Centrais Eléctricas de Biomassa Uma Opção Justificável? Posição conjunta da CELPA e da AIMMP sobre BIOMASSA para ENERGIA Centrais Eléctricas de Biomassa – Uma Opção Justificável? O uso de biomassa florestal para produção de energia eléctrica constitui uma alternativa interessante à utilização de combustíveis de origem fóssil, de que Portugal é importador, e deve portanto ser explorada. No entanto, esse uso não é, nem deve evoluir para ser, uma solução única e simples que resolverá o problema energético do País, existindo algumas situações que o desaconselham. Ficha Técnica Edição: CELPA, Associação da Indústria Papeleira tel. +351 217 611 510 fax +351 217 611 529 e-mail: [email protected] AIMMP, Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal tel. +351 223 394 200 fax +351 223 394 210 e-mail: [email protected] Design Gráfico, Paginação e Preparação Gráfica: Filipa Pereira Impressão e Acabamento: Veríssimo Santos – Artes Gráficas, Lda. Tiragem: 1000 exemplares 2 Lisboa, Dezembro de 2004 Disponível em versão PDF em www.celpa.pt e www.aimmp.pt Utilização de Biomassa para Energia em Portugal Não é Novidade A s indústrias da fileira florestal1 utilizam biomassa para produção de energia térmica e eléctrica há 30 anos. No seu conjunto, as associadas da CELPA, da AIMMP e da COGEN PORTUGAL representam uma capacidade instalada de queima de biomassa2 de 1 676 MWth e consumiram em 2003 cerca de 35 300 TJ de energia primária com base em biomassa (73% do seu consumo total de combustíveis), dos quais 83% são licor negro (subproduto da produção de pasta), 15% são casca de eucalipto e de pinheiro e outros subprodutos industriais e os restantes 2% são matos e resíduos de agro-indústrias. Esta biomassa permitiu a estas empresas produzir, em 2003, 1 730 GWh de energia eléctrica. Os valores de 2003, relativamente a 1990, representam crescimentos de 52% em relação ao consumo de biomassa e de 119% na produção própria de electricidade. As indústrias da fileira florestal são, em conjunto, os maiores utilizadores nacionais de biomassa, dominam esta tecnologia e têm larga experiência na sua valorização energética. 1O presente documento inclui informação dos sectores da pasta para papel e do processamento de madeira (serrações, painéis derivados de madeira, carpintaria e mobiliário). 2Refere-se aqui apenas a capacidade correspondente às unidades que, a partir de biomassa, produzem calor e energia eléctrica, em simultâneo (cogerações). A capacidade instalada nas indústrias da fileira florestal para produção (apenas) de calor a partir de biomassa é muito superior ao valor mencionado. 3 Biomassa para Energia, Fogos Florestais e Gestão Sustentável das Florestas O processo de “justificação” de centrais de biomassa passa pelo alegado contributo destas unidades para a redução dos fogos florestais em Portugal. Este é um argumento que capta facilmente a atenção do público, mas está ferido de algumas incorrecções. Com efeito, para ser eficaz na prevenção de incêndios, uma central de biomassa deveria consumir preferencialmente matos e outra vegetação existente nas florestas. Este tipo de vegetação é caracterizado por ter grande volume por tonelada (ou por unidade energética), o que implica ter de recolher e transportar grandes volumes, para um ganho energético relativamente modesto. O custo financeiro (e ambiental) de cortar, recolher e transportar3 este tipo de materiais é incomportável quando estão em causa longas distâncias. Nas condições actuais, a área de influência de uma central de biomassa onde é viável esta exploração encontra-se dentro de um raio de cerca de 45 km, ou seja 636 000 ha, os quais não são, por regra, 100% florestais. Uma área total de 636 000 ha é insuficiente para assegurar o abastecimento por matos de uma central térmica, ainda que de dimensões reduzidas, pelo que é questionável o constante apelo ao aumento de escala destas centrais. 3A exploração e o transporte de matérias-primas consomem também combustível fóssil. O benefício de substituir combustíveis fósseis por biomassa 4 deve também compensar este consumo. Por outro lado, o debate sobre gestão florestal sustentável aponta claramente num sentido contrário à utilização sem limitações de matos e biomassa como fonte de energia em pelo menos dois aspectos – conservação de biodiversidade e conservação do solo. Para assegurar a conservação da biodiversidade apela-se a uma estrutura diversificada das florestas, o que passa por ter alguma presença de matos em diferentes fases de desenvolvimento, estando assim seriamente limitada a disponibilidade de matos para produção de energia. Para assegurar a protecção do solo contra a erosão e permitir o fecho do ciclo de nutrientes, sem recurso a adubações extensivas, apela-se a uma cobertura permanente do solo e à restituição do máximo possível de matéria orgânica, o que passa por incorporar os matos e resíduos de exploração no solo, e não a sua recolha e transporte para fora da floresta. Este aspecto é particularmente importante em Portugal, uma vez que a maior parte dos nossos solos florestais apresentam quantidades de matéria orgânica nulas ou muito reduzidas. Assim, este argumento, utilizado para promover estas centrais, está deturpado, servindo, basicamente, para ganhar aceitabilidade pública dos projectos com base em raciocínios que não respeitam, na sua totalidade, lógicas económicas com maisvalia ambiental. Preocupações ambientais que resultem de modelos de gestão florestal sustentável condicionam fortemente a utilização sem restrições de matos para produção de energia. 5 Que Biomassa em Centrais de Biomassa? A expressão “biomassa florestal” encerra uma grande diversidade de produtos: os matos, os resíduos de exploração florestal (ramos, bicadas), subprodutos de processamento de madeira (casca, serrim, pó de madeira, licor negro) e madeira. A produção e consumo de subprodutos de processamento de madeira está condicionada pelo desenvolvimento das respectivas fileiras industriais e a tendência é a de consumo desses materiais nas próprias unidades. A construção de novas centrais fica, portanto condicionada a utilizar resíduos de exploração florestal, matos e... madeira. A apetência das centrais de biomassa por madeira será tanto maior quanto maior for a central e mais escassos forem os outros combustíveis. A CELPA e a AIMMP vêem com grande preocupação a sugestão de cada vez maior número de centrais, com potências a instalar verdadeiramente exageradas, nenhuma das quais assente em estudos que garantam a viabilidade do abastecimento em biomassa, excluíndo madeira. A utilização de madeira para produção de energia é errada, quer do ponto de vista económico, quer social, quer ambiental. Este problema é tanto maior, porquanto existe escassez de madeira em Portugal, particularmente de pinho. 6 Do ponto de vista económico, a utilização industrial de madeira gera muito mais valor acrescentado do que a produção de energia. De igual modo, do ponto de vista social, a utilização industrial de madeira gera muito mais emprego do que a produção de energia. As figuras abaixo (Jakko Pöyry Consulting, 2003) ilustram este ponto comparando o valor acrescentado e o emprego da produção de energia com o das fileiras do papel e do processamento de madeira. EMPREGO Indústria da Pasta e do Papel Reciclagem Silvicultura Produção de Pasta Produção de Papel Impressão & Artes Gráficas Retalho / Expedição Consumo Produção de Energia Compostagem Aterro Indústria de Madeiras Silvicultura Serração Reutilização & Reciclagem Manufactura de produtos à base de madeira (+ carpintaria) Construção & Consumo Produção de Energia Compostagem Aterro Bioenergia Silvicultura & Aquisição de Sub-produtos Produção de Energia 7 VALOR ACRESCENTADO Indústria da Pasta e do Papel Reciclagem Silvicultura Produção de Pasta Produção de Papel Impressão & Artes Gráficas Retalho / Expedição Consumo Produção de Energia Compostagem Aterro Indústria de Madeiras Silvicultura Serração Reutilização & Reciclagem Manufactura de produtos à base de madeira (+ carpintaria) Construção & Consumo Produção de Energia Compostagem Aterro Bioenergia Silvicultura & Aquisição de Sub-produtos 8 Produção de Energia Do ponto de vista ambiental, as indústrias da fileira florestal produzem bens que tipicamente são reutilizáveis e/ou recicláveis várias vezes antes de completarem o seu ciclo de vida. No final da sua vida útil, mantêm grande parte do seu conteúdo energético, pelo que podem ainda ser utilizados para produção de energia. Novas centrais devem garantir a sua logística de abastecimento a partir de matos e resíduos de exploração e dispensar o uso de madeira como combustível. A introdução de subsídios, incentivos ao investimento ou tarifas verdes relacionados com recolha de biomassa para produção de electricidade podem introduzir distorções no mercado de madeira que motivem a utilização preferencial deste recurso para produção de energia, com manifestas perdas económicas, sociais e ambientais para o país. Os apoios à produção de “energia verde” devem, portanto, claramente excluir o uso de madeira como combustível. A Comissão de Acompanhamento da Central Termoeléctrica de Mortágua elaborou um documento sobre que materiais são adequados para a queima como biomassa, excluíndo todos aqueles que devem ser “poupados” para utilizações de maior valor, e que constitui uma boa referência de partida para clarificar a necessária distinção entre o que deve ser reciclado e o que poderá ser valorizado energeticamente. 9 Centrais Eléctricas de Biomassa ou Cogerações a Biomassa? A produção de electricidade a partir de biomassa é genericamente menos eficiente que a produção de electricidade a partir de outros combustíveis devido a um menor poder calorífico do combustível, maior variabilidade do conteúdo em humidade e maior heterogeneidade dos combustíveis. A eficiência de combustível destas centrais está tipicamente abaixo dos 35% (valor eventualmente possível para centrais bem desenhadas e correctamente operadas). Nas centrais de cogeração utiliza-se o calor produzido para produção de electricidade. O calor remanescente é utilizado como fonte de energia térmica, em processos industriais ou em aquecimento. A eficiência global destas centrais é próxima dos 80%. As indústrias da fileira florestal produzem energia eléctrica através de centrais de cogeração. Outros utilizadores potenciais para centrais de cogeração a biomassa são indústrias com grandes necessidades de calor e de electricidade, e aplicações para aquecimento central em hospitais, universidades e grandes edifícios. Assim, o problema da viabilização da produção de electricidade a partir de biomassa passa também, não pelo tipo de combustível, mas pelo tipo de utilização desse combustível. 10 O uso de biomassa para produção de energia deveria ser feito, prioritariamente, em cogerações, assegurando assim níveis de eficiência compatíveis com a exploração rentável destas centrais. Em Resumo 1. A madeira (sob a forma de rolaria ou de subprodutos e desperdícios das indústrias de processamento) deve ter como utilização preferencial a indústria transformadora e não a produção de energia. Esta utilização assegura maior valor acrescentado e utiliza um maior volume de emprego na cadeia de produção, ambos objectivos estratégicos para a política económica nacional. 2. A utilização de biomassa florestal em sistemas de co-geração de calor e electricidade apresenta maiores eficiências globais que a simples produção de energia eléctrica. Assim, devem esgotar-se as possibilidades de consumo de biomassa disponível para produção de energia junto de utilizadores do calor produzido (indústria transformadora ou aquecimento), antes de iniciar a construção de novas centrais eléctricas operando com estes combustíveis. 3. Os resíduos de exploração florestal e de silvicultura, assim como os matos, podem ser utilizados racionalmente na produção de energia. Esta utilização deve, no entanto, ser limitada e enquadrável no conceito de gestão florestal sustentável, nomeadamente nos aspectos relacionados com a conservação de solos e com a promoção de diversidade biológica. 11 A AIMMP, Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal é a associação empresarial que representa a totalidade das Indústrias da Fileira de Madeira deste país. Tem cerca de 1.000 associados, integrados nas Indústrias de Serração, Painéis de Madeira, Mobiliário, Carpintaria e Outros Produtos de Madeira, Importação e Exportação de Madeira. A missão da AIMMP é promover e defender os interesses da Fileira de Madeira, contribuindo para a criação de condições envolventes favoráveis ao sucesso das empresas e indústrias da Fileira e para o desenvolvimento sustentável do país. A CELPA, Associação da Indústria Papeleira, é uma associação sem fins lucrativos que tem como associados os principais produtores de pastas para papel e de papéis de Portugal. No seu conjunto, as Associadas da CELPA representam 100% da produção nacional de pastas para papel, cerca de 90% da produção de papéis e gerem directamente cerca de 200.000ha de floresta. 12 A COGEN Portugal subscreve os argumentos e os princípios apresentados no presente documento relativamente à utilização da Biomassa Florestal em sistemas de produção de energia comprovadamente eficientes, como é o caso da Cogeração. A COGEN Portugal, Associação Portuguesa de Cogeração, é uma associação sem fins lucrativos que tem por objectivo promover a utilização eficiente da energia através da cogeração, sendo esta entendida como produção combinada do calor e da electricidade com utilização efectiva das duas formas de energia. Conta actualmente com 106 associados, fundamentalmente cogeradores, empresas do sector industrial que apostaram nesta tecnologia, mas também entidades interessadas na promoção da cogeração.