1 UNIVERSIDADE PAULISTA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA DO TRÂNSITO RACHEL FERNANDA GUARIENTI ACESSO A MATERIAL DE USO RESTRITO DO PSICÓLOGO ANTES DO PROCESSO DE OBTENÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO EM CANDIDATOS APROVADOS NO EXAME PSICOLÓGICO REALIZADO NA REGIÃO EXTREMO OESTE DE SANTA CATARINA MACEIÓ - AL 2013 2 RACHEL FERNANDA GUARIENTI ACESSO A MATERIAL DE USO RESTRITO DO PSICÓLOGO ANTES DO PROCESSO DE OBTENÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO EM CANDIDATOS APROVADOS NO EXAME PSICOLÓGICO REALIZADO NA REGIÃO EXTREMO OESTE DE SANTA CATARINA. Monografia apresentada à Universidade Paulista/UNIP, como parte dos requisitos necessários para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicologia do Trânsito. Orientador: Prof. Dr. Manoel Ferreira do Nascimento Filho MACEIÓ - AL 2013 3 RACHEL FERNANDA GUARIENTI ACESSO A MATERIAL DE USO RESTRITO DO PSICÓLOGO ANTES DO PROCESSO DE OBTENÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO EM CANDIDATOS APROVADOS NO EXAME PSICOLÓGICO REALIZADO NA REGIÃO EXTREMO OESTE DE SANTA CATARINA. Monografia apresentada à Universidade Paulista/UNIP, como parte dos requisitos necessários para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicologia do Trânsito. APROVADO EM ____/____/____ _________________________________________ PROF. DR. MANOEL FERREIRA DO NASCIMENTO FILHO ORIENTADOR _________________________________________ PROF. DR. LIÉRCIO PINHEIRO DE ARAÚJO BANCA EXAMINADORA _________________________________________ PROF. FRANKLIN BARBOSA BEZERRA BANCA EXAMINADORA 4 “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Carl Jung 5 RESUMO Os testes psicológicos constituem uma ferramentaimportante utilizada pelos psicólogos para auxiliar na compreensão do comportamento humano e suas funções mentais. A avaliação é parte integrante de um processo para motoristas que requerem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou a mudança de categoria. Os teste são de acesso restrito aos psicólogos, sendo esta uma medida que visa garantir a validade e confiabilidade dos mesmos, além de ser uma forma de impedir a falsificação das respostasfornecidas pelos candidatos. Este estudo teve como objetivo verificar o índice de candidatos que tiveram acesso a material de uso restrito antes do processo de avaliação psicológica para obtenção da CNH na região do Extremo Oeste de Santa Catarina,em decorrência de registros de acesso de pessoas não autorizadas a estematerial. Outros objetivos do estudo foram identificar a fonte de fornecimento do material e se o material fornecido foi o mesmo que o usado pelo psicólogo no momento da avaliação psicológica. Os dados foram coletados durante 15 dias do mês de outubro de 2012 no DETRAN de São Miguel do Oeste, através da aplicação de um questionário. Entre os 139 sujeitos que participaram do estudo respondendo o questionário, 92 afirmaram o acesso ao material da avaliação antes de realizaram o teste, e apenas 47responderam não teremprévio conhecimento do conteúdo da avaliação. Os candidatos que participaram do estudo realizaram a avaliação psicológica em seis diferentes municípios da Região Oeste Catarinense, sendo que em todas as cidades os candidatos foram instruídos sobre como proceder na avaliação. A fonte de fornecimento do material foram outras psicólogas, em 38% dos casos e as autoescolas em 62% dos registros. Em relação ao tipo de material fornecido, 77 candidatos afirmam que o material acessado foi o mesmo que o usado na avaliação feita pelo psicólogo, enquanto 15 indivíduos acessaram material diferente do usado no teste. O resultado deste estudo é muito preocupante, por mostrar falhas de fiscalização por parte do Conselho Federal de Psicologia, a quebra do código de ética por profissionais psicólogos ea aprovação de candidatos inaptos para conduzir veículos, o queprovoca a baixa na credibilidade das avaliações psicológicas e do trabalho dos psicólogos. Palavras-chave: Avaliação psicológica. Material de acesso restrito.Trânsito. 6 ABSTRACT A psychological assessment is a tool used by psychologists that assists in understanding human behavior and mental functions. The assessment is part of a process for drivers who require Driver's License or change of category. Access to these tests is restricted to psychologists, this being a measure to ensure the validity and reliability of the tests, besides being a way to prevent counterfeiting of the answers provided by the candidates. This study aimed to determine the rate of candidates who had access to restricted materials before the process of obtaining a psychological evaluation for CNH in the Far West region of Santa Catarina, due to records access of unauthorized persons to this materials. Other objectives of the study were to identify the source of supply of the materials and the delivery was the same as that used by the psychologist at the time of psychological assessment. Data were collected for 15 days in October 2012 in DETRAN Sao Miguel do Oeste, through a questionnaire. Among the 139 subjects who participated in the study by answering the questionnaire, 92 said access to material evaluation conducted before the test, and only 47 reported not having prior knowledge of the content of the assessment. Candidates who participated in the study underwent a psychological evaluation in six different cities in the West Region of Santa Catarina, and in all towns candidates were instructed on how to proceed in the evaluation. The power supply of the materials were other psychologists, in 38% of cases and the schools in 62% of records. Regarding the type of materials supplied to claim 77 candidates was accessed material the same as that used in the evaluation by psychologist, while 15 individuals accessed different materials used in the test. The result of this study is very worrying because it shows supervision failures by the Federal Council of Psychology, breaking the code of ethics for professional psychologists and approval of candidates unfit to drive, resulting in the low credibility of psychological assessments and the work of psychologists. Keywords: Psychological assessment. Materials restricted. Transit. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 2 Mapa de Santa Catarina com a região Oeste ampliada, destacando através de marcadores a localização dos municípios em que candidatos a obtenção de CNH realizaram a avaliação psicológica e participaram do estudo respondendo o questionário………………......................................................... 21 Candidatos por cidade que participaram do estudo 23 respondendo o questionário……………………………................. Acesso ao material restrito……………………………................... 25 Gráfico 3 Candidatos por cidade que tiveram ou não acesso ao material Mapa 1 Gráfico 1 restrito.......................................................................................... Gráfico 4 Gráfico 5 Gráfico 6 Gráfico 7 26 Fornecedores de material sobre avaliações psicológicas para 27 candidatos a CNH ……………………………………...............….. Fornecedores de material de acesso restrito para candidatos a 28 CNH por cidade…………………………………………………...… Material fornecido e o usado na avaliação psicológica foi o mesmo?....................................................................................... 31 Quantidade de candidatos que tiveram acesso ao mesmo 32 material que o usado na avaliação psicológica….................…… 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 9 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.............................................................................. 11 2.1 História da Avaliação Psicológica no Mundo................................................ 11 2.2 História da Avaliação Psicológica do Trânsito no Brasil............................. 14 2.3 Validação da Avaliação Psicológica............................................................... 15 2.4 Importância da Avaliação Psicológica para Obtenção da CNH................... 17 2.5 Uso Privativo das Avaliações Psicológicas................................................... 18 3 MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................. 20 3.1 Ética .................................................................................................................. 20 3.2 Tipo de Pesquisa ............................................................................................. 20 3.3 Universo ........................................................................................................... 20 3.4 Sujeito e Amostra............................................................................................. 21 3.5 Instrumento de Coleta de dados..................................................................... 21 3.6 Procedimentos para Coleta de dados ........................................................... 21 3.7 Procedimentos para Análise de dados .......................................................... 22 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................................... 23 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 33 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 34 APÊNDICE......................................................................................................... 38 ANEXO .............................................................................................................. 39 9 1 INTRODUÇÃO A testagem psicológica é um instrumento da Psicologia que tem por objetivo avaliar características e habilidades dos indivíduos a partir dos escores fornecidos no processo de testagem. Com estas informações, o psicólogo pode monitorar, orientar e encaminhar ações e intervenções de acordo com a necessidade. Para que o processo de avaliação tenha êxito e atinja o objetivo, o responsável em aplicar as avaliações deve ser uma pessoa preparada para interpretar e manejar os resultados, principalmente para preservar a integridadedo avaliado. No contexto do trânsito, a avaliação psicológica é parte integrante de um processo para que os candidatos obtenham a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou para aqueles que desejam mudar de categoria, sendo esta uma exigência do Código Brasileiro de Trânsito. A testagem psicológica, parte integrante do processo de avaliação psicológica, constitui um instrumento fundamental para determinar se o candidato está apto ou não para conduzir um veículo, garantindo a própria segurança e a dos demais envolvidos no trânsito. O Conselho Federal de Psicologia instituiu que os testes psicológicos devem ser de acesso e uso exclusivo de psicólogos. É necessário destacar a importância do uso privativo destes testes por constituírem uma ferramenta indispensável no processo de avaliação psicológica, pois o conhecimento prévio do material compromete o processo de avaliação e torna os escores fornecidos pelos avaliados nulos. Em decorrência de registros de acesso de pessoas não autorizadas ao material de uso exclusivo de psicólogos, constatado inclusive pela pesquisadora em sua rotina de trabalho como psicóloga credenciada no DETRAN, este estudo teve como objetivo verificar o índice de candidatos que tiveram acesso a material de uso restrito antes do processo de avaliação psicológica para obtenção da CNH na região do Extremo Oeste de Santa Catarina. Este estudo apuroutambém,entre os candidatos que tiveram acesso a este material, quantos tiveram acesso ao material efetivamente usado na testagem; identificando a fonte de informação do material de uso restrito e analisandoa impacto do conhecimento prévio do material de testagem no trabalho do psicólogo. Estes dados foram coletados através da aplicação de um questionário nos candidatos a CNH quando estes se dirigiam até o DETRAN no município de São Miguel do Oeste, para realizar a prova de conhecimento 10 obrigatória para a obtenção da habilitação. Desta forma, os candidatos que integraram o estudo foram selecionadosao acaso, ou seja, não foram previamente escolhidos nem informados da coleta de dados. 11 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 História da Avaliação Psicológica no Mundo A história humana está repleta de códigos de conduta por meio dos quais as pessoas e a sociedade julgam o comportamento dos seus semelhantes, (PASQUALI, 2003) buscando organizar a vida dos cidadãos e procurando estabelecer e diferenciar comportamentos adequados ou inadequados (MARIUZA e GARCIA, 2010). O ser humano avalia esses valores pessoais ou impostos pela sociedade, sempre com a suposição de que respeito e conformidade com tais valores é algo positivo, sendo sua violação algo errado e condenável e que portanto, deve ser reparado e tratado (PASQUALI, 2003) Os instrumentos psicológicos ou avaliaçõesrepresentam um procedimento científico e sistemático onde qualquer organismo, biológico ou social, pode ser avaliado em diferentes situações em que precisa tomar decisões que garantam a sobrevivência do próprio organismo, bem como seu autodesenvolvimento. (PASQUALI, 2003) Por intermédio da avaliação, espera-se que o material do teste se apresente como uma “tela”, onde o sujeito “projeta” os conteúdos latentes de sua subjetividade, na maioria das vezes, inconscientes. Acredita-se quede acordo com as respostas fornecidas pelo avaliado, quanto mais desestruturado ou ambíguo o estímulo, menores serão as possibilidades de reações defensivas (TORRES, 2010). A origem das avaliações psicológicos atuais pode ser traçada desde o interesse dos estudiosos com a questão do número, a partir da Idade Média, tendo continuidade nos psicólogos do fim do século XIX na Alemanha, Inglaterra, França e Estados Unidos,(PASQUALI, 2003)onde estes profissionais exerciam intensa atividade nas áreas de aconselhamento vocacional e na seleção de pessoal para a indústria e para as forças armadas,contribuindo significativamente para impulsionar a aplicação dos testes de aptidões diferenciais (TORRES, 2010). Os testes psicológicos que surgiram entre o final do século XIX e o início do século XX representam o período de surgimento e maior desenvolvimento da psicometria (PASQUALI, 2003). A psicometria representa uma extensão da psicologia, podendo ser definida como uma maneira de medir o comportamento do organismo por meio de processos mentais, ou seja, a lei do julgamento comparativo 12 (PASQUALI, 2008).Os precursores da psicometria eram por formação estatísticos, sendo a estatística decisiva na elaboração da psicometria, pois era entendido que por intermédio dela se podiam avaliar adequadamente as diferenças individuais, objeto específico de qualquer avaliação (PASQUALI, 2003). No século XIXtambém foi registrado o interesse pela classificação, tratamento e treinamento das pessoas mentalmente retardadas e insanas, sendo necessário para tanto, a adoção de critérios para identificar esses casos (ANASTASI; URBINA, 2000). A psicometria preocupou-se com a questão de como identificar o nível de retardo mental, para posteriormente, fornecer um tratamento mais humano a ser dado a essas pessoas, que eram separadas por retardos mentais mais ou menos graves (PASQUALI, 2003). A história da avaliação psicológica tem sido dominada por alguns psicólogos expoentes em diferentes épocas (PASQUALI, 2003).O biólogo inglês Francis Galton foi um dos primeiros pesquisadores a testar a inteligência humana, em meados de 1880 (DAVIDOFF, 2001). Seus trabalhos visavam à avaliação das aptidões humanas por meio da medida sensorial, pois conforme ele, toda informação do homem chega pelos sentidos, e quanto melhor o estado destes, melhores seriam as operações intelectuais (PASQUALI, 2003). Pelo fato de as medições sensório-motor não apresentarem uma boa correlação com resultados de outros testes, como notas escolares, este método acabou sendo abandonado por um determinado período (DAVIDOFF, 2001). A primeira medição prática da inteligência foi criada por Alfred Binet, psicólogo francês da década de 1900. Binet e seus colaboradores tinham como parâmetros para medir a inteligência habilidades cognitivas como a duração da atenção, memória, julgamentos estéticos e morais, pensamento lógico e compreensão de sentenças (DAVIDOFF, 2001). Em uma década em que predominaram os interessesda avaliação das aptidões humanas visandoà predição na área acadêmica ena área da saúde, este pesquisador criouexercícios para avaliar o desenvolvimentomental de crianças (PASQUALI, 2003), atribuindo após um teste individual, um nível ou idade mental conforme as respostas concedidas. Entretanto, o próprio Binet considerava seus testes imperfeitos, acreditando que as tarefas das avaliações não eram importantes, que seria mais necessário identificar alunos com necessidades educacionais similares, sem atribuir números aos examinados para descrever seu desempenho. (DAVIDOFF, 2001). 13 Outro importante pesquisador que auxiliou no desenvolvimento das avaliações psicológicas foi Lewis Terman. Ele fez uma ampla revisão do teste de Binet, que depois de reformulado, ficou conhecido como Escala Stanford-Binet. Terman também adotou o termo quociente de inteligência ou QI, desenvolvido por cientistas alemães, que se baseia no uso de um número para descrever o desempenho relativo em um teste, sendo o resultado obtido comparado entre indivíduos da mesma idade. Sendo que, as idéias de Terman referentes aos testes psicológicos, foram amplamente utilizadas no mundo todo, pois em um sentido prático, o modelo funcionava, atribuindo um número à inteligência que parecia razoável, além da facilidade da computação dos resultados (DAVIDOFF, 2001). Com o impacto da Primeira Guerra Mundial, vários psicólogos tais como Yerkes, Thorndike, Seashore, Angell, entre outros, desenvolveram diversos testes de seleção parasoldadosdevido a imposição da necessidade de seleção rápida, eficiente e universal de recrutas para o exército (PASQUALI, 2003). A Primeira Guerra Mundial, além de impulsionar a criação de novas avaliações, também influenciou na implantação da testagem em grupo, que até então, era aplicada individualmente. Quando os Estados Unidos entraram na guerra em 1917, necessitavam selecionar um milhão e meio de recrutas em relação ao nível intelectual (ANASTASI; URBINA, 2000), necessitando uma triagem psicológica para empregados em perspectiva, alguns dos quais seriam designados para operações secretas e outros para o enfadonho serviço de escritório (CRONBACH, 1996). Sob a influência desta situação,foi desenvolvido o primeiro teste de inteligência para aplicação em grupo. Os testes desenvolvidos pelo exército ficaram conhecidos como Army Alpha e Army Beta. O primeiro era planejado para testagem geral de rotinae o segundo era uma escala não-verbal empregada com analfabetos e recrutas estrangeiros que não podiam fazer um teste em inglês (ANASTASI; URBINA, 2000). As contribuições desses autores são exemplos da relação indissociável entre o estabelecimento da Psicologia como ciência e profissão,criação de testeseoutros procedimentos de avaliação psicológica. O desenvolvimento da avaliação psicológica sempre foi um empreendimento cientificamente fundamentado e com a evolução dos conhecimentos nesta área, a Psicologia e o psicólogo passaram a ser identificados com a atividade da avaliação psicológica, do psicodiagnóstico e da 14 construção e validação de testes, instrumentos e procedimentos para esses fins (TAVARES, 2010). 2.2 História da Avaliação Psicológica do Trânsito no Brasil No Brasil, o desenvolvimento da psicologia está associado a sistematização de conhecimentos sobre processose experimentos psicológicos básicos para a verificação de estágios de desenvolvimento e aprendizagem humana (ALCHIERI; CRUZ; 2003). O início da psicologia do trânsito no Brasil, que acompanhou a tendências mundiais, pode ser identificada pela emergência da instalação das vias férreas com a necessidade de selecionar maquinistas responsáveis pela condução das locomotivas e como uma forma de diminuir acidentes de trânsito envolvendo automóveis (RUEDA, 2011). O uso de avaliações psicológicas em motoristas foi uma estratégia utilizada no Brasil para restringir o acesso de pessoas propensas a se envolver com acidentes de trânsito por estarem conduzindo algum veículo. O marco inicial desta atividade no âmbito rodoviário foi o Decreto-lei n° 9.545, de 5 de agosto de 1946, em vigor em 1951, que caracterizou o exame psicotécnico para a aquisição da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), sendo aplicado àcritério de uma junta médica e sem caráter eliminatório (SILVA E ALCHIERI, 2010). O Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), em 1951, começou a examinar candidatos para obtenção da CNH através de entrevistas, provas de aptidão e personalidade (ALCHIERI; CRUZ; 2003). Algumas características-alvo aserem observadas nos motoristas estavam determinadas, mas ainda não estavam estabelecidos critérios de comportamento para que estes pudessem ser considerados aptos ou não para conduzir um veículo. (ALCHIERI; STROEHER, 2002).Mesmo assim, em 1962, o Conselho Nacional do Trânsito (CONTRAN) estendeu o exame psicotécnico a todos os candidatos que desejavam obter a CNH do país (ALCHIERI; CRUZ; 2003). Por falta de definição dos indicadores que deviam ser avaliados, havia uma grande preocupação sobre qual teste seria o mais adequado. Os primeiros exames psicológicos eram constituídos de uma entrevista, provas de aptidão com avaliação da atenção difusa, o uso do tacodômetro para medir a capacidade de avaliar distâncias, a inibição retroativa para avaliar a capacidade de adaptações a novas 15 condições de direção de veículos, capacidade visão noturna ou ofuscamento e o volante dinamógrafo, que media a força muscular dos braços. E, os exames psicológicos para condutores de veículos no Brasil foram regulamentados em 1966, quando as avaliações psicológicas foram re-examinadas, definidas e dirigidas para avaliações de personalidade, que passaram a ser mais perceptivas, avaliando o nível mental, a personalidade e coordenação bimanual (ALCHIERI; STROEHER, 2002). A instituição do Código de Trânsito Brasileiro, por meio da Lei n° 9.503 de 23 de setembro de 1951, que passou a vigorar em 22 de janeiro de 1998, tinha como foco principal atingir o comportamento dos motoristas (TONGLET, 2007).Com a grande expansão econômica que ocorreu no Brasil em meados de 1957/1961, período que correspondeu com a industrialização pesada no país, articulada durante o governo Kubitschek com seu Plano de Metas,o número de automóveis em circulação teve grande acréscimo, juntamente com a quantidade de acidentes (BUENO, 2010).Como até então não existia uma legislação rigorosa ou formas eficazes de fiscalização, os condutores estavam acostumados com a impunidade no trânsito. Com a instituição desta nova lei, os condutores passaram a prestar atenção e respeitar a sinalização viária, pois o desrespeito as regras constitui uma infração, que é passível de penalidade (TONGLET, 2007). As avaliações psicológicas no Brasil são reguladas por resoluções do Denatran (Departamento Nacional do Trânsito), do CONTRAN (Conselho Nacional do Trânsito) e dos Detrans (Departamento Estadual do Trânsito). A avaliação psicológica é um pré-requisito obrigatório no país para quem deseja obter a CNH ou fazer mudança de categoria, entretanto, a forma e os testes utilizados variam de um estado brasileiro para outro (LAMOURIER; RUEDA, 2005). 2.3 Validação da Avaliação Psicológica A estruturação de uma avaliação psicológica é conduzidade acordo com os avanços metodológicos, tecnológicos e teóricos, com a qualificação e normatização dos instrumentos disponíveis, com a necessidade de contextualização dos resultados obtidos, com avalidade consequencial e clínica dos testes e com a relevância socialdas avaliações realizadas (REPOLD, 2011). O desenvolvido de uma avaliação também deve ser baseadaem princípios científicos, ou seja, é necessária 16 uma teoria organizadora, pois pressupõe-se que quanto mais elaborada a fundamentação teórica, maior será a probabilidade de o instrumento fornecer pontuações confiáveis (FERNANDES, 2008). As avaliações psicológicas padronizadas apresentam objetividade noprocesso da testagem, caráter de uniformidade de procedimentos na administração,avaliação e interpretação dos resultados, reduzindo assim, variáveis no resultado.Os testes psicológicos padronizados possuem requisitos como:fidedignidade e validade, que atestam sua qualidade técnico-científica e acontecem a partir de estudos realizadas com amostras brasileiras (MARIUZA; GARCIA, 2010). A utilização de avaliações psicológicas no Brasil somente é permitida se estas forem reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia. O reconhecimento destes testessegueregramentoestabelecido pela Resolução CFP nº 002/2003, que definee regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos.Os requisitos mínimos que os instrumentos devem possuir para serem reconhecidos como testes psicológicos e para que possam ser utilizados pelos profissionais da psicologia são os previstos nesta Resolução. No Art. 4, incisos I, II e III, estão especificadas algumas normas importantes: I- apresentação da fundamentação teórica do instrumento, com especial ênfase na definição do construto, sendo o instrumento descrito em seu aspecto constitutivo e operacional,incluindo a definição dos seus possíveis propósitos e os contextos principais para os quais ele foidesenvolvido; II- apresentação de evidências empíricas de validade e precisão das interpretações propostas para os escores do teste, justificando os procedimentos específicos adotados na investigação; III - apresentação de dados empíricos sobre as propriedades psicométricas dos itens do instrumento. Os critérios de verificação da qualidade dos instrumentos psicológicos operacionalizam princípiosconsensuais divulgados pela comunidade científica internacional sobreo que deve caracterizar um instrumental cientificamente fundamentado.Este procedimento informa os profissionais sobre a qualidade científicados instrumentos disponíveis. O uso competente dessas informações favorece a práticamais eficaz, pois reduz a possibilidade de erros decorrentes do uso detécnicas cuja adequação aos propósitos pretendidos não é conhecida(PRIMI, 2011). O Conselho Federal de Psicologia, por meio da Resolução CFP nº 002/2003, criou a Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica, formada por especialistas na 17 área da avaliação psicológica que é incumbida de analisar e emitir pareceres sobre os testes psicológicos encaminhados ao CFP, com base nos parâmetros definidos na resolução. O Conselho também criou o Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (SATEPSI) com a finalidade de divulgar informações atualizadas sobre as etapas de cada teste psicológico em análise e a relação de testes aprovados (ANACHE; CORRÊA, 2010). O SATEPSI é uma ferramenta que eleva a qualidade dos instrumentos de avaliaçãopsicológica utilizados pelos profissionais da área e prima pela atençãoaos Direitos Humanos, uma vez que baseia os critérios de avaliação daqualidade dos testes em estudos que comprovem seus fundamentos científicos (REPOLD, 2011). 2.4 Importância da Avaliação Psicológica para Obtenção da CNH Ao descumprir uma lei de trânsito, o indivíduo, além de praticar uma violação legal, pratica um atentado contra a cidadania. Ao adotar uma conduta que coloca em risco sua própria vida e a dos demais, o sujeito fortalece uma cultura oposta à preservação e respeito à vida (MARIUZA e GARCIA, 2010). Conforme Tonglet (2001): O indivíduo que exerce a função de motorista é antes de tudo um cidadão, portador de direitos e deveres, que estabelece diversos tipos de relacionamento em diversas esferas dentro do contexto do trânsito. Em primeiro lugar relaciona-se consigo mesmo através de seus pensamentos, emoções, juízos de valor, funções mentais e dentre elas, o raciocínio lógico e também a sua consciência que está ligada ao seu auto-conhecimento (…). Em segundo lugar, relaciona-se em movimento com outros participantes do trânsito, respeitando o espaço que cabe a cada um e buscando o objetivo que é o de alcançar o destino com segurança, evitando o envolvimento com acidentes. Em terceiro lugar, relaciona-se com as leis de trânsito, que são constituídas pelo conhecimento sobre a legislação e informações transmitidas pelas sinalizações (…). Em quarto lugar, estabelece uma relação com o veículo exercendo um domínio sobre os comandos, ao mesmo tempo em que avalia de maneira constante, as condições da via que está utilizando no momento do deslocamento. A avaliação psicológica é uma parte integrante do processo de formação do candidato a obtenção da CNH, quando suas funções mentais são revisadas (TONGLET, 2007). Através da avaliação realizada pelos psicólogos do trânsito, sãoavaliados sujeitos que se encontramem diferentes fases da vida, com diferentes características e culturas, valores próprios e introjetados.O profissional possui a 18 tarefa de contextualizar esta realidade, levando aindaem consideração o próprio ato de dirigir, o tipo de veículo, além de todas situaçõesexternas possíveis de serem consideradas neste candidato. Cabe também ao psicólogo, a responsabilidade em reconhecer no individuo suacapacidade de identificar os riscos e responder adequadamente as regras dalegislação de trânsito. (MARIUZA e GARCIA, 2010). A necessidade da aplicação de um teste de raciocínio lógico na avaliação psicológica é destacada pela importância de investigar se as operações lógicas do indivíduo estão sendo processadas de forma de adequada, extraindo da avaliação escores que indiquema capacidade do uso da lógica para dirigir de forma defensiva, respeitando as normas e trânsito e a habilidade do motorista emconduzir o veículo de forma adequada e segura (TONGLET, 2001). Desta forma, as avaliações psicológicas passam a ser consideradas não apenas do ponto de vista de seleção ou exclusão, mas como tarefas integrantes de um estágio preparatório na formação do condutor e parte de uma etapa preventiva na reciclagem de motoristas (TONGLET, 2007). 2.5 Uso Privativo das Avaliações Psicológicas As avaliações psicológicas são instrumentos técnicos e seu manejo é de uso exclusivo da profissão dos psicólogos, ou seja, os testes requerem uma série de regras para a sua aplicação, sendo necessário desta forma, pessoal treinado e conhecedor para aplicar, administrar e interpretar as avaliações (PASQUALI, 2003).A realização de avaliaçõespressupõe o domínio de teorias e o uso adequadode instrumentos de coleta de dados (NORONHA; FREITAS, 2005). De acordo com a resolução n.º 002/2003 do Conselho Federal dePsicologia, [...] os testes psicológicos são procedimentos sistemáticos de observação e registro de amostras de comportamentos e respostas de indivíduos com o objetivo de descrever e/ou mensurar características e processos psicológicos, compreendidostradicionalmente nas áreas emoção-afeto, cogniçãointeligência, motivação, personalidade, psicomotricidade, atenção, memória, percepção, dentre outras, nas suas mais diversas formas de expressão, segundo padrões definidos pela construção dos instrumentos. A necessidade de um examinador qualificado fica evidente em consequência de três aspectos principais das avaliações psicológicas, que variam de acordo com a situação: seleção do teste, aplicação e pontuação, e interpretação 19 dos escores (ANASTASI; URBINA, 2000).Nas mãos de pessoas com treinamento inadequado, os testes podem não atingir os objetivos esperados, pois o aplicador pode entender mal o que o teste está medindo e chegar a conclusões errôneas (CRONBACH, 1996).Para que o teste cumpra sua função, é essencial uma avaliação de seus méritos técnicos em termos de características como validade, fidedignidade, nível de dificuldade e normas. Sendo o uso inadequado ou interpretações errôneas dos testes psicológicos os tornam sem valor. As principais razões para restringir o uso dos testes são para garantir que o teste será aplicado por um examinador qualificado e para evitar uma familiaridade com o conteúdo do teste, o que o invalidaria. Portanto, o conteúdo dos testes deve ser restrito, a fim de impedir tentativas de falsificar escores (ANASTASI; URBINA, 2000). A formação em psicologia não habilita um psicólogo como um profissional capacitado para aplicar as avaliações psicológicas do trânsito. Para que um psicólogo seja credenciado para aplicar os testes em candidatos à obtenção da CNH, deve preencher alguns requisitos, tais como: ter no mínimo um ano de formado; estar com o registro de psicólogo atualizado no respectivo Conselho Regional de Psicologia; ter experiência de um ano na área de avaliação psicológica e ter noções básicas de metodologia de pesquisa na área. Os psicólogos já credenciados têm prazo de doisanos para a realização de um cursode capacitação para psicólogos responsáveis pelas avaliações psicológicas e como peritos examinadoresdo trânsito, além da necessidade de reciclarem-se periodicamente (DAMIAN, 2008). 20 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 – Ética A presente pesquisa segue as exigências éticas e científicas fundamentais conforme determina o Conselho Nacional de Saúde – CNS nº 196/96 do Decreto nº 93933 de 14 de janeiro de 1987 – a qual determina as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos: A identidade dos sujeitos da pesquisa segue preservada, conforme apregoa a Resolução 196/96 do CNS-MS, visto que, não foi necessário identificar-se ao responder o questionário. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 3.2 - Naturezas da Pesquisa Pesquisa de natureza Qualitativa, de caráter descritivo, com amostragem independente. Na concepção de Godoy (1995) a abordagem qualitativa enquanto um estudo voltado a pesquisa não indica uma proposta rígida estruturada, haja a possibilidade de haver permissão de que a imaginação e a criatividade conduzam os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques. 3.3 - Universo A área de abrangência do estudo está localizada na região Oeste de Santa Catarina. O questionário (Apêndice A) foi aplicado no DETRAN (Departamento Estadual de Trânsito) de São Miguel do Oeste, que atende as demais cidades desta região, sendo que os municípios que tiveram candidatos que responderam o questionário foram Dionísio Cerqueira, Itapiranga, Iporã do Oeste, Maravilha, Mondaíe São Miguel do Oeste, distribuídos conforme o Mapa 1. 21 Mapa 1: Mapa de Santa Catarina com a região Oeste ampliada, destacando através de marcadores a localização dos municípios em que candidatos a obtenção de CNH realizaram a avaliação psicológica e participaram do estudo respondendo o questionário. Municípios com candidatos a CNH que responderam o questionário Fontes: Martins (2009) e SINDIMOTOR (2004) 3.4 - Sujeitos da Amostra Participaram desta pesquisa os candidatos que realizavam a avaliação psicológica em seis diferentes municípios da Região Oeste Catarinense, sendo que em todas as cidades os candidatos foram instruídos sobre como proceder na avaliação. 3. 5 – Instrumentos de Coleta de Dados O instrumento utilizado foi um questionário com três questões objetivas, para facilitar e agilizar a coleta de dados (apêndice I). 3. 6 - Procedimentos para Coleta de Dados A coleta de dados foi realizada com a população de alunos candidatos a obtenção da CNH antes da realização da prova técnica de conhecimento específico do DETRAN, durante 15dias do mês de outubro de 2012. Em decorrência de alguns alunos realizarem a avaliação psicológica fora do município em que residem, nem 22 todas as cidades tiveram candidatos amostrados, enquanto outras, tiveram uma proporção maior de participantes no estudo. 3. 7 – Procedimentos para Análise dos Dados Os dados foram posteriormente tabulados em planilhas do Excel, para análise estatística, discussão e comparações com as informações retiradas da revisão bibliográfica. 23 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO O questionário foi aplicado em 139 candidatos que compareceram no DETRAN para realizar a prova de conhecimentos específicos aplicada por este órgão, durante os primeiros 15 dias do mês de outubrode 2012. Os participantes do estudo pertenciam a seis diferentes cidades do Oeste de Santa Catarina. O município que mais teve candidatos que responderam ao questionário foi São Miguel do Oeste, com 59 participantes, enquanto Iporã do Oeste teve apenas 10 participantes. O gráfico 1 detalha a quantidade de candidatos por cidade que participaram do estudo respondendo o questionário. Gráfico 1: Candidatos por cidade da Região Oeste de Santa Catarina que participaram do estudo respondendo ao questionário aplicado antes da prova de conhecimento específico do DETRAN. Fonte: Dados da Pesquisa. Santa Catarina/SC. 2012. Em Santa Catarina, para o exercício profissional do psicólogo na avaliação dascondições psicológicas para dirigir, existem duas modalidades de vínculos institucionais: uma formada por psicólogos policiais, que são funcionários públicos estaduais e a outra estabelecida por credenciamento de profissionais autônomos de psicologia. As atividades executadas são as mesmas, porém os psicólogos autônomos atuam em clínicas exclusivas, denominadas de Centro de Avaliação de Condutores (CAC), e os psicólogos policiais atuam nas Circunscrições Regionais de 24 Trânsito (CIRETRANs) (DAGOSTIN, 2006). No Oeste de Santa Catarina, região onde o estudo foi desenvolvido, os candidatos a CNH são atendidos por psicólogos autônomos credenciados ao DETRAN. O DETRAN, em Santa Catarina, possui um sistema concentrado de funcionamento, podendo atender junto a outras entidades. No Oeste do estado, o DETRAN atende junto a Delegacia Regional de São Miguel do Oeste, prestando serviços também para outras cidades da região que não possuem este órgão. A avaliação psicológica exigida para candidatos a CNH não está vinculada as autoescolas, mas estas encaminham os candidatos a uma psicóloga credenciada. Desta forma, nem sempre o postulante a CNH da região Oeste de Santa Catarina é encaminhado para efetuar a avaliação na cidade em que reside, mas realiza a prova de conhecimentos específicos do DETRAN na cidade de São Miguel do Oeste. A avaliação psicológica é uma atividade profissional que tem o poder de expor demasiadamente a intimidade de uma pessoa, conforme foi citado por Tavares (2010). Algumas situações socialmente delicadas envolvem importantes decisões sobre as pessoas e têm potencial de impedir a obtenção de bens que estasdesejam, como a busca por uma vaga de emprego em processos seletivos, o exame psicotécnico para obter permissão de dirigir e em alguns processos jurídicos. Nessas situações, o psicólogo realiza uma avaliação psicológica com auxílio de algum instrumento com a finalidade de auxiliar a compreensão do funcionamento psicológico da pessoa, para depois, emitir um parecer sobre o avaliado (PRIMI, 2011). A complexidade de algumas situações torna as avaliações suscetíveis a erros, com potencial para excessos, equívocos e danos por parte de profissionais, seja por falta de preparo ou interesses de pessoas, grupos ou organizações envolvidos nas avaliações (TAVARES 2010). Para não ferir os direitos do cidadão, é necessário que o profissional mantenha cuidados éticos e técnicos no que tange aos processos deavaliação e aos documentos deles decorrentes. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011) Apesar de todas as restrições de publicação impostas pelo CFP, com o intuito de preservar os direitos individuais, muitos testes utilizados em avaliações psicológicas chegam ao conhecimento de pessoas sem autorização de consultar o material antes da aplicação da avaliação. Isso foi constatado no questionário aplicado em postulantes a CNH da Região Oeste de Santa Catarina. Entre os 139 25 candidatos que participaram do estudo, 92 (66%) confirmaram ter tido algum contato com o material de acesso restrito antes de realizarem o exame psicotécnico, enquanto apenas 47 pessoas (34%) negaram prévio conhecimento da avaliação, conforme demonstra os resultados apresentados no gráfico 2. Gráfico 2: Porcentagem de candidatos a CNH que tiveram acesso a material restrito a psicólogos antes da avaliação psicológica na Região Oeste de Santa Catarina. Fonte: Dados da Pesquisa. Santa Catarina/SC. 2012. O acesso ao material das avaliações psicológicas na Região Oeste de Santa Catarina é uma prática difundida e antiga em grande parte das cidades. De acordo com o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (2012), a divulgação de testes psicológicos prejudica toda a categoria de psicólogos em um de seus mais importantes e eficazes instrumentos profissionais. A divulgação e o acesso a este material também gera dúvidas sobre a imagem social da psicologia, principalmente em relação à competência dos psicólogos, da eficácia e do diferencial de seus serviços em contraste com o senso comum. Em decorrência de a avaliação ser uma atividade profissional que tem o poder de expor demasiadamente a intimidade de uma pessoa e ameaçar seus direitos, o CFP regula e fiscaliza o exercício da profissão, além de esclarecer a sociedade sobre a natureza, o valor e a legitimidade de suas atividades (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2010). O gráfico 3 detalha a quantidade de candidatos da Região que tiveram acesso ao material de uso exclusivo de psicólogos antes de realizarem a avaliação psicológica para obterem a permissão de conduzir veículos. 26 Gráfico 3: Quantidade de candidatos por cidade da Região Oeste de Santa Catarina que tiveram acesso ou não ao material restrito a psicólogos antes da avaliação psicológica para obtenção da CNH. 38 Acessou material restrito Não acessou material restrito 23 21 18 10 9 7 0 Dionísio Cerqueira 1 Itapiranga 8 3 Iporã do Oeste 1 Maravilha Mondaí São Miguel do Oeste Fonte: Dados da Pesquisa. Santa Catarina/SC. 2012. Ao receber alguma instrução de como proceder em uma avaliação psicológica, o maior prejudicado pode ser o próprio candidato, pois nem todas orientações de respostas são válidas para todas as avaliações. Um problema ainda pior é que inúmeras vezes essas “orientações” contém erros graves. Dessa forma, não tem como distinguir em que medida as informações vão prejudicarao invés de ajudar (FAIAD; CUNHA; SANT´ANA, 2012). O Conselho Federal de Psicologia, por intermédio resoluções,instituiu que a avaliação psicológica deve seruma prática exclusiva do profissional de psicologia, sendo o acessoao material limitado. A edição, a distribuição e a comercialização dos testes psicológicos também é restrita e fiscalizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2010). Entretanto, este estudo revelou que a maioria dos candidatos a CNH tem acesso ao material da testagem psicológica antes de realizar a avaliação. De acordo com os resultados apresentados anteriormente (Gráfico 2), demonstrou-se que 66% tinham prévio conhecimento da avaliação. No entanto, verifica-se que o material pode ser fornecido aos alunos pelas auto-escolas e/ou por outra psicóloga, conforme fora constatado nesta pesquisa (Gráfico 4). 27 Gráfico 4: Fornecedores de material de uso restrito de psicólogos para candidatos a CNH antes da avaliação psicológica na Região Oeste de Santa Catarina. Fonte: Dados da Pesquisa. Santa Catarina/SC. 2012. Sendo que 38% dos candidatos a CNH afirmaram que tiveram acesso ao material da avaliação psicológica antes de realizarem o teste por intermédio de outra psicóloga. Esse registro é muito grave, pois a divulgação ou fornecimento do material de avaliações psicológicas caracteriza a quebra do código de ética deste profissional. Um profissional competente utilizará os testes de forma apropriada, com profissionalismoe respeito pela ética, dando a devida atenção às necessidades e direitos de todas aspartes envolvidas no processo de avaliação, às razões que determinaram a aplicaçãodos testes e ao contexto alargado em que a avaliação tem lugar (BARTRAM, 2000). De acordo com Bartram (2000), é de responsabilidade do psicólogo manter os materiais de teste em segurança e controlar o acesso aos mesmos, além de: - Respeitar os direitos de autor e de propriedade e os acordos existentes relativamente a qualquer teste, incluindo a proibição de reprodução ou de transmissão de materiais a terceiros, qualificados ou não, por viaeletrônica ou outra; - Proteger a integridade do teste, evitando que as pessoas se familiarizemantecipadamente com o respectivo material, ou com outros materiais de treino,de um modo que possa favorecer injustamente o seu desempenho no teste; 28 - Assegurar-se de que as técnicas de avaliação não são descritas publicamente,de um modo que possa pôr em causa a sua utilidade. Outro dado preocupante revelado pelo estudo foi o alto índice de material de avaliações psicológicas sendo fornecidas aos candidatos a CNH por auto-escolas. Em todas as cidades que tiveram postulantes a CNH participando do estudo, houve registros de casos de acesso ao material por intermédio das auto-escolas(Gráfico 5). Gráfico5: Quantidade de candidatos a CNH que tiveram contato com material de acesso restrito aos psicólogos antes da avaliação psicológica, fornecido por auto-escolas ou outra psicóloga, separados por cidade em que realizaram a avaliação psicológica no Oeste de Santa Catarina. Fonte: Dados da Pesquisa. Santa Catarina/SC. 2012. No momento da aplicação do questionário, a pesquisadora informou sobre as restrições de acessoas avaliações psicológicas, sendo que a maioria dos indivíduos mostrou-se surpresa, por não saberda restrição. As pesquisas sobre este tema são escassas no país, não havendo informações sobre o acesso dos candidatos ao material da avaliação psicológica em outras regiões, nem quem seriam os possíveis fornecedores dos testes. O provável motivo que leva as auto-escolas a fornecerem os testes antes da avaliação psicológica é financeiro. Em caso de reprovação de um candidato, não é possível dar continuidade ao processo de obtenção da habilitação, em consequência da avaliação ser uma etapa obrigatória. Desta maneira, configura-se uma perda financeira para a auto-escola. 29 No questionário preenchido pelos postulantes a CNH, na questão sobre quem forneceu o material usado em avaliações psicológicas, também havia os itens Internet e/ou outra fonte, entretanto, nenhum candidato assinalou uma destas alternativas como sendo a fonte de informações. A criação das páginas de divulgação de testes psicológicos na internet está configurada como crime, por recorrerem em problemas técnicos implicados nas normas da profissão de psicologia (FAIAD; CUNHA; SANT´ANA, 2012), além de caracterizar violação os direitos de propriedade intelectual e a falta de precaução no que diz respeito à proteção dos materiais (BARTRAM, 2000). Conforme Faiad, Cunha e Sant´ana (2012), no ano de 2008 a área de avaliação psicológica foi surpreendida com a publicação de uma série de sites postados na internet, com o objetivo de orientar candidatos sobre como devem ser respondidos alguns testes psicológicos. Muitas avaliações foram digitalizadas na íntegra, algumas atéacrescidas de orientações sobre como proceder na sua execução. Em contrapartida, o Conselho Federal de Psicologia tomou medidas para eliminar a divulgação indevida de testes psicológicos na internet, notificando os principais sítios de busca, informando sobre a legislação federal e pedindo a retirada de material indevido da rede mundial de computadores.Outra medida foi buscar o apoio da Polícia Federal para retirar da internet material privativo de psicólogos em sítios hospedados em provedores estrangeiros, uma vez que outros países não estão submetidos à legislação brasileira (UnB AGÊNCIA, 2012). As medidas adotadas pelo CFP reduziram a divulgação desses materiais via internet. Um indício da eficácia dessas medidas é que nenhum dos candidatos a CNH que participaram deste estudo respondendo o questionário tiveram acesso ao material restrito aos psicólogos por intermédio da internet. A promoção da divulgação das avaliações psicológicas, não apenas pela internet, mas através de qualquer outro meio, incorre comocrime, pois infringe leis e normas do Conselho Federal de Psicologia. Divulgar material sem autorização do autor contraria os artigos 28 e 29 da Lei n° 9.610 de 1998, abaixo transcritos: Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica. Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra (…) 30 Outra infração ao divulgar ou utilizar material de uso restrito aos psicólogos é cometida por estar em desacordo com a Lei 4.119 de 27.08.1962, que afirma no Art. 13 §1º que “Constitui função privativa do Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos: diagnóstico psicológico, orientação e seleção profissional, orientação psicopedagógica e solução de problemas de ajustamento”. A Resolução do CFP n.º 002/2003 também regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização de testes psicológicos. Conforme seuArt. 1.º “Os Testes Psicológicos são instrumentos de avaliação ou mensuração de características psicológicas, constituindo-se um método ou uma técnica de uso privativo do psicólogo (…)”. O Art. 18, III, da mesma resolução ressalta que todos os testes psicológicos estão sujeitos a“ter sua comercialização e uso restrito a psicólogos regularmente inscritos em Conselho Regional de Psicologia”, reforçado pelo §1.º do mesmo artigo afirma que“Os manuais de testes psicológicos devem conter a informação, com destaque, que sua comercialização e seu uso são restritos a psicólogos regularmente inscritos em Conselho Regional de Psicologia” e pelo § 2°“Na comercialização de testes psicológicos, as editoras, por meio de seus responsáveis técnicos, manterão procedimento de controle onde conste o nome do psicólogo que os adquiriu, o seu número de inscrição no CRP e o(s) número(s) de série dos testes adquiridos”. O processo de criação e validação de um teste psicológico é muito custoso, exigindo amostras representativas da população a ser avaliada e de inúmeros procedimentos para assegurar a fidedignidade do instrumento. Considerando estes aspectos, seria impossível elaborar um novo teste a cada situação de testagem. Dessa maneira, os testes devem ser resguardados para manter a sua capacidade de medir (ANASTASI; URBINA, 2000). No questionário aplicado nos candidatos a CNH também havia uma pergunta referente ao tipo de material que sujeito teve acesso, ou seja, se este era o mesmo usado pelo psicólogo no momento da avaliação psicológica. Entre os 92 candidatos que afirmaram ter tido acesso ao material, 77 indivíduos (84%) confirmaram que aavaliação era a mesma, enquanto os outros 15 candidatos (16%), tiveram acesso ao material, mas o teste aplicado foi diferente daquele que havia sido consultado (Gráfico 6). 31 Gráfico 6: Porcentagem de indivíduos candidatos a CNH com acesso ao mesmo material de uso exclusivo aos psicólogos e acesso a material restrito diferente do usado pela psicóloga antes de realizarem a avaliação psicológica, na Região Oeste de Santa Catarina. Fonte: Dados da Pesquisa. Santa Catarina/SC. 2012. No caso de um candidato ter acesso ao material, o tempo levado para concluir a avalição, as respostas fornecidas eo número de acertos/erros,provocam a mensuração de escores diferentes daqueles que seriam fornecidas caso não houvesse consulta prévia. Em decorrência da rotina de trabalho, a pesquisadora normalmente distingue os candidatos a CNH que tiveram acesso ou não ao material de acesso exclusivo antes de realizarem a avaliação psicológica. Alguns indivíduos, mesmo tendo baixa instrução escolar, realizam a avaliação rapidamente, gabaritando os resultados. Quando questionados se tiveram alguma instrução de como proceder na avaliação ou se tiveram acesso ao material, respondem afirmativamente em muitos casos, sem saber das restrições impostas ao acesso. O Gráfico 7 apresenta a quantidade de candidatos que tiveram acesso ao material, igual ou não, àquele usado na avaliação psicológica, por cidade da Região Oeste Catarinense. Em cinco cidades integrantes do estudo, o índice de igualdade entre o material acessado e o usado na avaliação foi maior do que índice de candidatos que consultaram materiais diferentes do utilizado pelo psicólogo no momento da avaliação psicológica. 32 Gráfico 7: Quantidade de candidatos separados por cidade da Região Oeste de Santa Catarina que tiveram acesso ao material antes de realizarem e avaliação psicológica, igual ou não àquele usado na testagem. Fonte: Dados da Pesquisa. Santa Catarina/SC. 2012. A gravidade deste resultado está difusão em toda região de uma prática ilegal, ou seja, o fornecimento do material de uso exclusivo de psicólogos a pessoas não autorizadas. Os problemas que esta prática acarreta, além de ser considerada um crime, são diversas, tais como a aprovação irregular de candidatos, muitos dos quais talvez não estejam aptos para conduzir um veículo, quebra do código de ética do profissional de psicologia e a invalidação de instrumentos e de processos psicológicos. 33 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A avaliação psicológica é uma importante ferramenta de trabalho para os psicólogos, quando corretamente utilizada. Entretanto, o estudo revelou uma realidade preocupante: a divulgação irregular do material, permitindo que qualquer pessoa tenha acesso ao conteúdo de uma avaliação psicológica, antes de realizar os testes. Tão grave quanto divulgar ou permitir o acessoao material de uso restrito por parte dos psicólogos, é a conivência do profissional que percebe que os alunos gabaritam nas avaliações e continuam usando o mesmo material. O resultado deste estudo também mostra uma falha no processo de fiscalização por parte do Conselho Federal de Psicologia, pois cabe a este órgão limitar o acesso e a divulgação dos materiais de uso restrito aos profissionais da psicologia. As avaliações psicológicas usadas na área do trânsito são apenas uma faceta deste dilema, pois o problema incorre também em outras áreas, como nas avaliações aplicadas em candidatos a vagas de empregos privados ou públicos. Certamente nem todas as avaliações são passíves de burlação, mas muitas vezes, estes apresentam alguma limitação de uso, comoum valor elevado de aquisição e dificuldade na aplicação. A providência mais indicada para resolver ou amenizar a situação seria a identificação das fontes fornecedoras do material, com posterior recolha das avaliações psicológicas que estão de posse de pessoas não autorizadas e penalizar os psicólogos que utilizaram indevidamente os testes. A conscientização do uso e acesso, tanto para profissionais da área psicológica como para as demais pessoas que se envolvem no processo, é uma medida preventiva de extrema importância, principalmente para que psicólogos e a avaliação psicológica não percam sua credibilidade. 34 REFERÊNCIAS ALCHIERI, João Carlos; CRUZ, Roberto Moraes. Avaliação Psicológica: Conceito, Métodos e Instrumentos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. 127 p. ALCHIERI, João Carlos; STROEHER, Fernanda. Avaliação Psicológica no Trânsito: o estado da arte sessenta anos depois. In: CRUZ, Roberto Moraes; ALCHIERI, João Carlos; SARDÁ Jr, Jaimir J. (Orgs). Avaliação e Medidas Psicológicas: Produção do conhecimento e da intervenção profissional. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. 277 p. ANACHE, Alexandra Ayach; CORRÊA, Fabíola Borges. As políticas do Conselho Federal de Psicologia para a avaliação psicológica. In: Avaliação psicológica: diretrizes na regulamentação da profissão / Conselho Federal de Psicologia. 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Este formulário tem por objetivo a coleta de informações sobre o acesso ao material de uso restrito de psicólogos antes do processo de avaliação psicológica para motoristas que desejam obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). As respostas obtidas serão usadas para conhecer a realidade local dos exames psicotécnicos, sem prejuízo aos entrevistados. Cidade em que realizou o exame psicotécnico: _________________ 1) Você teve acesso ao material de uso restrito de psicólogos antes do processo de avaliação psicológica para a obtenção da CNH? ( ) sim ( ) não Para quem teve acesso ao material ou alguma orientação: 2) Quem forneceu o acesso ao material ( ) outra psicóloga ( ) auto-escola ( ) internet ( ) outros (explique) _____________________ 3) O material utilizado no processo de avaliação psicológica para a obtenção da CNH foi o mesmo que você teve acesso? ( ) sim ( ) não 39 ANEXO