FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FAAP PÓS-GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 2ª Tuma do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Critica de Cinema O ENVELHECIMENTO PRECOCE DO NOVO CINEMA LATINO AMERICANO LÍVIA FUSCO RODRIGUES Trabalho de Conclusão de Curso Pós Graduação em Critica de Cinema São Paulo 2009 LÍVIA FUSCO RODRIGUES O ENVELHECIMENTO PRECOCE DO NOVO CINEMA LATINO AMERICANO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de PósGraduação em Critica de Cinema da Fundação Armando Álvares Penteado como exigência parcial para obtenção de certificado de conclusão do curso. Orientadora: Profª. Edilamar Galvão São Paulo 2009 1 RODRIGUES, Lívia Fusco O envelhecimento precoce do novo cinema latino-americano. Lívia Fusco Rodrigues. Orientação de Prof.a Edilamar Galvão. São Paulo, 2009. ix, 229. Monografia (Pós-graduação Lato Sensu) – Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Programa de Pós-graduação em Crítica de Cinema. 1. Marco Zero – Viña Del Mar 1967. 2. Novo Cinema Latino Americano em Potência. 3. EICTV – Um Novo Recomeço. 4. Século XXI – O Novo Cinema Latino Americano Virou Vovõ. 2 Lívia Fusco Rodrigues O ENVELHECIMENTO PRECOCE DO NOVO CINEMA LATINO-AMERICANO Data da aprovação: ___/___/___. Nota: Banca Examinadora: _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________ 3 Agradecimentos A todos que diante das minhas dificuldades para redigir esse trabalho sempre me apoiaram. FAAP, Memorial da América Latina, Francisco Marques, Ianina Zubowicz, Christian Grinstein, Paula Vidal, Felipe Alface, Lilian Fusco Rodrigues, Julia Fusco, Alejandro Legaspi, Maíra Torrecillas, Marcelo Caetano, Juan Sebastián Vasquez, Prof.ª Edilamar Galvão, Eliseo Lopes, Renato Mobaid, Encarnación Luppi., Sergio Luppi, Denise de Freitas, Luis Aquino, Prof. Alexandre Barbosa, Prof. Sergio Rizzo. 4 A todos aqueles que como eu nunca deixaram de creditar 5 RESUMO Titulo Original: O Envelhecimento Precoce do Novo Cinema Latino-Americano Essa pesquisa teve por objetivo identificar e analisar todas as fases pelas quais o movimento do Novo Cinema Latino Americano passou, usando como meio o registro de filmes, manifestos, festivais e relatos de seus participantes. Considerando também o quanto os acontecimentos históricos influenciaram o desenvolvimento do movimento, a partir da mudança de rumo histórica marcada pela revolução cubana (1959), fato que serviu de inspiração para os jovens latino-americanos usarem o cinema como arma na luta por um futuro distante das lembranças das culturas destruídas pelos colonizadores, longe da exploração de seus povos, buscando entre eles o reconhecimento de uma identidade comum e a projeção dos novos princípios de uma filosofia para aquelas civilizações. Essa discussão mostra pontuar momentos chaves em seu desenrolar, como os encontros em Viña Del Mar, os festivais em Mérida e Pesaro, e diversas expressões de sua força encontradas em distintos países latino-americanos. A imposição de ditaduras de direita em quase todos os países do continente causou uma interrupção brusca no desenvolvimento do Novo Cinema Latino Americano, que voltou a tentar se reorganizar como tal em 1986 por meio de um projeto articulado por antigos membros do grupo da criação de uma escola de cinema e TV em Cuba (EICTV), para jovens dos países chamados terceiro mundo. A EICTV se tornou a mais renomada escola de cinema no mundo, no entanto não foi capaz de reviver o movimento. A discussão busca concluir revelando as causas do envelhecimento precoce do Novo Cinema Latino Americano e os resquícios de seu legado no século XXI identificado no coletivo cinematográfico chamado Grupo Chaski, no Peru. Palavras-chave: Novo Cinema Latino Americano, cinema, América Latina, EICTV, ditaduras, Grupo Chaski. 6 RESUMÉN Título em Espanhol: El Envejecimiento Precoz del Nuevo Cine latinoamericano. Esta investigación tuvo como objetivo identificar y analizar todas las fases por las cuales el movimiento del Nuevo Cine Latinoamericano pasó usando como medio registro de películas, manifiestos, festivales y relatos de sus participantes. Considerando también cuánto influenciaron los acontecimientos históricos al desarrollo del movimiento, a partir del cambio de rumbo histórico marcado por la Revolución Cubana (1959). El hecho sirvió de inspiración para que los jóvenes latinoamericanos usaran el cine como arma en la lucha por un futuro distante de los recuerdos de las culturas destruidas por los colonizadores, lejos de la explotación de sus pueblos, buscando entre ellos el reconocimiento de una identidad común a todos y a la proyección de los nuevos principios de una filosofía para aquellas civilizaciones. Esta discusión quiere puntuar momentos claves en su desarrollo, como los encuentros en Viña del mar, los festivales de Mérida y Pesaro, y diversas expresiones de su fuerza encontradas en distintos países latinoamericanos. La imposición de dictaduras de derecha en casi todos los países del continente causó una interrupción brusca en el desarrollo del Nuevo Cine Latinoamericano, que volvió a intentar reorganizarse como en 1986 por medio de un proyecto articulado por antiguos miembros del grupo de la creación de una escuela de cine y TV en Cuba (EICTV) para jóvenes de los países llamados tercer mundo. La EICTV se tornó la escuela de cine más renombrada del mundo, sin embargo no fue capaz de revivir el movimiento. La discusión busca concluir revelando las causas del envejecimiento precoz del Nuevo Cine Latinoamericano y los resquicios de su legado en el siglo XXI identificado en el colectivo cinematográfico llamado Grupo Chaski en Perú Palabras-claves: Nuevo Cine Latinoamericano, cine, América Latina, EICTV, dictaduras, Grupo Chaski. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CACI: Conferencia de Autoridades Cinematográficas da Iberoamerica. C-CAL: Comitê dos Cineastas da América Latina (1974). CCPC: Centro Costarience de Produção Cinematográfica. CNAC: Centro Nacional Autônomo de Cinematografia (Venezuela). CM3: Cinemateca de Tercereiro Mundo. EICTV: Escola Internacional de Cinema e Televisão (1986). EUA: Estados Unidos da América. FNCL: Fundação do Novo Cinema Latino Americano (1985). FOCINE: Fundo de Promoção Cinematográfica (Colômbia). FONCINE: Fundo de Fomento Cinematográfico (Venezuela). ICAIC: Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográfica. ICAM: Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimídia (Portugal). ICRT: Instituto Cubano de Rádio e Televisão. ICUR: Instituto de Cinema Cientifico. IMCINE: Instituto Mexicano de Cinema. INA: Instituto Nacional de Audiovisual (Uruguai). INC: Ex Instituto Nacional de Cinematográfica (Argentina). INCAA: Instituto Nacional de Cinema e Arte Audiovisuais (Argentina). IPACA: Instituto Português de Arte Cinematográfica e Audiovisual. MERCOSUL: Mercado Comum do Sul. MFM: Mercado de Filmes do Mercosul. MINEDUC: Ministério da Educação (Chile). MPAA: Motion Pictures Association of America (EE.UU.). MR&C: Media Research & Consultancy (Espanha) NCL: Novo Cinema Latino Americano (1967). OEA: Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, por membros de 35 nações independentes das Américas; tendo como objetivo principal: defender os interesses do Continente Americano. PIEB: Programa de Investigação Estratégica na Bolívia. SICA: Sindicato da Industria Cinematográfica Argentina. SODRE: Serviço Oficial de Difusão Radioelétrica. UKAMAU: Movimento do novo cinema latino-americano na Bolívia, liderado pelo cineasta Jorge Sanjínes. URSS: União Soviética. 8 SUMÁRIO Introdução 10 Capítulo 01: Marco Zero – Viña Del Mar 1967 19 1.1. As pequenas grandes revoluções da década de 60 1.2. Primeiro encontro 19 22 Capítulo 02: Novo Cinema Latino Americano em Potência 35 2.1. Novos frutos 2.2. Promessa cumprida – Viña Del Mar 1969 2.3. Era de chumbo 35 38 42 Capítulo 03: EICTV – Um Novo Recomeço 44 3.1. A união faz a força 3.2. Certidão de nascimento 44 47 Capítulo 04: Século XXI – O Novo Cinema Latino Americano Virou Vovô 53 4.1. Um ponto final à esperança 4.2. Um breve panorama da problemática da indústria cinematográfica latinoamericana atual 4.3. Resquício do novo cinema latino-americano 53 56 62 Considerações Finais 67 Referências 70 Anexos 75 9 INTRODUÇÃO Essa pesquisa investiga a “mis en scene” no qual o movimento do Novo Cinema Latino Americano surgiu e se desenvolveu, tornando-se uma arma nas mãos dos jovens cineastas latinos americanos na luta pela descolonização, maior igualdade social, o fim do abuso de poder indevido pelo Estado, o inimigo comum: EUA, a organização de uma produção latina americana independente do cinema imperialista americano, visando unificar os países latinos americanos. Sendo assim, fica impossível negar o valor da produção desse cinema de contestação, gerada por esse grupo, de valor que vai além do documental – que por diversas vezes denunciou a má distribuição da renda, problemas de analfabetismo, “trabalho escravo”, o problema da imigração do campo para a cidade, entre tantos outros problemas típicos de países colonizados – até o artístico ao retratar figuras do folclore popular, além de uma linguagem própria. Partindo de uma grande identificação minha com os filmes latinos americanos produzidos na última década, por países como Argentina, México, Colômbia, independente de serem países hispanohablantes ou de historicamente seguirem por um caminho distinto do brasileiro, foi inevitável que me saltassem aos olhos as inúmeras semelhanças entre a realidade vivida no Brasil ou em quaisquer outros países da América Latina. A realidade atual de países que foram colonizados em um passado não muito distante se cruza em diversos momentos, seja em temáticas que abordem o tráfico de drogas e a violência, como ocorre na maioria das fitas colombianas, ou em histórias com referências do folclore nacional mexicano, ou nas crises da sociedade atual retratada sutilmente pelos cineastas argentinos; como também em alguns casos uma preocupação com o cinema social. 10 As experiências cinematográficas assistidas por mim nesse espaço de tempo me levaram a pensar nos países da América Latina como um todo. A questão da unidade latina americana me instigou e me fez admirar ainda mais minhas raízes. Tal questão veio à tona, novamente, após eu iniciar meus estudos no curso de pós-graduação de critica de cinema, onde tive a oportunidade de aprofundar meus conhecimentos. Conhecimentos esses que me levaram a conhecer o Movimento do Novo Cinema Latino Americano e mais do que isso, a descoberta de um grupo de cineastas que levou a revolução até as ultima conseqüências, como foi o caso, por exemplo, do cineasta argentino Fernando “Pino” Solanas (1936-), que uniu a militância política, social e cultural ao cinema. O que resultou em uma forte perseguição política desde sua juventude até seis tiros nas pernas na década de noventa, quando acusava o então presidente da Argentina Carlos Menem (1930-) de saquear o país. Esse dado novo acrescentou mais uma dose de encantamento de minha parte pela história do movimento Latino-Americano e pela história política da América Latina. O que não poderia acontecer de outra maneira, sendo eu tataraneta de um comunista espanhol que procurou exílio com sua família no Brasil, após ter seu livro de temática comunista queimado e ser perseguido pelo então presidente espanhol Francisco Franco (1982-1975). Apesar de eu nunca o ter conhecido, acredito que as historias que eu ouvi ao longo dos anos me marcaram profundamente, principalmente o seu ultimo “ato político” que foi aos 91 anos distribuir os panfletos no centro de São Paulo, contra o então presidente brasileiro Getulio Vargas (18821954), produzidos de forma clandestina no porão de sua casa, enquanto dizia jogar buraco com um grupo de idosos. A partir desse ponto mergulhei em uma busca para provar que a idéia de unidade latina americana também poderia ser encontrada na produção latina americana atual, o que inocentemente eu acreditava que poderia provar que o movimento nunca havia morrido por 11 completo. Tentei usar essa idéia como proposta inicial para esse projeto, mas encontrei contras vindos de todos os lados. Continuei mesmo assim, porque acreditava que somente alguém que viveu aquela experiência do movimento poderia contrariar minha idéia. Minha arrogância mesclada com minha inocência chegou ao fim em julho de 2008, quando fui chamada para trabalhar no 3º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo e então tive o que eu considero de sorte de conhecer um dos integrantes do antigo movimento, o uruguaio Alejandro Legaspi (1948-) que havia sido convidado pelo festival a trazer seu novo filme: Sueños Lejanos (2007). Legaspi fez parte do grupo do cinema novo no Uruguai, chamado de Cinemateca de Tercer Mundo (CM3), grupo esse que encerrou suas atividades quando os militares assumiram o poder em 1973. Legaspi foi exilado no Peru, onde anos mais tarde se uniu a um coletivo cinematográfico chamado Grupo Chaski, que tinha como objetivo usar o cinema como ferramenta de desenvolvimento sócio-econômico e cultural de países da região latino americana. A princípio eu sabia muito pouco da historia de Legaspi, porém nossa empatia foi instantânea, o que me brindou com conversas sobre o cinema latino-americano e a vida em geral. Em uma dessas conversas ele me disse que atualmente é impossível falar de uma unidade latino americana, usando como exemplo o fato de que em um país como o Peru, 2/3 da população não fala espanhol, mas sim uma antiga língua indígena chamada Quéchua e que particularidades como essa eram encontradas em diversos países latino-americanos, o que lhes agregava características muito distintas. O choque causado por essa conversa em especial causou uma reviravolta dentro de mim, o que me fez chegar a pensar em desistir de ir mais a fundo na história do cinema na América Latina. Dias depois, imersa nessa angústia gerada pela negação de algo que para mim era um fato, em outra de minhas conversas com Legaspi, me atrevi a perguntar se ele 12 continuava sendo de esquerda, sendo assim acreditando em tudo aquilo que havia acreditado antes do exílio. Legaspi me respondeu que sim. A confirmação de que um ideal pode sobreviver dentro de você independe das experiências contrárias geradas por ele, trouxe de volta o colorido com o qual eu olhava antes para o cinema latino Americano. Nesse mesmo dia ouvi Fernando Solanas, que foi o homenageado do mesmo festival, falar com lágrimas nos olhos sobre tudo o que havia vivido, que não se arrependia de nada e que morreria fazendo filmes realistas que contestem os problemas sociais, econômicos e culturais da atualidade. Diante dessas duas declarações resolvi seguir adiante com a idéia de pesquisar o movimento do novo cinema latino americano, porém dessa vez seguindo um caminho inverso do que eu pensara , partindo do principio da formação do movimento até pequenas semelhanças do que foi feito por eles no século passado, atualmente no século XXI. Essa pesquisa tem como ponto de partida a agitação pré-revolucionária dos anos sessenta na América Latina, cineastas latinos americanos em grupos ou individualmente conceberam a atividade cinematográfica como frente de luta ao imperialismo americano que influenciava de forma direta ou indireta todos os países do continente, em favor de mudanças sociais e uma “descolonização cultural” dos países latino-americanos tão ricos de cultura popular e indígena. Os cineastas políticos desenvolveram práticas de acordo com circunstâncias e condições estabelecidas pela história e cultura nacional em cada país, não aceitando possíveis contradições entre arte e militância. Os cineastas tinham em comum uma bagagem “terceiro-mundista”, enraizada no discurso da independência, e um marco de referência estética na montagem soviética, no realismo social, no neo-realismo italiano, no documentário inglês, na nova onda francesa e nas teorias de arte politizada. Na prática não havia diferenças profundas entre os conflitos sociais que estavam acontecendo em todo continente desde os carvoeiros no Chile até os 13 mineiros na Bolívia; as tradições culturais encontravam pontos comuns que iam além da língua espanhola oficial em todos os países da América Latina, menos o Brasil; as políticas locais sofriam etapas semelhantes; os meios de comunicações, até então, precários, e as perseguições políticas dificultavam os contatos entre os países, a repressão ideológica e a escassez de fundos contribuíam para o desafio cotidiano. A eminência da revolução cubana liderada por Che Guevara e Fidel Castro, na segunda metade da década de cinqüenta, trazia com ela a semente do socialismo, a esperança de uma igualdade entre os filhos dos 21 países que formavam a América Latina, e fez com que a vontade da troca de experiências cinematográficas alcançadas por esses jovens cineastas políticos latinos americanos fosse crescendo e tomando forma nos festivais de cinema independentes. Ao sul do continente latino, no Uruguai, o cinema ganhava cada vez mais espaço desde a década de quarenta, quando se desenvolveu no país uma estrutura equivalente às indústrias cinematográficas com instalações técnicas apropriadas, como ocorreu com a Argentina e o Brasil na década de 50. Durante esses anos, foram realizadas inúmeras co-produções entre Uruguai e Argentina, para quais se instalaram no país laboratórios de revelação de película. Enquanto a produção na Argentina Peronista se encontrava diretamente vinculada ao Estado, o Uruguai passou a ser uma alternativa próxima e neutra, onde os custos eram mais baixos e não havia controle político sobre a produção. Novos cineclubes e cinematecas surgiram, a Universidade da República contribuiu criando o Instituto de Cine Cientifico (ICUR), o que não só estimulou o consumo como aumentou a qualidade dos filmes. Nesse contexto foram criados o Festival de Cine Internacional Documental e Experimental Del SODRE (Serviço Oficial de Difusão Radioelétrica) desde 1954, e o Primer Congreso de Cineastas Latinoamercianos Independientes, organizados em 1958 pela mesma instituição, onde participaram nomes que 14 viriam a se destacar como principais integrantes do movimento do Novo Cinema Latino, como o diretor de cinema argentino Fernando Birri, pela Escuela Documental de Santa Fé (Argentina), e o diretor brasileiro Nelson Pereira do Santos, um dos percussores do Cinema Novo no Brasil. O que tornou a capital Uruguaia – Montevidéu – um terreno neutro e ao mesmo tempo promissor para que ocorresse uma das primeiras reuniões informais dos cineastas latino-americanos em seu próprio continente, encontros que antes só se davam em festivais como Cannes, Veneza, Pesaro, na Europa e Canadá. Foi preciso o movimento popular derrubar o governo de Fugencio Batista, conhecido como “Movimento 26 de julho” e por conseqüência dele surgir um novo governo, liderado por Fidel Castro em 1959, ao lado de seu braço direito Che Guevara, para que oito anos depois, ainda impulsionados pelos ares da revolução, fosse organizado pela primeira vez, exatamente no ano de 1967 o I Encuentro de Cineastas Latinoamericano, inserido no V Festival de Viña Del Mar (Chile), realizado durante o período de 01 a 08 de março, com o intuito de conhecer melhor a cinematografia de países vizinhos e discutir os novos rumos do cinema na América Latina. O cine-club de Viña Del Mar, dirigido por Aldo Francia, foi responsável pelo festival que reuniu filmes e cineastas, em especial, a presença da delegação cubana, devido a acordos pela OEA (Organização dos Estados Americanos), já que o governo do Chile, como todos os governos da América Latina, com exceção do México, havia cortado relações diplomáticas com a Habana. A perseverança de Aldo Francia, Luisa Ferrari e seus colaboradores foram essenciais para que fossem reunidos: cinqüenta e cinco filmes, quarenta e seis delegados, quinze da Argentina, nove do Brasil, onze do Chile, quatro do Peru, quatro do Uruguai, um da Venezuela, e por fim Alfredo Guevara e Saul Yelín, representando Cuba. Na parte competitiva, o Festival se restringiu à competição de curtas e médiasmetragens, pois a cinematografia latina ainda não possuía uma relevante produção de longas, 15 nos termos estéticos desejados pelos organizadores. Durante uma semana, aquele grupo se reconheceu pela primeira vez nas imagens dos documentários, conhecendo melhor a realidade repleta de incógnitas da América Latina. Esse foi o inicio de não só uma organização maior diante de uma valorosa produção, como também foi a primeira vez que estética temática e a real importância de filmes feitos “pela nossa gente para nossa gente” foi falada, além de uma maior liberdade, aberta a experimentação em busca de uma nova linguagem, totalmente desvinculada com o formato e conteúdo do cinema industrial, de consumo. O movimento denominado Nuevo Cine Latinoamericano tomou forma nesse encontro, que foi o primeiro de diversos encontros ao redor da América, ganhando cada dia mais discípulos dentro e fora do continente, com sua valorosa produção cinematográfica que alcançou fãs desde a antiga URSS até Europa e Japão. Produção essa que foi resultado de uma união entre os países latino-americanos, buscando um cinema de contestação que representasse a verdadeira realidade e identidade latina para o mundo; claro que a inserção do processo político só foi possível mantendo a autonomia, e as características nacionais de acordo com o país, onde fora concebida a obra. Sendo assim, esse movimento se chamou Cinema Novo no Brasil; se chamou ICAIC – Instituto Cubano De Arte e Indústria Cinematográficos - em Cuba; foi o cinema de indagações e enquetes da Escuela de Cine de Santa Fé na Argentina; na Bolívia foi o cinema de Sanjinés e depois se chamou UKAMAU – uma referencia ao primeiro longa metragem de Jorge Sanjines rodado em 1966; foi o cinema nascido em meio a manifestações populares na universidade no Chile chamado de “Cine Nuevo y Experimental”; foi “Cine Independiente” no México; foi o “Cine Nuevo” no Uruguai e sua “Cinemateca de Tercer Mundo”; foi “Cine Documental” colombiano; foi “Margot Benacerrat” na Venezuela. O mito da liberdade e da revolução Che Guevara, que então vivia clandestinamente na Bolívia, onde reunia esforços para criar uma base guerrilheira local, tendo como objetivo 16 maior lutar pela unificação da América Latina foi lembrado como exemplo a ser seguido diversas vezes no festival; por ironia do destino, sete meses depois, foi assassinado, deixando uma juventude revolucionária órfã, mas que nem por isso deixou de continuar ansiando por mudanças. O segundo encontro foi marcado para o ano de 1969, dois anos depois do primeiro, e o Festival de Cine de Viña Del Mar, viria a receber: cinquenta documentários, trinta ficções, cinqüenta e três filmes rodados em 35 mm, vinte e sete rodados em 16 mm; mas dessa vez não foram apenas os cineastas que se reuniram: dezenas de estudantes de cinema de todo continente chegaram ao Chile, que, junto com estudantes chilenos e representantes sindicais e culturais, elegeram em uma grande assembléia a Ernesto Che Guevara, como presidente honorário, como homenagem a todos os companheiros que morreram lutando pela libertação de América Latina. Com a virada da década, os golpes militares na Argentina, Bolívia, Chile, resultaram no desaparecimento, encarceramento e muitos exílios de cineastas envolvidos no movimento; essa foi a razão fundamental pela qual o movimento é desacelerado. Por lealdade e coerência com os princípios, se fundou em Caracas o Comitê de Cineastas da América Latina (1974) com o objetivo de lutar em defesa dos desaparecidos, dos presos políticos e ao mesmo tempo reunificar as forças esparsas do cinema latino-americano. Através desse comitê se reunifica o movimento, contando com a participação de músicos, dramaturgos, para, ao final, trazer de volta os festivais de cinema. Alfredo Guevara foi o responsável por reunir o movimento com o primeiro Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana, Cuba, em 1979, reiniciando as tradições que os golpes militares haviam tentado interromper por completo. Em 1986, a Fundacion Del Nuevo Cine Latinoamericano, presidida pelo ícone da literatura latino-americana, o colombiano Gabriel Garcia Márquez, decide dar vida à Escuela Internacional De Cine y Televisión (EICITV) em San Antonio de Los Baños, Cuba, apelidada 17 de Três Mundos (América Latina, Caribe, África e Ásia), tendo como mentor, o cineasta argentino Fernando Birri. A escola nasceu para satisfazer a necessidade de um projeto latino-americano, contemplando diversas facetas, criando um espaço aberto, no qual todos os integrantes da fundação deram o suporte fundamental para que sua realização fosse possível. Não se sabe exatamente em que momento o Movimento chegou ao fim, se os sonhos daquela juventude se perderam nos exílios, com a globalização ou simplesmente caíram com o Muro de Berlim. O que se tem certeza é que o fortalecimento do capitalismo e todas as mudanças agregadas a ele como a revolução tecnológica, surgimento de novas mídias, a hegemonia hollywoodiana no cinema, os mercados competitivos, influenciam diretamente as produções cinematográficas atuais, mesmo assim ainda é possível encontrar características que dialogam com o velho movimento na atualidade, sempre apoiados por antigos idealizadores do movimento, suas faculdades e as poucas películas que resistiram ao tempo, o que resulta em incentivo para a produção atual, como, por exemplo, o grupo de cineastas reunidos no Peru, chamados de Grupo Chaski. 18 1. MARCO ZERO: VINÃ DEL MAR – 1967 1.1. As pequenas grandes revoluções da década de 60 O fim da década de 50 trouxe os ares concretos da revolução; a sonhada Revolução Socialista havia se concretizado em território latino no ano de 1959, quando Fidel Castro e o Exército Rebelde derrotaram o governo do ditador Fugêncio Batista e instituíram o Socialismo na ilha de Cuba. Lutando ao lado de Fidel, o argentino Che Guevara converteu-se em o mais famoso revolucionário comunista da história. Mas não era só a revolução que o fim dos anos 50 anunciou: com o desgaste das velhas fórmulas – os potenciais científicos e tecnológicos fortemente desenvolvidos na era anterior, foram dois grandes agravantes da I e II Guerra Mundial - o impacto competitivo dos meios com a nascente das televisões européias, o emprego do tempo livre para as grandes massas e por fim, uma grande busca na identificação de uma cultura nacional (no caso dos países considerados de terceiro mundo). Conseqüentemente, os anos 60 chegaram trazendo o progresso. Os chamados “Anos Rebeldes” se caracterizaram por terem sido uma época de não conformismo, desencadeando um choque entre a geração da “Era das Catástrofes” - nascidos entre Guerras Mundiais -, segundo o professor de história Luis Ferla 1 (2007 - informe verbal), e a nova geração que acreditava ser necessário mais do que o ideal burguês – casamento, bom trabalho, casa de campo e carro novo – para ser feliz. É por isso que esse momento veio a ser o berço de diversos movimentos que de alguma maneira dialogavam entre si. Tais movimentos trouxeram a ânsia de mudança dos jovens da geração dos anos 60. Era a primeira vez que, não só os jovens como também frações da população que até então não possuíam voz ativa, tiveram a oportunidade de reclamar seus direitos e exclamar suas 1 Informação repassada na aula de Historia Cultural, no curso de pós-graduação de critica de cinema na Fundação Álvares Penteado, em março de 2007. 19 opiniões diante aos acontecimentos no mundo. Por essa razão, tais movimentos surgidos nesse período merecem ser citados, para que seja possível montar um panorama dos acontecimentos da época. O Movimento Feminista teve origem em 1948, na convenção dos direitos das mulheres em Nova York. Segundo a socióloga Francisca Socorro Araújo 2 tal movimento ganhou força reivindicatória por ter sido inspirado nos ideais da Revolução Francesa (1789-1799), que reivindicavam a Igualdade, Liberdade e Fraternidade, e que também vieram a ser reivindicados anos depois, pelas Feministas. Por ser um movimento sócio-político, luta pela igualdade entre os sexos, além de ter forte caráter intelectual e teórico que visa desnaturalizar a idéia de que há uma diferença ente os gêneros. Na década de 60, nos EUA, o movimento voltou a fervilhar com a publicação do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. O livro deixa clara a situação da mulher em uma sociedade patriarcal. Assim, o movimento passou a incorporar mais uma discussão ao redor das raízes culturais da desigualdade entre os sexos. O Movimento Pacifista, também enraizado nos EUA, se tratava de um movimento social que buscava acabar com as guerras – como, por exemplo, a guerra do Vietnã (19591975) – visando promover a paz mundial usando como métodos, além da diplomacia, a não violência em qualquer tipo de situação, o boicote e o consumo responsável, apoiando candidatos políticos que seguissem a mesma linha de pensamento, na maioria das vezes de partidos de esquerda, já que, algumas facções pacifistas também almejavam unir grupos opostos ao anticomunismo, imperialismo e colonialismo. O Movimento Negro, iniciado por Martin Luther King Jr., no ano de 1955/56, defendia os direitos dos negros e desfavorecidos, combatendo o racismo e as injustiças na sociedade norte-americana. Em 1957, Luther King e seus seguidores criaram a Conferência Sulista 2 Info Escola. Disponível em: http://www.infoescola.com/sociologia/feminismo/. Acessado em: 11/12/2008 20 Cristã, que foi a grande organizadora das campanhas de desobediência civil. Segundo Antonio Carlos Brandão e Milton Fernandes Duarte, no livro Movimentos Culturais da Juventude (1990), usar a desobediência civil, como forma de combate - de forma semelhante ao movimento pacifista - combatia as ações injustas do Estado com a não violência, por acreditar que os aparelhos repressores só seriam capazes de praticar a violência física, pois nunca seriam capazes de atacá-los de forma moral ou intelectual. No ano de 1963, a desobediência civil se tornou o grande trunfo do movimento. Em sua fase final, os jovens negros corriam atrás dos policiais para serem presos como forma de desobediência das leis, desencadeando uma superpopulação nas cadeias, o que representava simbolicamente um pedido por uma sociedade de tolerância racial. Essa inversão de valores fez com que os órgãos da repressão não pudessem lutar contra o inimigo, que usava outra arma. Ações como essas resultaram na Lei dos Direitos Civis, no ano de 1964, que tornou ilegal a discriminação racial em lugares públicos. A Lei dos Direitos de Voto só veio um ano depois, com o presidente Lyndon Johnson. Infelizmente, cinco dias depois de promulgada a lei, o bairro negro de Watts, em Los Angeles, ardeu em chamas – crime associado a brancos que não estavam de acordo com a nova lei – resultando em uma nova vertente do Movimento Negro, denominada Black Power que propunha, no lugar da não violência, o poder de ação exigindo do Estado um maior poder político e econômico sem se importar com os meios pacifistas e a integração com brancos, ficando conhecido assim como Movimento Black Power a partir de 1967. A Primavera de Praga – também conhecida como a experiência do “socialismo como face humana” (Dubcek, 1968:166) – foi intitulada pelo líder do Partido Comunista Alexandre Dubcek e apoiada por intelectuais reformistas do partido comunista Tchecos, no ano de 1968. Com o objetivo de “desestabilizar” o país, que houve mudanças políticas e econômicas na 21 Tchecoslováquia, conseqüentes a crença de Dubcek que não acreditava em um Sistema Socialista autoritário. Diante dos movimentos sinteticamente descritos, e de todas as transformações que seguiram, encontramos em meio ao terreno fértil mundial, impulsionados por tempos de definições de novos rumos, os jovens latinos americanos que sentiam os acontecimentos mundiais de forma direta ou indireta e refletiam dentro de seus países. Inquietos, estes que entravam em um período que até os anos 80 seria fortemente marcado por ditaduras militares, ansiavam por mudanças; se reuniam em grupos, discutiam idéias e tinham a esperança de uma sociedade sem classes sociais, onde todas as pessoas tivessem condições de vida e de desenvolvimento semelhante, como o regime socialista instalado na Rússia nos primórdios do século XX, baseado nos princípios do marxismo – socialismo científico, elaborado por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). 1.2. Primeiro encontro Crendo nas promessas de um novo mundo, jovens cineastas latino-americanos de distintos países se uniram, e a partir daí surgiram grupos de amigos de trabalho ou de reflexão, sem nenhuma relação com o Estado, chamado de Nuevo Cine Latinoamericano (NCL 3 ). Esse movimento tinha como intuito usar o cinema como forma de conscientização dos problemas sociais e econômicos nos quais todos os países do continente estavam imersos. Para tal ato, seria necessário fazer um cinema repleto de subtextos, distante de qualquer rótulo ou possível interpretação mais ortodoxa. 3 Nuevo Cine Latinoamericano (NCL) identifica um movimento cinematográfico, que pela primeira vez, reuniu formalmente a produção cinematográfica latino americana, marcada pela proposta de conscientização política e o tom de denuncia, pelo uso de circuitos alternativos de difusão e por idéias expressas em manifesto e publicações nas décadas de 60 e 70. 22 Dessa forma, o Movimento se tornou real, por meio do Cine Club de Viña Del Mar 4 , localizado em uma pequena cidade no litoral chileno, dirigido por Aldo Francia, principal responsável pela reunião dos filmes e cineastas e em especial por conseguir a presença da delegação Cubana, já que por acordo com a OEA 5 , o governo do Chile, como todos os governos da América Latina, com exceção do México, havia interrompido as relações diplomáticas com Cuba. Por fim, a força de vontade de Aldo Francia (1923-1996), Luisa Ferrari e seus colaboradores, conseguiram ultrapassar esse obstáculo e junto a cineastas do Peru, Argentina, México, Venezuela, Bolívia, Brasil, Uruguai, assistiram Alfredo Guevara (1925-) e Saúl Yélin (1935-1977) representarem Cuba. Pela primeira vez se oficializou um encontro entre os protagonistas do cinema latino e caribenho - que, até essa época, se encontravam em festivais na Europa e Canadá, como: Pesaro, Veneza e Cannes – em território Latino Americano, no ano de 1967. Foi do dia 01 a 08 de março que ocorreu o V Festival de Viña Del Mar, e, com ele, o I Encuentro de Cineastas Latinoamericanos 6 , com o intuito de haver um conhecimento mútuo de cinematografias e de incentivar uma discussão em torno de temas como identidade, política e estética. Segundo o cineasta chileno Miguel Littin (1942-), que fez parte desse encontro, “aquele festival de 67 foi nosso encontro com a História em um espelho recoberto talvez pela paixão e pela ira, mas um espelho, ao fim, que refletiu a luz e a sombra de uma nova História. O fundamental ali era encontrarmo-nos e reconhecermo-nos na realidade diversa de uma América incógnita e também desconhecida” (Littin, 2006: 25-26) História essa que havia mudado de rumo desde a revolução cubana. Assim nascia uma nova realidade marcada pela presença efetiva das grandes massas populares na vida pública, realidade que ecoava por todos os países do continente, fazendo com que a geração de jovens 4 O Cine Club de Viñal Del Mar foi criado por Aldo Francia no principio dos anos 60. OEA: Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, por membros de 35 nações independentes das Américas; tendo como objetivo principal: defender os interesses do Continente Americano 6 Encontro dos Cineastas latino-americanos. 5 23 artistas descobrisse nas tradições populares a força que os impulsionaria para o futuro. Um futuro longe das lembranças das culturas destruídas pelos colonizadores, longe da exploração de seus povos, fazendo com que eles reconhecessem uma identidade comum e principalmente buscassem projetar os princípios de uma nova filosofia, para aquelas civilizações desgastadas pelo ceticismo. Seguindo essa vertente, o novo cinema buscava em suas imagens esse resgate popular, pelo choque com a realidade, pela forma de se soltar de antigas correntes e começava a andar por si só. Diante de 46 jovens cineastas, sendo eles: 15 da Argentina, entre eles Fernando Birri (1925-) e Octavio Getino (1935-); nove do Brasil, entre eles Glauber Rocha (1939-1981) e Nelson Pereira dos Santos (1928); dois de Cuba: Alfredo Guevara e Saul Yélin; 11 do Chile, entre eles Miguel Littin (1942-); quatro do Peru; quatro do Uruguai, e uma mulher representando a Venezuela: Margo Benacerraf (1926-); foram apresentados 55 filmes, médias e curtas metragens. A temática real assistida nesse encontro e no seguinte, dois anos depois, foi traduzida por Miguel Littin (Littin, 1988: 38-39) em um poema: Los mineiros de Bolivia. Las mayorías de Brasil. Los que con la tierra y el agua mezclan la greda de Argentina. Los estudiantes de Uruguay. Las guerrilleras de Cuba. Los hombres del carbón en Chile. El testimonio del México. El arte colonial de Venezuela. Los subterráneos del Fútbol en Brasil, sus escuelas de samba, las historias surgidas de la literatura del cordel. Los forjadores del futuro en Perú. Campesinos Viramundos. Estudiantes. Las mujeres proletarias. La infancia abandonada. El hombre que recorría desesperanzado por un mundo ajeno. Los bandoneones insurgentes. 24 Los hacheros no más. Los del otro oficio… El chacal de Nahueltoro. 7 Ficam explícitas as diversas temáticas vindas de distintas realidades, amarradas entre si pela desigualdade social, subdesenvolvimento, entre outros problemas típicos de países de terceiro mundo. Da Bolívia, imersa em um período sombrio, desde 1964, caracterizado por enorme repressão militar e intensa atividade de movimentos populares que esgotaram rapidamente com o modelo de governo de Barrientos 8 que não se mostrou hábil em restaurar os verdadeiros caminhos da revolução de 1952, encabeçada pelos mineiros e camponeses que 7 T.A.: Os mineiros da Bolívia As maiorias do Brasil Os que com a terra e a água misturam o barro da Argentina Os estudantes do Uruguai As guerrilheiras de Cuba Os homens do carvão no Chile O testemunho do México A arte colonial da Venezuela Os subterrâneos do futebol no Brasil, suas escolas de samba, as histórias vindas da literatura de cordel Os forjadores do futuro no Peru Camponeses Viramundos Estudantes As mulheres proletariadas A infância abandonada O homem que caminhava sem esperança por um mundo alheio Os bandoneons rebeldes Os lenhadores não más As memórias do Cangazo Os de outro trabalho O chacal de Nahueltoro LITTIN, M. “Viña Del Mar 1967, Alfredo Guevara, Aldo Francia: El Nuevo Cine de América Latina”. El Nuevo Cine Latinoamericano En El Mundo de Hoy. Universidad Nacional Autónoma de México. UNAM, 1988, P.2829. 8 René Barrientos Ortunõ (1919 – 1969) governou a Bolívia de 1964 até 1969. 25 almejavam o fim dos latifúndios e a nacionalização do complexo mineiro que chegou a acontecer, porém com indenizações compensatórias e de modo burocrático. Seguindo a mesma linha dos acontecimentos na Bolívia, o projeto de penetração norte americana na América Latina tinha exigido a deposição de vários governos civis para garantir a “calmaria” necessária para o projeto de combate à revolução cubana. Em 1964 foi à vez de o Brasil sofrer o pior golpe militar de sua história. Tirou o então presidente Jango 9 do poder, instaurando assim uma ditadura que durou até metade dos anos 80. Fazendo parte desse processo, a Argentina também sofreu um golpe militar em 1966, que depôs o radical Juan Carlos Onganía 10 que refletiu na volta do Perón 11 à Argentina poucos anos depois. Do Uruguai, o movimento estudantil tinha uma tradição de organização e compromisso político e social que ia além dos problemas comuns à vida universitária, se voltando também para a militância diante dos acontecimentos internacionais – como a guerra e as recorrentes agressões norte americanas à América Latina – e compactuando com os movimentos sociais, em especial o movimento dos trabalhadores. De Cuba, a importância da presença feminina na guerrilha. Do Chile, a situação lastimável dos carvoeiros, a crescente oposição da esquerda diante das insuficientes reformas feitas e também a oposição dos setores mais conservadores que acreditavam que tais reformas excessivas como: a reforma agrária e o projeto desenvolvimentista que se baseava em empréstimos externos, desenvolvidas essa pelo então 9 João Belchior Marques Goulart (1919 – 1976), conhecido popularmente por Jango, governou o Brasil de 1961 até 1964. 10 Juan Carlos Onganía Caballo (1914 – 1995) governou a Argentina de 1966 até 1970. 11 Juan Domingo Perón (1895 – 1974) foi presidente da Argentina de 1946 á 1955, e de 1973 até 1974. 26 presidente Eduardo Frei Montalva 12 – que em 1964 havia derrotado Salvador Allende nas eleições. No México, a vanguarda do movimento que exigia ao menos uma tentativa de democracia foi tomada pelos estudantes – antes o movimento era composto por camponeses, pedreiros, professores primários, ferroviários e médicos. Todos os movimentos anteriores haviam sido aniquilados, por isso o surgimento do Movimento Estudantil de 68 – que iniciaram no princípio da década de 60 – foi aceito facilmente por toda população. Tal movimento também exigia explicações diantes dos mortos e desaparecidos em movimentos anteriores, além de suas principais reclamações que consistiam em um conjunto de reivindicações progressistas e democráticas, pautadas na história do México. O Movimento Estudantil de 68 incorporou o movimento dos trabalhadores e por fim se transformou em um grande movimento de massa, colocando um ponto final em antigos mitos e valores nacionais: unidade nacional, estabilidade econômica e social do país. O Movimento alcançou níveis de politização e conscientização coletiva nunca imaginada antes. Por fim, o movimento é massacrado por completo na Plaza De Las Tres Culturas, em Tlatelolco, no dia 2 de outubro de 1968. Da Venezuela, a influência da colonização Espanhola na arte colonial dividia espaço com a arte indígena, que de forma inconsciente se transformava na última barreira de resistência da cultura que cada dia mais perdia espaço para a “arte dos colonizadores” (Littin, 1988: 37). Guiado pelo mesmo apelo de retorno ao primitivo, da busca pelo reencontro com o natural, que o pintor Armando Reverón (1889-1954) se tornou o pintor mais reverenciado da Venezuela, após ter se colocado em oposição ao mundo moderno e a sociedade tecnológica e consumista, passando grande parte de sua vida vivendo em uma gruta. Muitas dessas experiências se expressam em suas obras: na maioria das vezes figuras humanas, 12 Eduardo Nicanor Frei Montalva (– 1982) governou o Chile de 1964 até 1970. 27 especialmente mulheres, cenários insólitos, além da valorização de recursos simples ara criação da pintura. Esse conjunto de características peculiares chamou a atenção de Margot de Benacerrat que realizou o documentário Reverón (1952) sobre a vida e obra do artista, uma das poucas documentações da arte venezuelana da época. Como temática de todos os países comentados encontramos as histórias: das mulheres que agora não são apenas donas de casa, mas que também dividem seu tempo entre família e trabalho; da infância abandonada por falta de recursos sociais e econômicos do Estado; do desmatamento desmedido em toda América Latina, como ocorreu no Chaco Paraguaio 13 ; dos camponeses “viramundos” – referência ao documentário brasileiro Viramundo (1965), de Geraldo Sarno, que retrata a imigração do campo para a cidade grande em busca de novas oportunidades; dos também camponeses que seguem em busca de um trabalho temporário como ocorria em grande escala, não somente em Nahueltoro, como no pano de fundo do filme de Miguel Littin: El Chacal de Nahueltoro (1969); e dos movimentos estudantis que fermentavam de Norte ao Sul do continente. Resgatando a importância do folclore e da cultura típica de cada região, o poema citado faz referência ao cangaço do Nordeste brasileiro, ao fanatismo brasileiro pelo futebol, ao samba pautado nas raízes africanas e adaptado no Brasil pelos escravos negros, ao mais importante compositor de tango do século XX Astor Piazzolla e ao principal instrumento da orquestra de tango: o Bandoneon. Por fim, uma referência comum a todos esses países: o tal homem que caminhava por toda América Latina, em busca de um mundo melhor, personificado na figura de Che 13 O Chaco Paraguaio significa “território de caça” em Quéchua, é uma região que faz fronteira entre Paraguai e Bolívia. 28 Guevara, que naquele momento estava escondido na Bolívia tentando estabelecer uma base guerrilheira para lutar pela unificação dos países da América Latina. Diante da esperança de uma unificação da América Latina, o cinema latino-americano também se propunha a ser reconhecido como uma unidade. Para que isso acontecesse foram estabelecidos os seguintes objetivos pelo V Festival de Viña Del Mar: a) Exibir e confrontar obras experimentais que elevem o cinema como arte; b) Investigar novas formas de linguagem cinematográfica através da latinidade autêntica baseada na problemática do homem e da raça, fazendo com que ele, enquanto sujeito, redescubra suas raízes e incorpore-as; c) Reunir representantes do cinema latino-americano de diferentes atividades e manifestações com a finalidade de trocar experiências e possibilitar a união de uma força comum. Durante uma semana foram organizadas mesas de debates. A primeira delas tinha como proposta resgatar a história da cinematografia latino-americana e analisar de forma profunda a temática e a estilística de tal produção, tendo como pontos principais: a) A história do Cinema Latino Americano; b) A descoberta de certas coincidências entre os povos do continente, abordando também suas particularidades expressivas; c) A liberdade de expressão cinematográfica; d) A cultura cinematográfica por traz dos filmes: cineclubes, cinematecas e críticas. Uma segunda mesa discutia um dos maiores problemas do cinema latino-americano: a forma de distribuição da produção que deveria chegar diretamente aos seus destinatários 29 naturais com os quais os cineastas queriam se comunicar. Em inúmeras vezes os canais de difusão usados eram clandestinos, como a repercutida projeção clandestina feita no mesmo ano, antes da existência do Grupo Cine Liberación 14 , no sindicato de Buenos Aires, onde 200 pessoas que estavam presentes foram presas. Esse era o real motivo para uma discussão profunda dos seguintes tópicos: a) Legislação vigente; b) Um estudo básico do mercado cinematográfico comum; c) O intercâmbio de filmes e a difusão do cinema latino-americano em distintos países do continente; d) Criar uma política de expansão do cinema latino-americano em mercados exteriores. A preocupação em manter as relações formalmente estabelecidas no I Encuentro de Cineastas Latinoamericanos e de criar um órgão que ajudasse a manter tais relações, também se fazia presente em uma das mesas de discussão: a) Manter os contatos estabelecidos no I Encuentro de Cineastas Latinoamericanos; b) Criar relações entre todas as escolas de cinema do continente, com direito a bolsa de estudos entre alunos e professores; c) Revistas de cinema; d) Mecanismos que informem diariamente o “dia-a-dia” do cinema em cada país do continente. 14 Grupo Cine Liberacion: grupo organizado na Argentina começou na clandestinidade em meados dos anos 60, encabeçados pelos cineastas Fernando Solanas e Octavio Getino. Surgiu a partir da experiência de assistir diferentes filmes latino-americanos com forte critica social, que despertaram uma forte consciência política, seguida da vontade de criticar a realidade e depois, tentar modificá-la 30 Por fim, o importante não era apenas produzir conteúdos e desenvolver linguagens cinematográficas em concordância com as mudanças significativas que estavam ocorrendo na maior parte dos países latino-americanos, mas sim apresentar conteúdos e linguagens novas adaptadas para as novas realidades. Era importante encontrar uma nova linguagem que fosse afastada das formas e conteúdos do já conhecido cinema industrial e de consumo. Usando como aliados às evoluções tecnológicas, como as câmeras mais leves, os negativos de imagem mais sensíveis que permitiam filmar em condições de pouca luz; o som direto (ou seja, a gravação do som ao mesmo tempo em que a imagem esta sendo captada); e tudo que já estava sendo utilizado na Nouvelle Vague Francesa 15 ; foi criada uma mesa de discussão que envolvia os seguintes tópicos: a) Experiências anteriores e as fracassadas tentativas de se fazer cinema industrial; b) Legislação vigente; c) Uma pesquisa profunda dos equipamentos existente nos diferentes países; d) Bases reais para o surgimento de co-produções latino-americanas. Durante essa semana diversas discussões foram feitas e 55 filmes foram assistidos, o que se converteu na esperança de criar uma unidade em possibilidade real. Real, porque por inúmeras vezes coincidências estéticas e vontades políticas explodiam na tela, independentemente da nacionalidade do filme. A vontade comum de romper com as estruturas do cinema industrial imposto e do neocolonialismo se destacava naturalmente. Outra grande semelhança era a forma libertadora e criativa com que os cineastas resolviam problemas de limitações tecnológicas. Todos esses elementos se traduziam em uma frase do cineasta brasileiro Glauber Rocha: “Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”. 15 Nouvelle Vague, foi um movimento artístico de cinema francês, criado no final dos anos 50. 31 A frase de Glauber Rocha se converteu na bandeira do festival. Assim, a estética do novo cinema latino americano já estava determinada pelas condições econômicas, sociais, culturais e políticas. A temática seguiria a mesma linha: regida pelo resgate da memória popular, pela necessidade de reescrever nossa própria história, não apenas pautada no folclore e no populismo, que foi a maneira encontrada pela burguesia de usar o cinema como um instrumento de dominação e de perpetuação do poder, mas também com o intuito de unir arte e política. O compromisso com a história também refletiu nas escolhas do júri, que premiou o diretor cubano Humberto Solas (1941-2008) pelo média metragem Manuela (1966) - o primeiro de uma seqüência de filmes dedicados a mulher – que narra um episódio da revolução cubana através de uma camponesa que se une a guerrilha em Sierra Maestra, o cubano Santiago Alvarez (1919 – 1998) que recebeu um prêmio por seu documentário Now (1965), e também o primeiro filme do boliviano Jorge Sanjínes (1937-) com seu documentário Revolución (1963). Do Brasil, foi premiada o curta metragem Maioria Absoluta (1964) de Leon Hirszman (1938 – 1987) que tem como temática o analfabetismo; Viramundo (1965) no qual o também brasileiro Geraldo Sarno (1938-) mostrou a dificuldade sentida pelos imigrantes do Nordeste em direção ao centro-sul em se adaptar com a nova realidade; e dirigindo um roteiro de Geraldo Sarno, o diretor brasileiro Sérgio Muniz (1935-) ganhou um prêmio por Roda e Outras Histórias (1965). A Escuela Documental de Santa Fé (1956), na Argentina – a primeira escola focada no gênero documentário da América Latina-, também destacou as obras cubanas em geral. É importante mencionar nomes, vindo de outras “escolas” latino americanas, como Pedro Chaskel (1932-), Hector Rios (1927-), Patrício Guzman (1941-), Nieves Yankovic e Jorge Di Lauro, do Chile; Raimundo Gleyzer (1941-1976), Carlos Fisherman e Eliseo Subiela (19441995) da Argentina. 32 Ao final daquela semana, ficou acordado repetir a dose dois anos mais tarde, no mesmo festival de Viña Del Mar. Encontros como esses eram essenciais, mas o movimento também estava interessando em criar bases sólidas para o novo cine independente de cada país, que começava a engatinhar. Para essa função, surgiu a idéia de criar um órgão chamado de Centro Latinoamericano Del Nuevo Cine 16 – antecessor do Comitê de Cineastas da América Latina (1974) – cujo principal objetivo seria repassar as informações emitidas por cada centro nacional de cinema de cada país para todos outros, a fim de sistematizar um reconhecimento global da cinematografia latino-americana e aumentar suas possibilidades de desenvolvimento. Para que a unidade sonhada fosse estabelecida, o centro também teria a função de organizar semanas de cinema latino-americano nas capitais e províncias, criar circuitos alternativos de distribuição e exibição, promovendo diretamente a criação de um centro nacional de cinema ligado a um órgão internacional, que teria sede em Viña Del Mar. A capacitação e espaço para experimentação de cinema também foi discutida. Havia uma grande necessidade da abertura de escolas e escritórios que seguiam a mesma linha da Escuela de Cine de Viña Del Mar 17 , dirigida pelo Cine Club em parceria com a Universidade do Chile, escola que se tornou realidade no ano seguinte. O resultado desse encontro e das idéias discutidas nele ecoou com nomes distintos em cada país. Sendo assim, foi o cinema conhecido pela célebre frase de Glauber Rocha “Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, chamado de Cinema Novo no Brasil; ICAIC – Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica - em Cuba, foi o cinema contestador na Escuela de Documental de Santa Fé 18 na Argentina; na Bolívia foi o cinema de Sanjínes e depois UKAMAU – grupo de cineastas bolivianos liderados pelo próprio Sanjínes, funcionando em moldes similares ao Grupo Liberación na Argentina - título do seu primeiro 16 Centro Latino Americano do Novo Cinema ou do Cinema Novo. Escola de Cinema de Viña Del Mar foi criada em 1967, por Aldo Francia. 18 Escola de Documental de Santa Fé na Argentina foi criada em 1956 por Fernando Birri. 17 33 longa metragem rodado em 1966 que foi ponto de partida do movimento que tinha como lema “cine junto al pueblo” 19 ; foi o cinema nascido em meio a manifestações populares no Chile, chamado de Nuevo e Experimental; no México foi Cine Independiente; foi Cine Nuevo e Cinemateca de Tercer Mundo 20 no Uruguai; na Colômbia foi Cine Documental; e foi o cinema de Margot Benacerraf a criadora da Cinemateca Nacional da Venezuela (1966). Independentemente de como era chamado em seu país de origem, o movimento do Nuevo Cine Latinoamericano nasceu oficialmente em Viña Del Mar, no ano de 1967. Fruto do mais puro desejo dos jovens cineastas latino-americanos, desejo esse de misturar arte com política, e assim, fazer sua própria revolução. 19 “Cinema junto ao povo”. A Cinemateca do Terceiro Mundo (CM3) surgiu em 1968, por meio de um grupo de 17 jovens uruguaios, que tinham como objetivo divulgar sua obra ou toda aquela que tivesse alguma afinidade com o protesto e a denuncia. O CM3 foi extinto em 1973, devido ao regime militar instalado no Uruguai no mesmo ano. 20 34 2. NOVO CINEMA LATINO AMERICANO EM POTÊNCIA 2.1. Novos frutos As promessas feitas no primeiro encontro oficial dos jovens cineastas latino-americanos desencadearam um ano mais tarde na Mostra de Cinema Documental Latino Americano e no II Encuentro de Cineastas Latinoamericanos em Mérida 21 (Venezuela), bem como a Mostra Del Nuevo Cinema de Pesaro 22 (Itália). Tais encontros reuniram não só jovens cineastas latinos americanos, mas também apontavam para um crescente interesse de críticos europeus que passavam por uma fase de profunda politização da arte em geral. Segundo Mariana Martins Villaça 23 relatou nos Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC: “As manifestações e protestos político-sociais ocorridos em 1968, na França, produziram considerável impacto na produção cinematográfica latinoamericana e contribuíram para aprofundar o interesse da crítica especializada e do público universitário estrangeiro pelas obras e ações dos realizadores identificados ao projeto do chamado Nuevo Cine Latinoamericano” 24 . O acolhimento da crítica - principalmente na França - se explica no contexto das novas buscas européias, principalmente marcadas pelos cineastas membros da Nouvelle Vague e pelo chamado cinema de autor 25 . O interesse internacional contribuiu para que o interesse em território latino americano aumentasse e passa se a ser documentado por revistas como Cine Cubano (Cuba), Hablemos de Cine (Peru), Cine Del Tercer Mundo (Uruguai) e Cine Al Dia (Venezuela). 21 II Encontro dos Cineastas Latino-americanos em Mérida – Venezuela -, ocorreu do dia 21 a 29 de setembro, de 1968, por iniciativa de Carlos Rebolledo. 22 Mostra de Cinema Novo em Pesaro – Itália – 1968. 23 Doutora pelo Depto. de História da FFLCH-USP e integrante de Projeto Temático “Cultura e política nas Américas: circulação de idéias e configuração de identidades (séculos XIX e XX)”. Esse trabalho é um desdobramento da tese de doutorado e parte da pesquisa de pós-doutorado intitulada “Circuitos e diálogos do Nuevo Cine Latinoamericano (1967-1986)”, com auxílio da FAPESP, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Ligia Coelho Prado. 24 Anphlac. Disponível em: http://www.anphlac.org/periodicos/anais/encontro8/mariana_villaca.pdf. Acessado em 26/01/2009. 25 Cinema de Autor é o termo dado ao diretor que possui um estilo próprio reconhecido em toda sua obra. 35 No II Encuentro de Cineastas Latinoamericanos em Mérida ficaram em destaque a premiação conjunta da obra do cubano Santiago Alvarez por Hanoi, martes, 13 (1967) e 79 Primaveras (1969) que abordou a guerra do Vietnã por diversos ângulos distintos; as produções do grupo argentino Cine Liberación que traduziram a miséria latino-americana principalmente no filme La hora de los hornos (1968); e o grupo Boliviano Ukamau que expôs inúmero filmes com temática sobre a exploração dos trabalhadores e movimentos estudantis, como foi o caso de Me gustan los Estudiantes (1968) de Mario Handler (1935-), confirmando a importância do cinema documental e revelador do movimento. Segundo Mario Handler, a arte de fazer cinema não se limitava apenas em dirigir o filme, no caso dos diretores: “Fazer-la com as mãos, os pés, o sorriso, a mente, o engano, a astucia, à ação sindical e um pouco de dor” 26 . Nessa frase e em diversos atos, muitas vezes implícitos nos documentários que buscavam retratar a verdade, os jovens cineastas mostravam que ainda mantinha vínculos com a chamada popularmente de “velha esquerda”; com os velhos comunistas. Vínculos esses, que se tornaram mais visíveis nos acontecimentos no festival de Pesaro. Os dias foram conturbados no festival de Pesaro, na Itália. Protestos foram organizados pelo movimento estudantil contra o esquema de premiação que predominava na época. Aproveitando o pipocar desses protestos, cineastas latino-americanos redigiram uma declaração de apoio aos estudantes, defendendo que todos os festivais deveriam ser abertos para discussão e crítica, ressaltando a democracia, pouco presente na época nos países latinoamericanos. A declaração foi chamada de Declaraciones Del Cine Latinoamericano 27 , e foi assinada por um grande grupo de cineastas, entre eles se destacam nomes como dos cubanos Enrique Pineda Barnet (1933-), Julio Garcia Espinosa (1926-) e Tomás Gutiérrez Alea (1928- 26 27 Sergio Trabucco. Disponível em: http://sergiotrabucco.wordpress.com/. Acessado: 27/01/2009 Declaraciones del Cine Latinoamericano en Pesaro”. La Habana, Cine Cubano núm. 49-50-51, p. 84. 36 1996); dos argentinos Fernando Birri, Fernando Solanas; dos brasileiros Leon Hirszman e Paulo Cesar Saraceni (1933-) e do Espanhol, radicado na Argentina, Octávio Getino. Um fato memorável que chamou a atenção de todos foi o cartaz colocado em cima da tela de projeção por Fernando Solanas e Octávio Getino, antes da apresentação de seu filme La Hora de los Hornos (1968), que dizia: “Todo espectador é um covarde ou um traidor.”, 28 denunciando dessa forma o projeto ideológico por traz do NCL e o momento paradoxal no qual aqueles jovens estavam imersos. De um lado a denúncia de injustiças, discussões sobre uma maior participação popular: um cinema capaz de reunir pessoas, muitas vezes na clandestinidade, de diversas nacionalidades que não aceitavam a falta de liberdade na sociedade em que viviam, formando assim um grupo que lutava por minorias étnicas. Por outro lado, a falta de meios onde essas produções pudessem ser vinculadas, o material usado também escasso, o discurso conhecido que queria se valer por si só, muitas vezes resultavam em obras de baixa qualidade visual com enredos óbvios. Seguindo pelo mesmo viés esquerdista um dos importantes nomes que assinaram a declaração, o cubano Julio Garcia Espinosa, publicou no ano seguinte uma espécie de manifesto que continha todas as idéias que haviam sido apresentadas em Pesaro, em forma de comunicação. Garcia Espinosa intitulou-o de Por que um cine imperfecto (1969), onde sugeria, por exemplo, que o artista era um trabalhador e que o prazer estético estava apenas na funcionalidade. Por um cine imperfecto (1969), sugeria também uma tolerância à imperfeição: “Hoje o filme perfeito desde o ponto de vista técnico e artístico é quase sempre um cinema 28 “Todo espectador es un cobarde o traidor” (Fernando Solanas e Octávio Getino). Apolo. Disponível em: http://apolo.uji.es/fjgt/sanjines.PDF. Acessado: 27/01/1009. 37 reacionário” 29 . Devido à falta de recursos de grande parte dos cineastas latino-americanos, as filmagens eram quase sempre feitas em condições muito precárias, principalmente com os inúmeros documentários que surgiam, trazendo imagens de enfrentamentos políticos, muitas vezes feitos de forma clandestina. Além da eterna busca de fazer um cinema autêntico se distanciando cada vez mais do padrão Hollywoodiano, conseqüentemente ressaltando a latinidade, o manifesto gerou inúmeras discussões dentro do movimento, o que resultou em uma revisão e publicação posterior do livro Una imagem recorre El mundo de Garcia Espinosa (1982) 30 . 2.2. Promessa cumprida – Viña Del Mar 1969 No mesmo ano de 1969, os cineastas retomaram ao marco zero do movimento: Viña Del Mar, para o antes almejado segundo encontro, resultando no segundo festival de Viña Del Mar (1969), que contou não apenas com cineastas, mas também com estudantes de cinema da Argentina e de outros países do continente que, ao chegar ao Chile, se uniram a estudantes e representantes sindicais e culturais chilenos, e em uma grande assembléia elegeram como presidente honorário o Comandante Ernesto Che Guevara – falecido em outubro de 1967 – como uma homenagem a todos os heróis que caíram em batalha pela libertação da América Latina. Segundo o fundador do evento, Aldo Francia, o que diferenciava esse festival dos renomados internacionais era manter o foco na realização dos filmes: “o cinema na América 29 “Hoy el cine perfecto desde el punto de vista técnico y artístico es casi siempre un cine reaccionario” (Julio Garcia Espinosa). Sergio Trabuco. Disponível em: http://sergiotrabucco.wordpress.com/. Acessado: 27/01/1009. 30 ESPINOSA, J.G. Una imagen recorre el mundo. México: Filmoteca de la UNAM, 1982. O livro foi publicado no mesmo ano em que García Espinosa se tornou presidente do ICAIC, em substituição a Alfredo Guevara. O ensaio “Por un cine imperfecto” (1969) voltou a ser publicado numa coletânea maior, intitulada Un largo camino hacia la luz. La Habana: Ediciones Unión, 2000. Os artigos de García Espinosa, nessa edição, que revisam a proposta do cine imperfecto são: “En busca del cine perdido” (1971),”El cine popular a veces da señales de vida” (1989) “Por un cine imperfecto. Veinticinco años después” (1994). 38 Latina não deve seguir o caminho europeu ou norte-americano. Este não é um festival de estrelas e sim de realizadores” (Littin, 1988: 34-35) 31 . Para Francia, a idéia de desenvolver novas formas de fazer cinema sem se afastar do ideal da unidade latina era válida: “Queremos trabalhar com novos cineastas, com novas tendências apoiando em tudo que seja possível as co-produções, apoiando tudo que tenha a unidade da América Latina” (Littin, 1988: 35) 32 O evento reuniu 80 filmes, muitos deles frutos das discussões feitas no primeiro encontro. Entre eles: 50 documentários, 30 ficções, que foram rodados, 53 deles, em 35 mm e, 26, em 16 mm. O destaque do festival foi a delegação cubana que, nesse encontro, compareceu em peso, trazendo nomes como o de Santiago Alvarez, Pastor Vega e Octavio Cortázar. Entre os 80 filmes, os que já haviam repercutido em Mérida repetiram a dose em Viña Del Mar: 79 Primaveras (1967) e Hanói Martes 3 (1969) de Santiago Alvarez, e o não menos polêmico La Hora de Los Hornos (1968) de Octavio Getino e Fernando Solanas. Outros destaques, não menos importantes no festival de Viña Del Mar, surgiram com a ficção que usa como recurso cenas documentais para narrar sobre um burguês que decide ficar em Cuba após a queda de Batista e Memórias Del Subdesarrollo (1968) do cubano Tomaz Gutiérrez Alea. Hasta La Victoria Siempre (1967), um documentário de Santiago Alvarez; com Las Aventuras de Juan Quinquín uma ficção dirigida e roteirizada por Julio Garcia Espinosa, inspirada no romance de Samuel Feijó: Juan Quinquin En El Pueblo Mocho (1967); Garcia Espinosa também escreveu o roteiro do manifesto socialista latino: La Primera Carga Del Manchete (1969) com Jorge Herrero (1936-), Alfredo l. Del Cueto e Manuel Octávio Gomez (1934-1988); Lúcia (1968) de Humberto Solas ganhou repercussão internacional apresentando três histórias ambientadas em épocas diferentes, protagonizadas por moças de 31 “(…) el cine en América Latina no debe seguir el camino europeo o norteamericano. Éste nos és un festival de estrellas sino de realizadores.” 32 “Queremos trabajar con nuevos cineastas, con nuevas tendencias apoyando en lo que sea posible las coproducciones, apoyando todo lo que tienda a la unidad de América Latina (…)” 39 nome Lucía, que personificavam a gradativa emancipação feminina e a transformação “evolutiva” da mentalidade desde o contexto das lutas independentistas (com a Espanha), passando pelos anos 30 (a época da ditadura de Gerardo Machado, em Cuba) e chegando aos anos 60. Do Brasil, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), do diretor Glauber Rocha, reafirmou sua importância no movimento, já antes ressaltada pela indicação de melhor diretor em Cannes, em 1964. Vidas Secas (1964), de Nelson Pereira dos Santos, surgiu da adaptação da obra de Graciliano Ramos de 1963, também foi indicada ao prêmio de melhor direção em Cannes junto com o filme de Glauber Rocha. O Chile apresentou o filme de Douglas Hubner: Herminda de La Victoria (1968), que mostrou, nesse documentário de 15 minutos, o enfrentamento entre população, que luta para continuar em suas terras, e a polícia. Outra película chilena que chocou foi a que mostrou de forma quase jornalística o departamento de psiquiatria de Iquique, onde 29 doentes são tratados sem o mínimo de recursos necessários na película Testemonio (1968) de Pedro Chaskel e Héctor Rios. Os dois títulos a seguir são considerados – junto com El Chacal de Nahueltoro (1967) de Miguel Littin, apresentado no festival anterior - obras primas do cinema chileno segundo o próprio organizador do festival. Valparaiso Mi Amor (1969) consagrou Aldo Francia não só como realizador do festival, mas também como excelente diretor neo-realista, narrando nessa ficção a vida difícil de três irmãos que, sem o pai, lutam para sobreviver. Tres Tigres Tristes (1968) escrito e dirigido por Raoul Ruiz, que manteve o nome da peça em que se baseou, escrita por Alejandro Sieviking em 1968, descreve a sociedade chilena e suas particularidades. Independente da origem dos cineastas, os títulos reunidos em Viña Del Mar, carregavam uma série de semelhanças. A mais aparente delas é a temática acompanhada do compromisso em transpor para a tela os problemas da sociedade de forma real – já mencionado como a 40 tentativa de se fazer um cine imperfecto, cine urgente, tercer cine, cine acción, cine directo, ou cine revolucionário 33 – abordando temas comuns à América Latina, como: descolonizaçãocultural, engajamento político, revolução, desigualdade social. O cinema mais do que um instrumento de cultura, era, sem dúvida, uma engenhosa arma na luta de classes. O compromisso com a verdade foi o lema principal de todos os grupos que participaram desse movimento, mesmo produzindo películas de diferentes correntes estéticas. Grupos esses que foram além dos argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino do Grupo de Liberación; do percussor do movimento Alfredo Guevara junto com o ICAIC e mais tarde ao lado de Aldo Francia; dos brasileiros do Cinema Novo, incorporado pela figura de Glauber Rocha e a sua teoria da “estética da fome”; e do UKAMAU, do líder documentarista boliviano Sanjínes do “cine combatiente”, já citados anteriormente. Em todos os países dessa parte do continente surgiram grupos envolvidos com o ideal do cinema revolucionário, alguns são lembrados até hoje, outros caíram no esquecimento por falta de documentação, muitas vezes perdidas em golpes militares. Entre eles outro grupo não tão comentado, mas não menos importante, foi o uruguaio CM3 que se destacou desde seu surgimento, também em 1968, por sua organização. Desde seu nascimento, os seus 17 integrantes foram divididos em três comissões, os mais importantes deles foram Hugo Alfaro e José Wainer (críticos e redatores do periódico do partido comunista Marcha), o cineasta Mario Handler, o jornalista Mario Jacob (vinculado ao jornal El Diário) e o empresário e distribuidor de filmes Walter Achugar. A CM3 tinha como logotipo um homem empunhando uma câmera, como se segurasse uma metralhadora. O principal objetivo era reunir e difundir filmes latino-americanos que tivessem um caráter militante e crítico, além de divulgar o cinema independente e promover produções, de maneira que a produção nacional fosse estimulada. Em um curto espaço de tempo, foram reunidos 140 títulos, muitos de difícil aquisição. 33 Diversos termos foram usados para chamar os filmes produzidos pelo NCL, alguns deles foram: cinema imperfeito, cinema urgente, terceiro cinema, cinema ação, cinema direto, cinema revolucionário. 41 2.3. Era de chumbo O final da década de 60 até o principio da década seguinte, foram os anos de glória do NCL, quando o cinema feito por seus membros estava diretamente ligado aos processos políticos que estavam se desenvolvendo na maior parte América Latina, onde fervilhavam idéias progressistas nos âmbitos sociais e culturais. Algumas experiências democráticas surgiram nesse período, tendo como ponto de partida o exemplo Cubano em 1959 e chegando ao final com o término da experiência chilena, com Salvador Allende 34 em 1973. Os três golpes militares que mudaram o rumo da história da América do Sul – Brasil, Argentina, Chile - segundo Osvaldo Caggiola (2001) tiveram uma influência determinante da diplomacia americana, fazendo com que a tensão internacional - EUA versus URSS, ou o “comunismo versus mundo livre” (Caggiola, 2001:40) - fornecesse o álibi ideológico para os golpes militares, que afirmavam ser a única democracia capaz de deter o comunismo. As instaurações dos regimes – em sua grande maioria militares - surgiram de forma gradativa: no Peru em 1962, seguindo em 1964 pelo Brasil e Bolívia, em 1966 na Argentina, no Equador em 1972 e por fim, em 1973 no Uruguai e no Chile. Tais regimes defendiam os interesses das Oligarquias nacionais, ligadas ao processo econômico ocidental nas mãos das grandes empresas multinacionais, por isso optaram por eliminar o inimigo político cortando o mal pela raiz. O resultado foi um sufocamento na maior parte das tentativas do NCL em produzir um cinema que denunciaria a falta de liberdade de expressão e as atrocidades 34 O chileno Salvador Allende (1908-1973) foi o primeiro presidente da republica e o Primeiro Chefe de Estado Socialista, eleito democraticamente na América Latina. Allende acreditava na via eleitoral da democracia representativa e acreditava ser possível instaurar o Socialismo dentro do sistema político não vigente. Em 1973, Allende resistiu até o último momento ao golpe militar de Pinochet, sozinho no Palácio da Moeda, onde se acredita que foi morto pelas tropas invasoras. 42 ocorridas ao longo dos anos. Como conseqüência: milhares de julgamentos sumários, prisões, assassinatos impunes e extradições. A lealdade e a coerência com o ideal do movimento fizeram com que seus membros fossem vítimas dessas conseqüências, o que desacelerou gradativamente o crescimento do NCL. A mesma lealdade, somada à queda de Allende no ano de 1973, – e com ele o fim da esperança de implantar o socialismo no continente – reagiu no cubano Alfredo Guevara que funda o Comitê de Cineastas da America Latina (C-CAL) em Caracas (Venezuela), com o objetivo de lutar em defesa dos desaparecidos, dos presos políticos, dos milhares de extraditados e ao mesmo tempo reunificar as forças do NCL. Através do Comitê, foram reunidos escritores, músicos e dramaturgos, para finalmente redundar os festivais de cinema. Guevara foi o responsável pelo primeiro festival de cinema após os “anos de chumbo” trazidos com os golpes militares, no ano de 1979, na ilha de Cuba. O primeiro Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana visava reiniciar as tradição do cinema latino americano e dessa forma, dar uma resposta ao Imperialismo. Em meados da década de 80, o período histórico dominado por regimes militares na América Latina chegou ao fim deixando cicatrizes sentidas até hoje. Em um balanço feito na introdução do livro de Coggiola (2001), chega-se a conclusão que na grande parte dos países, a maior parte das lideranças políticas de esquerda ou, simplesmente progressistas, sindicais, estudantis e intelectuais, foi eliminada pela repressão. Muitos sobreviventes da repressão tiveram suas vidas completamente marcadas para sempre: vocações abandonadas, carreiras interrompidas e exílios temporários que se tornaram definitivos. Muitos morreram alguns anos depois em conseqüência da violência sofrida nesse período. Estimam-se também, um número de mortes que poderia ser comparado ao Genocídio Nazista, levando em conta os cem mil mortos e cinqüenta mil desaparecidos na Guatemala na década de 80 e os trinta mil desaparecidos na Argentina na segunda metade da década de 70. 43 3. EICTV – UM NOVO RECOMEÇO 3.1. A união faz a força O novo recomeço surgiu no campo mais fértil para as artes de todo continente: Cuba. Desde a revolução cubana em 1959, as manifestações artísticas deixaram de ser restritas apenas às elites, passando a ser difundidas nas províncias. Manifestações culturais eram – e permanecem sendo - facilmente encontradas em todo o perímetro da ilha devido ao grande incentivo cultural principalmente na literatura, no cinema e na música, abrindo espaço para um intercâmbio cultural entre artistas e intelectuais de todas as partes. Intelectuais e artistas, na época em que a América Latina foi imersa nas ditaduras, buscaram exílio político em Cuba assegurada pelo líder Fidel Castro 35 , onde encontraram a liberdade necessária para criarem suas obras. Na capital cubana, Havana, durante a sétima edição do Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana (1985), surgiu a idéia de um novo começo para o NCL: a criação de uma escola de cinema. A princípio, a possível concretização desse sonho se espalhou rapidamente, idéia essa que já era uma vontade antiga para alguns membros do antigo NCL. Os rumores se concretizaram na solenidade de encerramento, no Teatro Karl Marx, onde ao final do discurso, Fidel Castro disse ter sido informado da idéia de se construir uma escola de cinema e televisão da América Latina e logo afirmou apoiar integralmente o projeto com uma ressalva: a escola deveria ser também para o Caribe, Ásia e África. Com a aceitação total de Fidel, os grandes percussores do projeto – o cineasta Fernando Birri, e o diretor presidente do ICAIC e vice-ministro da Cultura de Cuba Julio Garcia Espinosa – começaram a colocar em prática, o que tinham sonhado há anos. 35 Fidel Castro foi líder da Revolução Cubana de 1959, que derrubou o governo do ditador Fugêncio Batista, e implantou o socialismo, organizado segundo o modelo marxista-leninista. Foi o primeiro Presidente do Conselho do Estado da Republica de Cuba (1976-2007). Atualmente é o Primeiro- Secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. 44 O primeiro passo, que já havia sido dado meses antes do festival, foi organizar uma fundação de direito privado, já que com exceção das leis revolucionárias, as leis civis em Cuba funcionam da mesma forma que em qualquer outro lugar. Foi assim que surgiu a Fundación Del Nuevo Cine Latinoamericano (FNCL) 36 em Havana, no ano de 1985, que tinha como matriz o grupo que pertencia ao Comitê de Cineastas da América Latina. Ao FNCL, além do grupo pertencente ao antigo comitê, foram agregados valorosos nomes e, para ser o presidente da nova fundação, foi chamado o escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez 37 . Na década de 50, Garcia Márquez estudou cinema no Centro Experimental de Cinema em Roma, onde conheceu alguns membros do que se converteria no NCL e participou diretamente de alguns filmes; sua amizade com Fidel e simpatia por movimentos revolucionários na América Latina já eram conhecidas por todos de longa data. O presidente da FNCL convocou o cineasta Fernando Birri para dirigir a futura escola; Birri era uma figura importante no antigo movimento e continha uma grande bagagem, resultado da sua experiência com a Escuela Documental de Santa Fé, e aceitou de imediato. A concretização desse sonho também contou com uma forte influência de Julio Garcia Espinosa, que no papel de presidente do ICAIC – além de um dos principais nomes do NCL – deu todo suporte necessário para a criação da escola. O local escolhido, devido à falta de espaço físico em Cuba, foi uma antiga escola secundária encontrada dentro de uma fazenda que, no passado, havia sido uma irmandade de freiras, em um município situado a 30 km da capital, chamado San Antonio de Los Baños. O Estado Cubano ofereceu o espaço, o reformou e construiu mais dois prédios que serviriam de 36 A Fundação do Novo Cinema Latino Americano (FNCL) foi criada em quatro de abril de 1985, como um organismo que serviria de base de desenvolvimento institucional para a escola de cinema (EICTV) que surgiria no ano seguinte. Cinema Latino Americano. Disponível em: http://www.cinelatinoamericano.org/fncl.aspx?cod=53. Acessado: 02/02/2009. 37 Em 1982, Garcia Marquez ganhou o premio Nobel de literatura por sua obra, o que concretizou sua imagem de maior escritor latino de todos os tempos 45 alojamento para professores e diretores, além de doar dois milhões de dólares em equipamentos que vieram do Japão e da França. A ajuda de Cuba não parou por aí: durante certo tempo, assumiu o compromisso de pagar as despesas que fossem possíveis, como telefone, combustível, água e salário dos professores em pesos cubanos e passagens de avião para os membros que viessem de outros países de acordo com o itinerário da Cubana de Aviação. Essa ajuda foi essencial para o princípio de tudo. A Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV) 38 foi inaugurada em 15 de dezembro de 1985, como o projeto acadêmico mais importante da Fundación Del Nuevo Cine Latinoamericano, popularmente conhecida como Escola de Três Mundos – América Latina e Caribe, África, Ásia. Segundo Birri (2006), seu nome foi produto do momento histórico e político do momento “porque nasce no momento histórico e político da Tricontinental 39 , esse grande projeto histórico que se coloca frente a um mundo que qualifica o outro de ‘Terceiro Mundo’, o que eu acho um absurdo, porque nenhum indivíduo se qualifica a ele mesmo como sendo de ‘terceira categoria’, e apenas um indivíduo, ou um mundo que se supõe de primeira categoria pode dar título de terceira categoria ou terceiro mundo ou outro, o que pelo menos em parte, foi o que aconteceu neste caso. E então, polemicamente, a escola não se chamou Escola de Terceiro Mundo, mas sim, ao contrário, antitética e polemicamente “Escola de Três Mundos – América Latina e Caribe, África e Ásia” (Birri, 2006: p.19). 38 Segundo declaração de Fernando Birri no Ciclo de Debates - 1º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo 2006, a Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba, se chamava originalmente de Escola de Cinema e Televisão da América Latina, Caribe, África e Ásia. 39 Originalmente o termo tricontinental se tornou popular na Mensagem Tricontinental (1967) que Che Guevara redigiu baseada na discussão da estratégia global revolucionaria contra o imperialismo que ocorreu na Conferencia Tricontinental (1966, Havana) entre os comunistas revolucionários dos três continentes – America Latina, Ásia e África. No mesmo ano da Mensagem Tricontinental, o cineasta Glauber Rocha estruturou uma teoria chamada de Revolução Cinematográfica Tricontinental, pautada nas idéias de Che para combater o cinema imperialista dos mercados dos países de terceiro mundo. Para isso seria necessário que os cineastas vindos desses locais se organizassem a modo de fazer com que tivessem uma produção única – com criação de uma estética revolucionaria/popular, que não aceitasse copia dos modelos americanos – sustentados por seu próprio mercado. Tricontinental 67. “Um Cineasta Tricontinental”, Cahiers du Cinema (195): 39-41, Nov. 1967. 46 A EICTV surgiu para satisfazer a necessidade de um projeto latino americano, contemplando inúmeras possibilidades, criando um espaço aberto onde a contribuição de todos os membros da fundação foi importante para a construção dos alicerces da escola. Outra idéia que foi seguida desde seu inicio foi a de não copiar nenhum modelo de outra escola no mundo, não descartando o uso desta como referência, agregando, dessa forma, um tom mais que experimental à escola, sinalizando que o projeto teria uma proposta única, visionária. 3.2. Certidão de nascimento Para pontuar de forma clara o futuro almejado ao tão ousado projeto, Birri (2008) desenvolveu uma “Certidão de Nascimento da Escola Internacional de Cinema e Televisão”, na qual explicava os objetivos a serem alcançados e o modo de funcionamento da escola. Um dos importantes tópicos encontrados nesse “tratado” é a preocupação de acabar com a superioridade do cinema sobre a televisão, para Birri isso não passa de um “preconceito elitista, retardatário” (Birri, 2008:22) que deve ser eliminado. “Se uma imagem audiovisual por excelência pode expressar no mundo contemporâneo magia e ciência, se uma imagem pode sintetizar a evolução histórica do nosso velho sonho como imagem audiovisual democrática – por sua simultaneidade com o fato histórico, sua ubiqüidade geográfica, seus custos de produção e consumo relativamente menores -, essa imagem audiovisual democrática por excelência é a do vídeo e da televisão. Se depois, no cotidiano, isso não acontece, e na verdade acontece exatamente ao contrário, isso também é de fato, parte da nossa responsabilidade, e não só profissional ou técnica, mas política.” (Birri, 2008:22) O uso de materiais eletrônicos, somados a linguagem fílmica, foi incorporado como suporte do processo criativo, – não apenas como exemplo, como costumava ser usada em outras universidades - como a película e o tape magnético. Para o caso específico do cinema: o uso de 35 mm e 16mm, e marginalmente também o Super-8; para TV e vídeo: pincéis 47 eletrônicos de diversos tipos de pêlos. E para ambos os casos cor e preto e branco. Os materiais citados seriam usados para exercícios em ficção (contemporânea, histórica e “futurizada”) e em documentários (jornalismo visto e ouvido, noticiário, para TV e Cinema). A importância de fazer a teoria e a prática caminharem lado a lado também se destacava da mesma forma do ideal de estabelecer uma relação de troca entre professores e alunos, deslocando o professor de um patamar acima e o recolocando no mesmo nível dos alunos, para que ambos pudessem ensinar e aprender ao mesmo tempo e assim formarem “cineteleastas”, ou seja, profissionais formados em cinema e televisão. O logo da EICTV é um círculo vermelho, um quadrado azul e um triângulo amarelo sobrepostos. Cada um deles simboliza uma etapa a ser concluída dentro da escola – iniciação, complementação e superação. Por exemplo, no caso de um iniciante - que não tivesse tido nenhum contato anterior com cinema e/ou televisão – a resposta seria o triangulo amarelo, ou seja, o Curso Básico/Regular – seria o vulgo “escolinha”, para que com esse apelido ele fosse diferenciado do projeto total. Segundo Birri, o Curso Básico e o Regular estão inteiramente ligados: “Cada aluno se integrará a uma equipe de trabalho e, ao mesmo tempo, desenvolverá seu próprio projeto individual em Cursos Regulares de três anos e meio (meio ano de Curso Básico, e mais três anos de Curso Regular) conjugando a polivalência (“todos devem saber fazer de tudo”) com as especializações profissionais (Direção, Fotografia e Câmara, Som, Montagem, Produção de Cinema e Televisão).” (Birri, 2008:25) Ao concluir o Curso Regular (primeira e segunda etapa), o aluno estará apto para exercer qualquer posição no cinema ou na televisão, pois teve chance de aprender e praticar todas as funções existentes no cinema e na televisão. Reafirmando a premissa de que “todos devem saber fazer de tudo”, é eliminada a simples idéia de uma especialização em uma área. 48 Assim, antes de se aprofundar em um campo, o aluno já terá “experimentado” outras posições, o que lhe facilitará encontrar um emprego em seu país de origem. A segunda preocupação seria desvincular a idéia de cinema independente ou político e experimental a uma falta de técnica e recursos, seja ele clandestino, militante, de denúncia, de resistência, social, didático, independente, vocacional, underground, marginal diversificado, entre outros. A EICTV foi pensada, não apenas para formar cineteleastas, mas também para manter fresca a realidade do Terceiro Mundo do qual todos os alunos são produto. Para isso foram criados um Centro de Documentação, uma Cinemateca, uma Radioteca, uma Videoteca, além de uma Oficina do Olho e uma Oficina da Orelha e três coleções editoriais – uma referente a cada curso – que podem ser encontradas na gráfica própria. Oferecer condições nas quais os alunos poderão viver situações do cotidiano da profissão será oferecido como forma de complemento da aprendizagem, como estágios no ICAIC e no ICRT – Instituto Cubano de Rádio e Televisão, passando também, pela experiência de assistirem o Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana. No caso de alunos já experientes, sem necessariamente terem tido uma formação acadêmica, o recomendado seria o quadrado azul, ou seja, as Oficinas Experimentais, que seguem por dois caminhos, que foram reconhecidas como as maiores dificuldades na evolução do Novo Cinema Latino Americano: Roteiro e Dramaturgia – as de dramaturgias serão inauguradas pelo próprio presidente do FNCL: Gabriel Garcia Marquez -, e Direção de Atores. “É nessas Oficinas Experimentais que a escola expressará, em sua máxima potência, uma característica que defendemos como motivação implícita de seu direito a vida: o direito ao erro. Ou melhor, e para evitar mal-entendidos: o direito a nãos e inibir por medo ao erro. Porque se uma escola não assegura esta margem de liberdade criativa, onde, em qual etapa de seu futuro o cineteleasta tornará tão organicamente encontrá-la?” (Birri, 2008: 245). 49 O círculo vermelho representa uma resposta para um terceiro tipo de profissional: aqueles que já possuem uma obra profissional realizada. Chamamos de “Diálogos de Altos Estudos”; o objetivo é mediar e desenvolver uma troca de experiências e informações em geral entre os cineastas dos diversos locais. Para o desenvolvimento dessa etapa, a direção e o grupo docente da escola se integrarão a outros especialistas africanos, asiáticos, empregando novamente o conceito de “aprendizagem permanente”. Sendo coerente com as raízes do antigo movimento, a escola oferecerá 240 bolsas de estudo integrais – a escola tem capacidade para 300 alunos; a cota de bolsista é de quatro para cada país. Para concorrer o futuro aluno deverá apresentar: domínio do espanhol, segundo grau completo e ter entre 20 e 30 anos, e passar por duas provas em seu país. “Cuba dá as instalações da Escola, com uma capacidade de uns 300 alunos e o equipamento inicial. O resto é fornecido pela Fundação. Nem a Fundação nem a escola são do Estado Cubano.” (Birri, 2008: 245) 40 . Diante dessa nova esperança, que sinalizava tempos de trabalho pesado, inteligente, carregado de imaginação, os remanescentes do NCL voltaram a se unir quase vinte anos depois do primeiro encontro formal em Viña Del Mar, para usarem como ferramenta básica a EICTV e a FNCL - junto com a possibilidade de criar fundações nacionais que as apóiem, complementem e tenham o mesmo rigor de trabalho – e para transformarem o Novo Cinema Latino Americano; fazê-lo reviver a mesma força dos tempos em que a América Latina era o terreno mais fértil para as lutas revolucionárias também no campo das artes. Invocando assim o passado e os que se perderam ao longo do caminho para combater os antigos problemas da hegemonia norte-americana e da distribuição dos filmes, que persistiam e dos novos como a pirataria/vídeo – como um dos fatores que, por exemplo, gerou no México uma queda em torno de 16% de espectadores em 1986 e uma queda de 42% em 1987, 40 Ver anexo 1 50 mesmo com o valor da entrada do cinema mais caro apenas custar 40 centavos de dólar -, a falta de espaço para o cinema – em 1987, no Brasil, se fechavam três salas de cinema por dia , além de problemas com os financiamentos – em 1987 ocorreram crises na FOCINE Colômbia e FONCINE 42 41 da da Venezuela, e em 1988 problemas no Instituto Argentino de Cinematografia 43 -, entre outros. A reunião do grupo combateria todos os problemas citados e seguiria pelo mesmo viés da teoria do cinema tricontinental de Glauber Rocha, na esperança de que a união dos países do terceiro mundo pudesse gerar uma nova fórmula de fazer cinema e expulsar o imperialismo do cinema Hollywoodiano nos países latino-americanos. Mais uma vez, o eterno entusiasta Fernando Birri surge como porta voz dessa velha guarda, traduzindo de forma magistral a ânsia dos velhos e novos tempos no “Manifesto dos 30 anos do Novo Cinema Latino Americano: O Alquimista democrático”: 1985 Fizemos da ideologia sangue saliva esperma mortos exílio resistência. Violenta, serena libertação da fome da consciência. O problema agora é a linguagem uma revolução que não revoluciona (permanentemente) 41 FOCINE: Fundo de Promoção Cinematográfica (Colômbia). FONCINE: Fundo de Fomento Cinematográfico (Venezuela). 43 LEDUC, Paul. Nuevo Cine Latinoamericano y Reconversión Industrial (Una Tesis Reaccionaria). Universidad Nacional Autónoma de México. UNAM, 1988. p. 19. “En medio del mismo año, hubo crisis de Foncine en Colômbia y Foncine en Venezuela y hace algunos meses (porque hay años que duran más de doce meses) con problemas en el Instituto Argentino de Cinematografía.” 42 51 suas linguagens alfabetos gestos olhares involuciona ou morre. 44 44 BIRRI. F. O Alquimista Democrático: Por um Novo Novo Cinema Latino-Americano. P. 238 52 4. SÉCULO XXI – O NOVO CINEMA LATINO AMERICANO VIROU VOVÔ 4.1. Um ponto final à esperança O retorno de um Novo Cinema Latino Americano pautado em antigos ideais da NCL, que seriam evocados a partir da construção da EICTV não logrou sucesso. A EICTV por sua vez alcançou o mais alto nível, sendo considerada a melhor escola de cinema e TV do mundo. No entanto, a escola não foi o bastante para fazer a geração pós-ditadura seguir os mesmos passos. Para a nova geração, as mudanças políticas e sociais também influenciaram na hora de eleger outro caminho. “Quando comecei a fazer cinema, algumas coisas tinham mudado na Argentina. Talvez a mudança fosse semelhante em toda a América Latina, uma vez que haviam terminado as ditaduras e no cinema existia uma ausência de linguagem” (Trapero, 2008:103), explicou um dos membros da geração em questão, o cineasta argentino Pablo Trapero (1971-) no Ciclo de Debates - 1º Festival Latino-Americano de São Paulo 2006. Além da busca da construção de uma nova imagem, Trapero explica pelas demais expectativas que haviam recaído sobre aquela geração. “A partir dos anos 80, quando comecei a ser espectador dos novos filmes, e mais tarde nos anos 90, quando iniciei meus estudos no cinema, minha geração foi vista como aquela que reapareceria, após o desaparecimento de toda uma geração e de uma forma de contar histórias, produto da repressão dos anos 70”. (Trapero, 2008:103) O resultado foi que a geração dos anos 90 deveria fazer o papel que a dos anos 80 não pôde realizar, por ter sido “paralisada” pela “Era das Ditaduras”, onde as necessidades são claramente diferentes. “... surge uma geração que queria contar uma realidade, talvez de uma forma abstrata e não de uma forma resultante de uma militância ou de um discurso latinoamericano ou nacional. Havia uma necessidade natural das pessoas quererem exprimir seu 53 ponto de vista sobre uma realidade, que poderia ser uma realidade mais social, mais plural, ou uma realidade mais pessoal e existencial.” (Trapero, 2008:103) Os cineastas latino-americanos dos anos 90, considerados uma geração fruto da ditadura, viveram uma realidade bem diferente da geração anterior. Para eles, a revolução cubana fazia somente parte da história, os países latino-americanos não tinham mais alguma chance de seguir o caminho de Cuba, ou seja, o crescimento do ideal socialista que marcou os anos 50 já não era mais possível nos anos 90; principalmente após a queda do Muro de Berlim 45 em 1989, um dos últimos marcos do socialismo, seguido do fim da maior e mais importante potencia socialista, a União Soviética (URSS), dois anos mais tarde. Segundo o geógrafo Nelson Bacic Olic em seu livro Geopolítica da América Latina, o fim da Guerra Fria encontrou a maior parte dos países da América Latina em pleno processo de democratização, que ocorreu quase que ao mesmo tempo em que havia um esgotamento do modelo de substituição de importações. “A integração cada vez maior dos países latinoamericanos à economia internacional, uma das características básicas do recente processo de globalização, levou a uma reorganização das funções do Estado”. (Olic, 2004:28) Os problemas com a dívida externa que marcaram a década de 80 resultaram em uma série de medidas aplicadas na década seguinte para minimizar esse problema. “Esse conjunto de medidas imposto é complementarmente afinado com a doutrina neoliberal 46 , que ficaram conhecidos como ajustes estruturais”. (Olic, 2004:29) 45 Muitos apontam a queda do Muro de Berlim (1961-1989) como o fim da Guerra Fria – período histórico de disputa estratégica e conflitos indiretos entre o EUA e a URSS, tendo seu princípio no final da II Guerra Mundial (1945) e o fim da URSS (1991). 46 O neoliberalismo é uma nova aplicação, a partir dos anos 1970, do liberalismo clássico, que há muito havia sido suplantado no mundo ocidental por outras formas de intervencionismo econômico. Essa corrente de pensamento político defende a instituição de um sistema de governo em que o indivíduo tenha mais importância que o Estado, sob a argumentação de que quanto menor é a participação do Estado na economia, maior é o poder do indivíduo e mais rapidamente a sociedade pode progredir, para o bem do próprio cidadão. Tal concepção se caracteriza pela valorização da competição entre pessoas, à permissão de todos para venderem o que produzem, num mercado extremamente amplo, a sociedade é quem decide o seu próprio nível de consumo ou quanto poupa para a velhice, a própria família escolhe médicos e professores para seus filhos, além da competição econômica em escala mundial como elementos reguladores e promotores de evidência. 54 Os ajustes estruturais citados por Olic eram baseados em três medidas: a diminuição da participação do Estado na economia, por meio da privatização de empresas estatais; a redução do déficit público com a promoção de uma diminuição da máquina administrativa e um aprimoramento no sistema de arrecadação de impostos; e, por último, uma redução das alíquotas sobre os produtos importados. Esse conjunto de medidas atraiu capitais internacionais de curto prazo interessados nas altas taxas de juros oferecidas, o problema dos capitais especulativos era extremamente sensível aos problemas internos dos países investidos, o que gerou uma série de crises – por exemplo: México (1994), Brasil (1999); tornando o cenário da América Latina instável. A crise gerou problemas facilmente identificados na maior parte dos países desse continente como o aumento do desemprego, desigualdade social e violência, a “interminável” questão da dívida interna e externa. Olic encerra o tópico reafirmando as grandes mudanças entre as décadas de 80 e 90, o que torna mais nítido concluir a partir dessas, que seria impossível surgir desses últimos 20 anos, uma juventude que nos acreditasse mesmos ideais dos antigos jovens sedentos por revolução que fundaram o NCL. “Apesar de todas essas vicissitudes, as conquistas democráticas conseguidas nos anos 1980 vêm resistindo. No entanto, deve-se lembrar que na América Latina a democracia é ainda um fenômeno relativamente recente. Sua regra choca-se com estruturas políticas herdadas de um passado autoritário e populista. Essa contradição continua a gerar incertezas quanto ao futuro dos países da região.” (Olic, 2004:29) Shvoong. Disponível em: http://pt.shvoong.com/law-and-politics/politics/contemporary-theory/744512-doutrinaneoliberal-parte/. Acessado: 11/02/2009. 55 4.2. Um breve panorama da problemática da indústria cinematográfica latinoamericana atual O século XXI reafirmou mudanças econômicas, sociais e liberais que já haviam dado sinais anos antes, no mundo todo. No caso dos países latino-americanos, o cinema e a produção audiovisual em geral passaram a influenciar os meios de comunicação e cultura, o emprego do chamado “tempo livre”, da economia e o desenvolvimento. Esse crescimento foi produto do processo de globalização econômica, das políticas neoliberais impostas na maior parte desses países e nas diversas inovações tecnológicas. Dessa forma, as novas experiências vividas em matéria da concentração e transnacionalização econômica, assim como os câmbios tecnológicos, encontraram espaço no campo das indústrias culturais e na produção e comercialização de filmes e meios audiovisuais. A partir do panorama do mercado e da produção do cinema latino-americano descrito no livro: Cine Iberoamericano: los desafios del nuevo siglo do cineasta Octavio Getino, se torna fácil apontar o quanto as mudanças no quadro econômico, social e cultural influenciaram para o surgimento de uma nova produção cinematográfica e audiovisual diferente do cinema revolucionário feito pelos jovens membros do Movimento do Novo Cinema Latino Americano nas décadas de 50-60-70. Segundo Getino, em termos gerais, as inovações tecnológicas são resultado da crescente concorrência econômica e das necessidades impostas pela mesma, ou seja, o acréscimo nos custos - devido ao uso de uma maior tecnologia que agrega a obra uma melhor qualidade de som, imagem e dessa forma, atinge maior publico; para criar produtos mais competitivos resulta invariavelmente em uma multiplicação do número de mercados e em criar novas estratégias para otimizar o marketing 47 . Principalmente na etapa da distribuição, 47 Marketing (márquetim), s. m. (t. ingl.) Econ. Conjunto de operações executadas por uma empresa envolvendo a vida de um produto, desde a planificação de sua produção até o momento em que é adquirido pelo consumidor; mercadologia. 56 proporcionando o máximo de flexibilidade e capacidade de penetração nos mercados nacionais, seguindo uma lógica comercial óbvia de reduzir o tempo de comercialização para potencializar a inversão do capital e reduzir os custos da produção. Alguns problemas já tidos como históricos para a produção cinematográfica latino americana, continuaram crescendo na virada do século. Foi o caso da pirataria, que ganhou um aliado: a internet – que facilita o acesso e download de filmes, o que segundo informações da MPAA 48 no ano de 2004, giraria em torno de 400 e 600 mil cópias por dia; da crescente perda de espaço nas salas de cinema, após a invasão dos multiplex – construídos estrategicamente dentro de grandes centros comerciais, onde a existência desses complexos cinematográficos permite uma ampliação do horário comercial das lojas e sendo assim um maior volume de consumo. E se tornou mais difícil garantir o espaço para o cinema nacional ou de países vizinhos nessas salas, que têm como prioridade os recordes de bilheterias hollywoodianas e uma redução nas políticas de fomento à produção cinematográfica. O desenvolvimento da tecnologia em diversas áreas do campo audiovisual somou alguns itens a essa antiga lista, como: o videogame, a TV a cabo – somente alguns produtos latinos americanos possuem certo grau de competitividade como as telenovelas, por exemplo TV via satélite – como ocorre com as telenovelas, alguns canais de esporte e entretenimento possuem um grau de competitividade relevante. Os inimigos citados acima são resultado da globalização e do neoliberalismo econômico, que mina muitas possibilidades de se fazer cinema na América Latina, já que concentra toda a riqueza em um grupo, que possui a tecnologia e financiamento necessários para manter os seus interesses. “La clave del desarollo de cualquier actividad industrial no puede estar reducida al sector de la producción, sino que depende en gran medida, del vinculo 48 MPAA: Motion Pictures Association of America (EE.UU.). 57 que se estabelezca con el eslábon de la distribución y exhibición; solo así podrá cumplirse el ciclo de su proceso comercial. No habrá dinero suficiente, cuando no se dispone de los mecanismos adecuados que permitan la salida del producto al mercado para su explotación y recuperación. Una película, estarás condenada al fracaso si no tiene asegurada su salida exitosa a los mercados nacionales y extranjeros.” 49 O novo modelo de mercado fez com que aumentasse a concorrência entre as três posições que são o tripé do cinema: produtor, distribuidor e exibidor, que competem entre si para obter melhores benefícios, porém não sobrevivem sem o trabalho do outro. No caso de algumas produções latino-americanas que conseguiram se desenvolver com algum investimento, mas acabam se chocando com a falta de espaço nas salas dos multiplex - que não mais é do que uma conseqüência de uma estratégia das Majors, ou seja, os principais estúdios de Hollywood, entre eles: Columbia, Tristar Pictures, Universal, Disney, entre outros – que visam monopolizar as salas, produto das alianças formadas entre os novos empresários da exibição local. O que garante as companhias americanas uma garantia de quaseexclusividade e preponderância nas telas latino-americanas, por meio de sistemas como o chamado: block-booking, ou seja, o arrendamento de filmes ainda não disponíveis para a exibição em pacotes inteiros, muitas vezes os block-bookings também são blind-bookings: arrendamento de filmes em pacotes fechados que não permitem a escolha dos filmes, o que garante ao mercado o seu produto e transfere ao exibidor grande parte dos riscos associados às incertezas da demanda. 49 Ver anexo 2. “A chave do desenvolvimento de qualquer atividade industrial não pode estar reduzida ao setor da produção, se não que depende em grande parte, do vinculo estabelecido com o anel da corrente da distribuição e exibição: somente assim poderá cumprir o ciclo do processo comercial. Não haverá dinheiro suficiente, quando não se dispõe dos mecanismos adequados que permitam a saída do produto ao mercado e sua “explotación” e recuperação. “Uma película estará condenada ao fracasso se não tem assegurada sua saída exitosa aos mercados nacionais e estrangeiros.” 58 O que está em segundo plano nessa discussão é o cinema como arte, como instrumento que pode contribuir para o desenvolvimento de uma identidade cultural e o intercâmbio entre os países dessa parte do continente. Talvez com o mercado cinematográfico imerso em tantas questões capitalistas, a opção de trabalhar um tema sério, a partir dos problemas vividos no “dia-a-dia” dos terceiro mundistas – que atualmente vivido em menor escala nos países de primeiro mundo também -, que inclua uma não utilização de efeitos especiais ou de uma série de “fórmulas” sugeridas pelos sucessos hollywoodianos – Getino acredita que anualmente uma média de 200 longas- metragens norte americanos invadam as salas de cinema latinoamericanas - seja um grande risco para os cineastas latino-americanos. Diante desses fatos, apenas alguns títulos nacionais obtiveram sucesso dentro e fora de seus respectivos países, usando de temáticas da vida cotidiana, valores, folclore, identidade e cultura. Caso dos mexicanos: Amores Perros (2000), do diretor Alejandro González Iñarritu (1963-) e Y Tu Mamá También (2001) do diretor Alfonso Cuarón (1961-); dos brasileiros: Central do Brasil (1998), do diretor Walter Salles (1956-), da produção brasileira rodada pelo diretor argentino Hector Babenco (1946-) Carandiru (2003), Cidade de Deus (2002), do diretor Fernando Meirelles (1955-); dos chilenos: El Chacotero Sentimental (1999), do diretor Cristian Galaz (1949-), Taxi Para Três (2001), do diretor Orlando Lubbert (1945-), Sub Terra (2003), do diretor Marcelo Ferrari; da Argentina: Nueve Reinas (2000), do diretor Fabian Bielinsky (1959-2006), Luna de Avellaneda (2004), do diretor Juan Jose Campanella (1959-); do peruano: Pantaleón y Las Visitadoras (2000), do diretor Francisco J. Lombardi (1947-); do boliviano Cuestión de Fe (1995), do diretor Marcos Loayza (1959-); do colombiano La Estratégia Caracol (1993), do diretor Sergio Cabrera (1950-); do cubano Fresa y Chocolate (1994), de Tomás Gutierrez Alea (1928-1996) e Juan Carlos Tabio; do uruguaio En La Puta Vida (2001), da diretora Beatriz Flores Silva (1956-); e da Costa Rica Caribe (2004), do diretor Esteban Ramirez. 59 Baseado em dados da produção cinematográfica de 1996 até 2005 dos países iberoamericanos 50 , a dura disputa entre as 200 fitas que chegam aos cinemas latino- americanos anualmente e a pequena produção local de todo o país de acordo com Getino – os números da produção da Espanha e Portugal não são importantes para discussão proposta. Produção de Filmes em Países Iberoamericanos – de 1996 até 2005 Países 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Argentina 37 28 22 27 39 38 32 67 54 41 Bolívia 1 1 1 0 0 0 2 4 3 6 Brasil 23 22 26 31 24 30 35 30 46 42 Chile 1 1 4 4 9 14 8 12 14 14 Colombia 2 4 6 3 3 3 6 8 7 8 Cuba 2 s/d s/d s/d s/d 4 0 3 3 3 Equador 2 s/d s/d 2 1 1 3 1 s/d s/d Espanha 91 80 65 82 98 106 137 110 133 142 México 15 13 10 22 28 21 14 25 38 53 Portugal 2 4 14 13 10 17 10 17 16 13 Peru 2 s/d s/d s/d 2 1 2 5 7 4 Uruguai 5 8 2 4 4 5 5 2 6 5 Venezuela 9 5 6 4 2 3 4 3 4 3 América s/d s/d s/d s/d s/d s/d 6 8 s/d s/d Central e Caribe* * Costa Rica, Panamá, Nicarágua, Guatemala, Honduras, Republica Dominicana, Porto Rico, El Salvador. 51 A competição entre produção local e enlatados hollywoodianos segue desleal, no entanto novas medidas vêm sendo criadas nos últimos anos para facilitar a produção local, incentivando para tal uma “união”, já discutida desde o primeiro encontro em Viña del Mar em 1967, entre os países latino-americanos para aumentar a força do cinema. Pequenos 50 Iberoamericanos: originários de um país da Iberoamerica ou um hispano dos Estados Unidos. No caso dos Estados Unidos, definimos como um “hispano”, alguém que é cidadão estadounidense, cuja língua maternal seja espanhol ou português. Os países chamados de Iberoamericanos são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, Espanha, México, Portugal, Peru, Uruguai, Venezuela, Centro América e Caribe. COMIBAM Internacional. Disponível em: http://www.comibam.org/catalogo2006/Misc/def_p.htm. Acessado: 12/02/2009. 51 Fonte: elaborada por Octavio Getino, baseado em dados fornecidos pelos órgãos responsáveis pelo cinema de cada pais: INC, INCAA, CNAC, CONACINE, FONCINE, FOCINE, IMCINE, ICAIC, IPAC, ICAM, CCPC, INA, Cinemateca Uruguai, Primágenes, CACI, SICA, DAC, MR&C, MINEDUC, PIEB GETTINO, O. Cine Iberoamericano: los desafios del nuevo siglo. – 1ª ed. – Buenos Aires: Fundación Centro Integral Comunicación, Cultura y Sociedad. – CICCUS, 2007. p.60. 60 resquícios do sonho de criar uma unidade do cinema latino-americano do NCL podem ser relembrados por meio de dois principais projetos de integração bem diferentes entre si, sendo um deles de caráter internacional, ibero-americano, o Programa Ibermedia, e o outro de caráter subcontinental, latino-americano, o Mercado Del Film Del Mercosur (MFM). O Programa Ibermedia, foi criado em 1997 na Venezuela, resultando de acordos feitos na Cumbre Iberoamericana de Jefes de Estado y Gobierno 52 , ou seja, uma conferência entre chefes de Estado de países, inicialmente 9 – Brasil, Argentina, Colômbia, Cuba, Espanha, México, Portugal, Uruguai e Venezuela, em 1999. O Chile foi incorporado, em 2000 o Peru, em 2001, a Bolívia, em 2003, Porto Rico e, por fim, em 2006, o Panamá – tendo como objetivo fundamentar as necessidades necessárias, sendo elas financeiras e técnicas, para ativar o mecanismo de co-produção, distribuição, desenvolvimento e formatação de projetos cinematográficos e televisivos “independentes” entre eles. Criando dessa forma um universo onde a produção latino-americana teria mais chance de ser consumida. O Mercado Del Filme Del Mercosur (MFM) 53 nasceu em 2005, como um espaço de encontro para a concretização de acordos entre o Mercosul - formado pro Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e México - a América Latina, a União Européia – Alemanha, Áustria, Inglaterra, Suécia, Bélgica, Bulgária, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Letônia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Países Baixos, Reino Unido e Romênia - e os Mercados Asiáticos. O objetivo principal é, a partir desses acordos, usar tal “espaço” para o oferecimento e intercâmbio de projetos, resultando em uma abertura maior no mercado cinematográfico para 52 53 Conferencia Iberoamericana de Chefes de Estado e Governo. Mercado de Filme do MERCOSUL. 61 a promoção, distribuição e exibição de filmes em salas de cinema, televisão aberta, segmentada e em formatos digitais. 4.3. Resquício do novo cine latino-americano O cinema latino-americano continua vivo, as experiências vividas nos anos 60, se tornaram um parâmetro do que deveria ser o cinema latino-americano atual. Infelizmente, a América Latina é outra, nela se misturam diversos tipos de linguagem cinematográfica que nada têm em comum, porque não há um discurso ou manifesto que as determine como ocorreu no principio do NCL. No entanto, a partir de uma reflexão analítica é possível encontrar vínculos entre esses distintos cinemas: o pertencimento obrigatório a um espaço geográfico ou político, independente da realidade de cada país, todos os filmes produzidos por eles são produto de uma realidade comum latino-americana. A partir da nova realidade latino-americana, pequenos grupos de cineastas ainda se preocupam em usar o cinema para algo mais que entretenimento, o que de certa forma dialoga com o projeto do NCL, como é o caso do Grupo Chaski 54 , no Peru. O Grupo Chaski é uma associação civil, sem fins lucrativos, que atua no campo da produção e difusão audiovisual orientada ao fortalecimento dos valores da sociedade cultural peruana. Um coletivo cinematográfico 55 integrado por cineastas, comunicadores audiovisuais e sociais, 54 Os Chaski eram mensageiros que no antigo império Inca dos filhos do Sol, se encarregavam de levar informações aos quatro pontos da civilização Inca. Biblioteca Babab. Disponível em: http://www.babab.com/no13/chasky.htm. Acessado: 13/02/2009. 55 A idéia do coletivo cinematográfico surgiu a partir do trabalho de Fernando Birri e de sua Escuela Documental de Santa Fé (1956), de onde surgiram inúmeros documentários sociais onde mostrava a realidade da classe baixa. Os cineastas latinos americanos agregaram duas importantes características nessa pratica: o comprometimento em fazer filmes com/para as comunidades marginalizadas e o desejo de alterar a estrutura imposta pelo mainstream. Normalmente esses grupos trabalham democraticamente, ou seja, todo o membro tem total liberdade em atuar em qualquer etapa do filme, o que faz com que o produto final tenha um pouco da visão estética de cada um. Jump Cut. Disponível em: http://www.ejumpcut.org/currentissue/Chaski/index.html. Acessado: 13/02/2009. 62 comprometidos em promover o cinema como uma ferramenta de desenvolvimento cultural e econômico dos países latino-americanos. Os fundadores desse grupo descendem de países distintos, porém possuem um background em comum, o que explica os objetivos focados em resgatar, promover e difundir a riqueza audiovisual latino-americana. Produzindo filmes que contribuam com a educação através de um entretenimento saudável e da promoção do desenvolvimento da diversidade cultural, a fim de impulsionar uma nova cultura audiovisual mais democrática e descentralizada. Visando, desta forma, se tornarem pioneiros na construção de um novo mercado audiovisual descentralizado, sustentável e independente através do uso da tecnologia digital. Nesse grupo se destacaram os dois peruanos. O primeiro: Fernando Espinoza (19422005), que dedicou sua vida à luta pelos direitos dos afro-peruanos. Espinoza acreditava que a abordagem de temas como os desafios da vida na cidade nos filmes do grupo, ajudavam a combater a marginalização dos afro-peruanos. O segundo membro local foi: Maria Barea (1943-), que vinha de outra perspectiva. Ela já havia trabalhado com Luis Figueroa (1928-) – membro e fundador do Cine Club Cuzco (1956) – e com Jorge Sanjínes e o grupo UKAMAU no filme: El Enemigo Principal (1972). Barea se estabeleceu como diretora comprometida com questões femininas. Fruto desse comprometimento surgiu em 1989 a Warmi Cine y Video, formada por um grupo de cineastas. O grupo também acolheu dois estrangeiros: o jornalista suíço independente Stefan Kaspar (1948-) 56 , que viajou para o Peru em 1978 para trabalhar em um projeto de um filme sobre a migração urbana, onde acabou se encantando pelas diferenças sociais e culturais do terceiro mundo; e o uruguaio Alejandro Legaspi (1948-) 57 , que fez parte da CM3 até seu fim imposto pela ditadura, foi exilado do Peru, onde 56 Stefan Kaspar Bartschi é atualmente o presidente do Grupo Chaski. Alejandro Legaspi é atualmente vice-presidente do Grupo Chaski. 57 63 contribuiu ao Grupo Chaski com uma poética visão combinada e com seu comprometimento político já exercido antes em sua terra natal. A combinação de experiências diversas desses cineastas convergiu no nome quéchua Chaski. “Por hacer películas desde adentro, asume el nombre de los antiguos comunicadores del imperio de los incas, los Chaskis, sistema que funciono y puso la comunicación al servicio de todo un pueblo” 58 , explicou o membro Oswaldo Carpio, sobre a razão dessa escolha. Analisando superficialmente o contexto sócio-político e o quanto isso refletiu no cinema latino-americano, é possível compreender as escolhas feitas por esses “mensageiros da comunicação” desde seu surgimento em 1982. De acordo com Alejandro Legaspi 59 (2008 – informe verbal), a história peruana sempre caminha contra a corrente. Enquanto no início das correntes cinematográficas do Novo Cinema Latino-Americano, na década de 60 em diversos países, no Peru não havia nada além do que uma pequena produção feita por diretores separadamente e uma corrente Cuzquenha – da cidade de Cuzco - de curta duração. Outra forte diferença foi que, enquanto a maior parte dos países na América Latina estava sendo dominados por uma ditadura de direita – entre a década de 60 e 70-, o Peru passava pelo processo oposto: uma ditadura de esquerda regida pelo político, militar e patriota peruano, o presidente Velasco Alvarado (1910-1977), que ficou conhecida como o Gobierno Revolucionário de las Fuerzas Armadas 60 de 1968 até 1975. Por volta do ano 1972, o cinema surgiu no Peru por meio de um decreto de Velasco, com uma série de leis que incentivavam a produção cinematográfica e ainda garantiam o espaço delas no cinema. 58 “Por fazer filmes desde interiormente, assume o nome dos antigos comunicadores do Império Inca, os Chaskis, sistema que funcionou e colocou a comunicação a serviço de um povo. Jump Cut. Disponível em: http://www.ejumpcut.org/currentissue/Chaski/index.html. Acessado: 13/02/2009. 59 Informação repassada no debate: Nova Geografia no 3º Festival de Cinema Latino-Americano 2008, no dia 10 de julhos, às 15 horas no Memorial da América Latina - Mini-Auditório Av. Auro S. de Moura Andrade, 644 – Barra Funda. 60 Governo Revolucionário das Forças Armadas do Peru. 64 A imposição dessa lei foi criando os cineastas no Peru, que não tiveram tempo de vivenciar o processo cinematográfico como ocorreu em outros países. O cinema por decreto deixou de existir logo após a ascensão à presidência de Alberto Fujimori (1938-), no ano de 1990, que considerou inadmissível – por acreditar na Lei da Oferta e da Procura - que o Estado financiasse o cinema. Para Legaspi é importante agregar o fenômeno político da Guerra do Sendero Luminoso 61 , que interrompeu o desenvolvimento do cinema no país, chegando ao ponto de desaparecerem as salas de cinema por completo. O pano de fundo gerado pelos atentados do Sendero Luminosos e o governo de Fujimori, influenciaram o Grupo Chaski como um todo, desde a escolha da temática de seus filmes – como a ficção Gregório (1984), a experiência vivida pelo garoto do título que sofre um grande choque cultural ao mudar com sua família dos Andes para a violenta capital; ou o drama de Juliana (1988) que explora o trabalho infantil -, até a debandada de grande parte do grupo em 1991, de acordo com Stefan Kaspar por ser difícil manter uma democracia dentro de um coletivo de cinema, em meio à ditadura de Fujimori. A virada do século marcou o fim da era Fujimori e uma nova reconfiguração ao grupo, com a junção de novos participantes e o princípio de um novo projeto, a Red Nacional de Microcines 62 , como ferramenta de divulgação do cinema latino-americano e mundial. A Rede Nacional de Microcines assegura a seus filiados uma programação contínua de filmes de qualidade, legalmente adquiridas para exibição pública, além de formar promotores culturais, oferecer uma assessoria permanente, mobilizar recursos da área e sensibilizar a população, gerando assim um ambiente propício para o sucesso do microcine. 61 Sendero Luminoso foi um grupo revolucionário Maoísta – é uma corrente de comunismo baseada nos ensinamentos de Mao Tse Tung (1893-1976) além de terem sido influencia dos pelo legado de estruturas colônias que oprimiam, escravizavam e abusavam das populações indígenas em favor da elite espanhola, conhecida como criollos -, esse grupo usava a violência para exigir uma serie de mudanças como a revolução dos camponeses que incorporasse formas incas de viver. A guerra entre esse grupo e o governo gerou teve inicio nos anos 80 e durou até 1998. Um relatório de 2003 contabilizou 22.057 mortos e 46.773 desaparecidos nesse período. 62 Rede Nacional de Micro Cinemas. 65 Microcine é um espaço de encontro e exibição de filmes que visa gerar não apenas o entretenimento como também uma reflexão sobre problemas sociais. O microcine é dirigido por algum membro da comunidade que seja apto para atuar como promotor cultural e que busque a sustentabilidade e a autogestão independente. O Grupo Chaski oferece a capacitação para formar gestores de microcines, líderes dessas regiões, além de incluírem no catálogo de filmes disponíveis, os filmes gerados dentro do próprio grupo, para isso é necessário inicialmente dispor de um projetor multimídia, um aparelho de DVD e de som. A Rede de Microcines, somada à distribuidora digital disponível no próprio site do grupo: www.grupochaski.org/; permite a compra desses títulos. Esse projeto mostra uma aceitação total do uso de novas mídias e da tecnologia digital para cumprir essa missão de levar o cinema até as regiões mais afastadas da capital para um público muito especial que mantêm velhos costumes como, por exemplo, a língua indígena chamada Quéchua que é usada por 2/3 da população. Todas as iniciativas citadas acima se completam com a preocupação do grupo com uma produção própria, para tal existe a produtora Chaski, que funciona de forma coerente com os ideais envolvidos. Por toda essa preocupação minuciosa em produzir, distribuir e exibir um cinema que tenha a marca registrada da América Latina em seu DNA e ainda usá-lo como arma de desenvolvimento social, que o Grupo Chaski é o melhor exemplo na atualidade que dialoga com a experiência do NCL nos anos 60. 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta dessa dissertação foi identificar e analisar o movimento do Novo Cinema Latino Americano e suas várias formas de expressão nesse continente, desde o primeiro encontro de seus membros, que se deu no Festival de Viña Del Mar em 1967, pontuando as diversas fases pelas quais ele passou ao decorrer da história até os dias de hoje. Este estudo também pretendeu fazer um paralelo entre o desenvolvimento do movimento e os acontecimentos políticos ao longo desse período, pelo Novo Cinema LatinoAmericano e tratar de um movimento de militância contra o Imperialismo Americano e formas abusivas em geral de dominação, sejam elas proferidas por antigos colonizadores ou pelo próprio Estado. A primeira parte do 1º capítulo discorreu sobre as diversas formas de não conformismo da juventude dos anos 60, impulsionada por inúmeras mudanças sociais, culturais e econômicas que foram estabelecidas no pós-guerra - II Guerra Mundial -, e marcadas por um fato que dividiu a historia mundial: a Revolução Cubana em 1959, ou seja, a luta travada entre um movimento popular que sonhava em transformar Cuba em um país mais justo a partir do fim da estrutura do sistema político neocolonial e da aceitação do modelo socialista, versus o antigo sistema político, encabeçado pelo então presidente Fugêncio Batista (1901-1973). A segunda parte foi focada no surgimento de jovens latino-americanos que elegeram o cinema para fazer uma revolução que em um primeiro momento seria feita de forma individual dentro de seus respectivos países. No entanto, uma grande identificação entre esses jovens e os problemas nos quais seus países estavam inseridos, além de todos serem frutos do colonialismo, ocorreu, o que resultou no ano de 1967 o primeiro encontro formal desses jovens, no Festival de Cinema de Viña Del Mar, onde eles criaram o Movimento do Novo Cinema Latino Americano e a partir desse momento tiveram um maior contato com a 67 cinematografia e problemas de seus vizinhos, passando a usar o cinema como forma de exaltação da nacionalidade latino-americana e arma contra o subdesenvolvimento entre outros. No capitulo II, o olhar centrou-se no desdobramento desse primeiro encontro, que produziu manifestos, revistas, outros festivais e retratou a realidade em mais uma dezena de filmes, que resultou no período mais fértil do movimento, que foi bruscamente interrompido em um curto período de tempo, pela instauração dos regimes militares - na maior parte dos casos – em grande parte dos países que constituem a América Latina. Devido às situações particulares ocorridas em todos os países decorrentes da instauração desses regimes, somados a grande extensão física nomeada de América Latina, o capitulo II assume certa superficialidade ao abordar esse tópico. No capítulo seguinte, o enfoque foi dado em como ocorreu uma reorganização dos membros desse movimento, após um longo período imerso na falta de liberdade imposta de forma violenta por esses regimes, que em segunda estância gerou mortes, desaparecimentos, exílios. A reorganização ocorreu em 1985 na ilha de Cuba, quando a idéia de criar uma escola de cinema e TV em formato experimental, especialmente voltada para nascidos em países de terceiro mundo veio à tona e se concretizou pela união de antigos membros do movimento, principalmente pelas mãos de Fernando Birri, Julio Garcia Espinosa, Gabriel Garcia Marques e o então presidente cubano Fidel Castro, que facilitou o projeto disponibilizando o espaço, equipamento entre outros. O discurso sobre a concretização desse projeto por meio da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de Los Baños foi abordado na tentativa de sublinhar nesse projeto a continuidade de uma preocupação quanto à realidade vivida nos países chamados de “subdesenvolvidos”, em retratar a realidade como forma de não conformismo com as condições sociais, questões importantes desde o surgimento do movimento somadas a 68 novas questões de qualidade da produção, distribuição, exibição, formação de profissionais aptos a trabalhar com cinema e TV. O último capítulo afirma o quanto a reorganização dos membros do movimento foi importante para o sucesso da EICTV, que chegou ao patamar mais alto que poderia chegar uma escola de cinema. No entanto, o sucesso conceitual da EICTV não foi o bastante para reviver o antigo movimento, porém as razões exatas pelas quais isso ocorreu não são claras, pelo fato de não haver registros que elucidem as reais motivos do não fortalecimento do movimento. No entanto, os acontecimentos econômicos e sociais mundiais daquele momento, como o fim da Guerra Fria, que resultou diretamente no crescimento do capitalismo e o fato de a geração de cineastas surgida pós ditadura não prover do mesmo background dos cineastas que formaram o movimento na década de 60. Foram muitos os obstáculos encontrados ao longo desse percurso proposto pela minha pesquisa, obstáculos que envolvem a falta de documentação de alguns eventos, que se perderam pelo tempo ou não foram realmente documentados, a dificuldade - mesmo em tempos de globalização – em encontrar os filmes produzidos por essa geração, a pouca bibliografia encontrada no Brasil para ser usada como ponto de apoio. De qualquer forma acredito ter produzido uma linha do tempo superficial do que ocorreu com o movimento do Novo Cinema Latino Americano na historia que possivelmente servirá como o principio de um estudo mais aprofundado para mim e possíveis entusiastas do tema. 69 REFERÊNCIAS Bibliográficas BIRRI, Fernando. A Refundação do Cinema Latino-Americano. In: MOURÃO, Maria Dora (Org). Ciclo de Debates: 1º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo 2006. São Paulo, 2006. p.13-23. LITTIN, Miguel. O Novo Cinema Latino Americano. In: MOURÃO, Maria Dora (Org). Ciclo de Debates: 1º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo 2006. São Paulo, 2008. p.25-32 AVELLAR, José Carlos. A Ponte Clandestina. São Paulo. Editora 34. 1995. BIRRI, Fernando. O Alquimista Democrático: Por um Novo Novo Cinema LatinoAmericano. Argentina: Ediciones Sudamérica Santa Fé, 1999. PARANAGUÁ, Paulo Antonio. O cinema na América Latina: longe de Deus e perto de Hollywood. Porto Alegre: L&PM, 1984. 104p. : il. 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Acessado em 12/02/2009. 74 ANEXOS Anexo 1 Esse é apenas um extrato da “Certidão de Nascimento” pronunciada em 15-XII-86. no ato inaugural da Escola Internacional de Cinema e TV para a America Latina e o Caribe, África e Ásia, apelidada de Três Mundos, em San Antonio de Los Baños, Cuba. Pode ser encontrada no livro: O Alquimista Democrático: por um novo novo cinema latino- americano. Brasília, 2008. onde o autor reúne escritos produzidos nos últimos 35 anos. “Certidão de Nascimento” Pela fundação do Novo Cinema Latino-Americano e o Comitê de Cineastas da América Latina. Gabriel Garcia Marquez (g), Colômbia/ Edgar Pallero (e), Bete Kamin (b), Argentina/ Beatriz Palácios (d), Jorge Sanjinés (d), Bolívia/ Cosme Alves Neto (d), Nelson Pereira dos Santos (c,d), Geraldo Sarno (e), Silvio Tendler (d), Brasil/ Carlos Álvares (d), Lisandro Duque (d), Colômbia/ Daniel Diaz Torres (d), Julio Garcia Espinosa (d), Alfredo Guevara Valdes (c,d), Manuel Pérez Paredes (e), Cuba/ Miguel Littin (d), Chile/ Eduardo Díaz (b), Jesús Treviño (d), Chicanos/ Ulises Estrella (d), Equador/ Paul Leduc (d), Jorge Sanchez (e), México/ Ramiro Lacayo (d), Nicarágua/ Pedro Rivera (d), Panamá/ Alberto Durant (d), Norma de Izcue (d), Peru/ José Garcia (d), Ana Maria García (d), Porto Rico/ Walter Achúgar (d), Uruguai/ Edmundo Aray (e), Tanik Souki (d), Venezuela/ Alquimia Peña (f), Cuba. Pela Escola Fernando Birri, Diretor/ Dolores Calvino, Vice-Diretora/ Sergio Muniz, Diretor Docente/ Tarik Souki, Diretor de Produção e Serviços Técnicos/ Elsa Oliva, Diretora Administrativa/ Juan Grillo, Secretário Docente/ Josefina de Diego, Chefe do Departamento de Documentação e Extensão Cultural/ Leonides Marzan, Engenheira Agrônoma. Legenda: a) Diretor da Escola Internacional de Cinema e TV. b) Membro do Comitê de Cineastas da América Latina. c) Membro de Honra do Comitê de Cineastas da America Latina. d) Membro do Conselho Superior da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano e Membro do Comitê de Cineastas da América Latina. e) Membro do Conselho Superior da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano, Membro de seu Conselho Diretivo e Membro do Comitê de Cineastas da América Latina. f) Secretária da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano. g) Presidente da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano. Área de Oficinas e Laboratórios Direção: Federico Weingartshofer, Chefe de Laboratório/ Octavio Cortazar, Professor/ Roteiro: Ambrosio Fornet, Chefe de Laboratório/ Jesús Díaz, Daniel Dias Torres, Professores/ Fotografia e Câmaras: Diego de La Texera, Chefe de Laboratório/ César Charlone, Rodolfo Lopez, Professores/ So: Nerio Barberis, Chefe de Laboratório/ Jerônimo Labrada, Carlos Aguilar, Professores/ Edição: Jaqueline Meppiel, Chefe de Laboratório/ Nelson Rodriguez, 75 Catherine Posada, Professora/ Oficina de Documentário Latino-Americano e Caribenho, Africano e Asiático: Santiago Alvarez, Assessor/ Oficina da Orelha: Leo Brouwer, Chefe/ Luigi Nono, Assessor/ Oficina de Integração Cultural Latino-Americana e Caribenha, Africana e Asiática: Roberto Fernandez Retamar, Assessor. Área Técnica e Pessoal de Apoio Teresita Sánchez, Técnica em Informação Cientifico-Tecnica e BiBlioteca/ Jorge Dalton, Especialista em Áudio, Vídeo e Gravações/ Marilis Machado, Chefe da Brigada Gráfica/ Martina Medela, Maria Teresa Díaz, Operadoras de Equipamentos de Composição a Frio e Fotocopiadora/ Jorge Luis Oliva, Impressor Off-sete encadernado/ Ebet Gutierrez, Cordenador de Guilhotina, Empacotamento e Armazenagem/ Eduardo Puentes, Preparador, Dobrador, Grampeador e Máquina de Encardenação em Espirais/ Rogelio Guerra, Professor de Educação Física/ Jorge Luis Reyes, Projecionista/ Estrella Hendrickson, Especialista em Sistemas de Computação; Clara Carbelles, Secretaria. Área Econômica Alejandro Delgado, Especialista em Contabilidade e Custo/ Hidelisa Hernandez, Contadora/ Wilfredo Rodríguez, Encarregado de Atividades Administrativas/ Raul Espinosa, Encarregado do Armazém/ Rolando Martinez, Comprador-Distribuidor. Área de Manutenção Antonio Cartaya, Mecânico de Equipamentos Elétricos/ Pablo Díaz, Eletrecista Manutenção/ Cirilo Fuentes, Operador Geral de Manutenção. Área de Cozinha e Refeitório Caridad Veloz, Chefe da Brigada de Cozinha/ Daria Rivas, Francisco Guzman, Cozinheiros/ Adan González, Daniel Noda, Ajudantes-Gerais de Cozinha. Área de Serviços Gerais Olga Mesa, Chefe de Brigada de Serviços/ Francisca Fernández, H. Cândida Fuentes, Mercedes Matos, Irene Duque, Emelina Suarez, Mirla Pérez, Gregório Lobo, Auxiliares Gerais de Serviços/ Virginia M. Salgado, Justina Fuentes, Atendentes Gastronômicos. Área de Recepção e Segurança Rubén Paneque, Responsável/ Onelio Noda, Carlos Ruiz, Leonido Frontela, Rigoberto Hernández, Segurança/ Íbis Caises, Mariolys Robayna, Telefonistas. Área de Transporte Luis Sigler, Chefe da Brigada de Motoristas/ Ramon Azcuy, Rosendo Manso, Miguel Diosdado, Alfonso Acosta, Rene Garcia Perez, Jose Antonio Cárdenas, Motoristas. 76 Área de Produção Agrícola Horta: Rafael Correa, Candido Lazaro, Emilio Freitas, Natividad Mesa, Operários Agrícolas/ Emigdio Chávez, Operador de Equipamentos Agrícolas. Área de Integração Industrial Julio Garcia Espinosa, Vice-Ministro da Cultura, Presidente do ICAIC, Jorge Fraga, VicePresidente da Produção Cinematográfica do ICAIC, Coordenadores com o ICAIC, Instituto Cubano da Arte e Industrias Cinematográficas/ Ismael Gonzáles, Presidente do ICRT, Sergio Corrieri, Vice-Presidente ICRT, Humberto García Espinosa, Diretor de Programação, Coordenadores com o ICRT, Instituto Cubano de Radio e Televisão. Anexo 2 Reportagem da Revista Cine Cubano, nº153, La Habana, 2002, escrita por Carlos Vives, com o titulo Apuntes sobre la cinematografia latinoamericana en el contexto actual. Encontrada na integra no site da INFODAC. APUNTES SOBRE LA CINEMATOGRAFIA LATINOAMERICANA EN EL CONTEXTO ACTUAL Incidencia de los Grandes Estudios CARLOS VIVES En colaboración con el Equipo de la División de Negocios del ICAIC (Resumen de la conferencia impartida por el autor en el II Congreso Internacional Cultura y Desarrollo celebrado en Cuba en el mes de junio de 2001). Lograr una fuerte presencia en las pantallas propias, unido al objetivo de desarrollar un mercado, constituye aún el gran reto para la cinematografía latinoamericana. Las cinematografías más fuertes del área aún no consiguen siquiera igualar la posición de que gozaron en determinado momento histórico en sus propios territorios, salvo puntuales y aislados proyectos. Todo ello como consecuencia, en un primer orden, de que los circuitos y ventanas de exhibición para las producciones cinematográficas nacionales continúan siendo prácticamente marginales o, en el mejor de los casos, sometidos a una temporalidad de explotación más que breve. Las causas que en la región dan origen a esta situación apuntan a mantenerse, e incluso a intensificarse, condicionadas en parte por una realidad de mercado adversa a las cinematografías locales y en buena medida por la carencia de fuertes mecanismos gubernamentales de apoyo y protección a estas industrias. Ello unido a una renovación tecnológica constante y las exigencias de mejoramiento de los estándares de calidad, que implican costos no recuperables a corto y mediano plazo, imposibles de asumir por las industrias latinoamericanas. Esta situación regional se agudiza a partir del nivel de recuperación que el cine made in Hollywood encuentra en su propio mercado natural, lo que le permite proyectar sus exportaciones y competir a niveles imposibles de superar en los mercados latinoamericanos. Estudios realizados le atribuyen un promedio del 90 por ciento de la taquilla regional. Los 77 circuitos de exhibición tradicionales y los previstos para un futuro casi inmediato, comienzan a aparecer bajo control, particularmente en los sistemas multisalas y las nuevas tecnologías de comunicación que se comienzan a implementar, ales como la proyección digital a través de satélite para circuitos. Evidentemente debemos procurar que las películas generen ingresos, que recuperen su inversión e incluso tengan ganancias, pero en las condiciones actuales de nuestra industria lo más importante es entender el sentido cultural del cine como auténtica expresión creativa de un país, como revelación de nuestras esencias y realidades más hermosas y complejas, buscando una presencia de nuestra cinematografía en el extranjero que intente ocupar un espacio en las manifestaciones más legítimas de la identidad y la cultura. Países como España, Francia, Argentina, Brasil, Alemania y Canadá así lo han entendido, México retoma conciencia. En el caso de Cuba no tenemos la menor duda de que cada película que se produce es una nueva expresión cultural propia que requiere ser difundida, apoyada, estimulada y exportada. En la medida en que más se produzca habrá más posibilidades de hacer mejores películas, la apuesta se torna menos arriesgada. La ley de probabilidades, incluso, nos favorecería. Como todos sabemos, gran parte de las cinematografías del mundo, incluida la norteamericana, no podrían subsistir sin la protección del Estado. Nuestra memoria cinematográfica no existiría, si hubiese estado condicionada por las leyes del mercado. En varios países de la región, donde se ha intentado otorgar a la cultura y al cine nacional el valor estratégico que requieren, los enemigos del papel protector del estado y sus instituciones hacia la cinematografía, utilizan incluso el pretexto de que las demandas de sus cineastas no son más que presiones gremiales disfrazadas de chovinismo, cuyo verdadero objetivo son ventajas económicas, cuando por lo que se lucha es por el patrimonio cultural de nuestros pueblos, por la memoria histórica de nuestras naciones que con su diversidad integran una unidad esencial. El cine es por esencia universal. Gracias a él, el público viaja a los países y culturas más lejanas a través de un mismo lenguaje. De ahí la tesis, de que si algo ha preparado el terreno a la globalización, ha sido el cine, ahora agravado como fenómeno ante un peligro mayor, la uniformación, la cual implica la desaparición de todo lo que no provenga de Hollywood, una “libertad de mercado” que se disfraza con la libertad de media docena de compañías norteamericanas y de otras latitudes para dominar el escenario cinematográfico mundial. La industria de cine estadounidense es la mayor del mundo y aparece articulada con la industria del entretenimiento, que constituye la tercera mayor rama exportadora de la economía norteamericana. Se trata de un sector que genera gran capacidad de empleo y que utiliza una enorme infraestructura de servicios. Recordemos los incesantes y alarmantes llamados a la cordura realizados recientemente por el gobernador de California a los Estudios y al Sindicato de Guionistas, dado el inmenso peligro y desestabilización que representaba para la economía de ese región y del resto del país, la huelga convocada por estos últimos para mayo de este año. Debemos tener en cuenta que los gastos anuales de la industria de cine norteamericana exceden los treinta y dos mil millones de dólares, de los cuales veinticinco mil millones se quedan en el Estado de California. Conscientes de lo anterior y del valor estratégico del sector, han impulsado y aprobado medidas de protección e incentivos a la industria cinematográfica, que contrastan con el hipócrita discurso neoliberal que aplican de cara a América Latina respecto a la competencia en el cine, y muy lejos del mito de que su industria no recibe tratamiento especial dentro de Estados Unidos. 78 El cine de nuestro tiempo cada vez más, en tanto expresión cultural y medio de comunicación, presenta hoy en su cartelera los problemas resultantes de la globalización y del neoliberalismo económico. Las industrias cinematográficas nacionales no pueden ser ajenas a la devastación que esta ideología ha ocasionado al concentrar excesivamente la riqueza en un Grupo que posee el control de la tecnología de punta y el financiamiento necesario para mantener a salvo sus intereses. La clave del desarrollo de cualquier actividad industrial no puede estar reducida al sector de la producción, sino que depende en gran medida, del vínculo que se establezca con el eslabón de la distribución y la exhibición; solo así podrá cumplirse el ciclo de su proceso comercial. No habrá dinero suficiente, cuando no se dispone de los mecanismos adecuados que permitan la salida del producto al mercado para su explotación y recuperación. Una película, estarás condenada la fracaso si no tiene asegurada su salida exitosa a los mercados nacionales y extranjeros. En la industria cinematográfica, el productor, el distribuidor y el exhibidor son tres rivales que compiten entre sí para obtener los mejores beneficios. A pesar de sus pugnas, ninguno puede hacer nada sin la concurrencia del otro. Ante la preocupación de que sus películas queden sin llegar al público, recientemente algunos grupos europeos y latinoamericanos han concretado fusiones y concentraciones de capital que les permita obtener cierta presencia de sus producciones en las pantallas. Cabe señalar al respecto ejemplos como el de España, donde la producción global del último ejercicio, alrededor de una veintena de títulos no se han podio estrenar en salas, fenómeno este muy común en América Latina. Las industrias cinematográficas latinoamericanas que lograron desarrollarse en el pasado inmediato, con algunas cifras de producción esperanzadoras, se debaten día a día por subsistir como consecuencia de la estrategia de los Majors (principales estudios de Hollywood, entre los que se encuentran Columbia, TriStar Pictures, Universal, Disney, etc.), a través de la referida práctica monopólica y sus alianzas con los nuevos empresarios de la exhibición local. Esto concede a las grandes compañías norteamericanas una garantía de cuasi-exclusividad y preponderancia en las pantallas latinoamericanas. Para ello se valen de sistemas como la “contratación por lote o paquete” (block-booking). Estas prácticas arbitrarias ejercidas por las Majors, perduran de forma encubierta o evidente según el país, de forma que se impide la sana y libre competencia de otras cinematografías, no solo en el inexpugnable mercado norteamericano, sino en el mercado doméstico de cada país, gracias al privilegio de su posición predominante a nivel mundial y a la complicidad de su propio aparato de Estado, como a continuación se explica. La Asociación Exportadora de la Industria Cinematográfica Norteamericana (M.P.A.E.), organizada como monopolio “legal”, e investida de muchas excepciones respecto a las prohibiciones “antimonopólicas” que rigen en su propio país, opera en nombre de los grandes estudios que conforman la “Asociación de la Industria Cinematográfica Norteamericana” como su único agente exportador y distribuidor en el extranjero. Esta rganización cuenta, además, con una extensa red internacional de representaciones en los mercados más importantes del mundo, para lograr sus fines, “negocia, hace transacciones, regatea y amenaza; trata de ganar amigos, influir y hasta determinar en las políticas audiovisuales de cada país”. Cuando la legislación cinematográfica de determinado país pone en riesgo la tajada de su mercado, no retrocederá ante nada hasta conseguir derogarla o suspenderla. Una vez logrado su cometido, representará entonces el papel de “ángel tutelar” al promover la producción anual de un puñado de películas norteamericanas en el país, cuya industria fílmica, su misma organización se encargó de debilitar. 79 Legalmente autorizada para monopolizar los mercados extranjeros, la asociación exportadora se ha atrincherado en ellos, mientras la M.P.A.A. (Motion Pictures American Association) se encarga de hacer lo mismo en su propio mercado doméstico, al que ha convertido en un reducto inexpugnable, a fin de impedir la intromisión de las demás cinematografías en territorio norteamericano. Hoy día Hollywood capta más del 50 por ciento de sus ingresos en el extranjero, incluso hasta el 60 por ciento, frente al 30 por ciento que captaba en 1980. En contraste, la participación de las películas extranjeras en el mercado norteamericano solo llega a un tres por ciento. Básicamente amparados en una competencia desleal, desequilibrada, injusta, disfrazada de miles de argumentos, que desplaza la producción nacional. Ha de tenerse en cuenta que este cine, aparte de industria en sí, constituye herramienta ideológica y quizás el mejor propagador de los modelos culturales y de consumo de la industria norteamericana. A través de sus películas el mundo aprendió a consumir Coca Cola, McDonalds, refrigeradores, automóviles, televisores, etc. Por ello tiene rango de industria estratégica, dado que como una de las principales armas del imperio, depende de su capacidad de transmitir la forma de vida americana, y para ello cuenta con los instrumentos necesarios. Así, es nuestra responsabilidad como cineastas lograr que nuestro cine se convierta en una industria estratégica para nuestros países de América Latina, como salvaguarda de nuestra cultura, valores, identidad, fronteras y riqueza en el sentido más amplio de la palabra. Conocido resulta lo difícil de resistir la avalancha del fenómeno descrito, el cual crea modelos de conducta en nuestros pueblos desde la infancia. La experiencia cubana en este sentido, teniendo entre sus causas hechos históricos de fuerte relevancia que marcaron una diferencia con el resto del escenario latinoamericano, y aunque no impermeable, ha permitido crear modelos propios y lograr diversificar el gusto del público al no contar con la limitante de una pantalla dominada por los Majors. Inclusive establecer programas audiovisuales educativos para la infancia, mediante importantes inversiones en el sector audiovisual y especialmente en la animación, partiendo de que aunque estas últimas no suelen rentabilizarse, constituyen una inversión esencial en la formación cultural y social de la niñez. Hoy seguimos viendo la vulnerabilidad que representa el hecho de que la mayor parte de los países que integran la región, carezca de políticas y/o leyes que protejan su cinematografía, en algunos casos por la ausencia de una industria local, en otros debido a la fuerte presencia de los grupos mencionados. Salvo excepciones, gran parte de los países latinoamericanos no obligan a realizar las copias de cine en sus propios laboratorios, lo cual permite a las compañías multinacionales introducir las que competen a cada título, en muchos casos declarándolas sin valor comercial y, lógicamente, sin pagar impuestos; en otros, apenas con aranceles mínimos. Esto comienza a crear la gran diferencia que existe entre estas facturas y las producciones nacionales que han pagado impuestos, han creado empleos, dejan los beneficios en el país y, sobre todo, han creado cultura. En medio del paisaje neoliberal que reina hoy en Latinoamérica, donde muchos gobiernos están dispuestos a sacrificar no solo la cinematografía, sino la cultura en general, a cambio de reducir un poco la inflación para cumplir los designios del Fondo Monetario Internacional, o del Banco Mundial, dar continuidad y desarrollar nuestro cine, constituye hoy más que nunca tarea de nuestras naciones. De ahí la conclusión a la que hemos llegado desde hace muchos años: es preciso trabajar juntos, cooperar en la producción, distribución y exhibición de nuestra obra audiovisual común, lograr mecanismos que nos permitan obtener películas con un valor artístico capaz de lograr la comunicación con los públicos más diversos, al tiempo que resulten competitivas y genuinamente nuestras. 80