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SUMARIO GT – 09
A OBSOLESCÊNCIA PLANEJADA, A SERVIDÃO MODERNA E A INFLUÊNCIA DO MODO DE VIDA AMERICANO BASEADO NA SUPERPRODUÇÃO E NO DESPERDÍCIO _______________ 3 PEREIRA, Fábio Vasconcelos Lima ______________________________________________ 3 PEDROSA, José Geraldo ______________________________________________________ 3 A PROPOSTA DA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL BRASILEIRA SOB A PERSPECTIVA DE DEWEY OU DE GRAMSCI? __________________________________________________________ 20 SILVA, Lorena Teixeira da ___________________________________________________ 20 COSTA, Ana Maria Raiol da __________________________________________________ 20 A PSICOLOGIA AMERICANA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO INDUSTRIAL BRASILEIRO: DÉCADAS DE 1940‐1960 __________________________________________ 38 BIÃO, Fernanda Leite _______________________________________________________ 38 PEDROSA, José Geraldo _____________________________________________________ 38 AGENTES DO ENSINO INDUSTRIAL NO BRASIL: EUROPEÍSMO E AMERICANISMO _______ 60 SANTOS, Oldair Glatson dos _________________________________________________ 60 PEDROSA, José Geraldo _____________________________________________________ 60 AMERICANISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL: O PROJETO DOS GINÁSIOS POLIVALENTES (1971–1974) ______________________________________________________________ 82 BITTENCOURT JR, Nilton F. __________________________________________________ 82 PEDROSA, José G. __________________________________________________________ 82 EDUCAÇÃO ESCOLAR E AMERICANISMO EM ESCRITOS DE 1927 E 1934 DE ANÍSIO TEIXEIRA
_______________________________________________________________________ 106 CARVALHO, Darlene O C de _________________________________________________ 106 2
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GREATHOUSE, Mark A R ___________________________________________________ 106 PEDROSA, José G _________________________________________________________ 106 O AMERICANISMO E A EDUCAÇÃO: A TRAJETÓRIA BRASILEIRA DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE E DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA __________________________ 127 BARBOSA, Adriana M. _____________________________________________________ 127 GERALDO, Romário _______________________________________________________ 127 ALKMIM, Giuliano Viana de ________________________________________________ 128 THE MELTING POT: A AMERICANIZAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICAENTRE 1908 E A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL _____________________________________________ 150 SILVA, Maxwel F. _________________________________________________________ 150 PEDROSA, José G. _________________________________________________________ 150 3
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A OBSOLESCÊNCIA PLANEJADA, A SERVIDÃO MODERNA E A
INFLUÊNCIA DO MODO DE VIDA AMERICANO BASEADO NA
SUPERPRODUÇÃO E NO DESPERDÍCIO
PEREIRA, Fábio Vasconcelos Lima1 – e-mail: [email protected]
PEDROSA, José Geraldo2 – e-mail: [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG
Avenida Amazonas, 7.675, Bairro Nova Gameleira
CEP 30.510-000 – Belo Horizonte – Minas Gerais
Resumo: O propósito, neste artigo, é refletir sobre o americanismo, os impactos e a
influência da produtividade da indústria americana, os meios de persuasão de massas e a
deterioração dos princípios sociais, centrado nos conceitos de obsolescência planejada,
consumismo, consumerismo e consequências ambientais dessa superprodução. Para tal, esse
artigo tomou como obra básica de pesquisa o livro de Vance Packard, publicado em 1960,
cujo título é Estratégia do desperdício. A abordagem realizada é fruto do Programa de
Pesquisas Americanismo, Trabalho e Educação, inserido no Mestrado em Educação
Tecnológica do CEFET-MG. Um dos focos desse Programa é a identificação e o estudo de
autores que escreveram sobre a condição americana e o americanismo desde o século XIX.
Vance Packard (1914-1996) projetou-se como um crítico social ao abordar questões como a
ética no uso de técnicas de pesquisa de comportamento dos consumidores. O propósito do
artigo não é realizar comparações entre diversas culturas ou estabelecer quais poderiam ser
os melhores caminhos sustentáveis para o desenvolvimento econômico e social, ainda que
essa discussão esteja em voga. O que se busca são referências trazidas por Packard (1960)
1
Graduação em Administração de Empresas pelo Centro Universitário UNA (2000), especialização (lato sensu)
em Administração Pública e Gestão Urbana pela PUCMinas (2009). mestrando em Educação Tecnológica pelo
CEFET-MG (2012). Atualmente é secretário do Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do CEFET-MG e
membro do Grupo de Estudos "Núcleo de Estudos Memória, História e Espaço" - NEMHE.
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Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas Gerais (1985), mestrado em
Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995) e doutorado em Educação: História, Política,
Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003). Realizou estágio pós-doutorado no
Instituto de Geociências da UFMG (2004/2005). É professor do ensino superior do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais, onde atua no Programa Especial de Formação Pedagógica de Docentes e no
Mestrado em Educação Tecnológica. Atualmente é coordenador do Mestrado em Educação Tecnológica.
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para se pensar a degradação da cultura americana em função da superprodução regulada
pela obsolescência planejada, entendendo o americanismo como ciclo civilizatório e sua
influência em outras nações. Nesse sentido, Packard (1960) fez indagações sobre o dilema do
desenvolvimento da sociedade vivendo na superabundância, as estratégias do jogo de
persuasão das massas e a preocupação com os recursos naturais e meio ambiente.
Palavras-chaves: Obsolescência planejada, Americanismo, Servidão moderna, Consumismo.
1
INTRODUÇÃO
O presente artigo cuja obra básica é o livro de Vance Packard, publicado em 1960,
intitulado Estratégia do desperdício é fruto do Programa de Pesquisas Americanismo,
Trabalho e Educação, inserido no Mestrado em Educação Tecnológica do CEFET-MG. Um
dos focos desse Programa é a identificação e o estudo de autores que escreveram sobre a
condição americana e o americanismo desde o século XIX.
Somos testemunhas de intensas mudanças nos processos produtivos e nas formas de
consumo, afetando ambientes naturais e culturais, com inúmeras implicações sociais. É na
compreensão de complexas e imbricadas transformações sociotécnicas, materiais e ambientais
que a obra de Vance Packard propõe uma reflexão sobre a temática ciência, tecnologia e
cultura. Essa obra fundamenta-se na degradação do american way of life sustentado no
consumismo, no desperdício e na destruição do meio ambiente. É nesse contexto que este
artigo tomou como obra básica de pesquisa o livro de Vance Packard, publicado em 1960,
cujo título é Estratégia do desperdício.
Vance Packard (1914-1996) trabalhou como jornalista em diversos jornais e revistas dos
Estados Unidos da América, escreveu doze livros, no período de 1946 a 1989 e conquistou
notoriedade como crítico social abordando questões como ética do uso de técnicas de pesquisa
de comportamento dos consumidores pela indústria da propaganda. Abordagens como essa o
projetou como um crítico social no cenário nacional norte-americano.
O forte ritmo de inovação, demandada pela necessidade dos processos produtivos,
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antepõe preocupações e interrogações quanto aos seus efeitos na vida contemporânea e na
rearticulação de experiências sociais. As mudanças de padrões sociais em função da
promoção do consumismo constituem uma das preocupações centrais de Packard (1960). Essa
perspectiva sobre tais mudanças, como degradação dos valores sociais em detrimento da
produção do conhecimento e a supressão das diferenças regionais em detrimento da
manutenção do sistema produtivo, potencializam os riscos das inovações tecnológicas que
refletem na economia, na cultura e no ambiente sociopolítico (PACKARD, 1960).
Minorando-se tais riscos torna-se possível aproveitar as inovações tecnológicas como
ferramentas para melhorar a sociedade. Aplica-se nesse aspecto o entendimento de inovação
não somente em seu sentido técnico produtivo, mas também como condição sob aspectos
econômicos com acesso a bens e recursos, sob aspectos culturais com acesso à informação e
sob aspectos sociais com desenvolvimento e inclusão (BRITTOS, 2003).
Reflexões sobre ética, valores sociais e desenvolvimento científico e tecnológico
também estão presentes no livro de Packard (1960) quando ele manifesta sua preocupação
com os sistemáticos esforços que têm sido feitos “para encorajar os cidadãos a tornarem-se
mais descuidados e extravagantes com os recursos [naturais]” (PACKARD, 1960, p. 7).
Embora o livro de Packard (1960) faça referências ao modelo cultural americano, suas
reflexões são relevantes a todos os países que sofrem direta ou indiretamente a influência da
massificação da cultura americana (ORTIZ, 1986). Essa incorporação da cultura tecnológica
traz consequências nas interações sociais ao planificar as diferenças, ao uniformizar as
personalidades e obscurecer as consciências.
Segundo Packard (1960), na década de 1950, a pressa do sistema produtivo
impossibilitava sistematicamente o desenvolvimento de melhoramentos significativos nos
produtos existentes. Já naquela época, as modernizações frequentemente se limitavam a
“alterações e melhoramentos superficiais que pudessem ser aproveitados como sugestões de
venda pelos redatores de publicidade” (PACKARD, 1960, p. 12). Essas inovações relativas
proporcionam pensar no grande volume de recursos destinados a gerar produtos, processos e
serviços inovadores, possibilita questionar os diferentes aspectos e abordagens que impactam
a gestão da inovação nas organizações com foco em (BRITTOS, 2003). Nesse sentido, o
questionamento predominante nos dias de hoje é: como inovar permanentemente por meio de
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processos bem sistematizados e, ao mesmo tempo, incorporar as questões de sustentabilidade?
Entretanto, trazer esse questionamento para as reflexões propostas por Packard (1960),
permite levantar as seguintes proposições: A sociedade realmente demanda todos os produtos
dessa superprodução? Quais inovações são verdadeiramente significativas? A produção de
quais bens de consumo justifica a degradação do meio ambiente?
O discurso comum hoje é sobre o desafio de desenvolver produtos e processos
ambientalmente corretos e que levem em conta aspectos como reciclagem e maximização do
uso de materiais. Ou seja, mais produtos com menos recursos naturais (ANDRADE, 2004;
VERASZTO, et al., 2007). Essa premissa corrobora as considerações de Packard (1960)
quando ele faz referências aos pronunciamentos de diretores, consumidores e publicitários,
com declarações referentes ao sistema produtivo baseado no consumismo exacerbado, à
deterioração da cultura americana e às estratégias de persuasão, cujos objetivos são promover
o consumismo e o desperdício.
De acordo com o livro de Packard (1960), a crescente necessidade de se acelerar o fluxo
de consumo (produzir, vender/comprar, descartar), estava se tornando um problema também
para os agentes de publicidade na primeira metade do século XX. A fim de sustentar uma
economia
enormemente
produtiva,
especialistas
elaboraram
estratégias
“[...]
que
transformassem grande número de americanos em consumidores vorazes, esbanjadores,
compulsivos [...]” (PACKARD, 1960, p. 24). Nessa concepção, especialistas direcionaram os
seus esforços a incitar uma mentalidade de consumo incorporada ao modo de vida americano,
transformando a “[...] compra e uso de mercadorias em rituais, que procuremos nossas
satisfações espirituais, as satisfações de nosso ego no consumo [...]” (PACKARD, 1960, p.
23). Desse modo, para atender a esse fluxo de consumo/desperdício, são apresentadas na obra,
estratégias de obsolescência planejada que por décadas influenciaram a cultura americana e,
por um desdobramento de influência, o mundo globalizado. Essa influência americanizadora
sobre outras nações é citada e há algumas considerações sobre a vazão e descarte de produção,
mas esse não é o objetivo principal da obra de Packard. Esse marco civilizatório, conceituado
como americanismo, segundo Pedrosa (2010), é
[...] uma noção multifacetada. [...] Aléxis de Tocqueville (2005) é o primeiro, já por
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volta de 1830, a elaborar uma perspectiva de declínio do europeísmo e de
emergência de um novo mundo em terras do além mar, nos EUA. Max Weber (1992)
também percebera já no final do século XIX as diferenças culturais entre a Europa e
os EUA e as vantagens, na terra de Benjamin Franklin, para a expansão da ciência e
do capital. Mas Tocqueville e Weber não usaram o termo americanismo em suas
abordagens. [...] Quem usou pela primeira vez o termo americanismo para referir-se
ao ethos ou ao caráter estadunidense foi o Vaticano, na passagem do século XIX
para o XX. Na linguagem da Igreja Católica o termo designava o modo particular de
existência do catolicismo dos EUA. Na filosofia social o termo americanismo foi
cravado por Gramsci (2001), nas décadas de 1920 e 30, para identificar o novo
homem que estava sendo criado pela simbiose americanismo-fordismo (PEDROSA,
2011, p. 2-3).
Para Lobato (1950) o americanismo é a sociedade-máquina, que funciona como uma
grande engrenagem social que planifica a resignação. Desse modo a maquinização equivale à
colmeização da sociedade e inviabiliza a independência do indivíduo, inibindo o exercício de
autoconhecimento e exercício da alteridade (LOBATO, 1950). Maquinização é equivalente à
padronização: “Cada novo invento significa passo à frente para a vida agregada, para a
uniformidade, para o padrão. A tendência é fortificar os grupos, fundi-los em grupos sempre
maiores, integrar o individuo (sic) na massa [...]. Criar, em suma, o homem-abelha”
(LOBATO, 1950, p. 259). O raciocínio de Lobato parece encaminhar-se para a plena
indignação com essa falta de vida individual, mas não é isso que ocorre: Lobato era
americáfilo e difusor da americanidade no Brasil.
Diversos exemplos de estratégias são apresentados por Packard (1960). Em todas há
relações com elementos emocionais, instintivos, psicológicos e pseudorracionais para
justificar o consumismo e suprimir o consumerismo3. Segundo Mantello (2012), nessa lógica
de persuasão, construía numa sociedade de consumo, as possibilidades são infinitas dentro do
processo de substituição e o volume de objetos sedutores à disposição nunca pode ser
exaurido. Nesse sentido, a teoria lacaniana de Lacan (1999) ajuda-nos a entender o processo
de motivação para o consumo na contemporaneidade. Essa motivação criada de um desejo
inventado nasce de uma falta constitutiva do ser humano, mas o consumo preenche um vazio
‘impreenchível’. (MANTELLO, 2012).
Sistematicamente bombardeado pela mídia, o consumidor é convencido a comprar pelos
3
O termo consumerismo designa um tipo de atitude oposta ao consumismo e caracteriza-se por um consumo
racional, controlado e responsável. Nesse aspecto, as consequências econômicas, sociais, culturais e ambientais
do próprio ato de consumir estão em primeiro plano.
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mais efêmeros motivos. Pretextos irrelevantes como cores, acabamentos inexpressivos ou
aprimoramentos insignificantes bastam para justificar a irracionalidade de se descartar o bem
já adquirido por outro que serve para os mesmos fins. Consequentemente, essa compreensão
distorcida do conceito de artigos duráveis gera um substancial custo ambiental.
Diferentemente ou contrariamente o senso comum, avanço tecnocientífico não é
sinônimo de redução das desigualdades sociais. Tais avanços também podem ser devastadores
para culturas regionais ou para o meio ambiente. Essa ideologia do discurso tecnocientífico,
segundo Ortiz (1986), é um exemplo do elemento de racionalidade, distinto de normas e de
valores expresso dentro de precisos limites impostos pela ideologia dominante e controlado
pelos valores tradicionais. Essa ideologia da tecnologia “moderna” é sedutoramente otimista
por se tratar sempre do porvir, é idealizadora, por pressupor um progresso indiscriminado e
igualitário, e é tendenciosa por pretender possuir a verdade solução de todos os problemas
indispensáveis ao desenvolvimento humano (ORTIZ, 1986).
OBSOLESCÊNCIA PLANEJADA
Para qualificar a expressão obsolescência planejada, Packard (1960) apresenta três
modos diferentes de obsolescência. A primeira é a obsolescência de função, ou seja, “um
produto existente toma-se antiquado quando é introduzido um produto que executa melhor a
função” (PACKARD, 1960, p. 51). A segunda é a obsolescência de qualidade, onde “um
produto quebra-se ou gasta-se em determinado tempo, geralmente não muito longo”
(PACKARD, 1960, p. 51). E, finalmente, a obsolescência de desejabilidade, ocorre quando
“um produto que ainda está sólido, em termos de qualidade ou performance, torna-se ‘gasto’
em nossa mente porque um aprimoramento de estilo ou outra modificação faz com que fique
menos desejável” (PACKARD, 1960, p. 51).
Não considerando os obscuros movimentos de manipulação, o primeiro tipo de
obsolescência, a funcional, é a mais próxima dos princípios de sustentabilidade, considerando
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que nessa lógica o produto não é criado com defeitos congênitos, aumentando assim a vida
útil e a redução do descarte e da supergeração de lixo em função da substituição precoce. Esse
tipo de obsolescência ocorre quando há a introdução de um produto genuinamente
aperfeiçoado. Essa obscuridade consiste na obsolescência artificial que se fundamenta na
consideração de que toda mudança ajuda a criar obsolescência. Nesse fluxo, cria-se uma
obsolescência dinâmica com frequentes modificações meramente visíveis, pois a variedade e
a mudança aceleram a obsolescência. O livro de Packard (1960) centra-se em analisar a
criação da obsolescência de qualidade e de desejabilidade como estratégias para a
manutenção do sistema capitalista (PACKARD, 1960).
Embora o livro Estratégia do desperdício tenha sido publicado pela primeira vez em
1960, em suas pesquisas, Packard (1960) identificou a manipulação da obsolescência por
qualidade desde a década de 1920. A obsolescência congênita, proveniente do rebaixamento
oculto dos padrões de qualidade, foi uma estratégia para aumento de vendas desde aquela
época. Esse tipo de obsolescência foi a mais discutido por Packard (1960), pois muitos dos
rebaixamentos de qualidade não são percebidos e, as agências reguladoras, que deveriam
proteger o consumidor, estão mais interessadas em preservar o equilíbrio de mercado em
favor das grandes corporações. Segundo Packard (1960), esse empobrecimento estrutural de
um produto é proveniente do esforço de encurtar a vida útil e, consequentemente, levar o
proprietário/consumidor mais rapidamente ao mercado à procura de substituições. Sobre essa
lógica, desenvolvem-se peças destinadas a um desgaste controlável e imperceptível ao
consumidor.
Com a obsolescência congênita os fabricantes ganham mais nas vendas,
disponibilizando produtos com uma vida útil intencionalmente controlada, e ganham na
assistência técnica, vendendo serviço e peças de substituição. Nessa concepção, quanto mais
acessórios são adicionados aos produtos, mais acessórios poderão apresentar defeitos. Desse
modo, há maiores lucros de vendas por quantidade e maiores lucros de manutenção
(PACKARD, 1960).
A obsolescência de desejabilidade ou obsolescência psicológica consiste em gastar o
produto na mente do proprietário. Assim, o proprietário/consumidor é induzindo a desejar um
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produto novo, mesmo que o produto que já possua esteja em perfeitas condições de uso ou
atenda perfeitamente bem os fins a que se destina. Desse modo, o estilo passou a ser cultuado
como um importante elemento na desejabilidade de produto. Segundo Packard (1960), “uma
vez aceita essa premissa, é possível criar a obsolescência na mente [do consumidor]
simplesmente mudando-se para outro estilo” (PACKARD, 1960, p. 64). Nessa linha de
raciocínio, a obsolescência psicológica induz o consumidor a se preocupar mais com as
aparentes modificações do que com as benfeitorias substancialmente efetivas. Segundo Louis
Cheskin, um cientista social citado na obra de Packard, essa obsolescência por desejabilidade
é um sintoma da degradação da cultura americana, com proporções nacionais, indistintamente
de classe social e está “relacionada com a prevalência de tédio, falta de autoexpressão,
ausência de comunicação livre e realmente amistosa entre vizinhos e amigos, e uma falta geral
de valores racionais” (PACKARD, 1960, p. 71). Esse sentido de obsolescência por
desejabilidade está relacionado à necessidade de reconhecimento social e valores sociais
distorcidos.
O sistema de endividamento, segundo Packard (1960), transformou-se em uma
estratégia viável tão logo foi percebido um decréscimo nas vendas em razão do aumento geral
de abundância dos bens adquiridos. Para promover essa ideologia, foi iniciado um trabalho de
convencimento massificado, explorando a estratégia de venda a crédito como uma das
grandes forças renovadoras da economia americana. Essa empreitada deu novo fôlego ao
consumismo e ao desperdício, fazendo o consumidor acreditar que “pedir empréstimo não era
vergonhoso e sim um passo de quem olha para frente” (PACKARD, 1960, p. 139). “[...] viver
em dívida passou a ser glorificado não apenas como divertido, mas também como patriótico”
(PACKARD, 1960, p. 147-148). Consequentemente, durante a década de 1950, “a dívida de
consumidores aumentou três vezes mais depressa que a renda pessoal” (PACKARD, 1960, p.
140).
A SERVIDÃO MODERNA
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A servidão moderna é uma escravidão voluntária. Dependente da necessidade de
consumir o indivíduo não luta mais pela sobrevivência, mas por um objeto que lhes
proporcione status social. A ideologia de massa despoja o indivíduo de si mesmo na regra do
consumo como prazer imediato que sustenta um arranjo social resultante da reciclagem de
vontades (BAUMAN, 2008). Conduzido pela ininterrupta e insaciável necessidade de
consumir, o próprio indivíduo compra as mercadorias que o escraviza cada vez mais.
Conforme Franco (2011), “A precarização do mundo do trabalho e a desregulação social em
curso apontam para um processo de apagamento das noções de limites [...]” (FRANCO, 2011).
Desse modo, comprando o que lhe é imposto, não é mais a demanda que determina a oferta,
mas sim a oferta que determina a demanda (PEIXOTO, 2010).
Para Adorno e Horkheimer (1985) a eliminação do privilégio da cultura pela redundante
oferta de bens culturais não introduz as massas nas áreas de que eram até então excluídas. Sob
essa pretensão de inserção cultural e nas condições sociais existentes, a sobrecarga de
informações serve, ao contrário, justamente para a decadência da cultura e para o progresso da
incoerência bárbara. A quantidade de informações disponíveis não representa, desse modo,
uma democratização ou um aumento do nível cultural dos indivíduos, pois a indiferenciação
entre informação e conhecimento contribui para a alienação e falseia o esclarecimento.
Segundo Adorno e Horkheimer (1985), “[...] o preço que os homens pagam pelo aumento de
seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. [...] Nessa metamorfose, a
essência das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação”
(ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 18).
Recém-saído da 2ª Guerra Mundial, os EUA viviam dias de nação vitoriosa vendendo a
ideia da Revolução Verde. Apoiado pelo governo americano e influenciando outras nações, a
Revolução Verde tratava-se de um plano ideológico combater a fome das populações dos
países do terceiro mundo. Com o discurso de assegurar a paz e livrá-las das influências
comunistas instituições multilaterais do governo americano incentivavam o cultivo de
sementes de alta produtividade cuja eficiência era garantida pela aplicação indiscriminada de
recursos tecnológicos em sementes, em adubos e, principalmente em inseticidas. A falsa
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ilusão da abundância de alimentos disfarça o uso indiscriminado de pesticidas, de produtos
descartáveis disfarça a degradação do meio ambiente e de prestação de serviços disfarça a
exploração de mão de obra, a alienação e a subjugação do indivíduo (BRITO, 2010). Segundo
Carson (1962), cada refeição que comemos possui sua carga de “hidrocarbonetos clorados”
como uma “consequência inevitável da pulverização quase universal das culturas agrícolas”
com venenos (CARSON, 1962, p. 188).
A surpreendente modernidade da nossa época tirou do indivíduo a consciência de sua
exploração e de sua alienação. Pela perturbadora necessidade de consumir, os trabalhos cada
vez mais alienantes lhes é dado se demonstrarem suficientemente domados. Diferentemente
dos escravos, dos servos dos operários das primeiras revoluções industriais, estamos hoje
diante de uma classe escravizada que não sabe e não quer saber. Eles ignoram o que deveria
ser a única e legítima reação dos explorados. A renúncia e a resignação são as fontes dessa
calamidade cujos explorados aceitam sem questionar a lamentável vida planejada para eles
como se fosse uma escolha voluntária e consciente (ADORNO e HORKHEIMER, 1985).
Por meio da mecanização e da informatização, a racionalização e o controle do trabalho
impõe os ritmos pelos tempos do capital no processo de produção e na circulação e no
consumo. A supressão e a neutralização de quaisquer práticas de resistência ou reivindicação
trabalhista e corrida pela maximização da mais-valia tem impulsionado a alienação do
trabalhador e a precarização do trabalho (FRANCO, 2011). Conforme Franco (2011),
A desalienação social passa, necessariamente, pela redefinição do sentido do
trabalho [...] com o fortalecimento da razão social do trabalho. Uma razão social que
seja, simultaneamente, a busca dobem viver dos homens entre si, na e com a
natureza, ou seja, assentada em novos padrões de produção e consumo que, ao invés
de predatórios, se ajustem à natureza e a seus ciclos (FRANCO, 2011, p. 188).
A “sociedade do consumo” (BAUMAN, 2008) constitui-se de uma sociedade orientada
a consumir indiscriminadamente. Nessa condição, o processo de produção e comercialização
implica em promover uma sociedade cada vez mais acostumada e influenciada pelo ato de
comprar. A “criação de necessidades” é parte de um mundo onde o indivíduo é levado a
acreditar que o consumo é parte da natureza do ser humano. Nesse jogo, as necessidades são
criadas ou modificadas de acordo com os interesses do capital. Essa necessidade de consumir
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escraviza o indivíduo no imediatismo do ter sob o preço da sujeição ao trabalho precarizado e
degradante. Como consumir não é sinônimo de ter felicidade, as compensações de carências
não podem ser substituídas pelos bens adquiridos (BAUMAN, 2008).
O MEIO AMBIENTE, A OPULÊNCIA E A ACULTURAÇÃO
O processo de deterioração da cultura americana foi desenvolvido de modo a “despertar
um amor pelos bens materiais e um entusiasmo pela procura dos prazeres momentâneos”
(PACKARD, 1960, p. 151), tornando os americanos mais impulsivos em seus hábitos de
compra. O potencial produtivo, a convulsão das guerras e a incerteza da vida numa era
atômica também são fatores que substancialmente contribuíram para criar o espírito de viver o
momento e o hedonismo. “Houve uma mudança da filosofia de segurança e poupança para
uma filosofia de gasto e satisfação imediata [...] uma tendência a identificar o padrão de vida
com a posse de bens materiais [...]” (PACKARD, 1960, p. 160). Esse reconhecimento social,
em função dos bens materiais, corrobora as ideias de Bauman (2008) ao considerar que a
sociedade em que vivemos distingue as relações humanas a partir dos objetos de consumo.
Desta forma as pessoas são aceitas ou excluídas de seus grupos com base em sua capacidade
de consumir e pelos bens que ostenta. Diante de uma sociedade de consumo excessivo
situações de exclusão e de pobreza são perpetuados. Para Bauman (2008) o equilíbrio do
sistema baseia-se na contínua insatisfação e não na satisfação de desejos criados. A partir de
uma orientação para que o modelo de conduta seja sempre articulado através do ato de
consumir, produtos são associados a status, a felicidade e a sucesso como compensações ou
recompensas (BAUMAN, 2008; ORTIZ, 1986).
Segundo Packard (1960), a opulência fez dos americanos otimistas crônicos. Tal
mentalidade tornou-se uma ameaça para o meio ambiente. O livro Estratégia do desperdício
denuncia que os índices geometricamente crescentes de contaminação já era uma preocupação
na década de 1950. Nesse contexto, Packard (1960) declara que a degradação do meio
ambiente e o esgotamento dos recursos naturais é um dos principais motivos que fez com que
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os Estados Unidos se tornassem dependentes das riquezas naturais de outras nações. O
interesse dos Estados Unidos por outras nações fundamenta-se na exploração dos recursos
naturais e, simultaneamente, no escoamento de suas produções. Influenciados pelo cinema,
pelo turismo e pelos anúncios americanos, nações ansiosas por industrializarem-se, tornam-se
alvos fáceis para consumir os descartes das indústrias americanas (PACKARD, 1960). O
modo de vida americano e o seu modelo de sistema capitalista é desejado por diversos países
do mundo (ANDRADE, 2004; VERASZTO, et al., 2007). Desse modo, a cultura do
consumismo envolve a padronização dos produtos e a uniformização das necessidades e
desejos. Nesse fluxo, a oferta precede a percepção da necessidade e desejo de consumidores
que adquirem coisas apenas por extensão da sensação (MANTELLO, 2012).
Diante de todas as numerosas, sutis e hábeis técnicas de persuasão desenvolvidas para
encorajar os americanos a serem consumidores mais entusiásticos, Packard (1960) apresenta
os seguintes questionamentos acerca dos impactos e das consequências produzidas no caráter
da sociedade:
Que efeito exercem sobre o espírito humano todas essas pressões para consumir?
Que resultados já estão começando a aparecer como consequência de todos os
esforços no sentido de tornar os americanos mais hedonistas? Que está fazendo aos
padrões americanos de hábito a simples existência de abundância material cada vez
maior? (PACKARD, 1960, p. 220)
Avançando em suas reflexões, Packard (1960) descreve sua preocupação em relação às
consequências sociais produzidas em nível mais profundo do que os meros hábitos de
consumo. Não são poucos os conflitos de valores produzidos em alguém motivado a gastar
mais do que sua renda, a contribuir com a degradação do meio ambiente jogando fora bens
ainda aproveitáveis ou a preocupar-se com o reconhecimento social autoafirmando-se por
meio dos bens que possui. Esse sentimento de culpa e contínua incompletude demanda cada
vez mais energia para se desviar a atenção de um remorso por excessos. Incapaz de justificar
esse sentimento de incompletude, o próprio sistema funda-se em um pseudossistema de
moralidade que justifica tais hábitos (PACKARD, 1960).
Tais consequências e desdobramentos na sociedade em termos desse fenômeno
reconfigurador de cultura significam somente desenvolvimento material que coloca o
15
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indivíduo em segundo plano. O consumo acrítico e em massa contribui significativamente
para agravar descontrole e ingerência, validados como práticas socialmente aceitáveis. Nesse
aspecto, ao fazer referência aos pensamentos de Adorno e Horkheimer, Ortiz (1986) entende
que o conhecimento manipulatório pressupõe uma técnica e uma previsibilidade que possa
controlar de antemão o comportamento social (ORTIZ, 1986).
Esse culto a um modo de vida de crescente consumismo, em função da manutenção de
um sistema econômico, onde o objetivo é a “satisfação dos próprios apetites até os últimos
limites impostos pela higiene e economia” (PACKARD, 1960, p. 222), é ainda mais
contundente em outras passagens do livro de Packard. Empresários, economistas, consultores
e especialistas tecem as suas considerações sobre a deterioração da cultura americana onde o
“materialismo a procura da riqueza, amortece a sensibilidade em relação aos outros seres
humanos” (PACKARD, 1960, p. 226). Embora Packard (1960), do mesmo modo que os
antropólogos, confere ao conceito de cultura como o conjunto de práticas, de hábitos ou de
modo de vida compartilhados por um grupo, para os frankfurtianos cultura (Kultur), está
associado a arte, a filosofia, a literatura e a música. Nesse sentido, as artes expressam valores
que constituem o pano de fundo de uma sociedade e a cultura como um processo de
humanização deve se estender a toda sociedade (ORTIZ, 1986).
Enaltecendo o espírito americano de progresso, Packard (1960) resgatou as figuras de
Tocqueville e Mill, ao retratar um tempo em que a ideia de progresso era mais compreendida
como avanço do que exploração, sob a ótica de dois pensadores atentos à política e a uma
abordagem que se preocupava com as relações solidárias entre diversos elementos da
realidade social o,
[...] ardente materialismo como filosofia orientadora parecia mais apropriado em
épocas anteriores. Em princípio do século passado, o crítico francês Alexis de
Tocqueville observou que, “a América era uma terra de maravilhas, na qual tudo
está em constante movimento e toda mudança parece uma melhora”. John Stuart
Mill, observando mais ou menos a mesma azáfama e engrandecimento, apreciou-os
em termos menos lisonjeiros. Disse que os Estados Unidos eram uma terra onde o
progresso material representava tal preocupação que “a vida de todo um sexo é
dedicada à caça do dólar e a do outro à criação de caçadores de dólares”
(PACKARD, 1960, p. 296-297).
Essa preocupação é percebida ao se observar como a “vida da maioria dos americanos
16
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ficou tão entrelaçada com atos de consumo que os americanos tendem a extrair seus
sentimentos de significação na vida desses atos de consumo e não de suas meditações,
realizações, indagações, valor pessoal e serviço aos outros” (PACKARD, 1960, p. 297). O
resultado é uma “sociedade psicologicamente doente e psicologicamente empobrecida”
(PACKARD, 1960, p. 298) sustentando-se em uma economia altamente produtiva e viciada.
Nessa circunstância social a sociedade é ensinada a avaliar a sua satisfação na vida com base
nos bens materiais. Essa revalorização de princípios esquecidos é uma forte preocupação de
Packard (1960) para que os “cidadãos da nação consigam [construir] um ambiente que
conduza ao respeito próprio, à serenidade e à realização individual” (PACKARD, 1960, p.
304). Para tal, é imprescindível não mais cultuar o desperdício como uma virtude, e sim
aprender a “viver com sua abundância sem ser forçados a empobrecer seu espírito por excesso
de tolice em relação a ela” (PACKARD, 1960, p. 308).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro de Vance Packard é uma importante leitura para a compreensão da ideia de
obsolescência planejada. Esse livro possibilita-nos refletir sobre nossos hábitos de consumo e
nossa aculturação em detrimento de substituições morais por materiais. Embora esse livro
tenha sido escrito em 1960, seus pensamentos são atuais e ainda polêmicos.
Tomando como principal referência o livro de Packard (1960), esse artigo propõe uma
reflexão sobre o indivíduo e sua sujeição aos recursos tecnológicos e ao sistema de produção
de massa. A sociedade precisa se conscientizar que o tempo e a energia investidos para a
aquisição de bens materiais reduzem as oportunidades de conviver com o outro e de buscar o
autoconhecimento. Assim, se as necessidades de comprar serviços e bens forem
conscientemente reduzidas, a necessidade de vender o próprio tempo e as frustrações vindas
do consumo também diminuirão. É possível ser feliz sem o frenesi de consumo que a mídia
impõe.
17
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A preocupação com o meio ambiente carece de um reexame entre prioridades e
necessidades e entre ambiente e mercadorias. A abundância em relação às necessidades
materiais, já conquistada há muito tempo, deveria permitir ao indivíduo dedicar maior atenção
à educação, à saúde, à recreação e à rica e variada escala de atividades culturais. A sociedade
precisa se dar conta que o mundo, influenciado pelo modo de vida americano, está “gozando
de opulência privada no meio da pobreza pública” (PACKARD, 1960, p. 279).
Embora Packard (1960) também retrate uma grande preocupação com o meio ambiente,
tomando como principal denúncia a manipulação ideológica para a superprodução de bens
superfulos e consequente a superprodução de lixo, ele não teve a mesma repercussão que o
livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, publicado em 1962. Esse clássico, considerado
um marco do movimento ambientalista, denuncia o uso indiscriminado de pesticidas DDT.
Para justificar essa diferença de repercussões podemos fazer algumas conjecturas. O livro de
Carson (1962) ganhou visibilidade e recebeu formato de livro após a repercussão de um artigo
da autora publicado na revista americana The New Yorker. Tal repercussão também foi
propulsionada em função de um documentário sobre os efeitos do DDT, da rede de televisão
CBS, inspirado no livro de Carson. Na época, Carson já era reconhecida como uma escritora
famosa principalmente em função do Best‐seller O mar que nos cerca. Carson (1962)
denunciou especificamente os malefícios do DDT, Packard (1960) criticou o sistema
capitalista como um todo. Desse modo, não é difícil entender que a abordagem de Packard
(1960), ainda que de grande relevância para as reflexões sobre o meio ambiente, dificulta o
apoio de grupos específicos tendo em vista que ele denuncia o sistema capitalista como um
todo (CARSON, 1962; PACKARD, 1960).
Alimentando o individualismo e aniquilando a personalidade do indivíduo, o consumo
glorificado diminui as sensibilidades do ser humano. A sustentabilidade, como prática
discursiva, não pode ser reduza-se a um simples argumento de marketing. O processo de
valorização do consumo atinge uma condição preocupante dentro da sociedade atual que se
deixa alienar pelo ato do consumo e pelo espaço no qual vive.
18
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Abstract: The purpose in this article is to reflect on Americanism, impact and influence the
productivity of American industry, the means of mass persuasion and the deterioration of
social principles, focusing on the concepts of planned obsolescence, consumerism,
consumerism and environmental consequences of that overproduction. Thereby, this article
took as basic work of researched Vance Packard's book, published in 1960, entitled Strategy
of waste. The approach realized here is the result of Research Program: Americanism, Work
and Education, inserted in the Masters in Education Technology CEFET-MG. One focus of
this program is the identification and study of authors who wrote about the American
condition and Americanism since the nineteenth century. Vance Packard (1914-1996) was
designed as a social critic to address issues such as ethics in the use of research techniques in
consumer behavior. The purpose of the article is not to make comparisons between different
cultures or establish what could be the best way for sustainable economic and social
development, this discussion is still in vogue. What is sought are references brought by
Packard (1960) to think about the degradation of American culture due to the overproduction
regulated by planned obsolescence, understanding Americanism as a cycle of civilization and
its influence on other nations. Accordingly, Packard (1960) made inquiries about the dilemma
of the development of society living in superabundance, the strategies of the game to masses’
persuasion and concern for natural resources and environment.
Keywords: Planned obsolescence. Americanism. Modern Servitude. Consumption.
20
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A PROPOSTA DA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL BRASILEIRA SOB
A PERSPECTIVA DE DEWEY OU DE GRAMSCI?
SILVA, Lorena Teixeira [email protected]
Universidade Federal do Pará
Rua Augusto Corrêa, nº 1- Guamá
CEP 66075-110 - Belém – Pará
COSTA, Ana Maria Raiol da5 [email protected]
Resumo: O artigo versa sobre a acepção de educação integral em John Dewey e Gramsci.
Objetiva identificar, por meio de documentos legais, qual perspectiva teórica fundamenta o
Programa Escola de Tempo Integral. A metodologia incluiu a revisão bibliográfica em
artigos, livros, documentos legais e site do Ministério da Educação (MEC). Podemos inferir
que no Programa há referencia a ideia liberal-pragmática de Dewey/Anísio Teixeira, porém
não identificamos à presença de referenciais marxistas que defendem a formação nos âmbitos
do trabalho como principio educativo (trabalho, ciência e cultura). Concluímos que a
proposta de educação integral carece de melhor discussão e análise, em eventos
educacionais no sentido de que os profissionais da educação conheçam o Programa. Como
também problematizar o Programa sobre outra perspectiva, no sentido de refletir a
possibilidade de efetivação de uma política pública que contribua na qualidade da educação
brasileira.
Palavras-chave: Escola Nova, Educação integral, Pragmatismo, Escola Unitária.
4
Graduanda do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Cientifica/Observatório da Educação – OBEDUC/UFPA/CAPES. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas Sobre Trabalho e Educação - GEPTE/ICED/UFPA.
5
Mestre em Educação. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica - Observatório da
Educação - OBEDUC/UFPA/CAPES. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Trabalho e Educação GEPTE/ICED/UFPA.
21
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1
INTRODUÇÃO
O objetivo deste é identificar, por meio de documentos legais, qual perspectiva teórica
fundamenta o Programa Escola de Tempo Integral6, na concepção de educação integral em
John Dewey ou de Gramsci? Com essa finalidade buscou-se alguns apontamentos no
documento base da implantação da Educação Integral em escolas públicas; além de
documentos legais como: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/96;
Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8.069/90; e outros documentos do Ministério da
Educação, que norteiam a Educação Integral, como: Manual Operacional de Educação
Integral; Educação Integral: texto referência para o debate nacional.
Sobre a proposta de educação em Dewey, nos respaldamos em autores como Carvalho
(2011) que destaca as influências deste filósofo americano no contexto da Educação Brasileira
dos anos trinta. Gramsci (1932) também em meados do século vinte lança a proposta de
educação integral, porém sob outra perspectiva. A ideia gramsciana de educação integral
aparece em sua proposta de Escola Unitária. Nesse tipo de escola ocorreria a formação
omnilateral do aluno, ou seja, de maneira ampla, que segundo Ramos (2009) trata-se da
educação unitária, que abarcaria as três dimensões sociais da vida, imprescindíveis no
processo de formação do indivíduo: o trabalho, a ciência e a cultura. Por meio da inclusão
dessas três dimensões na educação, seria possível atender as necessidades do educando em
sua dimensão global, formação que possibilitaria um tipo de educação mais geral. Em outros
termos formação humana completa e não fragmentada, como ocorre no presente sistema de
ensino brasileiro: Uma educação voltada para a elite e outra para os filhos dos trabalhadores.
Nessa direção abordamos a discussão em três momentos. No primeiro resgatamos o
contexto histórico quanto à chegada da proposta americana de Educação Integral no Brasil e
seus reflexos, simultaneamente anunciamos a proposta de Gramsci e destacamos as diferenças
em relação à ideia de Dewey. No segundo momento realizaremos apontamentos referentes ao
processo de implantação do Programa Educação de Tempo Integral e confrontamos com a
literatura embasada em teóricos marxistas gramscianos. Ao final tecemos nossas conclusões.
6
implantada na gestão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 - 2011)
22
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2
A INFLUÊNCIA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL AMERICANA DE JOHN
DEWEY NO BRASIL
No Brasil por volta do século XX a educação teve forte influência do ensino norte
americano do Educador John Dewey7. Carvalho (2011) ao referir os estudos de Cunha (2002)
destaca que:
O Brasil pode não ter sido importante para John Dewey, mas podemos dizer,
seguramente, que o filósofo-educador norte-americano desempenhou um relevante
papel no desenvolvimento da mentalidade dos educadores brasileiros especialmente
nos anos de 1930. Rememorar a herança deweyana é uma tarefa frutífera nos dias de
hoje, quando a educação tem sido invadida por abordagens tecnológicas
supostamente progressistas. (CUNHA, 2002, p.59)
No contexto educacional brasileiro Anísio Spínola Teixeira foi o autor que mais se
destacou com a propagação das ideias de Renovação da educação de Dewey. Neste artigo
destacaremos a forte influência norte-americana no campo da educação. Como também
analisaremos a proposta de formação defendida por Dewey: a perspectiva pragmática8.
Historicamente, a educação brasileira foi marcada pela divisão de classes: burguesia e
proletariado. A classe burguesa com o poder nas mãos manipulava a educação para atender a
seus interesses lucrativos. A essa classe eram oferecidos Educação de ampla formação, para
que sejam os intelectuais, dirigentes da sociedade, utilizando o trabalho de “pensar”,
administrar e gerenciar. Aos trabalhadores foi oferecido uma educação restrita, com pouco
aprendizado, ensinar a trabalhar mecanicamente, ou seja, o trabalho intelectual não foi
permitido, pois se pensou que não careciam estudar por muito tempo. Essa é a educação
pensada para os trabalhadores e controlada pela burguesia. [...] há duzentos anos Diderot
afirmava que é mais difícil explorar um camponês (um trabalhador) que sabe ler do que um
analfabeto (ARROYO, 2004, p.76)
7
Nascido nos Estados Unidos (1859-1952) graduou-se em Filosofia e pedagogia. IN Carvalho (2011)
Para Dewey o pensamento pragmático tem por objetivo, reparar o atraso da filosofia em relação ao mundo
moderno – IN Dewey (1958)
8
23
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A escola sempre esteve atrelada nas mãos das classes dirigentes, por isso era obrigatório
realizar uma educação/ensino que atendessem suas necessidades, tendo por objetivo o lucro.
Para Pistrak (2011, p.23) “[...] A escola refletiu sempre o seu tempo e não podia deixar de
refleti-lo; sempre esteve a serviço das necessidades de um regime social determinado e, se não
fosse capaz disso, teria sido eliminada como um corpo estranho inútil”. Para tanto, por muito
tempo a educação para os trabalhadores teve e/ou tem caráter de preparação para o trabalho,
respondendo assim as perspectivas do modo de produção capitalista.
Tendo em vista que o acesso à educação de qualidade permite ao homem construir um
pensamento crítico sobre sua realidade, os que não têm este acesso poderão ser manipulados
pelos indivíduos da classe que domina, no sentido de atender suas prioridades. Mas, a
educação avançou e por meio da Constituição Federal formulada em 1988 afirma em seu
texto, no artigo 205 que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família [...]”,
ou seja, todos os cidadãos independentes de sua classe social têm direito a educação.
Por volta da década de 30 eclodiu no Brasil o Movimento da Escola Nova, surgindo os
primeiros passos de Educação Integral visto no Brasil, liderado por Fernando de Azevedo. Tal
movimento destacou-se um grande intelectual, Anísio Teixeira 9 , (ao cursar ciências da
educação nos Estados Unidos da America (EUA), adentrou em contato com as ideias de
Dewey a qual era seu professor). Foi responsável pela educação no Estado da Bahia na década
de cinquenta, e instituiu um modelo de Educação Integral que requeria acesso à leitura,
aritmética, artes, ciências, etc.
Anísio Teixeira colocou em prática no Centro Educacional Carneiro Ribeiro,
implantando em Salvador, na Bahia, na década de 1950. Nesse centro, encontramos
as atividades, historicamente entendidas como escolares, sendo trabalhadas nas
Escolas-Classe, bem como outra serie de atividades acontecendo no contraturno
escolar, no espaço que o educador denominou de Escola-Parque. Na década de 1960,
a fundação da cidade de Brasília trouxe consigo vários centros educacionais,
construídos nessa mesma perspectiva (BRASIL, 2003, p. 15)
Com tanto envolvimento com os pensamentos de Dewey, Anísio Teixeira fez algumas
publicações quando retornou ao Brasil, dentre eles: publicou Em Marcha para democracia: a
9
1900-1971 – Educador, Jurista e Escritor Defendeu um ensino público, laico e de qualidade para o
desenvolvimento do Intelecto e da capacidade de Julgar do educando.
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margem para os Estados Unidos, a qual se destaca. Saviani apud Silva & Silva (2012) diz
que:
No qual avalia o processo civilizatório da nação americana destacando sua
prosperidade material e a educação da filosofia pragmática à nova ordem científica e
apresenta as sugestões de Dewey e Walter Lippmann para a teoria democrática,
enfatizando a importância da educação do público para a democracia. (SAVIANI
apud SILVA; SILVA, 2012, p. 61)
A década de 1930 é marcada por disputas políticas que influenciam a política
educacional. Nesse contexto têm-se dois grupos que lutam por ideologias opostas: Aliança
Nacional Libertadora (ANL), que teve a frente Luiz Carlos Prestes e a Ação Integralista
Brasileira (AIB) liderada por Plínio Salgado e a Igreja católica. Com o intuito de proporcionar
novos rumos para a educação. O então Presidente Vargas chama esses grupos para a
Conferência Nacional de Educação, para que apresentassem propostas de Diretrizes à
educação do País, mas devido às grandes divergências dos grupos não houve acordo. Sendo
assim o grupo de educadores (Fernando de Azevedo e outros 26 educadores) elaboram e
apresentaram um Plano de reconstrução educacional - Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova com o intuito de elaborar uma escola pública, obrigatória, laica e gratuita. Tal manifesto
segundo Saviani (2011 apud SILVA; SILVA, 2012) “se deu diante de um contexto de
ebulição social, a partir da década de 1920, quando emergiram as forças iniciais do
capitalismo no Brasil, caracterizando como um movimento renovador impulsionado pelos
ventos modernizantes do processo de industrialização e urbanização” do Brasil. (p.59)
O manifesto ocorrido na Presidência de Getúlio Vargas (1930 – 1945), tal governo
marcado por autoritarismo e nacionalismo, o qual deu inicio a política desenvolvimentista no
Brasil, neste período o presidente cria o Ministério da Educação e Saúde Pública. Os
educadores que estiveram à frente do manifesto propuseram políticas para a reconstrução
educacional brasileira, ao elaborarem e publicarem o Documento Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova: ao povo e ao governo. Segundo Carvalho (2011) “as palavras contidas nesse
documento trazem muitas das idéias de Dewey em sua formulação”. Assim como a luta de
Dewey, os pioneiros lutavam por uma educação democrática, em que todos os indivíduos
tivessem acesso a educação com qualidade, e não apenas a classe burguesa. Dewey era
contrario ao modelo de educação tradicional “em Liberalismo, Liberdade e Cultura”
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A Escola nova no Brasil é definida segundo BARBOSA apud Carvalho (2011).
[...] definida como filosoficamente baseada em Dewey, psicologicamente em
Claparède e metodologicamente em Decroly. Esta afirmação baseia-se na análise
dos escritos publicados para divulgação da Escola Nova. Nunca houve no Brasil
uma propaganda sobre educação tão constante e enfática. Os jornais publicavam
diariamente notícias e artigos a respeito da renovação educacional. Alguns deles
mantinham uma coluna permanente sobre educação e freqüentemente os editoriais
eram dedicados aos problemas do ensino renovado. Apareceram então as primeiras
revistas especializadas em educação. Coletei entre jornais de São Paulo e Rio de
Janeiro mais de 2 mil noticias e artigos a respeito de escolas, ensino e educação,
entre 1927-1930. São constantes referencias a Dewey, Claparède e Decroly.
Claparède e Decroly foram ambos influenciados por Dewey. (BARBOSA apud
CARVALHO, 2011, p.72)
Saviani (2012) aponta que a “Escola Nova” estruturou-se basicamente na forma de
escolas experimentais ou como núcleos raros, muito bem equipados e circunscritos a
pequenos grupos de elite, e enquanto para os trabalhadores o nível de ensino foi rebaixado.
Vê-se, assim que paradoxalmente, em lugar de resolver o problema da
marginalidade, a “Escola Nova” o agravou. Com efeito, ao enfatizar a “qualidade do
ensino”, ela deslocou o eixo de preocupação do âmbito político (relativo a sociedade
em seu conjunto) para o âmbito pedagógico (relativo ao interior da escola),
cumprindo ao mesmo tempo uma dupla função: manter a expansão da escola em
limites suportáveis pelos interesses dominantes e desenvolver um tipo de ensino
adequado a esses interesses. É a esse fenômeno que denominei “mecanismo de
recomposição da hegemonia da classe dominante” (SAVIANI, 2012. p.10)
Ou seja, salientamos o lado negativo da implantação do escolanovismo, pois percebe-se
a preocupação com a educação focada na elite, a qual as escolas destinadas às mesmas
possuíam infraestrutura adequada e qualidade no ensino. Sendo assim o autor Saviani teórico
defensor dos ideais marxistas realiza críticas referentes à implantação da “Escola Nova”.
No item seguinte tratamos com mais detalhes a concepção de Educação Integral sob a
outra perspectiva, a qual possui caráter socialista, com base marxista. Tal perspectiva tem por
objetivo proporcionar uma formação que possibilite ao educando a construção de sua
autonomia. Uma formação humana, libertadora e crítica.
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3
A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM GRAMSCI
Destacamos que a Educação Integral teve seus primeiros apontamentos por volta do
século XX, a qual foi idealizada por Gramsci com a proposta de Escola Unitária, na
perspectiva de trabalho integrado a educação, ou seja, a educação completa, e ampla,
concedida não apenas para os dirigentes da sociedade e formação restrita voltada apenas para
os indivíduos das classes menos favorecida da população.
Para tanto, Antonio Gramsci lutava por uma educação tendo em vista o trabalho para
atender suas necessidades básicas e o trabalho na concepção de humanização, libertação por
meio da crítica, ou seja, fazendo com que o individuo trabalhador tivesse uma concepção para
viver em sociedade, para superar a dualidade social e política. Para Silva & Silva (2012, p.70)
“a Educação a partir de Gramsci, era pensada no âmbito da organização política dos
trabalhadores e da formulação de um novo homem e de um novo Estado”.
Desse modo, a escola formulada por Gramsci os conceitos “teóricos e práticos” seriam
vistos integralmente, fazendo com que o individuo construísse a capacidade de reflexão e
crítica do meio em que vive. Sendo assim todos os sujeitos teriam condições e acessos para
dirigirem a sociedade de forma igual, possuindo autonomia intelectual. Para tanto, professores
e educandos deveriam criar um diálogo permanente, no qual a discussão de linhas ideológicas
e políticas apresentadas principalmente pelo docente não fossem impregnadas na mente do
educando, mas que fossem apresentadas diversas linhas e que os indivíduos tenham liberdade
de realizar suas escolhas.
Gramsci, no século XX defende uma educação disciplinada, de elevada cultura
humanista, esta educação defendida pelo autor é para a classe proletária os quais não tinham
acesso à educação, eram destinados a engajar-se em fábricas desde cedo para o sustento
familiar e para o lucro dos donos. Nesta época para uma educação integral do educando
Gramsci (1932) lança como proposta de educação a Escola Unitária a qual irá ter a inovação
curricular e a organização política:
27
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Um ponto importante, no estudo da organização prática da escola unitária, é o que
diz respeito ao currículo escolar em seus vários níveis, de acordo com a idade e com
o desenvolvimento intelectual-moral dos alunos e com os fins que a própria escola
pretende alcançar. A escola unitária ou de formação humanista (entendido este
termo, “humanismo”, em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional), ou de
cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois
de tê-los elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a criação
intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa.
(GRAMSCI, 1932, p.36)
A Escola Unitária contribuirá no acesso aos conhecimentos necessários para a formação
humana. Fazendo com que a educação torne-se de qualidade com acesso à cultura e as artes,
pois hoje ainda vemos a predominância da educação voltada a atender a lógica capitalista para
a realização do trabalho mecânico. Portanto, é necessário o interesse político para a realização
de uma educação pública de qualidade, a qual não precisaremos pagar para querermos obter
uma educação de qualidade, pois todos nós fazemos nossas contribuições para a educação,
saúde e saneamento, quando pagamos nossos impostos. Segundo Gramsci (1932):
A escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a
cargo da família no que toca à manutenção dos escolares, isto é, requer que seja
completamente transformado o orçamento do ministério da educação nacional,
ampliando-o enormemente e tornando-o mais complexo: a inteira função de
educação e formação das novas gerações deixa de ser privada e torna-se pública,
pois somente assim ela pode abarcar todas as gerações, sem divisões de grupos ou
castas. (GRAMSCI, 1932, p.36)
A Educação designada aos filhos da classe proletária era aquela destinada com o intuito
de produzir lucro aos grandes empresários, ou seja, um ensino profissional, fazendo com que
os indivíduos adquirissem um ofício e se acomodassem a sua realidade, não sendo instigado a
prosseguir nos estudos por não pertencer a classe mais favorecida, a burguesia. No século XX
a escola estava condicionada as mãos dos dirigentes burgueses, então a escola deveria atender
as demandas da sociedade da época, caso não contribuísse era excluída. Para Pistrak (2011) “a
escola sempre foi uma arma nas mãos das classes dirigentes”.
Segundo Silva & Silva (2012, p.72) “[...] a proposta de escola trazida por Gramsci traz
em si a abordagem de teoria e prática, estando estritamente relacionadas, para que o “homem
novo” possa ser formado, com capacidade de ação e crítica”.
28
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Portanto, a importância da escola unitária tendo por concepção de educação integral era
justamente o objetivo de fazer com que os indivíduos fossem preparados intelectualmente e
industrialmente para conviver na sociedade com capacidade de transformá-la. A intenção
desta educação era fazer com que a sociedade adquirisse o caráter de democracia, no qual
todos os indivíduos tenham igualdade de acessos à questão social e política.
De acordo com Araujo (2011) a concepção de Gramsci de educação pode ser entendida
como uma proposta de integração do ensino que consiste em articular “teoria e prática” e que
a educação se desenvolve pelo conteúdo e método, fazendo com que os indivíduos possuam a
capacidade de se apropriar ao conhecimento pela disciplina para a formação de dirigentes
omnilaterais.
4
A IMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO (DE TEMPO) INTEGRAL NO BRASIL
Em 2007 no Brasil surge como “inovação” no Ensino a Educação Integral.
Desenvolvido por meio do Programa Mais Educação o qual foi instituído pela Portaria
n°17/2007 e o Decreto n°7.083/2010 e que integra as ações do Plano de Desenvolvimento da
Educação – PDE10.
Tal programa tem como proposta, o aumento do tempo de permanência do aluno na
escola e organização curricular. (MEC, 2013) Tendo em vista que esse acréscimo de tempo
não seja utilizado apenas para atividades dentro da sala de aula, mas que sejam realizados
planejamentos e que as aulas se tornem diversificadas, com atividades artísticas, educativas e
culturais, fazendo com que as crianças e jovens construam a vontade de permanecer na escola
para um aprendizado significativo.
Quanto à organização curricular é necessário que o currículo para a Escola de Tempo
integral seja modificado, os educandos devem ter acesso à leitura, arte, cultura, esporte e
10
Lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em 24 de abril de 2007, no Governo de Luiz Inácio Lula da
Silva. IN Saviani (2009).
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lazer, tornando assim uma formação ampla e integral, para isso é fundamental a inovação nas
propostas de atividades, projetos. Vale destacar a importância do diálogo entre EscolaComunidade.
Para falarmos da Educação de Tempo Integral, alguns fatores relevantes devem ser
considerados, como: variável tempo; pois terá a ampliação da jornada de trabalho/escolar;
como também o espaço físico que o educando estará inserido, apenas mudanças em condições
físicas não é o suficiente para uma educação pública de qualidade, as atividades que serão
desenvolvidas devem ser instigadoras, para a transformação social dos educandos para isso
devem ter características emancipadoras. Para tanto a formação do corpo docente nesta
perspectiva (transformação) torna-se fundamental e necessária, tendo em vista que todos que
compõem a comunidade escolar devem ser ouvidos para a composição curricular, dando
inicio assim a construção da crítica e da autonomia do educando. Para Gramsci (1932)
[...] Mas esta transformação da atividade escolar requer uma enorme ampliação da
organização prática da escola, isto é, dos prédios, do material científico, do corpo
docente, etc. O corpo docente, em particular, deveria ser ampliado, pois a eficiência
da escola é muito maior e intensa quando a relação entre professor e aluno é menor,
o que coloca outros problemas de solução difícil e demorada. Também a questão dos
prédios não é simples, pois este tipo de escola deveria ser uma escola em tempo
integral, com dormitórios, refeitórios, bibliotecas especializadas, salas adequadas
para o trabalho de seminário, etc. (GRAMSCI, 1932, p.36)
O Programa Mais Educação tem por objetivo incentivar e apoiar os projetos
socioeducativos para crianças, adolescentes e jovens, essas ações são feitas de forma gratuita
em escolas públicas. Para isso deve-se atender a alguns objetivos específicos para a melhora
da educação. De acordo com o Manual Operacional da Educação Integral (2013, P.5)
I. Contemplar a ampliação do tempo e do espaço educativo de suas redes e escolas,
pautada pela noção de formação integral e emancipadora;
II. Promover a articulação, em âmbito local, entre as diversas políticas públicas que
compõem o Programa e outras que atendam às mesmas finalidades;
III. Integrar as atividades ao projeto político-pedagógico das redes de ensino e
escolas participantes;
IV. Promover, em parceria com os Ministérios e Secretarias Federais participantes, a
capacitação de gestores locais;
30
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
V. Contribuir para a formação e o protagonismo de crianças, adolescentes e jovens;
VI. Fomentar a participação das famílias e comunidades nas atividades
desenvolvidas, bem como da sociedade civil, de organizações não governamentais e
esfera privada;
VII. Fomentar a geração de conhecimentos e tecnologias sociais, inclusive por meio
de parceria com universidades, centros de estudos e pesquisas, dentre outros;
VIII. Desenvolver metodologias de planejamento das ações, que permitam a
focalização da ação do Poder Público em territórios mais vulneráveis; e
IX. Estimular a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
O programa funciona na cidade e no campo, em escolas com o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) abaixo da média nacional. Para tanto, há uma
obrigatoriedade quanto às atividades desenvolvidas na escola que possui o programa, como:
disciplinas
propedêuticas
(história,
geografia,
ciências,
letramento/alfabetização
e
matemática). Os alunos também possuirão contato com uso de mídias e tecnologias; cultura e
arte; educação ambiental; esporte e lazer; com acompanhamento pedagógico em todas as
atividades, há preocupação com a saúde dos educandos e educação dos direitos humanos,
onde os alunos poderão compreender um pouco de sua história, fazendo com que se tornem
cidadãos cientes de direitos e deveres, tornando-se críticos de sua realidade.
A escola tem autonomia de optar por abrir as portas aos finais de semana para a
comunidade, ou seja, com o intuito de criar uma relação de proximidade entre EscolaComunidade, fazendo com que os familiares e amigos dos educandos participam de oficinas,
palestras, esporte e lazer, e até mesmo formação inicial para um posterior trabalho
desenvolvido na instituição.
Quanto ao financiamento do programa, advém do Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE/Educação Integral), sendo que as escolas tornam-se responsáveis pela verba e ao final
deve prestar contas dos gastos com materiais necessários para o desenvolvimento do
programa na instituição. A tabela abaixo mostrará o custo do programa para todas as escolas
brasileiras considerando o número de educandos inscritos.
31
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Número de estudantes
Valor em custeio (R$)
Valor em Capital (R$)
Até 500
3.000,00
1.000,00
501 a 1.000
6.000,00
2.000,00
Mais de 1.000
7.000,00
2.000,00
Fonte: Mec 2013
Desse modo observamos que a possibilidade de fazer uma educação para todos hoje é
de grande importância, tendo em vista que se trata de um direito básico. No passado apenas os
filhos das elites tinham acesso à educação, as letras e as artes, conforme já anunciado
anteriormente quando tratamos da perspectiva de educação integral em Gramsci.
Nota-se que a realização da Educação Integral na perspectiva de Gramsci é desafiador,
tendo em vista que a responsabilidade da escola com o educando aumentará, pois a mesma
ensinará e também protegerá.
Nesse duplo desafio – educação/proteção – no contexto de uma “Educação integral
em tempo integral”, ampliam-se as possibilidades de atendimento, cabendo à escola
assumir uma abrangência que, para uns, a desfigura e, para outros, a consolida como
espaço realmente democrático. Nesse sentido a escola pública passa a incorporar um
conjunto de responsabilidades que não eram vistas como tipicamente escolares, mas
que, se não estiverem garantidas, podem inviabilizar o trabalho pedagógico.
(BRASIL, 2007, p.17)
A educação pela escola deve proporcionar ao educando uma formação ampla, integral.
Segundo Ramos (2009) o aluno deve ser formado em sua omnilateralidade, ou seja, a escola
deve fazer com que os mesmos tornem-se cidadãos críticos de sua realidade, possuindo
formação que integre Trabalho, Ciência e Cultura.
Neste sentido destacamos o trabalho como principio educativo que Saviani (1989 apud
RAMOS, 2004) expõe:
Num primeiro sentido, o trabalho é princípio educativo na medida em que determina
pelo grau de desenvolvimento social atingido historicamente, o modo de ser da
educação em seu conjunto. Nesse sentido, aos modos de produção [...]
correspondem modos distintos de educar com uma correspondente forma dominante
de educação. [...]. Num segundo sentido, o trabalho é princípio educativo na medida
em que coloca exigências específicas que o processo educativo deve preencher em
vista da participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente
32
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
produtivo. [...]. Finalmente o trabalho é princípio educativo num terceiro sentido, à
medida que determina a educação como uma modalidade específica e diferenciada
de trabalho: o trabalho pedagógico (SAVIANI, 1989 apud RAMOS, 2004, p. 4).
Sendo assim, a inclusão do trabalho como principio educativo, uma proposta
Gramsciana de educação, se constitui em uma possibilidade de construção de uma formação
que leve a autonomia do educando, no sentido de compreender o processo histórico, de
construção de sua realidade social. No Brasil, estudos foram realizados pelo autor Paolo
Nosella quando analisou a possível construção da escola unitária nos anos 80 e 90. Frigotto
(2010 apud NOSELLA, 1993) informa que a construção da escola unitária implica o
desenvolvimento de um projeto político industrial, moderno e original.
Destacamos que o estabelecimento de uma Educação Integral com qualidade pressupõe,
não apenas a inovação curricular necessita também de interesse político para a implantação
deste projeto de educação, no sentido de ofertar também a melhora da infra-estrutura da
escola, da qualidade da merenda, já que o educando passará mais tempo na escola; aquisição
de utensílios para jogos, artes, e letramento; e profissionais qualificados e valorizados,
formação continuada dos profissionais de educação, entre outras.
A Educação Integral está também embasada nas Leis que norteiam a Educação
Brasileira, como: na Constituição Federal de 1988 em seus artigos, 205, 206 e 227; Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - 9.394/96 que se encontra nos artigos 34 paragrafo
2º onde afirma que o ensino fundamental será ministrado em tempo integral e no art. 87
paragrafo 5º ; Lei 9.089/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente; Plano Nacional de
Educação - Lei nº 10.179/01 o qual tornou-se valorosa o ensino de educação integral com a
importância da participação d sociedade civil e no Fundo Nacional de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização do Magistério - Lei nº 11.494/2007.
Para o desenvolvimento da educação no país foi criado por meio do Decreto N° 6.094/07 o
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.
Portanto a Educação é dever da União, Distrito Federal, Estados e Municípios em
cooperação ajudarão a mudar a realidade da educação em nosso país. O órgão público deve
estar em sintonia, para isso fazem parte do projeto de Educação Integral, o Ministério da
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Educação, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome, o Ministério da Ciência
e Tecnologia, Ministério do Esporte, Ministério do meio Ambiente, Ministério da Cultura,
Ministério da Defesa e a Controladoria Geral da União. (BRASIL, 2013) Espera-se que tais
órgãos irão contribuir para uma melhor educação e diminuição das desigualdades sociais, para
isso é fundamental o diálogo entre os mesmos e a sociedade civil.
Desse modo podemos verificar por meio do documento base referente à Educação
Integral que há referencias aos estudos realizados por Anísio Teixeira com a implantação da
Educação Integral no Brasil por volta do século XX.
Encontramos investidas significativas a favor da Educação Integral, tanto no
pensamento quanto nas ações de cunho educativo de católicos, de anarquistas, de
integralistas, e de educadores como Anísio Teixeira, que tanto defendiam quanto
procuravam implantar instituições escolares em que essa concepção fosse
vivenciada. No entanto, cabe ressaltar que eram propostas e experiências advindas
de matrizes ideológicas bastante diversas e, por vezes, até contraditórias. (MEC,
2013. P.15)
Mas, não identificamos no documento base afirmações em que Anísio Teixeira teve
contato com as ideais pragmáticas de John Dewey, como também não verificamos referencia
a perspectiva de educação de base marxista, conforme tratamos no ítem anterior sobre a
escola unitária gramsciana, a escola com base na educação integral para fazer do educando
um ser mais critico com a educação emancipadora.
Em algumas Regiões do Brasil (Belo Horizonte (MG); Palmas (TO); Sorocaba (SP)
Cuiabá (MT); Nova Iguaçu (RJ) e etc.) contam com a parceria de empresas privadas em
escolas que possuem a Educação Integral. De acordo com as empresas as mesmas elaboram
projetos sócio-educativos sem fins lucrativos.
Notamos o comparecimento das empresas privadas na elaboração dos planos
norteadores para a implantação da Educação Integral, ou seja, a presença do capitalismo na
educação pública. Ressaltamos que no século XX a burguesia manipulava a educação com a
finalidade de atender suas necessidades de mercado. Devemos reparar a finalidade do capital
com interesse na educação. Segundo Gentili (1994 apud FRIGOTTO 2010) “[...] por trás
desta homogeneidade se localizam interesses muito delimitados que convergem para aquilo
34
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
que conforma os trabalhadores às novas características do processo produtivo”. Para tanto, é
histórica a luta por uma educação com características democráticas dos educadores e
educandos, com a intenção de os filhos da classe trabalhadora obter acesso à educação,
cultura, artes e etc. Ainda podemos observar a predominância do dualismo na educação, uns
preparados para o “pensar” e outros para o “executar”.
Entretanto Kuenzer (2000) faz a seguinte afirmação
Hoje, para o capital, o gorila amestrado” não tem função a desempenhar. O capital
precisa, para se ampliar, de trabalhadores capazes de desempenhar sua parte no
acordo social imposto pelas relações de trabalho, pelo cumprimento dos seus
deveres e ao mesmo tempo capazes de incorporar as mudanças tecnológicas, sem
causar estrangulamento a produção. Por isso, o próprio capital reconhece que os
trabalhadores em geral precisam ter acesso à cultura sob todas as suas formas, para o
que é indispensável uma sólida educação básica. (KUENZER, 2000, p.37)
Vale destacar que a educação e o acesso à cultura são impostas pelo capital, ou seja, tem
o caráter universal, uma cultura geral, para que possua uma base comum a todos os
indivíduos. Para tanto, espera-se com a implementação da Educação Integral haja uma
redução com a defasagem série/idade, redução da reprovação, desenvolva a criticidade e
autonomia. E que a comunidade escolar tenha acesso ao Projeto Politico Pedagógico da
Escola, assim como eventos e reuniões proporcionados pela instituição de ensino, para que
tenha uma relação de proximidade e que todos tenham o direito a falar, opinar, indagar,
tornando assim o desenvolvimento eficaz na educação das crianças.
Podemos inferir que o projeto elaborado pelo ministério da educação possui base
pragmática, tendo em vista a excessiva referencia que faz no documento base as idéias de
Anísio Teixeira na construção de educação integral no Brasil. Anísio Teixeira era adéquo do
Estado liberal, ou seja, o Estado longe da economia, deixando assim que os proprietários
privados ditem as regras. Sendo assim a educação implantada pelo educador tinha forte
influência do pragmatismo de Dewey, onde os educandos deveriam se preparados para as
exigências de uma sociedade democrática, fazendo com que os indivíduos sejam integrados à
sociedade.
35
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5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordamos neste trabalho a implantação da Educação Integral no Brasil, diferenciando
a proposta de educação para Dewey/Anísio Teixeira (perspectiva liberal-pragmática) e para
Antonio Gramsci (concepção Marxista). Procuramos identificar, por meio de documentos
legais, qual perspectiva teórica fundamenta o Programa Escola de Tempo Integral.
A Educação Integral foi pensada por meio do Programa Mais Educação inibir os
números de crianças, adolescentes e jovens fora da escola, oportunizando acesso a cultura,
letramento, artes e lazer, fazendo com que o aumento do tempo de permanência dos mesmos
na instituição de ensino seja motivador e criativo. Com isso buscamos por meio deste
apresentar a Educação Integral no Brasil, como se encontra a experiência da formação ampla
do educando, pautado no trabalho como principio educativo, mas diferente da perspectiva de
Gramsci. E ainda encontramos deficiência na formação de professores para educação pública,
principalmente nos Ensinos Fundamental e Médio. Os professores não possuem formação
para trabalhar e formar o educando em sua omnilateralidade. Nessa direção entendemos que a
implementação do Programa necessita de avanços estruturais e de formação de profissionais
capacitados para proporcionar aos educandos uma educação de qualidade, pois sabemos que
ainda são poucos os investimentos realizados para o avanço da educação integral, pois há
necessidade de equipamentos, espaços e alimentação de qualidade para que o educando e
profissionais da educação passem o tempo integral na escola.
Outro ponto que merece destaque se refere ao currículo da escola, pois o mesmo deve
ser inovador, com diversos pontos de aprendizagem que sejam instigantes aos alunos e que
não sejam monótonos (apenas o professor fala). Mas necessitam oportunizar ao educando
abordar sua realidade, escrever, falar, dialogar, possuindo assim alguma forma de
manifestação, fazendo com que o mesmo se sinta parte integrante da sociedade, ganhando
autonomia e criticidade. Para tanto necessita de políticas públicas interessadas em avançar na
qualidade da educação, no intuito de reverter o quadro de abandono escolar e evasão escolar.
E mais, o Projeto Político e Pedagógico necessita ser realizado de maneira coletiva, por todos
os membros que estão incluso na escola, o dialogo é fundamental para tal avanço.
36
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Assim, concluímos que a educação integral deve ser analisada e discutida intensamente,
em eventos de educação em nosso país. Portanto consideramos essencial que a educação
integral entre na pauta de discussão dos órgãos públicos que estão articulados e envolvidos
com a educação. Entendemos que a educação de qualidade não se faz apenas em alargar o
tempo dos estudantes na escola, mas, sobretudo entender a relação existente entre sociedade e
educação par se pensar a educação integral que realmente contemple as demandas e
necessidades dos educandos, de forma ampla e acessível, comprometida com uma formação
de qualidade e não apenas pela metade.
Agradecimentos
Inicialmente agradeço a Deus pelo dom da vida e por esta me iluminado com suas
bênçãos.
Ao Profº Drº Ronaldo Marcos de Lima Araujo pelos ensinamentos e paciência como
coordenador do Grupo de Pesquisa.
À Profª Msc. Ana Maria Raiol da Costa pela paciência e apoio que me ofereceu nas
construções dos trabalhos acadêmicos.
Aos membros do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação – Profº
Ronaldo, Profª Ana Maria, as bolsistas Leide Ane, Pâmella Almeida, Barbara Valois,
Michelle Coimbra, Brenda Costa, Wanda Meguins, Jaqueline Rodrigues e Frederico Correa
por colaborarem direta e indiretamente para a minha maturidade como aluna e bolsista de
graduação do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica, vinculado ao
Observatório da Educação da Universidade Federal do Pará.
REFERÊNCIAS
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Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
ARAUJO, Ronaldo M de Lima, RODRIGUES, Doriedson S. (orgs.) Filosofia da práxis e
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2004.
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educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23
dez. 1996, n.248, Seção 1, p. 1.
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38
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
SILVA, Jarmenson Antonio de Almeida da; SILVA, Katharine Ninive Pinto. Educação
integral no Brasil de hoje. Curitiba: CRV, 2012.
THE PROPOSED SCHOOL FULL TIME UNDER BRAZILIAN
PERSPECTIVE OF DEWEY OR GRAMSCI?
Abstract: The paper discusses the meaning of integral education in John Dewey and Gramsci.
Aims to identify, through legal documents, which theoretical perspective underlying the full –
time school program the methodology included a literature review of articles, books, legal
documents and the Ministry of Education (MEC) site. We can infer that the program no
reference to liberal-pragmatic idea of Dewey/Anísio Teixeira but did not identify the presence
of referential Marxists who advocate training in the areas of work as an educational principle
(work, science and culture). We conclude that the proposed comprehensive education
professionals know the program on another perspective, to reflect the possibility of effecting a
public policy that contributes to the quality of Brazilian education.
Keywords: New School, Integral education, Pragmatism, Unitarian school.
A PSICOLOGIA AMERICANA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PARA O ENSINO INDUSTRIAL BRASILEIRO: DÉCADAS DE 19401960
BIÃO, Fernanda Leite, Mestranda – [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
PEDROSA, José Geraldo, Pós-Doutor – [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
39
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Resumo: Este artigo examina a presença da psicologia americana em obras utilizadas na
formação de professores para o ensino industrial, divulgadas por meio da Comissão
Brasileiro-Americana de Ensino Industrial (CBAI), considerando as bases epistemológicas da
psicologia americana da época, bem como conteúdos e temas psicológicos difundidos pela
CBAI. Ao mesmo tempo, contextualiza-se a cooperação educacional e a parceria econômica
entre o Brasil e os EUA na Era Vargas, tendo em vista o cenário político nacional e
internacional daquele período, assim como o estágio em que se encontrava o ensino industrial
brasileiro de então.
Palavras-chave: Psicologia americana. Formação de professores. Ensino industrial.
1
INTRODUÇÃO
Em meados do século XX, o Brasil foi palco de transformações políticas, econômicas,
sociais, demográficas e culturais sintonizadas com o principal acontecimento da época e suas
repercussões no plano internacional e nacional: a Segunda Guerra Mundial.
No campo econômico, aquele conflito mundial tanto limitou as importações quanto
ampliou as exportações brasileiras de produtos industrializados, inversão que estimulou, no
País, o crescimento da indústria e, por conseguinte, a aceleração da urbanização.
A
industrialização
e
a
urbanização
trouxeram
consequências
culturais
e
comportamentais, à medida que o Brasil adentrou a fase do consumo e da produção em massa.
40
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Tais transformações demandaram, em larga escala, a presença de trabalhadores
capacitados, que preenchessem a lacuna de mãos e cabeças de obra, ou seja, de trabalhadores
e técnicos industriais.
Entre os desafios do primeiro boom industrial brasileiro, ressaltou-se a carência de
professores qualificados e suficientes para se contemplar a demanda da nascente rede nacional
de formação de trabalhadores industriários, corporificada, notadamente, no Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (SENAI).
No contexto do ensino industrial da época, almejava-se profissional da educação que
cumprisse os requisitos de conhecimento prático-profissional, tivesse, também, conhecimento
pedagógico-metodológico, assim como envergadura moral, habilidades sociais, e, ademais,
conhecesse em profundidade o aluno, para bem ajustá-lo às normas da industrialização
emergente.
Em função de tal déficit profissional, a cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos
da América resultou no advento da Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial
(CBAI), inserido na estrutura administrativa do antigo Ministério da Educação e Saúde
(MES), a qual difundiu teorias e práticas da ciência da psicologia a auxiliarem os professores
do ensino industrial na compreensão dos seus alunos e das formas de aprendizado e
organização do ensino industrial.
Diante do exposto, examina-se, neste artigo, a presença da psicologia na formação dos
professores para o ensino industrial, nas décadas de 1940-1960, como resultado de pesquisa
em desenvolvimento, no âmbito do Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG).
Dessa maneira, discute-se brevemente o contexto em que surgiu o ensino industrial
brasileiro, em especial a formação do professorado, bem como a presença da psicologia como
ciência e prática a serviço do ensino industrial.
2
O CONTEXTO DE CONSTRUÇÃO DO ENSINO INDUSTRIAL
41
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Ainda que no Brasil do século XIX já existissem estabelecimentos industriais
(FONSECA, 1961), apenas no século XX sobressaiu a relevância do ensino industrial em
grande escala, a partir da Primeira Guerra Mundial, quando o País, muito dependente de
importações de bens e produtos de consumo, viu-se obrigado a incrementar o crescimento
industrial11, o que ocasionou a demanda de trabalhadores com adequada qualificação.
Os anos 1930 e 1940 foram intensos e agitados. Período de aceleração econômica,
agitação política e movimentação social, influenciado, no plano internacional, pela crise
econômica de 1929, a chamada “Grande Depressão”, assim como pela Segunda Guerra
Mundial.
No plano nacional, a Primeira República, dominada por oligarquias rurais mineiropaulistas, cedeu espaço para a Era Vargas, com maior destaque aos industriais e aos
trabalhadores, fruto das políticas nacionalistas e populistas de Getúlio Vargas.
Muitas iniciativas ocorreram a partir do momento em que as políticas econômicas do
Estado Novo vieram à tona, à procura de alternativas para o desenvolvimento nacional, como
contraponto à crise econômica mundial. “A partir de 1937, o Estado começou a assumir uma
posição de investidor da indústria pesada e nas atividades de infraestrutura [...]” (SENAI,
1991, p. 70).
Em decorrência de tais investimentos, tornou-se perceptível a importância da mão de
obra qualificada pelo ensino profissional e, particularmente, pelo ensino industrial, para o
desempenho de trabalho assalariado nas indústrias e fábricas.
Embora ainda em movimento lento, entre oscilações e conflitos, o Brasil adentrou a
década de 1940 e nela vivenciou o movimento de aceleração industrial, fomentado pela
Segunda Guerra Mundial, por força da necessidade de suprir a ausência de produtos
11
Segundo Fonseca (1961), em virtude das dificuldades de importar produtos industrializados, por força da
Primeira Guerra Mundial, o Brasil foi impelido a desenvolver o seu próprio parque industrial. Por toda parte,
apareciam novas fábricas e novas indústrias, fenômeno acentuado nas grandes cidades, principalmente Rio de
Janeiro e São Paulo. Entre 1915 e 1919, surgiram 5.936 novas empresas industriais.
42
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industriais estrangeiros e em razão do apoio financeiro e técnico dos Estados Unidos à
incipiente indústria de base brasileira, como retribuição à adesão do País ao bloco aliado:
Em troca de seu alinhamento contra as potências do Eixo, o governo brasileiro
obteve dos Estados Unidos, em 1941, um grande empréstimo, destinado à
construção da Companhia Siderúrgica Nacional. [...] em 1945, os primeiros setores
da Usina de Volta Redonda entraram em funcionamento (SENAI, 1991, p. 70).
O crescimento à época da indústria nacional serviu de impulso para serem criados ou
remodelados vários órgãos públicos e entidades privadas.
No setor público, destaca-se a gênese do Ministério da Educação e Saúde Pública e do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ambos herdeiros do Ministério da Justiça e
Negócios Interiores. No setor privado, vieram a lume a Confederação Nacional das Indústrias
(CNI) e o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT). No setor educacional,
vieram à tona o SENAI e as Escolas Técnicas Federais. No campo jurídico, a Lei Orgânica do
Ensino Industrial (LOI) entrou em vigência em 1942.
3
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO INDUSTRIAL
Um dos desafios que atravessava o desenvolvimento do ensino industrial no Brasil dizia
respeito à formação do professorado para as escolas industriais. Poucas foram as iniciativas,
em proporção ao tamanho da demanda, que crescia vertiginosamente, uma vez que a
industrialização se acelerava e impunha esforços para a sua continuidade.
Em levantamentos sobre as iniciativas de formação de professores para o ensino
industrial existentes no Brasil no século XX, foi possível encontrar, como referência de
pioneirismo, a Escola Normal de Artes e Ofícios Venceslau Brás, criada em 1918, no antigo
Distrito Federal:
43
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A Escola Venceslau Brás fora criada com o intuito de preparar professores, mestres
e contramestres para os institutos e escolas profissionais, assim como professores de
trabalhos manuais para as escolas primárias da Prefeitura do Distrito Federal.
Destinava-se, somente, à formação de docentes para as escolas situadas no Rio de
Janeiro e pertencentes à Municipalidade (FONSECA, 1961, p. 586)12.
A Escola Venceslau Brás, a despeito de ser a única iniciativa palpável na fase incipiente
do desenvolvimento industrial, não tardou a fechar e, em 1937, em seu lugar, o então
Ministério da Educação e Saúde fundou a Escola Técnica Nacional, que teria como finalidade
“[...] além da formação de artífices, mestres e técnicos para a indústria, o preparo de pessoal
docente e administrativo para o ensino industrial” (FONSECA, 1961, p. 601).
Segundo afirma Fonseca (1961), apesar da importância conferida pela Lei Orgânica do
Ensino Industrial à organização de cursos pedagógicos responsáveis pela formação dos
professores, foi somente em 1952 que o curso de pedagogia funcionou pela primeira vez. O
quadro se tornou grave: o crescimento industrial contrastava, cada vez mais, com a carência
de formação dos trabalhadores, visto que não havia profissionais qualificados para ensinar os
ofícios.
Entretanto, em 1946, por meio das influências surtidas pela participação do Brasil na I
Conferência de Ministros e Diretores de Educação das Repúblicas Americanas e suas
resoluções que tanto influenciaram o ensino industrial brasileiro, o Governo Federal, por meio
do então intitulado Ministério da Educação e Saúde, em entendimento com autoridades norteamericanas da Inter-American Foundation Inc., entidade subordinada ao Office of InterAmerican Affairs, órgão do Governo dos Estados Unidos (FONSECA, 1961), celebrou o
Acordo para um Programa de Cooperação Educacional, objetivando o intercâmbio de
educadores, ideias e métodos pedagógicos.
Descrita na cláusula IV do Acordo como parte integrante do MES, seria criada uma
comissão que atuaria como órgão executivo, denominada Comissão Brasileiro-Americana de
Educação Industrial (CBAI), a qual teria como principais objetivos doze pontos, como
descreve Fonseca:
12
Citação adaptada à Reforma Ortográfica de 2009.
44
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1) Desenvolvimento de um programa de treinamento e aperfeiçoamento de
professores, instrutores e administradores;
2) Estudo e revisão do programa de ensino industrial;
3) Preparo e aquisição de material didático;
4) Ampliação dos serviços de bibliotecas; verificar a literatura técnica existente em
espanhol e português; examinar a literatura técnica existente em inglês e
providenciar sobre a aquisição e tradução das obras que interessarem ao nosso
ensino industrial;
5) Determinar as necessidades do ensino industrial;
6) Aperfeiçoamento dos processos de organização e direção de oficinas;
7) Desenvolvimento de um programa de educação para prevenção de acidentes;
8) Aperfeiçoamento dos processos de administração e supervisão dos serviços
centrais de administração escolar;
9) Aperfeiçoamento dos métodos de administração e supervisão das escolas;
10) Estudo dos critérios de registros de administradores e professores;
11) Seleção e orientação profissional e educacional dos alunos do ensino industrial;
12) Estudo das possibilidades do entrosamento das atividades de outros órgãos de
educação industrial que não sejam administrados pelo Ministério da Educação, bem
como a possibilidade de estabelecer outros programas de treinamento, tais como
ensino para adultos, etc (FONSECA, 1961, p. 565).
Realizaram-se diversos intercâmbios entre Brasil e EUA, com o propósito de que os
profissionais envolvidos com a educação industrial brasileira tivessem acesso aos
conhecimentos científicos e técnicos de procedência americana vislumbrados naquele Acordo
de Cooperação.
Além disso, havia a preocupação com a disponibilidade de materiais (pedagógicos e
metodológicos) na linguagem nativa (tradução de obras americanas para o português
brasileiro), inclusive a produção de boletins mensais, discriminando atividades relacionadas
ao ensino industrial.
Aos profissionais que seriam formados para o exercício do magistério no ambiente do
ensino industrial propiciavam-se os conhecimentos condizentes com determinado ofício, mas
45
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também conhecimentos sobre os alunos (comportamentos e personalidade), os processos de
ensino e a história do ensino industrial.
Nesse sentido, foram inúmeras as contribuições que a CBAI acrescentou ao ensino
industrial brasileiro, entre elas, Fonseca menciona (1961) a difusão do método Training
Within Industry (TWI), destinado ao treinamento de profissionais que exerciam funções de
comando.
O TWI visava a ensinar métodos e práticas considerados apropriados ao ensino do
trabalho, buscando aperfeiçoar as relações interpessoais no ambiente laboral e a promover a
economia do trabalho, a diminuição do desperdício e o melhor investimento na força de
trabalho, evitando-se a fadiga.
Durante a trajetória percorrida pela CBAI, o Brasil teve a oportunidade de conhecer
novas maneiras de qualificar o seu corpo de profissionais, habilitando-os às exigências do
momento pelo qual o País vivenciava. A CBAI trouxe não apenas a presença de métodos
racionais de trabalho, mas também, a exemplo de outras parcerias brasileiras levadas a efeito
à época com os EUA, alimentou o discurso da produtividade, utilizando-se dos instrumentos
entendidos como “certos”.
4
A INFLUÊNCIA NA CBAI DA LITERATURA DE PSICOLOGIA AMERICANA
Com a finalidade de identificar o eixo epistêmico13 em que se embasou a psicologia
aplicada à educação industrial brasileira, buscou-se conhecer os autores em que se alicerçaram
os livros-textos de Sydney Roslow e de Gilbert Grimes Weaver, bem como de Elroy
Bollinger e de Helen Livingstone, ambos adotados pela CBAI na formação de professores
para o ensino industrial.
13
Como processo de gênese, de formação e de estruturação progressiva, a construção epistemológica torna
possível o conhecimento teórico em termos científicos (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008).
46
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Por isso, optou-se por iniciar tanto a pesquisa quanto a exposição de seus resultados
pela identificação do referencial teórico que os autores utilizaram nas obras “Psicologia para
professores do ensino industrial” (Psychology for industrial teachers, de Roslow e Weaver,
publicada pela CBAI em 1949) e “Metodologia do ensino industrial” (Methods of teaching
industrial subjects, de Bollinger e Livingstone, publicada pela CBAI em 1962).
A meta foi esclarecer quem eram os autores utilizados como referência, se eram
nascidos nos EUA, onde haviam se formado e trabalhado e se de fato alicerçavam-se em
bases epistemológicas americanas da psicologia. Nos dois livros examinados constataram-se
referências a 91 autores e autoras. A tabela a seguir apresenta a distribuição dos resultados:
Tabela 1: Levantamento biográfico dos autores e autoras mencionados por Roslow e Weaver
(“Psicologia para professores do ensino industrial”) e Bollinger e Livingstone (“Metodologia
do ensino industrial”).
DADOS
QUANTIDADE
PORCENTAGEM
Nascidos nos EUA
13
14%
Trabalharam nos EUA
10
11%
Estudaram nos EUA
29
32%
Trabalharam e estudaram nos EUA
21
23%
Procedentes de outros países
7
8%
Não foram encontrados
11
12%
TOTAL
91
100%
Fonte: Pesquisa direta em ambos os livros-textos (BOLLINGER; LIVINGSTONE, 1962; ROSLOW;
WEAVER, 1949)
Portanto, com o propósito de conhecer as bases epistemológicas de Roslow, Weaver,
Bollinger e Livingstone, verificando a procedência, a formação acadêmica e a carreira
profissional dos autores e autoras mencionadas na tabela acima, realizaram-se pesquisas
47
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biográficas e bibliográficas na Rede Mundial de Computadores, por meio das quais se
mostrou evidente a íntima relação de tais referências bibliográficas com a cultura americana.
Afinal, dos 91 autores e autoras citados como referenciais dos livros-textos “Psicologia
para professores do ensino industrial” e “Metodologia do ensino industrial”, 80% mantiveram
vínculos com o território americano, seja porque lá nasceram, seja porque para lá migraram,
almejando adquirir ou aprimorar a formação universitária em psicologia ou atuar como
psicólogo, do ponto de vista profissional e acadêmico.
Uma informação relevante ficou a cargo ora da formação acadêmica, ora da atuação
profissional ou de ambas. Assim, no tocante a 77% dos autores e autoras citados como
referenciais dos livros “Psicologia para professores do ensino industrial” e “Metodologia do
ensino industrial”, 11% dessa parcela atuaram no âmbito da psicologia americana, 32%
concluíram a sua formação acadêmica em ambiente universitário americano (não foi possível
saber se também desenvolveram a carreira profissional nos EUA) e 23% estudaram e
trabalharam nos EUA.
A formação acadêmica de boa parte destes autores aconteceu na Região Nordeste dos
EUA, a chamada Nova Inglaterra, isto é, na Universidade de Colúmbia (Estado de Nova
Iorque), na Universidade de Harvard (Estado de Massachusetts) e na Universidade Clark
(também em Massachusetts), além da Universidade de Chicago (Estado de Illinois), na
Região Centro-Oeste. Quanto aos demais autores citados, 8% tinham nacionalidade
estrangeira e, em relação a 12%, não foram encontradas informações biográficas mínimas.
Desses autores e autoras escolhidos como referenciais teóricos dos livros em questão,
alguns merecem destaque devido a sua importância na construção da identidade da psicologia
americana.
Nesse aspecto, sobressaem os nomes de figuras referenciais da primeira geração de
psicólogos americanos (William James e Granville Stanley Hall), do movimento funcionalista
das Escolas de Colúmbia (Edward Lee Thorndike, Robert Sessions Woodworth e James
McKeen Cattell) e de Chicago (Harvey Carr, John Dewey e James Rowland Angell), de
pioneiros da psicologia aplicada (Henry Herbert Goddard, Lewis Madison Terman e Harry
48
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Levi Hollingworth) e do fundador do movimento americano do behaviorismo14 (John Broadus
Watson, cuja formação universitária ocorreu no seio do movimento funcionalista da
Universidade de Chicago), pesquisadores e professores de ciências psicológicas que
contribuiriam para proporcionar à psicologia produzida nos EUA uma identidade própria no
âmbito acadêmico, a partir das últimas décadas do século XIX a meados do século XX, e no
modo como interagiria, ao longo do século XX, com a sociedade americana (FERREIRA;
GUTMAN, 2013; GOODWIN, 2010; MARX, HILLIX, 2008; SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
5
A NOVA PSICOLOGIA E SUA MATRIZ FUNCIONALISTA
Disseminado pela CBAI na formação de professores para o ensino industrial, o
conteúdo dos livros-textos de Roslow e Weaver e de Bollinger e Livingstone decorre da
psicologia aplicada proveniente dos EUA, originária da chamada “nova psicologia”,
expressão empregada pelos pesquisadores da história da psicologia dos EUA, para se
referirem ao advento, nas últimas décadas do século XIX e nos primeiros anos do século XX,
da moderna psicologia científica americana, cujo marco inicial corresponde à publicação das
primeiras produções intelectuais sobre psicologia escritas por James Mark Baldwin, assim
como por William James (HATFIELD, 2003).
Encabeçado por professores e pesquisadores das Universidades de Chicago (John
Dewey, James Rowland Angell e Harvey Carr) e de Colúmbia (Edward Lee Thorndike, John
McKeen Cattell e Robert Sessions Woodworth), emergiu, nos EUA dos anos 1880 e 1890, o
movimento funcionalista, cujos contornos utilitários, pragmáticos, ecléticos e assimétricos
propiciaram, pela primeira vez, à psicologia praticada e teoriazada naquele país traços
14
Para a teoria behaviorista, comportamentalista ou condutista de Watson, o comportamento se compõe de
elementos de resposta e pode ser analisado, de forma cuidadosa, por meio de métodos científicos, naturais e
objetivos. De acordo com essa construção teórica, o comportamento se reduz a processos físico-químicos, de
maneira que se constitui, inteiramente, de secreções glandulares e de movimentos musculares. Entende-se que há
no comportamento rigoroso determinismo de causa e efeito: existe uma resposta imediata a todo estímulo eficaz,
do mesmo modo que toda resposta tem alguma espécie de estímulo. Para esse sistema teórico, não há como
realizar pesquisa científica sobre os processos conscientes, de sorte que são estranhas à esfera do conhecimento
científico problematizações sobre a consciência (MARX; HILLIX, 2008).
49
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distintivos e genuinamente americanos (FERREIRA; GUTMAN, 2013; GOODWIN, 2010;
SCHULTZ; SCHULTZ, 2009).
A principal característica dessa nova psicologia, nascida no seio do funcionalismo
capitaneado pelas Escolas de Chicago e de Colúmbia, diz respeito a um conceito diferenciado
de adaptação, em detrimento da ênfase darwinista na adaptação e na sobrevivência biológica
da espécie ao ambiente físico (FERREIRA; GUTMAN, 2013).
A abordagem funcionalista da psicologia americana do final do século XIX deslocou o
foco para a adaptação do indivíduo ao cenário social, convertendo os seres humanos em geral
(inclusive os psicólogos) e a psicologia em instrumentos de utilidade social, por meio do
ajustamento dos indivíduos e das ciências psicológicas às normas da sociedade, aos novos
meios sociotécnicos modernos e a uma atuação autônoma e ativa do indivíduo no ambiente
social, a fim de que, desse modo, fossem contempladas as exigências do meio social
(FERREIRA; GUTMAN, 2013).
Embora a psicologia na Europa do final do século XIX – em particular na Alemanha,
então o principal polo acadêmico-institucional da área, sob a liderança intelectual, na
Universidade de Leipzig, de Wilhelm Wundt (1832-1920) –, estivesse devotada à pesquisa
pura, nos EUA, nas duas últimas décadas do século XIX, a psicologia refletiu o tempo de
mudanças e de crescimento econômico posterior à Guerra Civil, em que predominava a ênfase,
própria da cultura americana, no prático, no útil e no funcional (FERREIRA; GUTMAN,
2013; GOODWIN, 2010; SCHULTZ; SCHULTZ, 2009)15.
O movimento funcionalista, ao buscar compreender processos que estavam sendo ou
seriam desenvolvidos pela psicologia animal, pela psicologia comparada, pela psicologia
comportamental e pela psicologia aplicada, tinha como objetivo facilitar a aplicação da
psicologia no cotidiano da escola, da indústria, do comércio, da família e do próprio Estado
(GOODWIN, 2010).
15
O cientista ou técnico americano, diferentemente do que se passava na Europa da época e do que ocorreu da
Grécia antiga, não se ocupava de descobrir fórmulas de aplicação mundial, mas de conceber “novas maneiras
para levar a um fim prático coisas velhas e novas” (LERNER, 1960, p. 19).
A psicologia americana, por meio do funcionalismo, foi moldada por essa mentalidade, ou seja, espelhava aquilo
que Anísio Teixeira se referiu como o “espírito prático que sempre distinguiu a América do Norte e, que
reconhece a ciência como a mais prática das coisas” (TEIXEIRA, 1960, p. 73).
50
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Como consequência desse enfoque pragmático (na acepção jamesiana desse vocábulo16)
do movimento funcionalista, voltado a uma variedade temática de questões atinentes aos
problemas cotidianos, a psicologia americana do final do século XIX contribuiria para o
desenvolvimento nos EUA de outros ramos da psicologia com que dialogaria ou em relação
aos quais serviria de aporte teórico (GOODWIN, 2010; SCHULTZ; SCHULTZ, 2009;
YAMAMOTO, 2013):
(1) a psicologia animal (baseada em estudos com animais) e a psicologia comparada
(comparação do comportamento humano com o comportamento animal), para as quais
contribuiu, de maneira relevante, Edward Lee Thorndike (1874-1949), funcionalista da Escola
de Colúmbia;
(2) a psicologia comportamental ou o behaviorismo (ciência responsável pelo estudo do
comportamento, teve em John Broadus Watson (1878-1958) um dos seus pioneiros, cujo
sistema de psicologia behaviorista se alicerçou, entre outros, em elementos teóricos extraídos
da psicologia funcionalista);
(3) E a psicologia aplicada (considerada a principal herança da psicologia funcionalista, foi
acolhida com entusiasmo pelo público americano em geral e aplicada, de maneira abrangente,
nos setores de serviços, da indústria e do comércio dos EUA no decorrer do século XX).
6
16
CONTEÚDOS E TEMAS DA PSICOLOGIA AMERICANA
William James, pioneiro do movimento funcionalista da Universidade Harvard (MARX; HILLIX, 2008),
defendia um método pragmático desapegado de dogmas e doutrinas, que levasse em conta as ideias oriundas das
mais diversas matrizes, inclusive de origem teológica, desde que úteis à realidade concreta: “As teorias, assim,
tornam-se instrumentos, e não respostas aos enigmas, sobre as quais podemos descansar. Não ficamos de costas
para elas, movemo-nos adiante e, na ocasião, fazemos a natureza retornar com a sua ajuda. O pragmatismo
relaxa todas as nossas teorias, flexiona-as e põe-as a trabalhar. Não sendo nada essencialmente novo, se
harmoniza com muitas tendências filosóficas antigas. [...] em princípio, pelo menos, não visa [a] resultados
particulares. Não tem dogmas e doutrinas, salvo o seu método. [...] Se as ideias teológicas provam que têm valor
para a vida concreta, são verdadeiras, pois o pragmatismo as aceita, no sentido de serem boas para tanto. [...]
O pragmatismo, de fato, não tem quaisquer preconceitos, quaisquer dogmas obstrutivos, quaisquer cânones
rígidos do que contará como prova. É completamente maleável.” (JAMES, 1974, p. 12-13, 19, 22, grifo
original).
51
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O teor dos manuais de Roslow e Weaver e de Bollinger e Livingstone, traduzidos e
adotados no Brasil pela CBAI, no bojo da formação de professores para o ensino industrial,
espelha categorias e temáticas recorrentes na psicologia americana da primeira metade do
século XX, quando não mais havia a prevalência, na comunidade acadêmica dos EUA, do
movimento funcionalista das últimas décadas do século XIX e dos primeiros anos do século
XX, mas permanecia majoritário, como ainda permanece, um olhar da psicologia americana
tipicamente funcional (HOTHERSALL, 2006).
A psicologia americana por excelência devota-se ao comportamento do indivíduo no
seu processo de adaptação ao ambiente. Por comportamento, entende-se tudo o que o
indivíduo faz. Compõe-se de numerosos movimentos, reações ou respostas. A finalidade
dessa proposta de psicologia, recorde-se, é promover a adaptação do indivíduo às
modificações do meio em que vive (ROSLOW; WEAVER, 1949).
Tal formulação teórica de adaptação, abraçada pela psicologia americana a partir do
movimento funcionalista, origina-se do darwinismo social de Herbert Spencer17 (1820-1903),
definido como a “aplicação da teoria da evolução da natureza humana e da sociedade”
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2009, p. 152).
Para Spencer, sobreviveria, cresceria e dominaria o grupo social que tivesse o melhor
sistema familiar, o mais eficiente sistema de produção e distribuição e o melhor governo. As
finalidades individual e social diriam respeito à adaptação e à sobrevivência. O propósito da
educação seria o ajustamento (sobretudo da criança) ao mundo real (BRISTOL, 2014).
O fator motivacional recebeu destaque nos livros-textos de Roslow e Weaver e de
Bollinger e Livingstone.
17
Embora o conservadorismo religioso americano até hoje apresente oposição à teoria da evolução das espécies
de Charles Darwin (1809-1882) – conforme havia notado Anísio Teixeira ao visitar os EUA nos anos 1927-1928
(TEIXEIRA, 2007) –, houve amplo sucesso do darwinismo social naquele país, por consistir em uma sociedade,
segundo Jean-Pierre Fichou, “essencialmente evolutiva e favorável à competição”, dedicada “a uma contínua
corrida ao sucesso, à adaptação” (FICHOU, 1990, p. 38), em que prepondera a lei da sobrevivência das forças
econômicas mais aptas à dominação do mercado.
52
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Entendia-se que os fatores motivacionais possibilitariam uma aprendizagem mais
eficiente, mais rápida e mais duradoura. Esses fatores abrangeriam estímulos fisiológicos
(fome, sono, sede) e sociais (recompensas, punições, reprovação, honrarias, presença de uma
situação problema) (ROSLOW; WEAVER, 1949).
Ao mesmo tempo, a motivação também poderia ser subdividida em motivação
intrínseca (a necessidade particular, o anseio, a vontade e o desejo do próprio aluno de
aprender) e em motivação extrínseca (relacionada com um objetivo externo à necessidade do
indivíduo, mas que teria uma finalidade que o envolve) (BOLLINGER; LIVINGSTONE,
1962).
Outro aspecto pertinente nesse conceito de aprendizagem deriva da inteligência, vista
como capacidade de aprender. Roslow e Weaver inspiraram-se no movimento funcionalista
da Escola de Colúmbia (MARX; HILLIX, 2008), por meio dos aportes teóricos não apenas de
Thorndike, como também de Robert Sessions Woodworth (1869-1962).
Para Woodworth, a inteligência incluiria (1) a capacidade de utilização de fatos e
atividades já aprendidas, um fator de memória, (2) a capacidade de adaptação a situações
novas e (3) a curiosidade e persistência (ROSLOW; WEAVER, 1949).
Thorndike, por sua vez, indicou três níveis de inteligência ou três aspectos em que se
manifestaria essa capacidade (ROSLOW; WEAVER, 1949): (1) a inteligência abstrata
(compreender e usar ideias, símbolos, palavras, números, princípios, leis, etc.), (2) a
inteligência mecânica (compreender e lidar com coisas e mecanismos, pistolas, automóveis,
tornos, etc.), e (3) a inteligência social (compreender seus semelhantes, mantendo uma atitude
correta para com eles).
O objetivo da construção da personalidade seria a adaptação e o ajustamento do
indivíduo aos valores e crenças instituídos socialmente.
Segundo Roslow e Weaver (1949), o desenvolvimento da personalidade seria produto
da hereditariedade e do meio (ambiente), duas forças fundamentais que determinariam as
semelhanças e as diferenças observadas nos traços dos indivíduos.
53
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A tônica nas forças da hereditariedade e da ambientalidade era uma característica nítida
na psicologia educacional americana da época, fruto das pesquisas biológicas e estatísticas do
movimento funcionalista (GOODWIN, 2010; MARX; HILLIX, 2008; SCHULTZ;
SCHULTZ, 2009).
Com base nessas duas forças (hereditariedade e ambientalidade), seria possível a
construção da personalidade. Assim como a inteligência, a personalidade tinha sua
importância na aprendizagem do ensino industrial. Compreendia-se a personalidade como o
conjunto de qualidades observadas nos ajustamentos do indivíduo ao meio ou como o modo
característico pelo qual se verificariam as respostas aos estímulos ou como os modos habituais
do comportamento (ROSLOW; WEAVER, 1949).
Conforme esse entendimento, a cada momento histórico seria demandada das pessoas,
em seu círculo social, a inserção de alguns comportamentos que emoldurariam a cultura e o
modo de viver de cada espaço. Acreditava-se que seria possível desenvolver personalidades
sadias e integradas lançando-se mão de princípios psicológicos, especialmente os da
aprendizagem, exceto quando houvesse sérias deficiências na matéria-prima (ROSLOW,
WEAVER, 1949).
Em virtude do peso dado pelo ensino industrial à aprendizagem e aos seus componentes
essenciais, caberia ao professor entender as aptidões dos seus alunos e o desenrolar de suas
habilidades, para que o processo de aprender de fato adquirisse concretude e em razão da
necessidade de se conhecer o indivíduo, compreendendo o seu desenvolvimento psíquico e
mental, assim como o seu desenvolvimento fisiológico saudável.
Por esse motivo, além de se familiarizarem com temas e conteúdos da psicologia, os
professores aprendiam como medir e diferenciar cada aluno.
Enxergava-se na aptidão o conjunto de capacidades necessárias à execução de uma
atividade prática e específica (FREEMAN apud ROSLOW; WEAVER, 1949). A aptidão seria
um fenômeno anterior à aprendizagem, uma predisposição hereditária do indivíduo para
determinadas atividades.
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Na psicologia industrial americana dos anos 1940, quando foi publicado no Brasil o
livro-texto de Roslow e Weaver, encontrava-se em voga a divulgação dos testes de aptidão
mecânica, concernentes às capacidades e habilidades necessárias à execução de trabalhos que
envolvessem o manejo de ferramentas, a operação de máquinas e o planejamento e execução
de trabalhos relacionados a essas atividades ou a outras semelhantes (PATERSON;
ANDERSON; TOOPS, 1930, apud ROSLOW; WEAVER, 1949).
Roslow e Weaver, ao delinearem noções conceituais de testes de aptidão mecânica,
invocaram o relatório do Departamento de Psicologia da Universidade de Minesota (Região
Norte dos EUA) elaborado por Donald Gildersleeve Paterson, em conjunto com Leo Dewey
Anderson e Hebert Anderson Toops, publicado em 1930 pela Imprensa Universitária daquela
Universidade e relativo aos Testes de Habilidade Mecânica (“Minesota Minnesota
Mechanical
Ability
Tests”)
(ERDHEIM;
ZICKAR;
YANKELEVICH,
2014;
INTERNATIONAL; ENCYCLOPEDIA OF THE SOCIAL SCIENCES, 2014).
Trata-se de testes de aptidão mecânica desenvolvidos pelo referido Departamento de
Psicologia, sob a liderança de Paterson, com o objetivo de aperfeiçoar a “orientação
vocacional” (correspondente, na psicologia brasileira contemporânea, à orientação
profissional), a fim de fomentar a reinserção no mercado de trabalho, durante a Grande
Depressão da década de 1930, do expressivo contingente de desempregados de então.
Partiu-se da premissa de que o chamado “sucesso vocacional” (vocational success)
dependeria não apenas da inteligência do indivíduo, como também de uma variedade de
outros fatores, a exemplo do seu estado de saúde, do seu grau de habilidade financeira e do
seu nível de interesse por determinado campo da atividade humana (ERDHEIM; ZICKAR;
YANKELEVICH, 2014).
O professor do ensino industrial deveria cuidar do desenvolvimento das habilidades dos
seus alunos, conhecendo a aptidão de cada um. Por habilidade, compreendia-se um conjunto
de movimentos organizados e integrados que seriam executados para a realização de uma
tarefa (ROSLOW; WEAVER, 1949).
55
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O supracitado conceito de habilidade, esposado por Roslow e Weaver, é congruente
com aquele abraçado por Laurance Frederic Shaffer 18 , Beverly von Haller Gilmer e Max
Schoen, na obra Psychology (“Psicologia”), de 1940, quando avistaram a habilidade como o
poder de desempenhar uma tarefa. À época professores de psicologia do Carnegie Institute of
Technology (Instituto de Tecnologia Carnegie, Estado da Pensilvânia, Região CentroAtlântica dos EUA), compartilhavam do posicionamento de Roslow e Weaver de que a
construção da personalidade diria respeito ao processo de adaptação do indivíduo à vida em
sociedade (SHAFFER; GILMER; SCHOEN, 2014).
Um ato hábil se caracterizaria (1) pela organização das respostas e movimentos, (2) pela
persistência em alcançar o objetivo final e (3) pela compreensão da relação existente entre os
movimentos que permitissem alcançar esse objetivo final (ROSLOW; WEAVER, 1949).
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essas tendências da psicologia americana, desenvolvidas a partir do final do século XIX
e do princípio do século XX, trouxeram ponderáveis contribuições, em terras brasileiras, para
o aparato escolar, que estava sendo construído, e para o aparato industrial, que ansiava por
métodos que promovessem o desenvolvimento operacional, a aquisição de habilidades
comportamentais aprovadas pela coletividade e controláveis, com facilidade, pelas
organizações e instituições sociais, entre elas, as próprias indústrias, que cresciam no Brasil
de meados do século XX, e o ensino industrial, artífice da formação de profissionais para
essas indústrias.
Nesse cenário de transição econômica, social e política, em que se inseriu o processo
brasileiro de industrialização e seus desdobramentos, as ciências da psicologia, pautadas por
experiências e conhecimentos americanos, introduziam-se nas indústrias e no sistema de
ensino industrial do País, por intermédio da psicotécnica, das seleções profissionais e
18
Shaffer foi orientando de doutorado de Edward Lee Thorndike, vinculado ao movimento funcionalista da
Escola de Colúmbia (MARX; HILLIX, 2008; NEUROTREE, 2014; PHDTREE, 2014).
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educacionais, da modelagem do comportamento e da formação de professores para o ensino
industrial.
A formação de professores para o ensino industrial se revelou uma empreitada
complexa: exigia-se de tal profissional, além de proficiência técnica sobre o ofício a lecionar,
conhecimentos sobre comportamentos, personalidade, habilidades e aptidões e as formas de
aprendizagem dos seus alunos.
Nesse panorama, o acesso aos conteúdos e temas da psicologia se revestia do intuito de
ampliar o conhecimento desses profissionais da educação sobre o comportamento dos alunos
do ensino industrial, para que os atos de ensinar e de aprender fossem mais produtivos e
eficazes.
Na formação dos professores, os contributos teórico-práticos das ciências psicológicas
se direcionaram tanto à compreensão da aprendizagem e do desenvolvimento psicofisiológico
e comportamental, quanto ao aperfeiçoamento dos instrumentos metodológicos, pedagógicos
e psicológicos.
O acervo teórico e prático da psicologia evidenciou-se relevante no desenrolar do
autoconhecimento dos alunos e na compreensão dos seus processos por seus professores,
visando, em tal conjuntura, a adaptar os estudantes às exigências de então, irradiadas pela
escola, pela indústria, pela sociedade e, principalmente, pela agenda de prioridades dos
detentores do poder político e econômico.
A ênfase ao útil, ao prático e ao funcional, traço marcante da mentalidade americana
pragmática e utilitária, transplantou-se à incipiente educação industrial brasileira dos anos
1940 a 1960, por meio de obras como as de Roslow e Weaver (“Psicologia para professores
do ensino industrial”) e de Bollinger e Livingstone (“Metodologia do ensino industrial”),
traduzidas e divulgadas no Brasil pela CBAI.
Tal ecletismo de raiz americana impunha ao professor brasileiro do ensino industrial
familiaridade com uma psicologia que, embora tivesse caráter aplicado, mantinha uma
perspectiva aberta, pragmática na acepção de William James (1976), isto é, em diálogo com o
57
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estado da arte de outros ramos da ciência, a exemplo da estatística, da fisiologia, da genética e
da pedagogia, revestida de um olhar que transcendia as fronteiras do metafísico e do
mentalismo, para se ocupar de temáticas relacionadas aos problemas do cotidiano da vida
privada e educacional, às demandas socioeconômicas e às questões do comportamento
humano.
Essa psicologia forneceria ao professor brasileiro do ensino industrial o entendimento
do comportamento do indivíduo como conduta passível de ser adaptada aos determinantes
sociais e lhe franquearia conhecimentos e técnicas, a fim de que pudesse não só compreender
seus alunos, sob os prismas da inteligência, da personalidade, das aptidões, das habilidades e
das diferenças individuais, como também aplicar em sala de aula métodos de quantificação e
mensuração cognitiva e psíquica, com o propósito de descobrir meios e estratégias de fomento
à motivação, para que as fábricas e indústrias fossem contempladas por trabalhadores que,
considerados
hábeis,
vocacionados
e
ajustados
às
especificidades
desse
cenário
organizacional, desenvolvessem carreiras bem-sucedidas, em benefício tanto das aspirações
profissionais do empregado quanto das expectativas de lucro e produtividade do empregador.
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AMERICAN PSYCHOLOGY IN TEACHER TRAINING FOR THE
BRAZILIAN INDUSTRIAL EDUCATION: DECADES OF 1940-1960
Abstract: This article examines the presence of American psychology in textbooks used in
teacher training for industrial education, published by the Brazilian-American Commission of
Industrial Education (CBAI), taking into account the epistemological foundations of
American psychology of the time as well as psychological content and themes disseminated
60
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
by CBAI. At the same time, the educational cooperation and the economic partnership
between Brazil and the U.S. in the Vargas Era are placed into context, in view of the national
and international political scene of that period, and the situation of the Brazilian industrial
education at that time.
Keywords: American Psychology. Teacher training. Industrial education.
AGENTES DO ENSINO INDUSTRIAL NO BRASIL: EUROPEÍSMO E
AMERICANISMO
SANTOS, Oldair Glatson dos19 – [email protected]
PEDROSA, José Geraldo20 – [email protected]
CEFET/MG – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
Av. Amazonas, 5.253
CEP 30.421-169 – Belo Horizonte – MG
Resumo: A abordagem aqui realizada envolve a experiência brasileira de preparação das
redes nacionais de ensino industrial que vieram à tona nos anos 1940. Trata-se das redes que
visavam à formação de operários e de técnicos para a indústria que expandia em decorrência
de escolhas nacionais e de fatores internacionais relacionados à economia de guerra. Pouco
experiente com o ensino industrial em larga escala, o Brasil buscou referenciar-se em
experiências internacionais. Para isso foram necessários intercâmbios, viagens técnicas,
participação em congressos, celebração de acordos, importação e adaptação de modelos,
tradução de livros e contratação de professores. Para estruturar redes de ensino industrial o
19
20
Graduado em História e mestre em Educação Tecnológica pelo CEFET – MG.
Doutor em Educação. Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG.
61
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
Brasil mobilizou educadores e engenheiros. Mas em que experiências internacionais o Brasil
deveria espelhar seu ensino industrial? Os anos 1940 são emblemáticos na afirmação do
americanismo e no ofuscamento do europeísmo. A trajetória seguida pelo artigo busca
identificar os principais agentes brasileiros envolvidos na preparação dessas redes de ensino
industrial e seus percursos na busca de experiências internacionais. O que se demonstra é
como as relações do Brasil com a Europa vão dificultando-se, restringindo-se, ao mesmo
tempo em que os Estados Unidos vão credenciando-se, aproximando-se e transferindo capital,
técnicas, homens e modelos. Em meados do século XX, mesmo antes da autodestruição
europeia, o americanismo já era irradiante e isso se reflete nas ideias e nos produtos
institucionais gerados pelos agentes do ensino industrial brasileiro.
Palavras-chaves: Ensino Industrial; Agentes; Europeísmo; Americanismo.
1
AGENTES DO ENSINO INDUSTRIAL NO BRASIL: EUROPEÍSMO E
AMERICANISMO
A organização do ensino industrial brasileiro, com estrutura de redes nacionais, foi
definida por alguns agentes que participaram das discussões e embates travados desde os anos
1920 e 30. Mais especificamente, por agentes cujo desejo era ver realizar-se no Brasil uma
educação profissional baseada em concepções racionais e modernas, como a praticada nos
países da Europa e nos EUA. Entre esses agentes estavam figuras como Lourenço Filho, León
Renault, Rodolfo Fuchs, Francisco Montojos, João Luderitz, Roberto Mange, Faria Góes
Filho e Horácio da Silveira. Nessa lista uma personagem da educação profissional destaca-se
por sua atuação nos debates educacionais tanto dos anos 1920 quanto dos anos 1930. Foi o
educador paulista Lourenço Filho.
Ao lado de Anísio Teixeira e de Fernando de Azevedo, Lourenço Filho participou das
reformas da educação realizadas na década de 1920 em vários estados do Brasil. O educador
62
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paulista foi responsável pela reforma educacional do Ceará, em 1922. Dez anos depois,
novamente ao lado de Anísio Teixeira e de Fernando de Azevedo, Lourenço Filho participou
do movimento “Escola Nova”, que teve seu auge na publicação do Manifesto dos Pioneiros
da Escola Nova, em 1932. Esse manifesto congregava educadores, intelectuais e artistas
brasileiros, como Cecília Meireles, Paschoal Leme, Mário Casasanta e outros. De todos os
signatários do manifesto de 1932, apenas Lourenço Filho continuou atuante no governo
Vargas – mesmo durante o período do Estado Novo –, nas discussões acerca da educação
profissional. Tanto Anísio Teixeira quanto Fernando de Azevedo exerceram cargos no
governo Vargas. Contudo, nenhum deles participou ativamente das discussões sobre a
educação profissional na década de 1940, o que não impediu que suas ideias influenciassem
as discussões.
Lourenço Filho foi responsável por dirigir a Biblioteca de Educação, um projeto
editorial criado e implantado em 1927 e que publicou, nos seus primeiros anos, obras de
autores europeus, estadunidenses e brasileiros. Entre as obras publicadas, encontra-se Vida e
educação, de John Dewey.
Lourenço Filho foi responsável por uma das obras mais divulgadas e lidas sobre a
Escola Nova. Trata-se de Introdução ao estudo da Escola Nova, publicada em 1930, “[...] um
dos livros-chave do ideário, então ascendente, chamado de Escola Nova, com seu apelo
inescapável por uma educação em moldes científico e moderno” (MONARCHA, 2010, p. 65).
No mesmo ano, Lourenço Filho assumiu a Diretoria-Geral da Instrução Pública no Distrito
Federal, permanecendo até 1931, quando foi substituído por Anísio Teixeira. Mesmo afastado,
o educador paulista auxiliou Teixeira na transformação da Escola Normal do Distrito Federal
em Instituto de Educação. Esse instituto tinha como um de seus objetivos a formação de
professores e reproduzia, “[...] aspectos do currículo acadêmico do Teachers College da
Universidade de Columbia [nos EUA], onde Anísio Teixeira e outros intelectuais no campo
educacional estudaram e obtiveram o prestigioso título de Masters of Arts” (MONARCHA,
2010, p. 76).
Relevante na ação de Lourenço Filho na educação foi sua aproximação com a
Psicologia. Já em 1921 o educador paulista lecionava psicologia aplicada à educação, na
63
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Escola Normal de Piracicaba. Entre 1932 e 1937, Lourenço Filho dirigiu o Instituto de
Educação do Distrito Federal, criado por ele e Anísio Teixeira. Enquanto Teixeira lecionava
filosofia da educação, Lourenço Filho regia a disciplina psicologia educacional. A
aproximação entre a psicologia aplicada e a educação é resultado da participação de Lourenço
Filho no Idort, órgão que ajudou a fundar.
O Idort dava ênfase aos testes psicotécnicos para seleção de trabalhadores; testes que
passaram a ser rotina em muitas empresas e instituições naquele período, especialmente em
São Paulo. A racionalização, proposta pelo Idort, foi apropriada também no ensino industrial,
nas discussões dos anos 1930. Os testes psicotécnicos utilizados para seleção de profissionais
para atuarem nas fábricas passaram a ser utilizados também na seleção de alunos nas escolas
técnicas industriais. Racionalização, psicologia aplicada, eficiência, eficácia e controle eram
termos utilizados pelo Idort para melhorar a produção industrial, uma vez que, a partir deles,
seria possível alocar trabalhadores específicos em funções determinadas.
A participação de Lourenço Filho no Idort repercutiu em suas atividades nas comissões
organizadas nos anos 1930 e que culminaram na reforma do ensino profissional na década
seguinte. Weinstein (2000, p. 95) afirma que a “[...] educação profissional [...] sofreu uma
série de inovações importantes no começo da década de 1930, inspiradas no círculo de
educadores e engenheiros ligados ao Idort”. O Idort influenciou o ensino industrial em todo o
País ou, pelo menos, influenciou os trabalhos das comissões que implantou o sistema de
ensino técnico-industrial.
Outra questão levantada por Weinstein (2000) era a da proximidade do Idort com o
movimento escolanovista: “Todo o movimento da Escola Nova no Brasil tinha uma grande
dívida com ideias e indivíduos ligados ao Idort, mas sua influência era sentida principalmente
no campo da educação profissional” (WEINSTEIN, 2000, p. 96). É inegável que o Idort tenha
influenciado as ideias de Lourenço Filho e mesmo as de Horácio da Silveira na participação
desses educadores na organização do ensino industrial.
Há ainda a viagem de Lourenço Filho aos EUA em 1935, com objetivo de conhecer o
sistema educacional daquele país. Essa viagem foi supervisionada por Anísio Teixeira, que, à
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época, era diretor de Instrução Pública no Distrito Federal. A viagem foi uma oportunidade
para o educador paulista repetir o gesto de Anísio na década de 1920.
Outro agente da educação profissional foi o engenheiro Rodolfo Fuchs, pessoa “[...]
ligada profissionalmente ao ensino industrial e que teria participação ativa nas diversas
comissões, grupos de trabalho e outras atividades de assessoria ao Ministério da Educação
para este assunto” (SCHWARTZMAN, 2000, p. 249). Fuchs participou de diversas viagens,
feitas ao exterior a partir da década de 1930 e que tinham objetivo de conhecer a educação
profissional de outros países. Em 1935, Fuchs:
[...] elaborou um relatório sobre a necessidade de “treinamento racional e metódico”,
[onde] partilhava da opinião de que a sociedade brasileira precisava urgentemente de
organização científica. Fuchs, porém, atribuía à formação profissional um papel
muito mais fundamental na transformação da sociedade brasileira, afirmando que a
única diferença entre os operários da Ford Motor Company e os operários brasileiros
era a “formação racional”. As escolas profissionais, afirmava ele, proporcionariam
os meios para tornar os brasileiros um povo rico e produtivo. (WEINSTEIN, 2000, p.
105–106.)
É interessante a menção que o educador faz aos operários dos EUA, em especial aos da
Ford, já em 1935. Fuchs faz menção à “[...] obrigatoriedade da habilitação profissional”21,
tecendo elogios ao projeto proposto por Fidélis Reis na década de 1920.
Outro engenheiro que participou ativamente das discussões do ensino industrial foi
Francisco Montojos, o primeiro diretor da Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, criada
em 1931 e que teve várias designações nos anos seguintes, até ser extinta por Capanema em
1937. Montojos, no entanto, continuou a participar de órgãos ligados à educação profissional.
Ele assumiu o cargo de diretor do ensino industrial e, em 1938, foi o responsável pelo
anteprojeto que desembocou no Decreto-Lei n.o 1.239, que obrigava os industriais a
oferecerem cursos de aperfeiçoamento a seus operários. Montojos participou ativamente das
discussões para organização do ensino industrial que culminaram na criação das Escolas
Técnicas Federais e do Senai.
21
FGV/CPDOC. Superintendência da Educação Profissional e Doméstica. CG g 1934.11.28, Série g, Pasta I. p.
32.
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Uma das funções exercidas por Montojos e que mais o aproximava da pedagogia
americanista foi de superintendente Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial
(Cbai). Essa função foi exercida em dois períodos: de 1947 a 1949 e de 1955 a 1961. Outra
pista que indica a predileção de Montojos pelas concepções americanas de educação foi sua
aproximação com Anísio Teixeira. Em carta endereçada a Teixeira em 1964 22 , Montojos
tratava o educador baiano como “mestre”. Nessa correspondência, Montojos lamentava o
momento pelo qual passava o País e enviou felicitações ao educador baiano pela passagem do
Ano-Novo. Em outra carta, de 196623, Montojos lamentava a distância que o separava de
Anísio e disse que os “discípulos” do educador baiano – entre eles o próprio Montojos, ao que
tudo indicava – aguardavam ansiosamente sua volta.
É reveladora a admiração que as cartas de Montojos deixam transparecer. Sua
admiração era pela pessoa do educador baiano, mas, também, por seus ideais em defesa de
uma educação democrática e eficiente. Montojos não fez parte do grupo de educadores
ligados à Escola Nova, mas não seria exagero afirmar que os ideais defendidos pelos
educadores daquele movimento estivessem, também, presentes na concepção educacional do
engenheiro-educador.
Outro representante da educação profissional no Brasil foi o engenheiro João Luderitz,
que também participou das comissões do ensino industrial durante a década de 1930. Luderitz
foi uma presença marcante nos debates sobre a educação profissional no Brasil desde a
primeira década do século XX. Em 1910, Luderitz era diretor do Instituto TécnicoProfissional de Porto Alegre, e realizou “[...] uma reforma em que procuraria a adaptação dos
alunos ao ambiente fabril, na busca de uma maior eficiência produtiva” (AMORIM, 2004, p.
99); algo que poderia ser nomeado como a industrialização da escola. Já naquela época
Luderitz buscava modelos de educação profissional fora do Brasil, inspirando-se tanto em
escolas na Europa quanto nos EUA. Todavia:
[...] seu método de industrialização caracterizava-se por uma notória influência
taylorista, enfatizando as disciplinas voltadas para a formação técnico-científica, tais
22
FGV/CPDOC. Carta de Francisco Montojos a Anísio Teixeira (28/21/1964). AT c 1964.12.28, Rolo 40,
fotograma 535, p. 1.
23
FGV/CPDOC. Carta de Francisco Montojos a Anísio Teixeira (12/07/1965). AT c 1964.12.28, Rolo 40,
fotograma 535, p. 2.
66
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
como Matemática, Desenho Industrial e Tecnologia, em detrimento daquelas
denominadas de Cultura Geral, cuja carga horária será diminuída. (AMORIM, 2004,
p. 99.)
Entre as ideias de Luderitz, prevalecia sua defesa pela industrialização do ensino, “[...]
com o objetivo de preparar o aluno para o mercado de trabalho, no menor período de tempo
possível” (AMORIM, 2004, p. 100). Luderitz foi um dos partícipes da comissão criada em
1941 por Vargas (que teve também o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e que desembocaria na criação do
Senai. Na década de 1920, Luderitz dirigiu o Instituto Parobé em Porto Alegre, direcionado
“[...] para uma formação que se distanciasse da produção artesanal e se aproximasse do que o
contexto pensado para o desenvolvimento industrial exigia” (MACHADO, 2010, p. 28).
Deste modo, o:
[...] caminho seguido pela Instituição acabaria por servir como referência para o
ensino industrial nacional ao longo dos anos 1920, especialmente a partir da criação
do Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico, em 1921, no qual o
mesmo engenheiro [Luderitz] ocupou o cargo da chefia. (MACHADO, 2010, p. 28.)
O Serviço de Remodelação, dirigido por Luderitz, era, “[...] uma comissão de técnicos
especializados no assunto [designada] para examinar o funcionamento das escolas e propor
medidas que remodelassem o ensino profissional, tornando-o mais eficiente” (FONSECA,
1961, p. 187). Como diretor do Serviço de Remodelação, Luderitz produziu um relatório que
apontou diversas falhas da educação profissional e das Escolas de Aprendizes Artífices
(precursoras das Escolas Técnicas da década de 1940). Ele providenciou também a elaboração
de vários compêndios e manuais relativos à tecnologia de ofícios, já que não havia livros
técnicos em português no Brasil (FONSECA, 1961). Em 1930, o Serviço de Remodelação foi
extinto pelo Governo Provisório, dando lugar à Inspetoria de Ensino Profissional Técnico,
criada em 1931. Luderitz foi substituído por Francisco Montojos.
Luderitz parece ser o pioneiro na busca por uma educação profissional que se pautava
na eficiência, na racionalidade e na técnica moderna. A prática – aliada à técnica –, no lugar
67
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
do conhecimento teórico e bacharelesco, era apontada por Luderitz como solução para os
problemas encontrados nas escolas profissionais.
Como pioneiro na tentativa de trazer para o Brasil (em suas viagens feitas à Europa e
aos EUA) exemplos de uma educação profissional em consonância com as necessidades da
ainda incipiente indústria, Luderitz apontou o caminho para o novo governo que se constituiu
após 1930. Segundo Machado (2010), esta proposta de inspirar-se:
[...] em modelos de países considerados desenvolvidos para reorganização do ensino
industrial estará presente na gestão de Capanema, que segue inicialmente os mesmos
passos de Luderitz no que se refere às estratégias na busca desses referenciais, ou
seja, visitas às escolas profissionais europeias, e o estudo da possibilidade de
contratação de técnicos estrangeiros (MACHADO, 2010, p. 57.)
Outro importante cargo ocupado por Luderitz no ensino industrial foi o de primeiro
diretor nacional do Senai, de 1942 até 1948.
Outro nome no ensino industrial é o do educador e engenheiro Roberto Mange. Mange
foi uma das figuras mais citadas no Brasil quando o assunto é educação profissional. Assim
como Luderitz, Mange estava presente nos debates sobre o ensino industrial desde a década
de 1920, quando se voltou para a organização do ensino profissional em São Paulo. O
engenheiro suíço esteve à frente dos cursos industriais desenvolvidos na Escola Profissional
Mecânica do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, além de dirigir o Serviço de Ensino e
Seleção Profissional da Estrada de Ferro Sorocabana.
Entusiasta dos métodos racionais na educação, Mange defendia a especialização como
forma de atender as demandas de racionalização da indústria. Assim como os demais
educadores e engenheiros ligados ao ensino industrial, Mange também acreditava que a
organização racional seria “[...] uma forma de criar um Brasil mais produtivo, eficiente e
moderno, com um melhor padrão de vida para todos” (WEINSTEIN, 2000, p. 20). Mange
também foi professor da Escola Politécnica de São Paulo.
Mange foi “[...] um dos principais formuladores das proposições educacionais do Idort e
um influenciador de políticas educacionais, em outros níveis de ensino” (CONCEIÇÃO, 2005,
68
Anais - 2014 V SITRE - ISSN 1980 - 685X
p. 47). Mange atuou em praticamente todas as áreas voltadas ao ensino industrial no País. É
ele que fazia a conexão entre os industriais paulistas e o governo, especialmente no tocante à
educação profissional. Mange era sempre requisitado pelo governo quando o assunto era
educação profissional e transitava pelo Ministério da Educação e pelo Ministério do Trabalho.
É considerado um dos precursores da utilização da psicotécnica, para seleção de alunos, no
Brasil.
Junto de Luderitz e Góes Filho, Mange fez parte da comissão que ajudou a elaborar o
Decreto que criou o Senai, sendo o próprio Mange o primeiro diretor do órgão no estado de
São Paulo. Mange também fez parte de outras comissões, além de ter sido convidado diversas
vezes pelo Ministério da Educação para auxiliar na organização do sistema de ensino técnico.
Num telegrama enviado a Gustavo Capanema, Mange lamentava não poder estar presente à
inauguração da Escola Técnica Nacional: “[...] motivos imperiosos impedem meu
comparecimento. Faço votos pleno sucesso Escola Técnica, finalidade fundamental
importância nossa produção industrial”24. Isso demonstra que, apesar de se relacionar mais
diretamente com os industriais paulistas e com o Ministério do Trabalho, o engenheiroeducador suíço também esteve presente nas discussões sobre a organização do ensino
industrial realizadas no Ministério da Educação e Saúde.
Outro agente do ensino industrial no País foi o engenheiro-educador Celso Suckow da
Fonseca. Figura de destaque, Fonseca também legou ao País uma das obras mais citadas
quando o assunto é o ensino industrial25. Fonseca formou-se em engenharia civil pela antiga
escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1929, e fez o curso superior de locomoção pelo
Cefesp, formando-se em 1939 (CIAVATTA, 2010, p. 18). Fonseca teve influência na criação
do sistema de escolas técnicas federais, tendo sido um dos primeiros diretores da Escola
Técnica Nacional do Rio de Janeiro, primeira instituição federal fundada no País na década de
1940.
Fonseca também acreditava na racionalidade e na técnica como forma de impulsionar o
desenvolvimento no País e, como os demais educadores e engenheiros, “[...] buscou unir a
24
FGV/CPDOC. Telegrama de Roberto Mange a Gustavo Capanema (s/d). Documentos sobre a Escola Técnica
Nacional. GC g 1937.12.27/1. Série g. Microfilme rolo 49.
25
Trata da obra História do ensino industrial, publicada em 1961.
69
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escola ao mundo da produção [...]” (CIAVATTA, 2010, p. 21). Tal como Luderitz, Fonseca
era um entusiasta do sistema educacional estadunidense. Foi um dos diretores que viajou aos
EUA com o objetivo de capacitar-se num curso para administração de escolas técnicas,
realizado no State College, na Pensilvânia. O curso era um dos resultados da Cbai e foi
realizado entre 1947 e 1948 (DIAS, s/d).
Apesar de não compor nenhuma das comissões formadas para organizar o sistema de
ensino técnico industrial, Fonseca participou das discussões e atuou entre os principais
artífices daquele sistema. O educador foi um dos convidados a participar de uma comissão
para o “Ensino Industrial de Emergência”, criada em 1942, para atender aos “esforços de
guerra”. Como os demais educadores ligados ao ensino industrial, Fonseca era um “homem de
ação”, de forma que “[...] sua vida e sua obra educacional estão profundamente marcadas pela
valorização do trabalho e do ensino para o desenvolvimento industrial” (CIAVATTA, 2010, p.
56).
A razão para relacionar esses agentes do ensino industrial no Brasil deve-se ao fato de
terem exercido importante papel na organização do ensino técnico industrial implantado na
década de 1940. Além do que, ao sintetizar as trajetórias de cada um, parece ser possível
identificar as razões que moviam esses sujeitos e, implicitamente, tentar captar as influências
estrangeiras na concepção de educação profissional defendida por eles.
Alguns desses nomes estiveram diretamente envolvidos na constituição do ensino
técnico industrial, que desembocou na implantação das Escolas Técnicas Federais em 1942:
Lourenço Filho, Horácio da Silveira, León Renault, Francisco Montojos e Rodolfo Fuchs. Os
demais educadores e engenheiros, como Mange, Luderitz e Góes Filho, estavam mais ligados
à organização do Senai, mas eles não deixaram de participar das comissões e das elaborações
que diziam respeito ao ensino técnico industrial.
Há que se ressaltar ainda a presença do baiano Anísio Teixeira, o mestre dos
engenheiros-educadores. Teixeira parece ter sido uma eminência parda nas discussões sobre o
ensino industrial, se considerada sua influência nas concepções de educação dos agentes do
ensino industrial.
70
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Já foi mencionada a aproximação entre a concepção de ensino de Fuchs e a experiência
das escolas técnicas secundárias criadas pelo educador baiano no Distrito Federal na década
de 1930. A mesma admiração tinha Lourenço Filho pelo educador baiano, sendo que a
aproximação entre eles, pelo fato de trabalharem juntos na década de 1930, provavelmente foi
mais intensa que entre Teixeira e Montojos. A visita realizada por Lourenço Filho aos EUA
em 1935 deve ter contribuído para solidificar ainda mais a presença da educação
estadunidense na concepção de ensino do educador paulista26.
A concepção de educação de Anísio Teixeira pautava-se nas propostas do educador
estadunidense John Dewey. Ele manteve contado com Dewey quando esteve nos EUA entre
1927 e 1929. Mas foi a primeira viagem de Anísio que transformou por completo sua
concepção de educação. A propósito, foi com a intenção de revigorar-se que Anísio foi para a
América do Norte em 1927: “O que preciso é de uma cura de vontade, de energia – e onde
mais a poderia ter mais intensa, mais eficaz, mais penetradora do que na América, o país
voluntário por excelência?” (TEIXEIRA, 2006, p. 207). Mas o que encantava Teixeira não era
a educação estadunidense em si, mas, antes, a própria civilização dos Estados Unidos: “A
América vai mostrar-me uma democracia descentralizada, com o estado reduzido ao mínimo e
em que um ambiente de cultura intelectual, moral e cívica permitiu a formação de uma
aristocracia” (p. 207). Para ele, a diferença substancial da educação americana estava na
superação de persistentes dualismos: “A educação, na América, ganhou um novo sentido
humano [...]. O antigo dualismo de educação utilitária para as massas e de humanidades para
uma classe, especial e refinada, já não existe” (TEIXEIRA, 2006, p. 68).
Antes de conhecer o sistema educacional dos EUA, Teixeira realizou uma viagem à
Europa, em 1925. Ao retornar para o Brasil, Teixeira estaria “[...] mais longe da Companhia
de Jesus do que quando saíra” (NUNES, 2010, p. 15). Enquanto percorria a Bahia para
conhecer a realidade das escolas daquele estado, Teixeira iniciou
[...] uma série de conversas pedagógicas com Carneiro Leão, na ocasião, diretor da
Instrução Pública do Distrito Federal, com Afrânio Peixoto, que também havia
exercido esse cargo. Nessa época, leu Métodos americanos de educação do belga
Omer Buyse, que muito o influenciou (NUNES, 2010, p. 16.)
26
O Arquivo de Anísio Teixeira no CPDOC contém correspondências entre Anísio e Lourenço Filho, em que
este último relata as visitas realizadas às escolas dos EUA.
71
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Mas foi graças às visitas realizadas aos EUA, que o educador baiano travou contato com
uma literatura pedagógica e um sistema público de educação que ele não conhecia. A primeira
viagem empreendida por Teixeira à América do Norte foi em 1927, quando se iniciou na
pedagogia de Dewey. Teixeira produziu um diário em que expôs suas impressões desta
primeira viagem: “A concepção americana de educação é [...] tão larga, que se identifica com
a vida, mas com uma vida conduzida com inteligência e consciente lucidez” (TEIXEIRA,
2006, p. 48).
Antes de chegar aos Estados Unidos, ainda no navio, o educador baiano familiarizou-se
com a cultura estadunidense, seja pela observação das atitudes de alguns estadunidenses a
bordo do navio, seja por meio de leituras, como a do livro My life and work, de Henry Ford. A
leitura da obra de Ford seria “[...] uma preparação para visitar o País americano” (TEIXEIRA,
2006, p. 208). A obra de Henry Ford impressionou Teixeira, que enxergou nela uma
confiança no futuro nunca antes vista: “Eu creio [...] que estamos às vésperas da supressão da
miséria, [...] às vésperas de um sólido bem-estar coletivo, [...] será pela indústria que
obteremos a nossa salvação material” [...] (TEIXEIRA, 2006, p. 210). A cultura estadunidense
causou admiração a Anísio Teixeira, antes mesmo de ele por os pés na América do Norte.
Ao eleger os EUA como um país que poderia oferecer uma experiência nova no tocante
à educação, Teixeira já diferenciava esse País das demais nações desenvolvidas, ou seja, já o
elegia como um possível modelo a ser seguido. Para o educador baiano, já no final da década
de 1920 era possível visualizar os nascidos naquele país como um povo que tinha de fato a
liderança do mundo, tendo-a pelo dólar, pelo trabalho e pelo progresso (TEIXEIRA, 2006).
As incursões feitas por Teixeira nas escolas dos EUA também o impressionaram. A
qualidade do ensino, mesmo em regiões distantes dos grandes centros, em zonas rurais
chamaram bastante sua atenção. Mas foi sua passagem pelo Teatchers College, da
Universidade de Colúmbia, que mais modificou sua concepção de ensino. Segundo Nunes
(2010), esta experiência foi vivida como uma intensa carga afetiva, que provocou em Teixeira
uma “conversão pelo avesso”.
A partir de Dewey, Teixeira “abriu seu coração” para o pensamento científico. Uma das
concepções de educação de Dewey, presentes em Teixeira, foi aquela que se insurgia “[...]
72
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contra a preparação profissional rigidamente adaptada ao regime industrial existente”
(NUNES, 2010, p. 40). A proposta de educação anisiana, baseada em Dewey, defendia um
sistema público de educação “[...] que permitisse a todos usufruírem dos benefícios da
igualdade no aparelhamento para futuras carreiras” (NUNES, 2010, p. 40).
Desta forma, ainda que indiretamente, Teixeira teve sua parcela de presença na
organização do ensino industrial e disseminou, por intermédio de seus discípulos, uma nova
maneira de compreender a educação profissional a partir da década de 1940.
Para Weinstein (2000), contudo, “[...] pouco parece ter sido realizado durante esse
período inicial [década de 30], além da elaboração de estudos preliminares” (p. 105). Os
primeiros relatórios produzidos tinham como objetivo apenas levantar os problemas relativos
ao ensino industrial no País. Aos poucos, no entanto, tais relatórios sugeriam também
soluções para os problemas levantados. E, em muitos casos, as soluções foram inspiradas em
modelos educacionais de outros países, a partir de visitas a eles realizadas. Com esse objetivo
é que o Brasil, por meio do Ministério da Educação e Saúde (com a colaboração daqueles
educadores e engenheiros já citados) passou a participar de diversos congressos internacionais
de ensino técnico, a partir de meados da década de 1930.
2
EM BUSCA DE MODELOS PEDAGÓGICOS INTERNACIONAIS PARA O
ENSINO INDUSTRIAL BRASILEIRO
O Brasil, por intermédio do Ministério da Educação e Saúde, participou de dois
importantes congressos internacionais na década de 1930: um em Roma, em 1936; e outro,
em Berlim, dois anos depois. A iniciativa de participar desses congressos quase sempre partia
de Capanema. A preocupação do ministro era buscar nas experiências internacionais
referências para o ensino industrial no País, mas também objetivava a contratação de
profissionais estrangeiros que pudessem atuar como professores no Brasil. Como as
comissões que discutiam esse ensino vinham atuando desde a segunda metade da década de
1930, Capanema antevia a demanda por professores adequadamente formados para
73
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lecionarem tanto nas antigas Escolas de Aprendizes e Artífices, quanto nos liceus que logo
seriam implantados.
Em 1936, antes do congresso de Roma, Capanema expôs à Vargas a conveniência da
participação do Brasil, uma vez que poderia servir à educação profissional, bem como “[...]
aprofundar os estudos sobre o tema nos países europeus, sendo benéfico para a elaboração do
‘Plano Nacional da Educação’ no Brasil” (MACHADO, 2010, p. 54). Para a participação
desse congresso, Capanema designou uma comissão formada por León Renault, Lourenço
Filho e Francisco Montojos. Ainda em 1936, foram realizadas sondagens em outros países,
aproveitando-se das eventuais viagens à Europa (SCHWARTZMAN, 2000). No mesmo ano,
o governo brasileiro tentou contratar professores alemães, mas não obteve sucesso (CUNHA;
FALCÃO, 2009).
Em 1938, o governo alemão convidou o Brasil para participar do Congresso
Internacional do Ensino Industrial naquele país. O ministro da Educação, em carta à Vargas,
defendia a participação do Brasil nos seguintes termos: “O congresso de agora se reveste de
particular interesse, pois a Alemanha, que será a sua sede, oferece vasto campo de estudos em
matéria de ensino profissional”27. Capanema preocupava-se com a contratação de professores
estrangeiros “[...] que viessem a trabalhar em nossas escolas a partir de 1939”28, necessidade
que seria ampliada a partir da instalação de novos liceus. Fuchs foi designado para representar
o Brasil na Alemanha, mas visitou também a França. Fuchs fez um relatório sobre o sistema
de ensino profissional na Alemanha, comparando-o com o sistema francês.
Ainda em 1938 foi formada outra comissão, desta vez composta por Mange, Lourenço
Filho, León Renault, Góes Filho, Horácio da Silveira, Francisco Montojos e Rodolfo Fuchs,
para levantar os problemas relativos ao ensino industrial no Brasil. Num documento
produzido por essa comissão, intitulado Lei Criando a Comissão do Plano Geral do Ensino
Profissional, está escrito:
27
FGV/CPDOC. Carta de Gustavo Capanema a Getúlio Vargas (18 de junho de 1938). GC 1935.12.00,
Microfilmagem: rolo 37, série g.
28
FGV/CPDOC. Carta de Gustavo Capanema a Getúlio Vargas (18 de junho de 1938). GC 1935.12.00,
Microfilmagem: rolo 37, série g.
74
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Ainda é pensamento aproveitar o futuro plano, os resultados dos Congressos
Internacionais do Ensino Profissional, realizados em Roma e Berlim, e as
observações feitas pelos Delegados brasileiros que compareceram aos mesmos,
sobre a organização que os países mais avançados da Europa, deram, durante os
últimos anos, ao ensino profissional29.
Outros países eram também apontados como possibilidades de disponibilizar técnicos
para lecionarem no ensino industrial brasileiro, como a Suíça, os EUA, a Espanha e Portugal.
Depois de várias discussões, Montojos, Góes Filho e Fuchs, com Capanema, em 1940,
optaram pela escolha de técnicos de apenas uma nacionalidade, como forma de garantir a
unidade dos métodos.
Após indicar que, naquele momento, os únicos países em condições de oferecer
“elementos de valor” para a empreitada seriam os Estados Unidos, a Itália e a Suíça,
a comissão opta por técnicos suíços. O descarte da Itália ocorre pela sua política
interna, o que poderia dificultar os contratos (MACHADO, 2010, p. 59).
A Alemanha não apareceu na lista, indício do distanciamento do governo brasileiro em
relação às potências do Eixo. A Itália estava na lista, mas também foi descartada. O problema
da língua foi uma das justificativas dadas por Capanema para não contratar professores
estadunidense. Assim, a comissão apresentou uma proposta específica para a contratação de
técnicos suíços para o Liceu Nacional a ser inaugurado no Rio de Janeiro. Segundo
Schwartzman (2000), a escolha da Suíça foi por causa da sua posição de neutralidade no
conflito europeu, o que tem sentido, dada à tentativa do governo brasileiro de também se
manter neutro no conflito. Após Vargas aprovar a contratação dos técnicos, Mange foi
escolhido para fazer a seleção.
Em 1941 Mange seguiu para a Suíça com a finalidade de selecionar os profissionais
daquele país. Em 1942, ano de inauguração da Escola Técnica Nacional no Rio de Janeiro,
“[...] chegaram ao Brasil 29 dos 42 técnicos contratados inicialmente, para lecionarem
naquela escola. Apesar de todo o planejamento e incansável sondagem, a adaptação dos
profissionais não ocorreu de forma branda” (MACHADO, 2010, p. 59). Fonseca (1961)
29
FGV/CPDOC. Organização, legislação e administração geral do ensino profissional. GC 1934.11.28,
Microfilmagem: rolo 26, pasta I, p. 9, série g.
75
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apontou as dificuldades encontradas pelos técnicos suíços. Alguns não puderam ser
aproveitados no ensino industrial e voltaram para a Suíça; outros permaneceram no Brasil
trabalhando em indústrias que fundaram. Schwartzman (2000) menciona algumas
correspondências de técnicos suíços dirigidas à Capanema em que eles reclamavam dos
salários e das condições de trabalho.
É interessante apontar que as políticas da educação profissional brasileira
acompanhavam o panorama das relações internacionais do País. Não havia um modelo eleito
a ser seguido, mas, sim, uma abertura para os vários modelos internacionais. Schwartzman
resume essa situação:
O que ocorria na área da educação e da cultura naqueles anos fazia parte de um
processo muito mais amplo de transformação do país, que não obedecia a um projeto
predeterminado nem tinha uma ideologia uniforme [...]. É um processo que permite
a inclusão progressiva de elementos de racionalidade, modernidade e eficiência em
um contexto de grande centralização do poder. (SCHWARTZMAN, 2000 apud
MACHADO, 2000, p. 69.)
A tentativa de contratar técnicos estrangeiros, bem como as suas constantes mudanças
na nacionalidade, foram reflexo do momento político vivido pelo Brasil e pelo mundo, ante as
indefinições da Segunda Guerra. A mudança na política externa do Brasil, nesse período, foi
primordial para a mudança também no modelo pedagógico a ser apropriado pelo governo,
inspirando a reforma do ensino profissional no País. Segundo Cunha & Falcão:
[...] depois da tentativa frustrada de obter professores alemães, em 1936, e da
contratação de professores suíços para as escolas industriais, em 1941/42, o
Ministério da Educação voltou-se para os Estados Unidos como fonte de assistência
técnica para esse importante ramo do ensino, estratégico para a política industrialista
do Estado Novo. (CUNHA; FALCÃO, 2009, p. 150.)
Um dos resultados da Comissão Interministerial, criada em 1939, foi um relatório sobre
a educação profissional de diversos países, entre eles os EUA O documento foi assinado por
Góes Filho: “A riqueza do ensino americano, dentro do qual se contém a maior rede de
escolas técnicas de nível secundário do mundo, permitiu reduzir a aprendizagem no local do
76
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trabalho, naquele país, a proporções menores que na Europa” 30 . Trata-se de documento
produzido no ano em que eclodiu a guerra na Europa, mas que já colocava os EUA como
possíveis fornecedores de um modelo pedagógico para o ensino industrial brasileiro. Apesar
de o documento conter descrição das escolas industriais de outros países, como a Alemanha, o
interesse pela educação profissional dos EUA era um indício de ampliação da presença do
americanismo no ensino industrial brasileiro. E esse interesse aumentava à medida que outras
tentativas de compor o ensino industrial no País não davam bons resultados.
Naquele momento – apesar do fascínio que a Alemanha também despertava em algumas
autoridades brasileiras – os EUA já eram vistos como uma referência de nação industrializada
e desenvolvida. A grandeza dos EUA também se fazia notar no ensino industrial, em suas
escolas técnicas, como apontado em outra parte do documento assinado por Góes Filho:
Trata-se de grandes escolas, muitas delas providas de ótimas oficinas, laboratórios,
bibliotécas e classes comuns. Aí jovens que ingressaram na indústria ou no comércio
apenas com o curso elementar terminado, [...], buscam completar a sua formação
geral e técnica. Serviços de orientação bem organizados e devidamente articulados
com a indústria estudam o caso de cada estudante isoladamente, o grau de
adeantamento anterior, o grau de inteligência, os seus interesses, o emprêgo em que
se acha ou em que vai ingressar, os reclamos técnicos e culturáis desse emprêgo, as
possibilidades de mudança de colocação, os interesses do patrão, etc., etc31.
A partir da década de 1940, o Brasil intensificou sua aproximação com os EUA, ao
mesmo tempo em que se distanciou das forças do Eixo. As relações comerciais com a
Alemanha foram enfraquecendo-se. Os EUA, com sua “Política da Boa Vizinhança”, faziamse presentes no Brasil: na cultura, na política, na economia e na educação.
Em 1941, mesmo ano em que Mange foi à Suíça selecionar técnicos para lecionar nas
escolas industriais brasileiras, Capanema recebeu uma carta de Carlos Martins, então
embaixador do Brasil nos EUA32. A correspondência foi resposta a uma solicitação, feita por
Capanema, por meio de Alzira Vargas, filha de Getúlio Vargas. Anexas à correspondência, o
30
FGV/CPDOC. Organização dada por diversos países à aprendizagem industrial (1939). GC g 1938.04.30.
Série g. Microfilme rolo 51. Pasta II.
31
FGV/CPDOC. Organização dada por diversos países à aprendizagem industrial (1939). GC g 1938.04.30.
Série g. Microfilme rolo 51. Pasta II.
32
FGV/CPDOC. Carta de Carlos Martins a Gustavo Capanema (20 de agosto de 1941). GC g 1935.12.00. Série
g. Microfilme: rolo 37.
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embaixador enviou duas outras cartas: uma de William Machold (diretor da Divisão
Comercial de Finanças do Conselho de Defesa Nacional dos EUA) e outra de Grayson Hill
(professor da Universidade de Columbia em Nova Iorque). Ambas se referiam a uma possível
contratação de professores estadunidenses para as escolas industriais no Brasil. A carta de
Grayson Hill era um pedido, feito pelo missivista, ao Serviço de Emprego do Estado da
Geórgia no sentido de providenciar a seleção de professores e diretores para o Brasil33. A
carta de William Machold afirmava que a Divisão Comercial dos EUA já havia recebido um
número considerável de aplicações e testes, de modo a satisfazer as exigências dos técnicos
necessários para o Ministério da Educação brasileiro 34 . Junto às cartas foram enviadas,
também, as aplicações e os testes realizados.
Essas correspondências devem ter iniciado a articulação entre o Brasil e os EUA para a
criação da Cbai, órgão que ampliou a presença do americanismo no ensino industrial
brasileiro. Segundo Cunha & Falcão (2009), a Cbai “[...] foi um protagonista eficaz na
constituição da rede federal de ensino industrial conforme os padrões educacionais
escolanovistas” (p. 150). E, apesar de criada em 1946, depois da queda do Estado Novo, a
comissão nasceu de iniciativa de Capanema (CUNHA; FALCÃO, 2009). Isso pode ser notado
em um documento produzido provavelmente após a outorgação da Lei Orgânica do Ensino
Industrial:
O govêrno dos Estados Unidos, sabedor das atividades do Ministério da Educação e
Saúde no sector do ensino industrial, logo procurou se articular com o nosso, no
sentido de emprestar a sua valiosa colaboração à obra de formação de trabalhadores
que se vem processando no govêrno do Presidente Getúlio Vargas.
Assim é que o Coordenador dos Negócios Interamericanos, dos Estados Unidos da
América, Sr. Kenneth Holland, comunicou ao governo brasileiro a instituição de um
órgão oficial do governo norte-americano – a Inter-American Education Fundation
– destinado a cooperar com as iniciativas oficiais dos outros países da América.
Com relação ao nosso país, a proposta norte-americana diz respeito ao ensino
profissional e tem por essencial objetivo, por um lado, a criação de bolsas de estudo
para aperfeiçoamento, nos Estados Unidos, de diretores, administradores e
33
FGV/CPDOC. Carta de Grayson Hill a Carlos Martins (6 de agosto de 1941). GC g 1935.12.00. Série g.
Microfilme: rolo 37. Tradução livre.
34
FGV/CPDOC. Carta de William F. Machold a Carlos Martins (15 de agosto de 1941). GC g 1935.12.00. Série
g. Microfilme: rolo 37. Tradução livre.
78
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professores do ensino profissional, e, por outro lado, a remessa de aparelhagem que
as nossas escolas profissionais mais urgentemente necessitam35.
O documento parece ser um dos resultados da I Conferência Interamericana de
Ministros e Diretores de Educação, ocorrida em 1943, que contou com a participação de
Capanema e do diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Lourenço Filho (Inep).
A partir desse congresso, Capanema iniciou os entendimentos com as autoridades
educacionais estadunidenses, representadas pela Inter-American Foundation Inc.
Dos entendimentos havidos resultou um acôrdo para a realização de um programa de
cooperação educacional, visando a uma maior aproximação entre os dois países,
mediante intercâmbio de educadores, ideias e métodos pedagógicos, acôrdo esse
assinado a 3 de janeiro de 1946, pelo ministro da Educação Raul Leitão da Cunha,
representando o Brasil, e pelo Sr. Kenneth Holland, Presidente da Inter-American
Education, Inc., em nome dos Estados Unidos. (FONSECA, 1961, p. 563.)
Ainda em 1945, Vargas recebeu uma carta (provavelmente do embaixador do Brasil nos
EUA) em que mencionava as articulações realizadas entre o coordenador de Negócios
Interamericanos dos EUA, Kenneth Holland (o mesmo que assinaria o convênio que firmaria
a Cbai em 1946), e o Brasil no tocante ao ensino profissional. Citava que o articulador
estadunidense, por meio da Inter-American Education Fundation, pretendia definir um acordo
com o Brasil. Acordo sobre o ensino profissional, bem como “[...] a criação de bolsas de
estudo para aperfeiçoamento, nos Estados Unidos, de diretores, administradores e professores
do ensino profissional [...]”36.
O acordo entre o Brasil e os EUA, que criou a Cbai, foi assinado em 3 de janeiro de
1946, entrando em vigor em 3 de setembro do mesmo ano, pelo Decreto-Lei n.o 9.724. O
acordo durou aproximadamente 17 anos; quase duas décadas “[...] de influência americana na
organização
e
funcionamento
das
Escolas
Técnicas
Industriais”
(OLIVEIRA;
LESZCZYNSKI, 2009, p. 1). O órgão não somente apoiava a capacitação de professores para
o ensino industrial, mas era também “[...] suporte ao ensino técnico profissionalizante da
35
FGV/CPDOC. Repercussão do empreendimento [da Lei Orgânica] nos Estados Unidos, (s/d). GC g
1935.12.00. Série g. Microfilme: rolo 37, p. 4-5.
36
FGV/CPDOC. Carta a Getúlio Vargas (sem remetente) (14 de abril de 1945). GC g 1935.12.00. Série g.
Microfilme: rolo 37.
79
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época, que investia recursos na aquisição de equipamentos, recrutamento e capacitação de
professores, diretores, orientadores e supervisores” (OLIVEIRA; LESZCZYNSKI, 2009, p. 1).
O caso da Cbai mostra a receptividade e a busca da orientação americanista pelo
governo brasileiro e pelos docentes da educação técnico-profissional (CUNHA; FALCÃO,
2009). Além disso, o programa propunha-se
[...] a desenvolver relações mais íntimas entre professores do ensino técnico do
Brasil e dos Estados Unidos. Nesta relação estavam implícitos, cursos de
treinamento aos professores, técnicos e administradores, e constava ainda com a
aquisição de equipamentos e recursos didáticos. A Cbai representava uma luz ao fim
do túnel, tendo em vista a carência de professores naquele período e o despreparo
daqueles que se candidatavam nas escolas para ministrar aulas. (OLIVEIRA;
LESZCZYNSKI, 2009, p. 7.)
Podemos então nos pergunta: que experiências internacionais foram buscadas pelos
agentes do ensino industrial brasileiro, quando o Brasil, na década de 1940, teve que criar
redes nacionais voltadas para a formação de trabalhadores e de técnicos para a indústria?
Nessa busca de referências como se deu o jogo entre o europeísmo e o americanismo? Estas
são as questões em torno das quais giraram as reflexões feitas ao longo do texto.
O percurso realizado demonstra que os agentes do ensino industrial brasileiro –
educadores e engenheiro educadores – buscaram inspiração e modelos pedagógicos tanto no
Velho Mundo quanto no Novo Mundo. Entretanto, as amarras da Europa com o totalitarismo
e com a autodestruição pela guerra, no mesmo cenário em que os EUA mostravam ao mundo
sua exuberância econômica e sua democracia liberal, fizeram com que o americanismo se
tornasse mais irradiante e intensificasse sua capacidade de difusão.
Formação do espírito industrial: isso é essencial no americanismo. No americanismo, a
indústria é mais que produção de mercadorias, é modelo para outros círculos da vida. Nos
anos 1940, quando o Brasil viveu seu surto industrial e incrementou suas redes de ensino
industrial, o americanismo era presença marcante. A escola industrial traz muito da indústria
para dentro de si. Trouxe: a segmentação por meio das séries metódicas; técnicas de seleção
compatíveis com a psicotécnica; as oficinas, a disciplina; e a psicologia do ensino industrial.
80
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A escolarização do trabalho industrial foi também industrialização da escola. Foi nisso que os
EUA expandiram sua presença modelar. Entre eles, essa aproximação da escola ao trabalho já
era ampla e tinha amparo filosófico. O Brasil industrializante dos anos 1940, quando criou e
incrementou suas redes nacionais de ensino industrial, flertou com várias experiências
internacionais: Suíça, França, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal e Estados Unidos. De
quase todas essas experiências o Brasil importou referências, estruturas, métodos, técnicas e
outras coisas. Todos esses países foram visitados pelos agentes do ensino industrial brasileiro.
Entretanto foram as referências americanas que mais ocuparam espaço.
Essa maior presença do americanismo no ensino industrial brasileiro a partir dos anos
1940 era decorrente de vários fatores. Primeiro fator era mesmo esse descredenciamento que a
Europa vivia como referência econômica, cultural ou educacional. A crise, o totalitarismo, os
horrores do holocausto e a violência da guerra faziam da Europa um cenário de autodestruição.
Enquanto a Europa se fechava e se digladiava, do outro lado do Atlântico, os EUA se
expandiam economicamente, se consolidavam como civilização industrial, ampliavam sua
capacidade de difusão e apareciam aos olhos do mundo como modelo bem-sucedido de nação.
Além disso, o avanço da Segunda Guerra foi decisivo para o estreitamento de laços entre o
Brasil e os EUA. A entrada dos EUA na guerra em 1941 e a declaração de apoio do Brasil em
1942 tiveram desdobramentos militares, econômicos, culturais e educacionais. O esforço de
guerra fez os EUA se interessarem pela industrialização brasileira e, para isso, a expansão e o
incremento do ensino industrial eram estratégicos. Daí em diante, outros fatos facilitariam
cada vez mais a presença estadunidense no Brasil, com destaque para os eventos de Breton
Woods em 1944, a criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. A partir
de 1945, a Guerra Fria levou as duas superpotências vitoriosas na guerra a consolidarem seus
campos de aliados.
Nesse sentido, o americanismo operou por um mecanismo centrífugo e outro centrípeto.
Por um lado houve irradiação, difusão. Traços da cultura estadunidense se espalham mundo
afora pela força de sua indústria cultural. Os anos 1930–40–50 foram marcados pela
exuberância do cinema hollywoodiano, pelo rádio e pela televisão. Isso favoreceu a difusão
do americanismo: na alimentação, no vestuário, na arquitetura residencial e muito mais. Por
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outro lado, houve atração. Os EUA é a nação a ser visitada, conhecida, enfim, imitada e
copiada. No caso do ensino industrial brasileiro dos anos 1940 isso aconteceu fortemente.
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AMERICANISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL: O PROJETO DOS
GINÁSIOS POLIVALENTES (1971–1974)
BITTENCOURT JR, Nilton F.37 –[email protected]
PEDROSA, José G.38 – [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CEFET MG - PPG E.Tecnológica
Av. Amazonas 5253 - Nova Suíça
CEP: 30.421-16- Belo Horizonte – Minas Gerais - Brasil
Resumo: O artigo traz à tona um objeto expressivo para a compreensão da presença de
valores do americanwayoflife na educação brasileira a partir da segunda metade do século
XX. A abordagem resulta de pesquisa sobre a concepção, o projeto e os preparativos para
implantação dos Ginásios Polivalentes (GPEs) no Brasil no período entre 1971 e 1974.
Trata-se de um programa ambicioso, situado no contexto da reforma educacional de 1971 e
no âmbito do acordo bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos da América, conhecido
como MEC/USAID. O projeto GPE será de instituição de uma escola-modelo que trouxesse a
oficina para dentro de si, dinamizasse o currículo e integrasse humanidades, ciências e
trabalho. Os GPEs, juntamente com a lei 5692/71, tinham como parâmetro básico a
ampliação do ensino obrigatório em todo território nacional. A meta do artigo é demonstrar
como a presença americana se expressa num determinado modo de entendimento das
relações entre trabalho e educação. A pesquisa foi documental e bibliográfica e entre as
37
Graduado em Pedagogia (UFMG); Mestre em Educação Tecnológica (CEFET MG)
Graduado em Ciências Sociais (UEMG); Mestre em Educação (UFMG); Doutor em Educação: História, Política,
Sociedade (PUC-SP)
38
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fontes estão estruturas curriculares, programas de ensino, pareceres, projeto arquitetônico e
distribuição de custos e responsabilidades, elaborações teóricas que formaram a base da
filosofia dos GPEs e reportagens de jornais da época. O marco teórico da pesquisa vem da
história das instituições educativas e as considerações finais evidenciam aspectos da
educação americana que deram suporte aos GPEs, entre as quais a pragmática educação
para o trabalho.
Palavras-chave: Americanismo. Educação para o Trabalho. Ginásios Polivalentes.
INTRODUÇÃO
Os primeiros acordos entre o Brasil e os Estados Unidos da América (EUA) são de
meados do século XX, no ambiente da guerra, mas,desde a proclamação da República em
1889, a relação é amigável e foi desde então que os ianques começaram a figurar no
imaginário de brasileiros de vanguarda como o modelo de vida bem-sucedida. Entre os
pioneiros e notáveis entusiastas com a americanidade no Brasil estavam Rui Barbosa, Anísio
Teixeira, Viana Moog, Monteiro Lobato, Roberto Simonsen e outros. A americanidade
propagou-se em movimentos centrípeto e centrífugo. O movimento centrípeto é
anterior.Antes de realizar intervenções na vida de países atrasados economicamente, os EUA
já atraíam a curiosidade de intelectuais, industriais ou políticos queláiam em busca de
referências ou inspirações. É esse movimento centrípeto – os viajantes e seus relatos – que
fertiliza o terreno e paraa entrada dos EUA a partir da SegundaGuerra, por meio de capitais,
indústrias, técnicas, modelos pedagógicos ou produtos industrializados como automóveis,
eletrodomésticos, gêneros alimentícios, músicas, filmes, ou seja, por meio do way of life.
O artigo resulta de pesquisa sobre o projeto de uma experiência cuja meta era constituirse como referência para as demais escolas brasileiras. É a escola polivalente, aqui chamada de
ginásios polivalentes (GPEs): interferência direta do americanismo na educação brasileira. As
circunstâncias históricas dos GPEseram as mesmas da Lein.o 5.692, de 1971. Era tempo de
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militares na política, do milagre econômico, do crescimento industrial e urbano; tempo da
presença da United StatesAgency for International Development(Usaid) na educação
brasileira; tempo da doutrina do capital humano; tempo das manifestações estudantis. Os
GPEs e a Lein.o 5.692 tinham uma relação orgânica: a escola polivalente seria o embrião da
reformada educação brasileira, cuja metaera promover integração entre educação e trabalho.
Na cultura escolar brasileira é antiga e forte a distinção institucional, seguida de
hierarquização, entre educação e trabalho. Essa dualidade é herança escravocrata e da
presença da monarquia europeia. Tocqueville (2005) e outros autores, inclusive brasileiros,
salientam que uma diferença entre a Europa e os EUA é a disposição individual para o
trabalho. Se na Europa– herdeira da tradição dos bispos, reis, rainhas e princesas– o
preconceito era contra o trabalho, no Novo Mundo – terra sem o fardo passado dasmonarquias,
da plutocracia e dos privilégios, terra da mobilidade – o preconceito era a favor do trabalho.
Nos EUA o trabalho adquiriu um valor em si,associou-se ao Calvinismo, ao consumoe ao
dinamismo da vida social. No Brasil, os GPEs surgiram com a missão de difundir nova
mentalidade para o trabalho, nova relação entre escola e trabalho. A escola polivalente,
baseada no modelo americano, foi projetada como protótipo de educação para o trabalho,mas
sem se confundir comeducação profissional. Educação para o trabalho não se situava na
dimensão dos ofícios e dos saberes profissionais ou dos saberes técnicos, mas, na formação de
uma ética e de uma moral do trabalho, eraestimuladoradas vocações laborais e do gosto pelo
trabalho, seja manual, industrial ou intelectual.
Afirmar que o foco do artigo é no projeto dos GPEs é enfatizarque não é na experiência
vivida, na curta trajetória ou nos resultados alcançados. É estudo sobre o projeto de
implantação dos GPEs, sobre a dimensão do prescrito, isso que envolve projetos
arquitetônicos, bibliotecas e oficinas, currículos, seleção e capacitação de professores e
técnicos. A pesquisa foi documental e em fontes primárias, realizada no arquivo morto da
Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, em que se encontra em estado bruto o
acervo dosGPEs, constituído por leis, resoluções, relatórios, livros, projetos arquitetônicos e
outros. Acervo pesquisado foi o de Minas Gerais, mas o projeto não sofria variaçõesnas
unidades da federação. Havia previsão de adaptações regionais, mas o que estava para ser
implantado era o básico, o comum. Nesse sentido, os documentos mineiros não são singulares,
afinal, os GPEs eram projeto nacional.
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A parte central do artigo tem dois tópicos. O primeiro passa rapidamente pelo contexto
educacional no qual emergem osGPEs. O foco é na relação dos GPEs com a reforma da
educação nacional de 1971, com a United States Agency for International Development(Usaid)
e com oPrograma de Extensão e Melhoria do Ensino Médio (Premem). O segundo tópico
focaliza o projeto dos GPEs, destacando a filosofia da escola polivalente, o currículo, as
oficinas, as áreas e as disciplinas, a seleção e capacitação de professores e a organização do
espaço físico.
1
OS ACORDOS MEC-USAID NA DÉCADA DE 1960 E A ORIGEM DOS
GINÁSIOS POLIVALENTES
As relações cordiais entre EUA e Brasil vêm desde os primórdios da República
brasileira, mas até meados do século XX não há formalização de acordos, prevalecendo a
Entente Cordiale. Nos primeiros acordos escritos entre os EUA e o Brasil estão os convênios
da Inter-American Educacion Foundation, Inc. (IAEF)com o Ministério da Educação e da
Saúde, firmado em 1946,que contava com o financiamento misto e deu origem à Comissão
Brasileiro-Americana de Ensino Industrial (CBAI). Mas foi após a reunião da Aliança para o
Progresso, em Puntadel Este, que os EUA, por meio da Usaid, intensificaram sua presençanos
países da América Latina, entre eles, o Brasil. Vale lembrar que dois anos antes, ou seja, 1944,
em Breton Woods, havia sido criado o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial e é de lá que vinha boa parte dos recursos. A formalização dos acordos no contexto
da monetarização das relações não é mera coincidência.
De uma natureza tácita no início da República, passando pela formalização dos acordos
dos anos 1940 em diante, apresença americana no Brasil foi intensificada com o golpe civilmilitar em 1964 e pelo processo de intervenção deslanchado pela carta de Puntadel
Este(ARAPIRACA, 1982). Um dos fatores dessa intensificação foi a Guerra Fria. A tomada
de poder pelos guerrilheiros de 1959 em Cuba abria uma fresta para a presença do comunismo
na América Latina.
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Entre 1960 e 1970 houve cerca dequinhentos acordos entre Brasil e EUA. Esses acordos
eram firmados, ora entre a Usaide as unidades da Federação brasileira, ora entre a Usaid e o
Ministério da Educação e Cultura (MEC). A partir deles foram feitas mudanças no sistema
educacional brasileiro, com intervenções no ensino fundamental, secundário e superior, no
ensino técnico profissionalizante e na alfabetização de adultos. Essas intervenções incluíram
construção de prédios, compra de mobiliários, treinamento de professores e técnicos,
concessão de bolsas de estudo e outros.
O convênio assinado em 1965, entre MEC e Usaid, foi o primeiro dos que deram
origem à reforma do ensino médio no Brasil. Foram esses convênios de reforma do ensino
médio que deram origem ao projeto dos GPEs. Em 1966, num termo aditivo
[...] aparece pela primeira vez entre seus objetivos, o de elaborar planos específicos
para melhor entrosamento da educação primária com a secundária e a superior.
Envolve, igualmente, assessoria americana e treinamento brasileiro. (ROMANELLI,
2003, p. 213.)
Essa assessoria aparece em vários aditivos, tornando-se permanente, como no caso da
criação da Equipe de Planejamento do Ensino Médio (Epem).A Epeminicial tinha oito
pessoas, sendo quatro norte-americanos e quatro brasileiros, mas modificou-se e dela
participaram outras pessoas, norte-americanas e brasileiras. Seus objetivos eram planificar o
ensino primário e médio. Vários estados brasileiros foram assessorados pela Epem durante
dois anos. Nos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e
Pernambuco, além do assessoramento, foram implantados Epems locais.
A partir de 1972 a Epem integrou-se à estrutura de planejamento do MEC,
incorporando-se ao Programa de Melhoria do Ensino (Premen). Arapiraca (1982), Nunes
(1980) e Romanelli (2003) afirmam que os brasileiros que foram para os EUA para receber
orientação técnica foram submetidos à internalização de valores da cultura norte-americana.
Os autores denunciam o aspecto da ajuda humanitária da Usaid, quando mobiliários, livros e
demais equipamentos escolares financiados tinham sua compra vinculada a fornecedores
norte-americanos.
Em 1968 foi firmado novo convênio entre o MEC e a Usaid, para supervisionar a
execução da parte estrutural e quantitativa e aperfeiçoamento do programa da Epem. Deste
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acordo foi constituído o Premem. Composto por seis membros, a este grupo de técnicos
coubea incumbência de planejar uma escola, referenciando-se na high school norte-americana,
além de responsabilizar-se, pelo treinamento e aperfeiçoamento de professores para as
disciplinas vocacionais desse novo modelo de escola que se planejava – os GPEs.
O Premem atuou da segunda metade da década de 1960 até 1972. A partir de 1972, o
Decreto n.o 70.067, de 26 de janeiro, designou-o como Programa de Expansão e Melhoria do
Ensino (Premen), mas nas duas situações tinha como função promover a aplicação dos
recursos proveniente dos convênios MEC-Usaid. Seu propósito era aperfeiçoar o sistema de
ensino do primeiro e segundo graus, por meio do desenvolvimento quantitativo –
transformação na estrutura –, com base na ampliação da oferta de matrículas. No aspecto
qualitativo, o Premem propôs alternativas de reformulação da estrutura da escola média, por
meio da implantação em larga escala de um modelo de escola do primeiro grau – os GPEs –,
na crença de que este produziria impacto renovador no quadro rotineiro e inadequado do
ensino no nível em questão. Uma vez construídos os protótipos, em cidades-polos, esperavase que a experiência se irradiasse, estendendo sua influência renovadora a toda a rede escolar.
A filosofia do Premem definia que, dando continuidade à experiência dos ginásios
orientados para o trabalho (GOT), o GPEs tinham a pretensão de harmonizar, nos currículos,
o desenvolvimento intelectual e a vocação para o trabalho, com base no ensino de matemática,
ciências e letras e a prática vocacional de artes industriais, técnicas agrícolas, técnicas
comerciais e educação para o lar. O aluno iria da sala de aula ao laboratório e deste às oficinas,
acumulando experiências de iniciação humanística, científica, artística e prática, exercitando
aptidões, desvendando tendências e vocações, para, no ensino de segundo grau, definir-se pela
sua habilitação profissional imediata.
Paralelamente aos acontecimentos e acordos internacionais, a partir de 1965 ocorreu a
institucionalização das Conferências Nacionais de Educação, com o objetivo de organizar o
sistema educativo para atender ao novo Projeto Histórico Nacional. A terceira Conferência
realizada em 1967, em Salvador, BA, teve como tema a extensão da escolaridade. Para
Arapiraca (1982), as discussões dessas conferências serviram de base para a implantação do
novo modelo educativo e da Lein.o 5.692/1971 de reforma do ensino médio.
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2
A FILOSOFIA DOS GINÁSIOS POLIVALENTES
O projeto dos GPEs era baseado num modelo de escola vocacional, que ofereceria o
ensino geral ao lado de disciplinas de cunho laboral. Era vocacional por pela introdução ao
mundo do trabalho, sem buscar uma profissionalização-fim e ao mesmo tempo permitir uma
continuidade dos estudos. Mas o viés vocacional não era prerrogativa das disciplinas
específicas e estava também nas disciplinas de cunho geral.
O 1.o Seminário sobre o Ginásio Polivalente no Contexto da Educação Fundamental,
realizado em Brasília, em junho de 1970, visava promover o intercâmbio de experiências e
estudos sobre a implantação dos GPEs no Brasil e envolveu integrantes dos Conselhos e das
Secretarias Estaduais de Educação. No relatório do Seminário consta o discurso de abertura
feito pelo secretário-geral do MEC, coronel Mauro da Costa Rodrigues. O discurso é
significativo parao entendimento do sentido estratégico dos GPEs no terceiro governo do
golpe civil-militar de 1964: “Criar as bases para uma década de desenvolvimento, capazes de
possibilitar ao Brasil, no fim do século, formar entre as sociedades desenvolvidas, sem perda
de sua identidade sociocultural” (BRASIL, 1970, p. 19). O coronel Rodrigues enfatizavaa
educação ideal como aquela que permitiria ao jovem o seu desenvolvimento integral.
Também foram enfatizados os eixos da política educacional do MEC: mão de obra para a
produtividade e o pleno emprego; educação como fator de produção; interação entre educação,
recursos humanos, segurança e desenvolvimento.O coronel também anunciou que o ginásio
acadêmico progressivamente daria lugar ao ensino polivalente.
O que se buscava com os GPEs era uma escola que contemplasse as expectativas quanto
a uma formação mais eficiente. A superação do modelo dualista teria que ser feita por uma
escola que contemplasse as expectativas da população quanto à formação geral e a expectativa
dos setores produtivos quanto à formação para o trabalho. O argumento principal era o de
oferecer uma escola moderna, que focalizasse o conhecimento geral e tratasse o
profissionalismo e o trabalho como parte da cultura.
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A justificativa das humanidades era que o conhecimento geral – baseado nas ciências –
e as práticas de sondagens de vocação, como introdução ao mundo do trabalho, eram as
formas que a escola tinha de educar os jovens nas humanidades modernas.
Em 1953, Anísio Teixeira, numa conferência, por ocasião de um estágio para inspetores
de ensino secundário, advertiu para a necessidade de extensão dos moldes da escola primária
para o ensino secundário. Teixeira entendia que a escola secundária para aquele tempo – já na
década de 1950 – deveria assumir esse caráter popularesco:
[...] se todos não serão intelectuais, todos deverão ser instruídos e formados para
participar de uma civilização [...] toda construída sobre tecnologias e técnicas cada
vez mais dependentes da inteligência compreensiva, informada e orientada,
socialmente ajustada e individualmente cooperante, na medida dos próprios meios.
(BRASIL, 1969, p. 12)
No projeto dos GPEs esse aspecto reaparece, com a sondagem de vocações, como
filosofia estruturante de uma escola moderna e democrática. O discurso de Teixeira, em 1953,
foi publicado no livro Subsídios para o estudo dos ginásios polivalentes. Buscava-se criar
uma escola com uma estrutura de continuidade que atendesse aos propósitos do governo de
estender e popularizar o ensino, como já havia acontecido em outros países, ou seja, a cultura
do trabalho inserida na formação básica. Por outro lado, pretendiam também uma escola que
atendesse aos anseios da população quanto às suas expectativas educacionais e à melhor
preparação para os níveis superiores de educação numa escola com direitos iguais. Uma
educação escolar sintonizada com as mobilidades individuais e sociais, isso que, no Brasil dos
anos 1960 e 1970, ganhou o nome de capital humano.
O projeto GPEs teve a incumbência de ser o modelo de escola que atendesse às
demandas sociais e aos propósitos governamentais naquele tempo. Essa modalidade de escola
tinha a recomendação do ministro da Educação:
É, pois, dentro do conceito de ensino fundamental que se deverá inserir o ginásio
polivalente. [...] O ensino fundamental terá como grande objetivo a preparação do
jovem para a vida, tendo assim muito mais do que o sentido meramente
propedêutico que tanto deformava nossa sistemática educacional. [...] Através de
ensinamentos e práticas, fazer com que a criança incorpore progressivamente
conhecimentos, hábitos e aptidões que lhe assegure as condições fundamentais para
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viver como ser humano e como parte de um todo é a nova tarefa. (BRASIL, 1970, p.
21)
A filosofia dos GPEs pode ser sintetizada em três objetivos: sondagem de vocação
orientada, com educação geral, caracterizando o ensino humanista moderno; continuidade de
estudo como segundo ciclo do ensino de 1.o grau; favorecimento de estudos posteriores,
democratizando o acesso ao ensino superior.
3
UNIDADES CURRICULARES, ÁREAS DE ESTUDO E DISCIPLINAS
O currículo dos GPEs contemplava disciplinas que objetivavam harmonizar o
desenvolvimento intelectual e o potencial para o trabalho. A Resolução ALMG 925/1970
determinava como diretriz que o currículo dos GPEs devesse estar sempre atualizado e ter real
significado para a vida presente e futura do estudante. Cada unidade escolar deveria indicar os
objetivos, os métodos e o material necessário a cada área do currículo e deveria providenciar
revisão contínua desse plano curricular e, se necessário, sua reorganização. Essa adequação
seria avaliada a partir das mudanças dos alunos, resultante da aprendizagem, e começaria após
o primeiro ano de funcionamento das escolas. As atividades previstas no currículo deveriam
ter valor prático para o estudante, dentro e fora da sala de aula, pois deveriam prepará-lo para
assumir o papel de um adulto responsável. As disciplinas de caráter prático-vocacional eram
obrigatórias nas duas primeiras séries e tinham o objetivo de sondagem geral de vocações.
Todos deveriam passar, no mínimo, quatro horas semanais por variadas áreas, entre as quais
as práticas de artes industriais, técnicas agrárias, técnicas comerciais, economia doméstica ou
administração do lar. O aluno deveria passar por cada uma dessas disciplinas durante, no
mínimo, um semestre letivo. A terceira série prolongaria o processo de sondagem vocacional,
quando o aluno optava por uma das quatro disciplinas mencionadas. Na quarta série, os
alunos escolheriam entre as disciplinas, fossem elas práticas, técnicas, vocacionais ou para o
aprendizado mais desenvolvido nas ciências experimentais da Matemática, de uma língua
estrangeira ou das artes plásticas, destinando-se um mínimo de quatro horas semanais para a
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disciplina da opção individual.
Durante os dois primeiros anos do novo ginásio, o estudo obrigatório das disciplinas
gerais e das artes práticas constituirá a base para a exploração das aptidões do aluno
relativamente à escolha da disciplina ou prática optativa, na terceira e quartas séries.
O processo de opção far-se-á gradualmente; na terceira série exclusivamente na área
das práticas vocacionais; na quarta série, no conjunto das matérias opcionais, gerais
ou práticas. (MINAS GERAIS, 1970, p. 9)
Para que isso ocorresse, a escola ofereceria um elenco de matérias opcionais. A escolha
seria feita com uma orientação educacional que assegurasse o atendimento de preferências
individuais. O estudante, no início do segundo biênio, deveria indicar duas ou três opções. No
tocante às artes práticas vocacionais, nas regiões de economia rural, deveria ser reservado
tempo suficiente (dois ou mais semestres) para a iniciação em técnicas agrícolas. Durante os
dois anos introdutórios, tanto nas regiões de economia agrícola como nas áreas urbanas, os
professores das quatro principais artes práticas deveriam trabalhar em estreita cooperação
(troca de aulas e demonstrações, ensino por equipe, não duplicação de atividades etc.), de
modo a permitir que o ensino nessas áreas tivesse a maior unidade possível. A economia
doméstica não era exclusividade das alunas. “Quando destinado a meninos deve atender à sua
condição e às suas funções no futuro lar, abrangendo não só problemas de administração do
lar, como, na medida do possível e desejável, atividade de economia doméstica” (MINAS
GERAIS, 1970, p. 9). A adequação curricular das artes práticas seria feita pela redução da
carga horária das disciplinas tradicionais, mantendo-se uma carga horária total compatível
com a disponibilidade do estudante. No Anexo II, Diretriz 4, da Resolução ALMG 925/1970,
havia essa recomendação: disciplinas afins devem ser combinadas ou integradas às novas
disciplinas. Assim, as
[...] áreas de flexibilidades admitidas da reforma e experimentação do novo currículo
são: 1 – as disciplinas optativas; 2 – os cursos experimentais permitidos pela LDB; 3
– a flexibilidade de carga horária para as disciplinas obrigatórias estabelecidas pelo
Conselho Federal de Educação. (MINAS GERAIS, 1970, p. 9)
Essas disciplinas deveriam ser dosadas para de evitar a exclusão total das áreas
necessárias para uma educação completa. Atividades artísticas e educação física deveriam
constituir parte do currículo pelas quatro séries. Além disso, atividades externas, como
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recreação e clube, para atender a interesses especiais deveriam ser encorajadas.
Outra indicação era a modernização dos métodos de ensino. Recomendava-se que essa
modernização fosse constante e realizada com apoio de literatura atualizada, recursos
audiovisuais ou outros meios e convênios com universidades e empresas. No Anexo II,
Diretriz 5, da Resoluçãon.o 925/1970, reforçava-se que na escola “[...] deve ser estimulado um
clima que favoreça o estudo e a pesquisa, a experimentação e a inovação. Atenção especial
será dada ao aperfeiçoamento e atualização do ensino e do currículo no tocante as ciências e a
matemática” (MINAS GERAIS, 1970, s/p).
No repertório dos GPEs um dos termos é educação geral, entendida como “o acervo de
conhecimentos, cuidadosamente selecionado no vasto campo do conhecimento humano, a ser
dado ao educando de 1.o grau e que constitui base indispensável de sobrevivência dentro de
nossa cultura” (MINAS GERAIS, 1972, s/p). Outra definição era referente ao significado de
formação especial que fazia alusão ao mesmo processo, orientando-se “[...] em diferente
direção da aprendizagem e pretendendo introduzir o aluno em seu meio social através do
conhecimento, da análise e da valorização das diversas ocupações do homem em seu contexto
socioeconômico”. Quanto aos conteúdos, o conceito de matérias era equivalente a atividades
ou experiências vividas pelo próprio aluno, a serem desenvolvidas nas quatro primeiras séries
do 1.o grau. O significado de áreas de estudo compreendia os “[...] conteúdos afins, onde as
situações de experiências se equilibrarão com os conhecimentos sistemáticos para configurar
a aprendizagem, ministradas a partir da 5.a série” (MINAS GERAIS, 1972, p. 3).
Na Resolução 138/1972 essa conceituação era apresentada, esclarecendo o seu sentido
educativo. No artigo 4.o, parágrafo 1.o, estava escrito:
Nas atividades, a aprendizagem se fará, principalmente, mediante experiências
vividas pelo próprio educando de modo a atingir, gradativamente, a sistematização
dos conhecimentos, sob as formas de comunicação e Expressão, Integração Social e
Iniciação às Ciências, incluindo Matemática. (MINAS GERAIS, 1972, p. 4.)
No mesmo artigo estava a definição das quatro últimas séries, nas quais as áreas de
estudo seriam “[...] formadas por conteúdos afins, as situações de experiência tenderão a
equilibrarem-se com o conhecimento sistemático, para a configuração da aprendizagem, sob a
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forma de Comunicação em Língua Portuguesa, Estudos Sociais e Ciências” (MINAS
GERAIS, 1972, p. 5).
Já os setores do núcleo comum e da parte diversificada foram estruturados na íntegra.
Segundo a Resolução CEE-MG 138/1972, o núcleo comum teria a seguinte composição:
a) Comunicação e expressão:línguaportuguesa e educação artística – visando ao
cultivo da linguagem que possibilitasse ao aluno o contato coerente com os
semelhantes e a manifestação harmônica de sua personalidade nos aspectos físico,
psíquico e espiritual, ressaltando a língua portuguesa como expressão da cultura
brasileira.
b) Estudos sociais:geografia, história, educação moral e cívica e organização social e
política do Brasil – visando ao ajustamento crescente do educando ao meio, cada
vez mais amplo e complexo, em que deve não apenas viver, mas conviver, dando
ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva de seu desenvolvimento.
c) Ciências:matemática, ciências e programa de saúde – visando ao desenvolvimento
do pensamento lógico e à vivência do método científico e de suas aplicações.
O parágrafo 1.o do artigo 5.o da Resolução CEE-MGn.o 138/1972 definia que o ensino
dessas matérias mencionadas deveria atingir o desenvolvimento das capacidades de
observação, reflexão, criação, discriminação de valores, julgamentos, comunicação, convívio,
cooperação, decisão e ação, encaradas como objetivo geral do processo educativo.
Quanto aos princípios da organização do currículo, a mesma Resolução CEE-MGn.o
138/1972 orientava para a conjugação entre os conteúdos específicos, os obrigatórios e os
diversificados, assegurando a unidade em todas as fases de seu desenvolvimento.
Recomendava ainda a dosagem progressiva dos conteúdos por meio do escalonamento de
conhecimentos compatíveis com o desenvolvimento dos alunos e a orientação da
aprendizagem: do mais para o menos geral, e do menos geral para o mais específico.
A Resolução CEE-MG n.o138/1972 também tratava das questões relativas à formação,
especificando seu objetivo como a sondagem de aptidões e iniciação ao trabalho. Em seguida
a resolução apresentava os quatro setores de ensino, que deveriam estar em consonância com
94
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as necessidades do mercado de trabalho local ou regional e interesses dos estudantes.
Conforme o Parecer n.o02/1972, o CEE-MG utilizou a Resolução n.o 74/1970 do CFE,
definindo os mesmos setores para as matérias práticas do estado de Minas Gerais: práticas
industriais, práticas comerciais, práticas agrícolas e educação para o lar. Os conteúdos
específicos desses setores estavam num catálogo, anexo à Resoluçãon.o 138/1972. Cada
escola escolhia no mínimo dois setores de formação especial e, a partir deles, os conteúdos
respectivos apresentados no catálogo. Também a critério da escola, era facultado o
oferecimento dessas matérias nas 5.a e 6.a séries. Entretanto, nas 7.a e 8.a séries esta oferta era
obrigatória.
4
A SERIAÇÃO E OS TEMPOS ESCOLARES
O período letivo dos GPEs era semestral, pelo menos para as artes práticas. Com isso
buscava-se flexibilidade na organização do conteúdo dos cursos, visando a facilitar
ajustamentos no programa dos alunos em conexão com a orientação dos professores. Outro
ponto favorável era a distribuição do tempo, pois esse sistema semestral permitiria a inclusão
de oportunidades de recuperação ou atualização da aprendizagem pelos estudantes, o que
sinalizava para a melhoria do fluxo destes alunos nas séries sequenciais. No Anexo II, Diretriz
6, da Resoluçãon.o 925 (MINAS GERAIS, 1970), constava a recomendação para que o
sistema semestral fosse gradualmente estendido às outras disciplinas, até que todas estivessem
em ciclos semestrais.
A escola funcionaria em dois turnos de atividades, matutino e vespertino, com duração
entre 4h30min e 5h por turno, incluindo o intervalo. Nos dois primeiros anos a carga horária
total seria no mínimo de 26 e no máximo 28 horas por semana, evitando a sobrecarga e
garantindo a adequação dos alunos. Nos dois últimos anos, a carga horária total seria, no
mínimo, de 28 horas e no máximo trinta horas semanais. No turno da noite as escolas ficariam
disponíveis para as turmas de recuperação, para as classes especiais e para alunos com idade
acima das convenções; para turnos de colégios e classes de educação de adultos.
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As reprovações deveriam ser reduzidas e o problema seria enfrentado com a
manutenção de classes especiais de recuperação durante as férias. Alunos que fossem
reprovados em uma ou duas disciplinas deveriam ser promovidos à série seguinte e continuar
os estudos com a condição de que a recuperação devesse ser feita em turno noturno ou em
horário normal, apenas nas disciplinas em que fossem reprovados.
A escola terá a liberdade de imaginar outras formas de tratar este problema, mas em
hipótese alguma deve-se obrigar o aluno a repetir toda a série, não somente porque
isso retarda seu progresso escolar por todo o ano, como também o força a ocupar um
lugar de outra turma que deveria ser preenchido por um aluno novo. (MINAS
GERAIS, 1970 – Anexo II, Diretriz 13)
A seleção dos alunos seria feita numa “[...] apropriada razoável avaliação de aptidão
para o trabalho escolar equilibrado com outros critérios como: interesse e aptidões, idade,
proximidade com a escola e necessidade econômica” (MINAS GERAIS, 1970, Resolução
925/1970 –Anexo II, Diretriz 15). A meta era selecionar um corpo discente que atendesse aos
seguintes requisitos: a) Pedagogicamente capaz de realizar, com razoável êxito, os quatro
anos do curso ginasial. b) Adequado homogeneamente às idades estabelecidas. c) Realmente
representativo da comunidade local, dando especial atenção a crianças educacionalmente
capazes, originárias de famílias de baixa renda (MINAS GERAIS, 1970, Resolução 925/1970
– Anexo II, Diretriz 15).
5
FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS PARA A ESCOLA POLIVALENTE
O Edital 01/1970 do Premem abriu vagas para candidatos aos cursos de licenciatura
com curta duração. As inscrições foram de 20 de julho a 15 de agosto de 1970 e feitas na
capital mineira e nos postos instalados nas cidades do interior mineiro que receberiam GPEs
da primeira fase do projeto: Divinópolis, Juiz de Fora, Montes Claros Patos de Minas, Teófilo
Otoni, Uberaba e Uberlândia. Os cursos de licenciatura oferecidos eram nas áreas de
português, matemática, história, geografia, ciências, inglês e francês e foram ministrados na
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Também foram
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oferecidos os cursos de artes industriais, técnicas agrícolas, educação para o lar e técnicas
comerciais, ministrados no Centro de Treinamento de Professores de Betim. Os concluintes
do curso receberiam o diploma de licenciatura, para o exercício do magistério, no 1.o ciclo do
ensino médio.
Os documentos e os requisitos para os candidatos eram os seguintes: fotocópia do
certificado de conclusão de curso de 2.o ciclo médio para áreas de português, matemática,
história, geografia, ciências, inglês, francês. Para os cursos de artes práticas eram exigidos os
seguintes requisitos conforme a área: a) Técnicas comerciais: diploma de curso superior de
ciências contábeis, economia, administração, ciências atuariais, ou certificado de conclusão de
curso
técnico
comercial
ou
ser
portador
de
registro
de
professor
de
ensino
comercial.b)Técnicas agrícolas: diploma de curso superior relacionado com as atividades
agropecuárias, ou certificado de conclusão de curso técnico agrícola ou ser portador de
registro de professor de ensino agrícola. c) Educação para o lar: diploma de curso superior de
ciências domésticas ou educação familiar, certificado de conclusão de curso técnico de
economia doméstica ou curso de magistério de economia doméstica ao nível de 2.o ciclo, ou
ser portador de registro de professor de economia doméstica.
Além dessas exigências, os candidatos deveriam ter idade mínima de 21 anos. Com
exceção feita aos que fossem dos quadros do estado de Minas Gerais, candidatos com idade
acima de trinta anos não era aceitos. Também era restrito o acesso a mulheres solteiras, pois
havia a exigência de certidão de casamento apenas para os candidatos de sexo feminino.
Os candidatos aprovados fariam cursos de formação em regime de tempo integral, com
oito horas-aula diárias por período de cinco meses ou oitocentas horas para os cursos de
educação para o lar, técnicas agrícolas e técnicas comerciais e meses ou 1.600 horas para os
demais cursos.
Os candidatos para os cursos de licenciatura nas áreas de português, matemática,
história, geografia, ciências, inglês, francês, que se realizou na Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fizeram as seguintes provas comuns a todos:
português, conhecimentosgerais, testes psicológicos. Para os exames de português,
matemática, ciências, geografia, história, inglês e francês, houve, além das provas básicas,
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uma prova em nível médio, específica da licenciatura para a qual se inscreveu o candidato. Ou
seja, o candidato à licenciatura em matemática, fez uma prova de português, uma de
conhecimentos gerais e uma de conhecimento de matemática. A vida escolar dos candidatos
também foi levada em consideração na seleção.
Aos candidatos aprovados na seleção, matriculados e frequentes aos cursos, foi
concedida uma bolsa de estudos de Cr$ 240,00 (duzentos e quarenta cruzeiros) mensais,
vinculada a um contrato que definia os seguintes compromissos: a) Dedicar-se
exclusivamente e em tempo integral ao curso. b) Aceitar, após a conclusão, sua designação
para qualquer das escolas estaduais nas condições de trabalho e remuneração fixadas pela
Secretaria de Estado da Educação, por um período mínimo de dois anos. c) Cumprir uma
frequência mínima de 90% das aulas dadas. d) Restituir o valor gasto com seu treinamento em
caso do não cumprimento de qualquer dos compromissos acima.
Aos matriculados, frequentes e aprovados, estava garantido contrato para lecionar em
estabelecimento oficial do Estado a partir da data da conclusão do curso, certificado de
licenciamento em nível superior e registro do MEC como professor de ensino médio, 1.o ciclo.
Segundo Barros (1972), havia três modalidades de curso de formação para professores
dos GPEs: a) Os cursos de curta duração, que tinham o objetivo de suprir rapidamente o
quadro de professores licenciados com curso, com carga horária de 1.600 horas-aula para as
disciplinas acadêmicas e artes industriais, e de oitocentas horas para as demais técnicas. b) Os
cursos de reciclagem, exclusivos para os professores já licenciados, que tinham como objetivo
rever técnicas de orientação da aprendizagem e preparar o professorado para uma vivência
eficaz na filosofia da escola polivalente. Esses cursos tinham uma carga horária de 320 horas
aula. c) Os cursos de treinamento de pessoal técnico administrativo, que objetivavam treinar
diretores, coordenadores, orientadores pedagógicos e educacionais e pessoal administrativoescolar para as escolas polivalentes,tinha também a carga horária de 320 horas-aula.
A diretriz n.o 9 do Anexo II da Resolução ALMG 925/1970 estipulava que a carga
horária do professor era de vinte a 24 horas semanais, por turno. Em situações críticas,
podiam ser admitidos professores de tempo parcial, desde que nunca se ultrapassem 20% do
número de professores em tempo integral. Deste período, deveria ser reservado o tempo de
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quatro a seis horas para a preparação das aulas, reuniões, aconselhamentos de alunos,
orientação educacional e outras tarefas fora de classe. As atividades de aconselhamento e
orientação educacional, destacadas como responsabilidade do professor, constituíam um
processo contínuo e tinham a finalidade de auxiliar na escolha da modalidade de currículo que
lhe fosse mais adequado quanto ao ajustamento e adequação ao ambiente social. (MINAS
GERAIS, 1970, Resolução 925/1970 – Anexo II, Diretriz 9).
6
ARQUITETURA DOS GINÁSIOS POLIVALENTES
Havia também diretrizes fixando referências para o espaço físico e para projeto
arquitetônico dos GPEs. Essas diretrizes contemplavam as seguintes recomendações para uma
unidade padrão dos GPEs: terreno de 25.000 metros quadrados, doados pela
municipalidade;oito salas de aula;salas de serviço técnico-administrativo; oficina de artes
industriais; oficina de técnicas agrícolas;oficina de técnicas comerciais;sala ambiente de
educação para o lar; laboratório de ciências; cantina;área para a prática de educação física e
desportos;sala para biblioteca, com capacidade para 5.000 volumes; capacidade de lotação de
oitocentos alunos: quarenta alunos em cada turma para as disciplina intelectuais e vinte alunos
para as artes práticas e prática de laboratório; cada escola teria um quadro de 35 professores;
funcionamento em dois turnos; instalações disponíveis para atividades e iniciativas de cunho
comunitário no período noturno, tais como educação de adultos, conferências etc.
O planejamento, a contratação e acompanhamento das obras de construção, assim como
o equipamento das escolas,seria de responsabilidade do Premem.
A definição de ginásios modulares referia-se a uma escola com a quantidade de, no
mínimo, oito salas de aulas comuns, além dos espaços e áreas para serviços técnicos e
administrativos e recreação, oficinas de artes práticas e outras instalações. Cada escola
modular deveria ter quatro oficinas em padrões diferenciados conforme sua clientela. Os
centros urbanos em regiões de economia predominantemente agrária teriam uma oficina de
técnicas agrícolas, uma de artes industriais, uma de técnicas comerciais e uma de educação
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para o lar. Nos centros urbanos de economia predominante não agrária teriam duas oficinas de
artes industriais, uma de técnicas comerciais e uma de educação para o lar. Se houvesse
necessidade, a escola poderia ampliar sua capacidade, respeitando o conjunto modular, ou seja,
ela poderia ampliar seu espaço de um para dois ou três módulos.
7
A ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR E RELAÇÕES COMUNITÁRIAS
Os GPEs deveriam graduar em quatro anos todos os alunos que nele ingressassem.
Deveria ainda manter e melhorar, ao mesmo tempo, os padrões da ação educativa. Em dois
anos os índices de reprovação deveriam ser comparados com índices de anos anteriores,
mostrando significativa queda no nível de repetência.
Todos os diretores, vice-diretores ou coordenadores de curso e supervisores dos
GPEsdeveriam ter comprovada qualificação e experiência e terem recebido treinamento
especial na filosofia dos Ginásios. Quanto aos docentes, dois terços, no mínimo, deveriam
enquadrar-se nessas exigências. “As novas escolas não devem ter, de modo algum, seu corpo
docente composto principalmente através da transferência de antigos professores das escolas
já existentes” (MINAS GERAIS, Resolução ALMG 925/1970 – Anexo II, Diretriz 12).
Ao diretor da escola cabia supervisionar os vice-diretores ou coordenadores de turno –
dois ou três dependendo dos turnos – assim como todo o pessoal docente. O diretor também
seria responsável pelo período noturno, colocando a escola à disposição da comunidade,
desde que não interferisse nos turnos diurnos. O vice-diretor ou coordenador de turno teria
horários de trabalho coincidentes, entre os turnos, para coordenar as ofertas curriculares,
horários de aulas, regime de trabalho etc. Para cada conjunto de cinco escolas estava previsto
um supervisor para auxiliar os professores na modernização e melhoria dos métodos de ensino
e conteúdos dos cursos (MINAS GERAIS, 1970, Resolução ALMG 925/1970– Anexo II,
Diretriz 11).
Recomendava-se que a escola deveria ser parte vital da comunidade em que estivesse
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situada. As Diretrizes 16 e 17 explicitam como deveria ser estabelecida esta relação:
O ginásio deverá esforçar-se para desenvolver estreitas relações com a comunidade,
promover comunicações entre professores e pais, oferecer cursos apropriados de
educação de adultos destinados aos pais, organizar projetos destinados ao
aperfeiçoamento da comunidade e promover o apoio comunitário à escola. (MINAS
GERAIS, 1970, Anexo II, Diretriz 16, da Resolução ALMG 925/1970)
A Diretriz 17 definia que cada ginásio deveria desenvolver atividades e cooperações
com outras instituições, visando ao aperfeiçoamento dos professores, tais como reuniões
regulares de supervisores e professores de diversas escolas, para estudos dos programas de
ensino, métodos didáticos e orientação educacional. Deveria também incentivar a participação
do corpo docente a fazer parte, como membros, em comissões destinadas a formular e
implementar planos da própria escola para sua melhoria pedagógica. Além disso, caso
existissem universidades na região da escola, o diretor deveria estabelecer estreitas relações
com estas, facilitando o estágio de alunos-mestres dessas universidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nestas considerações finais o que há a ser enfatizado é que o exame dos documentos
com os fundamentos filosóficos da proposta, o projeto, registros das reuniões e seminários
realizados como preparativos para implantação, demonstram que os GPEs foram uma
tentativa de americanização da escola pública brasileira.
Um dos aspectos americanistas presentes é referente à garantia do direito à
escolarização universal, como direito social de todos os membros da sociedade de receber
uma herança cultural. Esse é um aspecto que evidencia uma inspiração americanista, na
medida em que os EUA foram um dos pioneiros, no início do século XX, na implantação de
um sistema primário e secundário de escolarização universal como projeto de nação e direito
do cidadão.
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Os documentos que definiam a filosofia dos GPEs sinalizavam para a estruturação de
uma escola baseada em eixos da escola americanista, tal qual delineada nas primeiras décadas
do século XX sob inspiração do pragmatismo: sondagem de vocação orientada para o trabalho,
com educação geral, caracterizando o ensino humanista moderno;favorecimento de estudos
posteriores, democratizando o acesso ao ensino superior;eescola única, ou seja, sem estruturas
específicas para determinadas classes ou setores sociais.
Entre as referências dos GPEs identificadas com a educação norte-americana podem ser
citadas a valorização do professor e a construção de prédios escolares modernos e equipados
com salas ambientadas e vasta biblioteca. Estes dois aspectos foram enfatizados por Teixeira
em seu relato de 1927 acerca da estrutura escolar, quando ele descreveu a visita a várias
escolas americanas.
Outro aspectoé referente ao currículo dos GPEs: dinâmico e avaliado anualmente com
base nos resultados da aprendizagem. Cada unidade escolar deveria indicar os objetivos, os
métodos de ensino e o material necessário a cada área curricular e deveria providenciar,
também, uma revisão anual para cada área curricular e, se necessária, sua atualização. As
atividades previstas no currículo deveriam ser de alto valor prático para o estudante, dentro e
fora da sala de aula, de modo a prepará-lo de maneira adequada, para assumir o papel de um
adulto responsável. Durante os dois anos introdutórios, tanto nas regiões de economia agrícola
como nas áreas urbanas, os professores das quatro principais artes práticas deveriam trabalhar
em estreita cooperação (troca de aulas e demonstrações, ensino por equipe, não duplicação de
atividades etc.) de modo a permitir que o ensino nessas áreas tivesse a maior integração
possível. Este aspecto é referente ao caráter dinâmico que o currículo escolar norte-americano
adquiriu no início do século XX. Este também foi aspecto enfatizado por Anísio Teixeira em
seu relato sobre a educação escolar nos EUA, quando se referiu aos inquéritos escolares,às
comissões e aos bureaux de investigações sobre o currículo, que auxiliaram a organização das
escolas americanas em 1923.
No projeto dos GPEs, as disciplinas de caráter prático-vocacional eram obrigatórias nas
duas primeiras séries, que tinham o objetivo de uma sondagem geral de aptidões vocacionais.
Para que isso ocorresse, a escola ofereceria um elenco de matérias opcionais. A escolha seria
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feita com o apoio de uma orientação educacional que assegurasse o atendimento de
preferências individuais. Este ponto era uma inovação básica no projeto vocacional e
inspiração direta da pedagogia americanista. O estudante, no início do segundo biênio, deveria
indicar duas ou três opções em ordem decrescente de prioridade. Nas regiões de economia
rural, deveria ser reservado tempo suficiente (dois ou mais semestres) para a iniciação em
técnicas agrícolas. A sondagem vocacional para o trabalho é um aspecto básico da pedagogia
norte-americana. Esse é outro aspecto que foi enfatizado por Teixeira como traço distintivo da
escola pragmática norte-americana. Trata-se da formação da ética do trabalho, da consciência
acerca do valor social do trabalho e da valorização das habilidades manuais. Essa relação
entre educação e trabalho é um dos traços distintivos do modus vivendi americano. Segundo
Tocqueville (2005), o lugar do trabalho na cultura americana é um dos traços que
demarcavam a diferença com a aristocrática Europa. Enquanto na Europa havia preconceito
contra o trabalho, na América do Norte o preconceito era favorável ao trabalho. Toda essa
valorização do trabalho estava presente nas práticas escolares americanas. Nesse sentido, os
GPEs, ao trazerem a oficina e as atividades manuais para dentro da escola, eram uma
iniciativa de transposição para o Brasil não apenas da educação escolar norte-americana, mas
de um traço estruturante do caráter americano.
No citado Anexo II, da Diretriz 5, da Resolução ALMG n.o 925/1970, estava enfatizado
que na escola deveria ser incentivado o estudo e a pesquisa, a experimentação e a inovação.
Assim, disciplinas como ciências e matemática também tinham caráter vocacional para o
trabalho. O também citado Parecer n.o853/1971, do Conselho Federal de Educação39, definia
que no núcleo comum, a conceituação de educação geral, entendida como conhecimento
humano, constituía base para viver adaptado da melhor forma à nossa cultura. Quanto ao
significado de formação especial, a outra dimensão do processo educativo, a conceituação de
educação geral aplicava-se, acrescentando a análise e a valorização das diversas ocupações do
homem, no auxílio do aluno na sua sondagem vocacional. A referência no cuidado com os
interesses vocacionais, descritos por Teixeira em 1927, mais uma vez se encontram presentes
na proposta. A diferença destacada aqui é que a sondagem vocacional não era apenas para as
disciplinas da formação especial, mas, para todas as disciplinas, ou seja, educação para a vida.
39
Nome da época.
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Outro aspecto que demonstra presença da teoria do interesse de Dewey inspirando a
proposta dos GPEs é relativo aos conteúdos a serem ensinados. Também no Parecer CFE n.o
853/1971, o conceito de matérias era equivalente ao de atividades, valorizando as
experiências vividas pelo aluno, nas quatro primeiras séries do que era definido na época
como primeiro grau. O significado de áreas de estudo compreendia os aspectos que visavam a
equilibrar as experiências com os conhecimentos sistemáticos para configurar a aprendizagem.
As áreas de estudo organizavam os conteúdos a serem ministrados a partir da 5.a série. As
matérias básicas para os oito anos do ensino de primeiro grau diferenciavam-se nas quatro
primeiras séries em seu tratamento como atividades e nas quatro últimas como áreas de
estudo. Estes conceitos coadunam-se com os princípios definidos por John Dewey e foram
identificados por Anísio Teixeira no terceiro capítulo de seu livro já mencionado.
Também há sinais da inspiração americanista no projeto arquitetônico dos GPEs. A
definição de ginásios modulares referia-se a uma escola com a quantidade de, no mínimo,
oito salas de aulas, além de espaços e áreas para serviços técnicos e administrativos e
recreação, oficinas de artes práticas e outras instalações. Se houvesse necessidade, a escola
poderia ampliar sua capacidade, respeitando o conjunto modular, ou seja, poderia ampliar seu
espaço de um para dois ou três módulos. Teixeira, em 1927, visitou várias escolas norteamericanas e fez descrições referentes aos aspectos de imponência, da estética e do caráter de
escola em construção, em que os prédios eram apresentados com a possibilidade de
transformação e modificação de sua estrutura, dentro do conceito de escola dinâmica.
O fim prematuro dos GPEs não foi objeto de estudo nesta dissertação, mas foram
encontrados muitos recortes de jornal no Arquivo Morto da SEE-MG que apontam alguns
motivos. Um dos indícios é que havia uma diferenciação salarial entre o professor da rede
pública e o professor da rede de GPEs, que,ao passar dos anos, foi nivelando-se por baixo,
com o aumento do salário do professor da rede comum e o congelamento do salário dos
professores da rede de GPEs, não havendo aumento salarial real para nenhum dos professores.
A falta de investimentos em material de consumo das oficinas e manutenção de equipamentos
também influenciou. A dinâmica da escola viva perdeu para a prática de escola, tendo seu fim
em si mesma.
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Arquivo Morto da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais – Caixa box Premem.
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NUNES, Clarice. Escola & dependência: o ensino secundário e a manutenção da ordem. Rio
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ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: (1930–1973). Petrópolis:
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TOCQUEVILLE, A. A democracia na América: lei e costumes de certas leis e certos
costumes políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social
democrático. Livro I. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Abstract:The article brings up a substantial object for understanding the presence of values
of the American way of life in Brazilian education from the second half of the twentieth
century. The approach results of research on the conception, the project and the preparations
for implementation of the Multipurpose Gyms in Brazil in the period between 1971 and 1974.
It is about an ambitious program, set in the context of educational reform of 1971 and under
the bilateral agreement between Brazil and the United States, known as MEC/USAID. The
Multipurpose Gyms project was to institute a school model that brought a workshop into itself,
energized the curriculum and integrated humanities, sciences and work. The Multipurpose
Gyms, along with the Law 5692/71, had as a basic parameter the extension of compulsory
education throughout the national territory. The goal of this paper is to demonstrate how the
American presence is expressed in a particular way of understanding the relationship
between work and education. It was a documental and bibliographic research and among the
sources are curricular structures, educational programs, advice, architectural design and
distribution of costs and responsibilities, theoretical elaborations that formed the basis of the
philosophy of Multipurpose Gyms and newspaper reports of the time. The theoretical
framework of the study comes from the history of educational institutions and the final
considerations show aspects of American education that provided assistance to the
Multipurpose Gyms, including the pragmatic education for work.
Keywords: Americanism. Education for work.The multipurpose gymnasiums.
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EDUCAÇÃO ESCOLAR E AMERICANISMO EM ESCRITOS DE 1927 E
1934 DE ANÍSIO TEIXEIRA
CARVALHO, Darlene O C de - [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CEFET- MG
Rua Gumercindo Couto e Silva, 505. Itapõa.
31710-050 - Belo Horizonte – MG
GREATHOUSE, Mark A R - [email protected]
Rua Pio Porto de Menezes 120, apto 702A. Luxemburgo.
30380-300 - Belo Horizonte – MG
PEDROSA, José G– [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CEFET- MG
Belo Horizonte - MG
Resumo: Este texto resulta de pesquisa referente às relações entre americanismo, trabalho e
educação ou, de modo particular, sobre a circulação de ideias inerentes ao modus vivendi
norte americano na educação brasileira. O objetivo é identificar em duas obrasescritas por
Anísio Teixeira o que ele identifica como novidades dacivilização e, particularmente da
educação escolar norte-americana. As duas obras são Aspectos Americanos da Educação:
Anotações de viagem aos Estados Unidos, de 1927, e Em marcha para democracia: à
margem dos Estados Unidos, de 1934. O método utilizado foi análise de conteúdo e, dentro
desta, a análise categorial.
Palavras-chave: Americanismo; Educação; Anísio Teixeira
1
INTRODUÇÃO
Anísio Teixeira é um dos maiores nomes da educação brasileira do século XX: tradutor,
escritor, gestor, educador e filósofo. Anísio Teixeira foi homem de teoria e de prática. Foi,
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simultaneamente, ativista das causas educacionais e gestor da educação pública tanto na
esfera federal quanto em diferentes estados brasileiros.
É difícil apreender a grandeza de Anísio Teixeira, por mais extensa que seja a lista de
adjetivos. Entretanto, dois aspectos merecem ser destacados. O primeiro é sua atuação a favor
da democratização da educação e da escola pública, laica e de boa qualidade. Educação
escolar para o povo brasileiro: esse era o sentido das ações de Anísio Teixeira. Se um aspecto
marcante na vida de Teixeira era essa devoção ao povo e à educação, o segundo é a atitude de
encantamento com a civilização norte-americana, isto é, com os Estados Unidos da América
(EUA). Ou seja, por um lado era a precariedade da educação pública brasileira que
preocupava Anísio Teixeira; por outro lado, era a novidade americana que tanto o inspirava.
A questão aqui abordada é referente ao sentido atribuído por Anísio Teixeira à novidade
ou à civilização americana e a meta é analisar em livros de autoria de Anísio Teixeira,
resultantes de viagens aos Estados Unidos, a sua interpretação sobre americanismo e educação
e as ideias que ele fez circular na educação brasileira a partir dessa experiência.
A partir do final do século XIX os EUA começaram a representar para o Brasil um
modelo no qual deveria se orientar, ou ainda, um espelho no qual deveria se mirar. A escolha
dos EUA como um modelo implicou numa mudança em relação a um referencial anterior que
até então conduzia a cultura e os valores brasileiros: o europeísmo. O termo americanismo é
empregado para referenciar aquilo que é, origina-se ou está nos EUA. Portanto, pode-se vê-lo
na cultura, nos padrões da arquitetura, no modo de pensar, viver e sentir.
Talvez o primeiro registro sistematizado das observações acerca do modus vivendi
americano tenha sido feito pelo aristocrata, jurista e filósofo do século XIX, Alexis de
Tocqueville, em 1831(PEDROSA, 2005). O resultado de sua viagem aos EUA é condensado
em sua obra Democracia na América, em que o autor busca compreender o caráter liberal da
democracia americana.
Tocqueville descreveu as diferenças culturais entre o seu continente de origem e o novo
com o qual se depara, percebendo um declínio da economia e, por conseguinte da sociedade
européia e a ascensão de um novo mundo. Ele atribui o sucesso aparente dessa forma de vida
108
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à democracia e é a ela que dedica suas análises. Para ele, o que representava o novo nos
Estados Unidos, em relação à Europa, era que de fato a democracia tinha encontrado um
terreno sólido e fértil para se desenvolver em sua forma ideal.
Nos Estados Unidos da América, segundo Tocqueville (1977), o povo era mesmo o
dono das coisas. Todos se julgavam iguais e, por conseguinte, o governo era de
todos. Era uma sociedade oposta à européia. Os americanos desconheciam títulos de
nobreza, direitos corporativos, guildas, ordens ou privilégios hereditários. Os
proprietários tinham seus bens conquistados pelo trabalho e não em razão de um
antepassado nobre tê-los legado em testamento. Na América, além da presença do
Estado ser ínfima, não havia uma casta de aristocratas nem uma corporação
sacerdotal poderosa (SILVA et al, 2010).
Tocqueville também realizou reflexões sobre a religião na cultura americana, no entanto
a ênfase maior é dada por Max Weber, na conhecida obra A ética protestante e o espírito do
capitalismo. Weber, já anuncia no próprio título de seu livro, sob qual ótica ele analisa os
EUA, que é a religião e a economia americana.
A importância de Weber para a compreensão do que chamamos de americanismo
abrange sua observação de que a nação americana foi o solo fértil para o culto protestante e é
aí que o capitalismo se desenvolve em sua forma mais intensa. Weber observa no ethos da
religião protestante uma forma particular de valorização do trabalho que difere do catolicismo.
O trabalho para o protestante era justificado pela teologia protestante que pregava o trabalho
exaustivo e especializado, o acúmulo material, a permissão do lucro e o investimento técnicocientífico. Assim, a vivência religiosa do protestante extrapola o espaço da igreja e migra
também para as outras esferas da vida.
O italiano Antonio Gramsci foi inédito na proposição do termo americanismo e de sua
associação com o fordismo, não apenas como modo de organização da produção, mas como
modo de vida. É importante salientar que para Gramsci o modelo produtivo americano levaria
“ao nascimento forçado de uma nova civilização“ (GRAMSCI apud SANTOS, 2012, p. 88).
O texto fundamental de Gramsci (2001) para essa abordagem é denominado
Americanismo e Fordismo. A sua definição de fordismo se funde com a noção de
americanismo, sendo ambas representadas pelo mesmo conceito, uma vez que o “[...]
fordismo é um modelo de produção que nasce na fabrica e que se expande para fora de seus
109
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muros, sob um caráter ideológico, político e cultural” (SOUZA, 2006, p.). Para Gramsci esse
novo modelo de produção exigia também um novo modelo de homem e a motivação para a
elaboração desse novo homem seria o capital.
A racionalização trabalho, ocorrida a partir do Fordismo, exigia uma racionalização do
processo de trabalho e para tanto seria necessário racionalizar também o trabalhador. A
indústria demandava [...] um processo de adaptação psicofísico a determinadas condições de
trabalho, de nutrição, de habitação etc., que não é inato, natural, mas que deve ser adquirido
(GRAMSCI apud SANTOS, 2008, p. 87).
Outra referência importante para a elaboração da noção de americanismo é apresentada
por Warde (2000), escrita no ensaio denominado Americanismo e Educação: um ensaio no
espelho. Warde observa que a construção da identidade brasileira se deu através da busca por
modelos externos, referenciadas a partir do homem europeu e o americano. Warde usa a
metáfora do espelho para construir seu raciocínio, ela interpreta que tanto a Europa quanto os
Estados Unidos eram “espelhos” nos quais o Brasil se enxergava. Dessa maneira ela identifica
que há uma “troca de espelhos” no momento em que o Brasil não mais deseja o velho
continente como modelo, e sim, o novo continente americano.
No Brasil as viagens que marcam a busca do modelo americano como modus vivendi
um modelo para a formação de um novo homem intensificam-se a partir da proclamação da
República impulsionada pela industrialização brasileira. São viagens realizadas por
empresários, políticos e intelectuais, onde situamos, por exemplo, Anísio Teixeira e Monteiro
Lobato.
O texto que referencia o segundo é Americanismo e trabalho em Monteiro Lobato, o
qual por sua vez, dedica-se a reflexões sobre a obra América: Os Estados Unidos de 1929,
escrita por Lobato como produto de sua viagem aos Estados Unidos na ocasião em que
ocupou o cargo de adido comercial. Nessa obra, Lobato descreve as singularidades da
civilização americana e o lugar que o trabalho ocupa nessa sociedade. Como conhecedor da
cultura européia e brasileira, ao se deparar com o que vê nos Estados Unidos ele realiza uma
comparação com os três estados de desenvolvimento e diz que “a Europa é o velho, o Brasil o
110
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atrasado e os Estados Unidos o que havia de mais avançado” (LOBATO apud PEDROSA,
2011, p. 04).
Lobato reconhece que os Estados Unidos representam uma forma nova de estilo de vida
“tudo é novo hoje na América” (LOBATO apud PEDROSA, 2011, p. 05). Para ele o objetivo
final do trabalho não é o trabalho em si, mas sim a obtenção do lucro e o consumo.
”[...] o americano jamais deixou de acumular trabalho. Riqueza é trabalho
acumulado. Em vez da águia eu poria como símbolo da América a formiga. A águia
depreda. A formiga enceleira”. [...] O americano produz como povo nenhum ainda
produziu; consome e esbanja como jamais foi consumido ou esbanjado; mas nunca
deixa de acumular (LOBATO apud PEDROSA. 2011, p. 08).
A expressão “Time isMoney” reflete o que alimenta a afinidade do americano para com
o trabalho segundo ele existe uma mania para ganhar tempo “[...] mania de ganhar tempo [...]
Timeismoney – isto é uma das realidades da América. O tempo realmente vale ouro aqui.
Matar o tempo constitui crime” (LOBATO apud PEDROSA, 2011, p. 08).
2
2.1
DESENVOLVIMENTO
Particularidades identificadas por Anísio Teixeira na educação americana
Em 1925 Teixeira viajou à Europa e em 1927 aos EUA. Tais experiências, ao lado do
conhecimento que Teixeira tinha do Brasil, permitiram a ele realizar comparações
significativas entre as três realidades A viagem aos EUA não apenas foi mais longa que a
viagem europeia, foi também mais intensa. Teixeira, aos 27 anos, viajou aos EUA com
elevada expectativa: queria rejuvenecer-se. “Sigo para a América com espírito de estudante.”
(TEIXEIRA, 2006. p.201). Em outra passagem de seu diário de bordo, Teixeira é mais
incisivo: “Caminho para este mundo novo com uma curiosidade apreensiva e febril”
(TEIXEIRA, 2006, p.204).
Teixeira, que à época da viagem aos EUA ocupava o cargo de Diretor Geral de Ensino
na Bahia, conheceu o sistema educacional americano em dois aspectos: a filosofia que o
111
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anima e sua funcionalidade. Para conhecer a filosofia da educação americana Teixeira
mergulhou fundo na obra John Dewey. É ao esclarecimento do pragmatismo que Teixeira
dedica a primeira parte de seus Escritos Americanos de Educação. A segunda parte do
relatório de Teixeira é sobre o sistema escolar. Entretanto, Teixeira não descreve sistema
escolar o sistema escolar americano isoladamente, ou seja, ao apresentar o sistema escolar
Teixeira aborda a relação entre sociedade e educação nos EUA. Se, para relatar a filosofia da
educação americana Teixeira mergulhou em Dewey, para relatar o funcionamento do sistema
escolar Teixeira visitou diversas unidades escolares e observou os aspectos físicos e
arquitetônicos, assistiu aulas e conversou com diretores, professores e alunos. Visitou as
escolas para jovens e adultos, as escolas secundárias, jardins de infância, escolas normais e
superiores, além dos órgãos oficiais de educação.
Como resultado das comparações Teixeira elegeu os EUA como o melhor modelo
educacional, seja pela arquitetura predial, pelos laboratórios, pelo mobiliário, pelas bibliotecas,
pelos planos de ensino elaborados pelas três esferas do poder público e pelos métodos de
ensino. Teixeira registrou em seu relatório, de forma sucinta, os aspectos que fazem com que
o sistema educacional americano, represente, para ele, algo inédito:
[...] quatro pontos caracterizam os colégios americanos: profusão de edifícios vastos
e apropriados e aparelhamento e instalações luxuosas e abundantes; métodos de
ensino vivos, práticos, em que participam igualmente professores e discípulos; um
currículo flexível e rico, com extraordinária variedade de cursos de sorte que permita
uma adequada adaptação às necessidades e preferências dos discípulos; e uma vida
de estudantes tão diversa e variada, com tantas associações e clubes e tão grande
atividade coletiva, que fazem, de fato, que a vida do colégio não seja, neste pais, o
período de noviciado e provação que é entre nos, mas um período rico e fecundo, de
plena vida social (TEIXEIRA, 2006, p. 144).
O relatório sobre a viagem aos EUA foi escrito de forma muito positiva e otimista, tanto
nos aspectos referentes à sociedade quanto nos aspectos sobre o modelo educacional
estadunidense. Mudança, renovação, eficiência, inovação, criatividade, socialização,
industrialização, democracia são palavras que o educador utilizou para se referir aos EUA e
ao seu sistema de ensino.
A leitura do diário de viagem de Anísio Teixeira responde bem à pergunta que se
buscou responder nesse foco da pesquisa: Quais as particularidades que Teixeira identificou
na educação e no sistema escolar americano?
112
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A arquitetura, o método de ensino e o currículo e a democracia são os aspectos que
aparecem com maior freqüência no relato de Teixeira e são os que se apresentam de forma
mais impactante ao educador. Embora não sejam estes os únicos pontos, é a eles que Teixeira
dedica a maior parte de seus registros. Anísio Teixeira também abordou a educação para
adultos, a formação do professor primário.
Teixeira era metódico tanto em suas observações quanto em seu relato. Na descrição da
estrutura e funcionamento do sistema escolar americano, Teixeira elaborou um relato para
cada lugar visitado. O quadro a seguir busca fazer uma síntese dos lugares visitados e do
principal aspecto que impactou positivamente a impressão de Teixeira.
Lugares visitados
Aspectos impactantes
Escolas secundárias rurais consolidadas e Arquitetura e instalações prediais
isoladas em Flamington
Escolas rurais em Maryland
Método
Escola Normal de Townson
Arquitetura e instalações prediais, Currículo,
Método
Órgão Federal de Educação na América
Educação de adultos, regionalização
Associação Nacional de Educação
Currículo
Instituto de Hampton
Currículo, método, administração escolar,
arquitetura
Departamento Estadual de Educação do sul
Função e atividades desse órgão
Colégio Normal de Farmville
Currículo e administração escolar
EscolaSecundária Wilson Junior High School
Currículo e administração escolar
EscolaPlatoon
Currículo e Método de ensino
Escola de Agricultura
Arquitetura, currículo, administração escolar
Escola Secundária Collinwood
Arquitetura, currículo e rotina escolar
Quadro 1: Lugares visitados por Teixeira e aspectos impactantes positivamente
Fonte: Elaborado a partir das informações contidas no livro Aspectos Americanos de
Educação.
2.2
Educação para a democracia
113
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É a face democrática do sistema educacional americano que desperta o entusiasmo ou o
encantamento em Teixeira. Democracia, a propósito, é um tema recorrente em todos os
tópicos dos dois livros pesquisados e.
A teoria americana de educação não poderia ser compreendida se não fosse estudada
à luz da organização democrática da sua sociedade. Se alguma lição tem a América a
dar ao mundo, se algum grande ideal sustenta a sua civilização e dá vigor e sentido à
sua obra, essa lição e esse ideal se consubstanciam em democracia. (TEIXEIRA,
2006, p.49)
A educação escolar praticada nos EUA é inédita, acima de tudo, pela integração entre
escola e sociedade. Na América as instruções e regras escolares não são úteis apenas às áreas
circunscritas aos muros da escola, mas úteis à plena adaptação do indivíduo à sociedade.
Dinamismo: essa é uma das palavras-chave que Teixeira utiliza para qualificar a democracia
americana e este é um dos aspectos fundantes da relação entre educação e sociedade. Assim,
para uma sociedade dinâmica há uma educação escolar igualmente dinâmica. A educação
estadunidense atende à vida em sociedade, atende à indústria, ao trabalho, ao modus vivendi
americano. Teixeira também destaca que a educação escolar na América é democrática na
medida que não é seletiva, excludente ou destinada a uma classe social. Trata-se de uma
educação democrática porque é universal. Não há privilégios para classes sociais ou grupos
étnicos.
Para compreender o sistema de ensino americano é, pois, imprescindível abordá-lo á luz
da democracia, afinal, a educação era uma das vias por onde a democracia transitava. Na
percepção de Teixeira, o que os Estados Unidos estavam realizando em sua educação nas suas
diversas instituições sociais é o alargamento e expansão da vida em todos os sentidos
(TEIXEIRA, 2007).
2.3
Currículo e método no sistema escolar americano
Em Aspectos Americanos da Educação: Anotações de viagem aos Estados Unidos,
Teixeira (2006) dedica um capítulo para abordar a questão do método em educação e, no
decorrer desse capitulo, também aborda as questões relativas às finalidades da educação. O
114
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conceito de educação, portanto, é referente a um processo de desenvolvimento. Teixeira
questiona o modo de fazer educação já que, sendo a educação parte do desenvolvimento do
indivíduo, de que modo ela deveria se apresentar ao educando? Sob um caráter “disciplinar de
formação do sentido de dever e de esforço, ou devem eles ser dominados por um sentido de
interesse?” (TEIXEIRA, 2006, P. 54).
Para Teixeira, a “[...] função da educação é fazer o aluno descobrir e compreender os
interesses legítimos e verdadeiros de sua vida, usando constantemente a inteligência e a razão
no seu julgamento” (TEIXEIRA, 2006, p. 58). Tendo captado o telos da educação americana,
Teixeira passa a problematizar o método pelo qual se viabilizaria o fazer educacional.
Na teoria da educação americana, pensar é o método de ensino inteligente. As
crianças devem ser postas em contato com uma real situação de experiência, em cujo
desenvolvimento lhes seja necessário pensar, refletir, raciocinar e por esse modo
adquirir o conhecimento (TEIXEIRA, 2006, p. 62).
O método de ensino americano que é novo aos olhos de Teixeira, mas também
vantajoso. Traz vantagens porque é construído com o aluno e “[...] habitua a exatidão do
pensamento publicamente discutido, à hospitalidade com a opinião alheia, ao cuidado de
manter julgamentos suspensos, à confiança e à segurança de pensar (TEIXEIRA, 2006, p.
109). São aulas com “[...] requinte de organização moderna e surpreendentemente ricas de
toda sorte de material” (TEIXEIRA, 2006, p.109). A escola é um produto da sociedade
americana, por isso ela é um meio de garantir o desenvolvimento e a continuação dessa
sociedade e, é na forma de conduzir as aulas ou, no método, que essa perpetuação toma lugar.
“Em público ou sozinhos, esses meninos participam do mesmo espírito de confiança em si
próprios e de segurança que impulsiona toda a civilização americana (TEIXEIRA, 2006,
p.109).
Para Teixeira, o currículo e o método da educação americana são novos porque rompem
com o velho modelo de apenas treinar habilidades.
Uma grande novidade que se apresenta é deslocamento do foco da personagem principal
dos processos ensino e de aprendizagem. Se antes era o professor o ator central agora quem
115
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ocupa a cena é o aluno, pois ele sai da condição passiva de receptor da informação para
construtor do próprio conhecimento.
É uma ilusão julgar que se pode transmitir alguma coisa diretamente. É através do
uso da coisa, através do seu sentido, através do meio, que se pode agir, que se pode
educar. A linguagem constitui um instrumental que abrevia, resume e, às vezes,
amplia a experiência, mas seu uso não será estéril, remoto ou artificial quando for
enriquecido e sustentado pela experiência, que é o intercurso entre o ambiente e o
individuo (TEIXEIRA, 2006, p.33).
Teixeira critica ao modelo tradicional de ensinar, através da aula lição. Para ela a
palestra em sala de aula, nada mais era do que a emissão de sons que muitas vezes não
apresentavam sentido por serem desconectados da realidade, portanto, do meio do aluno. “A
palavra é uma simples emissão de sons e por si só incapaz de transmitir outro, senão um ruído
especial. A palavra ganha sentido quando se completa a coisa com o seu uso, isto é, com o
meio” (TEIXEIRA, 2006, p.33). E exemplifica: “O som chapéu só começa a ter sentido para a
criança quando ela compreende o seu uso e associa aquele especial objeto com a sua
oportunidade de sair e passear” (TEIXEIRA, 2006, p.33).
As impressões de Teixeira acerca da positividade da pedagogia de Dewey são
fortalecidas quando ele assiste a uma aula em uma das instituições de ensino que visitou.
Teixeira assistiu a uma aula, que seguia um modelo diferente da aula - conferência ou aula
lição como ocorria no Brasil.Tratava-se de uma aula em que o problema era apresentado ao
aluno e posteriormente havia uma discussão. Nessa ocasião o problema apresentado foi: qual
a melhor maneira de ensinar a uma criança a vida primitiva do homem. Em um primeiro
momento o educador estranha a novidade, pois “[...] não é científico, não é ordenado, perdese muito tempo” (TEIXEIRA, 2006, p. 107). No entanto, Teixeira logo acomoda seu
estranhamento e se declara fascinado com a experiência que vivenciou.
A professora dá problemas aos alunos, fornece-lhes as fontes de informação e os
alunos buscam e pensam por si. Outras vezes um grupo trabalha em conjunto em
problemas mais complexos. É um prazer ver aquelas pequenas crianças com
processos pessoais de estudo e com preocupação de investigação e de pensamento.
O que se aprende assim não é o meio-saber de nossas escolas, mas um saber criador
e pessoal que fortalece a inteligência e desenvolve a originalidade (TEIXEIRA,
2006, p. 96).
116
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Teixeira então se declara fascinado pelo método de ensino estadunidense:
Está claro que o que temos é muito mais consumado, muito mais perfeito do que
esse conhecimento tosco e incerto que floresce dessas deliciosas discussões em
classe, que são hoje, para mim uma das fascinações do ensino americano. Mas o que
se conquista aqui nessa hora de estudo coletivo é do estudante, é propriedade sua, foi
amassado pela sua inteligência, é pensamento seu (TEIXEIRA, 2006, p.108).
Sua primeira visita as escolas americanas, começou por Flamington, uma aldeia
localizada no Estado de Nova Jersey, onde conheceu as escolas secundárias rurais
consolidadas e isoladas e pode observar e descrever em as características físicas prediais, os
programas curriculares, a Associação de Pais e Professores, a escola de um só professor, a
função auxiliar do inspetor aos trabalhos professorais, as atividades de aprendizagem e
biblioteca. Dedicou também a uma observação do sistema de administração descentralizado
das instituições de ensino local. Sobre o método ele registrou:
O ensino é dado debaixo do aspecto prático geral americano, mas a escola não visa à
realização de nenhum programa moderno especifico de método. Os seus métodos
são métodos tradicionais. As classes são cordiais, estimuladoras e o ambiente é o
ambiente americano de liberdade, iniciativa e ausência total de temor receio ou
acanhamento (TEIXEIRA, 2006, p. 87).
Ainda observando a rotina escolar, Teixeira teceu comentários sobre um exercício diário
e compulsório, realizado na instituição: a leitura de cerca de dez versículos bíblicos, a
entonação de um hino religioso e a saudação à bandeira americana. Segundo seu relato: “São
talvez, dez minutos, mas dez minutos cheios que deixam uma grata impressão ao visitante que
reconheça a utilidade desses rápidos instantes de concentração espiritual” (TEIXEIRA, 2006,
p.88).
Em sua segunda visita ele dirige-se as escolas rurais de Maryland onde suas anotações
são sobre as finanças escolares, as instalações prediais, o método de ensino e a Associação de
Pais e mestres. O método de ensino, aos olhos de Teixeira, é, sem duvidas, um método
fascinante e novo que ele reconhece na educação americana. Ainda nessa ocasião ele emite
sua opinião sobre o método de ensino americano comparando-o com o brasileiro.
O americano compreendeu que só há um meio de pensar, que é o homem se pôr em
luta com um problema e procurar compreende-lo. Pensamento ou conhecimento
117
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recebido passivamente é somente meio-pensamento ou meio-conhecimento. Nós
estamos saturados dessa meia-cultura, desse meio-conhecimento. Sabemos tudo pela
metade, mais ou menos. Nunca pensamos, por nós mesmos, o problema. Lemos o
que os outros pensaram a respeito (TEIXEIRA, 2006, p.108).
Em Hampton, na Virginia, Teixeira despendeu três dias para conhecer uma escola
especifica para negros. O instituto contava a época com 60 anos de funcionamento, tendo sido
dirigido por apenas três diretores durante esse período, o que segundo Teixeira garantiu o
sucesso da instituição, pois garantiu a “manutenção de um ambiente de inspiração
pessoal”(TEIXEIRA, 2006, p. 126). Para o Teixeira, mesmo que a escola fosse para um grupo
especifico de alunos, a escola para negros não contribui apenas com a comunidade negra, mas
também, com a “educação em geral”. “Mais do que às necessidades individuais de cultura
pessoal, a educação fornecida em Hampton visa às necessidades das comunidades e às
necessidades da população de cor” (TEIXEIRA, 2006, p. 126). Podemos inferir que Teixeira
reconheceu a escola americana como modelada e modeladora dessa nova civilização, uma
“educação para o trabalho e pelo trabalho” (TEIXEIRA, 2006, p.136).
O método de ensino e o currículo chamam a atenção de Teixeira, pois a educação é
orientada para o trabalho manual. E não apenas para instruir ou buscar encaminhar o
educando para uma vocação, mas também para despertar o espírito de teamwork 40 do
trabalhador estadunidense,
Como nos primeiros anos, assim hoje, o instituto desenvolve um método de
educação pelo trabalho manual, cujo valor disciplinar o general Armstrong
enfaticamente reconheceu. Como no principio, a educação hoje dada em Hampton é
uma educação baseada na dignidade do trabalho e na formação de um caráter que
não só constituía trabalho de bons hábitos, mas que seja animado de uma ideia de
serviço coletivo, o que torna esse instituto um seminário de professores que são
verdadeiros lideres das populações negras americanas (TEIXEIRA, 2006, p.126).
Teixeira destaca disciplinas curriculares como Desenho, Música e Artes Industriais
porque “enriquecem e alargam o programa” (TEIXEIRA, 2006, p.133). O pragmatismo de
Dewey é constantemente exaltado pelo educador: “[...] a aula, em si é um trabalho prático, é
um problema debatido no mesmo processo inteligente de discussão que já me ocupou várias
40
Tradução: trabalho em equipe
118
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vezes nessas notas de relatório” (TEIXEIRA, 2006, p.133). Sobre o método de ensino ele
afirma:“o trabalho prático é realizado em vista de combinar o aspecto educativo, com o
aspecto produtivo e os estudantes ganham por todo o trabalho de valor comercial que venham
a realizar” (TEIXEIRA, 2006, p. 136).
Teixeira descreve com satisfação tanto o método de ensino quanto a estrutura que a
instituição oferece aos educandos para que o programa curricular seja executado: “[...] eu
conservo uma boa impressão de sua disciplina, da coordenação dos seus métodos de ensino,
da realidade vida de sua educação e das suas boas oficinas de trabalho manual” (TEIXEIRA,
2006, p.133).
2.4
O sentido da educação para adultos na América
Dois dias da estadia de Teixeira nos EUA foram passados no Bureau de Educação em
Washington. É a partir desta visita que ele reflete sobre a educação de adultos. Suas
observações a cerca da importância que se dá, nos EUA, à educação de adultos é feita
mediante a uma comparação com a atenção que se dá aos adultos analfabetos no Brasil,
Há, no Brasil, uma corrente mais ou menos geral que considera virtualmente perdida
essa espantosa geração de adultos analfabetos que nos esmaga e pensa bastar-nos
cuidar da geração infantil para ver se salvamos de igual desgraça (TEIXEIRA, 2006,
p.113).
Após uma breve explicação de como se dá o financiamento da educação para adultos
nos EUA, Teixeira indaga enfaticamente: “Não será digna de meditada essa consideração
pelos nossos homens públicos?” (TEIXEIRA, 2006, pag.113). O que motivava a questão,
segundo ele próprio, é que há “[...] no Brasil, uma corrente mais ou menos geral que
considerava virtualmente perdida essa espantosa geração de adultos analfabetos...”
(TEIXEIRA, 2006, p. 113). Mas Teixeira, tal qual gestor que era, não apenas observava,
comparava e criticava a educação para adultos no Brasil, ele propunha soluções.
Mas o centro do nosso problema educacional é a questão de dinheiro. Se o meio
mais imediatamente lucrativo de empregarmos o pouco que temos é o da educação
de adultos, porque não nos determos com mais insistência nesse problema e porque,
especialmente, não deter um pouco mais a mão do organizador dos nossos
orçamentos nessa coluna de educação de adultos? [...] Mas que o Governo Federal
tomasse a seu cargo uma vigorosa expansão da educação dos adultos, com os
119
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processos de anúncio e os métodos de eficiência que a América está a ensinar-nos,
poderia representar para o Brasil qualquer coisa muito parecida com um milagre, no
seu imediato desenvolvimento e imediato progresso (TEIXEIRA, 2006, p.113).
Teixeira denuncia que “[...] o centro do nosso problema educacional no Brasil é a
questão do dinheiro” (TEIXEIRA, 2006, p.113). No Brasil da época, educar adultos é despesa
para os cofres públicos.
Diferente era a prática americana, em que educar um adulto representava investimento
cujos lucros eram imediatos.
Nenhum investimento de dinheiro público, disse-me o Dr. Alderman, revelou na
América, resultados tão surpreendentes, como o empregado na geração de adultos.
Tenho aqui vários casos de vilas e aldeias que duplicaram em dois e três anos a sua
capacidade de taxação, devido a educação dos adultos analfabetos. [...] A educação
do adulto é imediatamente produtiva. É dinheiro cuja renda se vai colher no dia
seguinte (TEIXEIRA, 2007, p.113).
O oposto ocorria com educação infantil. Educar o infante representava um “emprego de
capital a longo prazo. Os juros virão e abundantes, mas 10, 12 anos depois” (TEIXEIRA,
2007, p.113).
Assim, podemos inferir que nos EUA a educação para adultos foi um problema tal qual
para o Brasil, entretanto aos americanos foi um problema passível de solução porque a visão
era diferente. Ao ser colocado em primeiro plano, diferente do que ocorria no Brasil, os EUA
matricularam cerca de um milhão de adultos, na educação noturna, no ano de 1924.
2.5
Educação escolar e relações de trabalho
A próxima visita realizada por Teixeira foi à Associação Nacional de Educação,
composta por cerca de duzentos mil professores voluntários. Nessa instituição o olhar de
Teixeira extrapola a organização do sistema escolar estadunidense, e volta-se para a análise
das relações estabelecidas entre o trabalho e o trabalhador da educação, ou seja, entre a
120
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educação e o educador. Teixeira observa o modo de trabalho interno da associação e a
filosofia que orienta a execução das tarefas da Associação Nacional de Educação.
Ao ser recebido pelo Sr. J. W. Crabtree, secretário geral da associação, Teixeira
reconheceu o “prodigioso desenvolvimento recente” da instituição e foi então surpreendido
pela resposta do Sr. Crabtree: “Os senhores no Brasil podem fazer o mesmo. É uma questão
de não querer dominar, mas de querer ajudar, é uma questão de esquecer o eu, a
personalidade, e trabalhar para o serviço e pelo serviço que se presta”.
Nesse ponto, Teixeira demarca um abismo entre a cultura brasileira e a americana ao
afirmar que o secretário acabara de pontuar “uma das mais profundas oposições entre a
psicologia do nosso povo e a psicologia do americano” (TEIXEIRA, 2006, p.116).
No Brasil ajudar um ao outro é enfraquecer-se e favorecer o sucesso alheio. A obra
que sabe que apetece a esse mórbido espírito nacional de vaidade é a de diminuir, de
impedir a prosperidade, de negar colaboração, de fechar os olhos ao serviço alheio e,
afinal, a de descobrir ou inventar a fenda insignificante, por onde perante o publico a
obra possa ser desmoralizada (TEIXEIRA, 2006, p. 116).
2.6
Arquitetura e instalações prediais
Em sua visita a Escola normal de Townson, em Maryland, mais uma vez Teixeira
observou os edifícios escolares, e daí veio mais um aspecto das escolas americanas que
chamou a sua atenção.
A escola normal fica situada numa eminência, com dois magníficos edifícios
circundados de campos e de gramados. Esses mesmos campos e gramados que
tornam os colégios americanos tão aprazíveis e tão fascinantes para o visitante. Os
espaços são tão amplos e largos que lhe é impossível resistir a sensação de beleza e
de tranqüilidade, e é com essa impressão de simpatia e bem-estar que ele penetra o
edifício (TEIXEIRA, 2006, p. 99).
Ao ser recebido pela diretora da escola, Teixeira relata que não deixou de lhe dizer o
quanto aquela estrutura física o fascinara. “Não pude me furtar a dizer-lhe logo a minha
fascinação pelos campos e edifícios da escola e dessa constante surpresa do estrangeiro pobre
diante dó aspecto perfeitamente novo, nítido e magnificente das coisas americanas”
(TEIXEIRA, 2006, p. 99). Prosseguindo às suas comparações o educador se recorda das
121
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visitas que fizera às escolas na Europa e declara mais uma vez estar diante do novo. É a
prosperidade material que falta aos europeus, é o espírito de progresso e o apego ao já
conquistado que impede a Europa de se renovar.
Visitei vários colégios na Europa. Nenhum deles, mesmo os melhores apresentam os
aspectos materiais prósperos e modernos dos colégios norte americanos. Depois, a
nossa primeira impressão naquelas casas de ensino, é a de fixidez, de estabilidade,
de um equilíbrio conseguido e que se quer manter. Na América, o espírito de
progresso contínuo domina tudo. A estabilidade americana se mantém pelo
movimento, do mesmo modo se mantém em equilíbrio de uma bicicleta em corrida
(com essa impressão de simpatia e bem-estar que ele penetra o edifício)
(TEIXEIRA, 2006, p. 100).
Na Virginia, na escola para negros, mais uma vez foi a arquitetura escolar chama
atenção aos olhos do educador.
Os seus vastos campos, os seus numerosos edifícios, as suas dezenas de bangalôs
para residência dos professores, as suas árvores velhas e frondosas e as suas
paisagens fazem do instituto uma encantadora cidade colegial. São ao todo,
150edificios, semeados pelos seus parques urbanamente tratados e aos que os seus
60 anos de existência dão esse ar antigo e familiar que aumenta o encanto de uma
estadia em Hampton (TEIXEIRA, 2006, p.123).
A próxima parada de Teixeira foi o Colégio Normal de Farmville, onde despendeu três
dias. O educador observou e descreveu aspectos relacionados às características físicas da
escola, os métodos de ensino, o currículo, o programa escolar e os cursos extra-escolares. A
arquitetura e as instalações físicas mais uma vez pulam aos olhos do educador e, em suas
palavras “é uma outra documentação” da riqueza da escola americana.Graça, elegância,
beleza, são esses os adjetivos que Teixeira escreve em seu relatório para descrever o Colégio
Normal de Farmville.
Situado em uma amável localidade de 3500 habitantes, ocupa, em uma pequena
elevação um grupo de grandes edifícios, ligados entre si por galerias, a que uma
serve de coluna, dando-lhe certa graça e elegância, e mais 12 menores edificações
destinadas a dormitórios de alunas (TEIXEIRA 2006, p. 144).
Teixeira reconhece que na América existe uma particular valorização do ambiente físico
escolar o que ele denomina ambiente material. O conforto que é oferecido aos alunos tem
também um valor simbólico. Não poderia, o período de formação do jovem, ser despendido
122
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em um ambiente que não se assemelhasse a realidade da vida americana, afinal esse período
não representa um limbo na vida do educando, é antes, uma parte da vida.
Insisto nesse ponto não só para mostrar a importância que os educadores americanos
dão ao ambiente material em que sua juventude se forma, como especialmente, para
salientar um aspecto que é demasiadamente esquecido entre nós: o de que a
educação não é somente o período árduo e desagradável de preparação para vida,
mas é ele mesmo a vida, devendo assim participar plenamente das condições atuais
de existência (TEIXEIRA, 2006, p.145).
Ao descrever a vida material que se lhe apresenta Teixeira deixa registrado também,
uma comparação com os colégios internos brasileiros,
Qual será o brasileiro, sobretudo se foi alguma vez interno em um colégio, que não
se lembrará do ambiente estreito dos seus dormitórios e refeitórios, da aridez da sua
vida social, da sua supercongestão de trabalho puramente intelectual, em classes
pobres e estéreis, e das fugas indefectíveis, ora para as seduções da leitura de
romances e uma vida literária artificial, ora para a insubordinação e o constante
descontentamento? (TEIXEIRA, 2006, p.145).
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Anísio Teixeira realizou importantes viagens de cunho educacional e desempenhou um
papel de grande importância na educação brasileira. Nos EUA adquiriu prestigio singular, de
modo que poucas personalidades brasileiras o fizeram. A sua busca por renovação, pelo novo,
o conduziram aos EUA onde pode ter contato com Dewey e, a partir daí promover a
circulação das ideias desse importante educador norte americano no Brasil. Podemos inferir
que Dewey, através de suas teorias educacionais, influenciou o pensamento de Anísio
Teixeira a partir de sua vivência nos aos EUA. Seu conhecimento acerca do pragmatismo de
Dewey, das ideias de democraciae da ciência o tornaram convicto de que a educação era o
único caminho para democratizar e desenvolver o Brasil.
A época em que Teixeira viajou aos EUA marca um período em que havia uma grande
valorização da sociedade norte-americana não apenas por ela representar uma novidade, mas
também por representar a modernidade. Teixeira, como tantas outras personalidades
123
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brasileiras viajaram aos EUA com intuito de buscar novas ideias que pudessem contribuir
para a modernização brasileira, essa busca acabou por gerar correntes polares, as
americanistas e as antiamericanistas. Por isso na apresentação dessa pesquisa anunciou-se que
o objetivo não era indicar se Teixeira era ou não um americanista, mas sim, pontuar as suas
relações como o americanismo. Ainda que não se tenha buscado classificar ou incluir Teixeira
em nenhum desse polo, vale saber que ao retornar para o Rio de Janeiro, Teixeira foi muito
criticado por americanizar a educação brasileira.
Anísio Teixeira foi, sem dúvida, o introdutor entre nós dos métodos e processos de
educação norte-americana. De um lado, havia aspectos positivos em tais métodos,
como a organização de um sistema integrado de ensino, desde o primário até o
superior e também o enriquecimento do currículo, especialmente da escola
elementar, como a prática das artes, como expressão, muito descuidada ou mesmo
inexistente em nossas escolas. Mas, de outro, a avaliação dos conhecimentos através
das chamadas 'medidas objetivas', os chamados testes de escolaridade e também os
de 'medida' da inteligência e o exagero dado ao voluntarismo dos alunos, que
conduziam à indisciplina, que se tornou um flagelo em nossas escolas,
especialmente de 2º grau, eram questões controvertidas e consideradas como
aspectos negativos, ao menos para os hábitos e métodos utilizados geralmente em
nossas escolas (LEMME 1988 p.129).
Podemos aceitar que as criticas realizadas em função dessa americanização da educação
tinha fundamento de fato. Anísio Teixeira se inspirou sim no modelo de educação
estadunidense para reformar a educação brasileira. Através informação colhida para
realização dessa dissertação foi possível reconhecer nos feitos de Teixeira e em suas reformas
educacionais mudanças que muito se assemelham ao modelo de educação estadunidense.
Teixeira, como homem de ação que era não apenas apreendeu o modelo de educação
norte americana, ao retornar para o Brasil colocou em pratica muito do que vira. Podemos
perceber, através de um olhar mais profundo que o educador não copiou um modelo, ou, o
transpôs para o cenário brasileiro Teixeira se apropriou do modelo de educação estadunidense
realizando as adaptações necessárias ao contexto educacional brasileiro.
Sua preocupação efetiva com a formação do professor primário também pode ser
associada ao que ele vira em termos de formação de professor primário nos EUA.
124
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Em sua segunda gestão de 1945 a 1949 na Bahia podemos notar sua dedicação com a
formação do professor primário. Teixeira modificou os programas educacionais e dedicou-se
a resolver os problemas financeiros de modo a viabilizar a formação de professores primários.
Enfatizamos que nas obras utilizadas para a revisão de literatura que compõe essa
dissertação foram encontradas varias pesquisas que versavam sobre o engajamento de
Teixeira na formação do professor primário. Isto posto, podemos então inferir que sua
preocupação com a formação desse profissional também seja uma influência americana
Sua observação de que o modelo de educação estadunidense caberia ao Brasil fez com
que, investido de seu poder como gestor educacional, à época Diretor Geral da Instrução
Pública promovesse o financiamento de viagens a outros educadores.
Sua visita ao Bureau de Educação norte americano possibilitou observações e registros
acerca da descentralização da administração escolar. O Manifesto dos Pioneiros da Escola
Nova, do qual Teixeira é signatário, representa um importante documento que registra um
inicio de descentralização da educação brasileira, quando passa a considerar os interesses do
meio em que a escola está inserida, ou seja, há uma intenção em atender os interesses
regionais de cada instituição de modo a tornar o processo educativo mais condizente com a
realidade do aluno, ou até, mais pragmático.
O Centro Educacional Carneiro Ribeiro, por exemplo, é uma verdadeira adaptação da
escola Platoon, criada em sua segunda administração (1947-1951), é mais conhecida como
escola parque e se trata de um modelo muito semelhante ao modelo de educação norte
americano.
Em 1955, Anísio Teixeira criou o CBPE - Centro Brasileiro de Educação e Pesquisa quando ainda era diretor do INEP. É possível que a visita de Teixeira ao Bureau de Educação
americano o tenha influenciado na criação de um órgão voltado para pesquisa em educação no
Brasil.
É interessante observar que além de um escritório central Teixeira, também trata de
providenciar filiais distribuídas pelas demais regiões do país, de modo a garantir uma
125
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descentralização e inclusão de um maior numero de estados no rol das pesquisas sobre
educação. Essa característica de pulverizar escritórios, dividindo tarefas e responsabilidades
foi muito pertinentemente observada no Bureau de Educação nos EUA.
Em 1978, Teixeira elevou o ensino técnico profissional ao nível secundário nos Instituto
de Educação e na escola Amaro Cavalcanti. Essa mudança do nível primário para secundário
possibilitou o prosseguimento dos estudos aos alunos que o desejassem. O que se pode
observar foi a transformação das Escolas Profissionais em escolas Técnicas secundárias.
Podemos relacionar essa mudança com a influencia americana do modelo de educação visto
nos EUA, já que lá a formação secundária e profissional eramintegradas.
No distrito federal, Teixeira transformou a então Escola Normal em um instituto de
Educação. Aí podemos notar aspectos da arquitetura e serviços de extensão de ensino e
pesquisa de modo semelhante ao observado nos EUA.
Essas foram as semelhanças do modelo educacional estadunidense com as mudanças
realizadas por Anísio Teixeira na educação brasileira, que foram tratadas aqui, como
influencias americanistas.
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O AMERICANISMO E A EDUCAÇÃO: A TRAJETÓRIA BRASILEIRA
DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE E DA EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA
BARBOSA, Adriana M.41 - [email protected]
Universidade Federal de Juiz de Fora
Colégio de Aplicação
Rua José Lourenço Kelmer s/n – campus universitário
Bairro São Pedro
CEP 36036-900 Juiz de Fora/MG
GERALDO, Romário42 – romá[email protected]
Universidade Federal de Juiz de Fora
Pró-Reitoria de Extensão
41
42
Doutora em Geografia (UFMG); Mestre em Educação (UERJ); Licenciada em Geografia (UFJF).
Doutorando em Educação (UFMG); Mestre em Educação (Estácio); Licenciado em Educação Física (UFV).
128
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ALKMIM, Giuliano Viana de43 - [email protected]
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais - Campus Januária
Fazenda São Geraldo s/n km 06
CEP 39.480-000Januária - MG
Resumo: O artigo apresenta as considerações analíticas sobre a temática central que norteia
e dá título a esse trabalho e aponta algumas perspectivas no novo milênio. Aborda as
influências dos EUA sobre a educação brasileira, em especial, o ensino profissionalizante e a
extensão universitária. Na conclusão, ressalta que as forças políticas e econômicas do país
líder no capitalismo mundial foram preponderantes para que os ideais do americanismo se
instalassem no Brasil.
Palavras-chave:americanização; americanismo;educação;extensão universitária.
1
INTRODUÇÃO
Inegavelmente as influências que os Estados Unidos da América exerceram sobre o
mundo, particularmente, nos países da periferia do capitalismo, foram inúmeras. Algumas
dessas interferências foram diretas e outras um pouco mais veladas e nem por isso, menos
incisivas. No primeiro grupo, as condições impostas pelos organismos de financiamento,
como o Banco Mundial liderado pelos EUA, como contrapartida do país receptor, são
exemplos dessa iniciativa. Por outro lado, os mecanismos de divulgação de hábitos e cultura
nos meios de comunicação em massa que se destinavam a pregar um modo de vida que
atendesse aos anseios do líder do capitalismo mundial.Tais medidas foram denominadas de
americanismo e americanização e tiveram no contexto da Guerra Fria, campo fértil para sua
consolidação e ampliação.
43
Doutorando em Educação (UFMG); Mestre em Educação(UnB); Graduado em Ciência da Computação (PUCMinas).
129
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Embora os arautos do século XXI tenham, de certa forma, diluído as influências do que
se convencionou chamar americanismo, esse permanece como um campo fértil de
investigação para diversas ciências. Esse artigo procura discutir as interfaces do americanismo
com a educação, especificamente, o ensino profissionalizante e a extensão universitária no
Brasil. Inicialmente, investiga os padrões societários e produtivos trazidos pelo americanismo.
A seguir, na terceira seção, aborda as heranças do americanismo para a educação e, por
respeito didático, subdivide-se em educação profissionalizante e extensão universitária. O
artigo finalizaàguisa de conclusão, com sinalizações ponderadas sobre a questão proposta.
2
AMERICANISMO: OS NOVOS PADRÕES SOCIETÁRIOS E PRODUTIVOS
A educação está intrinsecamente ligada à história da humanidade desde os tempos mais
remotos e reflete, de certo modo, a cultura e a forma de produzir do contexto em que se insere.
Inegavelmente, foi com o advento da industrialização que a educação passou a ter nova
configuração quanto à sua organização e métodos, como também no que se refere aos seus
objetivos e público alvo.
Toffler (1997) ao relatar as mudanças da passagem do que denomina Primeira para a
Segunda Onda, ou seja, da fase agrícola para a fase industrial da humanidade, destacaque
dentre os aspectos dessa transformação que foram comuns a boa parte dos países, sobretudo,
aos que lideraram esse movimento, está o advento da educação em massa.
Tal processo se inicia em função da demanda por mão-de-obra do sistema
produtivomecanizado, recém implantado. A mola propulsora da educação de jovens foi a
dificuldade encontrada na adaptação de pessoas adultas, habituadas ao trabalho rural, nas
novas demandasfabris.Nesse sentido, Toffler (1997) descreve também o uso homogeneizado
que se fez nesse período, em todo o mundo, de duas espécies de currículo: o aberto e o
encoberto. Enquanto o primeiro preparava o aluno na leitura, escrita e aritmética básicas, o
segundo modelava o operário fabril industrial, de modo a oferecer veladamente três
130
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ensinamentos: pontualidade, obediência e repetição. Ou seja, visava tornar os trabalhadores
aptos a se apresentarem na hora, obedientes à hierarquia de gerência e dispostos à realização
de um trabalho monótono e repetitivo 44 . Assim, paralelamente ao desenvolvimento da
Segunda Onda, construiu-se um sistema educacional capaz de suprir em quantidade e
qualidade a mão-de-obra requerida pelas indústrias incipientes.
Nesse contexto, também foi criado um novo tipo de instituição: as companhias
industriais que suplantaram as empresas comerciais que eram constituídas por um indivíduo,
um grupo, uma família. Trata-se de um rompimento propiciado pelo industrialismo na relação
entre o produtor e o consumidor, “a economia fundida da Primeira Onda foi transformada na
economia separada de Segunda” (TOFFLER, 1997, p.52).
Paralelamente, se estabeleceuum novo padrão cultural na população dos países recémindustrializados (e, mais tarde, na periferia do capitalismo também) que, sob influência de
diversos artifícios, principalmente, da propaganda e do marketing, conduziram ao
consumismo, à ganância, à avidez por dinheiro e ao calculismo.
É neste sentido que Toffler (1997), mesmo confessando-se um não marxista, aponta a
importância do legado de Marx que trouxe no Manifesto Comunista: sérias denúncias sobre a
corrupção que os interesses comerciais produziram sobre os interesses individuais, as relações
pessoais, os elos de família, amor, amizade e relacionamento comunitário. Porém, há que se
frisar a crítica que Toffler (1997) fez ao marxismo, por ter atribuído tais distorções ao
capitalismo. O autor salientana sociedade pós-Marx elementos capazes de comprovar que
estas características acompanham o homem, independente do sistema econômico:
[...] a preocupação obsessiva com o dinheiro, as mercadorias e coisas é um reflexo,
não do capitalismo ou do socialismo, mas do industrialismo. É um reflexo do papel
central do mercado em todas as sociedades em que a produção está divorciada do
consumo, em que todo o mundo é dependente do mercado mais do que suas próprias
aptidões produtivas para as necessidades da vida (TOFFLER, 1997, p.54).
44
Sobre todas estas conformações que o sistema produtivo promoveu no cidadão, Michel Foucalt (1987, 1978 e
outros mais) questionou as bases racionalistas e humanistas sobre as quais a sociedade moderna estabeleceu a
concepção de si mesma.
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Para Toffler (1997) com o industrialismo se propagaram no planeta seis princípios interrelacionados, que passaram a programar o procedimento de milhões de pessoas: a
padronização, a especialização, a sincronização, a concentração, a maximização e a
centralização.
Neste contexto, Antônio Gramsci (1991), contemporâneo a tais modificações, se
preocupou em imprimir um estudo profundo do que denominou de “americanismo, fordismo”.
Demonstrou como condições históricas e culturais - especialmente a ausência de privilégios
e/ou preconceitos com relação ao trabalho - foram mais importantes que as próprias riquezas
naturais para desenvolver a acumulação de capitais, inicialmente nos Estados Unidos, país
pioneiro na implantação do fordismo.
Tais condições teriam levado o comércio e o transporte a uma função subalterna na
produção, tal como Henry Ford demonstrou em sua empresa, em função da economia feita
com a gestão direta de tais serviços. Esta economia influi sobre o custo do produto final e
“permite melhores salários e menores preços de venda” (GRAMSCI, 1991, p.381).
Gramsci (1991) denuncia a racionalização do trabalho e da produção, combinados com
a ausência de pressão do sindicalismo operário de base e com a “persuasão” dos altos salários,
ganhos sociais e hábil propaganda ideológica para nortear toda a vida do país com base na
produção ou, enfim, o americanismo em si.
Para Gramsci (1991), a aplicação desta idéia a outras nações ou regiões dependeria de
certas condições, sociais, políticas e econômicas. Nas suas palavras,
A americanização exige um certo ambiente, uma determinada estrutura social (ou a
vontade decidida de criá-la) e um determinado tipo de Estado. O Estado é o Estado
liberal, não no sentido do liberalismo alfandegário ou da efetiva liberdade política,
mas no sentido mais fundamental da livre iniciativa e do individualismo econômico
[...] (GRAMSCI, 1991, p.388).
No caso brasileiro, o Estado liberal, aliado ao capital nacional e ao capital externo,
sobretudo ligado à indústria automobilística, formou o tripé que permitiu não apenas
132
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alavancar a industrialização no país mas, também, toda a estrutura social pautada na livre
iniciativa e no individualismo econômico, entre outras características do americanismo.
Gramsci (1991) apontou a perspicácia com que os industriais (especialmente Ford) se
imiscuíam na vida particular de seus empregados, inclusive buscando racionalizar o instinto
sexual e, através do “proibicionismo”, abolir o alcoolismo da vida de seus subordinados. O
controle do impulso sexual do trabalhador se justificava em função do grande desequilíbrio
numérico na relação homem/mulher, após a guerra. O operário que as indústrias precisavam
seria aquele que pudesse exercer a máxima produtividade e apresentasse a maior
potencialidade de suas forças produtivas a partir de um equilíbrio emocional proporcionado
por uma família estável, na qual a porção animalesca do homem, seu aspecto sexual, pudesse
também ser regulamentado e estabilizado45. Ou seja,
O industrial americano preocupa-se em manter a continuidade da eficiência física do
trabalhador, da sua eficiência muscular nervosa; é de seu interesse manter um
quadro de trabalhadores estável, um conjunto permanentemente afinado, porque
também o complexo humano (o trabalhador coletivo) de uma empresa é uma
máquina que não deve ser desmontada com freqüência e ter suas peças renovadas
constantemente sem perdas ingentes. [...] é preciso que o trabalhador gaste
racionalmente a maior quantidade de dinheiro, para manter, renovar ou até aumentar
sua eficiência muscular nervosa, e não para destruí-la ou diminuí-la. Eis então a luta
contra o álcool, [...] se tornar problema do Estado (GRAMSCI, 1991, p.397-398).
A contribuição de Drucker (1997) a esta questão, a qual denominou de Revolução da
Produtividade, foi muito peculiar. Primeiramente, pela abordagem feita ao trabalho que
Taylor desenvolveu em complementação ao fordismo e, em segundo lugar, pela crítica da
crítica que desenvolveu, ou seja, como analisou as inferências de Marx à questão proletária e,
finalmente, pela grandiosidade com a qual revestiu o legado taylorista.
Drucker (1997) estudou a vida e a obra de Taylor e concluiu que a motivação que o
levou a dedicar-se ao estudo do trabalho foi o conflito de classes, mas numa ótica avessa à
marxista, buscando alcançar a máxima produtividade dos trabalhadores e sua consequente
melhoria de vida. Para Drucker (1997, p.5),
45
Ford chegou a formar um corpo de inspetores encarregados da supervisão da vida privada e dos hábitos de
consumo de seus empregados.
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O que levou Taylor ao estudo do trabalho foi seu choque diante do ódio mútuo e
crescente entre capitalistas e trabalhadores, que acabara por dominar o século
dezenove. Em outras palavras, Taylor viu o mesmo que Marx, Disraeli, Bismarck e
Henry James. Mas ele também viu algo que eles deixaram de ver: que o conflito era
desnecessário. E tratou de tornar os trabalhadores produtivos, para que pudessem
receber salários decentes. (DRUCKER, 1997, p.5).
Assim, Drucker (1997) definiu Taylor, como sendo o grande salvador da classe
trabalhadora, aquele que se prestou ao estudo do trabalho para trazer com isto ganhos sociais.
Entretanto, é preciso lembrar que mesmo com toda a pesquisa que o taylorismo desenvolveu
acerca do movimento humano, dissecando-o até o último músculo, meticulosamente medido e
calculado, não foi possível promover ganhos salariais. Ao contrário, o taylorismo, adotou a
linha de produção de Ford e todo o “americanismo” que Gramsci demonstrou vir no esteio de
tal padrão produtivo, para maximizar a mais-valia. O trabalhador era sugado, cada vez mais
dominado por uma sequência interminável, repetitiva, dilacerante. Enfim, a corporificação do
trabalho “livre” enquanto tripalium, numa dimensão jamais vista pela humanidade46.
Em uma análise mais profunda, Gramsci (1991) foi capaz de captar que toda a
racionalização que Ford e Taylor tentaram imprimir aos métodos de trabalho, ocupou apenas
os movimentos do operário, deixando-lhe a mente livre para refletir. Assim, de certo modo, os
próprios empresários deixam de tomar seus empregados como “animais domesticáveis”,
respeitando sua capacidade de seres pensantes e revolucionários em potencial. Para Gramsci
(1991, p.404) é o momento em que:
Compreenderam que o “gorila domesticado” é apenas uma frase, que o operário
continua “infelizmente” homem e, inclusive, que ele, durante o trabalho, pensa
demais [...]. Mas o fato de que o trabalho não lhe dá satisfações imediatas, quando
compreende que se pretende transformá-lo num gorila domesticado, pode levá-lo a
um curso de pensamentos pouco conformistas. (GRAMSCI, 1991, p. 404)
Por outro lado, os apontamentos de Toffler (1997), no que se refere à base industrial,
destacam que as indústrias clássicas da Segunda Onda baseavam-se em princípios
eletromecânicos essencialmente simples, usavam insumos de alta energia, expeliam grande
46
Para Drucker (1997, p.18) os ganhos sociais do trabalhador, tais como, a redução das jornadas de trabalho,
aumento da renda per capita, ganhos na área da saúde, entre outros, não se associavam à instauração do Estado
de Bem-Estar Social mas significaram vantagens advindas do aumento de produtividade trazido pelo taylorismo.
134
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quantidade de refugo e poluição e caracterizavam-se por longas linhas de montagem,
exigência de pouca habilidade, trabalho repetitivo, artigos padronizados e controles altamente
centralizados. Na década de 50, as nações industrializadas já sabiam o quanto tal produção era
retrógrada e decadente e se apressaram em transferi-las para os países “em desenvolvimento”
com legislação ambiental praticamente inexistente e mão-de-obra barata. Por outro lado,
novas indústrias dinâmicas surgiam em seu lugar.
Estas novas indústrias copiaram os avanços científicos de várias disciplinas como a
informática, a eletrônica do quantum, biologia molecular, oceânica, nucleônica, ecologia e as
ciências espaciais. A hierarquia empresarial e todos os princípios que regiam a estrutura
produtiva da Segunda Onda foram postos abaixo.
Quanto às novas exigências que o atual padrão produtivo requer do trabalhador, Toffler
(1997) apontou: capacidade de questionamento e criatividade, em contraposição à obediência
cega e execução precisa de tarefas repetitivas, pregadas pela Segunda Onda; responsabilidade
social com seu trabalho; flexibilidade para adaptar-se a novas funções e situações e o espírito
de grupo.
É assim que ganham corpo novas estratégias de produção, tais como, os círculos de
controle de qualidade (CCQ), kanban, just in time, entre outras. Mas como nos alertou Carlos
Minayo Gomez (1989), estas formas de gerenciamento são, antes de tudo, uma resposta às
resistências ao taylorismo dogmático, uma obrigatoriedade de considerar o trabalhador
enquanto ser “pensante”, mas, necessariamente, uma metamorfose do processo de subsunção
real.
David Harvey (1996) tendo investigado a pós-modernidade, caracterizou o atual estágio
do capitalismo mundial e o denominou “acumulação flexível”. Segundo o autor, este estágio
se pauta na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões
de consumo. A acumulação flexível é também marcada por altas taxas de inovação comercial,
tecnológica e organizacional. Harvey (1996) destacou os altos níveis de desemprego e de
desemprego estrutural que acompanham a acumulação flexível, os modestos ganhos (ou
mesmo a inexistência) de salários reais, a perda de poder sindical, além do maior controle e
pressão dos empregadores sobre o trabalho.
135
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No que se refere especificamente ao consumo e à questão cultural, Harvey (1996)
enfatizou a relação entre o pós-moderno e os padrões culturais da acumulação flexível. Ou
seja,
A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o
fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que
celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de
formas culturais (HARVEY, 1996, p. 148).
No caso específico do Brasil, Bresciani (1996) salientou as nefastas conseqüências que
a flexibilidade produtiva trouxe à classe trabalhadora: trabalho sem contrato registrado,
contratações atípicas, alta taxa de rotatividade, liberdade para demissão por parte da empresa,
grande remanejamento da jornada de trabalho, atribuições profissionais indefinidas, promoção
do trabalho polivalente.A corrente marxista denomina, muitas vezes, tais transformações de
capitalismo “desorganizado”, como referência a toda insegurança trazida pelos ajustes
impostos pelo capital em busca de sua manutenção hegemônica.
Diante dos padrões societários e produtivos trazidos pelo denominado americanismo,
cabeinvestigar o alcance dessas modificações especialmente para a formação do trabalhador e
para a produção do conhecimento. Esse é o pleito da próxima seção desse artigo que pretende
entender tais repercussões, sobretudo na educação brasileira.
3
A EDUCAÇÃO E AS HERANÇAS DO AMERICANISMO
Do ponto de vista educacional, é fato que as transformações produtivas do
taylorismo/fordismo no esteio do americanismo encontraram na Teoria do Capital Humano, o
campo fértil para seu desenvolvimento. Gaudêncio Frigotto (1989) analisa essa teoria
classificando-a como a visão burguesa sobre a prática educacional, que é tomada como um
mero fator de produção, ou seja, a uma questão essencialmente técnica, reduzindo, portanto, o
próprio conceito de homem, trabalho e classe.
136
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É preciso lembrar que a idéia de investimento na formação do trabalhador constou da
obra de muitos teóricos clássicos do liberalismo como Adam Smith (1723-1790), John Stuart
Mill (1806-1873) e Alfred Marshal (1842-1924), perdurando até o final da década de 50, de
modo latente, em muitos outros trabalhos. Entretanto, a partir deste período, os pesquisadores
americanos e ingleses passam a desenvolver a idéia do Capital Humano de modo sistemático
e análogo ao capital físico. Segundo Frigotto (1995), foi Teodoro Schultz que, ao pesquisar as
causas das diferenças entre países, “descobriu” o fator educacional, elaborando assim a Teoria
do Capital Humano.
Portanto, pode-se afirmar que as novas formas de relações intercapitalistas, explicitadas
nas teorias de modernização do pós-guerra e, em particular, as teorias do desenvolvimentismo
vieram compor as condições históricas que demandaram a formulação da Teoria do Capital
Humano. Assim, na tentativa de explicar as causas das diferenças entre países, ganham corpo
no Brasil, no pós-guerra, as teorias do desenvolvimentismo, em especial, a proposta por
Theodore Schultz que, segundo Frigotto (1993, p.41):
[...] busca traduzir o montante de investimento que uma nação faz ou os indivíduos
fazem, na expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista
macroeconômico, o investimento no “fator humano” passa a significar um dos
determinantes básicos para o aumento da produtividade e elemento de superação do
atraso econômico. Do ponto de vista microeconômico, constitui-se no fator
explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e,
consequentemente, de mobilidade social. (FRIGOTTO, 1993, p.41):
De modo mais pragmático, pode-se afirmar que as influências do americanismo na
educação brasileira propriamente dita foram muitas. Por questões didáticas e operacionais, a
opção desse trabalho, é pela investigação das influências americanas no ensino
profissionalizante e nas universidades brasileiras, mais especificamente, no perfil que será
atribuído à extensão universitária, um dos três pilares da instituição, ao lado do ensino e da
pesquisa.
3.1
O ensino profissionalizante no Brasil: uma interface com o americanismo
137
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O impulso dado à industrialização, principalmente a partir de 1930, acarretou um
incremento gradual no nível de urbanização do país, trazendo com isto, o aumento da
demanda escolar já que as ocupações urbanas, principalmente as ligadas ao setor de serviços e
à administração pública, exigiam maior qualificação. Paralelamente, surgiram movimentos
pedagógicos e culturais em favor de reformas mais profundas, como o “Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova”, publicado em 1932, elaborado por Fernando Azevedo,
assinado por vários outros educadores, destacava a associação entre o desenvolvimento
econômico do país e o necessário preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento
das aptidões de criatividade e iniciativa.
Vale ressaltar que, apesar de avançar em muitos pontos, o Manifesto demonstrou que a
compreensão da realidade educacional, por parte dos pioneiros, seria uma versão da própria
concepção liberal e idealista dos educadores românticos do século XIX. A questão é o
equilíbrio do trinômio escola-desenvolvimento-sociedade que, mesmo que precariamente,
havia funcionado até então, agora estava rompido e manifestava-se na crise da incapacidade
das camadas dominantes de reorganizarem o sistema de ensino para que atendesse às novas
exigências sociais de educação e pudesse fornecer o contingente de força de trabalho exigido
pelo modelo econômico emergente. Delineou-se uma crise educacional tanto no seu aspecto
qualitativo quanto quantitativo.Por outro lado, Neves (1997) salientou que a burguesia
industrial brasileira nasceu frágil e dependente da oligarquia agrária e, portanto, viu-se
obrigada a conciliar seus projetos modernizantes com o conservadorismo das relações sociais
de produção no campo.
Especialmente no primeiro mandato, de 1930 a 1945,Getúlio Vargas implementou
medidas de valorização salarial do operariado urbano e instituiu, por exemplo, a Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT). Porém, Romanelli (1995) comprovou que, neste período, o
aumento de matrículas ocorreu em nível secundário propedêutico, em contraposição ao ensino
técnico, prova de que o preconceito à educação para o trabalho se fazia presente e enfatizava,
mais uma vez, a elitização do ensino. Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde
Pública que passa a se responsabilizar pelas Escolas de Aprendizes e Artífices e as transforma,
em 1937, em Liceus Industriais.
138
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É importante lembrar que a Constituição de 1937 foi a primeira a demonstrar
preocupação para com o ensino profissional, ao assegurar seu financiamento público na esfera
federal e oferecer possibilidades de atuação da iniciativa privada no setor. Todavia, reforça o
estigma de se destinar aos desvalidos, mantendo no Artigo 129, a herança colonial
preconceituosa:
O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas, é
em matéria de educação o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a
esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa
dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e
profissionais (grifo nosso). (BRASIL, 1937).
Além disso, o Estado instituiu um sistema nacional de educação que absorveu a rede
confessional e incorporou os empresários na execução de suas diretrizes. Na composição
deste quadro, destacou-se o pacto firmado entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro: a este
caberia ampliar e integrar os ramos do conhecimento a serem transmitidos e/ou produzidos,
fazendo uso do regime universitário, enquanto à Igreja coube promover a educação primária e
secundária das classes dominantes. Isto representou mais uma estratégia do Estado
corporativo “de regulação pelo ‘alto’ dos conflitos entre e interclasses” (NEVES, 1997, p. 36).
O sindicalismo autônomo foi substituído pelo Golpe de 1937 por um sindicalismo “oficialista”
promovido pelo Estado Novo e esta nova força sindical teria o objetivo econômico de
disciplinar o trabalho como força de produção e também o objetivo político de vedar a
emergência de choques.
Portanto, o Estado brasileiro assumiu o papel de mediador dos conflitos não só sindicais,
mas, também, entre os que insistiam em manter a ordem preexistente no panorama
educacional e aqueles setores que clamavam por reformas. Tanto no sindicalismo quanto na
educação, para assegurar sua hegemonia, buscou assimilação das frações rivais das próprias
classes dominantes ou até mesmo de setores das classes subalternas. Esta prática, segundo
Neves (1997), no vocabulário gramsciano, se traduz no conceito de transformismo.
Durante a maior parte do governo de Vargas, Gustavo Capanema chefiou o Ministério
da Educação (de 1934 a 1945) e implementou uma série de reformas parciais para os diversos
ramos do ensino, que passaram a ser conhecidas como Leis Orgânicas do Ensino. Vale
139
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destacar que o período de guerra significou um entrave para a manutenção da política de
importação de mão-de-obra técnica européia e de produtos industrializados.
O Estado brasileiro, diante da dificuldade do sistema de ensino de oferecer a educação
profissional de que carecia a indústria e da impossibilidade de alocação de recursos para
adequá-lo devidamente, engajou o setor industrial nesta tarefa. Através do Decreto-Lei No
4.048 de 20/01/1942, o governo criou o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) e organizou
um sistema de ensino paralelo ao oficial,em convênio com a
Confederação Nacional das Indústrias e mantido pela contribuição dos estabelecimentos
industriais a ela filiados. Em 07/11/1942 o Decreto No 4.436 estendeu o âmbito de ação do
SENAI, cuja rede de escolas passaria a atingir também os setores de transportes,
comunicações e pesca e ampliou as modalidades de cursos, incluindo aperfeiçoamento e
especialização. Com o Decreto No8.622 de 10/01/1946, criou o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC), com mesma estrutura do SENAI, entretanto dirigido
pela Confederação Nacional do Comércio, passando a compor o denominado “Sistema S” de
formação profissional sob responsabilidade do setor produtivo.
Paralelamente, em 1942, os Liceus Industriais passam a se chamar Escolas Industriais e
Técnicas e, a partir de 1959, são transformadas em autarquias e passam a ser denominadas
Escolas Técnicas Federais, símbolo de uma nova fase do ensino profissionalizante-industrial
no Brasil, que ansiava por força de trabalho qualificada para contribuir no moderno estágio
produtivo, de bases fordistas e ênfase urbano-industrial.
Com isto, o sistema oficial passou, pouco a pouco, a dedicar-se predominantemente aos
cursos de formação e o “Sistema S” aos cursos rápidos de aprendizagem, muitas vezes
realizados no chamado “chão de fábrica” e voltados para aspectos mais operacionais e, muitas
vezes, sem pré-requisitos escolares.
Porém, para Romanelli (1995) a formação técnica dada pelas escolas oficiais não
acompanhava o nível de desenvolvimento tecnológico da época, com a necessária reciclagem
e reaparelhamento. Desta feita, o êxito do “Sistema S” no treinamento rápido da força de
trabalho de que necessitavam as forças econômicas, explicava sua grande expansão, em
detrimento do sistema público de ensino.
140
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Fato é que, as camadas que buscavam as escolas oficiais de ensino técnico, o faziam por
não necessitarem trabalho imediato, já que estas ofereciam cursos de maior duração. Por outro
lado, nas escolas do SENAI e SENAC os estudantes eram pagos para estudar; atrativo
considerável, sobretudo para a população que, precisava ingressar no mercado de trabalho
mais cedo e estava fora do sistema oficial de ensino.
Portanto, o sistema “paralelo” de ensino passou a atender as classes mais pobres da
população e assegurou a manutenção dos privilégios da elite, pois já haviam sido criados
mecanismos capazes de barrar as camadas mais pobres do acesso ao ensino profissionalizante
oficial. Ou seja, os extratos médios e altos da sociedade poderiam fazer opção por um ensino
que classificava socialmente, habilitava, inclusive, aos cursos superiores, em oposição aos
baixos extratos que,por necessitarem de um rápido preparo para o trabalho, recorriam a cursos
em que a escolaridade mínima nem sempre era exigida, ou o era em caráter muito simplório,
com preocupação maior com a questão prática, em detrimento da formação teórica.
O Estado embebido da racionalidade típica da modernidade se consolida enquanto
instituição com o desafio de trazer a “ordem” e o “progresso”, marcas positivistas impressas
na flâmula nacional, para todo o território e, ainda, colocar o país no rol das “potências”
mundiais. Para Barbosa (1999) é o momento em que as pressões do capital industrial pela
força de trabalho disseminaram a idéia de que através do ensino técnico e tecnicista a
sociedade poderia fazer valer a igualdade social. Assim, financiado pelo incremento na
arrecadação, o Estado passa a constituir sistemas de comunicação, transporte, energia e
também de educação. O desenvolvimento técnico, com a divisão do trabalho, gerava funções
cada vez mais especializadas (MELLO, 2010, p.46) e a trajetória em direção à objetividade
racional, ao homem profissional e especializado, é inevitável (WEBER, M., 2004)47.
A partir dos anos 50, a abertura da economia brasileira ao capital internacional
favoreceu a instalação de multinacionais no país, modernização industrial, implantação de
pressupostos da administração científica taylorista e fordista na organização do trabalho e a
adoção de um sistema ocupacional muito mais complexo, que demandava recursos humanos
47
Trata-se da obra póstuma “Economia e Sociedade”, de Max Weber (1864-1920), originalmente publicada em
1921.
141
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para preencherem estas categorias, cada vez mais hierarquizadas. Estava evidente a
incapacidade do sistema educacional de atender a esses novos pressupostos.
Diante deste desafio, em 1966, o MEC estabeleceu um acordo com a United
StatesAgency for InternationalDevelopment (USAID) que financiaria as reformas necessárias,
mas estabeleceria o perfil didático-operacional que as nortearia.
Para a USAID, a reformulação do ensino de 1º grau era mais importante, pois atenderia
aos interesses da retomada da expansão econômica iminente. A proposta era fortalecer uma
base de educação fundamental e algum treinamento, o suficiente para o indivíduo ser
introduzido na manipulação de técnicas de produção e aumentar a produtividade, porém, sem
ter nenhum controle sobre o processo produtivo. Tais medidas foram implantadas apesar das
apreciações negativas que sofreram das comissões brasileiras que as examinaram e da
sugestão de caminhos opostos, como na crítica à profissionalização precoce, conferida pelos
antigos ginásios e na profissionalização do nível médio, vistas como uma exigência para
selecionar para as universidades apenas os mais capazes, uma forma de dar ocupação aos
menos capazes e ao mesmo tempo, conter a demanda de educação superior em limites mais
estreitos (ROMANELLI, 1995, p. 234).
A justificativa do governo estava pautada na ideia de que para o Brasil alcançar a
modernização e o desenvolvimento seria necessário seguir os modelos educacionais dos EUA.
Neste contexto, entre as polêmicas reformas educacionais feitas, destaca-se a Lei No 5.692 de
11/08/1971 que regulamentava o ensino de 1o e 2o graus com a obrigatoriedade de
profissionalização. Isso favoreceu a “distribuição”, por todo o país, de diplomas pseudo
técnicos, já que as escolas não dispunham de recursos humanos e materiais para atenderem a
essa exigência, só revogada em 1982. Demerval Saviani (1997) questionou o relatório do
Grupo de Trabalho responsável pela elaboração do texto desta lei, que criticava o dualismo
anterior do ensino médio, aludindo ao slogan “ensino secundário para os nossos filhos e
ensino profissional para os filhos dos outros”. Contudo, o que a nova lei veio institucionalizar
foi a manutenção do antigo jargão, sob novo slogan: “terminalidade legal para os nossos
filhos e terminalidade real para os filhos dos outros” (SAVIANI, 1997, p. 7).
142
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Neste período, vale ressaltar as ações do Governo Militar no Brasil que, após o Golpe
de 64, passou a empreender uma série de mecanismos com vistas à repressão da ação de
forças políticas opositoras48 e de movimentos sociais. Além disso, em tempos de Guerra Fria,
o país estreitou ainda mais sua relação com os Estados Unidos, alinhando-se com a ideologia
do bloco capitalista, o que assegurou doações e empréstimos não só da USAID, mas,
especialmente, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional que eram liderados por
este país. Tais recursos auxiliaram o financiamento do denominado “Milagre Brasileiro”, na
década de 1970.
Do ponto de vista urbano, no Brasil,a entrada de capital internacional (principalmente
americano, já que os Estados Unidos lideravam e eram os principais acionistas do Banco
Mundial e do FundoMonetário Internacional),
favoreceu a mecanização do campo e a
concentração fundiária, causou êxodo rural, principalmente, em direção às grandes cidades,
especialmente, São Paulo e Rio de Janeiro.
A criação das escolas federais de formação agrícola na Bahia, lideradas pela Comissão
Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), em 1965, na cidade de Uruçuca e, em
1980, em Itapetinga, Teixeira de Freitas e Valença, parece sinalizar a tentativa de conter as
correntes migratórias e, simultaneamente, valorizar importante cultivo da pauta de
exportações brasileiras.
No mesmo sentido de retenção de parte do fluxo migratório nas áreas rurais, destaca-se
a implantação de Escolas Agrícolas Federais em Belo Jardim/PE, Castanhal/PA, Manaus/AM,
Rio Verde/GO, São Cristóvão/SE, Sertão/RS e Sousa/PB em 1979 e, no ano seguinte, a
priorização destes investimentos em Minas Gerais, estado que recebeu sozinho, doze unidades
dessa instituição nas cidades de Alegre, Bambuí, Barbacena, Inconfidentes, Januária,
Machado, Muzambinho, Rio Pomba, Salinas, São João Evangelista, Uberaba e Uberlândia.
Por outro lado, a fundação das Escolas Técnicas Federais entre 1965 e 1968 em Aracaju,
Belém, Cuiabá, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Natal, Salvador, São Luís, São Paulo,
48
Por exemplo, o Decreto No 53 de 18/11/1966 que determinou, entre outras coisas, que o ensino de formação
profissional e a pesquisa aplicada fossem realizados em instituições próprias, sendo uma para cada unidade ou
conjunto de unidades afins. A centralização estava por trás do corte de despesas e era também uma maneira
sucinta do governo manter em seu poder a direção das unidades de ensino, já que seus dirigentes eram por ele
indicados.
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Teresina e Vitória, capitais estaduais e em Pelotas/RS, indicam tentativas de valorização das
atividades econômicas urbanas por meio da criação de uma força de trabalho industrial.
3.2
A extensão universitária no Brasil e as influências americanas
O Brasil se preparava para comemorar seu centenário da independência quando foi
criada a primeira universidade no país, antiga aspiração de muitos segmentos, sobretudo de
legisladores e do próprio governo, tanto monárquico quanto republicano. Para justificar tal
feito, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Alfredo Pinto Vieira de Mello, em 1920,
encaminha ao, então, Presidente da República, Epitácio Pessoa, as exposições de motivos,
destacando o exemplo a ser seguido de nações européias e americanas, “o afã demonstrado
pela nova geração brasileira, procurando acompanhar os progressos da ciência universal”
(FAVERO, 2000, p.9).
A proposta enfatizava a manutenção da autonomia das faculdades e institutos, adotando
um modelo de Universidade, com a reunião de cursos isolados que têm como ligação entre si
somente a Reitoria e não mecanismos acadêmicos ou administrativos, formando o que Rocha
(2007, p.24) denominou “instituições agregadas e não integradas”.
Desta forma, foi fundada a Universidade do Rio de Janeiro através do Decreto No14.343
de 7 de setembro de 1920 que teve seu Regimento aprovado através do Decreto No14.572 em
23 de dezembro do mesmo ano. Tais documentos não trazem qualquer referência à extensão
universitária, embora as primeiras experiências no Brasil tenham ocorrido entre 1911 e 1917
em São Paulo.
Segundo Carbonari e Pereira (2007, p. 23), a extensão universitária ocorria por meio de
conferências e semanas abertas ao público em que se trabalhavam diversos temas não
relacionados às problemáticas sociais e políticas da época. Ou seja, as temáticas abordadas
nessas atividades não estavam focadas nas questões sociais e econômicas da comunidade.
Nogueira (2005, p.16) acrescenta que, apesar de gratuitos, esses cursos não atraiam a
população e a propaganda política, religiosa ou comercial era proibida.
144
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Estas primeiras experiências extensionistas, inspiradas na vertente inglesa e européia de
modo geral, demonstraram mais do que o desinteresse da população, o distanciamento da
universidade dos reais anseios da comunidade devido à seleção dos temas apresentados, tais
como, “O Fogo Sagrado da Idade Média”, “A Latinidade da România”, “Grandes Viagens e
Grandes Viajantes do Brasil”, “Importância e Progresso da Otorrinolaringologia”, entre outros
(NOGUEIRA, 2005, p. 16).
Por outro lado, a partir de 1922 na Escola Agrícola de Lavrase de 1926 na Escola
Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa 49 , sob influência da corrente americana,
surgem atividades de extensão voltadas para a prestação de serviços para o agricultor, na
forma de assistência técnica, publicações, correspondências e consultas, visitas às
propriedades rurais, cooperações e campanhas abordando os problemas da agricultura e
pecuária.
Essa concepção de extensão enquanto atividade que deve levar o conhecimento
produzido na universidade para a população, sobretudo com foco na elevação dos ganhos
produtivos do trabalhador, se mantém ao longo de toda a trajetória da extensão nas
universidades brasileiras até os dias atuais, em maior ou menor medida.
Todavia, no Brasil, a influência americana na extensão universitária se acentuou
sobremaneira com o golpe militar de 1964 que atribuiu a ela uma concepção nitidamente
assistencialista e a incorporou ao ideal de desenvolvimento de segurança do território nacional.
O Decreto-Lei 252 de 28 de fevereiro de 1967 em seu Artigo 10º, diz que “a Universidade em
sua missão educativa deverá estender à comunidade sob a forma de cursos e serviços as
atividades de ensino e pesquisa que lhe são inerentes” (BRASIL, 1967).
A LDB No5.540 de 28 de novembro de 1968 no seu Artigo 20º ratifica as disposições
contidas no Decreto-Lei 252 de 28 de fevereiro de 1967:
As universidades e as instituições de ensino superior estenderão à comunidade, sob
forma de cursos e serviços especiais, as atividades de ensino e os resultados da
pesquisa que lhes são inerentes (BRASIL, 1968).
49
São as atuais Universidade Federal de Lavras e Universidade Federal de Viçosa - MG, respectivamente.
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A mesma lei, no Artigo 40º, alínea a, consigna a participação do corpo discente nos
programas de melhoria das condições de vida da comunidade e no processo de
desenvolvimento, através das atividades de extensão:
as instituições de ensino superior, por meio das suas atividades de extensão,
proporcionarão aos seus corpos discentes oportunidades de participação em
programas de melhoria das condições de vida da comunidade e no processo geral de
desenvolvimento (BRASIL, 1968).
Portanto, tendo como função o atendimento à comunidade, a universidade não poderia
se voltar apenas ao ensino e à pesquisa, mas deveria se dedicar também às atividades de
extensão. Em virtude da sua própria natureza, a universidade teria que “se estender a”, sair de
si e prestar seus serviços à comunidade. De acordo com esta perspectiva, a universidade
realiza as atividades de extensão, inclusive como um meio de escapar à alienação da vida
social e de se ligar estreitamente à realidade. É a própria relação universidade/comunidade
que aqui se encontra em questão e que precisa ser tematizada, apesar da enorme diversidade
de posições teóricas dos autores que analisam a questão.
Coelho (1980, p. 250) aponta que o chamado “atendimento à comunidade”, voltado para
a promoção de seu desenvolvimento e o atendimento de suas necessidades, muitas vezes,
camufla pesquisas, cursos e outras atividades que servem apenas aos grupos que detém o
poder, na medida inclusive em que mascaram a realidade, desviando atenção dos reais
problemas do país.No mesmo sentido, se percebe a insistência na dita “vocação natural” da
universidade para a extensão, na necessidade de integrá-la à comunidade e de fazer dela uma
prestadora de serviços à coletividade. Para Coelho (1980), a resposta a tais indagações está na
visão homogênea e harmônica da realidade, sem lugar para a contradição, o conflito, mas
apenas para as diferenças “naturais” e contingentes entre pessoas ou grupos.
Para Carbonari e Pereira (2007, p.23-24) a Reforma Universitária de 1968 foi orientada
pelos princípios da Lei de Segurança Nacional, rompendo com a concepção da extensão como
espaço de diálogo com a comunidade, restringindo as ações das Instituições de Ensino
Superior (IES) e impedindo-as do exercício de autonomia. Não por acaso, os EUA apoiavam
146
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e respaldavam as ações do governo militar brasileiro, garantindo a execução dos projetos
educacionais que espelhassem as ações do americanismo no país.
A década de 80 foi marcada pelo ressurgimento dos movimentos sociais e pela tentativa
de rompimento com as influências americanas na educação brasileira. Para Carbonari e
Pereira (2007, p. 24), é o momento em que a universidade procura compartilhar com a
comunidade projeto democrático, utilizando a extensão para a realização de práticas que
assegurassem os direitos humanos.
Neste contexto, a discussão da extensão ganhou destaque no meio universitário e em
1987, na Universidade de Brasília, aconteceu o I Encontro Nacional de Pró-Reitores de
Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. O evento marcou a criação do Fórum de
Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX).
Para
o FORPROEX, a extensão deve ser instrumentalizadora da dialética teoria/prática,
um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. Ao propor, através da
extensão, a abertura das portas da universidade para uma convivência de duplo interesse –
universitário/comunitário, institucionaliza um novo posicionamento: o da universidade
integrada com a comunidade, apta a contribuir para muito além da formação e
aperfeiçoamento de profissionais, do aceleramento das soluções dos problemas nacionais,
dando grandes e indispensáveis instrumentos a um desenvolvimento nacional, contínuo,
irreversível e seguro. Evidentemente, trata-se de um ideal, ainda distante de ser alcançado por
uma nação como o Brasil que só recentemente passou a se desvencilhar das amarras do
americanismo e buscar a construção de um caminho próprio e autônomo.
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora as influências do americanismo sobre o Brasil tenham se iniciado nas primeiras
décadas do século XX, é fato que em tempos de Guerra Fria, a atmosfera de proteção política
dos EUA sobre o Brasil, favoreceu sobremaneira a implantação desses preceitos no país. Do
147
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ponto de vista educacional, o ensino profissionalizante foi um instrumento de atendimento às
demandas do americanismo, forjando a formação da força de trabalho para as indústrias
incipientes e, paralelamente, preparando a sociedade para um padrão de vida e de consumo
capazes de assegurarem a compra de bens, cada vez mais diversificados e voláteis, em função
das novas tecnologias adotadas pelas empresas norte-americanas e depois transferidas para a
periferia do capitalismo.
A globalização e a democratização do Brasil, de certa forma, diluíram as interferências
do americanismo, mas as heranças estão presentes, por exemplo, no foco assistencialista que
ainda impera em muitas ações extensionistas desenvolvidas pelas universidades.
Agradecimentos
À Capes e Fapemig, agências financiadoras das pesquisas que sustentam este artigo.
5
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Henrique Cardoso: preocupação com o mercado ou formação para o trabalho?. 1999. 243 f.
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THE AMERICANISM AND EDUCATION: THE BRAZILIAN PATH OF
VOCATIONAL EDUCATION AND UNIVERSITY EXTENSION
Abstract:The paper presents analytical considerations on the central theme that guides and
gives title to this work and some perspectives in the new millennium. Discusses the influences
of U.S. on Brazilian education, especially professional education and university extension. In
the conclusion, it points out that the political and economic forces of the leader country in
world capitalism were determinant so that the ideals of Americanism were settled in Brazil.
Key-words:Americanization; Americanism, education, university extension.
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THE MELTING POT: A AMERICANIZAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICAENTRE 1908 E A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
SILVA, Maxwel F.50 – [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG
PEDROSA, José G.51 – [email protected]
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG
Resumo: Este pôsterinsere-se no Programa de Pesquisa Americanismo, Trabalho e
Educação e vincula-se à Linha de Pesquisa Ciência, Tecnologia e Trabalho: abordagens
filosóficas, históricas e sociológicas do Programa de Pós-graduação – Mestrado em
Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. O
interesse da pesquisa é entender o movimento de americanização nos EUA no início do
século XX, como ocorreu e porque ocorreu. A partir das possíveis respostas, sabendo-se que
a escola foi um importante instrumento civilizatório, pensar o processo de americanização
fora dos EUA, especialmente suas influências no Brasil advindas do taylorismo e fordismo e
suas relações com a Educação Profissional na década de 1940. Este pôster contenta-se,
todavia, em pensar o movimento de americanização nos EUA por meio da metáfora do
Melting Pot.
Palavras-chave: Americanização, Estados Unidos da América, The Melting Pot.
50
Graduou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e em Tecnologia em
Processos Gerenciais pela Faculdade de Tecnologia SENAI-Belo Horizonte. Realiza estudos de Pós-graduação –
Mestrado em Educação Tecnológica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.
51
Graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas Gerais e realizou estudos de Pósgraduação – Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutorado em
Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós-doutorado no
Instituto de Geociências da UFMG.
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1
DO SIGNIFICADO DE AMERICANISMO E AMERICANIZAÇÃO NOS
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Segundo Talbot (1920, p. 1), americanismo “[…] is an attitude of mind upholding
certain principles.”52Atitude implica forma de pensar, de sentir e de se comportar. E a atitude
a qual se referiu o autor é, ipsis verbis, mental e em defesa de certos princípios. Tais
princípios são inalienáveis e pertencem à humanidade, o que significa dizer que não podem
ser revogados por nenhuma lei ou autoridade e que são de toda e qualquer pessoa. No
preâmbulo da Declaração de Independência de 1776, Thomas Jefferson introduziu os
princípios fundamentais dos EUA: “[...] all men are created equal, that they are endowed by
their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the
pursuit of Happiness.” 53 (JEFFERSON, 1920, p. 8). A Vida, a Liberdade e a busca pela
Felicidade compõem o arsenal cotiledôneo que nutrirá toda a concepção compilada por Talbot
acerca do americanismo.
Jefferson54 (1920) estabeleceu primeiro a condição de liberdade dos compatriotas, pois
o projeto civilizatório que se desejava construir requeria o homem inteiro, i.e., livre. Na
sequência, afirmou a justiça igual e exata a todo homem, independente de posições religiosas
ou políticas. Também ressaltou a importância de se manter a paz, o comércio e o
relacionamento com as nações, não recomendando favoritismos. No decorrer do preâmbulo,
fica evidente a intenção de assegurar uma nação livre, evitando a todo custo tendências
antirrepublicanas e déspotas.O referencial teórico às ideias de Jefferson foi, sem dúvida, o
Iluminismo.
A noção estritamente ideal de americanismo dissipa as diferenças de classe e de raça,
igualando as pessoas e tornando-as sujeito no processo de construção da nação, reforçando,
pois, a ideia de que o americanismo é uma atitude mental, i.e., um projeto imagético. Seria
ingenuidade imaginar o americanismo como realidade idílica, já dada pronta. “[…]
52
“[...] é uma atitude da mente em defesa de certos princípios.” (Tradução nossa).
“[...] todos os homens são criados iguais, que são envolvidos pelo seu Criador com princípios inalienáveis,
dentre os quais estão a Vida, a Liberdade e a busca pela Felicidade.” (Tradução nossa).
54
Essa pesquisa não se ocupará de estudar a relação de Jefferson com a escravidão, uma vez que ele mesmo
possuiu escravos, fato ainda controverso entre os historiadores que se ocupam do assunto. Por isso, nenhum juízo
será feito em relação a essa questão. Interessa aqui apenas o que ele redigiu no Preâmbulo da Declaração de
Independência conforme apresentado na obra compilada por Talbot (1920).
53
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Americanism is always partial and incomplete, an ideal to be sought but never fully to be
attained […].”55(TALBOT, 1920, p. 2). O fato de o americanismo nunca ser inteiramente
atingido faz com que o ianque se aperfeiçoe sempre, perseguindo constantemente esse ideal
de americanismo a que se deseja alcançar.
Alertou Talbot (1920) que o americanismo não deve ser entendido como algo teórico
apenas, pois precisa ser praticado, utilizado nas diversas situações da vida. Para citar um
exemplo, ele não negou o fato de que o imigrante foi explorado na América, todavia, ressaltou
que, em contrapartida, foi na América que ele descobriu uma forma de compensação: a escola
pública, ou seja, a possibilidade de adaptar-se e de emancipar-se. Para ele, é o imigrante o
principal agente divulgador do americanismo. Se ele regressa à sua terra, levará em seu
âmago a essência do americanismo, contribuindo assim para o processo de americanização.
Se o americanismo é uma atitude que está no âmbito tanto objetivo quanto subjetivo,
americanização é o processo para a afirmação dessa atitude, é a materialização do projeto
imagético realizado na vida prática. Americanização não é apenas um processo, mas torna-se
lugar na medida em que na escola pública – gratuita e obrigatória a todos –, na biblioteca
pública e gratuita e por meio da livre imprensa circulam-se as ideias e pensamentos. A
americanização somente se efetua por meio do pensamento socializado (TALBOT, 1920) e,
por isso, a escola, ênfase ao fato de ela ser pública e gratuita, torna-se agente desse processo
de americanização, i.e., lugar da afirmação e difusão do americanismo.
Most important of all, Americanization always implies obligation; free
choice determines its acceptance, and its extension must come through
avenues of intelligent comprehension rather than through physical or
governmental domination. (TALBOT, 1920, p. 73)56
Duas coisas merecem destaque: a primeira, que americanização implica obrigação e,
portanto, é uma tarefa. A segunda, é que essa tarefa não pode ser realizada como fruto de
coação, mas da livre vontade de fazê-la. E retoma-se ao conceito de americanismo, pois o
sujeito que pratica a americanização o faz em função da atitude mental que concorda com os
55
“Americanismo é sempre parcial e incompleto, um ideal para ser almejado, mas nunca totalmente alcançado
[...].” (Tradução nossa).
56
“Mais importante de tudo, americanização sempre implica obrigação;livre escolha determina a sua aceitação,
e sua extensão deve vir por vias de compreensão inteligente, em vez de dominação física ou governamental.”
(Tradução nossa).
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princípios básicos da nação. A americanização pertence à esfera da vida prática, efetiva-se na
ação diária e sua tarefa é transformar em ato o projeto imagético do americanismo. Romper os
muros geográficos dos Estados Unidos da América e chegar a todos os lugares do mundo é a
“visão” almejada pela americanização.
Para Bogardus (1920, p. 13), americanização “[...] is an educational process of unifying
both the native-born and foreign-born in the United States in perfect support of American
principles.” 57 No caso do nascido ianque, a americanização significa conhecimento e
apropriação das tradições americanas, do atual padrão de vida e também prática e
aprimoramento dos valores americanos. Para o nascido no estrangeiro e radicado nos EUA,
americanização significa o abandono dos valores da antiga pátria e assimilação dos valores
americanos, implica, pois, um processo de transferência da lealdade. O estrangeiro precisa
aprender a amar os EUA e o novo modelo de vida que neles se realiza.
Bogardus (1920) entende a americanização como um movimento que surgiu em 1914,
quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial e o sentimento de nacionalismo espalhou-se pelo
mundo. Segundo ele, foi quando os EUA entraram na Primeira Guerra é que se percebeu a
assustadora quantidade de estrangeiros que ainda não dominavam nem a língua pátria.
Contudo, o movimento assumiu forma em 1910, quando Israel Zangwill (1864-1926),
humorista e escritor britânico, publicou a peça The Melting Pot. Como ilustra a “Figura 1”,
popularizada em 1908, os EUA são um “grande pote” para o qual convergem todas as
nacionalidades, fazendo com que se constitua a nação ianque.
57
“[...] é um processo educativo de unificar nos Estados Unidos da América tanto o nativo quanto o nascido no
estrangeiro em perfeito apoio dos princípios americanos.” (Tradução nossa).
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Figura 1 – Imagem dos EUA como representada na peça The Melting Pot
“In this splendid drama, Israel Zangwill had described the United States as a gigantic
melting pot wherein the traditions and ideals of all races were being melted into one set
principles, namely, Americanism.”58(BOGARDUS, 1920, p. 15). Por décadas, empenhou-se
em transmitir os princípios cotiledôneos do americanismo aos imigrantes, para que o ideal
americano fosse assimilado e produzisse resultado na práxis. Contudo, algumas concepções
inadequadas acerca da americanização foram difundidas, distanciando-se do real significado.
São alguns exemplos:
(a) Americanization is teaching foreigners to be satisfied with their jobs.
(b) Americanization is the supression by vigorous means of all radical
elements in our country.
(c) Americanization is the reducing of the foreign-born to a uniformity of
opinions and beliefs in harmony with Americanism.
(d) Americanization means teaching English and civic to fereigners in order
to enable them to secure naturalization papers.
58
“Neste drama esplêndido, Israel Zangwill descreveu os Estados Unidos como um caldeirão gigantesco onde as
tradições e os ideais de todas as raças estavam sendo fundidos num conjunto de princípios, ou seja, o
americanismo.” (Tradução nossa).
155
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(e) Americanization is a paternalistic program for helping ignorant
foreigners by utilizing the superior ability of the native-born 59 .
(BOGARDUS, 1920, p. 17-18)
A americanização, em seu sentido original, não pode ser entendida como uma
ferramenta ditatorial por meio da qual se difundiu certas ideologias. Americanização foi a
forma pela qual os EUA unificaram seu próprio povo, fazendo com que se desenvolvesse um
amor à pátria e um identidade capaz de unificar a todos. Para Bogardus (1920), são
interpretações corretas da americanização as seguintes afirmações:
a) Americanization is an entering into the spirit of our country.
(b) Americanization is the process of nation-building in the United States.
(c) Americanization teaches the duty of the host, not less than the duty of the
newcomer.
(d) Americanization is an organization of the people for a greater share in the
government.
(e) Americanization means helping the foreigner to acquire an American
standard of living and an American loyalty.
(f) Americanization means giving the immigrant the best America has to
offer and retaining for Americans the best in the immigrant.
(g) Americanization is that branch of social science dealing with the
assimilation and amalgamation of diverse races in equity as an integral part
of American national life.
(h) Americanization is the uniting of new and native-born Americans in
fuller common understanding and appreciation to secure by means of selfgovernment the highest welfare of all.
(i) Americanization means to "form more perfect Union, establish justice,
insure domestic tranquility, provide for the common defense, promote the
59
(a) Americanização é ensinar os estrangeiros a se conformarem com seus empregos.
(b) Americanização é a supressão, por meios vigorosos, de todos os elementos radicais em nosso país.
(c) Americanização é a redução do estrangeiro a uma uniformidade de opiniões e crenças em harmonia com o
americanismo.
(d) Americanização significa ensinar inglês e modos de civilidade aos estrangeiros, a fim de permitir a garantia
dos documentos de naturalização.
(e) Americanização é um programa paternalista para ajudar os estrangeiros ignorantes, utilizando-seda
capacidade superior do nativo. (Tradução nossa)
156
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general welfare and secure the blessings of Liberty".60(BOGARDUS, 1920,
p. 18-19)
Talbot (1920) expôs alguns problemas da americanização e pode-se resumi-los na
dificuldade dos estrangeiros, sejam eles da Europa ou do próprio continente, em assimilar o
modus vivendi americano. E mesmo alguns nativos, ainda distantes dessa realidade do espírito
chamada americanismo. Entre as forças da americanização elencadas por Talbot, Warde
(2011) destacou a escola como a principal delas. Depois da escola, ressaltou o próprio
ambiente físico, grosso modo, composto por todo o engenho criado pelos ianques. Warde
(2011, p. 14) concluiu que americanismo é “[…] um conjunto de mudanças do modo de ser e
viver”. Mas também é um processo que forma a maneira de pensar, “[...] tornando-se
parâmetro de progresso, felicidade, bem estar, democracia, civilização; amoldamento das
esperanças em torno da cidade e da indústria”. Para ela, foi por meio da educação escolar que
esse projeto criou raízes e erigiu-se.
Em um sentido elementar, americanização é um processo educacional pelo
qual o imigrante apreende a linguagem, os valores, os costumes, maneiras e
os hábitos dos Estados Unidos. São os lugares onde se americanizava o
imigrante, por meio de programas específicos: escolas públicas, classes de
educação de adultos, lugares de trabalho, settlementhouses e imprensa
imigrante. (WARDE, 2011, p. 15)
ParaTalbot (1920, p. 75), as“[…]improved conditions which mark modern American
employment and extension of labor organization do much to promote Americanization”61.Ou
60
(a) Americanização é entrar no espírito do nosso país.
(b) Americanização é o processo de construção da nação nos Estados Unidos.
(c) Americanização ensina o dever do anfitrião, assim como o dever do recém-chegado.
(d) Americanização é uma organização das pessoas para uma maior participação no governo.
(e) Americanização significa ajudar o estrangeiro a adquirir um padrão de vida americano e uma lealdade
americana.
(f) Americanização significa dar ao imigrante o melhor que a América tem para oferecer e dar aos americanos o
melhor do imigrante.
(g) Americanização é o ramo da ciência social que lida com a assimilação e fusão de diversas raças na
igualdade como uma parte integrante da vida nacional americana.
(h) Americanização é a união dos americanos novos e nativos na mais plena compreensão e apreciação comum
para garantir por meio da autonomia o maior bem-estar de todos.
(i) Americanização significa "formar a mais perfeita União, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade
doméstica, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral e assegurar as bênçãos da liberdade". (Tradução
nossa)
61
“[...] melhores condições que marcam o emprego americano moderno e a extensão da organização do
trabalho muito contribuem para promover a americanização.” (Tradução nossa).
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seja, quanto mais aperfeiçoada a condição de vida nos EUA, mais se concretizará o processo
de americanização e mais próximo, embora nunca totalmente alcançado, estar-se-á do
americanismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da publicação da peça The Melting Pot à Primeira Guerra Mundial, o movimento de
americanização deu saltos importantes na tarefa de se criar nos EUA uma identidade nacional
que congregasse a todos. Mais que uma metanóia, a americanização entre os ianques foi o
amálgama que proporcionou a constituição de uma nação, fazendo com que a União fosse
sentida em toda a parte. Para que o amor à pátria fosse difundido era preciso que, antes, ela
fosse compreendida. Por isso, a escola foi um dos principais lugares de difusão do
americanismo, i.e., dos valores mais fundamentais dos EUA. Americanismo é, pois, a
essência metafísica do projeto civilizatório dos EUA fundada naquele arsenal cotiledôneo
instituído por Thomas Jefferson. A americanização é a efetivação do ideal americano no real
da história. O americanismo sem americanização é apenas uma realidade hiperurânica, ou seja,
que existe apenas no plano ideal; a americanização sem o americanismo é uma ação
infundada, sem referência e sem sentido.
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University of Southern California Press, 1920.
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TALBOT, Winthrop (Comp.). Americanization. 2. ed. New York: The H. W. Wilson
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Anais... São Paulo: ANPUH, 2011.
ZANGWILL, Israel. The melting-pot. New York: The Macmillan Company, 1909.
THE MELTING POT: AMERICANIZATION IN THE UNITED STATES
BETWEEN 1908 AND THE FIRST WORLD WAR
Abstract: This poster is part of the research program: Americanism, Work and Educationand
is linked to the research line: Science, Technology and Work: philosophical, historical and
sociological approaches of the postgraduate program - Master of Technological Education at
Federal Center of Technology Education of Minas Gerais. The research interest is to
understand the Americanization movement in the U.S. in the early twentieth century, as
happened and why happened. From the possible answers, knowing that the school was an
important civilizing instrument, think of the process of Americanization outside the U.S.,
especially its influences in Brazil resulting from Taylorism and Fordism and its relations with
the Professional Education in the 1940s. This poster is content, however, to think the
Americanization movement in the U.S. through the metaphor of The Melting Pot.
Keywords: Americanization, United States, The Melting Pot.
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