ESTUDO MICROCLIMÁTICO DO EFEITO OROGRÁFICO NO REGIME DE
PRECIPITAÇÃO
José Eduardo Prates; Alexandre K. Guetter
Sistema Meteorológico do Paraná, Curitiba PR, Brasil
e-mail: [email protected]
ABSTRACT
Both statistical and dynamical procedures were applied to the identification of microclimates and
characterization of rainfall homogeneous regions. Raingauge daily data from two stations (40 km
apart) located in a mountainous area were analysed to determine whether they were in the same
microclimate. We estimated that 62% of the monthly rainfall variance is not spatially correlated, i.e.,
the statistical properties reflect different microclimates within the maountainous area. The Regional
Atmospheric Modelling System (RAMS-3b) was used to identify the physical mechanism that favours
precipitation and low-level cloudiness over the mountainous area. The dynamical simulation results
indicate strong orographic effects over the study area. The topographic blocking in association with
the dominant atmospheric flow direction causes an uplift favouring low-level cloudiness and local
precipitation.
1 INTRODUÇÃO
A área em estudo está situada sobre uma região com clima caracterizado como “Af” na
classificação de Köppen (Trewartha and Horn, 1980), isto é: clima tropical superúmido, sem estação
seca, com temperatura média em todos os meses superior a 18 °C (megatérmico), precipitação média
no mês mais seco acima de 60 mm e isento de geadas. A região é montanhosa e está sujeita a
variabilidade microclimática, dependente do regime de ventos, variação térmica, proximidade do
oceano e particularidades da configuração do relevo que podem favorecer/inibir a convergência de
vento e umidade.
A experiência em hidrologia e climatologia demonstra a dificuldade em se estimar a
precipitação espacial média sobre terrenos montanhosos. Para se interpolar ou extrapolar dados para
regiões sem registros pluviométricos é necessário se considerar a configuração do relevo e da
circulação atmosférica (indicando a direção e intensidade do fluxo de vapor d’água). Contudo, quando
informações pontuais são simplesmente interpoladas para caracterizar condições médias sobre uma
região de terreno montanhoso, o resultado freqüentemente subestima a precipitação real, por
negligenciar a influencia dos gradientes de elevação e a localização de estações meteorológicas em
vales.
Os modelos físicos de precipitação associada a efeitos orográficos (relevo de terreno) são
baseados nos mesmos princípios usados por climatologistas experientes quando compilam mapas de
precipitação, isto é, representam os regimes de ventos e transporte de umidade. Contudo, mesmo um
climatologista experiente não dispõe de elementos suficientes para distinguir a variabilidade
microclimática, sem o subsídio de indicações fornecidas por modelos físicos. A tecnologia para se
criar bases de dados de precipitação distribuída em grades com espaçamento de alguns quilômetros,
mesmo em relevo acidentado, já existe e emprega modelos que reproduzem os efeitos orográficos.
Contudo, a aplicação dessa tecnologia ainda é incipiente.
Esse estudo apresenta as análises estatísticas e dinâmicas disponíveis para a caracterização da
variabilidade espacial da chuva e identificação de microclimas.
2 ANÁLISE ESTATÍSTICA
Analisaram-se os dados de precipitação diária de duas estações pluviométricas identificadas
como Capivari, montada na barragem do rio Capivari, e Posto Fiscal da polícia rodoviária federal
próximo da divisa Paraná/São Paulo, ambas situadas no interior da área em estudo. A distancia entre
os postos pluviométricos é de aproximadamente 40 km (Tabela 1). Os problemas inerentes à
observação de precipitação em regiões montanhosas e erros de observação pluviométrica estão
descritos em Briggs and Graham-Cogley, (1996) e Legates and DeLiberty (1993).
Tabela 1. Características das estações pluviométricas na Barragem do Capivari e no Posto Fiscal
Código
02548032
02548036
Nome
Barragem do Capivari
Posto Fiscal km 309
Agência
Copel
Suderhsa
Latitude
25.1333
25.0833
Longitude
-48.8666
-48.6000
Elevação
845.00 m
702.00 m
Início
11/1982
10/1974
Fim
12/1997
12/1997
Resolução
Diária
Diária
O objetivo da análise dos dados pluviométricos é o identificar se a Barragem do Capivari e a área
próximo ao Posto Fiscal, estão em microclimas distintos. A análise foi efetuada com o progressivo
refinamento da resolução temporal, começando-se com os totais anuais médios de chuva,
identificando-se os totais mensais médios, e prosseguindo-se com a análise da variação interanual da
chuva nas escalas anuais, mensais e diárias. Calcularam-se as estatísticas para duas variáveis: (1)
volume de chuva e (2) número de dias com chuva superior a 5 mm/dia.
Adotamos o critério de se considerar dia de chuva somente aquele no qual o registro excede 5
mm, uma vez que registros de chuva muito leve podem estar corrompidos pelo processo de leitura.
A estação do Posto Fiscal apresenta o total anual médio de precipitação 500 mm acima do total
médio para o Capivari. A variação interanual em Posto Fiscal (desvio padrão = 857 mm)é muito mais
alta do que em Capivari (desvio padrão = 269 mm). O desvio padrão foi obtido de uma amostra com
apenas 15 elementos e é apenas indicativo de que a amplitude da chuva anual em Posto Fiscal é maior
do que em Capivari. O ano de 1985 foi o ano mais seco do período 1983-1996 e apresentou uma
média anual em Posto Fiscal 100 mm mais alta do que em Capivari. O ano mais úmido em Capivari
foi o de 1983 com 1858 mm, enquanto que 1995 foi o ano mais úmido em Posto Fiscal com 3744 mm.
O máximo de precipitação em Posto Fiscal é significativamente mais alto do que em Capivari e a
possibilidade de que o observador tenha cometido um erro sistemático de leitura não deve ser
descartada.
O número médio de dias com chuva superior a 5 mm/dia para Posto Fiscal (79 dias) foi
superior ao de Capivari (74 dias). O ano de 1995 foi bastante úmido, registrando-se em Posto Fiscal
20% de dias de chuva a mais do que em Capivari.
As Figura 1 e 2 apresentam a comparação da precipitação média mensal para Capivari e Posto
Fiscal e do número de dias com chuva superior a 5 mm/dia, respectivamente. O volume de
precipitação e o número de dias de chuva é maior em Posto Fiscal do que em Capivari, principalmente
durante o verão.
PRECIPITAÇÃO - COMPARAÇÃO
NÚMERO DE DIAS DE CHUVA - COMPARAÇÃO
12
Capivari-media
Fiscal-media
250
No. DIAS DE CHUVA MES
PRECIPITAÇÃO (MM/MES)
300
200
150
100
50
0
Capivari-media
Fiscal-media
10
8
6
4
2
0
JAN
FEV MAR ABR
MAI
JUN
JUL AGO SET OUT NOV DEZ
MES
JAN
FEV MAR ABR
MAI
JUN
JUL
AGO SET
OUT NOV DEZ
MES
Figuras 1 e 2. Climatologia da precipitação média mensal e da média mensal do número de dias com
chuva para Capivari e Posto Fiscal
A correlação espacial da precipitação mensal é aproximada pela equação:
r ( ρ ) = C0 e
ρ
ρ0
(1)
onde ρ = distancia, ρ0 = raio de correlação e é de ordem de centenas de quilômetros, e C0 varia entre
0.5 e 0.9. O termo (1- C0)/ C0 é uma estimativa da parcela de variância da precipitação medida que
não é espacialmente correlacionada. Como resultado, C0 caracteriza a ambos (1) variabilidade
microclimática e (2) erros nas observações de precipitação(Groissmann and Legates, 1994).
A correlação da precipitação entre Capivari e Posto Fiscal é r(40 km)=0.67. Assumindo-se que
a correlação dos processos atmosféricos que causam precipitação em grandes áreas (e.g. frentes frias) é
de ordem de ρ0 = 500 km, então C0 corresponde a 0.62, e a fração (1- C0)/ C0 também é igual a 0.62,
isto é, 62% da variabilidade da precipitação entre Capivari e Posto Fiscal se deve a diferenças de
microclima e/ou erros nos processos de registro da precipitação.
A correlação entre o número mensal de dias de chuva em Capivari e Posto Fiscal é 0.67,
indicando que existe um número significativo de casos onde há registro de chuvas em uma estação e
não há registro de chuvas em outra estação.
3 ANÁLISE DINÂMICA
Para caracterizar o efeito da relevo na distribuição da precipitação descrita no estudo climático,
utilizou-se um modelo numérico atmosférico, o Regional Atmospheric Modeling System (RAMS)
desenvolvido na Colorado State University (CSU/USA, ver Walko et al., 1995), instalado no
SIMEPAR para simular o comportamento da atmosfera de forma a se verificar o padrão de
distribuição espacial de umidade e precipitação assim como o campo de vento ao nível da superfície
em diferentes horários.
A condição da atmosfera para o instante inicial (t=0) da integração foi obtida a partir da análise e
previsões do modelo CPTEC/COLA disponibilizado pelo Centro de Previsão e Estudos Climáticos do
Instituto de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE) da 00:00 h do dia 27 de março de 1998. Foram
utilizadas três grades aninhadas: (1) ∆x1=∆y1= 40 km; (2) ∆x2=∆y2= 10 km; (3) ∆x3=∆y3= 2 km
(Figura 3); na vertical, foi o mesmo para as três grades com o primeiro nível em torno de 35 metros e o
topo em 18 000 m A vegetação foi definida como floresta decídua em toda a área, a topografia com
resolução de 30" de arco (aproximadamente 900 m) e o solo com textura argilo-arenoso.
Figura 3. Grade com 2 km de resolução, indicando a topografia. As linhas pretas indicam os limites
geográficos do litoral paranaense (leste) e da divisa Paraná-São Paulo (norte)
As Figura 4 (a) e (b) apresentam os campos de razão de mistura de vapor(a) e de água líquida (b)
superposto ao campo de vento para diferentes horários. Nota-se como o escoamento do ar tende a ser
canalizado através de dois vales delimitados ao norte, pela elevação de 900 m e ao sul pela de 1200 m,
verifica-se a concentração de vapor como resposta à convergência do vento nesta mesma área, próxima
da qual se encontra o posto de medição pluviométrica designado como Posto Fiscal.
Figura 4: (a) Campos de razão de mistura de vapor(g/kg) e vento simulado pelo modelo na grade 3; (b)
idem para razão de mistura de água líquida.
4 CONCLUSÃO
A análise estatística dos dados pluviométricos diários sugere que os dois postos, distantes de 40
km, estão em microclimas distintos. Os volumes de chuva são distintos, principalmente nos meses de
verão, e também há diferenças nas seqüências de precipitação para as duas estações, onde 62% da
variabilidade da precipitação entre Capivari e Posto Fiscal se deve a diferenças de microclima e/ou
erros nos processos de registro da precipitação. A correlação entre o número mensal de dias de chuva
em Capivari e Posto Fiscal é 0.67, indicando que existe um número significativo de casos onde há
registro de chuvas em uma estação e não há registro de chuvas em outra estação.
A análise dos resultados das simulações indicam uma forte tendência em se concentrar umidade
na área em questão. Em vista da configuração do relevo, caracterizado por forte ondulação, espera-se
que, por efeito de barreira interposto ao escoamento atmosférico, o ar tende a se elevar provocando a
formação de nuvens e eventualmente precipitação.
Embora tenha sido analisado apenas uma situação pode-se verificar a existência de condições
dinâmicas que favorecem o maior índice de precipitação na área onde se encontra o trecho de estrada
localizado entre o Posto Fiscal e o reservatório de Capivari na BR 101 em relação aos trechos vizinhos
Esta análise foi efetuada para subsidiar o planejamento da construção de um trecho de estrada,
caracterizado por relevo montanhoso, que apresenta distinções microclimáticas que afetam
significativamente as atividades de construção. A maior pluviosidade e nebulosidade em um dos subtrechos é decorrente da interação entre atmosfera e relevo, prejudicando as atividades de construção da
estrada. O estudo dinâmico sugere o potencial da modelagem atmosférica em mesoescala para
implantação operacional visando o alerta de nevoeiro em trechos montanhosos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Briggs, P.R., and J. Graham Cogley, 1996:
Networks. J. Clim, 9, 205-218.
Topographic Bias in Mesoscale Precipitation
Groisman, P.Y., and D.R. Legates, 1994: The Accuracy of United States Precipitation Data.
Bull. Am. Soc. Meteor., 75(3), 215-227.
Legates, D.R., and T. L. DeLiberty, 1993: Precipitation Measurement Biases in the United
States. Water Resour. Bull., 29(5), 855-861.
Trewartha, G.T., and L.H. Horn, 1980: An Introduction to Climate. McGraw-Hill, New York,
416 pp.
Walko, R.L., C.J. Tremback, and R.F. Hertenstein, 1995: RAMS – The Regional Atmospheric
Modeling System User’s Guide. Aster Division, Mission Research Corporation.
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josé eduardo