PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012
CINEMA NACIONAL NAS ESCOLAS1
Cláudia Mogadouro2
ECA-USP
Resumo
O presente artigo considera o projeto de lei, ainda não aprovado, de obrigatoriedade do cinema brasileiro nas
escolas, proposto do Senador Cristovam Buarque. A partir das experiências e estudo com Cinema e
Educação, a pesquisadora alerta para equívocos construídos na interface em questão e alerta para o fato de
que há forte preconceito de professores em relação ao cinema nacional. Para isso, apresenta algumas
pesquisas sobre consumo audiovisual de professores, em São Paulo.
No início de maio deste ano de 2012, foi festejada entre cineastas e entidades do cinema
brasileiro a notícia da aprovação, por unanimidade, pela Comissão de Educação e Cultura da
Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 7507, de 2010, de autoria do Senador Cristovam
Buarque, que “Acrescenta § 7º ao art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar a exibição de filmes de produção
nacional nas escolas de educação básica”. A decisão será levada à Comissão de Constituição de
Justiça e Cidadania (CCJC), onde o texto poderá ser alterado. Se nas cinco sessões não houver
mudança no projeto, será encaminhado para aprovação da presidente Dilma Rousseff, que já se
mostrou favorável. Em seu site, o senador Cristovam Buarque justifica o projeto alegando que “o
cinema é a arte que mais facilidade apresenta para ser levada aos alunos nas escolas” e que “os
jovens que não têm acesso a obras cinematográficas ficam privados de um dos objetivos
fundamentais da educação: o desenvolvimento do senso crítico”. O texto não especifica que tipo de
filme deve ser exibido, apenas que sejam garantidas, no mínimo, a exibição de duas horas mensais
de filmes (longa metragem) de produções brasileiras, nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.
1
Trabalho apresentado para o Grupo de Trabalho 07 Comunicação, Educação e Consumo do II Congresso Internacional
de Comunicação e Consumo – COMUNICON 2012 – realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
2
Doutora e Mestra em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, consultora pedagógica e formadora audiovisual do
Educativo Tela Brasil, pesquisadora do Núcleo de Comunicação da USP (NCE), criadora e coordenadora do Grupo
Cinema Paradiso. E-mail: [email protected].
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Tal medida pode vir a ser uma boa iniciativa, mas, como tem sido prática constante nas políticas
públicas, algumas boas leis são aprovadas antes que haja condições mínimas de serem
concretizadas, gerando muitas vezes resistência da base social que poderia aderir à iniciativa. Nas
políticas educacionais, por exemplo, temos algumas decisões que podem ser consideradas
avançadas, se compararmos com outros países, quanto à educação inclusiva e à proteção de crianças
e adolescentes. No entanto, o sistema educacional se sente impotente para viabilizar o que a lei
preconiza. Alega-se, e não discordo totalmente dessa argumentação, que é uma forma de se forçar
algumas ações. Com a lei em vigor, os processos de viabilizá-la se aceleram. Alguns desses projetos
de lei dependem de ajustes materiais ou formação, como é o caso de exigência de curso superior
para todos os professores, ou ampliação da permanência da criança na escola, ou, ainda, alterações
na grade curricular.
No caso desse projeto de lei que prevê o uso obrigatório do cinema brasileiro nas escolas,
possivelmente os obstáculos para sua viabilidade não serão de ordem material, mas, sim, de ordem
subjetiva, isto é, questiono se existem bases culturais para se implementar um projeto audiovisual
nas escolas – especialmente com cinema brasileiro – sem que se preveja formação de professores.
Quando se trata de políticas educacionais, a aderência dos professores é uma questão crucial, uma
vez que eles estão totalmente na base dos processos educacionais e políticos.
Levanto três problemas básicos para a aplicação do projeto de lei em questão: (1) uma série de
equívocos construídos historicamente na relação cinema e educação, (2) a falta de formação
audiovisual de professores; (3) a ausência de um repertório diversificado de cinematografias, entre
os professores, especialmente o desconhecimento e o preconceito em relação ao cinema brasileiro;
Com base em algumas pesquisas realizadas, que serão explicitadas, e na experiência de dois
anos ao frequentar assiduamente o Clube do Professor, como observadora participante,
problematizo se o repertório audiovisual de professores não se assemelha ao dos alunos e do
público, como um todo. Os professores também preferem os blockbusters (filmes da grande
indústria estadunidense, com tramas simplificadas, atores do star system, mensagens moralizadoras
e maniqueístas), que se tornaram quase sinônimo da palavra cinema para o público consumidor de
audiovisual.
1. Cinema e Educação: uma Relação Mal Resolvida
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Segundo Marília Franco (1997), um dos entraves para que o cinema esteja devidamente
contemplado na escola é o desconhecimento de preconceitos e equívocos construídos
historicamente na relação Cinema e Educação. Um professor que queira se aproximar do cinema em
sua prática educativa precisa cuidar de construir uma visão histórica pela qual ele possa avaliar a
herança cultural que lhe molda o pensamento e a ação (Franco, 1997:32). O que teria dado errado
na relação Cinema e Educação?
Nos anos 1930, influenciados pelo ideário da Pedagogia Nova, alguns educadores perceberam a
potencialidade de se aliar Tecnologia à Educação. Para a época, a indústria cultural significa cinema
e, logo em seguida, o rádio. Um desses educadores visionários foi Roquette Pinto que esteve á
frente do Instituto Nacional de Cinema Educativo, o INCE, criado em 1937. Sua postura inovadora
pode ser notada em seu discurso de posse no INCE:
Não é raro encontrar, mesmo no conceito de pessoas esclarecidas, certa confusão entre o cinema
educativo e o cinema instrutivo. É certo que os dois andam sempre juntos e muitas vezes é difícil ou
impossível dizer onde acaba um e começa o outro, distinção que aliás não tem de fato grande
importância na maioria das vezes. No entanto é curioso notar que o chamado cinema educativo, em
geral não passa de simples cinema de instrução. Porque o verdadeiro educativo é outro, o grande
cinema de espetáculo, o cinema da vida integral. Educação é, principalmente, ginástica do
sentimento, aquisição de hábitos e costumes de moralidade, de higiene, de sociabilidade, de trabalho
e até mesmo de vadiação... Tem de resultar do atrito diário da personalidade com a família e com o
povo. A instrução dirige-se principalmente à inteligência. O indivíduo pode instruir-se sozinho; mas
não se pode educar senão em sociedade. (Ribeiro, 1944:4 apud Franco, 2004:26)
Marília Franco avalia que a visão lúcida de Roquette-Pinto sobre a ginástica dos sentimentos e o
prazer da fruição representava um paradigma diferente do adotado e vivenciado pela maioria dos
educadores que viam na comédia e no romance o espaço da antieducação, produtor de más
influências. Segundo a pesquisadora, se a visão de Roquette-Pinto tivesse sido acolhida,
provavelmente o cinema prazeroso também seria considerado educativo e não sido categorizado
como “chato”, como acabou acontecendo.
Principalmente a partir dos anos 1950, período de grande efervescência cultural no Brasil, eram
os cineclubes que desempenharam o papel de formador cultural. O cineclubismo teve grande
importância no Brasil entre as classes médias das grandes cidades e se constituiu em uma prática de
formação cultural paralela à educação escolar. Pode-se dizer que há, hoje, uma geração de adultos
que teve sua formação cultural a partir do cinema, de maneira informal, mas densa. Por meio dos
cineclubes, estudantes e cinéfilos tinham acesso a uma filmografia dita “alternativa”, que lhes
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permitia conhecer uma linguagem cinematográfica mais sofisticada, diferente dos blockbusters. Nos
cineclubes, após a exibição, eram comuns os debates, Às vezes até com a presença de “formadores
de opinião”. A experiência de ver aqueles filmes estava também aliada à ideia de reflexão e
discussão.
O hábito de ir a cineclubes ou mesmo aos cinemas de rua perdeu sua força nos anos 1980, com
o advento do videocassete. Os avanços tecnológicos alteraram bastante a nossa relação com os
filmes que, da sala escura, passaram para o ambiente doméstico e hoje estão nos computadores e até
nos celulares.
Também nessa época, as escolas puderam, aos poucos, se equipar com aparelhos de televisão,
videocassete e, posteriormente, computadores, DVDs, projetores multimídia, sendo que hoje são
raras as unidades escolares que não possuem uma sala de projeção. Exibir um longa metragem há
tempos atrás representava um trabalho imenso, quase impraticável. Hoje, muitas escolas possuem
um acervo significativo de obras cinematográficas (em DVD) e os professores – dentro ou fora da
escola – têm oportunidade de conhecer e utilizar como prática pedagógica uma infinidade de filmes.
Apesar da aparente aproximação, não se pode dizer que a relação educação formal e cinema
esteja bem resolvida. O apoio excessivo da escola na cultura letrada ainda considera o audiovisual
como um suporte secundário, sendo assim, os filmes entram como “ilustração” dos conteúdos
disciplinares, quase sempre sendo desconsiderados como obra de arte (Duarte, 2006; Napolitano,
2009; Franco, 1997, 2009; Mogadouro, 2011, entre outros autores).
A polissemia das obras audiovisuais é temida por professores que se sentem desconcertados e
despreparados para sua presença no cotidiano escolar. As múltiplas leituras de um filme põe em
cheque a cultura escolar do verdadeiro e falso, evidenciando muitas vezes a insegurança de
professores que ainda não compreenderam seu papel de mediadores, e não de transmissores de
informações.
Enquanto o ensino percorre o âmbito do livro, o professor se sente forte, mas quando aparece o
mundo da imagem o professor balança, a terra se move: porque o aluno sabe muito mais e sobretudo
maneja melhor as linguagens da imagem que o professor, porque a imagem não se deixa ler como a
univocidade de códigos que a escola aplica ao texto escrito. Diante desse desmoronamento de
autoridade perante o aluno, o professor só sabe reagir desautorizando os saberes que passam pela
imagem. (MARTÍN-BARBERO, 2004:343)
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Além de desautorizar a imagem, a escola faz um esforço no sentido de controlá-la e “didatizála”, com o argumento de que é preciso cumprir um papel educativo ou instrutivo. Com a mesma
herança da presença literatura na escola, cujo relatório de leitura vem anexado ao livro, muitos
professores exibem um filme cobrando dos alunos – de preferência assim que acaba a exibição - um
texto que explique “a” mensagem do filme.
O ponto que poderia ser positivo, relacionado ao barateamento dos equipamentos e da farta
equipagem das escolas, não contribuiu para uma relação efetivamente educativa. É muito mais
comum do que se pensa a projeção de filmes quando falta um professor ou até quando não se teve
tempo de preparar a aula. Os filmes são exibidos sem qualquer mediação, “no lugar da aula”. Essa
prática que banalizou o uso de filmes nas escolas contribuiu para que se criasse outro preconceito
no imaginário de todos: que cinema na escola é para “matar aula”. Os professores que usam filmes
com clara intencionalidade educativa, são vítimas desse preconceito, pois ainda encontram
resistências por parte da direção, dos pais dos alunos e até mesmo dos alunos (“hoje não tem aula, é
filme!”).
O equívoco de se usar filmes excessivamente na escola, até mesmo sem a presença do professor,
vem de uma supervalorização do cinema na formação das crianças e jovens, cujas raízes estão na
ideia de que o cinema pode “deseducar”. Nessa mesma linha, há quem acredite que a simples
exibição de um filme com mensagens edificantes é suficiente para se formar jovens com plena
consciência cidadã e com fortes valores de solidariedade.
Sem um mediador que favoreça a
experiência do filme como cultural e educativa, a simples assistência quase sempre significa o
consumo descartável, não diferente das idas ao shopping com amigos, pipoca e refrigerante. Ou
mesmo a assistência displicente da televisão.
O cinema ainda goza de um prestígio maior entre educadores do que as produções televisivas.
Os limites desse artigo não permitem que se discuta aqui a presença da televisão na escola, porém,
as linguagens audiovisuais como um todo – cinema, publicidade, televisão, games, internet, entre
outras – sofrem da mesma desconsideração, ainda porque prevalece a cultura letrada no cotidiano
escolar.
Uma boa prática para a superação dessa questão seria o professor olhar para sua própria
trajetória e repertório audiovisual. Como se deu a sua formação audiovisual?
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É preciso reconhecer que as dificuldades são genuínas e historicamente construídas, não cabendo espaço
para sentimentos individuais de incapacidade ou culpa. Para o professor poder formar sua cidadania
audiovisual docente é preciso discutir medos e preconceitos, reconhecer suas competências enquanto
espectador/telespectador e pôr em foco essa pessoa social que gosta de TV e de cinema e o profissionalprofessor que pode levar essa competência para a sala de aula como apoio à atividade didática (Franco,
1997:33, grifos da autora).
2. Pesquisas Sobre Consumo Cultural de Professores
Dedico-me a pesquisas no tema e no campo comunicação/educação desde 2000. A
problematização levantada aqui parte das minhas experiências com formação audiovisual de
professores (Educativo Tela Brasil3 e docência por 5 anos em cursos de Pedagogia), formação de
professores a distância, como observadora participante do Clube do Professor4 e das pesquisas de
campo para mestrado (recepção de telenovela na escola pública) e doutorado (estudo do projeto O
Cinema vai à Escola5 e CINEDUC6, entre outras experiências) .
Não há muitas pesquisas empíricas sobre formação audiovisual e consumo de filmes com
professores. Destaco três levantamentos realizados com professores da rede pública em São Paulo,
com recortes e enfoques diferentes, mas todos tratam da cultura midiática entre professores e
estabelecem um diálogo com o tema do presente artigo. Os resultados dessas pesquisas, grosso
modo, indicam que a preferência dos professores é por filmes amplamente divulgados pela mídia,
premiados pelo Oscar, com grande variação de temas.
2.1. A pesquisa realizada entre os anos de 1996 e 1997, com 269 professores da rede pública
municipal e estadual, coordenada pela Profª Drª Lígia Chiappini Moraes Leite7, tinha como objetivo
a indagação acerca do relacionamento existente entre as instituições escolares e as linguagens que
não fazem parte, pelo menos na aparência ou significativamente, do cotidiano das aulas (Citelli,
2000:162). Dentre vários dados levantados, me debrucei nos quadros que traduzem os filmes da
preferência dos professores e alunos vistos, naquele período, na TV ou em videocassete. Com raras
exceções, os filmes citados pelos docentes coincidem com o gosto dos alunos como é o caso de
3
4
www.telabr.com.br
O Clube do professor é um serviço gratuito oferecido, desde 2001, a todos os professores (de qualquer nível de ensino, rede
pública ou particular), com exibição de dois filmes de estreia por semana, aos sábados pela manhã. São filmes do circuito comercial
do Espaço Itaú de Cinema (antigo Espaço Unibanco) no Shopping Frei Caneca, em São Paulo, desde 2001. O mesmo programa
existe em várias capitais do país.
5
6
7
http://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/Cinema/Cinema.aspx?projeto=3
http://www.cineduc.org.br/historia.html
Os resultados e análise interpretativa constam na publicação de Adilson Citelli Comunicação e Educação – A Linguagem em
Movimento (2000)
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Ghost (Jerry Zucker, 1990, EUA), Mudança de Hábito (Emile Ardolino, 1992, EUA) e O Fugitivo
(Andrew Davis, 1993, EUA)8.
Citelli analisa o repertório compartilhado de filmes, questionando o fato de o professor, cujo
imaginário representaria uma vanguarda do pensamento cultural, viver num campo comum de
experiências simbólicas com seus alunos (grifo do autor).
O problema estaria em saber até onde os processos interpretativos ganhariam dinâmicas
estimuladoras para o debate entre sujeitos com vivências diferenciadas ou remeteriam à mera
constatação de que a força avassaladora do marketing exercitada pela grande indústria do cinema
terminou por igualar a todos no mesmo encantamento pirotécnico que estrutura muitos filmes
apontados como campeões na preferência dos docentes pesquisados (Citelli, 2000:186).
Destaco que o único filme brasileiro citado pelos professores (pelo menos, relatado na pesquisa)
foi O Quatrilho (Fábio Barreto, 1995), que concorrera ao Oscar, no período da coleta de dados, com
intensa repercussão na imprensa escrita e televisiva.
2.2. Outra pesquisa sobre consumo cultural de professores foi realizada por ocasião do Projeto
Educom.radio e divulgada por Cristina Costa, em 2005, no artigo intitulado A Cultura Midiática
dos Professores Paulistas9. Sobre cinema, o questionário solicitava que o professor citasse o filme
que mais o havia emocionado nos últimos anos. Os mais citados foram Titanic (James Cameron,
EUA, 1997), Ghost (Jerry Zucker, EUA, 1990), E o Vento Levou... (Victor Fleming, EUA, 1939),
Uma Linda Mulher (Garry Marshall, EUA, 1990) e Sociedade dos Poetas Mortos (Peter Weir,
EUA, 1989).
Das 226 citações, menos de 13% se referiam a filmes brasileiros, sendo que, destes, 8,5%
concentravam-se em dois filmes brasileiros de muito sucesso na época: Cidade de Deus (Fernando
Meirelles e Kátia Lund, 2002) com 12 votos e Central do Brasil (Walter Sales, 1998), com 5 votos.
Ambas as produções obtiveram muito sucesso de público e foram indicadas ao Oscar.
8
O universo docente é absolutamente heterogêneo e diversificado, daí a importância de nos apoiarmos em pesquisas quanti e
qualitativas. Na pesquisa relatada por Citelli (2000), como evidente minoria, aparecem citações de clássicos do cinema, os chamados
“filmes cult”, como Cidadão Kane (Orson Welles, 1941) e Berlin Alexanderplatz (R.W. Fassbinder, 1980, Alemanha). No convívio
intenso com professores, são muitos os que podemos chamar de cinéfilos, isto é, que dominam a história do cinema, que não veem
necessariamente blockbuster, que preferem filmes com linguagem mais sofisticada, cinematografia diversa, mas creio que eles
realmente representem minoria.
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http://www.eca.usp.br/gestcom/pdf/costa_MC.pdf
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2.3. Outros dados que analisei foram os resultantes de um levantamento por amostragem,
realizado pela FDE, que serviram de base para a elaboração do Projeto O Cinema vai À Escola. Os
resultados da pesquisa com alunos e professores do Ensino Médio, são muito parecidos com as
pesquisas anteriores, isto é, demonstram que os professores, em sua maioria, são conhecedores
quase que exclusivamente da cinematografia estadunidense.
Foram consultados 290 professores de Ensino Médio, distribuídos uniformemente entre as áreas
curriculares e 606 alunos distribuídos entre 1ª série do Ensino Médio (40,5%), 2ª série (36,5%),
com menor participação da 3ª série (23%).
Foi formulada a seguinte pergunta aos professores: “Levando-se em consideração os interesses e
as necessidades de seus alunos do Ensino Médio, cite até dois filmes que você gostaria de assistir
com eles”. Aos alunos, foi perguntado que filme eles gostariam de ver e discutir na escola.
Podemos inferir que os professores não pensaram apenas nos filmes que eles gostam, mas
naqueles que poderiam ser compartilhados com seus alunos, portanto, possivelmente relacionaram o
que eles supunham ser do repertório dos alunos, ou, pelo menos, interessantes para o processo
educativo. Os filmes apontados pela ordem de preferência foram: O Dia Depois de Amanhã
(Roland Emmerich, EUA, 2004), O Primo Basílio (Daniel Filho, BRA, 2007), Uma Verdade
Inconveniente (Davis Guggenheim, EUA, 2006), O Nome da Rosa (Jean-Jacques Annaud,
FRA/ITA/ALE, 1986), Sociedade dos Poetas Mortos (Peter Weir, EUA, 1989), Em Busca da
Felicidade (Brad Isaacs, EUA, 2006), Escritores da Liberdade (Richard LaGravenese, EUA/ALE,
2007), Tróia (Wolfgang Petersen, EUA, 2004), Uma Mente Brilhante (Ron Howard, EUA, 2001),
Ao Mestre com Carinho (James Clavell, ING, 1967).
A maioria dos filmes (70%) foi produzida na época em que foi realizada a pesquisa (2007),
sendo o seu consumo envolto em intensa propaganda e distribuição, o que sugere que as respostas
reflitam o impacto dos lançamentos recentes no cinema e em DVD. Os filmes mais antigos são dois
“filmes de escola”10 – Ao Mestre com Carinho (1967) e Sociedade dos Poetas Mortos (1989) e um
“filme histórico”11 ambientado na Idade Média – O Nome da Rosa, muito usado por professores de
10
Termo usado por críticos de cinema, mas também por alguns pesquisadores como Rosália Duarte. São filmes com protagonismo
docente e ambientação prioritária em ambiente escolar.
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Filmes contextualizados em épocas passadas, normalmente com representações sobre grandes acontecimentos do passado, como
guerras, crises, trocas de poder, temáticas sobre relações amorosas do passado, etc.
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História, possivelmente de forma “ilustrativa’. O filme mais citado pelos professores O Dia Depois
de Amanhã (que também aparecerá na lista dos alunos), é uma superprodução de 2004 que, embora
repleta de efeitos especiais, discute questões ambientais, com críticas ao governo norte-americano.
O mesmo tema também aparece no terceiro filme escolhido pelos professores, nesse caso um
documentário - Uma Verdade Inconveniente - protagonizado por Al Gore, candidato derrotado às
eleições norte-americanas e que traz críticas ferozes ao governo Bush.
O único título brasileiro entre os citados pelos professores é O Primo Basílio (Daniel Filho,
2007). Com distribuição pela Globo Filmes, contendo elenco de atores conhecidos pelas telenovelas
globais. A produção era recente e teve farta campanha publicitária. Trata-se de uma adaptação do
romance de Eça de Queiroz, portanto, segundo a lógica da cultura escolar, facilmente relacionada
ao conteúdo trabalhado no Ensino Médio.
Na pesquisa realizada com os alunos, aparecem três títulos brasileiros entre os mais
requisitados, sendo que dois eram filmes lançados com muito sucesso cinco anos antes da época da
pesquisa. Tropa de Elite, de 2007, o primeiro da lista representou um fenômeno de público, não
apenas em cópias “pirata”, mas também depois, quando lançado nas salas de cinema. Os outros são:
Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002) e Carandiru (Hector Babenco,
Brasil/Argentina, 2003). Os três filmes nacionais tratam da violência urbana e representavam a
tendência de temática com sucesso de público dos filmes brasileiros. Todos os outros filmes citados
pelos alunos correspondiam a grandes lançamentos de distribuidoras estadunidenses, sendo que dois
deles – Tróia e 300, aventuras ligadas a acontecimentos históricos.
Novamente vemos uma convergência de repertório, sempre ligado às grandes produções
estadunidenses, de alunos e professores. No caso desse levantamento, os filmes brasileiros foram
mais lembrados pelos jovens do Ensino Médio.
Entendo que, embora tenha sido solicitado que os professores citassem filmes para serem
assistidos com alunos, a ausência do cinema brasileiro revela o desconhecimento por parte dos
docentes da nossa cinematografia.
A pesquisa realizada pela FDE traz à tona alguns aspectos do repertório cultural dos
professores. No mesmo levantamento era solicitada a indicação de temas a serem trabalhados com
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os alunos. Esses dados serviram de base para a elaboração do Projeto O Cinema vai à Escola, cuja
aplicação eu analisei, em parte, na pesquisa de campo que desenvolvi para a tese de doutorado12.
Vários dos equívocos apontados pelos estudiosos de cinema e educação foram verificados. A
primeira avaliação da FDE em relação ao projeto13, considerada apenas a primeira parte (caixa com
20 filmes em DVD), revela, entre outros dados, que os filmes brasileiros foram pouco utilizados
pelos professores.
O único filme brasileiro apontado na pesquisa como bem utilizado foi Narradores de Javé
(Eliane Caffé, 2003). Trata-se de uma comédia que, entre outros temas, fala da importância do
letramento. Este aspecto foi abordado em reuniões de planejamento e muito ressaltado na pesquisa
de campo nas escolas, portanto, é bastante plausível que os professores esperem um apelo
claramente pedagógico de um filme para ver algum sentido em utilizá-lo.
3.A Experiência do Clube do Professor
O Clube do Professor é um serviço gratuito oferecido, desde 2001, a todos os professores (de
qualquer rede de ensino, da rede pública ou privada), com sessões aos sábados pela manhã (11 h).
Os filmes exibidos são os do circuito do Espaço Itaú de Cinema (antigo Espaço Unibanco de
Cinema) no Shopping Frei Caneca, em São Paulo. O mesmo programa existe em várias capitais do
país. Embora eu já conhecesse o clube, passei a ser frequentadora assídua desde meados de 2010.
Os professores devem cadastrar-se, ganham uma carteirinha e podem levar um acompanhante às
sessões. São sempre exibidos dois filmes que estão estreando nos cinemas (às vezes, ainda nem
estreou no circuito comercial). Normalmente são disponibilizadas quatro salas do complexo, duas
para cada filme. Segundo dados fornecidos pela organização, o projeto atende, por sábado, entre
200 e 300 professores. Em feriados e nos meses de férias escolares, esse número aumenta
significativamente, sendo que é comum, em janeiro, muitos professores não conseguirem ingresso,
porque as quatro salas estão lotadas.
Patrícia Durães – pedagoga, criadora e coordenadora do Clube do Professor – concedeu-me uma
entrevista, em janeiro de 2011, para me explicar o projeto. Segundo ela, a programação aposta na
1212
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/tde-23092011-174020/pt-br.php
http://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/administracao/Anexos/Documentos/320120508113120Novos%20filmes%20n
ovas%20demandas%20-%20Eva%20Dantas.pdf
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diversidade, incluindo obras de todas as nacionalidades, inéditos, clássicos e filmes do circuito
comercial. O objetivo é ampliar o universo cinematográfico do professor, visando o prazer de ver
um bom filme em uma sala especializada, sem o compromisso de um trabalho pedagógico imediato
à experiência cinematográfica.
Patrícia compartilhou comigo as mesmas preocupações já levantadas pelos outros estudiosos de
Cinema e Educação (Franco, Duarte, Napolitano). Entende que os professores devem conhecer a
diversidade de filmes produzidos para que se sintam bem formados culturalmente e, como
decorrência, levem o cinema para a sala de aula.
Trata-se de um ambiente muito interessante para pesquisa e me sinto uma observadora
participante, ao perceber um comportamento diferenciado da categoria docente em relação a outros
públicos de cinema. Por exemplo, durante o filme, o silêncio na sala é absoluto e, se algum telefone
celular soar, o dono corre o risco de ser linchado. Raramente há conversa de alguém durante o
filme e, caso aconteça, as pessoas são duramente reprimidas. Quando ocorre alguma falha por parte
dos atendentes do espaço, o nível de exigência do professor-consumidor é altíssimo. Muitas são as
reclamações, caso o som não funcione corretamente ou se a fila não estiver bem organizada. Notase também boa presença de professores e professoras aposentados. Após dois anos de frequência já
é possível notar que muitos bastante assíduos. Alguns já se organizam em grupos e saem do cinema
para almoçar juntos, no shopping.
Como se trata de um projeto informal, não ligado à escola, suponho que a escolha dos filmes
seja mais espontânea. Na escola, é bem possível que o professor se preocupe com sua imagem e
escolha um filme “mais educativo”. É fácil perceber que os professores, no Clube, se sentem em um
momento de lazer.
Também é fácil verificar que os filmes brasileiros não estão entre os preferidos por eles. É
comum que os professores perguntem à bilheteira: “qual é o estrangeiro?”, não importando se o
filme é iraniano, estadunidense ou italiano. Já houve manifestações claras, dirigidas à Patrícia
Durães, de que eles queriam “filmes do Oscar”.
É comum que, em estreia de um filme nacional, o diretor compareça como convidado, para um
debate ao final da sessão. Essa novidade costuma ser anunciada com antecedência, por e-mail e na
porta do cinema. Ainda assim, a sala tem pouco público (enquanto a outra, com o filme estrangeiro,
está lotada) e, no início do debate, o público diminui ainda mais.
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Já promovi algumas conversas informais na fila, ou dentro das salas e uma das frases mais
ouvidas é “não assisto a filme nacional”.
Interessante pensar que se trata de um público diferenciado, particularmente atento a uma
cinematografia variada, com muito gosto pelo cinema. Percebe-se que vários vêm de longe, muitas
vezes com transporte público, deslocando-se de várias regiões de São Paulo, aos sábados pela
amanhã, para assistir a filmes de estreia. Não se pode dizer que sejam espectadores voltados para o
cinema excessivamente comercial, até porque raras vezes é exibido no Clube do Professor algum
filme de ação que poderíamos classificar como blockbuster. Ainda assim, a resistência aos filmes
brasileiros é flagrante.
Tais observações me instigam a pesquisar com maior profundidade e sistematização o consumo
cultural dos professores e tentar compreender as razões desse preconceito.
4.O fim e o princípio
Segundo Canclini (1999), o exercício da cidadania também está ligado à capacidade de
apropriação de bens de consumo e de bens simbólicos. As lutas contras as desigualdades sociais
também se revelam em novos formatos de consumo, novos modos de uso, em alternativas
comportamentais:
Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço
e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses – recebem sua
resposta mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que nas
regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em espaços públicos (Canclini, 1999:37)
Entendendo, a partir dos estudos de Canclini, que o consumo é também um ritual constitutivo da
identidade do consumidor. O consumo cultural de filmes também revela um posicionamento,
consciente ou não, de como se quer a diversão, a informação, o lazer e o conhecimento.
Preocupa-me o fato de educadores demonstrarem desconhecimento de produções culturais de
outros povos, além daqueles que mais exportam filmes.
O projeto de lei do senador Cristovam Buarque, que vem do campo da Educação, certamente
deriva da compreensão de que o cinema brasileiro deve compor o currículo das escolas, para que, ao
lado de outras expressões artísticas, faça parte da formação identitária e cidadã dos nossos
educandos. Preocupação nobre e justa. O que tentei fazer mostrando algumas pesquisas com
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professores é que não basta considerar, até como política pública, que o conhecimento do cinema
brasileiro é positivo. É preciso levar essa reflexão às escolas, aos cursos de licenciatura, a todo tipo
de formação docente para que, ao menos, os professores se perguntem por que não assistem ao
nosso cinema. Seria uma recusa estética? Seria uma postura ideológica de total aderência à indústria
hollywoodiana? O que nos parece é que não há consciência por parte dos educadores de que
consumo cultural também é parte da nossa cidadania.
Entendo como necessária uma pesquisa mais sistemática sobre o tema, de forma que os
formuladores das políticas públicas sintam a realidade da cultura escolar. A partir do conhecimento
dessas bases é que se pode promover formação de professores e transformações mais efetivas e
verdadeiras. Do contrário, a iniciativa do senador será mais uma “lei que não vai pegar”.
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