1 Ensino de ortografia: Concepção e prática docente Renata Felix Cavalcanti1 Silvania Maria Araújo da Silva2 Kátia Leal Reis de Melo3 Resumo O presente estudo procurou compreender as relações discurso e prática docente no que se refere ao ensino de ortografia. Partindo do pressuposto que a ortografia é um conteúdo específico e pode ser trabalhado de forma sistemática e reflexiva, não se resumindo apenas aos processos de memorização, uma vez que, pesquisas atuais mostram que sua aprendizagem pode ocorrer de forma reflexiva. É nosso interesse entender até que ponto as professoras têm se apropriado desse discurso e como ele vem sendo abordado em sala de aula. A partir das entrevistas e observações percebemos que a ortografia não está sendo tratada como objeto de conhecimento, por não a entenderem como conteúdo específico e desconhecerem sua organização. Palavras-chaves: ortografia – ensino-aprendizagem – concepções Ortography teaching: Conception and teaching approaches. ABSTRACT: This present study tried to understand the teachers approaches in the field of orthography teaching. Assuming that the orthography is a specific subject and it can be worked in a systematic and reflexive way, but not being summarizing only to the memorization ways, once that current researches show that their learning can be developed in a reflexive way. Our aim is to understand the extent to which teachers are bound with this speech and how they have been using it in classrooms. From the interviews and observations done we realized that the orthography hasn’t been developed as an object of knowledge , because some don’t recognize and understand it as a specific subject and ignore its organization. 1 Concluinte do curso de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected] 2 Concluinte do curso de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. [email protected] 3 Professora do Departamento Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de Educação – UFPE. [email protected] 2 Introdução O interesse para pesquisarmos o referido tema, em nosso trabalho de conclusão de curso, surgiu de observações realizadas em escolas públicas, no âmbito das disciplinas de Pesquisa e Prática Pedagógica (PPP) - componente curricular obrigatório do curso de Pedagogia da UFPE. Através dessa experiência, tivemos contato com a prática de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental I. Nosso interesse é decorrente também de inquietações advindas das nossas memórias escolares, quando a ortografia nos foi ensinada apenas através de memorização, e a aprendizagem implicava em decorar regras e exceções. Percebemos que nas aulas de Língua Portuguesa, a ortografia recebe tratamento secundário com relação aos demais eixos, como: a oralidade, a leitura e a produção de textos. Verificamos que o ensino das convenções ortográficas se dá de forma assistemática e mecânica não possibilitando ao aluno refletir sobre a língua escrita. A aprendizagem ocorre pela memorização das regras e exceções e/ou da escrita das palavras, e não por meio de uma aprendizagem sistemática, pautada na compreensão. De acordo com Morais (2003, p.73), “mesmo que a norma ortográfica seja uma convenção social, aprender ortografia não é um processo passivo no qual há o armazenamento na memória de formas corretas”. Cotidianamente a sociedade e a escola cobram das pessoas obediência às normas da língua escrita culta. Entretanto, a exigência da escrita ortograficamente correta nem sempre é acompanhada de esclarecimentos sobre os motivos que justifiquem o uso da língua segundo esses padrões. Ela é ensinada de forma descontextualizada, sem que o aluno reflita e faça inferências sobre o que está sendo internalizado. Morais (2003) afirma que a ortografia é tratada mais como tema de verificação que como ensino sistemático. Dessa forma, não é vista como conteúdo a ser planejado e ensinado sistematicamente, e sim como instrumento de verificação para o professor saber se o aluno escreve de forma correta. Tais constatações levam ao seguinte questionamento: até que ponto as práticas vivenciadas nas salas de aula têm favorecido um ensino sistemático e reflexivo da ortografia? Teberosky e Colomer (2003, p.78) defendem que “o 3 professor tem a responsabilidade de organizar atividades nas quais se descobre um jogo de participação ativo, rico em relações sociais”. Essa tarefa não é simples, devido ao processo histórico que envolve o ensinoaprendizagem das normas ortográficas, mas é um conteúdo como os demais e precisa ser ensinado de forma reflexiva e sistemática. Inclusive os Parâmetros Curriculares Nacionais para Língua Portuguesa o propõe. A definição de metas e a criação de estratégias por parte do professor permitirão ao aluno agir como sujeito no processo de construção do conhecimento. Diante de tais afirmações, a questão central emerge: qual a relação entre as concepções do professor e sua prática no que se refere à seleção e tratamento dos conteúdos ortográficos? Para isso, levantamos a hipótese de que, mesmo complexo, o ensino de ortografia depende de como o professor a concebe, ou seja, ele parte de sua visão do que seja ortografia, de como ela funciona e de como se dá sua aprendizagem. Se ele acredita que ocorre pela memorização, sua proposta pedagógica terá como base essa prática. Por esta razão nosso objetivo geral é compreender as relações entre as concepções dos professores e sua prática no que se refere ao ensino de ortografia, mais especificamente, conhecer as concepções dos professores sobre o ensino de ortografia, analisar as relações discurso/prática e identificar como são selecionados e trabalhados os conteúdos ortográficos. Nessa perspectiva, o presente estudo busca contribuir com as discussões e reflexões sobre o ensino de ortografia, abrindo espaço para que se possa pensar em formas dinâmicas e eficazes de ensino e na participação do aluno enquanto sujeito ativo da própria aprendizagem e não apenas um memorizador de regras e exceções. Ortografia como objeto de conhecimento Comumente as pessoas são cobradas, dentro e fora do âmbito escolar, a obedecerem às normas ortográficas. Estas normas acabam servindo também como instrumento de discriminação e exclusão social, pois aqueles que não as seguem são vistos como “ignorantes” e “sem educação”. Entretanto, ao mesmo tempo em que se exige o uso dessas normas, a maior parte das pessoas 4 desconhece a ortografia enquanto objeto de conhecimento específico, que se constitui em um dos eixos da língua escrita, e ainda acreditam que a mesma é desnecessária. Tal visão defende que a existência da mesma serve apenas para complicar as atividades de escrita. Isto reflete o conceito equivocado e o desconhecimento que se tem da funcionalidade e organização da ortografia. Considerando a morfologia da palavra ortografia tem-se o significado de escrita correta, ou seja, a ortografia é o estudo da escrita correta. Segundo Morais (2003), ortografia é uma convenção social, cuja finalidade é auxiliar a comunicação escrita. É através da ortografia que são estabelecidos parâmetros para a escrita das palavras, pois de outra forma seria impossível compreender ou se fazer compreender pela escrita, se cada um escrevesse conforme sua época, cultura ou herança sócio-cultural. Assim a comunicação escrita se tornaria muito difícil e complexa para o leitor, pois ainda conforme Morais (2003, pág.19), “na hora de escrever se não houvesse ortografia cada um registraria seu modo de falar. E os leitores de suas mensagens sofreriam muito, tendo que “decifrar” a intenção do autor”. Fica evidente que, ao contrário do que comumente se pensa, a ortografia é de grande relevância para a comunicação social, visto que surgiu devido a uma necessidade real da sociedade em se fazer compreender através da escrita. Logo, como defende Morais (2003), a ortografia também não é algo sem sentido e que nasceu por acaso, visto que ela possui como funcionalidade a unificação na linguagem escrita das diferentes formas de falar de uma mesma língua, cabendo a escola assumir o seu ensino. Uma outra idéia que se tem de ortografia diz respeito às inúmeras regras, que se pensa só serviriam para decorar. Contudo, a ortografia é algo que vai além das regras e exceções, e mesmo as regras que realmente fazem parte da ortografia não implicam, necessariamente, apenas em memorização. Pois, como veremos mais adiante, há casos em que é preciso memorizar, mas também existem casos que permitem a criação de situações que levem o aluno a refletir e construir os princípios geradores da escrita das palavras uma vez que a ortografia está organizada em torno das regularidades e irregularidades. As regularidades fazem parte dos aspectos ortográficos que podem e devem ser refletidos e compreendidos. A partir das regularidades: 5 ... Podemos prever a forma correta sem nunca ter visto a palavra antes. Inferimos a forma correta porque um há “principio gerativo”, uma regra que se aplica a várias (ou todas) as palavras da língua nas quais aparece a dificuldade em questão. É por exemplo, o que ocorre com o emprego de R ou RR em palavras como “honra” e “cachorro”. (MORAIS, 2003, p.28). Além das relações existentes entre os sons e as letras há três tipos diferentes de regularidades: diretas, contextuais e morfológico-gramaticais. As regularidades denominadas “diretas” são aquelas, nas quais cada som é representado por apenas uma letra não havendo competição entre letras diferentes, como é o caso do P, B, V, T, D e F como, por exemplo: em palavras como “Vaca”, “Toca” ou “Dona” que só podem ser representadas por essas letras. Nas regularidades contextuais, a relação letra-som é relativa, visto que é o contexto no qual o som aparece dentro da palavra que vai determinar a letra ou o dígrafo a ser usado. Nesses casos é possível escrever uma palavra ortograficamente correta sem que se faça necessário a memorização. Dentre os diversos casos de regularidades contextuais estão o uso do G ou GU em palavras como “gato” e “guitarra”, o uso do C ou QU, representando o som do /k/, em palavras como “capítulo” e “quilômetro”. E por fim, temos as regularidades morfológico-gramaticais, nestas a compreensão das regras fazem com que os indivíduos grafem as palavras de forma segura, ao perceber que existe algo constante na grafia de palavras semelhantes como no caso dos adjetivos que indicam os lugares onde as pessoas nasceram. Exemplos de regularidades morfológico-gramaticais podem ser vistos nas grafias das palavras “chatice”, “burrice”, “partisse” e ”fugisse”. Quanto as irregularidades, não há como compreendê-las, pois não existem regras que as determinem e, em sendo assim, a memorização é o caminho para escrever as palavras de forma correta. Esse caso é o mais difícil para a aprendizagem da língua escrita. Aqui, não há qualquer princípio fônico que possa guiar quem escreve na opção entre as letras concorrentes. Nesses casos, a única maneira de descobrir a letra que representa dado som numa palavra na língua escrita é guardando-as na memória. Nada mais lógico pode ser feito, em termos da representação dos fatos fonéticos da língua. (LEMLE, 1991, p.23). 6 Ao conhecer a organização, explicitada acima, pode-se perceber que em ortografia há muito mais casos a serem compreendidos do que a serem decorados, por isso ortografia pode e deve ser um conteúdo tão funcional e significativo quanto a própria leitura e produção de texto. Assim como as leis constitucionais, que também são convenções sociais e sofrem mudanças, as normas ortográficas também estão sujeitas à modificações que podem ocorrer com o passar dos tempos. Basta observarmos a escrita de textos antigos para que se percebam as mudanças que a escrita das palavras sofreram. A partir de 2008, a ortografia sofrerá mais modificações, fazendo com que algumas palavras tenham sua escrita alterada. Isso se deve a decisão de unificar a ortografia dos países que fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Ensino e aprendizagem da ortografia Quando se apropria do sistema alfabético, a criança percebe que é possível escrever o que se fala, porém se depara com outra situação: não poder escrever as palavras da mesma forma que as oraliza. Nesse momento o professor tem papel fundamental na introdução desses conceitos. É preciso que o conteúdo de ortografia seja trabalhado de forma sistemática desde as séries iniciais a partir do momento em que o aluno se apropria do sistema alfabético. O contato com a ortografia deve promover a reflexão desde cedo sobre os casos de regularidades e irregularidades do português como também sobre a importância da escrita ortograficamente correta para garantir a compreensão de textos escritos. Para Melo e Rego (1998) na maioria das vezes o professor em sua prática pedagógica utiliza a ortografia como objeto de verificação e não como conteúdo que pode e deve ser trabalhado sistematicamente, recorrendo então a práticas tradicionais de ensino com o uso de ditados, cópias exaustivas ou exercícios de treino ortográfico, comuns nos livros didáticos e realizados de forma mecânica, tendo como objetivo verificar se o aluno escreveu “certo” ou 7 “errado” as palavras. A escolha dessas atividades favorece apenas a memorização de grafias corretas em detrimento de momentos de reflexão sobre a língua escrita. Nessas atividades, a criança não é solicitada a pensar o porquê de a grafia correta ser diferente da grafia que ela tinha escolhido para escrever as palavras. E o pior é que na maioria das vezes a criança tem uma hipótese lógica para escrever diferentemente da forma convencional. Dessa forma seria necessário refletir sobre tal hipótese. (LEAL e ROAZZI, 2005, p.100). A aprendizagem da ortografia não pode se restringir às cópias e repetições, sem que haja espaço para que o aluno faça questionamentos como: por que se escreve essa palavra de tal forma e não de outra? Por que usamos essas letras e não outras? Por que não podemos escrever da forma que falamos? Essas e outras questões que povoam a cabeça dos alunos nos momentos de aprendizagem servem de instrumento para o professor e possibilitam ao aluno levantar hipóteses sobre o que está aprendendo, atuando como sujeito ativo na construção do conhecimento. Para Silva e Morais (2005, p.61) “a escola tem papel essencial no que refere a ensinar os alunos a “escrever certo”...”. Por isso deve-se buscar um ensino sistemático para que os alunos se apropriem das normas, possibilitando aos mesmos a oportunidade de escrever corretamente a partir da compreensão da ortografia. Dessa forma, escrever corretamente deixa de ser um ato de repetição e passa a ser um momento de reflexão sobre a língua, sobre o que se está escrevendo, Morais (2005) aponta que, o ensino da ortografia não evolui porque as escolas continuam sem definir metas para o ensino. Os professores estão mais preocupados em verificar a escrita de seus alunos que ensinar de forma sistemática e reflexiva. A proposta de ensino oferecida não possibilita ao aluno a construção da compreensão das regras, por acreditar que a ortografia se aprende exclusivamente memorizando, deixando de lado o trabalho de compreensão e reflexão. Segundo Guimarães e Roazzi (2005, p.74) “A escola precisa provocar nos sujeitos uma reflexão sobre a língua... Enfim a escola 8 pode ser vista como um lugar de reflexão e conscientização, onde o aluno precisa aprender a falar e pensar sobre a sua língua”. Para a efetivação de um ensino sistemático da ortografia o professor precisa está atento e valer-se da organização da norma para planejar o ensino e selecionar atividades adequadas a cada caso, sejam de regularidades ou irregularidades. Por não considerá-la, muitos docentes sentem dificuldades de sistematizar os conteúdos ortográficos e, por isso, suas práticas ocorrem de forma descontextualizada sem ajudar o aluno a aprender compreendendo. É necessário reconhecer a ortografia como um objeto de conhecimento a ser explorado pelo professor e pelo aprendiz. Conforme Morais (2003, p.19), “a norma ortográfica de nossa língua contém tanto aspectos regulares, isto é, que são determinados por certas regras e podem ser aprendidos pela compreensão, como irregularidades, que temos que memorizar”. Portanto, o ensino das normas ortográficas não precisa e não pode se restringir ao ato de memorização. Há casos que é preciso memorizar, mas na maior parte se podem criar situações que levem os alunos a refletir sobre a escrita das palavras. Como nos mostra Morais. A “disputa” entre o R e o RR é bom exemplo do que estamos agora tratando. Em função do contexto em que aparece a relação letra-som, poderemos sempre gerar grafias corretas sem precisar memorizar. Para o som do “R forte”, usamos o R tanto no início da palavra (por exemplo, “risada”), como no começo das sílabas precedidas de consoante (por exemplo, “genro”) ou no final de sílabas (“porta”). Quando o mesmo som de “R forte” aparece entre vogais, sabemos que temos que usar RR (como em “carro” e “serrote”). E quando queremos registrar outro som do R, que alguns chamam “brando” (é que certas crianças chamam tremido), usamos um só R como em “careca” e “braço”. (2003, p.30) Segundo Melo (2005) para uma sistematização do ensino da ortografia o professor precisa ter claro o que o aluno pode compreender e o que ele deve memorizar. Precisa saber que conhecimento informal seus alunos têm sobre a norma, quais as fontes de dificuldades deles para, a partir disso, organizar o ensino. Ou seja, elaborar seqüências didáticas que ajudem o aluno a superar suas dificuldades em ortografia, atividades que permitam ao aluno fazer inferências sobre o que está sendo aprendido, possibilitando-os a descoberta e 9 construção do princípio gerativo. Tal princípio possibilita ao aluno escrever até palavras desconhecidas ou pouco comuns. Além disso, o professor deve lançar desafios que levem os alunos a discutir e refletir sobre a língua escrita, ajudando-os a levantar hipóteses sobre o que é “certo” ou “errado” quando se escreve, criando situações de cooperação e interação entre os alunos realizando atividades em grupo ou duplas. Nesses momentos o professor deve assumir seu papel de mediador na construção do conhecimento ortográfico. É preciso que se perceba a busca consciente que a criança realiza ao tentar atingir a escrita ortográfica, e que pensar sobre ortografia faz com que ela adote estratégias gerativas, que resolvem o problema de opção ortográfica não apenas para umas palavras, mas para um conjunto de palavras com características similares. (LEAL E ROAZZI, 2005, p.119). Quanto às irregularidades, podemos tomar como exemplo o emprego do S, X, e C, que em alguns casos tem a mesma pauta sonora, como em “cidade”, “sinal” e “auxílio”. Isto torna necessária a memorização da escrita dessas palavras, pois para elas não existem regras. Cabe ao professor desenvolver estratégias que ajudem as crianças a memorizar palavras significativas para elas, levando-os a entender que existem casos que não podem ser compreendidos, para os quais não existem regras. Assim, é preciso promover o contato dos alunos com ferramentas e instrumentos de consultas, que possibilitem a verificação de grafias corretas, como é caso do dicionário. Morais, Leite e Silva (2005), defendem que o dicionário deve estar à disposição dos alunos em sala de aula desde a educação infantil, para que elas possam se aproximar e se familiarizar paulatinamente com esse tipo de material escrito favorecendo a compreensão de sua função social. Portanto, o professor precisa ter bem definido o que pode ser compreendido e o que precisa ser decorado dentro da convenção ortográfica, distinguir o que é regular e irregular. No trabalho com a ortografia na sala de aula, há uma preocupação dos professores em evitar os erros dos alunos, como se estes não fizessem parte da construção do conhecimento, não percebendo assim que o “erro” pode significar oportunidade de discutir e refletir sobre a norma. Na maioria das vezes não ocorre nenhuma discussão sobre os possíveis erros ou acertos dos 10 alunos. A isto, Morais (2003) prefere não denominar de ensino, visto que não se cria nenhuma estratégia de reflexão que auxilie os alunos a avançarem, e não se tem preocupação em entender a lógica usada ao escrever determinada palavra. Os erros revelam as dificuldades e as soluções criadas pelos alunos para escrever palavras com cujas grafias não estão familiarizados e podem funcionar como pistas para intervenções didáticas diferenciadas que levem os alunos a refletir sobre as convenções ortográficas. (REGO, 2005, p. 31) Outro ponto que merece destaque é o fato de que existe uma lógica na escrita “errada” das crianças. Elas demonstram tanto aquilo que não sabem quanto o que já sabem sobre a norma ortográfica. Por isso, “É de fundamental importância que o professor saiba diagnosticar e avaliar as falhas de escrita cometidas por seus alunos, aproveitando-as como evidência do patamar de saber já atingido e do ainda por atingir”. (LEMLE, 1991 p.42). Logo, os erros são pistas para o professor planejar e ajudar os alunos a superar suas dificuldades. A partir desse diagnóstico, eles podem desenvolver atividades que os ajudem a superar dificuldades com autonomia. O aluno precisa de ajuda para inferir sobre o sentido das normas ortográficas. É preciso respeitar o tempo de cada aluno no processo de construção do conhecimento e para isso, o professor deve conhecer a turma com que trabalha, escolhendo o melhor momento para introduzir determinados conceitos. O confronto do “certo” com o “errado” é fundamental, pois a partir dele o professor pode definir estratégias usando o erro como objeto de estudo e discussão e ajustando as atividades às necessidades dos alunos. De acordo com o PCN (2000 pág. 84) “a aprendizagem da ortografia não é um processo passivo: trata-se de uma construção individual, para a qual a intervenção pedagógica tem muito a contribuir”. Diante disso, cabe aos professores avaliar suas práticas e mudar o seu olhar com relação à aprendizagem da ortografia, promovendo um ensino sistemático com a participação ativa dos alunos. Do contrário, continuarão contribuindo com o descaso dado a esse conteúdo e com situações corretamente. de discriminação contra aqueles que não escrevem 11 Metodologia Nossa pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem qualitativa por proporcionar uma interpretação contextualizada da realidade observada, e ainda porque a mesma se caracteriza pela busca por compreensão. De acordo com Chizzotti, (1998, p.79), “a pesquisa qualitativa dedica-se à análise dos significados que os indivíduos dão às suas ações, à compreensão do sentido dos atos e decisões dos atores sociais... a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito...”. A nossa pesquisa foi ancorada na tipologia descritiva, visto que busca estabelecer relações entre as variáveis, pretendendo também identificar a natureza que permeia essa relação. A pesquisa descritiva se caracteriza pelo seu objetivo principal: “a descrição dos fatos tal qual eles se encontram e também descobrir e observar os fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los, analisá-los e interpretá-los, sem que o pesquisador faça qualquer transferência”. Leão (2006, p.32). Para atingir os objetivos propostos por esse trabalho, realizamos entrevistas semi-estruturadas e observações de aulas cujo conteúdo trabalhado foi ortografia, o que está descrito adiante. A escolha por estes procedimentos foi feita por acreditarmos que os mesmos são instrumentos para compreendermos o que os professores têm pensado sobre o conteúdo de ortografia e todo o processo de ensino-aprendizagem que o envolve, bem como, conhecer de que instrumentos o professor se utiliza para o ensino, se há planejamento, se existe um momento reservado para explorar o conteúdo, entre outras questões que nos ajudariam a alcançar os objetivos desta pesquisa. Para Ludker e André (1986), as observações e descrições desenvolvidas nas pesquisas de caráter qualitativo devem priorizar os propósitos específicos do estudo em questão, mesmo que o observador inicie sua coleta numa perspectiva de totalidade. Iniciamos a nossa pesquisa a partir do estudo bibliográfico a respeito da ortografia enquanto conteúdo e a organização da mesma, além disso, se fez necessário o estudo sobre os discursos atuais acerca do processo de ensinoaprendizagem envolvendo este conteúdo. 12 Descrição dos procedimentos metodológicos adotados Entrevistas Foram entrevistadas seis professoras da rede municipal de ensino do Recife, atuantes nas séries iniciais do Ensino Fundamental, sendo quatro professoras do 2º ano do 2º ciclo e, duas do 1º ano do 2º ciclo. Dentre as entrevistadas cinco tinham mais de quinze anos de magistério e apenas uma estava atuando a pelo menos três anos. Todas as docentes responderam a uma entrevista semi-estruturada com quatorze questões, que envolviam situações de conhecimentos sobre o conteúdo ortografia, quanto ao ensino e procedimentos metodológicos. No momento da entrevista, as professoras respondiam aos questionamentos previamente elaborados, porém com flexibilidade para fazer outras colocações que achassem pertinentes para esclarecimento e compreensão. O roteiro da entrevista tinha o objetivo de identificar as concepções das entrevistadas sobre o conteúdo, bem como que conhecimentos as mesmas possuíam sobre a organização da norma. As demais questões trataram de conhecimentos mais específicos, a fim de possibilitar uma abordagem mais detalhada das entrevistadas em relação aos procedimentos metodológicos, tratamento do conteúdo, processo de ensino-aprendizagem e avaliação. Dentre as perguntas, foram apresentadas questões que faziam as entrevistadas se colocarem sobre o planejamento e as metas a serem alcançadas, como também sobre a escolha dos recursos didáticos utilizados nas aulas. Estas questões tiveram como objetivo identificar as prioridades no momento de organizar o ensino do conteúdo de ortografia. As entrevistas foram realizadas individualmente com as professoras que ensinavam nas escolas, sendo gravadas e transcritas na íntegra. A partir da transcrição das entrevistas foram geradas tabelas de categorias para interpretação e análise dos dados. 13 Observações A fim de conhecermos as práticas docentes em sala de aula, realizamos a observação de duas aulas, cujo conteúdo trabalhado foi ortografia. Tais observações tinham por finalidade a coleta de dados que nos possibilitassem identificar as relações estabelecidas entre as práticas e os discursos docentes. O critério de escolha das professoras se deu a partir das respostas dadas na entrevista. Escolhemos aquelas professoras que afirmaram planejar o ensino de ortografia e ter dias específicos na semana para trabalhar o conteúdo, pois só assim conseguiríamos alcançar nosso foco. O objetivo da observação foi entender a relação discurso prática das docentes, assim como, acompanhar a dinâmica da aula e do processo de ensino-aprendizagem da norma ortográfica. A observação possibilitou identificar se as práticas realizadas pelas docentes estavam condizentes com as concepções expostas nas entrevistas. Fizemos duas observações, uma com cada professora, ambas em turmas do segundo ano do segundo ciclo. Cada observação teve a duração de uma aula, acontecendo uma no primeiro turno e a outra no segundo, totalizando cinco horas. Utilizamos como instrumento de coleta de dados o registro escrito, no qual descrevemos a ação dos sujeitos e as atividades realizadas, assim como o registro das falas dos professores e alunos, coletado através da gravação da aula. A idéia inicial era observar uma seqüência didática, em que o conteúdo de ortografia fosse trabalhado, possibilitando o acompanhamento e uma análise mais consistente do processo de ensino-aprendizagem. Porém não foi possível, pois as escolas estavam em processo de eleição para gestor, e as professoras escolhidas para as observações estavam participando dos debates. Todo esse processo dificultou as observações, restando apenas uma única aula a ser observada. Após a coleta dos dados, realizamos a transcrição do material gravado. A análise dos dados coletados nas entrevistas e observações foi orientada pelas bases teóricas que estruturaram nosso referencial teórico e estão descritas adiante. 14 Dados analisados Relação discurso / prática. Sobre a relevância do conteúdo. Nas entrevistas as docentes colocaram que consideram o estudo das normas ortográficas como algo importante, devido à necessidade dos alunos escreverem corretamente. “Ele tem que aprender a escrever corretamente”. “É pela necessidade mesmo”. “O estudo da ortografia vai orientar pra que ele não cometa tantos erros”. “Por que é super importante a pessoa escrever correto”. “A escrita e a ortografia... é prioridade numa turma de quarta série”. Mas, mesmo diante do posicionamento das professoras ao afirmarem que a ortografia é importante, reconhecendo que a mesma possui um papel social, a maioria afirmou não trabalhar a mesma como um conteúdo específico, pois não determinam dias para o seu ensino, nem o planejam. Contrapondo-se a Morais. Deixar de ensinar ortografia também me parece uma opção ingênua, com sérias implicações sociais e políticas... Penso que, ao negligenciar sua tarefa de ensinar ortografia, a escola contribui para a manutenção das diferenças sociais, já que ajuda a preservar a distinção entre bons e maus usuários da língua escrita. (2003, p. 24). Sendo assim, a ortografia não é ensinada de forma sistemática e reflexiva, impossibilitando que o aluno se aproprie das convenções ortográficas a partir de sua compreensão e entendimento de como a mesma está organizada, não se detendo apenas a memorização da escrita das palavras. Algumas docentes afirmaram trabalhar o conteúdo ortográfico todas as vezes que surge uma palavra que os alunos não conhecem, seja em qual for a disciplina, como fica evidente nestas falas de duas professoras, quando questionadas sobre a freqüência com que ensinam ortografia: “Geralmente, todos os dias, né? Mesmo assim, que eu não faça diretamente uma atividade de ortografia, mas eu trabalho. Eu tô trabalhando ciências, então aparece uma palavra e vejo que eles estão errando muito, então eu aproveito, e mais na 15 frente eu trabalho aquele erro.”, “Eu trabalho todos os dias... hoje é aula de Ciências aí eu vou ter o momento, as palavras que eles não conheciam que foram ditas hoje”. Vimos também, através das observações, que nestes momentos o trabalho com ortografia tem se reduzido a um recurso de correção da escrita errada, “Eu faço um trabalho assim de correção, começo o ditado, faço com ele a escrita da palavra... eu mostro pra ele onde está errado... leia comigo e mostre onde foi que errou...”. Afirmações como estas evidenciam que o trabalho com ortografia tem se caracterizado pela falta de sistematização e sequenciação do ensino, pois se espera que os alunos apresentem erros na grafia das palavras, para então, trabalhar ortografia, porém se resumindo, muitas vezes, a verificação da escrita realizada pelo aluno. Há correção, mas não há reflexão sobre o que está sendo corrigido. Deste modo, deixa-se de dar ao conteúdo ortográfico a devida importância que ele tem, uma vez que se tratar de uma convenção necessária para compreender e ser compreendido na comunicação escrita. Estudiosos afirmam ser relevante que a escola proporcione as crianças momentos para suas próprias descobertas, entretanto, é preciso sistematizá-las e fazer com que as crianças pensem sobre o que escrevem. Contudo, através das observações vimos que “... as palavras são ditadas, corrigidas e não há nenhuma discussão sobre por que as palavras são escritas de um modo e não de outro”. (SILVA E MORAIS, 2005, p. 65). As professoras demonstraram confundir o conteúdo de ortografia com outros eixos da Língua Portuguesa, como: gramática e apropriação do sistema de escrita alfabética, bem como respondeu uma docente quando perguntada sobre o que ensinar em ortografia, “de início eu ensino os padrões silábicos, eu começo com eles”. Em uma das aulas observadas a professora iniciou as atividades com um jogo que trabalhava a construção de palavras a partir das sílabas, o que em nossa opinião é um excelente recurso para trabalhar ortografia, porém no decorrer da mesma a professora pediu que os alunos dissessem o feminino, o masculino e o plural de palavras ditas por elas, analisassem frases para dizer o sujeito e o adjetivo e conjugassem verbos, “lembra que vocês viram verbo a semana toda? Heim? Em português? Vamos lá. Você conjugue o verbo falar no presente do indicativo. Falar. Todo mundo 16 ouvindo, prestem atenção”. “Desde o momento que eu trabalho uma leitura a gente tá trabalhando ortografia” A prática apresentada pelas duas docentes durante as observações, evidencia que as mesmas entendem ortografia como língua portuguesa no geral. Essa concepção também pôde ser percebida nas entrevistas das demais professoras. Sendo assim, foi possível entendermos que as docentes consideram a ortografia como um elemento importante, contudo, em sua maioria, não desenvolvem um trabalho onde o ensino de ortografia seja sistemático, no qual a mesma seja adotada como conteúdo específico. Sobre a aprendizagem ortográfica na perspectiva docente. Acreditamos numa perspectiva de ensino da ortografia na qual a escola assuma seu papel como responsável por criar situações didáticas que favoreça aos alunos momentos de reflexão na aprendizagem da língua escrita, partindo da compreensão de suas normas e funcionalidade, conforme coloca Silva e Morais, (p. 62, 2005) “a escola deve ensinar ortografia, mas tratando-a como um objeto de reflexão”. Contudo, para que isso seja possível é necessário que o professor tenha conhecimento à cerca de como pode se dar a aprendizagem das normas ortográficas, tendo claro o que se propõe ensinar em ortografia e de como a mesma está organizada. Um dos aspectos que se confirmou em nossa pesquisa é que as professoras apesar de terem afirmado que o conteúdo de ortografia pode ser refletido, pois quando questionadas se na aprendizagem da ortografia há momentos para reflexão, todas responderam positivamente, como podemos verificar na fala de uma das docentes, “com certeza, com certeza”, “há reflexão, todo ensino tem reflexão, se não fica só na memorização”. Porém durante as aulas que observamos não ocorreu qualquer espaço para que os alunos refletissem, discutissem ou construíssem hipóteses sobre a escrita ortograficamente correta das palavras. Assim, se observa que não há uma relação entre o discurso e a prática. No momento das observações pudemos analisar como as professoras se comportam diante dos erros na escrita dos alunos, vimos que quando os 17 mesmos erravam a professora chamava-o para corrigir. Está correção era feita sem reflexão, em nenhum momento se perguntou por que o aluno escreveu de tal forma. Não havia qualquer intenção de compreender o porquê do aluno ter errado na escrita daquela palavra, qual foi o raciocínio usado por ele, qual a lógica para tal escrita. Pois, conforme coloca Leal e Roazzi (2005), é preciso que o professor procure entender que raciocínio, que tática o aluno utilizou para escrever determinada palavra convencionalmente errada. Ainda de acordo com Rego (2005), o professor precisar trabalhar a partir das hipóteses construídas pelos alunos na hora da escrita “errada” das palavras, esse momento o ajudará a perceber a situação do aluno com relação ao conteúdo de ortografia, favorecendo ao docente organizar o ensino a partir dos erros mais recorrentes. Como ressaltar os autores. Nesta perspectiva, o erro muda completamente de significado. Os erros de grafia e suas formas de análise tornam-se ferramentas privilegiadas que o professor tem à disposição para compreender e conhecer não apenas as estratégias com que a criança enfrenta os diferentes tipos de tarefas de escrita... O erro deixa de ser visto como algo que precisa ser rapidamente superado e passa a ser visto pelo professor como uma fonte importante de conhecimento dos processos de aquisição da língua escrita. (LEAL E ROAZZI, 2005, p. 100). A correção coletiva da atividade proposta por uma das professoras observadas não favorecia espaço para discussão. A correção se resumia a escrita correta da palavra que o aluno inicialmente escreveu errado. “isso aqui é o quê? MATOU, MA? aqui tem MA?... conserte. PATOU foi ótimo. Aqui é “É” ou “E”? “E” (aluna). Soletre aqui a palavra zoológico. Z-o-o-l-o-g-i-c-o (aluna). Qual a sílaba que tem acento? Zoo-LÓ-gi-co (a professora cantando a palavra). Ló (aluna)”. “Compreensão”. Antes de P e B se escreve? “M” (aluna). Compreensão com “S” e dois “E”. Observe a escrita, “com-pre-en-são”. “Co-ração”, não é “co-ra-çao”, é com “Ç” e “ÃO”. Aqui, a palavra é “estava”? “Estava”, não é “tava”. Com a segunda professora até que houve uma proposta de discussão, porém a mesma ocorreu em torno das perguntas que a professora fez com relação ao texto, questões referentes a interpretação e não a ortografia. Nas 18 duas aulas observadas percebemos a ausência de reflexão, discussão e construção da consciência sobre as normas ortográficas. As professoras demonstram ignorar que na aprendizagem da ortografia é necessário tomar como ponto de partida a forma como a mesma está organizada, Conforme coloca uma das professoras, “em casos de regras eles (os alunos) memorizam”. Esta afirmação revela o desconhecimento em torno da organização e do processo de aprendizagem da ortografia, se contrapondo a Morais (2003), pois o mesmo afirma que na organização da ortografia existem casos que realmente precisam ser memorizados, as irregularidades, pois não existem regras para os mesmos. Para isso cabe a nós memorizar aquelas palavras mais freqüentes do nosso vocabulário e quando isso não for possível utilizar os materiais de consulta como o dicionário. Mas, no caso das regularidades pode-se criar momentos de reflexão e sistematização para aprendizagem dos mesmos. Nesse caso os alunos podem e devem ser levados a refletir e compreender o que será internalizado. Sobre o planejamento e a organização do ensino. Nas entrevistas apenas as duas professoras selecionadas para observação afirmaram ter dias específicos para ensinar ortografia, entretanto, estas demonstraram não ter clareza a respeito do que ensinar no conteúdo de ortografia. Pois, durante as observações verificamos que o conteúdo foi trabalhado de forma descontextualizada, sem sistematização, não havia relação entre as atividades propostas. Grande parte das professoras entrevistadas relatou que ensinam ortografia quando trabalham com produção textual, a partir do texto. No entanto durante as observações verificamos que o trabalho com ortografia a partir da produção textual dos alunos limita-se a verificação dos erros ortográficos dos mesmos. Como podemos perceber na fala de uma das docentes, “Vamos fazer a correção, vai ser assim, se você achar que a palavra tá certa você coloca um “C”, se estiver errada coloca um “E”, pra depois a gente vê quantas acertou, aí vai escrever comigo. Atenção, não escreve nem apaga as palavras, ok?”. Sendo assim, o trabalho com ortografia na sala de aula se restringe a estas atividades, e a consulta aos dicionários, quando os mesmos servem 19 apenas para verificar o significado das palavras não conhecidas pelos alunos. Estas atividades não favoreceram nenhum momento de reflexão. Contrapondose a Silva e Morais (2005, p.67), ao afirmarem que em ortografia “é necessário construirmos situações em que os estudantes sejam solicitados a pensar, a refletir, discutir e a explicitar o que sabem sobre a ortografia de sua língua. E, com isso, tomar consciência das regularidades da norma ortográfica”. Percebemos nas entrevistas que a produção textual a qual as professoras se referem muitas vezes é o ditado, citado por todas as docentes como uma atividade eficaz para aprendizagem da ortografia. Todas as docentes colocaram em suas falas que têm feito pesquisas para coletar um material mais rico, para trabalhar o conteúdo ortográfico, não se limitando apenas ao livro didático. Observamos que as professoras utilizam materiais interessantes e diversificados como: textos e jogos, o que é importante para tornar as aulas dinâmicas e participativas. Entretanto, mesmo se utilizando de diversos suportes didáticos para tornar as aulas mais atrativas para os alunos, acreditamos que ainda falta uma proposta de sistematização e definição de metas para ensinar o conteúdo de ortografia. “Saber aonde se deseja chegar, quer em ortografia quer em outros domínios do conhecimento, parece-nos um principio fundamental para organização de qualquer processo de ensino”. (MORAIS, 2005, p. 46). Acreditamos que essa situação pode ocorrer devido as docentes não terem passado por uma formação que possibilitasse uma compreensão de que é possível trabalhar o conteúdo de ortografia de forma sistemática e reflexiva. O momento delas como alunas na aprendizagem desse conteúdo também pode ter influenciado na forma como as docentes realizam esse trabalho, pois elas podem ter internalizado a proposta de aprendizagem das normas ortográficas como estas lhes foram ensinadas. Outro ponto relevante pode ser a falta de formação continuada abordando o ensino do conteúdo de ortografia para as séries iniciais. Como pudemos perceber com as professoras entrevistadas, cinco delas afirmaram ter mais de quinze anos de magistério. Isso pode ser uma dos motivos que tenha favorecido o trabalho assistemático com ortografia. 20 Sobre a avaliação da aprendizagem ortográfica. Um ponto a ser ressaltado diz respeito ao processo avaliativo. No que se refere a este aspecto as professoras entrevistadas afirmaram fazer a avaliação da aprendizagem ortográfica de seus alunos a partir da produção textual e da reescrita dos textos. Contudo, percebemos que o ato que ocorre nesses momentos tem sido apenas o de verificar se a forma como a palavra foi escrita pelo aluno está certa ou errada, não se avalia o que em ortografia o aluno já sabe, para então estabelecer metas considerando o que ele ainda precisa aprender, como por exemplo: que regularidades ele já compreende? Qual não compreende? Quais irregularidades ele já conhece e memorizou? Assim como em Morais (2005, p. 59), ”defendemos que para superar o velho ensino de ortografia limitado à verificação do que os alunos já sabem, é necessário mapear o que eles já aprenderam e o que ainda precisam ser ajudados a internalizar de nossa norma”. Foi possível perceber também que no momento de avaliar a aprendizagem ortográfica dos alunos, são considerados muito mais os erros em detrimento dos acertos, ou seja, só se fala sobre as normas ortográficas que regem a escrita de determinada palavra se esta for desobedecida pela maioria dos alunos. Mesmo assim, isso ocorre de forma solta, o erro acaba apenas sendo detectado, porém não desencadeia momentos de discussão e reflexão acerca da grafia da palavra utilizada pelos mesmos. Desta forma, as docentes afirmaram nas entrevistas, que esperam os erros ortográficos ocorrerem para só então, ensinar sobre a escrita das palavras. Isto pode ser evidenciado na fala de uma das professoras: “... faço ditado na sala, aí eu peço pra que eles troquem o material. Aí então, um vai corrigir o erro do outro, né? Aí, eu coloco no quadro, aí um vai corrigir o erro do outro”. Essa visão confirma a idéia de autores mencionados em nosso referencial teórico de que há professores que dão mais ênfase a verificação da escrita ortograficamente correta que ao ensino da mesma de maneira sistemática e reflexiva. Isto demonstra que avaliação em ortografia na sala de aula tem sido desenvolvida mais numa perspectiva de verificação que de diagnóstico do desenvolvimento do processo de aprendizagem dos alunos. Estas perspectivas evidenciam que a avaliação da aprendizagem ortográfica 21 não acontece para saber que conhecimentos o aluno já construiu sobre a norma, mas tem servido apenas como instrumento de verificação da escrita e cobrança para saber se o aluno sabe ou não escrever corretamente. Considerações finais Esse estudo teve como principal objetivo compreender as relações entre as concepções dos professores e sua prática relativa ao ensino das normas ortográficas. No processo de construção do mesmo foram realizados estudos bibliográficos sobre a ortografia no que se refere a sua organização, ensino e aprendizagem, entrevistas com seis docentes que atuam em turmas de primeiro e segundo ano do segundo ciclo, em escolas da rede municipal do Recife, das quais foram selecionadas duas para as observações. As observações aconteceram em aulas que o conteúdo trabalhado foi ortografia, uma aula com cada docente. No intuito de atender aos objetivos propostos procedemos à análise dos dados com base no nosso estudo bibliográfico. Nossa hipótese de que, mesmo complexo o ensino da ortografia depende de como o professor a tem compreendido, se confirmou à medida que as entrevistas e observações revelaram que o desconhecimento das docentes sobre a organização das normas ortográficas, bem como a ausência de sua compreensão de que a ortografia é um conteúdo especifico, se refletiu em suas práticas. Portanto, nos propomos entender até que ponto os materiais e estudos atuais que trazem uma proposta construtivista de ensino-aprendizagem das normas ortográfica, a partir da sistematização, reflexão e compreensão do conteúdo enquanto objeto de conhecimento, já estão sendo apropriados pelos professores e como estas concepções permeiam suas práticas. Pois, durante a coleta de dados quando as docentes falaram sobre suas concepções a respeito do ensino-aprendizagem da norma, as mesmas em alguns momentos demonstraram ter noção da importância de se trabalhar ortografia, porém em outros momentos demonstram não ter uma concepção bem estabelecida por desconhecerem alguns aspectos fundamentais como a própria organização da norma ortográfica. 22 Acreditamos que é fundamental no momento de ensinar ortografia, que o docente tenha bem definido o porquê e como trabalhar as convenções ortográficas. Como observa Morais (2003, p.23) “Assim como não se espera que um indivíduo descubra sozinho as leis de trânsito - outro tipo de convenção social -, não há por que esperar que nossos alunos descubram sozinhos a escrita correta das palavras.” Logo, não podemos aceitar que a aprendizagem das normas ortográficas se dê de forma espontaneísta, sem propor ao educando uma aprendizagem sistemática, que possibilite reflexão, sendo o mesmo solicitado a pensar sobre a língua escrita, atuando como sujeito na construção do conhecimento. Deste modo, o objetivo maior do nosso trabalho não foi constatar se as docentes que participaram desta pesquisa estão certas ou erradas em sua prática no momento de trabalhar o conteúdo de ortografia, até mesmo por acreditarmos que o universo investigado foi muito resumido diante da ampla rede municipal de ensino da cidade do Recife, sendo assim, consideramos necessário a realização de novas pesquisas que contemplem uma quantidade maior de sujeitos em suas práticas docentes, para um diagnóstico mais amplo sobre os processos de ensino-aprendizagem da norma ortografia. Diante do exposto, este trabalho nos trouxe novos horizontes para realização de outras pesquisas. No intuito de contribuir com a discussão do cenário atual e provocar mudanças efetivas no ensino da ortografia, para isso acreditamos ser de extrema relevância responder algumas questões. O que falta para que os professores das séries iniciais trabalhem ortografia como a mesma é proposta pelos estudiosos da área? Será que o problema está na formação inicial ou na falta de formação continuada? Será a falta de materiais atualizados que permitam ao docente um estudo mais direcionado que favoreça outro posicionamento como relação ao conteúdo? Seria o livro didático que não tem ajudado o professor como deveria? Ou seria uma concepção construída ao longo de uma história como educando, quando o conteúdo lhe foi ensinado a partir da memorização e repetição apenas? Vale ressaltar que, como mencionado em nosso referencial teórico, a ortografia é uma convenção social que surgiu devido a uma necessidade da sociedade de melhorar a comunicação escrita. Desta forma, a ortografia tem uma função social, pois auxilia os indivíduos no entendimento do que foi 23 escrito, não permitindo que as particularidades da língua oral de cada região, por exemplo, seja transferida para a linguagem escrita, pois a ortografia estabelece parâmetros no momento que o sujeito está escrevendo. Não acreditamos que seria fácil se cada um escrevesse tal qual fala como defende o texto abaixo, porque muito do que se escreve deixaria de ser compreendido, ou no mínimo precisaria de muita paciência, esforço e bom senso do leitor para compreender o que se quis dizer ao escrever. Pois é. U purtuguêis é muito fáciu di aprender, purqui é uma língua qui a genti iscrevi ixatamenti cumu si fala. Num é cumu inglêis qui dá até vontadi di ri quandu a genti discobri cumu é qui si iscrevi algumas palavras. Im purtuguêis não. É só prestátenção. U alemão pur exemplu. Qué coisa mais doida? Num bate nada cum nada. Até nu espanhol qui é parecidu, si iscrevi muito difenrenti. Qui bom qui a minha língua é u purtuguêis. Quem soubé fala sabi iscrevê. (JÔ SOARES). Referências bibliográficas BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 1998. 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