PARA QUE SERVE A FILOSOFIA: UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA
Evaristo Magalhães1
“Filosofar é reaprender a ver o mundo.”
Merleau Ponty
RESUMO: O artigo pretende descrever uma experiência pedagógica realizada no curso
de direito na Faculdade de ciência jurídica professor Alberto Deodato onde foi possível
discutir, em que medida, as condições sociais, políticas e econômicas podem interferir
na direção da verdade.
PALAVRAS-CHAVE: experiência pedagógica, filosofia, condições sociais, verdade.
O presente artigo tem como objetivo descrever uma experiência pedagógica
na disciplina de filosofia do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas
Professor Alberto Deodato, a partir da discussão do primeiro capítulo do livro
“Apresentação da Filosofia” de André Comte-Sponville, intitulado “A Moral” e da
exibição e discussão do filme “Linha de Passe” de Walter Sales. Nesta experiência foi
possível estabelecer um contraponto em que apenas filosofar não é suficiente para
sustentar o sujeito na direção da verdade, sendo necessário comumente o
estabelecimento de condições sociais, políticas e econômicas básicas.
Sou professor de filosofia no ensino superior há, pelo menos, nove anos.
Meu objetivo tem sido mostrar em que medida a filosofia pode nos ajudar na solução
dos nossos problemas sociais e contribuir para a nossa realização pessoal. Ou seja,
meu intuito não é o de fazer exegese das obras clássicas de filosofia, mas, de fazer um
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Mestre e doutorando pela UFMG. Professor da Faculdade de ciências jurídicas professor Alberto
Deodato. Email: [email protected].
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convite para uma reflexão filosófica que aponte novos olhares para as questões do
cotidiano.
O objetivo de André Comte-Sponville no livro “Apresentação da Filosofia” é
mostrar em que medida a filosofia pode nos orientar no caminho da verdade. O
conceito de verdade para este autor comunga com a idéia de “condição de
possibilidade” presente da filosofia antiga platônica à filosofia contemporânea de
Wittgenstein. Ou seja, a filosofia diz respeito àquilo que é imprescindível, do qual não
podemos abrir mão, sob o risco da nossa própria sobrevivência. Diz respeito à
universalidade da verdade.
De acordo com Comte-Sponville, o método para chegarmos à verdade segue
os mesmos princípios da filosofia clássica e moderna: tomar distância, interrogar e
refletir sobre o próprio pensamento, o pensamento do outro, o pensamento da
sociedade, o que a experiência nos ensina e sobre o que ela não nos ignora. No que
tange à moral, a filosofia nos guia no caminho da consciência do dever como condição
de possibilidade para qualquer forma de agrupamento social. Segundo este autor, a
filosofia está comprometida em combater qualquer forma de comportamento pautado
no interesse particular, uma vez que este destrói a solidariedade e a generosidade,
virtudes essenciais para a manutenção da humanidade.
O filme “Linha de Passe” de Walter Sales conta a estória da família de
Cleuza, uma empregada doméstica, abandonada pelos pais de seus quatro filhos,
Dênis, Dinho, Dario e Reginaldo, e do filho que ela está grávida. A família de Cleuza
vive num barraco de dois quartos na periferia de São Paulo numa situação de exclusão
social. Denis, um moto-boy, vive com a família, mas tem um filho do qual não pode
ajudar porque o que ganha vai para pagar as prestações da motocicleta. Dinho, único
frentista de um posto, é evangélico e espera um milagre conforme prometido por seu
pastor. Dario sonha em ser jogador de futebol, mas, é explorado por cartolas
agenciadores de adolescentes da periferia. Reginaldo sonha em ser reconhecido pelo
pai e se tornar como ele, motorista de ônibus.
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Apesar de viver abaixo da linha da pobreza, circula afeto entre os membros
da família de Cleuza. A mãe orienta sempre que pode no caminho da honestidade, do
bem e dos princípios da boa convivência social. No entanto, a mãe perde o emprego,
Denis não enxerga nenhuma melhoria no trabalho como moto-boy, Dinho é agredido e
despedido por um assalto em que ele não teve culpa, Dario vê seu sonho de ser
jogador de futebol desaparecer porque está em vias de completar dezoito anos.
Reginaldo perde as esperanças de ser reconhecido pelo pai que sequer sabe seu
nome.
Nesta perspectiva, o filme faz um contraponto com o texto “A moral”, na
medida em que mostra que só a filosofia não é suficiente para sustentar os indivíduos
na consciência do dever. O que contraria de modo enfático a idéia de que só a
educação pode salvar os países de terceiro mundo. A família de Cleuza conhece a seu
modo os princípios éticos da tradição ocidental. Isto fica evidente na cena em ela agride
o filho mais novo Reginaldo e, durante o seu sono, toca seu rosto num misto de culpa e
de amor pelo filho. Em diferentes situações a mãe aparece limitando as atitudes e o
vocabulário hostil das conversas entre os filhos. Numa cena aparece Cleuza
devolvendo o dinheiro que encontrou no bolso da calça do filho da patroa. Noutra cena,
aparecem os irmãos cuidando de Dario após um porre numa balada com o filho da
patroa de Cleuza. Não obstante, as dificuldades começam a piorar e a sujeira que
entope a pia nunca desce pelo ralo, por mais que Cleuza se esforce. Esta família
limítrofe entre o dever e a sobrevivência é forjada ao descontrole, ao crime e à violência
para garantir minimamente alguma dignidade. Quando o imperativo da sobrevivência
bate à porta nenhum valor se sustenta. Isto nos faz lembrar nosso sociólogo maior,
Hebert de Souza, que dizia quando o sujeito chega a sentir fome é porque tudo o mais
ele já perdeu.
REFERÊNCIAS
COMTE-SPONVILLE, A. Apresentação da filosofia. São Paulo. Martins Fontes. 2008.
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LINHA DE PASSE. Filme de Walter Sales. 2007.
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Artigo Filosifa 4