FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
FAAP PÓS-GRADUAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
2ª Tuma do Curso de Pós-Graduação lato sensu em
Critica de Cinema
O ENVELHECIMENTO PRECOCE DO NOVO CINEMA
LATINO AMERICANO
LÍVIA FUSCO RODRIGUES
Trabalho de Conclusão de Curso
Pós Graduação em Critica de Cinema
São Paulo
2009
LÍVIA FUSCO RODRIGUES
O ENVELHECIMENTO PRECOCE DO NOVO
CINEMA LATINO AMERICANO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao curso de PósGraduação em Critica de Cinema da
Fundação
Armando
Álvares
Penteado como exigência parcial
para obtenção de certificado de
conclusão do curso.
Orientadora: Profª. Edilamar Galvão
São Paulo
2009
1
RODRIGUES, Lívia Fusco
O envelhecimento precoce do novo cinema latino-americano. Lívia
Fusco Rodrigues. Orientação de Prof.a Edilamar Galvão. São Paulo,
2009. ix, 229.
Monografia (Pós-graduação Lato Sensu) – Fundação Armando
Alvares Penteado (FAAP). Programa de Pós-graduação em Crítica de
Cinema.
1. Marco Zero – Viña Del Mar 1967. 2. Novo Cinema Latino
Americano em Potência. 3. EICTV – Um Novo Recomeço. 4. Século
XXI – O Novo Cinema Latino Americano Virou Vovõ.
2
Lívia Fusco Rodrigues
O ENVELHECIMENTO PRECOCE DO NOVO CINEMA LATINO-AMERICANO
Data da aprovação: ___/___/___.
Nota:
Banca Examinadora:
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
3
Agradecimentos
A todos que diante das minhas dificuldades para redigir esse trabalho sempre me apoiaram.
FAAP, Memorial da América Latina, Francisco Marques, Ianina Zubowicz, Christian
Grinstein, Paula Vidal, Felipe Alface, Lilian Fusco Rodrigues, Julia Fusco, Alejandro
Legaspi, Maíra Torrecillas, Marcelo Caetano, Juan Sebastián Vasquez, Prof.ª Edilamar
Galvão, Eliseo Lopes, Renato Mobaid, Encarnación Luppi., Sergio Luppi, Denise de Freitas,
Luis Aquino, Prof. Alexandre Barbosa, Prof. Sergio Rizzo.
4
A todos aqueles que como eu
nunca deixaram de creditar
5
RESUMO
Titulo Original: O Envelhecimento Precoce do Novo Cinema Latino-Americano
Essa pesquisa teve por objetivo identificar e analisar todas as fases pelas quais o
movimento do Novo Cinema Latino Americano passou, usando como meio o registro de
filmes, manifestos, festivais e relatos de seus participantes.
Considerando também o quanto os acontecimentos históricos influenciaram o
desenvolvimento do movimento, a partir da mudança de rumo histórica marcada pela
revolução cubana (1959), fato que serviu de inspiração para os jovens latino-americanos
usarem o cinema como arma na luta por um futuro distante das lembranças das culturas
destruídas pelos colonizadores, longe da exploração de seus povos, buscando entre eles o
reconhecimento de uma identidade comum e a projeção dos novos princípios de uma filosofia
para aquelas civilizações.
Essa discussão mostra pontuar momentos chaves em seu desenrolar, como os encontros
em Viña Del Mar, os festivais em Mérida e Pesaro, e diversas expressões de sua força
encontradas em distintos países latino-americanos.
A imposição de ditaduras de direita em quase todos os países do continente causou uma
interrupção brusca no desenvolvimento do Novo Cinema Latino Americano, que voltou a
tentar se reorganizar como tal em 1986 por meio de um projeto articulado por antigos
membros do grupo da criação de uma escola de cinema e TV em Cuba (EICTV), para jovens
dos países chamados terceiro mundo.
A EICTV se tornou a mais renomada escola de cinema no mundo, no entanto não foi
capaz de reviver o movimento. A discussão busca concluir revelando as causas do
envelhecimento precoce do Novo Cinema Latino Americano e os resquícios de seu legado no
século XXI identificado no coletivo cinematográfico chamado Grupo Chaski, no Peru.
Palavras-chave: Novo Cinema Latino Americano, cinema, América Latina, EICTV,
ditaduras, Grupo Chaski.
6
RESUMÉN
Título em Espanhol: El Envejecimiento Precoz del Nuevo Cine latinoamericano.
Esta investigación tuvo como objetivo identificar y analizar todas las fases por las
cuales el movimiento del Nuevo Cine Latinoamericano pasó usando como medio registro de
películas, manifiestos, festivales y relatos de sus participantes.
Considerando también cuánto influenciaron los acontecimientos históricos al desarrollo
del movimiento, a partir del cambio de rumbo histórico marcado por la Revolución Cubana
(1959). El hecho sirvió de inspiración para que los jóvenes latinoamericanos usaran el cine
como arma en la lucha por un futuro distante de los recuerdos de las culturas destruidas por
los colonizadores, lejos de la explotación de sus pueblos, buscando entre ellos el
reconocimiento de una identidad común a todos y a la proyección de los nuevos principios de
una filosofía para aquellas civilizaciones.
Esta discusión quiere puntuar momentos claves en su desarrollo, como los encuentros
en Viña del mar, los festivales de Mérida y Pesaro, y diversas expresiones de su fuerza
encontradas en distintos países latinoamericanos.
La imposición de dictaduras de derecha en casi todos los países del continente causó
una interrupción brusca en el desarrollo del Nuevo Cine Latinoamericano, que volvió a
intentar reorganizarse como en 1986 por medio de un proyecto articulado por antiguos
miembros del grupo de la creación de una escuela de cine y TV en Cuba (EICTV) para
jóvenes de los países llamados tercer mundo.
La EICTV se tornó la escuela de cine más renombrada del mundo, sin embargo no fue
capaz de revivir el movimiento. La discusión busca concluir revelando las causas del
envejecimiento precoz del Nuevo Cine Latinoamericano y los resquicios de su legado en el
siglo XXI identificado en el colectivo cinematográfico llamado Grupo Chaski en Perú
Palabras-claves: Nuevo Cine Latinoamericano, cine, América Latina, EICTV, dictaduras,
Grupo Chaski.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CACI: Conferencia de Autoridades Cinematográficas da Iberoamerica.
C-CAL: Comitê dos Cineastas da América Latina (1974).
CCPC: Centro Costarience de Produção Cinematográfica.
CNAC: Centro Nacional Autônomo de Cinematografia (Venezuela).
CM3: Cinemateca de Tercereiro Mundo.
EICTV: Escola Internacional de Cinema e Televisão (1986).
EUA: Estados Unidos da América.
FNCL: Fundação do Novo Cinema Latino Americano (1985).
FOCINE: Fundo de Promoção Cinematográfica (Colômbia).
FONCINE: Fundo de Fomento Cinematográfico (Venezuela).
ICAIC: Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográfica.
ICAM: Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimídia (Portugal).
ICRT: Instituto Cubano de Rádio e Televisão.
ICUR: Instituto de Cinema Cientifico.
IMCINE: Instituto Mexicano de Cinema.
INA: Instituto Nacional de Audiovisual (Uruguai).
INC: Ex Instituto Nacional de Cinematográfica (Argentina).
INCAA: Instituto Nacional de Cinema e Arte Audiovisuais (Argentina).
IPACA: Instituto Português de Arte Cinematográfica e Audiovisual.
MERCOSUL: Mercado Comum do Sul.
MFM: Mercado de Filmes do Mercosul.
MINEDUC: Ministério da Educação (Chile).
MPAA: Motion Pictures Association of America (EE.UU.).
MR&C: Media Research & Consultancy (Espanha)
NCL: Novo Cinema Latino Americano (1967).
OEA: Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, por membros de 35 nações
independentes das Américas; tendo como objetivo principal: defender os interesses do
Continente Americano.
PIEB: Programa de Investigação Estratégica na Bolívia.
SICA: Sindicato da Industria Cinematográfica Argentina.
SODRE: Serviço Oficial de Difusão Radioelétrica.
UKAMAU: Movimento do novo cinema latino-americano na Bolívia, liderado pelo cineasta
Jorge Sanjínes.
URSS: União Soviética.
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SUMÁRIO
Introdução
10
Capítulo 01: Marco Zero – Viña Del Mar 1967
19
1.1. As pequenas grandes revoluções da década de 60
1.2. Primeiro encontro
19
22
Capítulo 02: Novo Cinema Latino Americano em Potência
35
2.1. Novos frutos
2.2. Promessa cumprida – Viña Del Mar 1969
2.3. Era de chumbo
35
38
42
Capítulo 03: EICTV – Um Novo Recomeço
44
3.1. A união faz a força
3.2. Certidão de nascimento
44
47
Capítulo 04: Século XXI – O Novo Cinema Latino Americano Virou Vovô
53
4.1. Um ponto final à esperança
4.2. Um breve panorama da problemática da indústria cinematográfica latinoamericana atual
4.3. Resquício do novo cinema latino-americano
53
56
62
Considerações Finais
67
Referências
70
Anexos
75
9
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa investiga a “mis en scene” no qual o movimento do Novo Cinema Latino
Americano surgiu e se desenvolveu, tornando-se uma arma nas mãos dos jovens cineastas
latinos americanos na luta pela descolonização, maior igualdade social, o fim do abuso de
poder indevido pelo Estado, o inimigo comum: EUA, a organização de uma produção latina
americana independente do cinema imperialista americano, visando unificar os países latinos
americanos.
Sendo assim, fica impossível negar o valor da produção desse cinema de contestação,
gerada por esse grupo, de valor que vai além do documental – que por diversas vezes
denunciou a má distribuição da renda, problemas de analfabetismo, “trabalho escravo”, o
problema da imigração do campo para a cidade, entre tantos outros problemas típicos de
países colonizados – até o artístico ao retratar figuras do folclore popular, além de uma
linguagem própria.
Partindo de uma grande identificação minha com os filmes latinos americanos
produzidos na última década, por países como Argentina, México, Colômbia, independente de
serem países hispanohablantes ou de historicamente seguirem por um caminho distinto do
brasileiro, foi inevitável que me saltassem aos olhos as inúmeras semelhanças entre a
realidade vivida no Brasil ou em quaisquer outros países da América Latina.
A realidade atual de países que foram colonizados em um passado não muito distante se
cruza em diversos momentos, seja em temáticas que abordem o tráfico de drogas e a
violência, como ocorre na maioria das fitas colombianas, ou em histórias com referências do
folclore nacional mexicano, ou nas crises da sociedade atual retratada sutilmente pelos
cineastas argentinos; como também em alguns casos uma preocupação com o cinema social.
10
As experiências cinematográficas assistidas por mim nesse espaço de tempo me levaram
a pensar nos países da América Latina como um todo. A questão da unidade latina americana
me instigou e me fez admirar ainda mais minhas raízes. Tal questão veio à tona, novamente,
após eu iniciar meus estudos no curso de pós-graduação de critica de cinema, onde tive a
oportunidade de aprofundar meus conhecimentos.
Conhecimentos esses que me levaram a conhecer o Movimento do Novo Cinema Latino
Americano e mais do que isso, a descoberta de um grupo de cineastas que levou a revolução
até as ultima conseqüências, como foi o caso, por exemplo, do cineasta argentino Fernando
“Pino” Solanas (1936-), que uniu a militância política, social e cultural ao cinema. O que
resultou em uma forte perseguição política desde sua juventude até seis tiros nas pernas na
década de noventa, quando acusava o então presidente da Argentina Carlos Menem (1930-)
de saquear o país.
Esse dado novo acrescentou mais uma dose de encantamento de minha parte pela
história do movimento Latino-Americano e pela história política da América Latina. O que
não poderia acontecer de outra maneira, sendo eu tataraneta de um comunista espanhol que
procurou exílio com sua família no Brasil, após ter seu livro de temática comunista queimado
e ser perseguido pelo então presidente espanhol Francisco Franco (1982-1975). Apesar de eu
nunca o ter conhecido, acredito que as historias que eu ouvi ao longo dos anos me marcaram
profundamente, principalmente o seu ultimo “ato político” que foi aos 91 anos distribuir os
panfletos no centro de São Paulo, contra o então presidente brasileiro Getulio Vargas (18821954), produzidos de forma clandestina no porão de sua casa, enquanto dizia jogar buraco
com um grupo de idosos.
A partir desse ponto mergulhei em uma busca para provar que a idéia de unidade latina
americana também poderia ser encontrada na produção latina americana atual, o que
inocentemente eu acreditava que poderia provar que o movimento nunca havia morrido por
11
completo. Tentei usar essa idéia como proposta inicial para esse projeto, mas encontrei
contras vindos de todos os lados. Continuei mesmo assim, porque acreditava que somente
alguém que viveu aquela experiência do movimento poderia contrariar minha idéia.
Minha arrogância mesclada com minha inocência chegou ao fim em julho de 2008,
quando fui chamada para trabalhar no 3º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo
e então tive o que eu considero de sorte de conhecer um dos integrantes do antigo movimento,
o uruguaio Alejandro Legaspi (1948-) que havia sido convidado pelo festival a trazer seu
novo filme: Sueños Lejanos (2007).
Legaspi fez parte do grupo do cinema novo no Uruguai, chamado de Cinemateca de
Tercer Mundo (CM3), grupo esse que encerrou suas atividades quando os militares
assumiram o poder em 1973. Legaspi foi exilado no Peru, onde anos mais tarde se uniu a um
coletivo cinematográfico chamado Grupo Chaski, que tinha como objetivo usar o cinema
como ferramenta de desenvolvimento sócio-econômico e cultural de países da região latino
americana.
A princípio eu sabia muito pouco da historia de Legaspi, porém nossa empatia foi
instantânea, o que me brindou com conversas sobre o cinema latino-americano e a vida em
geral. Em uma dessas conversas ele me disse que atualmente é impossível falar de uma
unidade latino americana, usando como exemplo o fato de que em um país como o Peru, 2/3
da população não fala espanhol, mas sim uma antiga língua indígena chamada Quéchua e que
particularidades como essa eram encontradas em diversos países latino-americanos, o que lhes
agregava características muito distintas.
O choque causado por essa conversa em especial causou uma reviravolta dentro de
mim, o que me fez chegar a pensar em desistir de ir mais a fundo na história do cinema na
América Latina. Dias depois, imersa nessa angústia gerada pela negação de algo que para
mim era um fato, em outra de minhas conversas com Legaspi, me atrevi a perguntar se ele
12
continuava sendo de esquerda, sendo assim acreditando em tudo aquilo que havia acreditado
antes do exílio. Legaspi me respondeu que sim.
A confirmação de que um ideal pode sobreviver dentro de você independe das
experiências contrárias geradas por ele, trouxe de volta o colorido com o qual eu olhava antes
para o cinema latino Americano. Nesse mesmo dia ouvi Fernando Solanas, que foi o
homenageado do mesmo festival, falar com lágrimas nos olhos sobre tudo o que havia vivido,
que não se arrependia de nada e que morreria fazendo filmes realistas que contestem os
problemas sociais, econômicos e culturais da atualidade. Diante dessas duas declarações
resolvi seguir adiante com a idéia de pesquisar o movimento do novo cinema latino
americano, porém dessa vez seguindo um caminho inverso do que eu pensara , partindo do
principio da formação do movimento até pequenas semelhanças do que foi feito por eles no
século passado, atualmente no século XXI.
Essa pesquisa tem como ponto de partida a agitação pré-revolucionária dos anos
sessenta na América Latina, cineastas latinos americanos em grupos ou individualmente
conceberam a atividade cinematográfica como frente de luta ao imperialismo americano que
influenciava de forma direta ou indireta todos os países do continente, em favor de mudanças
sociais e uma “descolonização cultural” dos países latino-americanos tão ricos de cultura
popular e indígena. Os cineastas políticos desenvolveram práticas de acordo com
circunstâncias e condições estabelecidas pela história e cultura nacional em cada país, não
aceitando possíveis contradições entre arte e militância.
Os cineastas tinham em comum uma bagagem “terceiro-mundista”, enraizada no
discurso da independência, e um marco de referência estética na montagem soviética, no
realismo social, no neo-realismo italiano, no documentário inglês, na nova onda francesa e
nas teorias de arte politizada. Na prática não havia diferenças profundas entre os conflitos
sociais que estavam acontecendo em todo continente desde os carvoeiros no Chile até os
13
mineiros na Bolívia; as tradições culturais encontravam pontos comuns que iam além da
língua espanhola oficial em todos os países da América Latina, menos o Brasil; as políticas
locais sofriam etapas semelhantes; os meios de comunicações, até então, precários, e as
perseguições políticas dificultavam os contatos entre os países, a repressão ideológica e a
escassez de fundos contribuíam para o desafio cotidiano.
A eminência da revolução cubana liderada por Che Guevara e Fidel Castro, na segunda
metade da década de cinqüenta, trazia com ela a semente do socialismo, a esperança de uma
igualdade entre os filhos dos 21 países que formavam a América Latina, e fez com que a
vontade da troca de experiências cinematográficas alcançadas por esses jovens cineastas
políticos latinos americanos fosse crescendo e tomando forma nos festivais de cinema
independentes.
Ao sul do continente latino, no Uruguai, o cinema ganhava cada vez mais espaço desde
a década de quarenta, quando se desenvolveu no país uma estrutura equivalente às indústrias
cinematográficas com instalações técnicas apropriadas, como ocorreu com a Argentina e o
Brasil na década de 50. Durante esses anos, foram realizadas inúmeras co-produções entre
Uruguai e Argentina, para quais se instalaram no país laboratórios de revelação de película.
Enquanto a produção na Argentina Peronista se encontrava diretamente vinculada ao Estado,
o Uruguai passou a ser uma alternativa próxima e neutra, onde os custos eram mais baixos e
não havia controle político sobre a produção.
Novos cineclubes e cinematecas surgiram, a Universidade da República contribuiu
criando o Instituto de Cine Cientifico (ICUR), o que não só estimulou o consumo como
aumentou a qualidade dos filmes. Nesse contexto foram criados o Festival de Cine
Internacional Documental e Experimental Del SODRE (Serviço Oficial de Difusão
Radioelétrica) desde 1954, e o Primer Congreso de Cineastas Latinoamercianos
Independientes, organizados em 1958 pela mesma instituição, onde participaram nomes que
14
viriam a se destacar como principais integrantes do movimento do Novo Cinema Latino,
como o diretor de cinema argentino Fernando Birri, pela Escuela Documental de Santa Fé
(Argentina), e o diretor brasileiro Nelson Pereira do Santos, um dos percussores do Cinema
Novo no Brasil. O que tornou a capital Uruguaia – Montevidéu – um terreno neutro e ao
mesmo tempo promissor para que ocorresse uma das primeiras reuniões informais dos
cineastas latino-americanos em seu próprio continente, encontros que antes só se davam em
festivais como Cannes, Veneza, Pesaro, na Europa e Canadá.
Foi preciso o movimento popular derrubar o governo de Fugencio Batista, conhecido
como “Movimento 26 de julho” e por conseqüência dele surgir um novo governo, liderado
por Fidel Castro em 1959, ao lado de seu braço direito Che Guevara, para que oito anos
depois, ainda impulsionados pelos ares da revolução, fosse organizado pela primeira vez,
exatamente no ano de 1967 o I Encuentro de Cineastas Latinoamericano, inserido no V
Festival de Viña Del Mar (Chile), realizado durante o período de 01 a 08 de março, com o
intuito de conhecer melhor a cinematografia de países vizinhos e discutir os novos rumos do
cinema na América Latina.
O cine-club de Viña Del Mar, dirigido por Aldo Francia, foi responsável pelo festival
que reuniu filmes e cineastas, em especial, a presença da delegação cubana, devido a acordos
pela OEA (Organização dos Estados Americanos), já que o governo do Chile, como todos os
governos da América Latina, com exceção do México, havia cortado relações diplomáticas
com a Habana. A perseverança de Aldo Francia, Luisa Ferrari e seus colaboradores foram
essenciais para que fossem reunidos: cinqüenta e cinco filmes, quarenta e seis delegados,
quinze da Argentina, nove do Brasil, onze do Chile, quatro do Peru, quatro do Uruguai, um da
Venezuela, e por fim Alfredo Guevara e Saul Yelín, representando Cuba.
Na parte competitiva, o Festival se restringiu à competição de curtas e médiasmetragens, pois a cinematografia latina ainda não possuía uma relevante produção de longas,
15
nos termos estéticos desejados pelos organizadores. Durante uma semana, aquele grupo se
reconheceu pela primeira vez nas imagens dos documentários, conhecendo melhor a realidade
repleta de incógnitas da América Latina. Esse foi o inicio de não só uma organização maior
diante de uma valorosa produção, como também foi a primeira vez que estética temática e a
real importância de filmes feitos “pela nossa gente para nossa gente” foi falada, além de uma
maior liberdade, aberta a experimentação em busca de uma nova linguagem, totalmente
desvinculada com o formato e conteúdo do cinema industrial, de consumo.
O movimento denominado Nuevo Cine Latinoamericano tomou forma nesse encontro,
que foi o primeiro de diversos encontros ao redor da América, ganhando cada dia mais
discípulos dentro e fora do continente, com sua valorosa produção cinematográfica que
alcançou fãs desde a antiga URSS até Europa e Japão. Produção essa que foi resultado de uma
união entre os países latino-americanos, buscando um cinema de contestação que
representasse a verdadeira realidade e identidade latina para o mundo; claro que a inserção do
processo político só foi possível mantendo a autonomia, e as características nacionais de
acordo com o país, onde fora concebida a obra. Sendo assim, esse movimento se chamou
Cinema Novo no Brasil; se chamou ICAIC – Instituto Cubano De Arte e Indústria
Cinematográficos - em Cuba; foi o cinema de indagações e enquetes da Escuela de Cine de
Santa Fé na Argentina; na Bolívia foi o cinema de Sanjinés e depois se chamou UKAMAU –
uma referencia ao primeiro longa metragem de Jorge Sanjines rodado em 1966; foi o cinema
nascido em meio a manifestações populares na universidade no Chile chamado de “Cine
Nuevo y Experimental”; foi “Cine Independiente” no México; foi o “Cine Nuevo” no Uruguai
e sua “Cinemateca de Tercer Mundo”; foi “Cine Documental” colombiano; foi “Margot
Benacerrat” na Venezuela.
O mito da liberdade e da revolução Che Guevara, que então vivia clandestinamente na
Bolívia, onde reunia esforços para criar uma base guerrilheira local, tendo como objetivo
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maior lutar pela unificação da América Latina foi lembrado como exemplo a ser seguido
diversas vezes no festival; por ironia do destino, sete meses depois, foi assassinado, deixando
uma juventude revolucionária órfã, mas que nem por isso deixou de continuar ansiando por
mudanças.
O segundo encontro foi marcado para o ano de 1969, dois anos depois do primeiro, e o
Festival de Cine de Viña Del Mar, viria a receber: cinquenta documentários, trinta ficções,
cinqüenta e três filmes rodados em 35 mm, vinte e sete rodados em 16 mm; mas dessa vez não
foram apenas os cineastas que se reuniram: dezenas de estudantes de cinema de todo
continente chegaram ao Chile, que, junto com estudantes chilenos e representantes sindicais e
culturais, elegeram em uma grande assembléia a Ernesto Che Guevara, como presidente
honorário, como homenagem a todos os companheiros que morreram lutando pela libertação
de América Latina.
Com a virada da década, os golpes militares na Argentina, Bolívia, Chile, resultaram no
desaparecimento, encarceramento e muitos exílios de cineastas envolvidos no movimento;
essa foi a razão fundamental pela qual o movimento é desacelerado. Por lealdade e coerência
com os princípios, se fundou em Caracas o Comitê de Cineastas da América Latina (1974)
com o objetivo de lutar em defesa dos desaparecidos, dos presos políticos e ao mesmo tempo
reunificar as forças esparsas do cinema latino-americano. Através desse comitê se reunifica o
movimento, contando com a participação de músicos, dramaturgos, para, ao final, trazer de
volta os festivais de cinema. Alfredo Guevara foi o responsável por reunir o movimento com
o primeiro Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana, Cuba, em 1979,
reiniciando as tradições que os golpes militares haviam tentado interromper por completo.
Em 1986, a Fundacion Del Nuevo Cine Latinoamericano, presidida pelo ícone da
literatura latino-americana, o colombiano Gabriel Garcia Márquez, decide dar vida à Escuela
Internacional De Cine y Televisión (EICITV) em San Antonio de Los Baños, Cuba, apelidada
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de Três Mundos (América Latina, Caribe, África e Ásia), tendo como mentor, o cineasta
argentino Fernando Birri.
A escola nasceu para satisfazer a necessidade de um projeto latino-americano,
contemplando diversas facetas, criando um espaço aberto, no qual todos os integrantes da
fundação deram o suporte fundamental para que sua realização fosse possível.
Não se sabe exatamente em que momento o Movimento chegou ao fim, se os sonhos
daquela juventude se perderam nos exílios, com a globalização ou simplesmente caíram com
o Muro de Berlim. O que se tem certeza é que o fortalecimento do capitalismo e todas as
mudanças agregadas a ele como a revolução tecnológica, surgimento de novas mídias, a
hegemonia hollywoodiana no cinema, os mercados competitivos, influenciam diretamente as
produções cinematográficas atuais, mesmo assim ainda é possível encontrar características
que dialogam com o velho movimento na atualidade, sempre apoiados por antigos
idealizadores do movimento, suas faculdades e as poucas películas que resistiram ao tempo, o
que resulta em incentivo para a produção atual, como, por exemplo, o grupo de cineastas
reunidos no Peru, chamados de Grupo Chaski.
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1. MARCO ZERO: VINÃ DEL MAR – 1967
1.1. As pequenas grandes revoluções da década de 60
O fim da década de 50 trouxe os ares concretos da revolução; a sonhada Revolução
Socialista havia se concretizado em território latino no ano de 1959, quando Fidel Castro e o
Exército Rebelde derrotaram o governo do ditador Fugêncio Batista e instituíram o
Socialismo na ilha de Cuba. Lutando ao lado de Fidel, o argentino Che Guevara converteu-se
em o mais famoso revolucionário comunista da história. Mas não era só a revolução que o fim
dos anos 50 anunciou: com o desgaste das velhas fórmulas – os potenciais científicos e
tecnológicos fortemente desenvolvidos na era anterior, foram dois grandes agravantes da I e II
Guerra Mundial - o impacto competitivo dos meios com a nascente das televisões européias, o
emprego do tempo livre para as grandes massas e por fim, uma grande busca na identificação
de uma cultura nacional (no caso dos países considerados de terceiro mundo).
Conseqüentemente, os anos 60 chegaram trazendo o progresso. Os chamados “Anos
Rebeldes” se caracterizaram por terem sido uma época de não conformismo, desencadeando
um choque entre a geração da “Era das Catástrofes” - nascidos entre Guerras Mundiais -,
segundo o professor de história Luis Ferla 1 (2007 - informe verbal), e a nova geração que
acreditava ser necessário mais do que o ideal burguês – casamento, bom trabalho, casa de
campo e carro novo – para ser feliz. É por isso que esse momento veio a ser o berço de
diversos movimentos que de alguma maneira dialogavam entre si.
Tais movimentos trouxeram a ânsia de mudança dos jovens da geração dos anos 60.
Era a primeira vez que, não só os jovens como também frações da população que até então
não possuíam voz ativa, tiveram a oportunidade de reclamar seus direitos e exclamar suas
1
Informação repassada na aula de Historia Cultural, no curso de pós-graduação de critica de cinema na
Fundação Álvares Penteado, em março de 2007.
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opiniões diante aos acontecimentos no mundo. Por essa razão, tais movimentos surgidos nesse
período merecem ser citados, para que seja possível montar um panorama dos acontecimentos
da época.
O Movimento Feminista teve origem em 1948, na convenção dos direitos das mulheres
em Nova York. Segundo a socióloga Francisca Socorro Araújo 2 tal movimento ganhou força
reivindicatória por ter sido inspirado nos ideais da Revolução Francesa (1789-1799), que
reivindicavam a Igualdade, Liberdade e Fraternidade, e que também vieram a ser
reivindicados anos depois, pelas Feministas. Por ser um movimento sócio-político, luta pela
igualdade entre os sexos, além de ter forte caráter intelectual e teórico que visa desnaturalizar
a idéia de que há uma diferença ente os gêneros.
Na década de 60, nos EUA, o movimento voltou a fervilhar com a publicação do livro
O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. O livro deixa clara a situação da mulher em uma
sociedade patriarcal. Assim, o movimento passou a incorporar mais uma discussão ao redor
das raízes culturais da desigualdade entre os sexos.
O Movimento Pacifista, também enraizado nos EUA, se tratava de um movimento
social que buscava acabar com as guerras – como, por exemplo, a guerra do Vietnã (19591975) – visando promover a paz mundial usando como métodos, além da diplomacia, a não
violência em qualquer tipo de situação, o boicote e o consumo responsável, apoiando
candidatos políticos que seguissem a mesma linha de pensamento, na maioria das vezes de
partidos de esquerda, já que, algumas facções pacifistas também almejavam unir grupos
opostos ao anticomunismo, imperialismo e colonialismo.
O Movimento Negro, iniciado por Martin Luther King Jr., no ano de 1955/56, defendia
os direitos dos negros e desfavorecidos, combatendo o racismo e as injustiças na sociedade
norte-americana. Em 1957, Luther King e seus seguidores criaram a Conferência Sulista
2
Info Escola. Disponível em: http://www.infoescola.com/sociologia/feminismo/. Acessado em: 11/12/2008
20
Cristã, que foi a grande organizadora das campanhas de desobediência civil. Segundo Antonio
Carlos Brandão e Milton Fernandes Duarte, no livro Movimentos Culturais da Juventude
(1990), usar a desobediência civil, como forma de combate - de forma semelhante ao
movimento pacifista - combatia as ações injustas do Estado com a não violência, por acreditar
que os aparelhos repressores só seriam capazes de praticar a violência física, pois nunca
seriam capazes de atacá-los de forma moral ou intelectual. No ano de 1963, a desobediência
civil se tornou o grande trunfo do movimento. Em sua fase final, os jovens negros corriam
atrás dos policiais para serem presos como forma de desobediência das leis, desencadeando
uma superpopulação nas cadeias, o que representava simbolicamente um pedido por uma
sociedade de tolerância racial. Essa inversão de valores fez com que os órgãos da repressão
não pudessem lutar contra o inimigo, que usava outra arma.
Ações como essas resultaram na Lei dos Direitos Civis, no ano de 1964, que tornou
ilegal a discriminação racial em lugares públicos. A Lei dos Direitos de Voto só veio um ano
depois, com o presidente Lyndon Johnson. Infelizmente, cinco dias depois de promulgada a
lei, o bairro negro de Watts, em Los Angeles, ardeu em chamas – crime associado a brancos
que não estavam de acordo com a nova lei – resultando em uma nova vertente do Movimento
Negro, denominada Black Power que propunha, no lugar da não violência, o poder de ação
exigindo do Estado um maior poder político e econômico sem se importar com os meios
pacifistas e a integração com brancos, ficando conhecido assim como Movimento Black
Power a partir de 1967.
A Primavera de Praga – também conhecida como a experiência do “socialismo como
face humana” (Dubcek, 1968:166) – foi intitulada pelo líder do Partido Comunista Alexandre
Dubcek e apoiada por intelectuais reformistas do partido comunista Tchecos, no ano de 1968.
Com o objetivo de “desestabilizar” o país, que houve mudanças políticas e econômicas na
21
Tchecoslováquia, conseqüentes a crença de Dubcek que não acreditava em um Sistema
Socialista autoritário.
Diante dos movimentos sinteticamente descritos, e de todas as transformações que
seguiram, encontramos em meio ao terreno fértil mundial, impulsionados por tempos de
definições de novos rumos, os jovens latinos americanos que sentiam os acontecimentos
mundiais de forma direta ou indireta e refletiam dentro de seus países. Inquietos, estes que
entravam em um período que até os anos 80 seria fortemente marcado por ditaduras militares,
ansiavam por mudanças; se reuniam em grupos, discutiam idéias e tinham a esperança de uma
sociedade sem classes sociais, onde todas as pessoas tivessem condições de vida e de
desenvolvimento semelhante, como o regime socialista instalado na Rússia nos primórdios do
século XX, baseado nos princípios do marxismo – socialismo científico, elaborado por Karl
Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895).
1.2. Primeiro encontro
Crendo nas promessas de um novo mundo, jovens cineastas latino-americanos de
distintos países se uniram, e a partir daí surgiram grupos de amigos de trabalho ou de
reflexão, sem nenhuma relação com o Estado, chamado de Nuevo Cine Latinoamericano
(NCL 3 ). Esse movimento tinha como intuito usar o cinema como forma de conscientização
dos problemas sociais e econômicos nos quais todos os países do continente estavam imersos.
Para tal ato, seria necessário fazer um cinema repleto de subtextos, distante de qualquer rótulo
ou possível interpretação mais ortodoxa.
3
Nuevo Cine Latinoamericano (NCL) identifica um movimento cinematográfico, que pela primeira vez, reuniu
formalmente a produção cinematográfica latino americana, marcada pela proposta de conscientização política e o
tom de denuncia, pelo uso de circuitos alternativos de difusão e por idéias expressas em manifesto e publicações
nas décadas de 60 e 70.
22
Dessa forma, o Movimento se tornou real, por meio do Cine Club de Viña Del Mar 4 ,
localizado em uma pequena cidade no litoral chileno, dirigido por Aldo Francia, principal
responsável pela reunião dos filmes e cineastas e em especial por conseguir a presença da
delegação Cubana, já que por acordo com a OEA 5 , o governo do Chile, como todos os
governos da América Latina, com exceção do México, havia interrompido as relações
diplomáticas com Cuba. Por fim, a força de vontade de Aldo Francia (1923-1996), Luisa
Ferrari e seus colaboradores, conseguiram ultrapassar esse obstáculo e junto a cineastas do
Peru, Argentina, México, Venezuela, Bolívia, Brasil, Uruguai, assistiram Alfredo Guevara
(1925-) e Saúl Yélin (1935-1977) representarem Cuba.
Pela primeira vez se oficializou um encontro entre os protagonistas do cinema latino e
caribenho - que, até essa época, se encontravam em festivais na Europa e Canadá, como:
Pesaro, Veneza e Cannes – em território Latino Americano, no ano de 1967.
Foi do dia 01 a 08 de março que ocorreu o V Festival de Viña Del Mar, e, com ele, o I
Encuentro de Cineastas Latinoamericanos 6 , com o intuito de haver um conhecimento mútuo
de cinematografias e de incentivar uma discussão em torno de temas como identidade, política
e estética. Segundo o cineasta chileno Miguel Littin (1942-), que fez parte desse encontro,
“aquele festival de 67 foi nosso encontro com a História em um espelho recoberto talvez pela
paixão e pela ira, mas um espelho, ao fim, que refletiu a luz e a sombra de uma nova História.
O fundamental ali era encontrarmo-nos e reconhecermo-nos na realidade diversa de uma
América incógnita e também desconhecida” (Littin, 2006: 25-26)
História essa que havia mudado de rumo desde a revolução cubana. Assim nascia uma
nova realidade marcada pela presença efetiva das grandes massas populares na vida pública,
realidade que ecoava por todos os países do continente, fazendo com que a geração de jovens
4
O Cine Club de Viñal Del Mar foi criado por Aldo Francia no principio dos anos 60.
OEA: Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, por membros de 35 nações independentes das
Américas; tendo como objetivo principal: defender os interesses do Continente Americano
6
Encontro dos Cineastas latino-americanos.
5
23
artistas descobrisse nas tradições populares a força que os impulsionaria para o futuro. Um
futuro longe das lembranças das culturas destruídas pelos colonizadores, longe da exploração
de seus povos, fazendo com que eles reconhecessem uma identidade comum e principalmente
buscassem projetar os princípios de uma nova filosofia, para aquelas civilizações desgastadas
pelo ceticismo.
Seguindo essa vertente, o novo cinema buscava em suas imagens esse resgate popular,
pelo choque com a realidade, pela forma de se soltar de antigas correntes e começava a andar
por si só.
Diante de 46 jovens cineastas, sendo eles: 15 da Argentina, entre eles Fernando Birri
(1925-) e Octavio Getino (1935-); nove do Brasil, entre eles Glauber Rocha (1939-1981) e
Nelson Pereira dos Santos (1928); dois de Cuba: Alfredo Guevara e Saul Yélin; 11 do Chile,
entre eles Miguel Littin (1942-); quatro do Peru; quatro do Uruguai, e uma mulher
representando a Venezuela: Margo Benacerraf (1926-); foram apresentados 55 filmes, médias
e curtas metragens.
A temática real assistida nesse encontro e no seguinte, dois anos depois, foi traduzida
por Miguel Littin (Littin, 1988: 38-39) em um poema:
Los mineiros de Bolivia.
Las mayorías de Brasil.
Los que con la tierra y el agua mezclan la greda de Argentina.
Los estudiantes de Uruguay.
Las guerrilleras de Cuba.
Los hombres del carbón en Chile.
El testimonio del México.
El arte colonial de Venezuela.
Los subterráneos del Fútbol en Brasil, sus escuelas de samba, las historias surgidas de la
literatura del cordel.
Los forjadores del futuro en Perú.
Campesinos Viramundos.
Estudiantes.
Las mujeres proletarias.
La infancia abandonada.
El hombre que recorría desesperanzado por un mundo ajeno.
Los bandoneones insurgentes.
24
Los hacheros no más.
Los del otro oficio…
El chacal de Nahueltoro. 7
Ficam explícitas as diversas temáticas vindas de distintas realidades, amarradas entre si
pela desigualdade social, subdesenvolvimento, entre outros problemas típicos de países de
terceiro mundo.
Da Bolívia, imersa em um período sombrio, desde 1964, caracterizado por enorme
repressão militar e intensa atividade de movimentos populares que esgotaram rapidamente
com o modelo de governo de Barrientos 8 que não se mostrou hábil em restaurar os
verdadeiros caminhos da revolução de 1952, encabeçada pelos mineiros e camponeses que
7
T.A.: Os mineiros da Bolívia
As maiorias do Brasil
Os que com a terra e a água misturam o barro da Argentina
Os estudantes do Uruguai
As guerrilheiras de Cuba
Os homens do carvão no Chile
O testemunho do México
A arte colonial da Venezuela
Os subterrâneos do futebol no Brasil, suas escolas de samba, as histórias vindas da literatura de cordel
Os forjadores do futuro no Peru
Camponeses Viramundos
Estudantes
As mulheres proletariadas
A infância abandonada
O homem que caminhava sem esperança por um mundo alheio
Os bandoneons rebeldes
Os lenhadores não más
As memórias do Cangazo
Os de outro trabalho
O chacal de Nahueltoro
LITTIN, M. “Viña Del Mar 1967, Alfredo Guevara, Aldo Francia: El Nuevo Cine de América Latina”. El Nuevo
Cine Latinoamericano En El Mundo de Hoy. Universidad Nacional Autónoma de México. UNAM, 1988, P.2829.
8
René Barrientos Ortunõ (1919 – 1969) governou a Bolívia de 1964 até 1969.
25
almejavam o fim dos latifúndios e a nacionalização do complexo mineiro que chegou a
acontecer, porém com indenizações compensatórias e de modo burocrático.
Seguindo a mesma linha dos acontecimentos na Bolívia, o projeto de penetração norte
americana na América Latina tinha exigido a deposição de vários governos civis para garantir
a “calmaria” necessária para o projeto de combate à revolução cubana.
Em 1964 foi à vez de o Brasil sofrer o pior golpe militar de sua história. Tirou o então
presidente Jango 9 do poder, instaurando assim uma ditadura que durou até metade dos anos
80. Fazendo parte desse processo, a Argentina também sofreu um golpe militar em 1966, que
depôs o radical Juan Carlos Onganía 10 que refletiu na volta do Perón 11 à Argentina poucos
anos depois.
Do Uruguai, o movimento estudantil tinha uma tradição de organização e compromisso
político e social que ia além dos problemas comuns à vida universitária, se voltando também
para a militância diante dos acontecimentos internacionais – como a guerra e as recorrentes
agressões norte americanas à América Latina – e compactuando com os movimentos sociais,
em especial o movimento dos trabalhadores.
De Cuba, a importância da presença feminina na guerrilha.
Do Chile, a situação lastimável dos carvoeiros, a crescente oposição da esquerda diante
das insuficientes reformas feitas e também a oposição dos setores mais conservadores que
acreditavam que tais reformas excessivas como: a reforma agrária e o projeto
desenvolvimentista que se baseava em empréstimos externos, desenvolvidas essa pelo então
9
João Belchior Marques Goulart (1919 – 1976), conhecido popularmente por Jango, governou o Brasil de 1961
até 1964.
10
Juan Carlos Onganía Caballo (1914 – 1995) governou a Argentina de 1966 até 1970.
11
Juan Domingo Perón (1895 – 1974) foi presidente da Argentina de 1946 á 1955, e de 1973 até 1974.
26
presidente Eduardo Frei Montalva 12 – que em 1964 havia derrotado Salvador Allende nas
eleições.
No México, a vanguarda do movimento que exigia ao menos uma tentativa de
democracia foi tomada pelos estudantes – antes o movimento era composto por camponeses,
pedreiros, professores primários, ferroviários e médicos. Todos os movimentos anteriores
haviam sido aniquilados, por isso o surgimento do Movimento Estudantil de 68 – que
iniciaram no princípio da década de 60 – foi aceito facilmente por toda população. Tal
movimento também exigia explicações diantes dos mortos e desaparecidos em movimentos
anteriores, além de suas principais reclamações que consistiam em um conjunto de
reivindicações progressistas e democráticas, pautadas na história do México.
O Movimento Estudantil de 68 incorporou o movimento dos trabalhadores e por fim se
transformou em um grande movimento de massa, colocando um ponto final em antigos mitos
e valores nacionais: unidade nacional, estabilidade econômica e social do país. O Movimento
alcançou níveis de politização e conscientização coletiva nunca imaginada antes. Por fim, o
movimento é massacrado por completo na Plaza De Las Tres Culturas, em Tlatelolco, no dia
2 de outubro de 1968.
Da Venezuela, a influência da colonização Espanhola na arte colonial dividia espaço
com a arte indígena, que de forma inconsciente se transformava na última barreira de
resistência da cultura que cada dia mais perdia espaço para a “arte dos colonizadores” (Littin,
1988: 37). Guiado pelo mesmo apelo de retorno ao primitivo, da busca pelo reencontro com o
natural, que o pintor Armando Reverón (1889-1954) se tornou o pintor mais reverenciado da
Venezuela, após ter se colocado em oposição ao mundo moderno e a sociedade tecnológica e
consumista, passando grande parte de sua vida vivendo em uma gruta. Muitas dessas
experiências se expressam em suas obras: na maioria das vezes figuras humanas,
12
Eduardo Nicanor Frei Montalva (– 1982) governou o Chile de 1964 até 1970.
27
especialmente mulheres, cenários insólitos, além da valorização de recursos simples ara
criação da pintura.
Esse conjunto de características peculiares chamou a atenção de Margot de Benacerrat
que realizou o documentário Reverón (1952) sobre a vida e obra do artista, uma das poucas
documentações da arte venezuelana da época.
Como temática de todos os países comentados encontramos as histórias: das mulheres
que agora não são apenas donas de casa, mas que também dividem seu tempo entre família e
trabalho; da infância abandonada por falta de recursos sociais e econômicos do Estado; do
desmatamento desmedido em toda América Latina, como ocorreu no Chaco Paraguaio 13 ; dos
camponeses “viramundos” – referência ao documentário brasileiro Viramundo (1965), de
Geraldo Sarno, que retrata a imigração do campo para a cidade grande em busca de novas
oportunidades; dos também camponeses que seguem em busca de um trabalho temporário
como ocorria em grande escala, não somente em Nahueltoro, como no pano de fundo do filme
de Miguel Littin: El Chacal de Nahueltoro (1969); e dos movimentos estudantis que
fermentavam de Norte ao Sul do continente.
Resgatando a importância do folclore e da cultura típica de cada região, o poema citado
faz referência ao cangaço do Nordeste brasileiro, ao fanatismo brasileiro pelo futebol, ao
samba pautado nas raízes africanas e adaptado no Brasil pelos escravos negros, ao mais
importante compositor de tango do século XX Astor Piazzolla e ao principal instrumento da
orquestra de tango: o Bandoneon.
Por fim, uma referência comum a todos esses países: o tal homem que caminhava por
toda América Latina, em busca de um mundo melhor, personificado na figura de Che
13
O Chaco Paraguaio significa “território de caça” em Quéchua, é uma região que faz fronteira entre Paraguai e
Bolívia.
28
Guevara, que naquele momento estava escondido na Bolívia tentando estabelecer uma base
guerrilheira para lutar pela unificação dos países da América Latina.
Diante da esperança de uma unificação da América Latina, o cinema latino-americano
também se propunha a ser reconhecido como uma unidade. Para que isso acontecesse foram
estabelecidos os seguintes objetivos pelo V Festival de Viña Del Mar:
a) Exibir e confrontar obras experimentais que elevem o cinema como arte;
b) Investigar novas formas de linguagem cinematográfica através da latinidade
autêntica baseada na problemática do homem e da raça, fazendo com que ele,
enquanto sujeito, redescubra suas raízes e incorpore-as;
c) Reunir representantes do cinema latino-americano de diferentes atividades e
manifestações com a finalidade de trocar experiências e possibilitar a união de
uma força comum.
Durante uma semana foram organizadas mesas de debates. A primeira delas tinha como
proposta resgatar a história da cinematografia latino-americana e analisar de forma profunda a
temática e a estilística de tal produção, tendo como pontos principais:
a) A história do Cinema Latino Americano;
b) A descoberta de certas coincidências entre os povos do continente, abordando
também suas particularidades expressivas;
c) A liberdade de expressão cinematográfica;
d) A cultura cinematográfica por traz dos filmes: cineclubes, cinematecas e
críticas.
Uma segunda mesa discutia um dos maiores problemas do cinema latino-americano: a
forma de distribuição da produção que deveria chegar diretamente aos seus destinatários
29
naturais com os quais os cineastas queriam se comunicar. Em inúmeras vezes os canais de
difusão usados eram clandestinos, como a repercutida projeção clandestina feita no mesmo
ano, antes da existência do Grupo Cine Liberación 14 , no sindicato de Buenos Aires, onde 200
pessoas que estavam presentes foram presas. Esse era o real motivo para uma discussão
profunda dos seguintes tópicos:
a) Legislação vigente;
b) Um estudo básico do mercado cinematográfico comum;
c) O intercâmbio de filmes e a difusão do cinema latino-americano em distintos
países do continente;
d) Criar uma política de expansão do cinema latino-americano em mercados
exteriores.
A preocupação em manter as relações formalmente estabelecidas no I Encuentro de
Cineastas Latinoamericanos e de criar um órgão que ajudasse a manter tais relações, também
se fazia presente em uma das mesas de discussão:
a) Manter os contatos estabelecidos no I Encuentro de Cineastas
Latinoamericanos;
b) Criar relações entre todas as escolas de cinema do continente, com direito a
bolsa de estudos entre alunos e professores;
c) Revistas de cinema;
d) Mecanismos que informem diariamente o “dia-a-dia” do cinema em cada país do
continente.
14
Grupo Cine Liberacion: grupo organizado na Argentina começou na clandestinidade em meados dos anos 60,
encabeçados pelos cineastas Fernando Solanas e Octavio Getino. Surgiu a partir da experiência de assistir
diferentes filmes latino-americanos com forte critica social, que despertaram uma forte consciência política,
seguida da vontade de criticar a realidade e depois, tentar modificá-la
30
Por fim, o importante não era apenas produzir conteúdos e desenvolver linguagens
cinematográficas em concordância com as mudanças significativas que estavam ocorrendo na
maior parte dos países latino-americanos, mas sim apresentar conteúdos e linguagens novas
adaptadas para as novas realidades. Era importante encontrar uma nova linguagem que fosse
afastada das formas e conteúdos do já conhecido cinema industrial e de consumo.
Usando como aliados às evoluções tecnológicas, como as câmeras mais leves, os
negativos de imagem mais sensíveis que permitiam filmar em condições de pouca luz; o som
direto (ou seja, a gravação do som ao mesmo tempo em que a imagem esta sendo captada); e
tudo que já estava sendo utilizado na Nouvelle Vague Francesa 15 ; foi criada uma mesa de
discussão que envolvia os seguintes tópicos:
a) Experiências anteriores e as fracassadas tentativas de se fazer cinema industrial;
b) Legislação vigente;
c) Uma pesquisa profunda dos equipamentos existente nos diferentes países;
d) Bases reais para o surgimento de co-produções latino-americanas.
Durante essa semana diversas discussões foram feitas e 55 filmes foram assistidos, o
que se converteu na esperança de criar uma unidade em possibilidade real. Real, porque por
inúmeras vezes coincidências estéticas e vontades políticas explodiam na tela,
independentemente da nacionalidade do filme. A vontade comum de romper com as estruturas
do cinema industrial imposto e do neocolonialismo se destacava naturalmente. Outra grande
semelhança era a forma libertadora e criativa com que os cineastas resolviam problemas de
limitações tecnológicas. Todos esses elementos se traduziam em uma frase do cineasta
brasileiro Glauber Rocha: “Uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”.
15
Nouvelle Vague, foi um movimento artístico de cinema francês, criado no final dos anos 50.
31
A frase de Glauber Rocha se converteu na bandeira do festival. Assim, a estética do
novo cinema latino americano já estava determinada pelas condições econômicas, sociais,
culturais e políticas. A temática seguiria a mesma linha: regida pelo resgate da memória
popular, pela necessidade de reescrever nossa própria história, não apenas pautada no folclore
e no populismo, que foi a maneira encontrada pela burguesia de usar o cinema como um
instrumento de dominação e de perpetuação do poder, mas também com o intuito de unir arte
e política.
O compromisso com a história também refletiu nas escolhas do júri, que premiou o
diretor cubano Humberto Solas (1941-2008) pelo média metragem Manuela (1966) - o
primeiro de uma seqüência de filmes dedicados a mulher – que narra um episódio da
revolução cubana através de uma camponesa que se une a guerrilha em Sierra Maestra, o
cubano Santiago Alvarez (1919 – 1998) que recebeu um prêmio por seu documentário Now
(1965), e também o primeiro filme do boliviano Jorge Sanjínes (1937-) com seu documentário
Revolución (1963). Do Brasil, foi premiada o curta metragem Maioria Absoluta (1964) de
Leon Hirszman (1938 – 1987) que tem como temática o analfabetismo; Viramundo (1965) no
qual o também brasileiro Geraldo Sarno (1938-)
mostrou a dificuldade sentida pelos
imigrantes do Nordeste em direção ao centro-sul em se adaptar com a nova realidade; e
dirigindo um roteiro de Geraldo Sarno, o diretor brasileiro Sérgio Muniz (1935-) ganhou um
prêmio por Roda e Outras Histórias (1965).
A Escuela Documental de Santa Fé (1956), na Argentina – a primeira escola focada no
gênero documentário da América Latina-, também destacou as obras cubanas em geral. É
importante mencionar nomes, vindo de outras “escolas” latino americanas, como Pedro
Chaskel (1932-), Hector Rios (1927-), Patrício Guzman (1941-), Nieves Yankovic e Jorge Di
Lauro, do Chile; Raimundo Gleyzer (1941-1976), Carlos Fisherman e Eliseo Subiela (19441995) da Argentina.
32
Ao final daquela semana, ficou acordado repetir a dose dois anos mais tarde, no mesmo
festival de Viña Del Mar. Encontros como esses eram essenciais, mas o movimento também
estava interessando em criar bases sólidas para o novo cine independente de cada país, que
começava a engatinhar. Para essa função, surgiu a idéia de criar um órgão chamado de Centro
Latinoamericano Del Nuevo Cine 16 – antecessor do Comitê de Cineastas da América Latina
(1974) – cujo principal objetivo seria repassar as informações emitidas por cada centro
nacional de cinema de cada país para todos outros, a fim de sistematizar um reconhecimento
global
da
cinematografia
latino-americana
e
aumentar
suas
possibilidades
de
desenvolvimento. Para que a unidade sonhada fosse estabelecida, o centro também teria a
função de organizar semanas de cinema latino-americano nas capitais e províncias, criar
circuitos alternativos de distribuição e exibição, promovendo diretamente a criação de um
centro nacional de cinema ligado a um órgão internacional, que teria sede em Viña Del Mar.
A capacitação e espaço para experimentação de cinema também foi discutida. Havia
uma grande necessidade da abertura de escolas e escritórios que seguiam a mesma linha da
Escuela de Cine de Viña Del Mar 17 , dirigida pelo Cine Club em parceria com a Universidade
do Chile, escola que se tornou realidade no ano seguinte.
O resultado desse encontro e das idéias discutidas nele ecoou com nomes distintos em
cada país. Sendo assim, foi o cinema conhecido pela célebre frase de Glauber Rocha “Uma
câmera na mão e uma idéia na cabeça”, chamado de Cinema Novo no Brasil; ICAIC –
Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica - em Cuba, foi o cinema contestador na
Escuela de Documental de Santa Fé 18 na Argentina; na Bolívia foi o cinema de Sanjínes e
depois UKAMAU – grupo de cineastas bolivianos liderados pelo próprio Sanjínes,
funcionando em moldes similares ao Grupo Liberación na Argentina - título do seu primeiro
16
Centro Latino Americano do Novo Cinema ou do Cinema Novo.
Escola de Cinema de Viña Del Mar foi criada em 1967, por Aldo Francia.
18
Escola de Documental de Santa Fé na Argentina foi criada em 1956 por Fernando Birri.
17
33
longa metragem rodado em 1966 que foi ponto de partida do movimento que tinha como lema
“cine junto al pueblo”
19
; foi o cinema nascido em meio a manifestações populares no Chile,
chamado de Nuevo e Experimental; no México foi Cine Independiente; foi Cine Nuevo e
Cinemateca de Tercer Mundo 20 no Uruguai; na Colômbia foi Cine Documental; e foi o
cinema de Margot Benacerraf a criadora da Cinemateca Nacional da Venezuela (1966).
Independentemente de como era chamado em seu país de origem, o movimento do
Nuevo Cine Latinoamericano nasceu oficialmente em Viña Del Mar, no ano de 1967. Fruto
do mais puro desejo dos jovens cineastas latino-americanos, desejo esse de misturar arte com
política, e assim, fazer sua própria revolução.
19
“Cinema junto ao povo”.
A Cinemateca do Terceiro Mundo (CM3) surgiu em 1968, por meio de um grupo de 17 jovens uruguaios, que
tinham como objetivo divulgar sua obra ou toda aquela que tivesse alguma afinidade com o protesto e a
denuncia. O CM3 foi extinto em 1973, devido ao regime militar instalado no Uruguai no mesmo ano.
20
34
2. NOVO CINEMA LATINO AMERICANO EM POTÊNCIA
2.1. Novos frutos
As promessas feitas no primeiro encontro oficial dos jovens cineastas latino-americanos
desencadearam um ano mais tarde na Mostra de Cinema Documental Latino Americano e no
II Encuentro de Cineastas Latinoamericanos em Mérida 21 (Venezuela), bem como a Mostra
Del Nuevo Cinema de Pesaro 22 (Itália). Tais encontros reuniram não só jovens cineastas
latinos americanos, mas também apontavam para um crescente interesse de críticos europeus
que passavam por uma fase de profunda politização da arte em geral.
Segundo Mariana Martins Villaça 23 relatou nos Anais Eletrônicos do VIII Encontro
Internacional da ANPHLAC: “As manifestações e protestos político-sociais ocorridos em
1968, na França, produziram considerável impacto na produção cinematográfica latinoamericana e contribuíram para aprofundar o interesse da crítica especializada e do público
universitário estrangeiro pelas obras e ações dos realizadores identificados ao projeto do
chamado Nuevo Cine Latinoamericano”
24
. O acolhimento da crítica - principalmente na
França - se explica no contexto das novas buscas européias, principalmente marcadas pelos
cineastas membros da Nouvelle Vague e pelo chamado cinema de autor 25 .
O interesse internacional contribuiu para que o interesse em território latino americano
aumentasse e passa se a ser documentado por revistas como Cine Cubano (Cuba), Hablemos
de Cine (Peru), Cine Del Tercer Mundo (Uruguai) e Cine Al Dia (Venezuela).
21
II Encontro dos Cineastas Latino-americanos em Mérida – Venezuela -, ocorreu do dia 21 a 29 de setembro,
de 1968, por iniciativa de Carlos Rebolledo.
22
Mostra de Cinema Novo em Pesaro – Itália – 1968.
23
Doutora pelo Depto. de História da FFLCH-USP e integrante de Projeto Temático “Cultura e política nas
Américas: circulação de idéias e configuração de identidades (séculos XIX e XX)”. Esse trabalho é um
desdobramento da tese de doutorado e parte da pesquisa de pós-doutorado intitulada “Circuitos e diálogos do
Nuevo Cine Latinoamericano (1967-1986)”, com auxílio da FAPESP, sob a orientação da Profa. Dra. Maria
Ligia Coelho Prado.
24
Anphlac. Disponível em: http://www.anphlac.org/periodicos/anais/encontro8/mariana_villaca.pdf. Acessado
em 26/01/2009.
25
Cinema de Autor é o termo dado ao diretor que possui um estilo próprio reconhecido em toda sua obra.
35
No II Encuentro de Cineastas Latinoamericanos em Mérida ficaram em destaque a
premiação conjunta da obra do cubano Santiago Alvarez por Hanoi, martes, 13 (1967) e 79
Primaveras (1969) que abordou a guerra do Vietnã por diversos ângulos distintos; as
produções do grupo argentino Cine Liberación que traduziram a miséria latino-americana
principalmente no filme La hora de los hornos (1968); e o grupo Boliviano Ukamau que
expôs inúmero filmes com temática sobre a exploração dos trabalhadores e movimentos
estudantis, como foi o caso de Me gustan los Estudiantes (1968) de Mario Handler (1935-),
confirmando a importância do cinema documental e revelador do movimento.
Segundo Mario Handler, a arte de fazer cinema não se limitava apenas em dirigir o
filme, no caso dos diretores: “Fazer-la com as mãos, os pés, o sorriso, a mente, o engano, a
astucia, à ação sindical e um pouco de dor”
26
. Nessa frase e em diversos atos, muitas vezes
implícitos nos documentários que buscavam retratar a verdade, os jovens cineastas mostravam
que ainda mantinha vínculos com a chamada popularmente de “velha esquerda”; com os
velhos comunistas. Vínculos esses, que se tornaram mais visíveis nos acontecimentos no
festival de Pesaro.
Os dias foram conturbados no festival de Pesaro, na Itália. Protestos foram organizados
pelo movimento estudantil contra o esquema de premiação que predominava na época.
Aproveitando o pipocar desses protestos, cineastas latino-americanos redigiram uma
declaração de apoio aos estudantes, defendendo que todos os festivais deveriam ser abertos
para discussão e crítica, ressaltando a democracia, pouco presente na época nos países latinoamericanos. A declaração foi chamada de Declaraciones Del Cine Latinoamericano 27 , e foi
assinada por um grande grupo de cineastas, entre eles se destacam nomes como dos cubanos
Enrique Pineda Barnet (1933-), Julio Garcia Espinosa (1926-) e Tomás Gutiérrez Alea (1928-
26
27
Sergio Trabucco. Disponível em: http://sergiotrabucco.wordpress.com/. Acessado: 27/01/2009
Declaraciones del Cine Latinoamericano en Pesaro”. La Habana, Cine Cubano núm. 49-50-51, p. 84.
36
1996); dos argentinos Fernando Birri, Fernando Solanas; dos brasileiros Leon Hirszman e
Paulo Cesar Saraceni (1933-) e do Espanhol, radicado na Argentina, Octávio Getino.
Um fato memorável que chamou a atenção de todos foi o cartaz colocado em cima da
tela de projeção por Fernando Solanas e Octávio Getino, antes da apresentação de seu filme
La Hora de los Hornos (1968), que dizia: “Todo espectador é um covarde ou um traidor.”,
28
denunciando dessa forma o projeto ideológico por traz do NCL e o momento paradoxal no
qual aqueles jovens estavam imersos. De um lado a denúncia de injustiças, discussões sobre
uma maior participação popular: um cinema capaz de reunir pessoas, muitas vezes na
clandestinidade, de diversas nacionalidades que não aceitavam a falta de liberdade na
sociedade em que viviam, formando assim um grupo que lutava por minorias étnicas.
Por outro lado, a falta de meios onde essas produções pudessem ser vinculadas, o
material usado também escasso, o discurso conhecido que queria se valer por si só, muitas
vezes resultavam em obras de baixa qualidade visual com enredos óbvios.
Seguindo pelo mesmo viés esquerdista um dos importantes nomes que assinaram a
declaração, o cubano Julio Garcia Espinosa, publicou no ano seguinte uma espécie de
manifesto que continha todas as idéias que haviam sido apresentadas em Pesaro, em forma de
comunicação. Garcia Espinosa intitulou-o de Por que um cine imperfecto (1969), onde
sugeria, por exemplo, que o artista era um trabalhador e que o prazer estético estava apenas na
funcionalidade.
Por um cine imperfecto (1969), sugeria também uma tolerância à imperfeição: “Hoje o
filme perfeito desde o ponto de vista técnico e artístico é quase sempre um cinema
28
“Todo espectador es un cobarde o traidor” (Fernando Solanas e Octávio Getino).
Apolo. Disponível em: http://apolo.uji.es/fjgt/sanjines.PDF. Acessado: 27/01/1009.
37
reacionário”
29
. Devido à falta de recursos de grande parte dos cineastas latino-americanos, as
filmagens eram quase sempre feitas em condições muito precárias, principalmente com os
inúmeros documentários que surgiam, trazendo imagens de enfrentamentos políticos, muitas
vezes feitos de forma clandestina. Além da eterna busca de fazer um cinema autêntico se
distanciando cada vez mais do padrão Hollywoodiano, conseqüentemente ressaltando a
latinidade, o manifesto gerou inúmeras discussões dentro do movimento, o que resultou em
uma revisão e publicação posterior do livro Una imagem recorre El mundo de Garcia
Espinosa (1982) 30 .
2.2. Promessa cumprida – Viña Del Mar 1969
No mesmo ano de 1969, os cineastas retomaram ao marco zero do movimento: Viña
Del Mar, para o antes almejado segundo encontro, resultando no segundo festival de Viña Del
Mar (1969), que contou não apenas com cineastas, mas também com estudantes de cinema da
Argentina e de outros países do continente que, ao chegar ao Chile, se uniram a estudantes e
representantes sindicais e culturais chilenos, e em uma grande assembléia elegeram como
presidente honorário o Comandante Ernesto Che Guevara – falecido em outubro de 1967 –
como uma homenagem a todos os heróis que caíram em batalha pela libertação da América
Latina.
Segundo o fundador do evento, Aldo Francia, o que diferenciava esse festival dos
renomados internacionais era manter o foco na realização dos filmes: “o cinema na América
29
“Hoy el cine perfecto desde el punto de vista técnico y artístico es casi siempre un cine reaccionario” (Julio
Garcia Espinosa).
Sergio Trabuco. Disponível em: http://sergiotrabucco.wordpress.com/. Acessado: 27/01/1009.
30
ESPINOSA, J.G. Una imagen recorre el mundo. México: Filmoteca de la UNAM, 1982.
O livro foi publicado no mesmo ano em que García Espinosa se tornou presidente do ICAIC, em substituição a
Alfredo Guevara. O ensaio “Por un cine imperfecto” (1969) voltou a ser publicado numa coletânea maior,
intitulada Un largo camino hacia la luz. La Habana: Ediciones Unión, 2000. Os artigos de García Espinosa, nessa
edição, que revisam a proposta do cine imperfecto são: “En busca del cine perdido” (1971),”El cine popular a
veces da señales de vida” (1989) “Por un cine imperfecto. Veinticinco años después” (1994).
38
Latina não deve seguir o caminho europeu ou norte-americano. Este não é um festival de
estrelas e sim de realizadores” (Littin, 1988: 34-35)
31
. Para Francia, a idéia de desenvolver
novas formas de fazer cinema sem se afastar do ideal da unidade latina era válida: “Queremos
trabalhar com novos cineastas, com novas tendências apoiando em tudo que seja possível as
co-produções, apoiando tudo que tenha a unidade da América Latina” (Littin, 1988: 35) 32
O evento reuniu 80 filmes, muitos deles frutos das discussões feitas no primeiro
encontro. Entre eles: 50 documentários, 30 ficções, que foram rodados, 53 deles, em 35 mm e,
26, em 16 mm.
O destaque do festival foi a delegação cubana que, nesse encontro, compareceu em
peso, trazendo nomes como o de Santiago Alvarez, Pastor Vega e Octavio Cortázar. Entre os
80 filmes, os que já haviam repercutido em Mérida repetiram a dose em Viña Del Mar: 79
Primaveras (1967) e Hanói Martes 3 (1969) de Santiago Alvarez, e o não menos polêmico La
Hora de Los Hornos (1968) de Octavio Getino e Fernando Solanas.
Outros destaques, não menos importantes no festival de Viña Del Mar, surgiram com a
ficção que usa como recurso cenas documentais para narrar sobre um burguês que decide ficar
em Cuba após a queda de Batista e Memórias Del Subdesarrollo (1968) do cubano Tomaz
Gutiérrez Alea. Hasta La Victoria Siempre (1967), um documentário de Santiago Alvarez;
com Las Aventuras de Juan Quinquín uma ficção dirigida e roteirizada por Julio Garcia
Espinosa, inspirada no romance de Samuel Feijó: Juan Quinquin En El Pueblo Mocho (1967);
Garcia Espinosa também escreveu o roteiro do manifesto socialista latino: La Primera Carga
Del Manchete (1969) com Jorge Herrero (1936-), Alfredo l. Del Cueto e Manuel Octávio
Gomez (1934-1988); Lúcia (1968) de Humberto Solas ganhou repercussão internacional
apresentando três histórias ambientadas em épocas diferentes, protagonizadas por moças de
31
“(…) el cine en América Latina no debe seguir el camino europeo o norteamericano. Éste nos és un festival de
estrellas sino de realizadores.”
32
“Queremos trabajar con nuevos cineastas, con nuevas tendencias apoyando en lo que sea posible las
coproducciones, apoyando todo lo que tienda a la unidad de América Latina (…)”
39
nome Lucía, que personificavam a gradativa emancipação feminina e a transformação
“evolutiva” da mentalidade desde o contexto das lutas independentistas (com a Espanha),
passando pelos anos 30 (a época da ditadura de Gerardo Machado, em Cuba) e chegando aos
anos 60.
Do Brasil, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), do diretor Glauber Rocha, reafirmou
sua importância no movimento, já antes ressaltada pela indicação de melhor diretor em
Cannes, em 1964. Vidas Secas (1964), de Nelson Pereira dos Santos, surgiu da adaptação da
obra de Graciliano Ramos de 1963, também foi indicada ao prêmio de melhor direção em
Cannes junto com o filme de Glauber Rocha. O Chile apresentou o filme de Douglas Hubner:
Herminda de La Victoria (1968), que mostrou, nesse documentário de 15 minutos, o
enfrentamento entre população, que luta para continuar em suas terras, e a polícia. Outra
película chilena que chocou foi a que mostrou de forma quase jornalística o departamento de
psiquiatria de Iquique, onde 29 doentes são tratados sem o mínimo de recursos necessários na
película Testemonio (1968) de Pedro Chaskel e Héctor Rios.
Os dois títulos a seguir são considerados – junto com El Chacal de Nahueltoro (1967)
de Miguel Littin, apresentado no festival anterior - obras primas do cinema chileno segundo o
próprio organizador do festival. Valparaiso Mi Amor (1969) consagrou Aldo Francia não só
como realizador do festival, mas também como excelente diretor neo-realista, narrando nessa
ficção a vida difícil de três irmãos que, sem o pai, lutam para sobreviver. Tres Tigres Tristes
(1968) escrito e dirigido por Raoul Ruiz, que manteve o nome da peça em que se baseou,
escrita por Alejandro Sieviking em 1968, descreve a sociedade chilena e suas
particularidades.
Independente da origem dos cineastas, os títulos reunidos em Viña Del Mar, carregavam
uma série de semelhanças. A mais aparente delas é a temática acompanhada do compromisso
em transpor para a tela os problemas da sociedade de forma real – já mencionado como a
40
tentativa de se fazer um cine imperfecto, cine urgente, tercer cine, cine acción, cine directo,
ou cine revolucionário 33 – abordando temas comuns à América Latina, como: descolonizaçãocultural, engajamento político, revolução, desigualdade social. O cinema mais do que um
instrumento de cultura, era, sem dúvida, uma engenhosa arma na luta de classes.
O compromisso com a verdade foi o lema principal de todos os grupos que participaram
desse movimento, mesmo produzindo películas de diferentes correntes estéticas. Grupos esses
que foram além dos argentinos Fernando Solanas e Octavio Getino do Grupo de Liberación;
do percussor do movimento Alfredo Guevara junto com o ICAIC e mais tarde ao lado de
Aldo Francia; dos brasileiros do Cinema Novo, incorporado pela figura de Glauber Rocha e a
sua teoria da “estética da fome”; e do UKAMAU, do líder documentarista boliviano Sanjínes
do “cine combatiente”, já citados anteriormente. Em todos os países dessa parte do continente
surgiram grupos envolvidos com o ideal do cinema revolucionário, alguns são lembrados até
hoje, outros caíram no esquecimento por falta de documentação, muitas vezes perdidas em
golpes militares. Entre eles outro grupo não tão comentado, mas não menos importante, foi o
uruguaio CM3 que se destacou desde seu surgimento, também em 1968, por sua organização.
Desde seu nascimento, os seus 17 integrantes foram divididos em três comissões, os mais
importantes deles foram Hugo Alfaro e José Wainer (críticos e redatores do periódico do
partido comunista Marcha), o cineasta Mario Handler, o jornalista Mario Jacob (vinculado ao
jornal El Diário) e o empresário e distribuidor de filmes Walter Achugar.
A CM3 tinha como logotipo um homem empunhando uma câmera, como se segurasse
uma metralhadora. O principal objetivo era reunir e difundir filmes latino-americanos que
tivessem um caráter militante e crítico, além de divulgar o cinema independente e promover
produções, de maneira que a produção nacional fosse estimulada. Em um curto espaço de
tempo, foram reunidos 140 títulos, muitos de difícil aquisição.
33
Diversos termos foram usados para chamar os filmes produzidos pelo NCL, alguns deles foram: cinema
imperfeito, cinema urgente, terceiro cinema, cinema ação, cinema direto, cinema revolucionário.
41
2.3. Era de chumbo
O final da década de 60 até o principio da década seguinte, foram os anos de glória do
NCL, quando o cinema feito por seus membros estava diretamente ligado aos processos
políticos que estavam se desenvolvendo na maior parte América Latina, onde fervilhavam
idéias progressistas nos âmbitos sociais e culturais.
Algumas experiências democráticas surgiram nesse período, tendo como ponto de
partida o exemplo Cubano em 1959 e chegando ao final com o término da experiência
chilena, com Salvador Allende 34 em 1973. Os três golpes militares que mudaram o rumo da
história da América do Sul – Brasil, Argentina, Chile - segundo Osvaldo Caggiola (2001)
tiveram uma influência determinante da diplomacia americana, fazendo com que a tensão
internacional - EUA versus URSS, ou o “comunismo versus mundo livre” (Caggiola,
2001:40) - fornecesse o álibi ideológico para os golpes militares, que afirmavam ser a única
democracia capaz de deter o comunismo.
As instaurações dos regimes – em sua grande maioria militares - surgiram de forma
gradativa: no Peru em 1962, seguindo em 1964 pelo Brasil e Bolívia, em 1966 na Argentina,
no Equador em 1972 e por fim, em 1973 no Uruguai e no Chile. Tais regimes defendiam os
interesses das Oligarquias nacionais, ligadas ao processo econômico ocidental nas mãos das
grandes empresas multinacionais, por isso optaram por eliminar o inimigo político cortando o
mal pela raiz. O resultado foi um sufocamento na maior parte das tentativas do NCL em
produzir um cinema que denunciaria a falta de liberdade de expressão e as atrocidades
34
O chileno Salvador Allende (1908-1973) foi o primeiro presidente da republica e o Primeiro Chefe de Estado
Socialista, eleito democraticamente na América Latina. Allende acreditava na via eleitoral da democracia
representativa e acreditava ser possível instaurar o Socialismo dentro do sistema político não vigente. Em 1973,
Allende resistiu até o último momento ao golpe militar de Pinochet, sozinho no Palácio da Moeda, onde se
acredita que foi morto pelas tropas invasoras.
42
ocorridas ao longo dos anos. Como conseqüência: milhares de julgamentos sumários, prisões,
assassinatos impunes e extradições.
A lealdade e a coerência com o ideal do movimento fizeram com que seus membros
fossem vítimas dessas conseqüências, o que desacelerou gradativamente o crescimento do
NCL. A mesma lealdade, somada à queda de Allende no ano de 1973, – e com ele o fim da
esperança de implantar o socialismo no continente – reagiu no cubano Alfredo Guevara que
funda o Comitê de Cineastas da America Latina (C-CAL) em Caracas (Venezuela), com o
objetivo de lutar em defesa dos desaparecidos, dos presos políticos, dos milhares de
extraditados e ao mesmo tempo reunificar as forças do NCL.
Através do Comitê, foram reunidos escritores, músicos e dramaturgos, para finalmente
redundar os festivais de cinema. Guevara foi o responsável pelo primeiro festival de cinema
após os “anos de chumbo” trazidos com os golpes militares, no ano de 1979, na ilha de Cuba.
O primeiro Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana visava reiniciar as
tradição do cinema latino americano e dessa forma, dar uma resposta ao Imperialismo.
Em meados da década de 80, o período histórico dominado por regimes militares na
América Latina chegou ao fim deixando cicatrizes sentidas até hoje. Em um balanço feito na
introdução do livro de Coggiola (2001), chega-se a conclusão que na grande parte dos países,
a maior parte das lideranças políticas de esquerda ou, simplesmente progressistas, sindicais,
estudantis e intelectuais, foi eliminada pela repressão. Muitos sobreviventes da repressão
tiveram suas vidas completamente marcadas para sempre: vocações abandonadas, carreiras
interrompidas e exílios temporários que se tornaram definitivos. Muitos morreram alguns
anos depois em conseqüência da violência sofrida nesse período.
Estimam-se também, um número de mortes que poderia ser comparado ao Genocídio Nazista,
levando em conta os cem mil mortos e cinqüenta mil desaparecidos na Guatemala na década
de 80 e os trinta mil desaparecidos na Argentina na segunda metade da década de 70.
43
3. EICTV – UM NOVO RECOMEÇO
3.1. A união faz a força
O novo recomeço surgiu no campo mais fértil para as artes de todo continente: Cuba.
Desde a revolução cubana em 1959, as manifestações artísticas deixaram de ser restritas
apenas às elites, passando a ser difundidas nas províncias. Manifestações culturais eram – e
permanecem sendo - facilmente encontradas em todo o perímetro da ilha devido ao grande
incentivo cultural principalmente na literatura, no cinema e na música, abrindo espaço para
um intercâmbio cultural entre artistas e intelectuais de todas as partes.
Intelectuais e artistas, na época em que a América Latina foi imersa nas ditaduras,
buscaram exílio político em Cuba assegurada pelo líder Fidel Castro 35 , onde encontraram a
liberdade necessária para criarem suas obras. Na capital cubana, Havana, durante a sétima
edição do Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana (1985), surgiu a idéia de
um novo começo para o NCL: a criação de uma escola de cinema.
A princípio, a possível concretização desse sonho se espalhou rapidamente, idéia essa
que já era uma vontade antiga para alguns membros do antigo NCL. Os rumores se
concretizaram na solenidade de encerramento, no Teatro Karl Marx, onde ao final do
discurso, Fidel Castro disse ter sido informado da idéia de se construir uma escola de cinema
e televisão da América Latina e logo afirmou apoiar integralmente o projeto com uma
ressalva: a escola deveria ser também para o Caribe, Ásia e África.
Com a aceitação total de Fidel, os grandes percussores do projeto – o cineasta Fernando
Birri, e o diretor presidente do ICAIC e vice-ministro da Cultura de Cuba Julio Garcia
Espinosa – começaram a colocar em prática, o que tinham sonhado há anos.
35
Fidel Castro foi líder da Revolução Cubana de 1959, que derrubou o governo do ditador Fugêncio Batista, e
implantou o socialismo, organizado segundo o modelo marxista-leninista. Foi o primeiro Presidente do Conselho
do Estado da Republica de Cuba (1976-2007).
Atualmente é o Primeiro- Secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba.
44
O primeiro passo, que já havia sido dado meses antes do festival, foi organizar uma
fundação de direito privado, já que com exceção das leis revolucionárias, as leis civis em
Cuba funcionam da mesma forma que em qualquer outro lugar. Foi assim que surgiu a
Fundación Del Nuevo Cine Latinoamericano (FNCL)
36
em Havana, no ano de 1985, que
tinha como matriz o grupo que pertencia ao Comitê de Cineastas da América Latina.
Ao FNCL, além do grupo pertencente ao antigo comitê, foram agregados valorosos
nomes e, para ser o presidente da nova fundação, foi chamado o escritor colombiano Gabriel
Garcia Márquez 37 . Na década de 50, Garcia Márquez estudou cinema no Centro Experimental
de Cinema em Roma, onde conheceu alguns membros do que se converteria no NCL e
participou diretamente de alguns filmes; sua amizade com Fidel e simpatia por movimentos
revolucionários na América Latina já eram conhecidas por todos de longa data.
O presidente da FNCL convocou o cineasta Fernando Birri para dirigir a futura escola;
Birri era uma figura importante no antigo movimento e continha uma grande bagagem,
resultado da sua experiência com a Escuela Documental de Santa Fé, e aceitou de imediato. A
concretização desse sonho também contou com uma forte influência de Julio Garcia Espinosa,
que no papel de presidente do ICAIC – além de um dos principais nomes do NCL – deu todo
suporte necessário para a criação da escola.
O local escolhido, devido à falta de espaço físico em Cuba, foi uma antiga escola
secundária encontrada dentro de uma fazenda que, no passado, havia sido uma irmandade de
freiras, em um município situado a 30 km da capital, chamado San Antonio de Los Baños. O
Estado Cubano ofereceu o espaço, o reformou e construiu mais dois prédios que serviriam de
36
A Fundação do Novo Cinema Latino Americano (FNCL) foi criada em quatro de abril de 1985, como um
organismo que serviria de base de desenvolvimento institucional para a escola de cinema (EICTV) que surgiria
no ano seguinte.
Cinema Latino Americano. Disponível em: http://www.cinelatinoamericano.org/fncl.aspx?cod=53. Acessado:
02/02/2009.
37
Em 1982, Garcia Marquez ganhou o premio Nobel de literatura por sua obra, o que concretizou sua imagem de
maior escritor latino de todos os tempos
45
alojamento para professores e diretores, além de doar dois milhões de dólares em
equipamentos que vieram do Japão e da França.
A ajuda de Cuba não parou por aí: durante certo tempo, assumiu o compromisso de
pagar as despesas que fossem possíveis, como telefone, combustível, água e salário dos
professores em pesos cubanos e passagens de avião para os membros que viessem de outros
países de acordo com o itinerário da Cubana de Aviação. Essa ajuda foi essencial para o
princípio de tudo.
A Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV)
38
foi inaugurada em 15 de
dezembro de 1985, como o projeto acadêmico mais importante da Fundación Del Nuevo Cine
Latinoamericano, popularmente conhecida como Escola de Três Mundos – América Latina e
Caribe, África, Ásia. Segundo Birri (2006), seu nome foi produto do momento histórico e
político do momento “porque nasce no momento histórico e político da Tricontinental 39 , esse
grande projeto histórico que se coloca frente a um mundo que qualifica o outro de ‘Terceiro
Mundo’, o que eu acho um absurdo, porque nenhum indivíduo se qualifica a ele mesmo como
sendo de ‘terceira categoria’, e apenas um indivíduo, ou um mundo que se supõe de primeira
categoria pode dar título de terceira categoria ou terceiro mundo ou outro, o que pelo menos
em parte, foi o que aconteceu neste caso. E então, polemicamente, a escola não se chamou
Escola de Terceiro Mundo, mas sim, ao contrário, antitética e polemicamente “Escola de Três
Mundos – América Latina e Caribe, África e Ásia” (Birri, 2006: p.19).
38
Segundo declaração de Fernando Birri no Ciclo de Debates - 1º Festival de Cinema Latino Americano de São
Paulo 2006, a Escola Internacional de Cinema e Televisão de Cuba, se chamava originalmente de Escola de
Cinema e Televisão da América Latina, Caribe, África e Ásia.
39
Originalmente o termo tricontinental se tornou popular na Mensagem Tricontinental (1967) que Che Guevara
redigiu baseada na discussão da estratégia global revolucionaria contra o imperialismo que ocorreu na
Conferencia Tricontinental (1966, Havana) entre os comunistas revolucionários dos três continentes – America
Latina, Ásia e África.
No mesmo ano da Mensagem Tricontinental, o cineasta Glauber Rocha estruturou uma teoria chamada de
Revolução Cinematográfica Tricontinental, pautada nas idéias de Che para combater o cinema imperialista dos
mercados dos países de terceiro mundo. Para isso seria necessário que os cineastas vindos desses locais se
organizassem a modo de fazer com que tivessem uma produção única – com criação de uma estética
revolucionaria/popular, que não aceitasse copia dos modelos americanos – sustentados por seu próprio mercado.
Tricontinental 67. “Um Cineasta Tricontinental”, Cahiers du Cinema (195): 39-41, Nov. 1967.
46
A EICTV surgiu para satisfazer a necessidade de um projeto latino americano,
contemplando inúmeras possibilidades, criando um espaço aberto onde a contribuição de
todos os membros da fundação foi importante para a construção dos alicerces da escola. Outra
idéia que foi seguida desde seu inicio foi a de não copiar nenhum modelo de outra escola no
mundo, não descartando o uso desta como referência, agregando, dessa forma, um tom mais
que experimental à escola, sinalizando que o projeto teria uma proposta única, visionária.
3.2. Certidão de nascimento
Para pontuar de forma clara o futuro almejado ao tão ousado projeto, Birri (2008)
desenvolveu uma “Certidão de Nascimento da Escola Internacional de Cinema e Televisão”,
na qual explicava os objetivos a serem alcançados e o modo de funcionamento da escola.
Um dos importantes tópicos encontrados nesse “tratado” é a preocupação de acabar com
a superioridade do cinema sobre a televisão, para Birri isso não passa de um “preconceito
elitista, retardatário” (Birri, 2008:22) que deve ser eliminado. “Se uma imagem audiovisual
por excelência pode expressar no mundo contemporâneo magia e ciência, se uma imagem
pode sintetizar a evolução histórica do nosso velho sonho como imagem audiovisual
democrática – por sua simultaneidade com o fato histórico, sua ubiqüidade geográfica, seus
custos de produção e consumo relativamente menores -, essa imagem audiovisual democrática
por excelência é a do vídeo e da televisão. Se depois, no cotidiano, isso não acontece, e na
verdade acontece exatamente ao contrário, isso também é de fato, parte da nossa
responsabilidade, e não só profissional ou técnica, mas política.” (Birri, 2008:22)
O uso de materiais eletrônicos, somados a linguagem fílmica, foi incorporado como
suporte do processo criativo, – não apenas como exemplo, como costumava ser usada em
outras universidades - como a película e o tape magnético. Para o caso específico do cinema:
o uso de 35 mm e 16mm, e marginalmente também o Super-8; para TV e vídeo: pincéis
47
eletrônicos de diversos tipos de pêlos. E para ambos os casos cor e preto e branco. Os
materiais citados seriam usados para exercícios em ficção (contemporânea, histórica e
“futurizada”) e em documentários (jornalismo visto e ouvido, noticiário, para TV e Cinema).
A importância de fazer a teoria e a prática caminharem lado a lado também se destacava
da mesma forma do ideal de estabelecer uma relação de troca entre professores e alunos,
deslocando o professor de um patamar acima e o recolocando no mesmo nível dos alunos,
para que ambos pudessem ensinar e aprender ao mesmo tempo e assim formarem
“cineteleastas”, ou seja, profissionais formados em cinema e televisão.
O logo da EICTV é um círculo vermelho, um quadrado azul e um triângulo amarelo
sobrepostos. Cada um deles simboliza uma etapa a ser concluída dentro da escola – iniciação,
complementação e superação. Por exemplo, no caso de um iniciante - que não tivesse tido
nenhum contato anterior com cinema e/ou televisão – a resposta seria o triangulo amarelo, ou
seja, o Curso Básico/Regular – seria o vulgo “escolinha”, para que com esse apelido ele fosse
diferenciado do projeto total.
Segundo Birri, o Curso Básico e o Regular estão inteiramente ligados: “Cada aluno se
integrará a uma equipe de trabalho e, ao mesmo tempo, desenvolverá seu próprio projeto
individual em Cursos Regulares de três anos e meio (meio ano de Curso Básico, e mais três
anos de Curso Regular) conjugando a polivalência (“todos devem saber fazer de tudo”) com
as especializações profissionais (Direção, Fotografia e Câmara, Som, Montagem, Produção de
Cinema e Televisão).” (Birri, 2008:25)
Ao concluir o Curso Regular (primeira e segunda etapa), o aluno estará apto para
exercer qualquer posição no cinema ou na televisão, pois teve chance de aprender e praticar
todas as funções existentes no cinema e na televisão. Reafirmando a premissa de que “todos
devem saber fazer de tudo”, é eliminada a simples idéia de uma especialização em uma área.
48
Assim, antes de se aprofundar em um campo, o aluno já terá “experimentado” outras
posições, o que lhe facilitará encontrar um emprego em seu país de origem.
A segunda preocupação seria desvincular a idéia de cinema independente ou político e
experimental a uma falta de técnica e recursos, seja ele clandestino, militante, de denúncia, de
resistência, social, didático, independente, vocacional, underground, marginal diversificado,
entre outros.
A EICTV foi pensada, não apenas para formar cineteleastas, mas também para manter
fresca a realidade do Terceiro Mundo do qual todos os alunos são produto. Para isso foram
criados um Centro de Documentação, uma Cinemateca, uma Radioteca, uma Videoteca, além
de uma Oficina do Olho e uma Oficina da Orelha e três coleções editoriais – uma referente a
cada curso – que podem ser encontradas na gráfica própria.
Oferecer condições nas quais os alunos poderão viver situações do cotidiano da
profissão será oferecido como forma de complemento da aprendizagem, como estágios no
ICAIC e no ICRT – Instituto Cubano de Rádio e Televisão, passando também, pela
experiência de assistirem o Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de La Habana.
No caso de alunos já experientes, sem necessariamente terem tido uma formação
acadêmica, o recomendado seria o quadrado azul, ou seja, as Oficinas Experimentais, que
seguem por dois caminhos, que foram reconhecidas como as maiores dificuldades na
evolução do Novo Cinema Latino Americano: Roteiro e Dramaturgia – as de dramaturgias
serão inauguradas pelo próprio presidente do FNCL: Gabriel Garcia Marquez -, e Direção de
Atores. “É nessas Oficinas Experimentais que a escola expressará, em sua máxima potência,
uma característica que defendemos como motivação implícita de seu direito a vida: o direito
ao erro. Ou melhor, e para evitar mal-entendidos: o direito a nãos e inibir por medo ao erro.
Porque se uma escola não assegura esta margem de liberdade criativa, onde, em qual etapa de
seu futuro o cineteleasta tornará tão organicamente encontrá-la?” (Birri, 2008: 245).
49
O círculo vermelho representa uma resposta para um terceiro tipo de profissional:
aqueles que já possuem uma obra profissional realizada. Chamamos de “Diálogos de Altos
Estudos”; o objetivo é mediar e desenvolver uma troca de experiências e informações em
geral entre os cineastas dos diversos locais. Para o desenvolvimento dessa etapa, a direção e o
grupo docente da escola se integrarão a outros especialistas africanos, asiáticos, empregando
novamente o conceito de “aprendizagem permanente”.
Sendo coerente com as raízes do antigo movimento, a escola oferecerá 240 bolsas de
estudo integrais – a escola tem capacidade para 300 alunos; a cota de bolsista é de quatro para
cada país. Para concorrer o futuro aluno deverá apresentar: domínio do espanhol, segundo
grau completo e ter entre 20 e 30 anos, e passar por duas provas em seu país. “Cuba dá as
instalações da Escola, com uma capacidade de uns 300 alunos e o equipamento inicial. O
resto é fornecido pela Fundação. Nem a Fundação nem a escola são do Estado Cubano.”
(Birri, 2008: 245) 40 .
Diante dessa nova esperança, que sinalizava tempos de trabalho pesado, inteligente,
carregado de imaginação, os remanescentes do NCL voltaram a se unir quase vinte anos
depois do primeiro encontro formal em Viña Del Mar, para usarem como ferramenta básica a
EICTV e a FNCL - junto com a possibilidade de criar fundações nacionais que as apóiem,
complementem e tenham o mesmo rigor de trabalho – e para transformarem o Novo Cinema
Latino Americano; fazê-lo reviver a mesma força dos tempos em que a América Latina era o
terreno mais fértil para as lutas revolucionárias também no campo das artes.
Invocando assim o passado e os que se perderam ao longo do caminho para combater os
antigos problemas da hegemonia norte-americana e da distribuição dos filmes, que persistiam
e dos novos como a pirataria/vídeo – como um dos fatores que, por exemplo, gerou no
México uma queda em torno de 16% de espectadores em 1986 e uma queda de 42% em 1987,
40
Ver anexo 1
50
mesmo com o valor da entrada do cinema mais caro apenas custar 40 centavos de dólar -, a
falta de espaço para o cinema – em 1987, no Brasil, se fechavam três salas de cinema por dia , além de problemas com os financiamentos – em 1987 ocorreram crises na FOCINE
Colômbia e FONCINE
42
41
da
da Venezuela, e em 1988 problemas no Instituto Argentino de
Cinematografia 43 -, entre outros.
A reunião do grupo combateria todos os problemas citados e seguiria pelo mesmo viés
da teoria do cinema tricontinental de Glauber Rocha, na esperança de que a união dos países
do terceiro mundo pudesse gerar uma nova fórmula de fazer cinema e expulsar o
imperialismo do cinema Hollywoodiano nos países latino-americanos.
Mais uma vez, o eterno entusiasta Fernando Birri surge como porta voz dessa velha
guarda, traduzindo de forma magistral a ânsia dos velhos e novos tempos no “Manifesto dos
30 anos do Novo Cinema Latino Americano: O Alquimista democrático”:
1985
Fizemos da ideologia
sangue
saliva
esperma
mortos
exílio
resistência.
Violenta, serena
libertação
da fome
da consciência.
O problema agora
é a linguagem
uma revolução
que não revoluciona
(permanentemente)
41
FOCINE: Fundo de Promoção Cinematográfica (Colômbia).
FONCINE: Fundo de Fomento Cinematográfico (Venezuela).
43
LEDUC, Paul. Nuevo Cine Latinoamericano y Reconversión Industrial (Una Tesis Reaccionaria).
Universidad Nacional Autónoma de México. UNAM, 1988. p. 19.
“En medio del mismo año, hubo crisis de Foncine en Colômbia y Foncine en Venezuela y hace algunos meses
(porque hay años que duran más de doce meses) con problemas en el Instituto Argentino de Cinematografía.”
42
51
suas linguagens
alfabetos
gestos
olhares
involuciona ou morre. 44
44
BIRRI. F. O Alquimista Democrático: Por um Novo Novo Cinema Latino-Americano. P. 238
52
4. SÉCULO XXI – O NOVO CINEMA LATINO AMERICANO VIROU VOVÔ
4.1. Um ponto final à esperança
O retorno de um Novo Cinema Latino Americano pautado em antigos ideais da NCL,
que seriam evocados a partir da construção da EICTV não logrou sucesso. A EICTV por sua
vez alcançou o mais alto nível, sendo considerada a melhor escola de cinema e TV do mundo.
No entanto, a escola não foi o bastante para fazer a geração pós-ditadura seguir os
mesmos passos. Para a nova geração, as mudanças políticas e sociais também influenciaram
na hora de eleger outro caminho.
“Quando comecei a fazer cinema, algumas coisas tinham mudado na Argentina. Talvez
a mudança fosse semelhante em toda a América Latina, uma vez que haviam terminado as
ditaduras e no cinema existia uma ausência de linguagem” (Trapero, 2008:103), explicou um
dos membros da geração em questão, o cineasta argentino Pablo Trapero (1971-) no Ciclo de
Debates - 1º Festival Latino-Americano de São Paulo 2006. Além da busca da construção de
uma nova imagem, Trapero explica pelas demais expectativas que haviam recaído sobre
aquela geração. “A partir dos anos 80, quando comecei a ser espectador dos novos filmes, e
mais tarde nos anos 90, quando iniciei meus estudos no cinema, minha geração foi vista como
aquela que reapareceria, após o desaparecimento de toda uma geração e de uma forma de
contar histórias, produto da repressão dos anos 70”. (Trapero, 2008:103)
O resultado foi que a geração dos anos 90 deveria fazer o papel que a dos anos 80 não
pôde realizar, por ter sido “paralisada” pela “Era das Ditaduras”, onde as necessidades são
claramente diferentes. “... surge uma geração que queria contar uma realidade, talvez de uma
forma abstrata e não de uma forma resultante de uma militância ou de um discurso latinoamericano ou nacional. Havia uma necessidade natural das pessoas quererem exprimir seu
53
ponto de vista sobre uma realidade, que poderia ser uma realidade mais social, mais plural, ou
uma realidade mais pessoal e existencial.” (Trapero, 2008:103)
Os cineastas latino-americanos dos anos 90, considerados uma geração fruto da
ditadura, viveram uma realidade bem diferente da geração anterior. Para eles, a revolução
cubana fazia somente parte da história, os países latino-americanos não tinham mais alguma
chance de seguir o caminho de Cuba, ou seja, o crescimento do ideal socialista que marcou os
anos 50 já não era mais possível nos anos 90; principalmente após a queda do Muro de Berlim
45
em 1989, um dos últimos marcos do socialismo, seguido do fim da maior e mais importante
potencia socialista, a União Soviética (URSS), dois anos mais tarde.
Segundo o geógrafo Nelson Bacic Olic em seu livro Geopolítica da América Latina, o
fim da Guerra Fria encontrou a maior parte dos países da América Latina em pleno processo
de democratização, que ocorreu quase que ao mesmo tempo em que havia um esgotamento do
modelo de substituição de importações. “A integração cada vez maior dos países latinoamericanos à economia internacional, uma das características básicas do recente processo de
globalização, levou a uma reorganização das funções do Estado”. (Olic, 2004:28)
Os problemas com a dívida externa que marcaram a década de 80 resultaram em uma
série de medidas aplicadas na década seguinte para minimizar esse problema. “Esse conjunto
de medidas imposto é complementarmente afinado com a doutrina neoliberal 46 , que ficaram
conhecidos como ajustes estruturais”. (Olic, 2004:29)
45
Muitos apontam a queda do Muro de Berlim (1961-1989) como o fim da Guerra Fria – período histórico de
disputa estratégica e conflitos indiretos entre o EUA e a URSS, tendo seu princípio no final da II Guerra Mundial
(1945) e o fim da URSS (1991).
46
O neoliberalismo é uma nova aplicação, a partir dos anos 1970, do liberalismo clássico, que há muito havia
sido suplantado no mundo ocidental por outras formas de intervencionismo econômico. Essa corrente de
pensamento político defende a instituição de um sistema de governo em que o indivíduo tenha mais importância
que o Estado, sob a argumentação de que quanto menor é a participação do Estado na economia, maior é o poder
do indivíduo e mais rapidamente a sociedade pode progredir, para o bem do próprio cidadão. Tal concepção se
caracteriza pela valorização da competição entre pessoas, à permissão de todos para venderem o que produzem,
num mercado extremamente amplo, a sociedade é quem decide o seu próprio nível de consumo ou quanto poupa
para a velhice, a própria família escolhe médicos e professores para seus filhos, além da competição econômica
em escala mundial como elementos reguladores e promotores de evidência.
54
Os ajustes estruturais citados por Olic eram baseados em três medidas: a diminuição da
participação do Estado na economia, por meio da privatização de empresas estatais; a redução
do déficit público com a promoção de uma diminuição da máquina administrativa e um
aprimoramento no sistema de arrecadação de impostos; e, por último, uma redução das
alíquotas sobre os produtos importados.
Esse conjunto de medidas atraiu capitais internacionais de curto prazo interessados nas
altas taxas de juros oferecidas, o problema dos capitais especulativos era extremamente
sensível aos problemas internos dos países investidos, o que gerou uma série de crises – por
exemplo: México (1994), Brasil (1999); tornando o cenário da América Latina instável. A
crise gerou problemas facilmente identificados na maior parte dos países desse continente
como o aumento do desemprego, desigualdade social e violência, a “interminável” questão da
dívida interna e externa.
Olic encerra o tópico reafirmando as grandes mudanças entre as décadas de 80 e 90, o
que torna mais nítido concluir a partir dessas, que seria impossível surgir desses últimos 20
anos, uma juventude que nos acreditasse mesmos ideais dos antigos jovens sedentos por
revolução que fundaram o NCL.
“Apesar de todas essas vicissitudes, as conquistas democráticas conseguidas nos anos
1980 vêm resistindo. No entanto, deve-se lembrar que na América Latina a democracia é
ainda um fenômeno relativamente recente. Sua regra choca-se com estruturas políticas
herdadas de um passado autoritário e populista. Essa contradição continua a gerar incertezas
quanto ao futuro dos países da região.” (Olic, 2004:29)
Shvoong. Disponível em: http://pt.shvoong.com/law-and-politics/politics/contemporary-theory/744512-doutrinaneoliberal-parte/. Acessado: 11/02/2009.
55
4.2. Um breve panorama da problemática da indústria cinematográfica latinoamericana atual
O século XXI reafirmou mudanças econômicas, sociais e liberais que já haviam dado
sinais anos antes, no mundo todo. No caso dos países latino-americanos, o cinema e a
produção audiovisual em geral passaram a influenciar os meios de comunicação e cultura, o
emprego do chamado “tempo livre”, da economia e o desenvolvimento. Esse crescimento foi
produto do processo de globalização econômica, das políticas neoliberais impostas na maior
parte desses países e nas diversas inovações tecnológicas. Dessa forma, as novas experiências
vividas em matéria da concentração e transnacionalização econômica, assim como os câmbios
tecnológicos, encontraram espaço no campo das indústrias culturais e na produção e
comercialização de filmes e meios audiovisuais.
A partir do panorama do mercado e da produção do cinema latino-americano descrito
no livro: Cine Iberoamericano: los desafios del nuevo siglo do cineasta Octavio Getino, se
torna fácil apontar o quanto as mudanças no quadro econômico, social e cultural
influenciaram para o surgimento de uma nova produção cinematográfica e audiovisual
diferente do cinema revolucionário feito pelos jovens membros do Movimento do Novo
Cinema Latino Americano nas décadas de 50-60-70.
Segundo Getino, em termos gerais, as inovações tecnológicas são resultado da crescente
concorrência econômica e das necessidades impostas pela mesma, ou seja, o acréscimo nos
custos - devido ao uso de uma maior tecnologia que agrega a obra uma melhor qualidade de
som, imagem e dessa forma, atinge maior publico; para criar produtos mais competitivos
resulta invariavelmente em uma multiplicação do número de mercados e em criar novas
estratégias para otimizar o marketing 47 . Principalmente na etapa da distribuição,
47
Marketing (márquetim), s. m. (t. ingl.) Econ. Conjunto de operações executadas por uma empresa envolvendo
a vida de um produto, desde a planificação de sua produção até o momento em que é adquirido pelo consumidor;
mercadologia.
56
proporcionando o máximo de flexibilidade e capacidade de penetração nos mercados
nacionais, seguindo uma lógica comercial óbvia de reduzir o tempo de comercialização para
potencializar a inversão do capital e reduzir os custos da produção.
Alguns problemas já tidos como históricos para a produção cinematográfica latino
americana, continuaram crescendo na virada do século. Foi o caso da pirataria, que ganhou
um aliado: a internet – que facilita o acesso e download de filmes, o que segundo informações
da MPAA 48 no ano de 2004, giraria em torno de 400 e 600 mil cópias por dia; da crescente
perda de espaço nas salas de cinema, após a invasão dos multiplex – construídos
estrategicamente dentro de grandes centros comerciais, onde a existência desses complexos
cinematográficos permite uma ampliação do horário comercial das lojas e sendo assim um
maior volume de consumo. E se tornou mais difícil garantir o espaço para o cinema nacional
ou de países vizinhos nessas salas, que têm como prioridade os recordes de bilheterias
hollywoodianas e uma redução nas políticas de fomento à produção cinematográfica.
O desenvolvimento da tecnologia em diversas áreas do campo audiovisual somou
alguns itens a essa antiga lista, como: o videogame, a TV a cabo – somente alguns produtos
latinos americanos possuem certo grau de competitividade como as telenovelas, por exemplo TV via satélite – como ocorre com as telenovelas, alguns canais de esporte e entretenimento
possuem um grau de competitividade relevante.
Os inimigos citados acima são resultado da globalização e do neoliberalismo
econômico, que mina muitas possibilidades de se fazer cinema na América Latina, já que
concentra toda a riqueza em um grupo, que possui a tecnologia e financiamento necessários
para manter os seus interesses. “La clave del desarollo de cualquier actividad industrial no
puede estar reducida al sector de la producción, sino que depende en gran medida, del vinculo
48
MPAA: Motion Pictures Association of America (EE.UU.).
57
que se estabelezca con el eslábon de la distribución y exhibición; solo así podrá cumplirse el
ciclo de su proceso comercial. No habrá dinero suficiente, cuando no se dispone de los
mecanismos adecuados que permitan la salida del producto al mercado para su explotación y
recuperación.
Una película, estarás condenada al fracaso si no tiene asegurada su salida exitosa a los
mercados nacionales y extranjeros.” 49
O novo modelo de mercado fez com que aumentasse a concorrência entre as três
posições que são o tripé do cinema: produtor, distribuidor e exibidor, que competem entre si
para obter melhores benefícios, porém não sobrevivem sem o trabalho do outro. No caso de
algumas produções latino-americanas que conseguiram se desenvolver com algum
investimento, mas acabam se chocando com a falta de espaço nas salas dos multiplex - que
não mais é do que uma conseqüência de uma estratégia das Majors, ou seja, os principais
estúdios de Hollywood, entre eles: Columbia, Tristar Pictures, Universal, Disney, entre outros
– que visam monopolizar as salas, produto das alianças formadas entre os novos empresários
da exibição local. O que garante as companhias americanas uma garantia de quaseexclusividade e preponderância nas telas latino-americanas, por meio de sistemas como o
chamado: block-booking, ou seja, o arrendamento de filmes ainda não disponíveis para a
exibição em pacotes inteiros, muitas vezes os block-bookings também são blind-bookings:
arrendamento de filmes em pacotes fechados que não permitem a escolha dos filmes, o que
garante ao mercado o seu produto e transfere ao exibidor grande parte dos riscos associados às
incertezas da demanda.
49
Ver anexo 2.
“A chave do desenvolvimento de qualquer atividade industrial não pode estar reduzida ao setor da produção, se
não que depende em grande parte, do vinculo estabelecido com o anel da corrente da distribuição e exibição:
somente assim poderá cumprir o ciclo do processo comercial. Não haverá dinheiro suficiente, quando não se
dispõe dos mecanismos adequados que permitam a saída do produto ao mercado e sua “explotación” e
recuperação.
“Uma película estará condenada ao fracasso se não tem assegurada sua saída exitosa aos mercados nacionais e
estrangeiros.”
58
O que está em segundo plano nessa discussão é o cinema como arte, como instrumento
que pode contribuir para o desenvolvimento de uma identidade cultural e o intercâmbio entre
os países dessa parte do continente. Talvez com o mercado cinematográfico imerso em tantas
questões capitalistas, a opção de trabalhar um tema sério, a partir dos problemas vividos no
“dia-a-dia” dos terceiro mundistas – que atualmente vivido em menor escala nos países de
primeiro mundo também -, que inclua uma não utilização de efeitos especiais ou de uma série
de “fórmulas” sugeridas pelos sucessos hollywoodianos – Getino acredita que anualmente
uma média de 200 longas- metragens norte americanos invadam as salas de cinema latinoamericanas - seja um grande risco para os cineastas latino-americanos.
Diante desses fatos, apenas alguns títulos nacionais obtiveram sucesso dentro e fora de
seus respectivos países, usando de temáticas da vida cotidiana, valores, folclore, identidade e
cultura. Caso dos mexicanos: Amores Perros (2000), do diretor Alejandro González Iñarritu
(1963-) e Y Tu Mamá También (2001) do diretor Alfonso Cuarón (1961-); dos brasileiros:
Central do Brasil (1998), do diretor Walter Salles (1956-), da produção brasileira rodada pelo
diretor argentino Hector Babenco (1946-) Carandiru (2003), Cidade de Deus (2002), do
diretor Fernando Meirelles (1955-); dos chilenos: El Chacotero Sentimental (1999), do diretor
Cristian Galaz (1949-), Taxi Para Três (2001), do diretor Orlando Lubbert (1945-), Sub Terra
(2003), do diretor Marcelo Ferrari; da Argentina: Nueve Reinas (2000), do diretor Fabian
Bielinsky (1959-2006), Luna de Avellaneda (2004), do diretor Juan Jose Campanella (1959-);
do peruano: Pantaleón y Las Visitadoras (2000), do diretor Francisco J. Lombardi (1947-); do
boliviano Cuestión de Fe (1995), do diretor Marcos Loayza (1959-); do colombiano La
Estratégia Caracol (1993), do diretor Sergio Cabrera (1950-); do cubano Fresa y Chocolate
(1994), de Tomás Gutierrez Alea (1928-1996) e Juan Carlos Tabio; do uruguaio En La Puta
Vida (2001), da diretora Beatriz Flores Silva (1956-); e da Costa Rica Caribe (2004), do
diretor Esteban Ramirez.
59
Baseado em dados da produção cinematográfica de 1996 até 2005 dos países
iberoamericanos
50
, a dura disputa entre as 200 fitas que chegam aos cinemas latino-
americanos anualmente e a pequena produção local de todo o país de acordo com Getino – os
números da produção da Espanha e Portugal não são importantes para discussão proposta.
Produção de Filmes em Países Iberoamericanos – de 1996 até 2005
Países
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Argentina 37
28
22
27
39
38
32
67
54
41
Bolívia
1
1
1
0
0
0
2
4
3
6
Brasil
23
22
26
31
24
30
35
30
46
42
Chile
1
1
4
4
9
14
8
12
14
14
Colombia 2
4
6
3
3
3
6
8
7
8
Cuba
2
s/d
s/d
s/d
s/d
4
0
3
3
3
Equador
2
s/d
s/d
2
1
1
3
1
s/d
s/d
Espanha
91
80
65
82
98
106
137
110
133
142
México
15
13
10
22
28
21
14
25
38
53
Portugal
2
4
14
13
10
17
10
17
16
13
Peru
2
s/d
s/d
s/d
2
1
2
5
7
4
Uruguai
5
8
2
4
4
5
5
2
6
5
Venezuela 9
5
6
4
2
3
4
3
4
3
América
s/d
s/d
s/d
s/d
s/d
s/d
6
8
s/d
s/d
Central e
Caribe*
* Costa Rica, Panamá, Nicarágua, Guatemala, Honduras, Republica Dominicana, Porto Rico,
El Salvador. 51
A competição entre produção local e enlatados hollywoodianos segue desleal, no
entanto novas medidas vêm sendo criadas nos últimos anos para facilitar a produção local,
incentivando para tal uma “união”, já discutida desde o primeiro encontro em Viña del Mar
em 1967, entre os países latino-americanos para aumentar a força do cinema. Pequenos
50
Iberoamericanos: originários de um país da Iberoamerica ou um hispano dos Estados Unidos. No caso dos
Estados Unidos, definimos como um “hispano”, alguém que é cidadão estadounidense, cuja língua maternal seja
espanhol ou português. Os países chamados de Iberoamericanos são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Cuba, Equador, Espanha, México, Portugal, Peru, Uruguai, Venezuela, Centro América e Caribe.
COMIBAM Internacional. Disponível em: http://www.comibam.org/catalogo2006/Misc/def_p.htm. Acessado:
12/02/2009.
51
Fonte: elaborada por Octavio Getino, baseado em dados fornecidos pelos órgãos responsáveis pelo cinema de
cada pais: INC, INCAA, CNAC, CONACINE, FONCINE, FOCINE, IMCINE, ICAIC, IPAC, ICAM, CCPC,
INA, Cinemateca Uruguai, Primágenes, CACI, SICA, DAC, MR&C, MINEDUC, PIEB
GETTINO, O. Cine Iberoamericano: los desafios del nuevo siglo. – 1ª ed. – Buenos Aires: Fundación Centro
Integral Comunicación, Cultura y Sociedad. – CICCUS, 2007. p.60.
60
resquícios do sonho de criar uma unidade do cinema latino-americano do NCL podem ser
relembrados por meio de dois principais projetos de integração bem diferentes entre si, sendo
um deles de caráter internacional, ibero-americano, o Programa Ibermedia, e o outro de
caráter subcontinental, latino-americano, o Mercado Del Film Del Mercosur (MFM).
O Programa Ibermedia, foi criado em 1997 na Venezuela, resultando de acordos feitos
na Cumbre Iberoamericana de Jefes de Estado y Gobierno 52 , ou seja, uma conferência entre
chefes de Estado de países, inicialmente 9 – Brasil, Argentina, Colômbia, Cuba, Espanha,
México, Portugal, Uruguai e Venezuela, em 1999. O Chile foi incorporado, em 2000 o Peru,
em 2001, a Bolívia, em 2003, Porto Rico e, por fim, em 2006, o Panamá – tendo como
objetivo fundamentar as necessidades necessárias, sendo elas financeiras e técnicas, para
ativar o mecanismo de co-produção, distribuição, desenvolvimento e formatação de projetos
cinematográficos e televisivos “independentes” entre eles. Criando dessa forma um universo
onde a produção latino-americana teria mais chance de ser consumida.
O Mercado Del Filme Del Mercosur (MFM)
53
nasceu em 2005, como um espaço de
encontro para a concretização de acordos entre o Mercosul - formado pro Brasil, Argentina,
Uruguai, Paraguai, Venezuela, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e México - a América
Latina, a União Européia – Alemanha, Áustria, Inglaterra, Suécia, Bélgica, Bulgária, Chipre,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália,
Lituânia, Letônia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Países Baixos, Reino Unido e Romênia - e os
Mercados Asiáticos.
O objetivo principal é, a partir desses acordos, usar tal “espaço” para o oferecimento e
intercâmbio de projetos, resultando em uma abertura maior no mercado cinematográfico para
52
53
Conferencia Iberoamericana de Chefes de Estado e Governo.
Mercado de Filme do MERCOSUL.
61
a promoção, distribuição e exibição de filmes em salas de cinema, televisão aberta,
segmentada e em formatos digitais.
4.3. Resquício do novo cine latino-americano
O cinema latino-americano continua vivo, as experiências vividas nos anos 60, se
tornaram um parâmetro do que deveria ser o cinema latino-americano atual. Infelizmente, a
América Latina é outra, nela se misturam diversos tipos de linguagem cinematográfica que
nada têm em comum, porque não há um discurso ou manifesto que as determine como
ocorreu no principio do NCL.
No entanto, a partir de uma reflexão analítica é possível encontrar vínculos entre esses
distintos cinemas: o pertencimento obrigatório a um espaço geográfico ou político,
independente da realidade de cada país, todos os filmes produzidos por eles são produto de
uma realidade comum latino-americana.
A partir da nova realidade latino-americana, pequenos grupos de cineastas ainda se
preocupam em usar o cinema para algo mais que entretenimento, o que de certa forma dialoga
com o projeto do NCL, como é o caso do Grupo Chaski 54 , no Peru. O Grupo Chaski é uma
associação civil, sem fins lucrativos, que atua no campo da produção e difusão audiovisual
orientada ao fortalecimento dos valores da sociedade cultural peruana. Um coletivo
cinematográfico 55
integrado
por
cineastas,
comunicadores
audiovisuais
e
sociais,
54
Os Chaski eram mensageiros que no antigo império Inca dos filhos do Sol, se encarregavam de levar
informações aos quatro pontos da civilização Inca.
Biblioteca Babab. Disponível em: http://www.babab.com/no13/chasky.htm. Acessado: 13/02/2009.
55
A idéia do coletivo cinematográfico surgiu a partir do trabalho de Fernando Birri e de sua Escuela Documental
de Santa Fé (1956), de onde surgiram inúmeros documentários sociais onde mostrava a realidade da classe
baixa. Os cineastas latinos americanos agregaram duas importantes características nessa pratica: o
comprometimento em fazer filmes com/para as comunidades marginalizadas e o desejo de alterar a estrutura
imposta pelo mainstream. Normalmente esses grupos trabalham democraticamente, ou seja, todo o membro tem
total liberdade em atuar em qualquer etapa do filme, o que faz com que o produto final tenha um pouco da visão
estética de cada um.
Jump Cut. Disponível em: http://www.ejumpcut.org/currentissue/Chaski/index.html. Acessado: 13/02/2009.
62
comprometidos em promover o cinema como uma ferramenta de desenvolvimento cultural e
econômico dos países latino-americanos.
Os fundadores desse grupo descendem de países distintos, porém possuem um
background em comum, o que explica os objetivos focados em resgatar, promover e difundir
a riqueza audiovisual latino-americana. Produzindo filmes que contribuam com a educação
através de um entretenimento saudável e da promoção do desenvolvimento da diversidade
cultural, a fim de impulsionar uma nova cultura audiovisual mais democrática e
descentralizada. Visando, desta forma, se tornarem pioneiros na construção de um novo
mercado audiovisual descentralizado, sustentável e independente através do uso da tecnologia
digital.
Nesse grupo se destacaram os dois peruanos. O primeiro: Fernando Espinoza (19422005), que dedicou sua vida à luta pelos direitos dos afro-peruanos. Espinoza acreditava que a
abordagem de temas como os desafios da vida na cidade nos filmes do grupo, ajudavam a
combater a marginalização dos afro-peruanos. O segundo membro local foi: Maria Barea
(1943-), que vinha de outra perspectiva. Ela já havia trabalhado com Luis Figueroa (1928-) –
membro e fundador do Cine Club Cuzco (1956) – e com Jorge Sanjínes e o grupo UKAMAU
no filme: El Enemigo Principal (1972). Barea se estabeleceu como diretora comprometida
com questões femininas. Fruto desse comprometimento surgiu em 1989 a Warmi Cine y
Video, formada por um grupo de cineastas. O grupo também acolheu dois estrangeiros: o
jornalista suíço independente Stefan Kaspar (1948-)
56
, que viajou para o Peru em 1978 para
trabalhar em um projeto de um filme sobre a migração urbana, onde acabou se encantando
pelas diferenças sociais e culturais do terceiro mundo; e o uruguaio Alejandro Legaspi (1948-)
57
, que fez parte da CM3 até seu fim imposto pela ditadura, foi exilado do Peru, onde
56
Stefan Kaspar Bartschi é atualmente o presidente do Grupo Chaski.
Alejandro Legaspi é atualmente vice-presidente do Grupo Chaski.
57
63
contribuiu ao Grupo Chaski com uma poética visão combinada e com seu comprometimento
político já exercido antes em sua terra natal.
A combinação de experiências diversas desses cineastas convergiu no nome quéchua
Chaski. “Por hacer películas desde adentro, asume el nombre de los antiguos comunicadores
del imperio de los incas, los Chaskis, sistema que funciono y puso la comunicación al servicio
de todo un pueblo” 58 , explicou o membro Oswaldo Carpio, sobre a razão dessa escolha.
Analisando superficialmente o contexto sócio-político e o quanto isso refletiu no cinema
latino-americano, é possível compreender as escolhas feitas por esses “mensageiros da
comunicação” desde seu surgimento em 1982.
De acordo com Alejandro Legaspi 59 (2008 – informe verbal), a história peruana sempre
caminha contra a corrente. Enquanto no início das correntes cinematográficas do Novo
Cinema Latino-Americano, na década de 60 em diversos países, no Peru não havia nada além
do que uma pequena produção feita por diretores separadamente e uma corrente Cuzquenha –
da cidade de Cuzco - de curta duração. Outra forte diferença foi que, enquanto a maior parte
dos países na América Latina estava sendo dominados por uma ditadura de direita – entre a
década de 60 e 70-, o Peru passava pelo processo oposto: uma ditadura de esquerda regida
pelo político, militar e patriota peruano, o presidente Velasco Alvarado (1910-1977), que
ficou conhecida como o Gobierno Revolucionário de las Fuerzas Armadas 60 de 1968 até
1975. Por volta do ano 1972, o cinema surgiu no Peru por meio de um decreto de Velasco,
com uma série de leis que incentivavam a produção cinematográfica e ainda garantiam o
espaço delas no cinema.
58
“Por fazer filmes desde interiormente, assume o nome dos antigos comunicadores do Império Inca, os Chaskis,
sistema que funcionou e colocou a comunicação a serviço de um povo.
Jump Cut. Disponível em: http://www.ejumpcut.org/currentissue/Chaski/index.html. Acessado: 13/02/2009.
59
Informação repassada no debate: Nova Geografia no 3º Festival de Cinema Latino-Americano 2008, no dia 10
de julhos, às 15 horas no Memorial da América Latina - Mini-Auditório Av. Auro S. de Moura Andrade, 644 –
Barra Funda.
60
Governo Revolucionário das Forças Armadas do Peru.
64
A imposição dessa lei foi criando os cineastas no Peru, que não tiveram tempo de
vivenciar o processo cinematográfico como ocorreu em outros países. O cinema por decreto
deixou de existir logo após a ascensão à presidência de Alberto Fujimori (1938-), no ano de
1990, que considerou inadmissível – por acreditar na Lei da Oferta e da Procura - que o
Estado financiasse o cinema. Para Legaspi é importante agregar o fenômeno político da
Guerra do Sendero Luminoso 61 , que interrompeu o desenvolvimento do cinema no país,
chegando ao ponto de desaparecerem as salas de cinema por completo.
O pano de fundo gerado pelos atentados do Sendero Luminosos e o governo de
Fujimori, influenciaram o Grupo Chaski como um todo, desde a escolha da temática de seus
filmes – como a ficção Gregório (1984), a experiência vivida pelo garoto do título que sofre
um grande choque cultural ao mudar com sua família dos Andes para a violenta capital; ou o
drama de Juliana (1988) que explora o trabalho infantil -, até a debandada de grande parte do
grupo em 1991, de acordo com Stefan Kaspar por ser difícil manter uma democracia dentro
de um coletivo de cinema, em meio à ditadura de Fujimori.
A virada do século marcou o fim da era Fujimori e uma nova reconfiguração ao grupo,
com a junção de novos participantes e o princípio de um novo projeto, a Red Nacional de
Microcines 62 , como ferramenta de divulgação do cinema latino-americano e mundial. A Rede
Nacional de Microcines assegura a seus filiados uma programação contínua de filmes de
qualidade, legalmente adquiridas para exibição pública, além de formar promotores culturais,
oferecer uma assessoria permanente, mobilizar recursos da área e sensibilizar a população,
gerando assim um ambiente propício para o sucesso do microcine.
61
Sendero Luminoso foi um grupo revolucionário Maoísta – é uma corrente de comunismo baseada nos
ensinamentos de Mao Tse Tung (1893-1976) além de terem sido influencia dos pelo legado de estruturas
colônias que oprimiam, escravizavam e abusavam das populações indígenas em favor da elite espanhola,
conhecida como criollos -, esse grupo usava a violência para exigir uma serie de mudanças como a revolução
dos camponeses que incorporasse formas incas de viver. A guerra entre esse grupo e o governo gerou teve inicio
nos anos 80 e durou até 1998. Um relatório de 2003 contabilizou 22.057 mortos e 46.773 desaparecidos nesse
período.
62
Rede Nacional de Micro Cinemas.
65
Microcine é um espaço de encontro e exibição de filmes que visa gerar não apenas o
entretenimento como também uma reflexão sobre problemas sociais. O microcine é dirigido
por algum membro da comunidade que seja apto para atuar como promotor cultural e que
busque a sustentabilidade e a autogestão independente.
O Grupo Chaski oferece a capacitação para formar gestores de microcines, líderes
dessas regiões, além de incluírem no catálogo de filmes disponíveis, os filmes gerados dentro
do próprio grupo, para isso é necessário inicialmente dispor de um projetor multimídia, um
aparelho de DVD e de som.
A Rede de Microcines, somada à distribuidora digital disponível no próprio site do
grupo: www.grupochaski.org/; permite a compra desses títulos. Esse projeto mostra uma
aceitação total do uso de novas mídias e da tecnologia digital para cumprir essa missão de
levar o cinema até as regiões mais afastadas da capital para um público muito especial que
mantêm velhos costumes como, por exemplo, a língua indígena chamada Quéchua que é
usada por 2/3 da população.
Todas as iniciativas citadas acima se completam com a preocupação do grupo com uma
produção própria, para tal existe a produtora Chaski, que funciona de forma coerente com os
ideais envolvidos. Por toda essa preocupação minuciosa em produzir, distribuir e exibir um
cinema que tenha a marca registrada da América Latina em seu DNA e ainda usá-lo como
arma de desenvolvimento social, que o Grupo Chaski é o melhor exemplo na atualidade que
dialoga com a experiência do NCL nos anos 60.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta dessa dissertação foi identificar e analisar o movimento do Novo Cinema
Latino Americano e suas várias formas de expressão nesse continente, desde o primeiro
encontro de seus membros, que se deu no Festival de Viña Del Mar em 1967, pontuando as
diversas fases pelas quais ele passou ao decorrer da história até os dias de hoje.
Este estudo também pretendeu fazer um paralelo entre o desenvolvimento do
movimento e os acontecimentos políticos ao longo desse período, pelo Novo Cinema LatinoAmericano e tratar de um movimento de militância contra o Imperialismo Americano e
formas abusivas em geral de dominação, sejam elas proferidas por antigos colonizadores ou
pelo próprio Estado.
A primeira parte do 1º capítulo discorreu sobre as diversas formas de não conformismo
da juventude dos anos 60, impulsionada por inúmeras mudanças sociais, culturais e
econômicas que foram estabelecidas no pós-guerra - II Guerra Mundial -, e marcadas por um
fato que dividiu a historia mundial: a Revolução Cubana em 1959, ou seja, a luta travada entre
um movimento popular que sonhava em transformar Cuba em um país mais justo a partir do
fim da estrutura do sistema político neocolonial e da aceitação do modelo socialista, versus o
antigo sistema político, encabeçado pelo então presidente Fugêncio Batista (1901-1973).
A segunda parte foi focada no surgimento de jovens latino-americanos que elegeram o
cinema para fazer uma revolução que em um primeiro momento seria feita de forma
individual dentro de seus respectivos países. No entanto, uma grande identificação entre esses
jovens e os problemas nos quais seus países estavam inseridos, além de todos serem frutos do
colonialismo, ocorreu, o que resultou no ano de 1967 o primeiro encontro formal desses
jovens, no Festival de Cinema de Viña Del Mar, onde eles criaram o Movimento do Novo
Cinema Latino Americano e a partir desse momento tiveram um maior contato com a
67
cinematografia e problemas de seus vizinhos, passando a usar o cinema como forma de
exaltação da nacionalidade latino-americana e arma contra o subdesenvolvimento entre
outros.
No capitulo II, o olhar centrou-se no desdobramento desse primeiro encontro, que
produziu manifestos, revistas, outros festivais e retratou a realidade em mais uma dezena de
filmes, que resultou no período mais fértil do movimento, que foi bruscamente interrompido
em um curto período de tempo, pela instauração dos regimes militares - na maior parte dos
casos – em grande parte dos países que constituem a América Latina.
Devido às situações particulares ocorridas em todos os países decorrentes da instauração
desses regimes, somados a grande extensão física nomeada de América Latina, o capitulo II
assume certa superficialidade ao abordar esse tópico.
No capítulo seguinte, o enfoque foi dado em como ocorreu uma reorganização dos
membros desse movimento, após um longo período imerso na falta de liberdade imposta de
forma violenta por esses regimes, que em segunda estância gerou mortes, desaparecimentos,
exílios. A reorganização ocorreu em 1985 na ilha de Cuba, quando a idéia de criar uma escola
de cinema e TV em formato experimental, especialmente voltada para nascidos em países de
terceiro mundo veio à tona e se concretizou pela união de antigos membros do movimento,
principalmente pelas mãos de Fernando Birri, Julio Garcia Espinosa, Gabriel Garcia Marques
e o então presidente cubano Fidel Castro, que facilitou o projeto disponibilizando o espaço,
equipamento entre outros.
O discurso sobre a concretização desse projeto por meio da Escola Internacional de
Cinema e Televisão de San Antonio de Los Baños foi abordado na tentativa de sublinhar
nesse projeto a continuidade de uma preocupação quanto à realidade vivida nos países
chamados de “subdesenvolvidos”, em retratar a realidade como forma de não conformismo
com as condições sociais, questões importantes desde o surgimento do movimento somadas a
68
novas questões de qualidade da produção, distribuição, exibição, formação de profissionais
aptos a trabalhar com cinema e TV.
O último capítulo afirma o quanto a reorganização dos membros do movimento foi
importante para o sucesso da EICTV, que chegou ao patamar mais alto que poderia chegar
uma escola de cinema. No entanto, o sucesso conceitual da EICTV não foi o bastante para
reviver o antigo movimento, porém as razões exatas pelas quais isso ocorreu não são claras,
pelo fato de não haver registros que elucidem as reais motivos do não fortalecimento do
movimento.
No entanto, os acontecimentos econômicos e sociais mundiais daquele momento, como
o fim da Guerra Fria, que resultou diretamente no crescimento do capitalismo e o fato de a
geração de cineastas surgida pós ditadura não prover do mesmo background dos cineastas que
formaram o movimento na década de 60.
Foram muitos os obstáculos encontrados ao longo desse percurso proposto pela minha
pesquisa, obstáculos que envolvem a falta de documentação de alguns eventos, que se
perderam pelo tempo ou não foram realmente documentados, a dificuldade - mesmo em
tempos de globalização – em encontrar os filmes produzidos por essa geração, a pouca
bibliografia encontrada no Brasil para ser usada como ponto de apoio. De qualquer forma
acredito ter produzido uma linha do tempo superficial do que ocorreu com o movimento do
Novo Cinema Latino Americano na historia que possivelmente servirá como o principio de
um estudo mais aprofundado para mim e possíveis entusiastas do tema.
69
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74
ANEXOS
Anexo 1
Esse é apenas um extrato da “Certidão de Nascimento” pronunciada em 15-XII-86. no
ato inaugural da Escola Internacional de Cinema e TV para a America Latina e o Caribe,
África e Ásia, apelidada de Três Mundos, em San Antonio de Los Baños, Cuba. Pode ser
encontrada no livro: O Alquimista Democrático: por um novo novo cinema latino- americano.
Brasília, 2008. onde o autor reúne escritos produzidos nos últimos 35 anos.
“Certidão de Nascimento”
Pela fundação do Novo Cinema Latino-Americano e o Comitê de Cineastas da América
Latina.
Gabriel Garcia Marquez (g), Colômbia/ Edgar Pallero (e), Bete Kamin (b), Argentina/ Beatriz
Palácios (d), Jorge Sanjinés (d), Bolívia/ Cosme Alves Neto (d), Nelson Pereira dos Santos
(c,d), Geraldo Sarno (e), Silvio Tendler (d), Brasil/ Carlos Álvares (d), Lisandro Duque (d),
Colômbia/ Daniel Diaz Torres (d), Julio Garcia Espinosa (d), Alfredo Guevara Valdes (c,d),
Manuel Pérez Paredes (e), Cuba/ Miguel Littin (d), Chile/ Eduardo Díaz (b), Jesús Treviño
(d), Chicanos/ Ulises Estrella (d), Equador/ Paul Leduc (d), Jorge Sanchez (e), México/
Ramiro Lacayo (d), Nicarágua/ Pedro Rivera (d), Panamá/ Alberto Durant (d), Norma de
Izcue (d), Peru/ José Garcia (d), Ana Maria García (d), Porto Rico/ Walter Achúgar (d),
Uruguai/ Edmundo Aray (e), Tanik Souki (d), Venezuela/ Alquimia Peña (f), Cuba.
Pela Escola
Fernando Birri, Diretor/ Dolores Calvino, Vice-Diretora/ Sergio Muniz, Diretor Docente/
Tarik Souki, Diretor de Produção e Serviços Técnicos/ Elsa Oliva, Diretora Administrativa/
Juan Grillo, Secretário Docente/ Josefina de Diego, Chefe do Departamento de Documentação
e Extensão Cultural/ Leonides Marzan, Engenheira Agrônoma.
Legenda:
a) Diretor da Escola Internacional de Cinema e TV.
b) Membro do Comitê de Cineastas da América Latina.
c) Membro de Honra do Comitê de Cineastas da America Latina.
d) Membro do Conselho Superior da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano e
Membro do Comitê de Cineastas da América Latina.
e) Membro do Conselho Superior da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano, Membro
de seu Conselho Diretivo e Membro do Comitê de Cineastas da América Latina.
f) Secretária da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano.
g) Presidente da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano.
Área de Oficinas e Laboratórios
Direção: Federico Weingartshofer, Chefe de Laboratório/ Octavio Cortazar, Professor/
Roteiro: Ambrosio Fornet, Chefe de Laboratório/ Jesús Díaz, Daniel Dias Torres, Professores/
Fotografia e Câmaras: Diego de La Texera, Chefe de Laboratório/ César Charlone, Rodolfo
Lopez, Professores/ So: Nerio Barberis, Chefe de Laboratório/ Jerônimo Labrada, Carlos
Aguilar, Professores/ Edição: Jaqueline Meppiel, Chefe de Laboratório/ Nelson Rodriguez,
75
Catherine Posada, Professora/ Oficina de Documentário Latino-Americano e Caribenho,
Africano e Asiático: Santiago Alvarez, Assessor/ Oficina da Orelha: Leo Brouwer, Chefe/
Luigi Nono, Assessor/ Oficina de Integração Cultural Latino-Americana e Caribenha,
Africana e Asiática: Roberto Fernandez Retamar, Assessor.
Área Técnica e Pessoal de Apoio
Teresita Sánchez, Técnica em Informação Cientifico-Tecnica e BiBlioteca/ Jorge Dalton,
Especialista em Áudio, Vídeo e Gravações/ Marilis Machado, Chefe da Brigada Gráfica/
Martina Medela, Maria Teresa Díaz, Operadoras de Equipamentos de Composição a Frio e
Fotocopiadora/ Jorge Luis Oliva, Impressor Off-sete encadernado/ Ebet Gutierrez,
Cordenador de Guilhotina, Empacotamento e Armazenagem/ Eduardo Puentes, Preparador,
Dobrador, Grampeador e Máquina de Encardenação em Espirais/ Rogelio Guerra, Professor
de Educação Física/ Jorge Luis Reyes, Projecionista/ Estrella Hendrickson, Especialista em
Sistemas de Computação; Clara Carbelles, Secretaria.
Área Econômica
Alejandro Delgado, Especialista em Contabilidade e Custo/ Hidelisa Hernandez, Contadora/
Wilfredo Rodríguez, Encarregado de Atividades Administrativas/ Raul Espinosa,
Encarregado do Armazém/ Rolando Martinez, Comprador-Distribuidor.
Área de Manutenção
Antonio Cartaya, Mecânico de Equipamentos Elétricos/ Pablo Díaz, Eletrecista Manutenção/
Cirilo Fuentes, Operador Geral de Manutenção.
Área de Cozinha e Refeitório
Caridad Veloz, Chefe da Brigada de Cozinha/ Daria Rivas, Francisco Guzman, Cozinheiros/
Adan González, Daniel Noda, Ajudantes-Gerais de Cozinha.
Área de Serviços Gerais
Olga Mesa, Chefe de Brigada de Serviços/ Francisca Fernández, H. Cândida Fuentes,
Mercedes Matos, Irene Duque, Emelina Suarez, Mirla Pérez, Gregório Lobo, Auxiliares
Gerais de Serviços/ Virginia M. Salgado, Justina Fuentes, Atendentes Gastronômicos.
Área de Recepção e Segurança
Rubén Paneque, Responsável/ Onelio Noda, Carlos Ruiz, Leonido Frontela, Rigoberto
Hernández, Segurança/ Íbis Caises, Mariolys Robayna, Telefonistas.
Área de Transporte
Luis Sigler, Chefe da Brigada de Motoristas/ Ramon Azcuy, Rosendo Manso, Miguel
Diosdado, Alfonso Acosta, Rene Garcia Perez, Jose Antonio Cárdenas, Motoristas.
76
Área de Produção Agrícola
Horta: Rafael Correa, Candido Lazaro, Emilio Freitas, Natividad Mesa, Operários Agrícolas/
Emigdio Chávez, Operador de Equipamentos Agrícolas.
Área de Integração Industrial
Julio Garcia Espinosa, Vice-Ministro da Cultura, Presidente do ICAIC, Jorge Fraga, VicePresidente da Produção Cinematográfica do ICAIC, Coordenadores com o ICAIC, Instituto
Cubano da Arte e Industrias Cinematográficas/ Ismael Gonzáles, Presidente do ICRT, Sergio
Corrieri, Vice-Presidente ICRT, Humberto García Espinosa, Diretor de Programação,
Coordenadores com o ICRT, Instituto Cubano de Radio e Televisão.
Anexo 2
Reportagem da Revista Cine Cubano, nº153, La Habana, 2002, escrita por Carlos Vives, com
o titulo Apuntes sobre la cinematografia latinoamericana en el contexto actual. Encontrada na
integra no site da INFODAC.
APUNTES SOBRE LA CINEMATOGRAFIA LATINOAMERICANA EN EL CONTEXTO
ACTUAL
Incidencia de los Grandes Estudios
CARLOS VIVES
En colaboración con el Equipo de la División de Negocios del ICAIC
(Resumen de la conferencia impartida por el autor en el II Congreso Internacional Cultura y
Desarrollo celebrado en Cuba en el mes de junio de 2001).
Lograr una fuerte presencia en las pantallas propias, unido al objetivo de desarrollar un
mercado, constituye aún el gran reto para la cinematografía latinoamericana. Las
cinematografías más fuertes del área aún no consiguen siquiera igualar la posición de que
gozaron en determinado momento histórico en sus propios territorios, salvo puntuales y
aislados proyectos. Todo ello como consecuencia, en un primer orden, de que los circuitos y
ventanas de exhibición para las producciones cinematográficas nacionales continúan siendo
prácticamente marginales o, en el mejor de los casos, sometidos a una temporalidad de
explotación más que breve.
Las causas que en la región dan origen a esta situación apuntan a mantenerse, e incluso
a intensificarse, condicionadas en parte por una realidad de mercado adversa a las
cinematografías locales y en buena medida por la carencia de fuertes mecanismos
gubernamentales de apoyo y protección a estas industrias. Ello unido a una renovación
tecnológica constante y las exigencias de mejoramiento de los estándares de calidad, que
implican costos no recuperables a corto y mediano plazo, imposibles de asumir por las
industrias latinoamericanas.
Esta situación regional se agudiza a partir del nivel de recuperación que el cine made in
Hollywood encuentra en su propio mercado natural, lo que le permite proyectar sus
exportaciones y competir a niveles imposibles de superar en los mercados latinoamericanos.
Estudios realizados le atribuyen un promedio del 90 por ciento de la taquilla regional. Los
77
circuitos de exhibición tradicionales y los previstos para un futuro casi inmediato, comienzan
a aparecer bajo control, particularmente en los sistemas multisalas y las nuevas tecnologías de
comunicación que se comienzan a implementar, ales como la proyección digital a través de
satélite para circuitos.
Evidentemente debemos procurar que las películas generen ingresos, que recuperen su
inversión e incluso tengan ganancias, pero en las condiciones actuales de nuestra industria lo
más importante es entender el sentido cultural del cine como auténtica expresión creativa de
un país, como revelación de nuestras esencias y realidades más hermosas y complejas,
buscando una presencia de nuestra cinematografía en el extranjero que intente ocupar un
espacio en las manifestaciones más legítimas de la identidad y la cultura. Países como España,
Francia, Argentina, Brasil, Alemania y Canadá así lo han entendido, México retoma
conciencia. En el caso de Cuba no tenemos la menor duda de que cada película que se
produce es una nueva expresión cultural propia que requiere ser difundida, apoyada,
estimulada y exportada. En la medida en que más se produzca habrá más posibilidades de
hacer mejores películas, la apuesta se torna menos arriesgada. La ley de probabilidades,
incluso, nos favorecería.
Como todos sabemos, gran parte de las cinematografías del mundo, incluida la
norteamericana, no podrían subsistir sin la protección del Estado. Nuestra memoria
cinematográfica no existiría, si hubiese estado condicionada por las leyes del mercado. En
varios países de la región, donde se ha intentado otorgar a la cultura y al cine nacional el valor
estratégico que requieren, los enemigos del papel protector del estado y sus instituciones
hacia la cinematografía, utilizan incluso el pretexto de que las demandas de sus cineastas no
son más que presiones gremiales disfrazadas de chovinismo, cuyo verdadero objetivo son
ventajas económicas, cuando por lo que se lucha es por el patrimonio cultural de nuestros
pueblos, por la memoria histórica de nuestras naciones que con su diversidad integran una
unidad esencial.
El cine es por esencia universal. Gracias a él, el público viaja a los países y culturas
más lejanas a través de un mismo lenguaje. De ahí la tesis, de que si algo ha preparado el
terreno a la globalización, ha sido el cine, ahora agravado como fenómeno ante un peligro
mayor, la uniformación, la cual implica la desaparición de todo lo que no provenga de
Hollywood, una “libertad de mercado” que se disfraza con la libertad de media docena de
compañías norteamericanas y de otras latitudes para dominar el escenario cinematográfico
mundial.
La industria de cine estadounidense es la mayor del mundo y aparece articulada con la
industria del entretenimiento, que constituye la tercera mayor rama exportadora de la
economía norteamericana. Se trata de un sector que genera gran capacidad de empleo y que
utiliza una enorme infraestructura de servicios. Recordemos los incesantes y alarmantes
llamados a la cordura realizados recientemente por el gobernador de California a los Estudios
y al Sindicato de Guionistas, dado el inmenso peligro y desestabilización que representaba
para la economía de ese región y del resto del país, la huelga convocada por estos últimos
para mayo de este año. Debemos tener en cuenta que los gastos anuales de la industria de cine
norteamericana exceden los treinta y dos mil millones de dólares, de los cuales veinticinco mil
millones se quedan en el Estado de California.
Conscientes de lo anterior y del valor estratégico del sector, han impulsado y aprobado
medidas de protección e incentivos a la industria cinematográfica, que contrastan con el
hipócrita discurso neoliberal que aplican de cara a América Latina respecto a la competencia
en el cine, y muy lejos del mito de que su industria no recibe tratamiento especial dentro de
Estados Unidos.
78
El cine de nuestro tiempo cada vez más, en tanto expresión cultural y medio de
comunicación, presenta hoy en su cartelera los problemas resultantes de la globalización y del
neoliberalismo económico. Las industrias cinematográficas nacionales no pueden ser ajenas a
la devastación que esta ideología ha ocasionado al concentrar excesivamente la riqueza en un
Grupo que posee el control de la tecnología de punta y el financiamiento necesario para
mantener a salvo sus intereses.
La clave del desarrollo de cualquier actividad industrial no puede estar reducida al
sector de la producción, sino que depende en gran medida, del vínculo que se establezca con
el eslabón de la distribución y la exhibición; solo así podrá cumplirse el ciclo de su proceso
comercial. No habrá dinero suficiente, cuando no se dispone de los mecanismos adecuados
que permitan la salida del producto al mercado para su explotación y recuperación.
Una película, estarás condenada la fracaso si no tiene asegurada su salida exitosa a los
mercados nacionales y extranjeros.
En la industria cinematográfica, el productor, el distribuidor y el exhibidor son tres
rivales que compiten entre sí para obtener los mejores beneficios. A pesar de sus pugnas,
ninguno puede hacer nada sin la concurrencia del otro. Ante la preocupación de que sus
películas queden sin llegar al público, recientemente algunos grupos europeos y
latinoamericanos han concretado fusiones y concentraciones de capital que les permita
obtener cierta presencia de sus producciones en las pantallas. Cabe señalar al respecto
ejemplos como el de España, donde la producción global del último ejercicio, alrededor de
una veintena de títulos no se han podio estrenar en salas, fenómeno este muy común en
América Latina.
Las industrias cinematográficas latinoamericanas que lograron desarrollarse en el
pasado inmediato, con algunas cifras de producción esperanzadoras, se debaten día a día por
subsistir como consecuencia de la estrategia de los Majors (principales estudios de
Hollywood, entre los que se encuentran Columbia, TriStar Pictures, Universal, Disney, etc.), a
través de la referida práctica monopólica y sus alianzas con los nuevos empresarios de la
exhibición local. Esto concede a las grandes compañías norteamericanas una garantía de
cuasi-exclusividad y preponderancia en las pantallas latinoamericanas. Para ello se valen de
sistemas como la “contratación por lote o paquete” (block-booking).
Estas prácticas arbitrarias ejercidas por las Majors, perduran de forma encubierta o
evidente según el país, de forma que se impide la sana y libre competencia de otras
cinematografías, no solo en el inexpugnable mercado norteamericano, sino en el mercado
doméstico de cada país, gracias al privilegio de su posición predominante a nivel mundial y a
la complicidad de su propio aparato de Estado, como a continuación se explica.
La Asociación Exportadora de la Industria Cinematográfica Norteamericana
(M.P.A.E.), organizada como monopolio “legal”, e investida de muchas excepciones respecto
a las prohibiciones “antimonopólicas” que rigen en su propio país, opera en nombre de los
grandes estudios que conforman la “Asociación de la Industria Cinematográfica
Norteamericana” como su único agente exportador y distribuidor en el extranjero. Esta
rganización cuenta, además, con una extensa red internacional de representaciones en los
mercados más importantes del mundo, para lograr sus fines, “negocia, hace transacciones,
regatea y amenaza; trata de ganar amigos, influir y hasta determinar en las políticas
audiovisuales de cada país”. Cuando la legislación cinematográfica de determinado país pone
en riesgo la tajada de su mercado, no retrocederá ante nada hasta conseguir derogarla o
suspenderla. Una vez logrado su cometido, representará entonces el papel de “ángel tutelar” al
promover la producción anual de un puñado de películas norteamericanas en el país, cuya
industria fílmica, su misma organización se encargó de debilitar.
79
Legalmente autorizada para monopolizar los mercados extranjeros, la asociación
exportadora se ha atrincherado en ellos, mientras la M.P.A.A. (Motion Pictures American
Association) se encarga de hacer lo mismo en su propio mercado doméstico, al que ha
convertido en un reducto inexpugnable, a fin de impedir la intromisión de las demás
cinematografías en territorio norteamericano.
Hoy día Hollywood capta más del 50 por ciento de sus ingresos en el extranjero, incluso
hasta el 60 por ciento, frente al 30 por ciento que captaba en 1980. En contraste, la
participación de las películas extranjeras en el mercado norteamericano solo llega a un tres
por ciento. Básicamente amparados en una competencia desleal, desequilibrada, injusta,
disfrazada de miles de argumentos, que desplaza la producción nacional. Ha de tenerse en
cuenta que este cine, aparte de industria en sí, constituye herramienta ideológica y quizás el
mejor propagador de los modelos culturales y de consumo de la industria norteamericana. A
través de sus películas el mundo aprendió a consumir Coca Cola, McDonalds, refrigeradores,
automóviles, televisores, etc. Por ello tiene rango de industria estratégica, dado que como una
de las principales armas del imperio, depende de su capacidad de transmitir la forma de vida
americana, y para ello cuenta con los instrumentos necesarios. Así, es nuestra responsabilidad
como cineastas lograr que nuestro cine se convierta en una industria estratégica para nuestros
países de América Latina, como salvaguarda de nuestra cultura, valores, identidad, fronteras y
riqueza en el sentido más amplio de la palabra.
Conocido resulta lo difícil de resistir la avalancha del fenómeno descrito, el cual crea
modelos de conducta en nuestros pueblos desde la infancia. La experiencia cubana en este
sentido, teniendo entre sus causas hechos históricos de fuerte relevancia que marcaron una
diferencia con el resto del escenario latinoamericano, y aunque no impermeable, ha permitido
crear modelos propios y lograr diversificar el gusto del público al no contar con la limitante
de una pantalla dominada por los Majors. Inclusive establecer programas audiovisuales
educativos para la infancia, mediante importantes inversiones en el sector audiovisual y
especialmente en la animación, partiendo de que aunque estas últimas no suelen
rentabilizarse, constituyen una inversión esencial en la formación cultural y social de la niñez.
Hoy seguimos viendo la vulnerabilidad que representa el hecho de que la mayor parte
de los países que integran la región, carezca de políticas y/o leyes que protejan su
cinematografía, en algunos casos por la ausencia de una industria local, en otros debido a la
fuerte presencia de los grupos mencionados. Salvo excepciones, gran parte de los países
latinoamericanos no obligan a realizar las copias de cine en sus propios laboratorios, lo cual
permite a las compañías multinacionales introducir las que competen a cada título, en muchos
casos declarándolas sin valor comercial y, lógicamente, sin pagar impuestos; en otros, apenas
con aranceles mínimos. Esto comienza a crear la gran diferencia que existe entre estas
facturas y las producciones nacionales que han pagado impuestos, han creado empleos, dejan
los beneficios en el país y, sobre todo, han creado cultura.
En medio del paisaje neoliberal que reina hoy en Latinoamérica, donde muchos
gobiernos están dispuestos a sacrificar no solo la cinematografía, sino la cultura en general, a
cambio de reducir un poco la inflación para cumplir los designios del Fondo Monetario
Internacional, o del Banco Mundial, dar continuidad y desarrollar nuestro cine, constituye hoy
más que nunca tarea de nuestras naciones. De ahí la conclusión a la que hemos llegado desde
hace muchos años: es preciso trabajar juntos, cooperar en la producción, distribución y
exhibición de nuestra obra audiovisual común, lograr mecanismos que nos permitan obtener
películas con un valor artístico capaz de lograr la comunicación con los públicos más
diversos, al tiempo que resulten competitivas y genuinamente nuestras.
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