Nasio (2007), o laço que une esta fantasia à existência física do amado se origina na falta e no narcisismo do amante. Supõe-se, então que o amor é clivado: ama-se, concomitantemente, o objeto amado exterior de carne e sua imagem fantasiada no inconsciente. Essa duplicidade do amor reflete a impossibilidade da fidelidade, pois traímos o objeto amado real recobrindo-o com o véu da fantasia inconsciente que só pode jurar fidelidade ao narcisismo de quem ama. Bibliografia FERREIRA, Nadiá P. A Teoria do Amor na Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. Passo- a- passo; vol. 38. FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. ______. (1912) Observações Sobre o Amor Transferencial. Vol. 12. ______. (1914) Sobre o Narcisismo: Uma Introdução. Vol. 14. ______. (1921) Psicologia de Grupo e Análise do Ego. Vol. 18. ______. (1930[1929]) O Mal-Estar na Civilização. Vol. 21. LACAN. O Seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,1985 LEITE, Julia Cristina Tosto. Dimensões do Amor. Em: Agora. Rio de Janeiro. V. VIII n. 1 jan/jun 2005. 123-133. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/agora/v8n1/v8n1a12.pdf. Acesso em: 15 de fevereiro de 2012. NASIO, Juan- David. A Dor de Amar. Trad. André Telles e Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. 5 PLATÃO. Banquete. Martin Claret, São Paulo, 2002. 6